ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECLAMAÇÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL
INCONSTITUCIONALIDADE
IMPROCEDÊNCIA
Sumário


I – Não tem cabimento a invocação dos vícios previstos no artigo 410.º, do Código de Processo Penal, no âmbito do artigo 425.º, n.º 4, do mesmo diploma legal, normativo que nem sequer foi expressamente invocado, pelo reclamante.
II- O Supremo Tribunal de Justiça pode apreciar os vícios previstos no citado art. 410º, do Código de Processo Penal, oficiosamente ou mediante alegação nos casos legalmente admissíveis (artigos 432.º e 434.º do Código de Processo Penal), mas o acórdão que conhece do recurso, com ou sem essas questões no seu objeto, não é ele próprio passível desses vícios.
III- Como decorre do teor acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ora, reclamado, este não aplicou a norma formulada pelo reclamante, como tendo sido extraída do 400.º, n.º 1, al. f) do Código de Processo Penal, com o indicado sentido normativo.
III- A invocação de uma questão de inconstitucionalidade deve ocorrer antes da prolação da decisão final, visto que a partir desse momento se encontra esgotado o poder jurisdicional (nos termos previstos no artigo 613.º do Código de Processo Civil – CPC).
IV- Uma vez que o poder jurisdicional se esgota com a prolação da sentença ou acórdão e a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não configura um erro material ou lapso notório, não é causa de nulidade da decisão, nem a torna obscura ou ambígua, os pedidos de aclaração, de reforma ou de arguição de nulidade do acórdão, não constituem momento processualmente adequado para suscitar uma inconstitucionalidade.

Texto Integral


Processo: 880/22.9GBBCL.G1.S1

Reclamação do Acórdão do STJ

Acordam na 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

1. RELATÓRIO

1. O arguido AA, devidamente identificado nos autos, notificado do acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, em 24.04.2025, na parte relativa à apreciação das questões sobre a qualificação jurídica dos factos e a determinação da pena correspondente às penas parcelares (abrangendo todas as questões conexas, de natureza substantiva ou processual a elas respeitantes) e, ainda, na parte que negou “… provimento ao recurso na parte relativa ao quantum da pena única, desta forma confirmando inteiramente o acórdão recorrido”, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 379.º, n.º 1, alínea c) e 410.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal, arguir nulidades do acórdão nos seguintes termos:

«Enquadramento e objeto da arguição

O arguido interpôs recurso do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, com o objetivo de ver reapreciadas questões essenciais ao exercício dos seus direitos de defesa, nomeadamente:

. A requalificação jurídica dos factos como crime continuado, nos termos do artigo 30.º do Código Penal;

. A inadequação da aplicação das qualificativas previstas no artigo 204.º, n.ºs 1, alínea h) e 2, alínea g) do Código Penal (modo de vida e furto em bando);

. A desproporcionalidade da pena única de 11 anos de prisão, em violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade (art. 18.º da CRP), da dignidade da pessoa humana (art. 1.º) e do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º).

Tais argumentos foram expressos e autonomamente enunciados nas conclusões da motivação de recurso, cumprindo os requisitos formais impostos pelos 2 artigos 412.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Penal.

Da nulidade por omissão de pronúncia

(Art. 379.º, n.º 1, al. c) do CPP)

O Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão ora recorrido, não se pronunciou sobre a invocada inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f) do CPP, designadamente quanto à impossibilidade de recorrer mesmo diante da aplicação de uma pena única privativa da liberdade de 11 anos.

Esta omissão ocorre apesar de o recorrente ter invocado expressamente a violação do princípio da proporcionalidade e do acesso efetivo à justiça, previstos nos artigos 18.º, 20.º e 13.º da Constituição da República Portuguesa, com remissão para jurisprudência nacional e do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Estando o tribunal ad quem vinculado à apreciação de todas as questões suscitadas no recurso (art. 374.º, n.º 2 do CPP), o silêncio sobre matéria expressamente impugnada configura nulidade processual, devendo ser reconhecida nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c) do CPP.

