RECURSO PENAL
RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
CÚMULO JURÍDICO
Sumário


I - Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nos casos das alíneas e) e f), do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP, os poderes deste tribunal estão delimitados negativamente pela medida das penas aplicadas pelo Tribunal da Relação.
II - Da conjugação destas disposições resulta, numa formulação sintética, que só é admissível o recurso para o STJ de acórdãos das relações, proferidos em recurso, que apliquem:
- penas superiores a 5 anos de prisão, quando não se verifique dupla conforme;
- penas superiores a 8 anos de prisão, independentemente da existência de dupla conforme.
III - A confirmação da decisão pelo Tribunal da Relação pode não ser total, mas tratar-se de uma simples divergência quantitativa, para menos, da medida da pena, caso em que se estará na presença da denominada confirmação “in mellius”.
IV – Só é admissível recurso de decisão confirmatória da Relação no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares ou singulares, quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo jurídico.
V - Limitado o conhecimento do recurso à pena única imposta na Relação, que é superior a 8 anos (em confirmação in mellius), e por estar em causa, precisamente, um acórdão da Relação proferido em recurso [artigo 432.º, n.º 1, al. b), do CPP], não é admissível recurso para o STJ «com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º», isto é, com fundamento nos vícios da decisão recorrida e em nulidades não sanadas (aditamento do artigo 11.º da Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro), diversamente do que ocorre com os recursos previstos nas alíneas a) e c), o que, todavia, não prejudica os poderes de conhecimento oficioso de vícios da decisão de facto quando constatada a sua presença e a mesma seja impeditiva de prolação da correta decisão de direito.
VI - Para a determinação da medida concreta da pena conjunta é decisivo que se obtenha uma visão de conjunto dos factos que tenha em vista a eventual conexão dos mesmos entre si e a relação com a personalidade de quem os cometeu.
VII - As conexões ou ligações fundamentais, na avaliação da gravidade do ilícito global, são as que emergem do tipo e número de crimes; da maior ou menor autonomia e frequência da comissão dos delitos; da igualdade ou diversidade de bens jurídicos protegidos violados; da motivação subjacente; do modo de execução, homogéneo ou diferenciado; das suas consequências e da distância temporal entre os factos – tudo analisado na perspetiva da interconexão entre todos os factos praticados e a personalidade global de quem os cometeu, de modo a destrinçar se o mesmo tem propensão para o crime, ou se, na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, devendo a pena conjunta refletir essas singularidades da personalidade do agente
VIII - A determinação da pena única, quer pela sua sujeição aos critérios gerais da prevenção e da culpa, quer pela necessidade de proceder à avaliação global dos factos na sua ligação com a personalidade, não é compatível com a utilização de critérios matemáticos de fixação da sua medida. A convocação desses critérios apenas poderá ser entendida, porventura, como coadjuvante, e não mais do que isso, quando existe uma grande margem de amplitude na pena a aplicar, tendo em vista as exigências dos princípios da proporcionalidade e proibição do excesso, mas sempre procurando a solução justa de cada caso concreto, apreciado na sua particular singularidade.

Texto Integral

RECURSO n.º 909/23.3SFLSB.L1.L1.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – RELATÓRIO

1. No processo comum coletivo n.º 909/23.3..., do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Criminal de..., J..., em que é arguido AA, com os restantes sinais dos autos, foi proferido acórdão, datado de 11 de setembro de 2024, nos termos da qual foi decidido:

I. Absolver o arguido da prática, em autoria material e concurso real, de dois crimes de coação agravado, na forma tentada, pp. 154.º, nº. 1 e 2, 155.º, n.º 1, alínea b) e artigos 22.º e 23.º, todos do Código Penal;

II. Absolver o arguido da prática, em autoria material, de um crime de pornografia de menores agravado, pp. pelo artigo 176.º, n.º 1, alínea b), e 177º, n.º 1, alínea c), do Código Penal, na pessoa de BB;

III. Condenar o arguido pela prática, em autoria material e concurso real, de 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças agravado, pp. pelo artigo 171.º, n.º 3, alíneas a) e b), por referência ao artigo 170.º, e 177.º, n.º 1, alínea c), todos do Código Penal, na pessoa de BB, na pena principal de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão para cada um;

IV. Condenar o arguido pela prática, em autoria material e concurso real, de 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças agravado, pp. pelo artigo 171.º, n.º 1 e 177.º, nº. 1, alínea c) do Código Penal, na pessoa de BB, na pena principal de 5 (cinco) anos de prisão para cada um e absolvendo o arguido dos restantes crimes de abuso sexual imputados;

V. Condenar o arguido pela prática, em autoria material e concurso real, de 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças agravado, pp. pelo artigo 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, na pessoa de CC, na pena principal de 5 (cinco) anos de prisão para cada um;

VI. Condenar o arguido pela prática, em autoria material e concurso real, de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças agravado, pp. pelo artigo 171.º, n.º 3, alíneas a) e b), por referência ao artigo 170.º, e 177.º, n.º 1, alínea c), todos do Código Penal, na pessoa de CC, na pena principal de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

VII. Condenar o arguido pela prática, em autoria material e concurso real, de 832 (oitocentos e trinta e dois) crimes de pornografia de menores agravado, pp. pelos artigos 176.º, n.º 5 e 177.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão para cada um;

VIII. Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares, nos termos do disposto no artigo 77.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 10 (dez) anos de prisão;

IX. Condenar o arguido nas penas acessórias:

a) proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 10 (dez) anos;

b) proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, pelo período de 10 (dez) anos.

X. Nos termos do disposto nos artigos 16.º, n.º 2 e 20.º, n.º 1 da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro - Estatuto da Vítima e 82º-A, nº 1 do Código de Processo Penal, arbitrar:

a. À ofendida BB uma reparação, por danos não patrimoniais, no valor de € 2.000,00 (dois mil euros), em que se condena o arguido a lhe pagar;

b. À ofendida CC uma reparação no valor de € 2.000,00 (dois mil euros), por danos não patrimoniais, quantia em que se condena o arguido a lhe pagar.

2. Inconformado com a decisão condenatória, o mencionado arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão, decidiu nos seguintes termos:

«Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido, alterando a decisão recorrida apenas na parte referente aos 832 crimes de pornografia, sendo o arguido condenado apenas pela prática de um crime de pornografia, pp. pelos artigos 176.º, n.º 5 e 177.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão e, na pena única (englobando os demais crimes pelos quais tinha sido condenado em 1.ª instância) na pena única de 9 (nove) anos de prisão.

No demais, confirma-se a decisão recorrida.»

3. O arguido interpôs recurso do referido acórdão para este Supremo Tribunal, formulando as conclusões que a seguir se transcrevem:

1. O acórdão recorrido, ao não reconhecer o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada na decisão condenatória da 1.ª Instância, apropriou-se, por via disso, do referido vício e, como tal, deve ser declarada a sua nulidade.

2. Com efeito, o Recorrente, no acórdão proferido pelo Tribunal de 1.ª Instância, foi condenado pela prática de 832 (oitocentos e trinta e dois) crimes de pornografia de menores agravada, p. e p. pelos art. 176.º, n.º 5 e 177.º, n.º 1, al. c) do Código Penal.

