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REGULAMENTO (CE) Nº1215/2012 DE 12/9
SITUAÇÃO JURÍDICA PLURILOCALIZADA
PACTO ATRIBUTIVO DE JURISDIÇÃO
TERCEIROS
Sumário
4.1. - A competência absoluta do tribunal é pressuposto processual que se determina atendendo a como o autor configura o pedido e a causa de pedir; 4.2. – As disposições do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, incluindo a disposição do art. 25.º, têm prioridade sobre as disposições do Código de Processo Civil, sendo que, as situações jurídicas plurilocalizadas, desde que transnacionais, podem ser objecto de pactos atributivos de jurisdição, nos termos do art. 25.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012. 4.3. - A validade de uma convenção outorgada e dirigida à atribuição da competência a um dos tribunais dos Estados Membros da EU para julgar qualquer dissidio emergente e relacionado com um concreto negócio jurídico não depende de uma conexão entre a relação controvertida e o tribunal designado ou do motivo da escolha, devendo tal validade ser apreciada/aferida por regra à luz dos requisitos específicos formais e materiais plasmados no citado art. 25.º do Regulamento indicado em 3.2.; 4.4. - Tal pacto em causa impõe-se às demais partes processuais, ainda que não contratantes, desde que os pedidos contra elas formulados estejam numa relação de dependência com o pedido principal, ou desde que os diversos pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente - cfr. artº 8º do Regulamento indicado em 3.2. .
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
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1.- Relatório. TECNISETEI ELECTRICIDADE E ENGENHARIA,LDA., com sede em Lisboa, Portugal, intentou a presente ação declarativa de condenação contra TEAM ELECTRIC OY AB, com sede na Finlândia, HIJOS DE J. BARRERAS, S.A., com sede em Espanha, CRUISE YACHT YARDCO LTD, com sede em Malta, CRUISE YACHT 1 LTD, com sede em Malta, e CRUISE YACHT HOLDCO LTD, com sede em Malta, pedindo que, uma vez julgada a presente ação totalmente provada e procedente: a) Sejam a 1ª, a 2ª e a 4ª Rés condenadas a indemnizar a Autora por incumprimento contratual da 1ª e abuso de direito das 2ª e 4ª Rés, relativamente ao incumprimento contratual da 1ª Ré, no valor de € 246.715,14; b)Subsidiariamente, e caso se considere que as 1ª, 2ª e a 4ª Rés não têm de indemnizar a A. nos termos referidos em 1., sejam a 1ª, 2ª e 4ª Rés condenadas a entregar à A. o montante de €246.715,14, ao abrigo do disposto no art. 473º do Código Civil;
c) Cumulativamente ou com o pedido deduzido em a) ou com o pedido deduzido em b), sejam todas as Rés condenadas no pagamento à A. do montante de € 2.910.804,80, acrescido de juros de mora vincendos, contados desde a citação da petição inicial até efetivo e integral
1.1.- Para tanto, invocou a autora , e em síntese, que :
- Através da sua sucursal em Espanha ( que criou propositadamente para as obras a realizar para a 1ª Ré ), celebrou, em 25 de maio de 2018, três contratos de “prestação de serviços”, com a 1ª Ré, então subempreiteira dos trabalhos de instalações eléctricas no navio “Evirna”, que estava em construção pelo estaleiro naval empreiteiro Barreras (2ª Ré);
- Os trabalhos de construção do referido navio foram desenvolvidos no interesse da 4ª Ré, proprietária do navio e dona de obra e da 5ª Ré, sua acionista única;
- A Autora foi contratada para realizar os trabalhos técnicos de eletricidade nos espaços exteriores dos decks 3, 4, 7 e 8 e suites destes dois últimos;
- A obra estava a superar, e em muito, as estimativas iniciais (feitas com base em indicadores definidos pela 1ª Ré que foram referidos à Autora numa reunião ocorrida na Finlândia) em termos de número de horas efectivas de trabalho real e útil despendidas pela Autora;
- Ocorre que prosseguindo a obra inicialmente sem percalços , veio a mesma súbita e inesperadamente a sofrer uma paragem que ocorreu em 21 de outubro de 2019, data em que a 1ª Ré já devia à Autora o montante total de € 304.815,00, relativamente a trabalhos executados e não contemplados nos autos de medição e, consequentemente, não facturados;
- A paragem das obras em 21.10.2019 foi “imposta” à Autora em consequência de súbita suspensão de todos os trabalhos de construção do navio “Evirna”, determinada por aquilo então referido como sendo uma situação de pré-insolvência da 2ª Ré [ situação de pré-insolvência da 2ª Ré que se deveu fundamentalmente ao mau planeamento da obra e a desentendimentos financeiros ( a que a A.foi totalmente alheia) entre a 2ª Ré e a Dona da Obra (a 4ª Ré) ] , conforme comunicado por e-mail da 1ª Ré para a A. datado de 21.10.2019 ;
- Incorre assim a 1ª Ré em responsabilidade contratual perante a autora, até ao momento da suspensão dos trabalhos, e outrossim em responsabilidade extracontratual, depois da suspensão dos trabalhos;
- Relativamente ao referido incumprimento, são as 1ª, 2ª, 3ª e 4ª Rés solidariamente responsáveis pelos danos sofridos pela Autora, como consequência dos factos ilícitos por si praticados, por acordo e em atuação conjunta e concertada para criar uma situação de insolvência na esfera da 2ª Ré e, assim, permitir que a 3ª Ré adquirisse o seu capital social e tratasse diretamente da construção naval, o que permitiu que a 1ª Ré descartasse a Autora enquanto subempreiteira, causando-lhe prejuízos;
- É verdade que nas condições dos contratos ( mas que à autora foram impostas pela 1ª Ré ) outorgados pela autora se descobre uma cláusula que atribui a competência dos Tribunais de Helsínquia para dirimir as questões relacionadas com os referidos contratos ;
- Ocorre que, dispõe o artigo 62º - na respectiva alínea c) - do Código de Processo Civil que Os tribunais portugueses são internacionalmente os competentes “ Quando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real” ;
- Ora, no presente caso, existe não só uma dificuldade manifesta para a Autora em tornar efectivo o seu direito por meio de acção a instaurar em tribunal estrangeiro, como também existe um ponderoso elemento de conexão pessoal entre o objeto do litígio e a ordem jurídica nacional ;
- É que, em primeiro lugar, seria incomportavelmente oneroso para a A., uma pequena sociedade por quotas portuguesa e que se encontra atualmente numa situação económico-financeira muito precária, ir litigar contra as Rés, seja nos tribunais da Finlândia, seja nos tribunais malteses, seja até nos tribunais espanhóis;
- Na verdade, uma litigância em tribunais estrangeiros acarretaria não apenas custos de deslocação e alojamento muito elevados, como também elevadíssimos custos com a indispensável contratação de advogados locais e ainda custos com constantes traduções ;
- Acresce que existe ainda um ponderoso elemento de conexão pessoal entre o objeto do litígio e a ordem jurídica nacional, e que consiste no facto de a Autora ser uma sociedade de Direito português e também o facto de todos os trabalhadores da A., que se viram impedidos de receber os seus salários devido à paralisação dos trabalhos e que, à falta de melhor, foram objecto de um despedimento coletivo ( inevitável mas injustíssimo pois esses trabalhadores são exímios profissionais e nenhum mal fizeram) serem também de nacionalidade portuguesa;
- Por último e a justificar a propositura da acção em Portugal, importa atentar que na presente ação, grande parte da causa de pedir tem por fundamento responsabilidade civil delitual e não contratual, sendo o pedido de indemnização por factos ilícitos o quantitativamente mais relevante , e , ademais, não existe um qualquer pacto atributivo de jurisdição celebrado entre a A. e as 2ª, 3ª, 4ª e/ou 5ª Rés ;
- Ainda a justificar a propositura da acção em Portugal, importa atentar o disposto no artº 62º, alínea a), do CPC [ “Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes : a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa” ], conjugado com o art. 80º, n.º 3, do mesmo diploma legal, sendo que este último dispõe que “ se o réu tiver o domicílio e a residência em país estrangeiro, é demandado no tribunal do lugar em que se encontrar”, mas “não se encontrando em território português, é demandado no Tribunal do domicílio do autor, e, quando este domicílio for em país estrangeiro, é competente para a causa o tribunal de Lisboa.
1.2. – Devidamente citadas para, querendo, contestarem a acção, vieram as 3ª, 4ª e 5ª RR [ CRUISE YACHT YARDCO LTD, CRUISE YACHT 1 LTD e CRUISE YACHT HOLDCO LTD ] fazê-lo em articulado conjunto, no âmbito do qual deduziram defesa por excepção [ invocando a excepção dilatória da Incompetência internacional ; a excepção dilatória da Incompetência em razão da matéria ; a excepção da Ilegitimidade material da 5.ª Ré e a excepção da Ilegitimidade material da 3.ª Ré por alegada relação de domínio com a 2.ª Ré ] e por impugnação motivada .
1.3. – Outrossim a 1ª Ré TEAM ELECTRIC OY AB, sociedade comercial de direito finlandês, contestando a acção, veio no referido articulado deduzir defesa por excepção [ invocando a excepção dilatória da Incompetência internacional e a excepção dilatória da Incompetência em razão da matéria ] e por impugnação motivada, concluindo a final por impetrar a sua absolvição da instância, com todas as legais consequências e, em todo o caso, que seja a presente ação julgada totalmente improcedente, por não provada, e, consequentemente, ser a 1.ª Ré absolvida de todos os pedidos da Autora.
1.4.- Respondendo – nos termos determinados pelo tribunal a quo - à excepção da incompetência pelas RR deduzida, veio a autora pugnar pela respectiva improcedência, para tanto invocando designadamente os seguintes fundamentos : 1) Em causa está um pacto atributivo de jurisdição que à autora foi imposto pela R. Team Electric, não tendo a primeira podido influenciá-lo, razão porque a referida cláusula contratual deve ser julgada proibida e, consequentemente, nula ; 2) Ao invocarem as RR o referido pacto atributivo de jurisdição estão as mesmas a incorrer em abuso de direito, considerando não apenas a dificuldade manifesta para a A. em tornar efetivo o seu direito por meio de ação a instaurar em tribunal estrangeiro, como também a existência de um ponderoso elemento de conexão pessoal entre o objeto do litígio e a ordem jurídica nacional ; 3) Acresce ainda que não existe qualquer pacto atributivo de jurisdição celebrado entre a A. e as demais RR., que não a R. Team Electric; 4) O pacto de aforamento tem por objecto questões de responsabilidade contratual, é verdade, mas, na presente ação, grande parte da causa de pedir tem por fundamento responsabilidade civil delitual (e não contratual), sendo o pedido de indemnização por factos ilícitos o quantitativamente mais relevante, logo, justifica-se a aplicação do artigo 5º, nº 3, do Regulamento (CE) 44/2001, de 22.12.2000, o qual estabelece que “uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro, em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso.”; 5) Ainda a justificar a propositura da acção em Portugal, importa atentar o disposto no artº 62º, alínea a), do CPC [ “Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes : a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa” ], conjugado com o art. 80º, n.º 3, do mesmo diploma legal, sendo que este último dispõe que “ se o réu tiver o domicílio e a residência em país estrangeiro, é demandado no tribunal do lugar em que se encontrar”, mas “não se encontrando em território português, é demandado no Tribunal do domicílio do autor, e, quando este domicílio for em país estrangeiro, é competente para a causa o tribunal de Lisboa.