Da nulidade por contradição na fundamentação

(Art. 410.º, n.º 2, al. b) do CPP)

O acórdão do Supremo Tribunal acolheu, de forma acrítica, a decisão do Tribunal da Relação, confirmando a pena única de 11 anos de prisão com base numa fundamentação aparentemente racional, mas intrinsecamente contraditória, porquanto:

a) Reconhece que não houve violência física, ameaça grave, nem prejuízos patrimoniais avultados;

b) E simultaneamente considera adequada a pena próxima do limite médio da moldura de concurso (11 anos), invocando abstratamente razões de prevenção geral e especial, sem examinar o concreto impacto da pena na situação social do arguido nem justificar por que razão os princípios constitucionais alegados foram afastados.

Tal disparidade entre os fundamentos e a decisão final viola o dever de fundamentação lógico-dedutiva, previsto nos artigos 205.º da CRP e 374.º do CPP, consubstanciando nulidade por contradição interna insanável, nos termos do artigo 410.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Penal.

Da preservação do direito de recurso para o Tribunal Constitucional

Caso V. Ex.as não reconheçam as nulidades ora arguidas, fica desde já expressamente invocada a inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 400.º, n.º 1, al. f) do CPP, que impede o conhecimento de recurso sobre penas superiores a 5 anos, mas inferiores a 8 anos, mesmo nos casos em que esteja em causa uma pena única de 11 anos de prisão, como sucede no presente caso.

Tal interpretação viola os artigos 20.º, 18.º, 13.º e 1.º da Constituição da República Portuguesa, por consagrar uma restrição desproporcionada e arbitrária ao direito de acesso à justiça e à individualização da pena.

Invoca-se, ainda, para os devidos efeitos, a jurisprudência do Tribunal Constitucional Português (v.g. Ac. n.º 140/2009, 35/2019) e do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (Del Río Prada v. Espanha, Vinter v. Reino Unido).

Nestes termos, requer-se a V. Ex.as se dignem:

1. Declarar a nulidade do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, por omissão de pronúncia e contradição da fundamentação, nos termos dos artigos 379.º, n.º 1, al. c) e 410.º, n.º 2, al. b) do CPP;

2. Determinar a prolação de novo acórdão, com apreciação efetiva das questões suscitadas, incluindo os fundamentos constitucionais invocados;

3. Subsidiariamente, admitir a invocada e expressa arguição de inconstitucionalidade, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82 (LTC)».

1.2. O Exm.º Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça, pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação, entendendo, em síntese, que o acórdão não enferma da nulidade invocada, não se verificando qualquer omissão de pronuncia sobre a inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f) do Código de Processo Penal, porquanto, tal questão não foi suscitada no recurso interposto, pelo que não tinha o tribunal que se pronunciar expressamente sobre essa questão. Mais afirma que o recorrente não pode legalmente suscitar a nulidade do acórdão do STJ por contradição na fundamentação, nos termos do Art. 410.º, n.º 2, al. b) do CPP e nem aproveitar a reclamação de nulidades do acórdão para vir introduzir, pela primeira vez, uma questão de inconstitucionalidade.

2. Colhidos os vistos, os autos foram à conferência.

II- Fundamentação

O recorrente veio arguir a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379º., nº1, al. c), do CPP.

Para tanto, invoca que o acórdão deste STJ não se pronunciou sobre as invocadas inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f) do CPP, designadamente, quanto à impossibilidade de recorrer mesmo diante da aplicação de uma pena única privativa da liberdade de 11 anos, apesar de o recorrente ter invocado expressamente a violação do princípio da proporcionalidade e do acesso efetivo à justiça, previstos nos artigos 18.º, 20.º e 13.º da Constituição da República Portuguesa, com remissão para jurisprudência nacional e do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Afirma, assim, que estando o tribunal vinculado a pronunciar-se sobre todas as questões pertinentes colocadas no recurso tal omissão configura nulidade do acórdão prevista nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c) do CPP.

Vejamos

Nos termos do citado art.379, nº1, al.c) do CPP. a sentença é nula «Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

E, como é consabido, a omissão relevante geradora da nulidade da sentença é a que incide, sobre questões concretas colocadas, isto é, questões concretas controversas a decidir e não sobre motivos ou argumentos das partes ou sobre questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a uma anterior questão.

No caso concreto do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça é verdade que este tribunal não se pronunciou sobre a inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f) do Código de Processo Penal.