3. Sucede, porém, que, conforme resulta do Apenso que contém os relatórios periciais realizados aos computadores do Recorrente, 801 ficheiros de imagem que serviram de prova para a sua condenação por igual número de crimes, já haviam sido apagados e apenas surgem no processo porque o Sr. Perito conseguiu recuperá-los.

4. Ora, em face desta informação constante no referido “Apenso” de peritagem, entende o Recorrente que o Tribunal de 1.ª Instância deveria, por ser sua obrigação, diligenciar no sentido de saber quando é que os referidos 801 ficheiros de imagem haviam sido apagados e quando é que foi instalado no computador em apreço o programa informático “Eraser”, mesmo que necessário fosse chamar o Sr. Perito para prestar depoimento em audiência de discussão e julgamento, a fim de obter tal informação.

5. Na verdade, tal informação não só era possível de obter, como era de crucial importância para se apreciar sobre uma eventual prescrição do procedimento criminal e/ou para se retirar as consequências jurídicas de uma eventual desistência da prática do crime, tal como previsto no art.º 71.º do Código Penal.

6. Não se aceitando, sem mais e tal como o Tribunal a quo faz, que a circunstância dos aludidos ficheiros terem sido recuperados no computador do Recorrente pelo Sr. Perito, por si só, é sinónimo de que ainda os possuía.

7. Assim, não tendo o Tribunal de 1.ª Instância diligenciado, sendo sua obrigação jurídica, pela obtenção da aludida informação, entende o Recorrente que violou o disposto nos art. 323.º, al. a) e 340.º, n.º 1 e, consequentemente, deveria ter sido reconhecido pelo Douto Tribunal recorrido, nos termos do disposto no art.º 410.º, n.º 2, al. a), todos do CPP, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, reenviando-se, assim, os presentes autos para novo julgamento, tal como dispõe o art.º 426.º do mesmo diploma legal.

8. Entende igualmente o Recorrente que a decisão recorrida, ao não reconhecer o vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão do Tribunal de 1.ª de Instância, também ela está afetada por tal vício.

9. Ora, para a condenação do Recorrente pelos crimes de pornografia de menores, o Tribunal de 1.ª Instância socorreu-se probatoriamente da perícia efectuada aos computadores apreendidos e do depoimento da Sr.ª Inspetora da PJ DD, fazendo suas as conclusões expendidas pela mesma, nomeadamente que, se o Arguido não tivesse qualquer interesse de natureza sexual nos ficheiros de imagem que serviram de base à sua condenação, já os teria apagado.

10. No entanto, do relatório da peritagem efectuado aos computadores do Recorrente, o qual serviu igualmente como meio de prova para a formação da convicção do Tribunal de 1.ª Instância, o Sr. Perito fez constar que 801 desses ficheiros já haviam sido apagados, encontrando-se os mesmos como prova nos presentes autos, mercê do labor pericial que os conseguiu recuperar.

11. Na verdade, o Tribunal de 1.ª Instância faz tábua rasa da informação constante no aludido relatório pericial, nomeadamente que já se encontravam apagados 801 ficheiros de imagem – os quais foram possíveis recuperar – e aprecia a questão como se os mesmos não tivessem sido apagados pelo Recorrente, tudo para considerar preenchidos os pressupostos do tipo de crime de pornografia de menores, no seu elemento subjectivo, condenando-o por tantos ilícitos quanto o número de ficheiros de imagem encontrados, mesmo os que haviam sido apagados e foram posteriormente recuperados pelo Sr. Perito.

12. Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, a decisão condenatória da 1.ª Instância é nula por contradição entre a fundamentação, uma vez que existe uma oposição insanável entre a fundamentação probatória da matéria de facto e, considerando que o acórdão recorrido não reconheceu tal nulidade, também ele padece de tal vício.

13. Assim, também por este motivo, entende o Recorrente que, quer a decisão da 1.ª Instância, quer o acórdão recorrido, padecem do vício previsto no art.º 410.º, n.º 2, al. b), do CPP, o qual deve ser reconhecido e declarado, ordenando-se o reenvio dos presentes autos para novo julgamento, tal como dispõe o art.º 426.º do mesmo diploma legal.

14. Por último, entende-se que as penas a aplicar ao Recorrente, de acordo com os princípios da proporcionalidade e da adequação, deveriam fixar-se nos seguintes termos:

- 2 (dois) crimes de abuso sexual de criança agravado, p e p. pelos artigos 171.º, n.º 3, als. a) e b), por referência aos artigos 170.º e 177.º, n.º 1, al. c), todos do Código Penal, na pessoa de BB, na pena principal de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, para cada um;

- 2 (dois) crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, na pessoa de BB, na pena principal de 3 (três) anos de prisão, para cada um;

- 2 (dois) crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. c), do Código Penal, na pessoa de CC, na pena principal de 3 (três) anos de prisão, para cada um;

- 1 (um) crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 3, al. a) e b), por referência aos artigos 170.º e 177.º, n.º 1, al. c) e 177.º, n.º 1, al. c), todos do Código Penal, na pessoa de CC, na pena principal de 1 (um) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- 1 crime de pornografia de menores agravado, p. e. p. pelos artigos 176.º, n.º 5 e 177.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, na pena de 9 (meses) meses de prisão.

E fazendo-se o cúmulo jurídico das penas parcelares supra referidas, deveria fixar-se uma pena única em 6 (seis) anos de prisão.

15. Contudo e no que concerne às penas aplicadas, tendo em consideração que o Tribunal recorrido não deu razão ao Recorrente, se entende que o mesmo violou o disposto nos art. 30.º, 40.º e 71.º, todos do Código Penal.

16. Ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo o disposto nos arts. 30.º, 40.º, n.ºs 1 e 2, 71.º e 118.º do Código Penal, art. 323.º, al. a), 340.º e 410.º, n.º 2, als. a) e b) do Código do Processo Penal e art. 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

4. O Ministério Público, junto da Relação, respondeu ao recurso, concluindo que o mesmo não merece provimento.

5. Neste Supremo Tribunal de Justiça (doravante STJ), o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que passaremos a designar de CPP), emitiu parecer em que conclui: ser inadmissível o recurso quanto às condenações pelos diversos crimes e penas parcelares, sendo apenas admissível quanto à pena única e devendo, nessa parte, ser julgado não provido.

6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º2, do CPP, não foi apresentada resposta ao parecer. Procedeu-se a exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, os autos foram à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º3, do mesmo diploma.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do CPP, que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido, constituindo entendimento constante e pacífico que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso.

Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem de forma condensada as razões de divergência com a decisão impugnada, as questões que o recorrente suscita são as seguintes:

1 – Vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPP;

2 - Medida concreta das penas parcelares e da pena única.

2. Factos provados

2.1. Foram dados como provados os seguintes factos (transcrição):

1) A ofendida BB, nascida em ........2013, frequentou o jardim de infância e o 1.º ciclo do ensino básico no Centro ... ("C..."), sito na Rua ....

2) A ofendida CC, nascida em ........2013, frequentou a creche, o jardim de infância e o 1.º ciclo do ensino básico no Centro ... ("C..."), sito na Rua....

3) O arguido é pai de EE, aluno da referida instituição e colega das menores BB e CC, desde o ensino pré-escolar.

4) O arguido explora uma loja/ escritório de serviços informáticos, sita na Rua ..., que dista 65 metros da Escola Primária e do Jardim de Infância C....