1.5. - De seguida, pela Exmª Juiz titular dos autos foi proferido DESPACHO-SANEADOR , no âmbito do qual foi fixado o Valor da causa e , decidindo/resolvendo a questão da excepção dilatória da Incompetência internacional, fê-lo fundamentando a sua decisão nos seguintes termos [ a seguir parcialmente transcritos ] :
“ (…) Mostra-se assente, para o que no caso releva, que: - A Autora, através da sua sucursal em Espanha, e a 1ª Ré, em 25 de maio de 2018, celebraram três contratos de “prestação de serviços” ( subempreitada ) referentes à instalação de componentes elétricos no âmbito da construção de um navio, propriedade da 4ª Ré, a cargo e aportado num estaleiro da 2ª Ré, em Espanha, com quem a 1ª Ré celebrou um contrato de empreitada. - Nos termos dos documentos subscritos “Todas as controvérsias decorrentes do presente contrato, em que as partes não consigam chegar a acordo, serão resolvidas pelos tribunais de Helsínquia”. * Cumpre apreciar e decidir da validade do pacto atributivo de jurisdição: Como é consabido, a matéria da competência internacional dos Tribunais portugueses é regulada nos arts. 59º, 62º, 63º e 94º, do Cód. Proc. Civil e deve ser determinada face à relação material controvertida tal como o autor a configura na petição inicial, em articulação com o pedido formulado. O art. 59º do Cód. Proc. Civil estabelece que “ Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94º”. Por sua vez, nos termos do disposto no nº 1 do art. 94º do mesmo Código, “As partes podem convencionar qual a jurisdição competente para dirimir um litígio determinado, ou os litígios eventualmente decorrentes de certa relação jurídica, contando que a relação controvertida tenha conexão com mais de uma ordem jurídica”. No caso dos autos, é fora de dúvidas que nos encontramos perante um litígio privado internacional, envolvendo Sociedades comerciais sedeadas em Portugal, Finlândia, Espanha e Malta, visando a ação a condenação solidária das Rés no pagamento de uma indemnização por alegado incumprimento contratual e prática de ato ilícito. Assim, em decorrência do primado do direito comunitário e da sua prevalência sobre o direito nacional (cfr. art. 8º, nº 4, da CRP que estabelece que “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”), é indubitável que as regras comunitárias prevalecem sobre as normas nacionais que regulam a competência internacional. Sobre a matéria da competência internacional em conflitos transnacionais que o ponham partes com domicílio em países da União Europeia rege atualmente o Regulamento (EU) nº 1512/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12/12/2012, conhecido como Regulamento Bruxelas I bis. Estabelece o art. 25º do referido Regulamento: “1. Se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado-Membro, substantivamente nulo. Essa competência é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário. O pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado: a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; b) De acordo com os usos que as partes tenham estabelecido entre si; ou c) No comércio internacional, de acordo com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial concreto em questão. 2. Qualquer comunicação por via eletrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale à «forma escrita». 3. O tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro a que o ato constitutivo de um trust atribuir competência têm competência exclusiva para conhecer da ação contra um fundador, um truste e ou um beneficiário do trust, se se tratar de relações entre essas pessoas ou dos seus direitos ou obrigações no âmbito do trust. 4. Os pactos atributivos de jurisdição bem como as estipulações similares de atos constitutivos de trusts não produzem efeitos se forem contrários ao disposto nos artigos 15.º, 19.º ou 23.º, ou se os tribunais cuja competência pretendam afastar tiverem competência exclusiva por força do artigo 24.º. 5. Os pactos atributivos de jurisdição que façam parte de um contrato são tratados como acordo independente dos outros termos do contrato. A validade dos pactos atributivos de jurisdição não pode ser contestada apenas com o fundamento de que o contrato não é válido.”. Este normativo consagra, pois, requisitos dos quais dependem a validade e eficácia de um pacto de jurisdição. É também pacífico que a consideração da verificação destes requisitos impõe a ponderação da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, para o qual as formalidades exigidas pelo art. 25º (anterior 23º do Regulamento (CE)44/2001, de 22/12/2000), destinam-se a garantir que o consentimento entre as partes foi efetivamente realizado, impondo-se nessa medida ao juiz a quem a questão é colocada a obrigação de analisar, desde logo, se a cláusula que lhe atribui competência foi, efetivamente, objeto de acordo entre as partes, acordo que deve manifestar-se de forma clara e precisa (Cfr. Acórdão de 14 de Dezembro de 1976, Galeries Segoura SPRL contra Rahim Bonakdarian, Processo 25/76, Colectânea de Jurisprudência 1976, p.01851, Edição especial portuguesa, p. 00731). As exigências de forma visam responder à preocupação de não colocar entraves aos usos comerciais mas neutralizar ao mesmo tempo os efeitos das cláusulas que podem passar despercebidas nos contratos, como as estipulações que figuram nos impressos que servem para a correspondência ou emissão de facturas e que não foram aceites pela parte a quem são opostas. O art. 25º do Regulamento, ao prever expressamente a forma que deve adotar o pacto atributivo de competência, pretende, pois, garantir a segurança jurídica e assegurar que o consentimento das partes foi prestado ( Cfr. Acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Junho de 1981, Elefanten Schuh GmbH contra Pierre Jacqmain, Processo 150/80, Colectânea de Jurisprudência 1981 p. 01671). Nesta conformidade, a aferição da validade do pacto atributivo de jurisdição deve ser feita de acordo com a satisfação, ou não, dos requisitos específicos que o Regulamento impõe. No caso em apreço, Autora e 1ª Ré subscreveram documentos que contêm um parágrafo que consubstancia um pacto atributivo de jurisdição aos tribunais finlandeses. Mostrando-se o pacto vertido nos documentos subscritos por Autora e1ª Ré cumprido está o requisito formal estabelecido pelo nº 1, al. a), do art 25º do Regulamento. Alega a Autora a nulidade de tal “cláusula” por, alegadamente, não ter sido precedida de negociação entre as partes, tratando-se de contratos de adesão, constituindo uma cláusula contratual geral que beneficia a parte mais forte. Ou seja, põe a questão como sendo a de saber se aquela “cláusula”, do ponto de vista substancial, viola os direitos da Autora. Nos termos do citado normativo, a questão da validade substantiva do pacto deve ser decidida segunda a lei do Estado-Membro do tribunal designado no mesmo, ou seja, no caso, segundo a lei finlandesa. Não obstante, decorre do art. 67º do Regulamento, de forma indireta, que se impõe a consideração do disposto na Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 05/04/1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, tendo o TJUE, no Acórdão de 9 de novembro de 2010 (VB Pénzügyi Lízing, C-137/08) também já assinalado que no âmbito das funções que lhe incumbem por força das disposições da Diretiva n.º 93/13, o órgão jurisdicional nacional deve verificar se uma cláusula do contrato objeto do litígio que lhe cabe conhecer se enquadra no âmbito de aplicação desta diretiva. E, em caso de resposta afirmativa , o referido órgão jurisdicional tem a obrigação de apreciar essa cláusula, se necessário oficiosamente, à luz das exigências de proteção do consumidor previstas na dita Diretiva. Estabelece a Diretiva n.º 93/13/CEE, no seus artigos 3º, 4º e 6º, que: Artigo 3º “1. Uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato. 2. Considera-se que uma cláusula não foi objecto de negociação individual sempre que a mesma tenha sido redigida previamente e, consequentemente, o consumidor não tenha podido influir no seu conteúdo, em especial no âmbito de um contrato de adesão. O facto de alguns elementos de uma cláusula ou uma cláusula isolada terem sido objecto de negociação individual não exclui a aplicação do presente artigo ao resto de um contrato se a apreciação global revelar que, apesar disso, se trata de um contrato de adesão. Se o profissional sustar que uma cláusula normalizada foi objecto de negociação individual, caber-lhe-á o ónus da prova. 3. O anexo contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser consideradas abusivas.” Artigo 4º “1. Sem prejuízo do artigo 7º, o carácter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objecto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa. 2. A avaliação do carácter abusivo das cláusulas não incide nem sobre a definição do objecto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível.” Artigo 6 º “1. Os Estados-membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respectivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas. 2. Os Estados-membros tomarão as medidas necessárias para que o consumidor não seja privado da protecção concedida pela presente directiva pelo facto de ter sido escolhido o direito de um país terceiro como direito aplicável ao contrato, desde que o contrato apresente uma relação estreita com o território dos Estados-membros.”. E entre as cláusulas que podem ser consideradas abusivas referidas na lista anexa ao art. 3º, nº 3, da Diretiva nº 93/13/CEE, contam-se as que tenham como objetivo ou como efeito suprimir ou entravar a possibilidade de intentar ações judiciais ou utilizar outro meio de tutela jurídica. Como o TJEU escreveu no citado Acórdão de 9 de novembro de 2010, afim de garantir a eficácia da proteção dos consumidores pretendida pelo legislador da União, o órgão jurisdicional nacional deve, por isso, em todos os casos e quaisquer que sejam as normas de direito interno, determinar se a cláusula controvertida foi ou não objeto de negociação individual entre um profissional e um consumidor. A efetividade da proteção pretendida pela Diretiva nº 93/13 impõe, assim, que o Tribunal aprecie o alegado carácter abusivo da cláusula contratual que constitui fundamento da exceção da incompetência do tribunal, determinando se a mesma preenche os critérios exigidos para ser qualificada de “abusiva”, na aceção do art. 3º,nº 1, da Diretiva. Nas palavras de Luís de Lima Pinheiro (in Direito Internacional Privado ,volume III, ano 2012, p. 308/309), nas relações com consumidores justifica-se um limite à validade ou eficácia dos pactos de jurisdição, podendo o tribunal nacional apreciar oficiosamente a questão do carácter abusivo da cláusula atributiva de competência, em face da Directiva 93/13/CEE do Conselho de 5 de abril de 1999 relativa às cláusulas abusivas em contratos celebrados entre profissionais e consumidores. Sendo assim, a apreciação da validade do pacto de jurisdição à luz da invocada Diretiva só se justifica se a cláusula em causa estiver integrada num contrato celebrado com um consumidor. O TJUE tem lembrado que existe um conceito de consumidor próprio do Direito da União que deve ser transversal aos diversos instrumentos, embora interpretado de acordo com as finalidades específicas de cada um deles (Caso C-694/17, a propósito da manutenção da qualificação de consumo, no quadro da Convenção de Lugano II, do mutuário num mútuo de valor superior ao considerado pela Diretiva 2008/48/CE; ou C-774/19 sobre o que deve entender-se por atividade profissional). O TJUE elege como crédito de aferição da qualidade de consumidor a celebração do contrato fora do contexto da atividade profissional, com um profissional (C-508/12: Além disso, o regime especial instituído, nomeadamente, pelas disposições do Regulamento nº 44/2001 relativas à competência jurisdicional em matéria de contratos celebrados pelos consumidores, tem a função, como decorre do seu considerando 13, de assegurar uma proteção adequada do consumidor, como parte do contrato considerada economicamente mais fraca e juridicamente menos experiente do que o seu cocontratante profissional). Acontece, porém, que no caso dos autos não estamos perante um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor mas antes entre dois profissionais. Não revestindo a Autora a qualidade de consumidor, não é de aplicar a Diretiva 93/13/CEE. Mas ainda que assim não fosse, sempre se dirá que a Autora funda os direitos que veio invocar na outorga dos contratos onde foi inserida a cláusula em apreço, não pondo em causa o seu conhecimento nem alegando ter manifestado qualquer reserva ao pacto de jurisdição, sendo certo que o seu teor não levanta dúvidas de interpretação. Uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa-fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do aderente, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato. Ou seja, uma cláusula será contrária à boa fé se a confiança depositada pela contraparte contratual naquele que a predispôs for defraudada em virtude de, da análise comparativa dos interesses de ambos os contraentes, resultar para o predisponente uma vantagem injustificável. Ora, a verdade é que a Sociedade predisponente (1ª Ré) tem sede na Finlândia e a Autora, disso sabedora, pretendeu contratar com a mesma e aceitou a escolha do foro. O (des)conhecimento das línguas oficiais de cada um dos países das sedes das contratantes, a necessidade de viagens ao estrangeiro ( que, durante a execução do contrato, segundo o alegado, não levantaram problemas, nomeadamente para estar presente em reuniões!) é recíproco, ou seja, as dificuldades que a Autora invoca também a Ré as pode invocar em sentido inverso, sendo certo que as necessidades de tradução podem impor-se em qualquer umadas situações. Acresce que, em face do estatuído no art. 25º do Regulamento, para que a escolha do tribunal seja válida, é desnecessário que exista qualquer conexão entre o objeto do litígio e o tribunal designado, não sendo valoráveis, designadamente, os inconvenientes, para uma das partes, da localização do foro convencionado. Na verdade, qualquer pacto de jurisdição que atribua competência a um tribunal estrangeiro, situado necessariamente noutro Estado-Membro, fará sempre ocorrer o inconveniente, para uma das partes, de esse tribunal ser distante da respetiva sede. Noutra ordem de considerações, a composição dos interesses em jogo não se mostra excessivamente desequilibrada pelo facto de a 1ª Ré ter, alegadamente , maior capacidade económica. Ainda que se admitisse que a sociedade Autora é, comparativamente à Ré, economicamente mais débil, o certo é que daí não resultaria qualquer violação do art. 20º, nº 1, da CRP - que estabelece que: “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos" - desde logo por não resultar demonstrado que os custos judiciais na Finlândia são superiores aos registados em Portugal. Refira-se ainda que, relativamente às 2ª, 3ª, 4ª e 5ª Rés, nos termos previstos no art. 8º, nº 1, do Regulamento Bruxelas I bis, “Uma pessoa com domicílio no território de um Estado Membro pode também ser demandada (…) se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer um deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em quê sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente”. E como observado no Ac. do STJ de 02/06/2021 ( Maria do Rosário Morgado ), p. 449/18.2T8FAR.E1.S1, reiterando posição anteriormente manifestada no Ac. do STJ de 14/07/2021 ( Rosa Tching ), p. 161/18.2T8FAR.E1.S1, “Eventual litisconsórcio necessário natural do lado passivo não afasta a aplicação de uma cláusula atributiva de jurisdição que cumpra os requisitos formais e substanciais estabelecidos no art. 25.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, não se permitindo ,por isso, que a parte que deveria ser demandada no tribunal de um outro Estado-Membro da União Europeia, de acordo com o que foi convencionado, possa ser demandada em Portugal em virtude de a autora poder ter configurado a ação em termos que exigem a demanda de um terceiro estranho ao pacto de jurisdição”. Em suma, a cláusula invocada, que consubstancia um pacto atributivo de jurisdição aos tribunais Finlandeses, inserida nos documentos subscritos pela Autora e 1ª Ré, na medida em que obedece aos requisitos impostos pelo art. 25º, nº 1, do Regulamento de Bruxelas I bis, mostra-se válida. * Pelo exposto, julgo procedente a exceção de incompetência em razão da nacionalidade e, em consequência, absolvo todas as Rés da instância. Custas pela Autora. Registe e notifique.”.