Sucede, porém, que em nenhum lugar do recurso o recorrente suscitou qualquer inconstitucionalidade que importasse pronúncia expressa sobre esta questão.

A inconstitucionalidade que o recorrente alegou foi relativa à pena única de 11 anos de prisão em que o arguido foi condenado, invocando o seu excesso e fazendo apelo ao princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º, da Constituição da República Portuguesa, conforme resulta das conclusões LX e ss.

E, tal inconstitucionalidade, que foi objecto de pronúncia por parte deste tribunal, nada tem a ver com a inconstitucionalidade que o arguido vem, agora, invocar pela primeira vez, em sede da presente reclamação, relativa à interpretação normativa do artigo 400.º, n.º 1, al. f) do CPP, que impede o conhecimento de recurso sobre penas superiores a 5 anos (havendo dupla conforme) mas inferiores a 8 anos, mesmo nos casos em que esteja em causa uma pena única de 11 anos de prisão, como sucede no presente caso, por entender que tal interpretação viola os artigos 20.º, 18.º, 13.º e 1.º da Constituição da República Portuguesa, pois consagra uma restrição desproporcionada e arbitrária ao direito de acesso à justiça e à individualização da pena.

Nestes termos, não tendo a questão sido suscitada no recurso, improcedes, a arguição da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.

Vem, ainda, o recorrente arguir a nulidade do acórdão por contradição na fundamentação nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. b) do CPP, afirmando, para tanto, em síntese, que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça acolheu, de forma acrítica, a decisão do Tribunal da Relação, confirmando a pena única de 11 anos de prisão, com base numa fundamentação aparentemente racional, mas intrinsecamente contraditória, pois que pese embora reconheça que não houve violência física, ameaça grave, nem prejuízos patrimoniais avultados e simultaneamente considera adequada a pena próxima do limite médio da moldura de concurso (11 anos), invocando abstratamente razões de prevenção geral e especial, sem examinar o concreto impacto da pena na situação social do arguido nem justificar por que razão os princípios constitucionais alegados foram afastados.

Ora salvo o devido respeito não tem cabimento a invocação dos vícios previstos no artigo 410.º, do Código de Processo Penal, no âmbito do artigo 425.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, normativo que nem sequer foi expressamente invocado.

A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (artigo 410.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal) verifica-se «quando se dá como provado e não provado determinado facto, quando ao mesmo tempo se afirma ou nega a mesma coisa, quando simultaneamente se dão como assentes factos contraditórios, e ainda quando se estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, quando a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão. Uma e outra contradição tem de ser inultrapassável, mas apenas no contexto de toda a decisão sindicada, onde são irrelevantes, em princípio, as regras de experiência comum, mas não da lógica.

O Supremo Tribunal de Justiça pode apreciar os vícios previstos no referido normativo, oficiosamente ou mediante alegação nos casos legalmente admissíveis (artigos 432.º e 434.º do Código de Processo Penal), mas o acórdão que conhece do recurso, com ou sem essas questões no seu objeto, não é ele próprio passível desses vícios.

Daí que a menção ao vício decisório da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, previsto no artigo 410.º, n.º2, al. b), do CPP, seja desprovida de razão de ser, pois trata-se, como os restantes vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, de vícios inerentes à decisão sobre a matéria de facto, quando é sabido que o acórdão proferido nestes autos pelo Supremo Tribunal de Justiça visou, exclusivamente, o reexame da matéria de direito.

Resulta do exposto não ter qualquer cabimento legal a invocação do vício da contradição da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, previsto no artigo 410.º, n.º2, al. b), do CPP

Sem prejuízo do exposto, sempre se dirá que não corresponde minimamente à verdade que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça tenha acolhido de forma acrítica a pena única de 11 anos de prisão em que o arguido foi condenado pelo tribunal da Relação, decorrendo, facilmente, de uma leitura atenta da fundamentação do acórdão que o tribunal efectuou uma análise fundamentada e individualizada de todos os factores essenciais para a determinação da medida concreta da pena única a aplicar ao arguido, tendo sempre por referência a globalidade dos factos e a situação pessoal do agente. Acresce que, também, não se vislumbra, sequer das próprias afirmações do reclamante, onde e em quê que se consubstancia a contradição que, em seu entender, se verifica na fundamentação.