5) E presta, simultaneamente, serviços de informática para o C....

6) Fruto da relação de amizade entre a BB, CC e EE, existente, pelo menos, desde o ano de 2019, as menores brincam frequentemente com EE na referida loja explorada pelo arguido.

7) Na sequência, o arguido mantinha uma relação de proximidade com ambas as menores e respetivas famílias, indo buscá-las, por vezes à escola, mantendo frequentes contactos com elas.

8) O arguido enviou um número não concretamente apurado de mensagens aos progenitores das menores, através de whatsapp, solicitando que aqueles as deixassem ir à loja, com o propósito de brincarem com o seu filho EE.

9) Em data e hora não concretamente apuradas, mas anterior a 24 de fevereiro de 2023, a menor BB forneceu ao arguido o seu número de telemóvel, a fim de facilitar o contacto nas ocasiões em que aquela queria ir brincar com EE.

10) No dia 24 de fevereiro de 2023, a hora não concretamente apurada, mas situada no período da noite, encontrando-se BB já no quarto da sua residência, o arguido efetuou uma videochamada para a menor.

11) Inicialmente, o arguido pediu-lhe para fazer uma “dança do Tiktok”, pedido a que esta acabou por aceder face à insistência daquele, abanando o seu corpo para o arguido a ver.

12) Ainda no decurso da referida conversa, o arguido pediu a BB que pousasse o telemóvel no solo e que dançasse para si.

13) A menor vestiu uns calções para efetuar a referida dança e o arguido, após visualizar que a menor se encontrava vestida, afirmou “oh BB”…”

14) Nesse seguimento, o arguido colocou a mão na zona genital, abriu a breguilha das calças que trajava, colocou o pénis de fora, exibiu-o à menor e manuseou-o, friccionando-o em movimentos de vai e vem, diante daquela.

15) Perante este comportamento do arguido, BB ficou surpreendida e desligou a chamada.

16) Numa outra ocasião, em data e hora não concretamente apuradas, o arguido efetuou nova videochamada para a menor BB, no decurso da qual efetuou movimentos circulares com a sua língua, exibindo-a à menor.

17) Em momento posterior, o arguido referindo-se à descrita videochamada, explicou à menor que tais movimentos significavam o seu pénis na vagina da menor.

18) Em data e hora não concretamente apuradas, o arguido indagou BB se pretendia ser sua “namorada escondida”, ao que a menor não respondeu.

19) Após número não concretamente apurado de conversas e de videochamadas do referido teor, a menor bloqueou o número do arguido, decisão que manteve apesar dos apelos deste para que desbloqueasse o seu número.

20) Não obstante o referido bloqueio de contactos, BB continuou a frequentar a loja/escritório do arguido, sempre que ia brincar com o filho daquele.

21) Nessas ocasiões, era frequente a menor sentar-se ao colo do arguido, ficando ambos a conversar.

22) Aproveitando o arguido tais circunstâncias para abraçar a menor e a beijar em diversas partes do corpo, designadamente, nas bochechas, nas mãos e na testa da menor.

23) Nessas mesmas circunstâncias, pelo menos, uma vez, utilizando para o efeito os dedos indicador, médio e anelar, o arguido tocava na zona genital de BB por cima da roupa que esta trazia vestida, efetuando movimentos para cima e para baixo, de forma sucessiva e alternada, assim a acariciando.

24) Após tais atos, o arguido dizia-lhe "o que acontece na loja, fica na loja", assim lhe pedindo segredo, o que logrou conseguir até ao dia 16/07/2023.

25) No dia 13 de julho de 2023, em hora não determinada, BB deslocou-se ao referido escritório para brincar com EE.

26) Após uma conversa entre o arguido e ambos os menores sobre bullying, BB ficou a chorar, tendo EE saído do local onde se encontravam.

27) De seguida, BB dirigiu-se para junto do arguido, que se encontrava sentado num puff ali existente, e sentou-se ao colo daquele, virada de frente para o mesmo e com as pernas abertas, aconchegando-se nos braços do arguido e encostando a cabeça no seu peito.

28) A determinado momento, o arguido segurou a menor pela cintura e puxou-a mais para cima, posicionando-a sobre a respetiva zona genital e, enquanto encostavam as faces uma à outra, BB efetuou movimentos com a sua zona pélvica junto à zona genital do arguido, assim se roçando neste.

29) Entretanto, e porque ambos tiveram necessidade de se levantar por motivos não concretamente apurados, o arguido voltou a sentar-se no puff, tornando a menor a sentar-se em cima daquele, de frente para si e com as pernas abertas.

30) Em ato contínuo, o arguido abraçou BB, que colocou a cabeça junto ao peito do arguido, enquanto lhe acariciou as costas, com movimentos ascendentes e descendentes, assim permanecendo alguns instantes.

31) Em data e hora não determinadas, mas em período compreendido entre maio e agosto de 2023, a menor CC encontrava-se no escritório do arguido, enquanto EE realizava os trabalhos de casa, quando se pretendeu sentar.

32) Apercebendo-se da intenção de CC, o arguido disse à menor que se sentasse na sua perna, ao que esta acedeu.

33) Aí, o arguido deu três palmadas, com a mão aberta, na vulva de CC, por cima da roupa que esta vestia, ao mesmo tempo que lhe dizia “Xótinha, xótinha”.

34) Noutro dia, em data e hora que não sabe concretizar, mas em período compreendido entre maio e agosto de 2023, a menor CC encontrava-se no escritório do arguido, sentada no colo deste enquanto mexia no computador, quando, sem querer, colocou a mão no pénis do arguido, que se apresentava ereto.

35) Ato contínuo, o arguido perguntou a CC “É bom?”, ao que a menor não respondeu, tendo de imediato retirado a sua mão.

36) Numa outra ocasião, em dia e hora não concretamente apurado, numa sexta-feira ao final da tarde, situada entre maio e agosto de 2023, o arguido foi passear com os menores BB, CC e EE a um parque, na zona de ....

37) Nessa sequência, na segunda-feira seguinte, o arguido perguntou a CC se esta tinha gostado do passeio que haviam realizado, dizendo-lhe que enquanto brincavam no parque, BB se sentara na sua cara pois queria que o arguido lhe “lambesse o pipi”, o que este último fez por cima dos calções que trajava.

38) Após, o arguido disse a CC que o que lhe contara era segredo e que não podia contar a ninguém, ao que esta acedeu.

39) No dia 05 de agosto de 2023, no período compreendido entre as 01h07m e as 01h41m, o arguido encontrava-se no seu escritório, visualizando no seu computador imagens de menores nuas e seminuas, em poses, que havia previamente adquirido, de forma não concretamente apurada.

40) Enquanto visualizava os referidos ficheiros, o arguido abriu a braguilha das calças que trajava, retirou o seu pénis, e começou a manuseá-lo, friccionando-o em movimentos de vai e vem.

41) No dia 08/08/2023, pelas 10h30, o arguido tinha no interior da sua residência, sita na Rua ..., um computador portátil de marca DELL, n.º de série “...H2”, utilizado por si, o qual continha 3 (três) ficheiros com designação “20230913A”, 20230913B” e “20230913C”, correspondentes a imagens do sistema de videovigilância instalado na sua loja/escritório, designadamente, referentes ao dia 13 de julho de 2023.