1.6. - Notificada da DECISÃO identificada em 1.5., e da mesma discordando, veio então – em 30/4/2025 – a autora TECNISETEI ELECTRICIDADE E ENGENHARIA LDA, interpor a competente apelação, apresentando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões :
1.ª - O Tribunal recorrido julgou apenas relevantes dois factos para a sua tomada de decisão, considerou, ainda que sem fundamentar, que a validade substantiva da cláusula de atribuição de competência internacional aos tribunais finlandeses deveria ser decidida segunda a lei finlandesa e julgou procedente a exceção de incompetência em razão da nacionalidade e absolveu todas as RR. da instância.
2.ª - O Tribunal recorrido desconsiderou uma questão decisiva para haver competência internacional dos Tribunais portugueses -, que é a de, na presente ação, (i) não haver qualquer pacto de atribuição de jurisdição nem com a 2ª, nem com a 3ª, nem com a 4ª, nem com a 5ª Rés; (ii) estar em causa, quanto a essas 4 Rés - e também quanto à própria 1ª Ré ! –, um pedido não só de muito maior valor (10 vezes maior !) mas sobretudo cuja causa de pedir é responsabilidade extra-contratual, por facto ilícito (e não responsabilidade contratual !); (iii) tendo o dano sido produzido, conforme expressamente a Apelante alegou, em Portugal !
3.ª - O Tribunal recorrido, em violação do art. 595º do Código de Processo Civil, conheceu de uma exceção dilatória sem que o estado do processo o permitisse.
4.ª - Nos termos alegados pela A., o que o Tribunal tinha de apreciar era a validade substantiva da cláusula de atribuição de competência internacional aos Tribunais de Helsínquia, bem como a validade substantiva da cláusula de definição da lei material aplicável aos contratos e, se considerasse tais cláusulas válidas, teria de apreciar se as RR., ao as invocarem, atuavam em abuso de direito.
5.ª - E, para o fazer, teria de apreciar muito mais matéria de facto do que os dois factos que singelamente considerou relevantes.
6.ª - A decisão sobre a validade da cláusula de atribuição de competência internacional aos Tribunais de Helsínquia e sobre a validade da cláusula de determinação da lei material aplicável, bem como a apreciação da atuação das RR. em abuso de direito ao invocarem tais cláusulas, carecem, no caso concreto, necessariamente do julgamento dos factos alegados pela A. em sede de petição inicial e em sede de resposta às exceções.
7.ª - Considerando o Tribunal ad quem, como deve ser considerado, que não se pode, desde já, julgar os Tribunais portugueses internacionalmente competentes, por os factos alegados pela Apelante carecerem de prova, deve esse Alto Tribunal revogar a douta sentença recorrida, em particular na parte em que o Tribunal recorrido considerou que os dois únicos factos que relevavam eram, em suma, a celebração dos contratos e a cláusula de atribuição de competência internacional aos Tribunais de Helsínquia.
8.ª - O Tribunal ad quem deve, consequentemente, ordenar o prosseguimento dos autos e que o Tribunal recorrido relegue a decisão sobre a competência internacional para final, permitindo à Apelante demonstrar, com produção de prova, em sede de audiência de julgamento, os factos alegados que permitirão ao Tribunal concluir, ainda que a final, que a R. Team Electricim pôs o teor do contrato à Apelante e que a Apelante não teve o poder negocial de em nada influenciar o seu texto, tendo a escolha do foro de Helsínquia sido portanto só da R. Team Electric e só por causa dos seus interesses.
9.ª - Caso esse Alto Tribunal considere que pode julgar imediatamente a questão da validade substantiva da cláusula de atribuição de competência internacional aos Tribunais de Helsínquia, deve então julgar aplicável ao caso concreto o direito material português e julgar internacionalmente competentes os Tribunais portugueses.
10.ª - A A. não celebrou qualquer contrato com as 2ª a 5ª RR., não definiu qualquer pacto de aforamento com as mesmas, nem definiu a aplicação de direito material.
11.ª - No que respeita à responsabilidade extracontratual, pedido quantitativamente mais relevante nos presentes autos e que respeita a todas as RR., estatui o art. 4º do Regulamento (ce) n.º 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Julho de 2007 relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II») que a lei aplicável às obrigações extracontratuais decorrentes da responsabilidade fundada em ato lícito, ilícito ou no risco é a lei do país onde ocorre o dano, independentemente do país onde tenha ocorrido o facto que deu origem ao dano e independentemente do país ou países onde ocorram as consequências indiretas desse facto.
12.ª - No caso sub iudice, os danos produziram-se em Portugal, que é também o local da sede principal e efetiva da administração da Apelante e local das únicas instalações da Apelante, pelo que se aplica a lei material portuguesa.
13.ª - No que respeita à responsabilidade contratual, contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, quer pelo seu teor, quer pelas matérias sobre as quais incide, o art. 67º do Regulamento de Bruxelas I bis não impõe, ainda que indiretamente, a aplicação da Diretiva 93/13/CEE para se aferir da validade substantiva de concretas cláusulas inseridas em instrumentos contratuais.
14.ª - Os n.ºs 1 e 2 do artigo 4º da Convenção de 19 de junho de 1980 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (doravante “Convenção de Roma” 2) estabelecem o seguinte: “1. Quando a lei aplicável ao contrato não tiver sido escolhida nos termos do artigo 3º, o contrato é regulado pela lei do país com o qual apresente conexão mais estreita. (…) 2. Sem prejuízo do disposto no n.º 5, presume-se que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com o país onde a parte que está obrigada a fornecer a prestação característica do contrato tem, no momento da celebração do contrato, a sua residência habitual ou, se se tratar de uma sociedade, associação ou pessoa colectiva, a sua administração central. (…)” (bold nosso).
15.ª - Ainda no que respeita à responsabilidade contratual, consta das cláusulas dos contratos celebrados entre a A. e a 1ª R. (impostas pela 1ª Ré à A., ora Apelante) a escolha não só dos Tribunais finlandeses, como da lei finlandesa para dirimir litígios entre as partes, sendo que tal escolha de lei decorreu de abuso de direito da 1ª Ré sobre a A., ora Apelante, razão pela qual tal escolha é inválida.
16.ª - As cláusulas dos contratos celebrados entre a Apelante e a 1ª Ré em que se determina que a lei aplicável é a lei finlandesa – além de que os Tribunais finlandeses de Helsínquia é que seriam os competentes – devem ser declaradas nulas e sendo aquelas cláusulas nulas (por abuso de Direito e nos termos dos arts. 280º e 294º do Código Civil), deve considerar-se não ter havido escolha (válida) de lei reguladora dos contratos e, portanto, é aplicável o regime supletivo que está previsto tanto no artigo 4º, n.ºs 1 e 2,da Convenção de Roma, como no artigo 4º, n.º1, al. b), do Regulamento Roma I, que estabelecem o critério da prestação característica.
17.ª - No caso concreto, o devedor da prestação característica – executar parte da instalação elétrica no navio “Evirna” – é a Apelante, pelo que deverá considerar-se que a lei aplicável aos contratos celebrados entre a Apelante e a 1ª Ré é a lei portuguesa, pois é em Portugal a sede principal e efetiva da administração da Apelante (V. art. 3º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais) e também é em Portugal o seu local de laboração habitual, o que corresponde, nas pessoas coletivas, à residência habitual das pessoas singulares.
18.ª - A lei material aplicável ao caso em apreço, quer no que respeita ao pedido mais relevante e à responsabilidade delitual ou extracontratual de todas as Rés, quer no que respeita ao menor pedido e à responsabilidade contratual da 1ª R., é, em qualquer dos casos, a lei material portuguesa, o que se pede que seja declarado por esse Alto Tribunal, contrariando assim a douta decisão recorrida, também na parte em que afirma que “a questão da validade substantiva do pacto deve ser decidida (…) segundo a lei finlandesa.”
19.ª - O pacto de aforamento sub judice só respeita à 1ª R. e só se refere às questões de responsabilidade contratual. Mas, na presente ação, grande parte da causa de pedir tem por fundamento responsabilidade civil delitual (e não contratual), sendo o pedido de indemnização por factos ilícitos de longe o mais relevante.
20.ª - Em derrogação do princípio geral segundo o qual as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas perante os tribunais desse mesmo Estado, estabelece o artigo 5º, nº 3, do Regulamento(CE) 44/2001, de 22.12.2000, que “uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro, em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso.”
21.ª - No caso sub iudice, os danos causados à A. pelas Rés produziram-se em Portugal, pois é em Portugal que a Apelante tem tudo, desde a sua sede social à sede principal e efetiva da sua administração (na aceção do art. 3º nº 1 do Código das Sociedades Comerciais) e ao seu escassíssimo património, pelo que os Tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer da presente ação.