Desde logo porque, no recurso apresentado, a invocação da inexistência de violência física, ameaça grave, ou prejuízos patrimoniais avultados é alegação que apenas compromete o recorrente, a qual não tinha, nem tem – mais uma vez – qualquer correspondência à verdade dos factos, nem tinha ou tem qualquer lógica subjacente aos tipos de crime pelos quais o arguido havia sido condenado e que não envolviam tipicamente qualquer violência ou ameaça grave ou prejuízo/valor consideravelmente elevado. Daí que fosse qualquer invocação, neste sentido, completamente alheia à consideração da culpa em sentido amplo (artigo 368.º do Código de Processo Penal) e, por maioria de razão, alheios à determinação da sanção (artigo 369.º do Código de Processo Penal).

E, para que dúvidas não subsistam, passamos a transcrever o que a propósito da determinação da pena única aplicada ao arguido se afirma no acórdão, ora reclamado:

«Quanto à medida da pena única.

Como supra se deixou exposto o arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, das penas parcelares aplicadas aos vários crimes numa pena única que foi reduzida para 11 (onze) anos de prisão.

O recorrente entendo que a pena única é desproporcionada à gravidade do crime cometido e à culpa do arguido e que a fixação de uma pena nunca superior a 7 anos de prisão, não indo além da culpa, seria adequada a dar satisfação às exigências de prevenção que no caso se fazem sentir.

Sem prejuízo da impossibilidade de alteração da qualificação jurídica dos factos para a subsunção dos mesmos a uma um crime continuado, como defende o recorrente, pois que, nessa parte, o acórdão não é recorrível, nos termos já supra expostos, vejamos se a pena única aplicada ao arguido de 11 anos de prisão se mostra desproporcional e excessiva.

(…)

Posto isto e revertendo ao caso concreto dos autos, verificamos que a ilicitude dos factos é média elevada, atento o elevado número de crimes praticados, sempre de forma planeada, conjunta e conjugada entre o arguido e o bando em que este se integrava, o prolongamento no tempo da actuação, por cerca de seis meses, a natureza do bem jurídico afectado, sempre o património, o modo de execução dos factos que não revela uma especial sofisticação na actuação, a conexão entre as numerosas ações criminosas concorrentes, executadas de forma mais ou menos homogénea, os prejuízos causados a cada um dos vários ofendidos que varia o entre € 120,00 (Apenso Q) proc. Nº 25/23.8...) e € 10.000,00 (Apenso L) proc. Nº 12/23.6...) e os valores pecuniários com que o grupo criminoso que o arguido integrava ilegitimamente, se apropriou.

A ter, ainda em conta, os valores dos veículos automóveis furtados que variaram entre os € 500,00 (Apensos B) e R) procs. nºs 817/22.5... e 39/23.8...) e os € 3.500.00 (Apenso J) proc. nº1574/22.0...) sendo que todos vieram a ser recuperados e devolvidos aos seus donos, o que algo atenua a ilicitude destes furtos.

Agravando a ilicitude dos factos, ainda, a circunstância de a actuação do arguido, no âmbito do grupo em que se integrava, ter sido levado a cabo numa área territorial bastante alargada que abrangia a região do ... e o ....

A culpa do arguido é elevada tendo em conta a sua actuação a título de dolo directo e intenso reflectindo sobre a forma de actuação no âmbito do grupo em que se inseria.

As necessidades de prevenção especial mostram-se elevadas tendo em conta que o arguido já foi condenado no Juízo Central Criminal de ..., por acórdão proferido no dia 19.03.2018, transitado em julgado pela prática em 27.05.2017, de 1 crime de resistência e coacção sobre funcionário, 1 crime de detenção de arma proibida, 1 crime de furto e 1 crime de roubo qualificado, na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo, acompanhada de regime de prova, já declarada extinta.