42) Nesse mesmo dia, em hora não determinada, mas depois das 10h30, o arguido tinha no interior da sua loja/escritório, sita na Rua ..., um computador de secretária da marca “HP”, n.º de série “...CB” e um disco interno, da marca SAMSUNG, de 3,5”, com o n.º de série “...13

43) No computador de secretária de marca “HP”, o arguido guardava 4 (quatro) ficheiros de vídeo, nos quais se visualiza um adulto a interagir com uma menor, que correspondem às imagens de videovigilância da loja/escritório do arguido e que o adulto e a menor que ali surgem são o próprio AA e a BB, tratando-se das imagens de videovigilância referentes ao episódio ocorrido em 13 de julho de 2023.

44) O arguido armazenava, ainda, no computador “HP”, 2 (dois) ficheiros de vídeo encontravam-se guardados na pasta ““Users/VectorMais/Pictures/FF e GG(2006)/maq grande”, os quais se passam a descrever:

- Um dos vídeos apresentava como data de modificação - 04/06/2006 17:23:52 (2006-06-04 16:23:52 UTC) e data de acesso - 27/07/2023 13:43:39 (2023-07-27 12:43:39 UTC) e encontrava-se no seguinte caminho:

S001.E01/Partition2/NONAME[NTFS]/[root]/Users/VectorMais/Pictures/FF e GG (2006)/maqgrande/102_1705.MOV, no qual se visualiza uma criança com menos de 14 anos de idade, a brincar na praia, desnudada, enquanto se ouve uma voz feminina a dizer: “A FF está nua!”.

- O outro vídeo apresentava como data de modificação - 04/06/2006 14:34:26 (2006-06-04 13:34:26 UTC) e data de acesso - 27/07/2023 13:43:46 (2023-07-27 12:43:46 UTC) e encontrava-se no seguinte caminho:

S001.E01/Partition 2/NONAME[NTFS]/[root]/Users/VectorMais/Pictures/FF e GG (2006)/maqgrande/102_1634.MOV, no qual surge, inicialmente, a imagem de uma menor(aparentemente a mesma menor do vídeo anterior), que se encontra nua, na praia, agachada, entre as rochas; posteriormente surge a imagem de outras duas menores, ambas com menos de 14 anos de idade, vestindo fato de banho, sendo que uma delas está a interagir com um adulto do sexo masculino.

45) O arguido armazenava no aludido computador 47 (quarenta e sete) ficheiros de imagens, de formato .png e .jpeg relativos a crianças menores de 14 (catorze) anos, visualizam-se, em tais ficheiros:

- 21 (vinte e uma) fotografias de crianças do sexo feminino, menores de 14 anos, despidas ou em lingerie, exibindo o corpo, em poses eróticas e sensuais;

- 3 (três) fotografias, onde surgem duas crianças de sexo feminino, menores de 14 anos, vestidas, sendo que uma delas se encontra de pernas abertas, com a zona genital em cima da face da outra, que se encontra deitada, no chão, de barriga para cima;

- 7 (sete) fotografias, relativas a uma sequência imagens de uma criança do sexo feminino, com idade inferior a 14 anos, na praia, a despir o bikini;

- 2 (duas) fotografias, que correspondem a uma sequência de imagens, onde surgem duas crianças do sexo feminino, com idades inferiores a 14 anos, junto a uma piscina, sendo que uma está de bikini e a outra, mais nova, está completamente nua;

- 1 (uma) fotografia de duas crianças do sexo feminino, com idades inferiores a 14 anos, de bikini, na praia, com as seguintes designações:

- S001.E01/Partition 2/NONAME

[NTFS]/[root]/Users/VectorMais/AppData/Local/Packages/MicrosoftWindows.Clien

t.C

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7DC13D34D68E}.png,

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46E69399AB42}.png,

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EB4B549B11DC}.png,

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6A2AAD614780}.png,

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07-01 Anivers_rio da JJ/100_6194.MOV»Carved [13733888].jpeg

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HH e II 2007/FOTOS/2007-07-28 Piscina daKK e LL

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HH e II 2007/FOTOS/2007-07-28 Piscina da KK e LL

/100_6744.JPG»Carved [18505].jpeg

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bw

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46) O arguido armazenava no seu computador de secretária, marca “HP”, 783 (setecentos e oitenta e três) ficheiros de imagens em formato .jpeg, relativos a uma sequência de imagens em que uma criança, do sexo feminino, com idade inferior a catorze anos, se exibe completamente nua na praia, designadamente, com as seguintes identificações:

-10041344.jpeg; 10097664.jpeg; 10126336.jpeg; 10409984.jpeg; 10436608.jpeg;

10460160.jpeg; 10507264.jpeg; 1052672.jpeg; 10530816.jpeg; 10554368.jpeg;

10578944.jpeg; 10811392.jpeg; 10900480.jpeg; 10933248.jpeg; 11058176.jpeg;

11087872.jpeg; 11116544.jpeg; 1113088.jpeg; 11147264.jpeg; 11182080.jpeg;

11218944.jpeg; 1123328.jpeg; 11254784.jpeg; 112640.jpeg; 11289600.jpeg; 11323392.jpeg;

11356160.jpeg; 11387904.jpeg; 11419648.jpeg; 11450368.jpeg; 11512832.jpeg;

11543552.jpeg; 11575296.jpeg; 11606016.jpeg; 11646976.jpeg; 11677696.jpeg;

11708416.jpeg; 11739136.jpeg; 1174528.jpeg; 11763712.jpeg; 11768832.jpeg;

11798528.jpeg; 11827200.jpeg; 1184768.jpeg; 11855872.jpeg; 11884544.jpeg;

11913216.jpeg; 11941888.jpeg; 11970560.jpeg; 11999232.jpeg; 12025856.jpeg;

1205248.jpeg; 12071936.jpeg; 12093440.jpeg; 12141568.jpeg; 12165120.jpeg;

12189696.jpeg; 12214272.jpeg; 12270592.jpeg; 12302336.jpeg; 12334080.jpeg;

1235968.jpeg; 12395520.jpeg; 12426240.jpeg; 12456960.jpeg; 12497920.jpeg;

12528640.jpeg; 12559360.jpeg; 12591104.jpeg; 12621824.jpeg; 12653568.jpeg;

1265664.jpeg; 126600192.jpeg; 12684288.jpeg; 12715008.jpeg; 12745728.jpeg;

12775424.jpeg; 12776448.jpeg; 1277952.jpeg; 128000.jpeg; 12806144.jpeg; 12806144.jpeg;

12836864.jpeg; 12867584.jpeg; 12898304.jpeg; 12928000.jpeg; 1295360.jpeg;

12958720.jpeg; 12989440.jpeg; 13019136.jpeg; 13048832.jpeg; 13078528.jpeg;

13108224.jpeg; 13137920.jpeg; 13167616.jpeg; 13196288.jpeg; 13224960.jpeg;

1325056.jpeg; 13253632.jpeg; 13281280.jpeg; 13308928.jpeg; 13337600.jpeg;

13366272.jpeg; 13405184.jpeg; 13433856.jpeg; 13462528.jpeg; 13491200.jpeg;

13519872.jpeg; 13548544.jpeg; 1355776.jpeg; 13578240.jpeg; 13607936.jpeg;

13636608.jpeg; 13666304.jpeg; 13696000.jpeg; 13725696.jpeg; 13783040.jpeg;

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13813760.jpeg; 138212352.jpeg; 138240.jpeg; 138304512.jpeg; 13840384.jpeg;

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23504896.jpeg; 2351104.jpeg; 23564288.