22.ª - Quanto à responsabilidade contratual, no caso sub iudice, o pacto atributivo de jurisdição foi imposto pela R. Team Electric à Apelante.
23.ª - Nos termos do art. 19º do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem.
24.ª - Os interesses da R. Team Electric (que obviamente são gastar, ela própria, o mínimo possível em litígios e sobretudo desmotivar os co-contratantes a qualquer litígio em Tribunais finlandeses por isso ser muito oneroso, não pelas custas, mas pela necessidade de deslocações de avião, alojamento, traduções e contratação de advogados finlandeses, além dos portugueses) seguramente existem, mas (também seguramente) são ilegítimos, pelo já referido e ainda porque a R. Team Electric tem escritórios em Portugal, pelo que nenhum inconveniente lhe adviria de litigar em Portugal, no âmbito das relações com uma sociedade portuguesa.
25.ª - A 1ª R., não só tem muito maior capacidade económica do que a A., como tem escritórios em Portugal, como sobretudo impôs intencionalmente os Tribunais finlandeses para prejudicar a A..
26.ª - A cláusula contratual que determina a competência dos Tribunais de Helsínquia, para dirimir questões relacionadas com os contratos celebrados, é proibida e, consequentemente, nula.
27.ª - Caso esse Alto Tribunal considere, no que não se concede e apenas por dever de patrocínio se equaciona, que não deve considerar nula tal cláusula que prevê a competência dos Tribunais finlandeses, então deverá julgar que a sua invocação ocorre in casu em abuso de direito.
28.ª - A competência internacional dos Tribunais portugueses para julgar apresente ação resulta ainda de que os tribunais portugueses são sempre internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º, ambos do Código de Processo Civil.
29.ª - No presente caso, existe não só uma dificuldade manifesta para a A. em tornar efetivo o seu direito por meio de ação a instaurar em tribunal estrangeiro, como também existe um ponderoso elemento de conexão pessoal entre o objeto do litígio e a ordem jurídica nacional.
30.ª - Deste modo, deve considerar-se que se encontram verificados os requisitos para a atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses no presente caso e especificamente ao Tribunal da Comarca de Lisboa.
Por todo o exposto, deve esse Alto Tribunal julgar procedente o presente recurso e, consequentemente, revogar a douta sentença recorrida.
E deve ordenar o prosseguimento dos autos e que o Tribunal recorrido relegue a decisão sobre a competência internacional para final;
A menos que esse Alto Tribunal considere que pode julgar imediatamente a questão da invalidade substantiva da cláusula de atribuição de competência internacional aos Tribunais de Helsínquia, de acordo com o Direito material português (por se dever considerar que é este o aplicável), ou que pode julgar imediatamente a questão de tal cláusula estar a ser invocada em abuso de direito por parte da 1ª R., ou ainda que deve julgar imediatamente aplicável o art. 62º do CPC, pois em todos estes casos deverá julgar internacionalmente competentes os Tribunais portugueses.
Assim se fazendo JUSTIÇA.
1.7. - Com referência à apelação da autora TECNISETEI ELECTRICIDADE E ENGENHARIA LDA e identificada em 1.6. foram apresentadas CONTRA-ALEGAÇÕES, tendo v.g. a 1ª Ré TEAM ELECTRIC OY AB, vindo pugnar pela confirmação da decisão recorrida, para tanto concluindo do seguinte modo :
A. O presente recurso vem interposto do Despacho Saneador-Sentença proferido pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a exceção dilatória de incompetência em razão da nacionalidade e, em consequência, absolveu todas as Rés da instância.
B. A decisão recorrida não merece qualquer reparo, na medida em que se afigura inteiramente válida, justa e adequada – devendo, por isso, manter-se na sua integralidade, julgando-se o presente recurso totalmente improcedente.
C. Ademais, a Recorrente não logrou demonstrar (i) a invalidade do pacto atributivo de jurisdição aos tribunais finlandeses validamente celebrado entre as Partes, bem como da cláusula de definição da lei finlandesa como a lei aplicável, nem (ii) o afastamento das regras previstas nos regulamentos europeus sobre a matéria.
D. Começa a Recorrente por alegar que o Tribunal a quo violou o artigo 595.º do CPC, porquanto, no seu entender, exigia-se uma apreciação da validade substantiva do pacto atributivo de jurisdição celebrado entre as Partes, tendo o Tribunal a quo apreciado apenas a validade formal do referido pacto.
E. Ora, a violação das regras de competência internacional constitui uma exceção dilatória, nos termos do artigo 577.º, alínea a), do CPC.
F. O conhecimento de exceções dilatórias traduz-se numa verificação formal da regularidade da instância, que visa apreciar questões meramente processuais, para que o processo possa prosseguir os seus termos com regularidade e, consequentemente, ser proferida uma decisão de mérito – e já não no conhecimento do mérito da causa.
G. Não obstante, a verdade é que, ainda assim, o Tribunal a quo se pronunciou sobre a negociação havida entre as Partes no que respeita ao pacto atributivo de jurisdição, bem como sobre a suposta onerosidade excessiva – e, no entendimento erróneo da Recorrente, unilateral – da escolha do foro finlandês para dirimir eventuais litígios decorrentes do Contrato.
H. Não se vislumbra, assim, como pode o Tribunal a quo ter violado o disposto no artigo 595.º do CPC.
I. Pelo contrário, bem andou o Tribunal a quo ao apreciar e decidir da validade do pacto atributivo de jurisdição nos exatos termos em que o fez.
J. Vem a Recorrente alegar que são internacionalmente competentes para dirimir litígio os tribunais portugueses, porquanto considera que a cláusula na qual se insere o pacto de atribuição de jurisdição aos tribunais finlandeses lhe foi imposta e, por isso, deve ser declarada nula.
K. Ora, Recorrente e Recorrida celebraram um pacto atributivo de jurisdição válido, nos termos do artigo 94.º do CPC e em respeito pelo Direito comunitário, no âmbito do qual definiram, com total e expresso acordo de ambas, que, em caso de litígio, as Partes recorreriam à jurisdição finlandesa, designadamente aos tribunais de Helsínquia, com vista à resolução do litígio.
L. Destaque-se que todo o clausulado (incluindo o pacto atributivo de jurisdição) foi negociado entre as Partes – conforme resulta, aliás, comprovado pela mera análise do Documento n.º 01 junto com a Contestação da ora Recorrida –, tendo a Recorrente não só analisado preliminarmente a redação dos Contratos como sugerido alterações à mesma, tendo algumas delas sido acatadas e, por isso, refletidas na versão final assinada daqueles contratos.
M. Note-se, contudo, que, não obstante as várias oportunidades para o efeito, a Recorrente nunca colocou quaisquer entraves nem sugeriu quaisquer alterações ao pacto atributivo de jurisdição, aceitando-o como válido e eficaz, e, consequentemente, criando na Recorrida a legítima crença de que as vontades das Partes contratantes convergiam quanto a essa matéria.
N. Razão pela qual, não pode colher, de modo algum, a argumentação da Recorrente ,porquanto nenhuma cláusula lhe foi imposta, muito menos intencionalmente redigida para a prejudicar.
O. Pelo contrário, todos os contratos resultaram de uma harmoniosa conjugação de vontades das Partes e a Recorrente sempre foi conhecedora dos moldes em que os contratos foram celebrados e executados.
P. Ora, estando em causa um litígio privado internacional, “(…) é indubitável que as regras comunitárias prevalecem sobre as normas nacionais que regulam a competência internacional”, como bem explicou o Tribunal a quo, tendo, no caso concreto, plena aplicação o Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de dezembro, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.
Q. In casu, as Partes contratantes plurilocalizadas celebraram um pacto atributivo de jurisdição de forma escrita e de acordo com os usos que haviam estabelecido entre si – mediante o qual convencionaram atribuir competência aos tribunais finlandeses para dirimir eventuais litígios que pudessem emergir no âmbito daquela relação contratual, relembre-se –, respeitando, assim, todos os requisitos necessários à sua validade, nos termos do supracitado Regulamento, nomeadamente do seu artigo 25.º.
R. Conforme tem sido entendimento pacífico na jurisprudência nacional, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, a atribuição de competência por via de um pacto de jurisdição válido prevalece sobre todos os restantes critérios sobre essa matéria.
S. Deste modo, a instauração da presente ação judicial perante os tribunais Portugueses constitui uma violação evidente do pacto atributivo de jurisdição validamente celebrado entre as Partes, emergindo, consequentemente, uma situação de incompetência absoluta do tribunal português para solucionar o presente litígio, porquanto estabelece o artigo 96.º, alínea a), do CPC, que a infração das regras de competência internacional determina a incompetência absoluta do tribunal.
T. Por sua vez, o artigo 577.º, alínea a), do CPC, postula que a incompetência absoluta do tribunal constitui uma exceção dilatória e, nos termos do artigo 576.º, n.º 2, do CPC, as exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância.
U. Em face do exposto, outra conclusão não é possível extrair que não a de que o tribunal português é absolutamente incompetente para conhecer do presente litígio, devendo, em consequência, ser a Recorrida absolvida da instância – conforme bem decidiu o Tribunal a quo na decisão recorrida, a qual, por isso, deve manter-se.
V. Acresce que, mesmo na hipótese de afastamento do pacto atributivo de jurisdição celebrado entre a Recorrente e a Recorrida – o que não se aceita e apenas por dever de patrocínio se equaciona –, a competência do tribunal seria determinada ao abrigo dos critérios do supra referido Regulamento Europeu, e não das regras internas do CPC, em respeito pelo primado do Direito europeu.
W. Sucede que, nem através da aplicação dos critérios gerais de fixação de competência, consagrados no já aludido Regulamento, seria possível chegar à conclusão de que os tribunais portugueses são competentes para apreciar o presente litígio, porquanto, de acordo com o critério geral aplicável in casu, consagrado no artigo 7.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Regulamento (secção 2 do capítulo II) – relativo a matéria contratual, no caso da prestação de serviços –, seriam competentes os tribunais de Espanha.
X. Neste sentido, não sendo aplicáveis as regras internas do CPC, uma vez que o Regulamento europeu é uma fonte de Direito hierarquicamente superior ao CPC, também não teria aplicação, in casu, a alínea c) do artigo 62.º do CPC, conforme entende (erradamente) a Recorrente – desde logo, porquanto tal preceito, conforme tem sido entendimento pacífico na jurisprudência e doutrina nacional, contempla somente situações excecionais e subsidiárias, de verdadeira e extrema necessidade jurídica, relativamente a litígios não cobertos pelo âmbito de aplicação dos regulamentos europeus ou instrumentos internacionais – o que como a Recorrente bem sabe, não se verifica in casu –, e não para a proteção de situações de mera dificuldade ou onerosidade das partes.
Y. Razão pela qual a manifesta dificuldade e o elemento de conexão pessoal entre o objeto do litígio e a ordem jurídica nacional alegados pela Recorrente, não são suscetíveis de afastar a aplicabilidade do Regulamento Bruxelas I bis e, consequentemente, não constituem fundamento válido de afastamento do pacto celebrado entre as Partes, nem das demais regras de aferição de competência internacional determinadas pelo Regulamento europeu aplicável.
Z. Em face de tudo o que se expôs, apenas se poderá concluir que a instauração da presente ação junto dos tribunais portugueses viola as regras de competência internacional, o que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 96.º do CPC, gera a incompetência absoluta deste tribunal, a qual, por sua vez, constitui uma exceção dilatória que determina a absolvição da Recorrida da presente instância, nos termos conjugados dos artigos 577.º, alínea a) e 576.º, n.º 2, ambos do CPC, conforme bem concluiu o Tribunal a quo.