Acentuando as necessidades de prevenção especial o modo de vida do arguido e as características da sua personalidade, apresentando-se como factor negativo a circunstância de nunca ter havido qualquer tipo de reparação ou pedido de desculpas por parte do arguido aos ofendidos e o arguido não ter expressado por qualquer forma uma capacidade de autocensura e de interiorização da censurabilidade da sua conduta criminosa. O arguido tinha, na data dos factos, 46 anos de idade, encontrava-se integrado no seu agregado familiar constituído pela companheira dois filhos s menores com 9 e 14 anos de idade, sendo, porém, que este agregado familiar nunca se mostrou um factor suficientemente contentor do modo de vida do arguido ligado à prática de actividade criminosa. O arguido nunca desenvolveu, com carácter de estabilidade, qualquer actividade profissional, tendo trabalhado, ocasionalmente, como feirante eu na recolha de sucata.

O arguido não frequentou o ensino em idade própria e só em idade adulta frequentou um curso de alfabetização de adultos, habilitando-se com o 1º ciclo, nunca tendo sido valorizado, pelos seus progenitores, a inserção escolar como meio de aprendizagem e socialização. Apresentam-se assim muito frágeis as suas competências pessoais e profissionais.

O agregado familiar do arguido vive do Rendimento Social de Inserção, no valor de €400,00 a que acresce o valor relativo ao abono de família dos 2 filhos menores.

As exigências de prevenção geral, traduzidas na necessidade de reafirmar a validade da norma violada aos olhos da comunidade, são muito elevadas dada a natureza e frequência com que estes crimes se vêm verificando na nossa sociedade causadora de grande instabilidade social.

Na ponderação de todo o exposto verifica-se que os factos cometidos pelo arguido não foram acidentais no seu percurso de vida revelando, antes, uma forte inclinação do arguido para a prática criminosa e um modo de vida persistentemente desajustado aos valores da vida em sociedade.

Tudo ponderado, tendo presente a gravidade dos crimes, no que tange ao concreto contexto em que os factos foram praticados, que nos fornecem a imagem global de uma atitude significativamente desconforme ao direito, com persistência de crimes contra o património, a revelar a clara incapacidade do arguido em interiorizar a ilicitude da sua conduta, não tendo demonstrado qualquer auto- responsabilização pelos factos que praticou, e tendo, ainda, presente a moldura penal abstracta a considerar para a fixação da pena única, a qual se baliza entre um limite mínimo de 3 anos e 8 meses de prisão, não podendo ultrapassar os 25 anos de prisão (já que a soma das penas concretas é superior) consideramos perfeitamente adequada, ajustada e proporcional à culpa do arguido e às necessidades de prevenção geral e especial, a pena única de 11 anos de prisão em que o arguido foi condenado pelo acórdão recorrido, de acordo com os critérios e princípios estabelecidos nos artigos 18.º, n.º 2, da Constituição, e 71.º, n.ºs 1 e 2, e 77.º, n.º 1, do Código Penal».

Deste modo e sem necessidade de mais considerações é manifesta a falta de justificação legal da arguição da nulidade do acórdão deste STJ por contradição na fundamentação nos termos do (Art. 410.º, n.º 2, al. b) do CPP).

Prosseguindo,

Subsidiariamente, por forma a garantir o recurso para o Tribunal Constitucional, quiçá verdadeira razão da presente reclamação, invoca o arguido que não sendo reconhecidas as nulidades arguidas, desde já expressamente invoca inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 400.º, n.º 1, al. f) do CPP, que impede o conhecimento de recurso sobre penas superiores a 5 anos mas inferiores a 8 anos, mesmo nos casos em que esteja em causa uma pena única de 11 anos de prisão, como sucede no presente caso.

Afirma, para tanto, que tal interpretação viola os artigos 20.º, 18.º, 13.º e 1.º da Constituição da República Portuguesa, por consagrar uma restrição desproporcionada e arbitrária ao direito de acesso à justiça e à individualização da pena.

E invoca, ainda, para os devidos efeitos, a jurisprudência do Tribunal Constitucional Português (v.g. Ac. n.º 140/2009, 35/2019) e do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (Del Río Prada v. Espanha, Vinter v. Reino Unido).

Ora, como decorre, manifestamente, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ora reclamado, este não aplicou a norma formulada pelo reclamante, como tendo sido extraída do 400.º, n.º 1, al. f) do Código de Processo Penal, com o indicado sentido normativo.