47) Perfazendo o total de 832 (oitocentos e trinta e dois) ficheiros de imagem e de vídeo.

48) O arguido tinha instalado no computador “HP” os programas de partilha de ficheiros designados “eMule” e “uTorrent”, através dos quais procedia ao download e ao upload dos ficheiros que guardava no disco rígido.

49) O arguido tinha, ainda, instalado no aludido computador um programa com a designação de “Eraser”, o qual permite apagar definitivamente um arquivo, inviabilizando a sua recuperação.

50) Mais tinha o arguido instalado no computador “HP” um programa com a designação de “CCleaner”, que permite apagar registos de arquivos temporários, apagar o histórico de páginas consultadas na internet, os cookies, bem como chaves de programas que já estiveram instalados e foram desinstalados, entre outros ficheiros.

51) O arguido tinha, de igual modo, instalado no referido computador um programa com a designação “Tor Browser”, o qual possibilita a comunicação anónima e segura ao navegar na Internet/Darknet e em atividades online, dificultando o rastreamento de “visitas” a sites, “posts” em fóruns online, mensagens instantâneas, bem como outras formas de comunicação.

52) O arguido era conhecedor da idade de BB e MM.

53) Mais sabia que eram menores de 14 anos e que, ao constrangê-las a contactos e conversas de teor sexual e ao praticar atos exibicionistas perante as mesmas, as ofendia na sua liberdade e desenvolvimento sexual e, ainda assim, não se coibiu de agir do modo narrado.

54) Mais sabia que se aproveitava da tenra idade e inexperiência das mesmas, bem como da proximidade e relação de confiança que BB e CC tinham com o seu filho EE, para com elas manter as condutas supra descritas.

55) O arguido agiu com o propósito de satisfazer os seus desejos libidinosos e de excitar as menores, bem sabendo que agia contra a vontade das mesmas.

56) Agiu também o arguido com o propósito reiterado de manter conversações de cariz sexual com as ofendidas e expor-se perante BB, através de videochamadas de cariz sexual, com o intuito de satisfazer os seus impulsos libidinosos.

57) Ao agir como acima descrito, o arguido, em cada uma das suas descritas condutas, procedeu de forma deliberada, livre e consciente, praticando atos de teor sexual com menores de 14 anos, a fim de satisfazer a sua lascívia e os seus desejos sexuais, o que conseguiu.

58) O arguido sabia que os ficheiros que guardava no seu computador retratavam menores de 14 (catorze) anos, despidas ou em lingerie, exibindo o corpo, em poses eróticas, bem sabendo que a sua detenção era proibida.

59) Não obstante, quis guardar as imagens e vídeos acima descritos, naqueles computadores, a fim de satisfazer a sua libido e instintos sexuais.

60) O arguido atuou sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

61) O arguido foi condenado, por decisão de 15/6/2015, transitada em julgado em 1/4/2016, pela prática, em 20/6/2008 de crimes de pornografia de menores e de pornografia de menores agravada, na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, extinta pelo cumprimento.

62) À data dos factos plasmados no processo, o arguido NN residia com a sua companheira, OO, com quem iniciou relação e passou a coabitar desde há cerca de 20 anos. Residiam num apartamento de tipologia 2, arrendado, sita na Rua ..., sendo o mesmo descrito como detentor de condições de habitabilidade e conforto, situado numa zona calma, sem problemáticas sociais/criminais. Atualmente, na habitação residem a companheira do arguido com o filho, com seis anos de idade.

63) Realçam uma boa relação afetiva no contexto familiar do casal, constituindo-se como referências a família alargada, os pais, irmã e amigos do arguido.

64) Salienta um processo de desenvolvimento num ambiente adequado ao nível da supervisão das suas rotinas e imposição de regras, sendo o pai Guarda Nacional Republicano e a mãe doméstica.

65) O padrão educacional (por parte do pai) terá decorrido num modelo educativo autoritário, de agressividade dirigida à família residindo numa casa abarracada, que originava sentimentos de inferioridade e de rejeição por parte de outras crianças e consequentemente o seu isolamento.

66) No domínio afetivo-relacional, o arguido assinala a existência de um problema, desde os 12 anos de idade, no testículo direito, originando algum desconforto e constrangimento no padrão sexual, mas que tem conseguido ultrapassar, sem intervenção médica.

67) O arguido NN casou no ano de 1998, tendo o casal se separado volvidos seis meses, situação justificada pelo facto da esposa ser compulsiva e ter contraído dívidas.

68) A sua companheira refere-se a uma relação afetiva dentro da normalidade, mostrando-se solidária com o arguido, não sendo para si expectável que possa ter adotado tal comportamento criminal.

69) O arguido refere que mantinha um estilo de vida assente nas rotinas laborais regulares e no convívio com a família nuclear, alargada e rede de amigos, realçando um papel ativo socialmente, na ajuda dos outros, dinamizando diversas iniciativas no âmbito social, cultural e educacional (passeios, visitas, etc.), principalmente no contexto escolar para os pais e filhos, normalmente nos tempos livres (fins de semana).

70) É descrito como uma pessoa trabalhadora, leal, prestável, amiga, bom companheiro, bom pai, ativa e dinamizadora, querida nos vários contextos.

71) Ainda no âmbito profissional, o arguido refere possuir o 11º ano de escolaridade, frequentando várias formações e certificações que promoveram os seus conhecimentos na área de informática ao longo da vida.

72) Começou por trabalhar no ramo da informática por conta de outrem e, posteriormente, abriu a sua própria empresa, A..., como empresário em nome individual no ramo das tecnologias, exercendo as funções de administrador de sistemas informáticos e segurança informática, efetuando trabalhos para serviços públicos, nomeadamente Tribunais, Juntas de Freguesia e outros, bem como para empresas particulares, colaborando em pro bono com a Universidade Sénior, na Junta de Freguesia da ....

73) No presente, a empresa continuará em exercício através de um colaborador, para assegurar os compromissos contratuais.

74) Em termos económico-financeiro, o arguido refere que, até à sua reclusão, auferia um vencimento médio de 1.500,00€ líquidos. A sua companheira refere ser técnica de uma empresa de Software, onde está efetiva há vários anos, auferindo mensalmente 1.265,50€. Para além das despesas de manutenção da habitação e do agregado, tem como despesa a renda do imóvel no valor de 505,00€/mensais, descrevendo uma situação mais contida, desde a atual situação do companheiro, beneficiando do apoio dos familiares do companheiro, no sentido de custear as despesas correntes do agregado.

75) No domínio da saúde, no contexto prisional, refere-se a episódios de ansiedade, bem como tensão arterial alterada, admitindo efetuar terapêutica medicamentosa. Destaca a importância do apoio psicológico para a sua estabilidade emocional.

76) Em meio prisional, o arguido vem mantendo um comportamento conforme os normativos institucionais, recebendo visitas regulares dos familiares e amigos, com quem pretende voltar a residir, em meio livre.