AA. Alega, ainda, a Recorrente, que deverá aplicar-se a lei material portuguesa à alegada responsabilidade contratual que supostamente se verifica in casu, por aplicação dos critérios subsidiários vertidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 4.º de um diploma revogado (Convenção de Roma), em total desconsideração pelo critério primordial da vontade das Partes no que à atribuição de competência judiciária respeita, consagrado no n.º1 do artigo 3.º do Regulamento n.º 593/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Regulamento Roma I).
BB. De facto, ficou definido nos contratos celebrados entre as Partes que, em caso de litígio, não só estas recorreriam à jurisdição finlandesa, designadamente aos tribunais de Helsínquia, como sujeitariam o contrato à aplicação do direito material finlandês – ora, a escolha da lei finlandesa resulta, assim, de forma expressa e clara das disposições do contrato validamente celebrado entre as Partes, devendo prevalecer sobre quaisquer outros critérios subsidiários de escolha de lei aplicável, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º do Regulamento Roma I.
CC. Mesmo na remota hipótese de afastamento da lei escolhida pelas Partes (lei finlandesa) – o que não se aceita e apenas por dever de patrocínio se equaciona –,nem através da aplicação dos critérios gerais de escolha da lei aplicável, consagrados no já aludido Regulamento, seria possível chegar à conclusão de que o direito material português seria aplicável, porquanto, in casu, o único elemento de conexão do presente litígio com Portugal é o facto de este ser o local da sede da Recorrente,
DD. E, consequentemente, existindo uma conexão manifestamente mais estreita do caso sub judice ao ordenamento jurídico espanhol, aplicar-se-ia a regra de desvio/exceção prevista no n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento Roma I, o qual determinaria a aplicação do direito material espanhol.
EE. Paralelamente à responsabilidade contratual imputada à ora Recorrida, a Recorrente vem alegar responsabilidade extracontratual, por facto ilícito, invocando uma vez mais, a competência do tribunal português, bem como a aplicação do direito material português – no que não se concede.
FF. Nos termos da legislação aplicável – artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento Bruxelas I bis quanto à competência do tribunal em matéria extracontratual e artigo 4.º, n.º 1, do Regulamento Roma II quanto à determinação da lei aplicável às obrigações extracontratuais –, o critério relevante é o lugar onde ocorreu o dano, o qual corresponde ao lugar da materialização do dano e ao lugar do evento causal que está na origem desse dano, conforme tem sido entendimento pacífico na jurisprudência nacional.
GG. Deste modo, ainda que se entendesse haver lugar a responsabilidade extracontratual da Recorrida – o que apenas por mera cautela de patrocínio se concebe, sem conceder –, a verdade é que o prejuízo alegado pela Recorrente iniciou-se e materializou-se no local em que o facto alegado produziu os seus efeitos – isto é, em Espanha, e não em Portugal.
HH. Como tal, não se vislumbra como pode a Recorrente entender serem os tribunais portugueses competentes para dirimir o presente litígio, nem ser o direito material português aplicável ao caso concreto neste âmbito, porquanto não subsistem dúvidas sobre o local onde terá ocorrido o alegado facto danoso: Espanha.
II. Por fim, vem a Recorrente alegar que a invocação, pela Recorrida, do pacto de atribuição de jurisdição entre ambas celebrado, consubstancia uma situação de abuso de direito, nos termos e para os efeitos do artigo 334.º do Código Civil.
JJ. Não assiste razão à Recorrente, porquanto a mesma sempre foi conhecedora e concordou, desde o início das negociações, na atribuição de competência internacional aos tribunais de Helsínquia (Finlândia) e na aplicação da lei finlandesa.
KK. Com efeito, até à invocação, pelas Recorridas, da existência e validade do pacto atributivo de jurisdição, a verdade é que a Recorrente jamais havia manifestado qualquer desagrado ou incómodo acerca de tal convenção, questionado o que quer que fosse ou se queixado de uma qualquer onerosidade que pudesse ter sentido com tais deslocações e despesas.
LL. Mais, a Recorrente nunca alegou qualquer facto ou evidência de que, efetivamente, tenha existido uma imposição ilícita por parte da Recorrida, limitando-se a fazer alegações vagas e imprecisas, sem qualquer concretização – o que, por si só, suficiente para abalar a validade do pacto em causa.
MM. Certo é que, nada de ilícito resulta do facto de uma sociedade finlandesa como a Recorrida, por acordo, estabelecer, nos contratos celebrados com terceiros, a sua jurisdição como a competente para dirimir eventuais litígios que surjam no âmbito de tais contratos.
NN. Em conclusão, dir-se-á que jamais a Recorrida atuou em abuso de Direito porquanto se limitou a fazer valer o acordo de vontades alcançado entre as Partes aquando das (comprovadas!) negociações havidas entre as mesmas.
OO. Pelo contrário, a única situação de abuso de direito que aqui emerge parte, exclusivamente, da postura da Recorrente, que adota um comportamento diametralmente oposto àquele demonstrado aquando da negociação e execução dos Contratos, ao invocar a nulidade de um pacto atributivo de jurisdição validamente celebrado, e defender a competência dos tribunais portugueses e a aplicação do direito material português para dirimir o presente diferendo.
PP. Ainda que não se entendesse estarmos perante uma situação de incompetência absoluta do tribunal português por violação das regras de competência internacional– o que apenas por mera cautela de patrocínio se concebe, sem conceder –, a verdade é que, a considerar-se ser a jurisdição portuguesa a competente para decidir o presente litígio, sempre imporiam as regras de competência em razão da matéria, que tal competência recaísse sobre o Tribunal Marítimo e não sobre o Juízo Central Cível de Lisboa, nos termos conjugados dos artigos 65.º do CPC e 83.º, n.ºs1, 2 e 3, alínea c) e 113.º, n.º 1, alínea b), ambos da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto(LOSJ),
QQ. Porquanto, in casu, os contratos dos quais decorre a alegada responsabilidade contratual e extracontratual da Recorrida, eram contratos de construção de um navio destinado ao uso marítimo – com efeito, em causa estavam trabalhos de instalações elétricas num navio-cruzeiro cuja finalidade seria a navegação no mar.
RR. Como tal, a considerarem-se os tribunais portugueses internacionalmente competentes para conhecer do presente litígio – o que, mais uma vez, apenas por mera cautela de patrocínio se concebe, sem conceder –, sempre careceria apresente ação de ser intentada perante o tribunal marítimo.
SS. Deste modo, a instauração da presente ação perante o juízo central cível de Lisboa consubstancia uma inegável violação das regras de competência interna em razão da matéria, o que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 96.º do CPC, gera a incompetência absoluta deste tribunal, a qual, por sua vez, constitui uma exceção dilatória que determina a remessa do processo para o tribunal marítimo, nos termos conjugados dos artigos 577.º, alínea a) e 576.º, n.º 2, ambos do CPC – o que, subsidiariamente, se requer.
TT. Termos em que deverá o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, por não provado, mantendo-se na íntegra a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, por não provado, e, em consequência, mantida a decisão recorrida.
1.8. – Ainda com referência à apelação da autora TECNISETEI ELECTRICIDADE E ENGENHARIA LDA e identificada em 1.6. foram apresentadas CONTRA-ALEGAÇÕES pelas 3ª , 4ª e 5ª RR, respectivamente a CRUISE YACHT YARDCO LTD, a CRUISE YACHT 1 LTD e a CRUISE YACHT HOLDCO LTD, vindo pugnar pela confirmação da decisão recorrida, para tanto concluindo do seguinte modo :
A. A incompetência internacional dos Tribunais Portugueses configura uma exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa e que, em consequência, dá lugar à absolvição dos réus da instância.
B. O despacho saneador é o momento processual destinado, por excelência, à decisão das exceções dilatórias.
C. O Ilustre Tribunal a quo analisou devidamente a validade da cláusula atributiva de jurisdição aos Tribunais de Helsínquia, socorrendo-se da matéria de facto não controvertida, da análise do mérito dos argumentos avançados pelas Partes e, bem assim, das soluções de Direito que corretamente determinou aplicáveis.
D. O regime comunitário prevalece sobre o regime interno, em razão do princípio do primado do direito europeu.
E. A validade do pacto atributivo de jurisdição aos Tribunais de Helsínquia tem de ser aferida à luz das disposições do Regulamento (UE) n.º 1215/2012.
F. Não são valorizáveis, a propósito da validade do pacto atributivo de jurisdição, os hipotéticos inconvenientes da localização do foro convencionado para uma das partes.
G. O pacto atributivo de jurisdição em causa nos presentes autos cumpre, integralmente, os requisitos de validade estabelecidos no artigo 25.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, sendo estes os únicos requisitos a considerar.
H. Mesmo com a putativa aplicação do regime mais exigente da Diretiva 93/13/CEE – note-se, não aplicável aos presente autos –, inexistiria fundamento que permitisse concluir pelo caráter alegadamente abusivo da atributiva de jurisdição aos Tribunais de Helsínquia.
I. O Ilustre Tribunal a quo bem andou ao concluir pela validade do pacto atributivo de jurisdição aos Tribunais de Helsínquia.
J. O pacto atributivo de jurisdição aplica-se a todas as controvérsias decorrentes da relação contratual estabelecida, designadamente aos pedidos indemnizatórios formulados com fundamento em alegada responsabilidade civil extracontratual.
K. A eficácia do pacto atributivo de jurisdição aos Tribunais de Helsínquia abrange a totalidade das partes demandadas.
L. Na hipótese de ausência de pacto atributivo de jurisdição – o que não se concede– os tribunais internacionalmente competentes para conhecer do litígio em causa seriam os dos Estados-Membros onde se encontram domiciliadas as Recorridas– Finlândia, Espanha e Malta, de acordo com a regra geral estabelecida no Regulamento (UE) n.º 1215/2012 quanto à competência judiciária.
M. Em matéria extracontratual, nos termos do artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, seriam competentes para conhecer do presente litígio os Tribunais Espanhóis, porquanto o alegado facto dano ocorreu em Vigo.
N. O artigo 62.º, alínea c) do CPC estabelece o critério da necessidade e aplica-se apenas a casos de lacunas de tutela jurisdicional, em contextos excecionais, pelo que não tem aplicação aos presentes autos.
O. Encontra-se verificada a exceção de incompetência internacional dos Tribunais Portugueses para conhecimento do presente litígio.
P. É a lei finlandesa que, por convenção das partes, regula a relação contratual estabelecida entre a Recorrente e a Recorrida Team Electric, e, bem assim ,todas obrigações suscetíveis de emergir dessa relação contratual.
Q. Mesmo que se considerasse inválida a convenção sobre a lei aplicável – o que não se concede –, seria a lei espanhola a lei substantiva reguladora da relação controvertida, por força do disposto no Regulamento Roma I e no Regulamento Roma II.
R. A Decisão Recorrida deverá ser mantida nos exatos termos em que foi proferida
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis que V. Exas. doutamente suprirão ,deverá o presente recurso de apelação ser julgado totalmente improcedente, e em consequência ser a decisão do Ilustre Tribunal a quo mantida nos exatos termos em que foi proferida, com todas as legais consequências.
* Thema decidendum
2 - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as “questões” a apreciar e a decidir são as seguintes :
I - Aferir se “andou mal” - como assim o considera a apelante - o Tribunal a quo ao julgar verificada a excepção dilatória de incompetência internacional do tribunal, decretando a absolvição das Rés da instância, nos termos do n.° 2 do artigo 576.º e da alínea a) do artigo 577.°, ambos do Código de Processo Civil, e alegadamente em razão de preterição/inobservância de pacto privativo de jurisdição;
*
3. - Motivação de Facto
Para efeitos de decisão do mérito da instância recursória, importa atender tão só à factualidade que resulta do relatório do presente acórdão, e para o qual se remete, à qual acresce – para melhor compreensão do julgado – a seguinte, porque não controvertida :
3.1. - A Autora, através da sua sucursal em Espanha, e a 1ª Ré TEAM ELECTRIC OY AB, outorgaram em 25 de Maio de 2018 três contratos intitulados de “prestação de serviços”, tendo em vista a instalação de componentes elétricos no âmbito da construção de um navio, propriedade da 4ª Ré, a cargo e aportado num estaleiro da 2ª Ré, em Espanha, com quem a 1ª Ré celebrou um contrato alegadamente de empreitada ;
3.2. - No âmbito dos contratos intitulados de “prestação de serviços” identificados em 3.1., todos eles direcionados para a instalação pela autora de componentes elétricos no âmbito da construção de um navio, ficou a constar uma cláusula que estabelecia que “ Todas as controvérsias decorrentes do presente contrato, em que as partes não consigam chegar a acordo, serão resolvidas pelos tribunais de Helsínquia ”.