Trata-se, assim, de uma inconstitucionalidade inovatoriamente invocada, valendo aqui a apreciação do Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 7–6–2023, no processo n.º 121/08.1TELSB.L1.S1 ao afirmar “(…)V. Após ser proferida uma decisão final, e inexistindo a possibilidade de se interpor recurso ordinário, os interessados apenas poderão reagir contra as nulidades da sentença/acórdão expressamente indicadas no referido artigo 379.º, bem como solicitar a correção da decisão, quando não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º, ou na situação de a mesma conter erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial. É manifesto que a alegação de uma inconstitucionalidade, nesta fase, não é processualmente admissível, não se integrando na previsão de nenhum dos mencionados normativos. Cf. Acórdão do STJ, de 26 de outubro de 2016, processo n.º 1642/15.5YRLSB-A.S1. Mais concretamente, no que respeita às nulidades da decisão: a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não consubstancia qualquer uma das causas de nulidade da decisão previstas nas alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal. Nesta medida, o presente incidente pós-decisório não é o adequado para proceder à invocação de qualquer inconstitucionalidade, a qual necessariamente deverá ser alegada, em sede de recurso, para o Tribunal Constitucional. Cf. artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, máx. n.º 1. É jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal de Justiça, que “[o] incidente previsto no art. 380.º, do CPP não é o meio processual adequado de denúncia ou invocação de inconstitucionalidades, sendo meio próprio o recurso para o TC, reunidos que estejam os requisitos e condicionalismos legalmente exigíveis” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de fevereiro de 2020, processo n.º 736/03.4TOPRT.P2.S1), além de múltiplos arestos. E ainda v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 50/2018, e o acórdão TC n.º 487/2018. (…)”.

Afirma-se, ainda, no corpo do mesmo acórdão “De facto, o artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional estabelece, no seu n.º 1, quais as decisões dos tribunais que são recorríveis para esse Tribunal, não podendo as partes, após a prolação de decisão, virem alegar, em requerimento posterior, sob a aparência de invocação de nulidade de acórdão, uma inconstitucionalidade nunca antes referida, de forma, nomeadamente, a abrir caminho ao recurso previsto no referido artigo 70.º, n.º 1, alínea b) [que prevê que: «[c]abe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo»].

Como tal, é jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, que o incidente previsto no art. 380.º, do CPP não é o meio processual adequado de denúncia ou invocação de inconstitucionalidades, sendo meio próprio o recurso para o TC, reunidos que estejam os requisitos e condicionalismos legalmente exigíveis.

No mesmo sentido, pode ler-se no acórdão n.º 487/2018, proferido pelo Tribunal Constitucional, que “[a] jurisprudência constitucional tem afirmado, de modo reiterado e unânime, que a suscitação da questão de inconstitucionalidade deve ocorrer antes da prolação da decisão final, visto que a partir desse momento se encontra esgotado o poder jurisdicional (nos termos previstos no artigo 613.º do Código de Processo Civil – CPC). Com efeito, uma vez que o poder jurisdicional se esgota com a prolação da sentença ou acórdão e a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não configura erro material ou lapso notório, não é causa de nulidade da decisão, nem a torna obscura ou ambígua, os incidentes pós-decisórios (como sejam os pedidos de aclaração, de reforma ou de arguição de nulidade) não constituem momento processualmente adequado para a suscitação – pela primeira vez – das questões de inconstitucionalidade (cf., nesse sentido, os Acórdãos n.ºs 394/2005, 533/2007 e 55/2008)”.

Em face de todo o exposto, entendendo o recorrente que há fundamento para tal, e estando preenchidos os demais requisitos legais, deverá recorrer para o Tribunal Constitucional, com vista à invocação e apreciação das referidas inconstitucionalidades, sendo notório que o presente procedimento não é o meio processualmente adequado para o efeito.

Carece, assim, de fundamento as nulidades e invocação da inconstitucionalidade, sendo, manifestamente, improcedente a reclamação apresentada .

3- Decisão

Nestes termos acorda-se no Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a reclamação apresentada por, manifestamente, improcedente.

Custas pelo reclamante

Supremo Tribunal de Justiça, 15 de Maio de 2025

(certifica-se que o acórdão foi processado em computador pela relatora e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)

Ana Costa Paramés (Relatora)

José Piedade (1.º Adjunto)

Jorge Jacob (2º Adjunto)