77) No funcionamento da personalidade do arguido, destacam-se traços de confiança, orientação para a tarefa, sociabilidade, organização, com índices normativos de adaptação social, como atenção aos deveres, trabalho, conformismo com normas e regras sociais, estabilidade emocional.

78) As suas estratégias de manejo do stresse incluem uma estratégia menos adaptativa, a recusa ou incapacidade de perceber e aceitar a realidade da situação, agindo como se o problema não existisse; apresenta, de um modo geral, outras estratégias mais adaptativas, como o suporte social através da cooperação com vista a resolver as situações stressantes, e oautocontrolo emocional.

79) Registam-se dois traços do arguido:

- Ausência de remorsos ou culpa: uma ausência geral de preocupação pelas consequências negativas que os factos em apreço no presente processo possam ter tido nas alegadas vitimas, estando mais preocupado com o que pode acontecer a si próprio;

- Não acatamento de responsabilidades: não está disposto a aceitar a responsabilidade pessoal pelos factos em apreço, apresenta desculpas que incluem racionalizações e a atribuição de culpas para outrem.

80) Apresenta uma adaptação adequada a padrões, sendo trabalhador, integrado profissionalmente, aparentemente estável nas rotinas familiares, colaborante na relação conjugal e no exercício da parentalidade, conformado com normas regra sociais de um modogeral.

81) Avaliando-se o risco de violência sexual, numa apreciação qualitativa e probabilística que engloba de modo estruturado os elementos disponíveis, conclui-se que o arguido apresenta um risco alto e proteção moderada (num espectro descritivo que inclui os graus baixo, moderado e alto).

82) Destacam-se os seguintes fatores de risco:

- Desvio sexual: ainda que negue, infere-se do seu comportamento e do facto em apreço um padrão estável de excitação sexual com estímulos inapropriados o que por si só é a definição de desvio sexual, mais concretamente, a ocorrência de excitação sexual no visionamento de imagens de crianças do sexo feminino e no contacto sexualizado com crianças do sexo feminino;

- Frequência elevada de ofensas sexuais: tendo-se-lhe apresentado oportunidade, efetuou contactos sexuais com duas crianças, embora disfarçados como se fossem meras brincadeiras ou toques físicos casuais; buscava ativamente ter contacto com crianças, a pretexto da sua colaboração com a comunidade escolar;

- Escalada na frequência ou gravidade das ofensas sexuais, de pornografia de menores para o mais grave, crime de abuso sexual de criança, envolvendo já contacto sexual com crianças;

- Extrema minimização ou negação das ofensas sexuais: procura diminuir a responsabilidade pessoal, o que pressupõe atitudes que suportam a violência sexual cometida, tendendo a acusar os pais das vítimas de o acusarem falsamente porque lhe devem dinheiro, ou a tender a acusar a menor BB de ter mais iniciativas de contactos inapropriados do que ele próprio.

83) Como factores protectores:

- Algumas estratégias adequadas de “coping” ou de manejo do stresse: busca o suporte social através da cooperação, com vista a resolver as situações stressantes; exerce autocontrolo emocional;

- As atitudes face às autoridades: lida de modo positivo e colaborante com figuras de autoridade, demonstra desejabilidade social, o que, ainda que se manifeste por uma vontade superficial de agradar e um ajustamento de conveniência às normas sociais, pode levar a acatar as injunções judiciais;

- Objetivos de vida: formula objetivos de vida realistas, positivos, estruturantes em torno do trabalho, vida familiar, paternidade, que dão significado à sua vida futura.

84) Assinalam-se como objetivos a serem trabalhados, para maior proteção c diminuição do risco de reincidência da violência sexual:

- Motivação para o tratamento: uma vez que nega os factos em apreço e a existência de um desvio sexual, não reconhece a necessidade de tratamento psicoterapêutico sexológico para uma melhor compreensão da inclinação pedófila e para efetuar mudanças comportamentais a ela inerentes;

- Controlo externo: não estando motivado internamente para a mudança psíquica e para a necessidade de mudar o seu comportamento e a própria negação das ofensas sexuais, ê recomendável que, num cenário pós-libertação, seja acompanhado por profissionais de saúde mental e de reinserção social, para que se envolva num processo de acompanhamento psicoterapêutico e sexológico e de supervisão na integração na comunidade.

85) No preenchimento de uma escala de medos associados a abuso sexual, a menor BB assinalou "muito medo" de "pessoas despidas" e de "estar sozinha com homens ou rapazes mais velhos" .

86) As interações sexualizadas em causa nos autos são de molde a despertar prematuramente perceções, sensações e sentimentos de natureza sexual, numa relação de grande desfasamento, entre adulto e criança sendo que a menor tem maturidade física, emocional, cognitiva e social para integrar adequadamente tais experiências, o que, em tese, pode perturbar o seu desenvolvimento sexual, tornando-a desinibida ou, pelo contrário, inibida de modo inapropriado. No caso da menor BB verifica-se que, aparentemente, tem beneficiado de um meio familiar contentor e não culpabilizante bem como de acompanhamento psicológico.

87) No preenchimento de uma escala de medo associado a abuso sexual, a menor CC assinalou "muito medo de "falar ou pensar sobre sexo", "ver pessoas a dar beijos na televisão", de "pessoas despidas".

88) No caso da menor CC, não é aparente uma perturbação do seu desenvolvimento sexual.

2.2. Na fundamentação do acórdão recorrido, na parte relativa aos vícios decisórios invocados pelo recorrente, consta o seguinte:

« a) Da alegada insuficiência da matéria de facto

Alega o recorrente que o acórdão recorrido padece do vício da insuficiência da matéria de facto provada, porquanto resulta dos relatórios de perícia realizados aos computadores do recorrente que 801 ficheiros de imagens que serviram da prova à sua condenação por igual número de crimes já haviam sido apagados e só surgem no processo porque o Sr. perito os conseguiu recuperar. Na sua ótica, o Tribunal a quo deveria, por ser sua obrigação, diligenciar no sentido de saber quando é que os referidos 801 ficheiros de imagem haviam sido apagados, chamando o Sr. Perito para prestar depoimento em audiência de discussão e julgamento, a fim de obter tal informação. Na verdade, tal informação não só era possível de obter, como era de crucial importância para se apreciar sobre uma eventual prescrição do procedimento criminal e/ou para se retirar as consequências jurídicas de uma eventual desistência da prática do crime, tal como previsto no artigo 71.º do Código Penal.

Diz ainda o recorrente que não tendo o Tribunal recorrido diligenciado, sendo sua obrigação jurídica, pela obtenção da aludida informação, o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 323.º, alínea a) e 340.º, n.º 1 e, consequentemente, deverá ser reconhecido, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), todos do Código de Processo Penal, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, reenviando-se os presentes autos para novo julgamento, tal como dispõe o artigo 426.º do mesmo diploma legal.

Analisemos se assiste razão ao recorrente.

De acordo com o disposto no artigo 410.º, n.º 1 do Código de Processo Penal “sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida” e, nos termos do artigo 428.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, “as relações conhecem de facto e de direito”.

Nos termos do artigo 410.º, 2, alínea a) do Código de Processo Penal, “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”.

Os vícios previstos no referido artigo 410.º, n.º 2 devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência e aí se ficam. Com efeito, os vícios da decisão previstos neste normativo - onde se incluiu a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – são defeitos estruturais da decisão e não do julgamento e, por isso, a sua constatação só pode resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.