*
4. – Motivação de Direito
4.1 – É [ como o considera a autora/apelante ] ,ou não [ como o decidiu o primeiro Grau e o consideram as RR ], o tribunal a quo, o internacionalmente competente para conhecer da presente acção pela apelanteTECNISETEI ELECTRICIDADE E ENGENHARIA LDA intentada contra as RR apeladas ?.
Como vimos supra, importa tão só apreciar no âmbito da presente instância recursória da competência internacional do tribunal a quo/tribunal português [ em face dos tribunais estrangeiros, maxime de tribunal da capital do Estado da Finlândia ] para conhecer da acção pela apelante TECNISETEI ELECTRICIDADE E ENGENHARIA LDA [ com sede em Lisboa ] intentada contra as RR apeladas [ maxime contra a Ré TEAM ELECTRIC OY AB, que tem sede no Estado da Finlândia, importando pois aferir da efectiva verificação da excepção dilatória da incompetência absoluta, excepção esta que, podendo ser suscitada oficiosamente pelo tribunal excepto se decorrer da violação de pacto privativo de jurisdição ( cfr. artº 97º, nº1, do CPC), certo é que in casu foi conhecida pelo tribunal a quo na sequência da respectiva arguição pelas Rés nas contestações apresentadas.
Em rigor, em causa está tão só aferir se, em razão do/s pedido/s pela apelante deduzidos na petição inicial [ supra identificado em sede de Relatório ] e da causa petendi que prima facie o/s alicerça/sustenta, deve a decisão recorrida manter-se, ou ,ao invés, deve ser revogada, tal como o reclama a apelante, impondo-se assim o prosseguimento da acção.
É que, como é entendimento uniforme da “melhor” doutrina (1) e jurisprudência, é precisamente em face do pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos ( causa petendi ) em que o mesmo se apoia, e tal como a relação jurídica é outrossim pelo autor delineada na petição ( quid disputatum ou quid dedidendum ), que cabe determinar/aferir da competência do tribunal para de determinada acção poder/dever conhecer, sendo para tanto já irrelevante o juízo de prognose que, hipoteticamente, se pretendesse fazer relativamente á viabilidade da acção, por se tratar de questão atinente com o mérito da pretensão. (2)
Ou seja, consensual é, nesta matéria, que determinando-se a competência do tribunal para de específica acção conhecer/apreciar com base no pedido do autor ou pretensão que tem através daquela por desiderato alcançar, e outrossim pelos respectivos fundamentos, para o referido efeito não importa já averiguar qual a viabilidade da aludida pretensão, pois que a competência é questão prévia a tal apreciação, a decidir independentemente do mérito e ou demérito da acção.
Pacífico é também que a questão decidenda apenas surge quando, tal como sucede in casu, a causa se encontre, através da ambos os elementos supra identificados, em contacto com mais do que um País, pois que, se tanto a causa de pedir, como o pedido e as partes mantêm somente uma relação ou/proximidade com o território nacional, não existe à partida qualquer questão de concorrência de jurisdições, não se colocando então a questão da competência internacional. (3)
Isto dito, e sob a epígrafe de “Competência internacional”, reza o artº 59º, do CPC, que : “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94º ”.
O normativo acabado de parcialmente transcrever, mostra-se consentâneo com o disposto no nº 2, do artº 37.º, n.º 2, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto [ Lei da Organização do Sistema Judiciário ], o qual reza que “A lei de processo fixa os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais”, o que equivale a dizer que a competência internacional dos Tribunais portugueses, deve prima facie fixar-se nos termos definidos pelo regime processual civil interno, maxime de acordo com os factores de conexão definidos pela lei do processo, mas sem prejuízo, claro está, do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais .
Perante o acabado de aduzir, e em face do OBJECTO do processo [ relacionado com instituto da responsabilidade civil contratual e igualmente extra-contratual ], importa sobremaneira aferir se [ como assim o considerou/decidiu o Primeiro Grau ] in casu afastaram as partes [ através de convenção ou pacto válido privativo – porque retira a competência aos tribunais portugueses, atribuindo-a a um tribunal estrangeiro - de jurisdição ] a competência do Tribunal a quo [ tribunal português ] para da presente acção conhecer ou, na negativa, e sempre sem prejuízo todavia do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais [ porque como vimos já, do acima transcrito artº 59º do CPC, a competência internacional dos tribunais portugueses depende, em primeira linha, do que resultar dos regulamentos europeus e de outros instrumentos internacionais, estando sobremaneira em causa o primado do direito europeu, com prevalência sobre o direito português e aplicação direta na ordem interna (4), como ademais resulta também do disposto no art. 8º da CRP ], importa considerar o tribunal a quo como o internacionalmente competente em v.g. razão da verificação de algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º, ambos do CPC – cfr. artº 59º, do CPC.
Isto dito, e descendo de imediato à factualidade assente, porque não controvertida, importa reconhecer ser inquestionável que no âmbito de três contratos outorgados em 25 de Maio de 2018 entre a Autora/apelante e a 1ª Ré TEAM ELECTRIC OY AB, todos eles intitulados de “prestação de serviços” e tendo em vista a instalação de componentes elétricos no âmbito da construção de um navio, foi inserta concreta cláusula no âmbito da qual ficou estabelecido que “Todas as controvérsias decorrentes do presente contrato, em que as partes não consigam chegar a acordo, serão resolvidas pelos tribunais de Helsínquia ”.
Apelante e 1ª Ré, portanto, e alegadamente no âmbito e ao abrigo da autonomia privada, celebraram [ prima facie ao abrigo do disposto no artº 94º, do CPC, o qual reza que “ As partes podem convencionar qual a jurisdição competente para dirimir um litígio determinado, ou os litígios eventualmente decorrentes de certa relação jurídica, contanto que a relação controvertida tenha conexão com mais de uma ordem jurídica”] um negócio jurídico substantivo e/ou processual, nos termos do qual acordaram ambas que os litígios entre si e emergentes de concreta relação jurídica de natureza contratual que eventualmente viessem a surgir no futuro, seriam obrigatoriamente resolvidos pelos tribunais de Helsínquia .
Inseriram assim a Autora e a 1ª Ré em contratos [ os quais integram a causa de pedir da acção ] entre ambas outorgados um pacto privativo de jurisdição, ao abrigo do artº 94º,nº1, do CPC, pacto que, para ser válido, exige que o litigio a dirimir tenha por objecto uma relação controvertida que apresente uma conexão com mais de uma ordem jurídica ( conexão que pode ser objetiva ou subjetiva) e, ainda [ cfr. artº 94º,nº3, do CPC ] que relativamente à eleição/escolha do foro se verifiquem os seguintes requisitos : a) Dizer respeito a um litígio sobre direitos disponíveis; b) Ser aceite pela lei do tribunal designado; c) Ser justificada por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, desde que não envolva inconveniente grave para a outra; d) Não recair sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses; e) Resultar de acordo escrito ou confirmado por escrito, devendo nele fazer-se menção expressa da jurisdição competente”.
Por último, e com referência ao requisito da alínea e) indicado por último, estipula o subsequente nº 4 do mesmo normativo adjectivo que “Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se reduzido a escrito o acordo constante de documento assinado pelas partes, ou o emergente de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de comunicação de que fique prova escrita, quer tais instrumentos contenham diretamente o acordo quer deles conste cláusula de remissão para algum documento em que ele esteja contido.”.
Conhecidos os requisitos de “validade” de um pacto privativo de jurisdição à luz da lei adjectiva português, mas, porque como sabemos já – e tal como decorre da primeira parte do artº 59º, do CPC - a competência internacional dos tribunais portugueses depende, em primeira linha, do que resultar dos regulamentos europeus e de outros instrumentos internacionais, estando sobremaneira em causa o primado do direito europeu, com prevalência sobre o direito português, certo é que todas as partes da presente acção mostram-se domiciliadas em Países – Estados Membros – da União Europeia [ Portugal, Finlândia e Malta ], isto por um lado e, por outro, pacífico é também que o thema decidenduum ( ou causa de pedir da acção ) mostra-se interligado com matéria do âmbito civil e/ou comercial.
Consequentemente, inevitável é incidir de seguida a nossa atenção para a eventualidade de a questão decidenda não dever ser objecto de resolução por aplicação do Regulamento (UE) nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12.12.2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (reformulação), e isto porque pacifico é que tem a presente ação natureza civil e mostra-se em parte relacionada com instituto da responsabilidade contratual.
Acresce também que ao aludido âmbito de aplicação material do referido Regulamento ( cfr. respectivo art. 1º ) se junta também o respeitante ao respectivo âmbito temporal [ considerando que a presente acção foi intentada em 12 de Abril de 2023 e o regulamento aplica-se às ações judiciais intentadas após 10 de janeiro de 2015 - cfr. arts. 66º e 81º do Regulamento ] , e outrossim territorial, porque como vimos supra mostram-se todas as partes domiciliadas em Estados-Membros ( cfr. artºs 4.,5º e 68º do Regulamento).
Em suma, e como assim também o considerou – e bem - o Primeiro Grau, importa portanto reconhecer que se relaciona o objecto do processo com uma situação jurídica plurilocalizada, de natureza transnacional, susceptível de ser objecto de um pacto de jurisdição, nos termos do artº. 25.º do Regulamento n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012 ( doravante designado apenas por Regulamento (UE) n.º 1215/2012 ).
Isto dito, importa começar por atentar precisamente no disposto no art. 25º do aludido Regulamento (UE) nº 1215/2012, sob a epígrafe de “ Extensão de competência”, rezando ele que : “1- Se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado-Membro, substantivamente nulo. Essa competência é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário. O pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado: a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; b) De acordo com os usos que as partes tenham estabelecido entre si; ou c) No comércio internacional, de acordo com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial concreto em questão. 2. Qualquer comunicação por via eletrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale à «forma escrita». 3. O tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro a que o ato constitutivo de um trust atribuir competência têm competência exclusiva para conhecer da ação contra um fundador, um truste e ou um beneficiário do trust, se se tratar de relações entre essas pessoas ou dos seus direitos ou obrigações no âmbito do trust. 4. Os pactos atributivos de jurisdição bem como as estipulações similares de atos constitutivos de trusts não produzem efeitos se forem contrários ao disposto nos artigos 15.º, 19.º ou 23.º, ou se os tribunais cuja competência pretendam afastar tiverem competência exclusiva por força do artigo 24.º. 5. Os pactos atributivos de jurisdição que façam parte de um contrato são tratados como acordo independente dos outros termos do contrato. A validade dos pactos atributivos de jurisdição não pode ser contestada apenas com o fundamento de que o contrato não é válido”.
No seguimento do conteúdo a norma acabada de transcrever, temos assim que à luz da mesma a “validade” e “eficácia” de um pacto de jurisdição exige apenas que tenha o mesmo por objecto um qualquer litigio decorrente/resultante de concreta/especifica relação jurídica, que tenha sido ele reduzido a escrito ou, ainda que consensualizado verbalmente, haja sido depois confirmado por escrito, e que se mostre observado o requisito a que alude a respectiva alínea c).
Mais exactamente, do artº. 25º referido em análise decorre assim que para além de um requisito de validade de natureza substancial [ existir uma declaração de vontade bilateral e consensual dirigida para a sujeição de um qualquer litigio decorrente/resultante de concreta/especifica relação jurídica à jurisdição de um tribunal ou tribunais de um Estado-Membro ] , deve o pacto de jurisdição observar os 3 requisitos de ordem formal e que e mostram previstos nas três alíneas do seu n.º 1. (5)
Neste conspecto, e bem a propósito, concludente é relativamente a esta matéria – o da validade de um pacto privativo de jurisdição para efeitos de sujeição ao artº 25º, do Regulamento (UE) nº 1215/2012 – o Acórdão do STJ de 9/5/2019 (6), ao concluir que : I - As disposições do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, incluindo a disposição do art. 25.º, têm prioridade sobre as disposições do Código de Processo Civil. II. — As situações jurídicas plurilocalizadas, desde que transnacionais, podem ser objecto de pactos atributivos de jurisdição, nos termos do art. 25.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012. III. — A validade dos pactos atributivos de jurisdição concluídos ao abrigo do art. 25.º do Regulamento é independente de qualquer conexão entre o objecto do litígio e o tribunal designado, “não sendo valoráveis, designadamente, os hipotéticos inconvenientes, para uma das partes, da localização do foro convencionado a que o direito interno confira relevo”. IV. — Entre os requisitos essenciais para que um pacto de jurisdição concluído ao abrigo do art. 25.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 seja substantivamente válido está o de que designe, com suficiente determinação, duas coisas — a relação jurídica e o tribunal em que as questões emergentes da relação jurídica designada hão-de ser apreciadas e decididas. V. — Entre os requisitos essenciais para que um pacto de jurisdição seja substantivamente válido não está, em todo o caso o de que o tribunal designado tenha alguma conexão objectiva com a relação jurídica designada, com os seus sujeitos ou com o seu objecto. VI. — O conceito de invalidade substancial do art. 25.º do Regulamento n.º 1215/2012 deve interpretar-se em termos de não abranger a invalidade por violação das regras de competência interna e, designadamente, das regras de competência interna dos arts. 94.º, 95.º e 104.º do Código de Processo Civil.
Ora, no seguimento do acabado de expor e, tendo presente a factualidade assente em 3.1. e 3.2., não se descortina existir fundamento pertinente que obste a que se conclua que entre a Autora e a Primeira Ré foi outorgado um efectivo pacto privativo de jurisdição, e isto porque claramente através do mesmo visaram atribuir/conferir aos tribunais da Finlândia a competência exclusiva para dirimir qualquer litigio decorrente/resultante dos negócios jurídicos que ambos outorgaram, isto por um lado e, por outro, porque reduzido a escrito, inevitável é a respectiva validade e eficácia.
É vero que, para obstar à sujeição ao pacto privativo de jurisdição que efectivamente outorgou, vem a apelante invocar razões que considera pertinentes em face do Direito interno [ v.g. integrar o pacto um contrato de adesão, não tendo a autora a oportunidade de o poder contrariar; existiram dificuldades manifestas para a Autora em tornar efectivo o seu direito por meio de acção a instaurar em tribunal estrangeiro ; existirem ponderosos elementos de conexão pessoal entre o objeto do litígio e a ordem jurídica nacional , etc.,etc. ], razões que, merecendo e devendo ser atendidas – uma vez provadas -, inevitável será enveredar por um juízo de inaplicabilidade – porque inválida - da referida cláusula ao litigio a dirimir entre as partes.
Não assiste, todavia , razão à apelante, o que decorre desde logo das conclusões supra transcrita do Acórdão do STJ de 9/5/2019, ou seja, que em sede de indagação da validade de um pacto privativo de jurisdição subsumível ao artº. 25º do Regulamento n.º 1215/2012 não há que lançar mão aos direitos nacionais dos Estados-Membros [ v.g. a legislação nacional adjetiva e substantiva , v.g. e in casu a disciplina consagrada no RCCG – DL nº 446/85, de 25 de Outubro ], antes deve a aludida apreciação fazer-se exclusivamente à luz do disposto no artº. 25º daquele Regulamento n.º 1215/2012 [ entendimento este que se mostra igualmente sufragado pelo tribunal a quo, ao concluir-se na sentença recorrida que “[n]a aferição da validade do pacto atributivo de jurisdição deve ser feita de acordo com a satisfação, ou não, dos requisitos específicos que o Regulamento impõe ” ] .
É que, como se salienta no referido Acórdão do STJ e de 9/5/2019, a verdade é que o Supremo Tribunal de Justiça vem afirmando “ constantemente, que as disposições do Regulamento n.º 1215/2012, incluindo a disposição do art. 25.º, têm prioridade sobre as normas do Código de Processo Civil ; que as situações jurídicas plurilocalizadas, desde que transnacionais, podem ser objecto de pactos atributivos de jurisdição, nos termos do art. 25.º do Regulamento n.º 1215/2012 ../../../../daniela.c.matos_st/AppData/Local/Microsoft/Windows/Temporary Internet Files/Content.Outlook/WVXLXVPB/4 PROCESSO N ┬║ 3793_16 0T8VIS C1 S1 5 ª versão.docx - _ftn10; e que a validade dos pactos atributivos de jurisdição concluídos ao abrigo do art. 25.º do Regulamento é independente de qualquer conexão entre o objecto do litígio e o tribunal designado, não sendo valoráveis, designadamente, os hipotéticos inconvenientes, para uma das partes, da localização do foro convencionado a que o direito interno confira relevo” .
Mais recentemente, e em Acórdão de 9/5/2023 (7), vem -coerentemente - o mesmo STJ a concluir que :
“(…) IV - Em matéria de competência internacional, a nossa lei processual (art. 59.º do CPC) reconhece a prioridade/prevalência de que gozam, sobre a nossa lei nacional, os regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais a que o nosso país está vinculado, numa decorrência, aliás, do plasmado no art. 8.º, n.º 4, da CRP, onde se consagra o princípio primado do direito da União Europeia sobre o nosso direito interno, bem como da própria jurisprudência emanada pelo TJUE . V - E dentro prevalência e autonomia do direito comunitário em relação ao direito interno nacional, numa emanação do respeito do princípio da autonomia da vontade das partes na estipulação da competência internacional, encontram-se os pactos atributivos de jurisdição, cuja noção e disciplina se encontra atualmente, e a partir de 10-01-2015, consagrada no art. 25.º Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12/12, e cujo âmbito de aplicação se estende a situações jurídicas plurilocalizadas e transnacionais, que envolvam pelos menos um dos Estados-Membros da União Europeia. VI - A validade da convenção das partes atributiva dessa competência a um dos tribunais dos Estados Membros da EU não depende de uma conexão entre a relação controvertida e o tribunal designado ou do motivo da escolha, devendo ser tão somente, em regra, ser aferida à luz dos requisitos específicos formais e materiais plasmados no citado art. 25.º daquele Regulamento. VII- A essa luz, e sob pena de violação do princípio do primado do direito da União Europeia sobre o direito interno nacional, é inaplicável a tais pactos atributivos de jurisdição o RCCG, e particularmente quando neles não intervenham ou estejam em causa interesses de consumidores, sendo ainda, assim, e nessa medida, de desconsiderar, designadamente, os hipotéticos inconvenientes, para uma das partes, advenientes da localização do foro convencionado . VIII - Dessa decorrência, é válida a cláusula convencional inserida num contrato escrito, que tinha como objeto o fornecimento de material software, celebrado, em 2019, entre duas sociedades comerciais, uma com sede em Portugal e outra com sede em ..., através da qual estabeleceram como competentes, para conhecer de qualquer litígio emergente desse contrato, os tribunais do Reino Unido, e mais concretamente os tribunais da cidade ..., mesmo que porventura não tivesse sido objeto de prévia de negociação ou dela advenha eventual inconveniente para uma das partes adveniente da localização do foro escolhido”. (…).”.
Por último, e na linha da jurisprudência acabada de evidenciar, adequado é recordar concretas passagens de recentíssimo Acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça [ porque de 11/2/2025 (8) ] , no mesmo se esclarecendo e elucidando [ quanto ao thema decidenduum ] nos seguintes e bem elucidativos termos : “(…)A competência internacional é, assim, aferida independentemente da lei aplicável ao mérito da causa, pelo que os tribunais nacionais podem ser internacionalmente competentes, mesmo que a causa deva ser julgada por aplicação de uma lei estrangeira; o inverso é também verdadeiro. (…) As regras de competência do Regulamento n.º 1215/2012 regem essencialmente a competência internacional e, por isso, só são aplicáveis a litígios emergentes de relações transnacionais. (…) Como este Tribunal Supremo já acentuou, constitui jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia que no momento da aferição da competência internacional, o órgão jurisdicional perante o qual foi proposta a acção não aprecia a sua admissibilidade nem a sua procedência segundo as regras do direito nacional, nem está obrigado, no caso de o demandado contestar as alegações do demandante, a proceder à produção de prova, apenas estando vinculado a identificar os elementos ou os factores de conexão com o Estado do foro que justificam a sua competência ao abrigo, designadamente do disposto no art.º 7.º do Regulamento n.º 1215/2012, devendo, para essa finalidade, considerar assentes as alegações quanto aos requisitos e, em nome da boa administração da justiça, subjacente ao mesmo Regulamento, apreciar as objecções apresentadas pelo demandado ”.
Em suma, todas as objeções/considerações e alegações de facto de alguma forma pela Autora/apelante invocadas com o desiderato de afastar a aplicação ao caso sub judice do pacto privativo de jurisdição inserto nos negócios jurídicos outorgados entre a autora e a 1ª Ré TEAM ELECTRIC OY AB, acabam em última análise por improcederem, não podendo conduzir ao desiderato pela autora/apelante pretendido alcançar , razão porque sobre as mesmas não se justifica sujeitarem-se à competente produção de prova [ porque de acto inútil se trata, sendo portanto proibido – cfr. artº 130º, do CPC ].
É que, prevalecendo - como efectivamente prevalece - o art. 25º sobre as regras de direito interno (9) , maxime sobre aquelas que fixem requisitos mais exigentes de forma para os pactos privativos de jurisdição, como é o caso do art. 94º do CPC, e , sendo de todo irrelevante a existência de uma conexão estreita do litígio à ordem jurisdicional a que se atribui competência para dele conhecer, sendo elemento de estraneidade de um litígio o próprio pacto privativo de jurisdição que prevê a atribuição da competência a um Estado membro diferente, a que acresce que entre os requisitos essenciais para que um pacto de jurisdição seja substantivamente válido não está o de que o tribunal designado tenha alguma conexão objetiva com a relação jurídica designada, com os seus sujeitos ou com o seu objeto e, por último, porque também os alegados inconvenientes resultantes da escolha do foro não servem como fundamento da invalidade do pacto (9), inevitável é a improcedência das conclusões recursórias dirigidas pela apelante para a respectiva não aplicação ao caso sub judice.
É que, importa insistir, como decorre expressis verbis do acima indicado artº 25º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, a validade substancial do pacto de jurisdição é para ser conhecida e resolvida nos termos da lei do Estado-Membro do tribunal nele designado como competente para a resolução do litígio. (10)
A conclusão por último referida é também aquela que, estamos em crer, decorre da Jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia , para tanto se justificando recordar, por exemplo, o acórdão de 16 de Junho de 2016 (11) do Tribunal de Justiça da União Europeia, o qual é assertivo em explicar que “decorre das exigências tanto de aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição de direito da União que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados-Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser interpretados de modo autónomo e uniforme em toda a União Europeia, interpretação essa que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objectivo prosseguido pela regulamentação em causa (acórdão de 5 de Dezembro de 2013, Vapenik, C‑508/12, EU:C:2013:790, n.º 23 e jurisprudência referida).