Ocorre a insuficiência da matéria de facto a que se refere este artigo quando há omissão de pronúncia sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados, ou como não provados, todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa, ou resultado da discussão. A insuficiência ocorre quando os factos assentes não permitem a decisão de direito, o que pode ocorrer quando o Tribunal não investigou toda a matéria contida no objeto do processo relevante para a decisão.

Como escrevem Manuel Simas Santos e Manuel Leal Henriques “A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher.

Porventura melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão da causa.”

Defende o recorrente que era essencial para a decisão da causa saber a data em que os ficheiros de vídeo foram apagados, pois, em última análise, poder-se-ia concluir que o crime estaria prescrito ou que tinha ocorrido desistência da prática do crime.

Cremos, contudo, que o raciocínio expendido pelo recorrente não está correto.

Na verdade, como sabemos, o crime de pornografia de menores pelo qual o arguido foi condenado, pp. no artigo 176.º, n.º 5 do Código Penal, basta-se com a detenção no sistema informático de matérias referidos na alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo – menores em fotografia, filme ou gravação pornográficos - e é incontestável que o arguido detinha este material no seu computador e tanto o detinha que os peritos o encontraram. Podia não ser de fácil acesso, por já terem sido apagados, mas ainda ali estavam. Não se diga que o arguido desconhecia essa realidade, pois não podemos esquecer que o mesmo explora uma loja/escritório de serviços informáticos e trabalha na área, sabendo certamente quando os ficheiros são apagados em definitivo e quando não o são. Aliás, a este propósito, é importante lembrar que ficou provado que o arguido tinha no aludido computador um programa com a designação de “Eraser”, o qual permite apagar definitivamente um arquivo, inviabilizando a sua recuperação, o que não aconteceu no caso em apreciação. O mesmo é dizer que se efetivamente o arguido desejasse apagar os ditos ficheiros a título definitivo tê-lo-ia feito e, se não o fez, é porque desejava a eles aceder.

Aqui chegados, há que concluir que, à data em que o foi apreendido o computador do arguido, este ainda detinha tal material pornográfico envolvendo menores, sendo, consequentemente, irrelevante saber quando é que o arguido apagou (não definitivamente, como vimos) tal material.

Ainda que assim não se entendesse, há que ter presente que consta da motivação da matéria de facto que a testemunhaDD, inspetora da Polícia Judiciária, esclareceu “que o material foi remetido para um exame pericial, sendo possível recuperar mais ficheiros, dois vídeos em que uma menor está completamente nua na praia e era a mesma criança que estava nas fotos e ainda foram localizados mais de 830 fotos que correspondiam a uma sequência de imagens dessa menina, o que leva a crer que tenham sido feitos fotogramas dessa mesma menina. Explicou ainda que, embora a criação fosse em 2006 ou 2007, verificou-se que a última data de acesso tinha sido cerca de um mês antes das buscas, o que significa que o arguido consultava esses ficheiros com alguma frequência. Acrescentou que o arguido usava programas para tornar difícil localizar esses ficheiros, que o e mule e o torrent são para partilha de ficheiros, sendo que alguns para receber é obrigatória a partilha de ficheiros e são usados para a pornografia de menores. Explicou ainda que estes ficheiros foram recuperados em laboratório” – sublinhado nosso.

Ora, também com base na prova produzida e nos esclarecimentos prestados pela testemunha, saber em que data foram os ficheiros apagados é um facto irrelevante e sem qualquer interesse na decisão da causa, pois um mês antes da busca os mesmos tinham sido visualizados pelo arguido.

Perante tudo o que acabámos de dizer, há que concluir que não existe o apontado vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão, improcedendo o recurso neste particular.

b) Da alegada contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.

Defende o recorrente que o acórdão recorrido padece do vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão. Segundo ele, para a condenação do recorrente pelos crimes de pornografia de menores, o Tribunal a quo socorreu-se probatoriamente da perícia efetuada aos computadores apreendidos e do depoimento da Sr.ª Inspetora da PJ DD, fazendo suas as conclusões expendidas pela mesma, nomeadamente que, se o arguido não tivesse qualquer interesse de natureza sexual nos ficheiros de imagem que serviram de base à sua condenação, já os teria apagado. No entanto, do relatório da peritagem efetuado aos computadores do Recorrente, o qual serviu igualmente como meio de prova para a formação da convicção do Tribunal a quo, o Sr. Perito fez constar que 801 desses ficheiros já haviam sido apagados, encontrando-se os mesmos como prova nos presentes autos, mercê do labor pericial que os conseguiu recuperar. O Tribunal recorrido faz tábua rasa da informação constante no aludido relatório pericial, nomeadamente que já se encontravam apagados 801 ficheiros de imagem – os quais foram possíveis recuperar – e aprecia a questão como se os mesmos não tivessem sido apagados pelo recorrente, tudo para considerar preenchidos os pressupostos do tipo de crime de pornografia de menores, no seu elemento subjetivo, condenando-o por tantos ilícitos quanto o número de ficheiros de imagem encontrados, mesmo os que haviam sido apagados e foram posteriormente recuperados pelo Sr. Perito.

Como vimos e explicámos na análise da questão anteriormente analisada, não assiste qualquer razão ao recorrente a este propósito. Não só o arguido continuava a deter os ficheiros em causa, estando os mesmos disponíveis no seu computador, ainda que fosse mais difícil o seu acesso, como também sabemos que um mês antes o arguido os havia visualizado.

Não há, assim, o apontado vício, improcedendo também aqui a pretensão do recorrente.»


*


3. Apreciando

3.1. Inadmissibilidade do recurso quanto aos crimes e penas parcelares.

Estabelece o artigo 400.º, n.º1, alíneas e) e f), do CPP:

«1 - Não é admissível recurso:

(…)

e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância;

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;

(…).»

O segmento final da transcrita alínea e) resulta da redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21/12, que para o caso não importa.

Por sua vez, dispõe o artigo 432.º, do CPP, sob a epígrafe “Recursos para o Supremo Tribunal de Justiça”:

« 1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º;

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º;

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º;

d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores.

2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º».

Finalmente, o artigo 434.º, sob a epígrafe “Poderes de cognição”, preceitua que «O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º», resultando o segmento final da redacção dada pela Lei n.º 94/2021.

Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nos casos das alíneas e) e f), do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP, os poderes deste tribunal estão delimitados negativamente pela medida das penas aplicadas pelo Tribunal da Relação.

Da conjugação destas disposições resulta, numa formulação sintética, que só é admissível o recurso para o STJ de acórdãos das relações, proferidos em recurso, que apliquem:

- penas superiores a 5 anos de prisão, quando não se verifique dupla conforme;

- penas superiores a 8 anos de prisão, independentemente da existência de dupla conforme.

Cumpre referir que a confirmação da decisão pelo Tribunal da Relação pode não ser total, mas tratar-se de uma simples divergência quantitativa, para menos, da medida da pena, caso em que se estará na presença da denominada confirmação “in mellius”.