Improcedem, portanto, todas as conclusões recursórias relacionadas com a referida matéria.
*
4.2 – Se o pacto privativo de jurisdição “vincula” também as Rés demandadas que não outorgaram com a autora o/s contratos nos quais aquele se mostra inserido.
Os demais RR, que não a 1ª Ré, vêm acrescentar um outro fundamento para a reclamada revogação da decisão recorrida, estando ele relacionado com o facto de não terem subscrito qualquer dos contratos dos quais consta o pacto privativo de jurisdição apreciado em 4.1..
Ou seja, não tendo subscrito qualquer dos contratos outorgados entre Autora e 1ª Ré, não podem estar vinculados ao pacto privativo de jurisdição neles inseridos, logo, toda a fundamentação pelo tribunal vertida na decisão recorrida não se lhes aplica.
Recordando, a amparar os pedidos deduzidos pela Autora contra as 2ª, 3ª , 4ª e 5ªs RR, alegou a autora, em síntese, o seguinte : - Como se verá adiante, a fonte da obrigação de indemnizar que recai sobre a 1ª Ré é contratual ; - Como se explicará adiante, as 2ª e 4ª Rés são também responsáveis por indemnizar a A. pelos prejuízos causados pela 1ª Ré à A .por incumprimento contratual, ainda que, quanto a esta responsabilidade da 2ª e 4ª Rés, a fonte da sua obrigação de indemnizar a A. seja por responsabilidade extracontratual ; - Com efeito, como melhor se exporá infra, as 2ª, 3ª e 4ª Rés deram ou prometeram dar à 1ª Ré vantagem patrimonial que não lhe era devida, para que a mesma fizesse cessar, sem o pagamento dos créditos devidos ou de qualquer indemnização, as relações contratuais com a A., afastando-a da obra em curso e não lhe atribuindo a execução de obras que lhe haviam sido prometidas ,uma vez que não foram cocontratantes da A. ; - Ou seja, a A., através da sua sucursal em Espanha , celebrou, em 25 de maio de 2018, três contratos de sub-subempreitada, mas que foram intitulados de “prestação de serviços”, com a 1ª Ré, então subempreiteira dos trabalhos de instalações elétricas no navio “Evirna”, que estava em construção pelo estaleiro naval empreiteiro Barreras (2ª Ré), sendo que os trabalhos de construção do navio foram desenvolvidos (como é natural, sobretudo) no interesse da 4ª Ré, proprietária do navio e, consequentemente, Dona de Obra e da 5ª Ré sua acionista única [ Sendo certo que as 4ª e 5ª Rés (e como veremos, também a 3ª Ré) integram o mesmo grupo hoteleiro internacional económico – The Ritz-Carlton. ] ; - Vindo a obra a parar - v.g. em razão de uma situação de pré-insolvência da 2ª Ré - e quando à data era a autora credora de pelo menos € 161.702,05, certo é que estando ainda em diálogo com a 1ª Ré no sentido de a obra ser retomar a obra , já a 1ª Ré andava a aliciar e a contratar as pessoas com que a A. contava para a retoma da obra, agindo ainda com o conhecimento e a anuência das demais Rés, já que a 3ª Ré, passara entretanto a dominar a 2ª Ré, a 4ª Ré é a Dona da Obra e a 5ª Ré a sociedade que detém 100% do capital da Dona da Obra ; - Em rigor, a A. e a equipa de técnicos que com ela colaborava na obra, que acreditaram na honestidade da 1ª Ré e, bem assim, na honestidade da 2ª e4ª Rés e dos seus acionistas, foram portanto usados, descartados e deitados fora, vindo a 1ª Ré a por fim, em 12.05.2020, contra todas as regras da boa fé contratual e, portanto, ilicitamente às relações contratuais com a A ; - Acresce que foi ainda a autora confrontada com outras empresas a assumirem o seu trabalho em condições mais vantajosas, tendo mesmo a 1ª Ré aliciado e contratado as pessoas com quem a A. contava para retomara obra, ou seja, a suspensão da obra foi determinada fundamentalmente pela 2ª e 4ª Rés , mais exactamente no interesse da 3ª e da 4ª Ré (dominada pela 5ª Ré) e portanto no interesse geral do grupo Ritz-Carlton.
Ou seja, sendo prima facie de natureza complexa a causa de pedir dos vários pedidos pela autora deduzidos contra as RR, tudo indica que, se não existe uma relação de dependência [ v.g. dos pedidos dirigidos aos 2º, 3º, 4º e 5º RR em relação ao pedido deduzido contra a 1ª Ré , e isto porque claramente, sendo um pedido dependente de outro quando só se possa conhecer do primeiro no caso de procedência do segundo, é óbvio que os pedidos dirigidos aos 2º, 3º, 4º e 5º RR apenas são de apreciar/conhecer caso o pedido dirigido contra o primeira Ré venha a proceder – porque não podem as restantes RR terem proporcionado um incumprimento da 1ª Ré em relação à autora se este último incumprimento não se provar ] de uns em relação aos autos, o que existe claramente é uma ligação entre todos eles por um nexo tão estreito que justifica que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente.
Em rigor, tudo aponta para que, se não ao abrigo do disposto no artº 82º,nº3, do CPC [ “ Quando se cumulem, porém, pedidos entre os quais haja uma relação de dependência ou subsidiariedade, deve a ação ser proposta no tribunal competente para a apreciação do pedido principal”], pelo menos tendo presente o disposto no artº 8, nº 1, do Regulamento n.º 1215/2012 [ do qual resulta que “ Uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode também ser demandada, se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer um deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente” ] se mostra justificada a propositura da acção contra as demais RR no Tribunal contemplado no pacto privativo de jurisdição.
Perfilhando o referido entendimento, e precisamente em acção cujos contornos se aproximam de alguma forma do caso sub judice, recorda-se v.g. que em Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 31/3/2016 (12) se veio a conclui/decidir nos seguinte termos :
“(…) 3 - Tendo a acção por base um relacionamento comercial firmado entre A. e Ré, nela se procurando ver reconhecido um direito indemnizatório com base na violação de tal contrato, por parte da ré, e tendo as partes convencionado, por escrito, um pacto atributivo de jurisdição, tem aqui aplicação o art. 23.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho de 22/12/2000, sendo competente o Tribunal a quem foi atribuída jurisdição pelas partes. 4 – Tal pacto impõe-se às demais partes processuais, ainda que não contratantes, desde que os pedidos contra elas formulados estejam numa relação de dependência com o pedido principal”.
Em suma, a apelação improcede in totum, merecendo ser confirmada a decisão recorrida.
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4.- Concluindo ( cfr. artº 663º,nº7, do CPC)
4.1. - A competência absoluta do tribunal é pressuposto processual que se determina atendendo a como o autor configura o pedido e a causa de pedir;
4.2. – As disposições do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, incluindo a disposição do art. 25.º, têm prioridade sobre as disposições do Código de Processo Civil, sendo que, as situações jurídicas plurilocalizadas, desde que transnacionais, podem ser objecto de pactos atributivos de jurisdição, nos termos do art. 25.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012.
4.3. - A validade de uma convenção outorgada e dirigida à atribuição da competência a um dos tribunais dos Estados Membros da EU para julgar qualquer dissidio emergente e relacionado com um concreto negócio jurídico não depende de uma conexão entre a relação controvertida e o tribunal designado ou do motivo da escolha, devendo tal validade ser apreciada/aferida por regra à luz dos requisitos específicos formais e materiais plasmados no citado art. 25.º do Regulamento indicado em 3.2.; 4.4. - Tal pacto em causa impõe-se às demais partes processuais, ainda que não contratantes, desde que os pedidos contra elas formulados estejam numa relação de dependência com o pedido principal, ou desde que os diversos pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar decisões que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente - cfr. artº 8º do Regulamento indicado em 3.2..
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5- Decisão
Pelo exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA, na sequência dos fundamentos supra aduzidos, em não conceder provimento à apelação de TECNISETEI ELECTRICIDADE E ENGENHARIA, LDA, e, consequentemente, decidem :
5.1. - Confirmar a sentença apelada ;
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Tendo a autora ficado vencida na apelação, suportará a mesma as respectivas e devidas custas [ cfr. artº 527º,nºs 1 e 2, do CPC ] .
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(1) Cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 91, e Artur Anselmo de Castro, in Lições de Processo Civil, II, 1970, 379.
(2) Cfr., de entre muitos outros, o Ac. do STJ de 9/7/2014, Proc. Nº 934/05.6TBMFR.L1.S1, e o Ac de 25.06.2015, do Tribunal dos Conflitos , proferido no Processo nº 08/15, ambos in www.dgsi.pt.
(3) Cfr. Artur Anselmo de Castro, em Direito Processual Civil Declaratório, II, 1982,Almedina, Pág. 21.
(4) Cfr. Acórdão do STJ de 6/9/2016, proferido no Processo nº 1386/15.8T8PRT-B.P1.S1, e acessível em www.dgsi.pt.
(5) Cfr. v.g. Luís de Lima Pinheiro, em Direito Internacional Privado – Competência Internacional, volume III, tomo I, AAFDL Editora, Lisboa, 2019, pág. 223.
(6) Acórdão proferido no Processo nº 3793/16.0T8VIS.C1.S1, e acessível em www.dgsi.pt.
(7) Acórdão proferido no Processo nº 2038/20.2T8LRA.C1.S1, e acessível em www.dgsi.pt.
(8) Acórdão proferido no Processo nº 141/24.9T8AVR.P1.S1, e acessível em www.dgsi.pt.
(9) Cfr. neste sentido, v.g., os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1-10-2019 [ proferido no processo n.º 2300/18.4T8PRT.P1.S1 ] , de 15-01-2019 [ proferido no processo n.º 27881/15.0T8LSB-A.L1-A.S1] , de 9-02-2017 [ proferido no processo n.º 1387/15.6T8PRT-B.L1.P1-A ] e de 6-09-2016, [ proferido no processo n.º 1386/15.8T8PRT-B.P1.S1] ; do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/9/2023 [ proferido no Processo nº 80/22.8TNLSB-A.L1-7 ], de 11/12/2019 [ proferido no Processo nº 189/17.0T8CSC.L1-7], de 24-05-2018 [ proferido no processo n.º 27.881/15.0T8LSB-A.L1-6 ] ; do Tribunal da Relação do Porto de 27-09-2018 [ proferido no Processo n.º 13688/16.1T8PRT.P1 ] , de 23-02-2017 [ proferido no processo n.º 159312/15.4YIPRT.P1 ], de 1-06-2017 [ proferido no Processo n.º 10310/16.0T8PRT-A.P1 ] ; Tribunal da Relação de Guimarães de 4-10-2018 [ proferido no Processo n.º 6029/17.2T8GMR.G1 ] e de 24-01-2019 [ proferido no processo n.º 1689/17.7T8BGC.G1 ] , todos eles acessíveis em www.dgsi.pt..
(10) Cfr. Acórdão proferido no Processo nº 141/24.9T8AVR.P1.S1, e acessível em www.dgsi.pt..
(11) Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27/9/2018, proferido no Processo nº 13688/16.1T8PRT.P1, e acessível em www.dgsi.pt.
(12) Acórdão da 3ª Secção, Proferido no processo, C‑511/14, Pebros Servizi srl contra Aston Martin Lagonda Ltd, constante da colectânea da jurisprudência ( ECLI:EU:C:2016:448), e acessível através do sitio electrónico https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:62014CJ0511.
(13) Cfr. Acórdão proferido no Processo nº 1890/13.2TJVNF.G1, e acessível em www.dgsi.pt
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LISBOA, 10/7/2024 António Manuel Fernandes dos Santos Adeodato Brotas Jorge Almeida Esteves