Tal significa só ser admissível recurso de decisão confirmatória da Relação no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares ou singulares, quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo jurídico (cf., entre muitos arestos que estão disponíveis para consulta, os acórdãos do STJ: de 11.03.2021, Proc. 809/19.1T9VFX.E1.S1; 02.12.2021, Proc. 923/09.1T3SNT.L1.S1; 12.01.2022, Proc. 89/14.5T9LOU.P1.S1; 20.10.2022, Proc. 1991/18.0GLSNT.L1.S1; 30.11.2022, Proc. 1052/15.4PWPRT.P1.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt, como outros que sejam citados sem diversa indicação).

No caso em apreço, as diversas penas parcelares impostas ao recorrente são todas não superiores a 5 anos de prisão.

Por sua vez, a pena única imposta pela Relação é de 9 anos de prisão.

É forçoso concluir ser inadmissível o recurso quanto às condenações nas diversas penas parcelares, irrecorribilidade que abrange toda a matéria que se prenda com as infrações penais em causa, ou seja, “todas as questões relativas à atividade decisória que subjaz e que conduziu à condenação, incluída a matéria de facto, nulidades, vícios lógicos da decisão, o princípio in dubio pro reo, a qualificação jurídica, a escolha das penas e a respetiva medida. Em suma, todas as questões subjacentes à decisão, submetidas a sindicância, sejam elas de constitucionalidade, substantivas ou processuais” (acórdão de 10.03.2021, deste STJ, proferido no Proc. n.º 330/19.8GBPVL.G1.S1, da 3.ª Secção).

Por outras palavras, estando o STJ, por razões de competência, impedido de conhecer do recurso interposto de uma decisão, está também impedido de conhecer de todas as questões processuais ou de substância que digam respeito a essa decisão, tais como os vícios da decisão indicados no artigo 410.º do CPP, respetivas nulidades (artigo 379.º e 425.º, n.º 4) e aspetos relacionadas com o julgamento dos crimes que constituem o seu objeto, aqui se incluindo as questões relativas à apreciação da prova, à qualificação jurídica dos factos e à determinação da pena correspondente ao tipo de ilícito realizado pela prática desses factos (com penas de medida não superior a 5 ou 8 anos de prisão, consoante os casos das alíneas e) e f) do artigo 400.º do CPP), incluindo nesta determinação, por exemplo, a aplicação do regime de atenuação especial da pena previsto no artigo 72.º do Código Penal, bem como de questões de inconstitucionalidade que sejam suscitadas nesse âmbito (cf., entre outros, o acórdão do STJ, de 14.03.2018, Proc. 22/08.3JALRA.E1.S1).

Finalmente, limitado o conhecimento do recurso à pena única imposta na Relação, que é superior a 8 anos (em confirmação in mellius), e por estar em causa, precisamente, um acórdão da Relação proferido em recurso [artigo 432.º, n.º 1, al. b), do CPP], não é admissível recurso para o STJ «com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º», isto é, com fundamento nos vícios da decisão recorrida e em nulidades não sanadas (aditamento do artigo 11.º da Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro), diversamente do que ocorre com os recursos previstos nas alíneas a) e c), o que, todavia, não prejudica os poderes de conhecimento oficioso de vícios da decisão de facto quando constatada a sua presença e a mesma seja impeditiva de prolação da correta decisão de direito (entre muitos, o acórdão de 08.11.2023, Proc. n.º 808/21.3PCOER.L1.S1).

Assim, e em síntese, o recurso terá de ser rejeitado, por inadmissibilidade legal, em conformidade com as disposições conjugadas dos artigos 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), 414.º, n.º 2 e 3, 420.º, n.º 1, alínea b), e 432.º, n.º 1, alínea b), todos do CPP, no que concerne às diversas condenações em penas parcelares.

3.2. Analisado o recurso, facilmente se alcançam os equívocos em que incorre o recorrente.

Basta proceder a uma análise comparativa do recurso interposto para a Relação do acórdão da 1.ª instância com o recurso interposto para o STJ do acórdão da Relação, para facilmente constatarmos que o recorrente pretende reapresentar argumentos já utilizados no seu recurso anterior, como a questão dos vícios decisórios da decisão da matéria de facto proferida pela 1.ª instância.

A Relação analisou essa questão – como se extrai da transcrição supra – e negou provimento ao recurso por não acolher a argumentação apresentada pelo recorrente. Ainda que este insista na validade dos seus argumentos, não pode ignorar que o acórdão da Relação constitui, agora, a decisão impugnada no recurso interposto para o STJ e, por ser assim, a impugnação tem de conter-se no âmbito da decisão recorrida.

O que significa que, em recurso interposto para o STJ de um acórdão da Relação, o recorrente já não pode retomar a impugnação da decisão da 1.ª instância, como se a Relação não tivesse decidido anteriormente um recurso, com esse âmbito e objeto. Julgado, pela Relação, o recurso interposto da decisão proferida em 1.ª instância, o recorrente, inconformado com a decisão da 2.ª instância, já só esta pode impugnar e não (re)introduzir no recurso para o STJ a impugnação da decisão da 1.ª instância (acórdão de 02.10.2014, Proc. 87/12.3SGLSB.L1.S1).

Porém, retoma o recorrente, no presente recurso, como já se assinalou, a invocação dos vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º2, do CPP, sendo que, no respeitante a tal matéria, teve já o ensejo de expor as suas razões perante a Relação.

No caso vertente, o recurso em apreço foi interposto de acórdão da Relação, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 434.º e 432.º, alínea b), do CPP, pelo que, como já se deixou expresso, não contempla, como seu fundamento, os vícios previstos no n.º2, do artigo 410.º, do mesmo Código.

Acresce que a irrecorribilidade do acórdão da Relação, no que concerne às diversas condenações em penas parcelares, sempre seria impeditiva, pela razões já enunciadas, do conhecimento de tais vícios.

Ainda assim, sempre se assinala que, nos recursos restritos ao reexame da matéria de direito, o STJ, admitida que seja, no caso que tenha em apreço, a sua competência, apenas pode pronunciar-se oficiosamente sobre os mencionados vícios, ou seja, por sua iniciativa, se resultarem do próprio texto da decisão recorrida, como forma de obstar a que seja compelido a aplicar o direito a matéria de facto manifestamente insuficiente, visivelmente contraditória ou fundada em apreciação ostensivamente errónea – o que não se evidencia verificar-se.

3.3. Reconduzido o recurso ao seu objeto legalmente admissível – o da pena única imposta ao arguido / recorrente, vejamos o que disse a esse respeito a Relação.

Lê-se no acórdão recorrido:

« O Tribunal a quo entendeu condenar o recorrente numa pena única de 10 anos de prisão. Contudo, o recorrente discorda das penas de prisão parcelares, bem como da pena única de prisão em que foi condenado.

De acordo com o que vimos expondo, o arguido responde (tendo-se em consideração que, exceção feita ao número de crimes de pornografia de menores, o recorrente não contesta as qualificações jurídicas que foram feitas) pela prática, em autoria material e concurso real:

- 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças agravado, pp. pelo artigo 171.º, n.º 3, alíneas a) e b), por referência ao artigo 170.º, e 177.º, n.º 1, alínea c), todos do Código Penal, na pessoa de BB, punidos com pena de prisão até 3 anos agravada de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo;

- 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças agravado, pp. pelo artigo 171.º, n.º 1 e 177.º, nº. 1, alínea c), do Código Penal, na pessoa de BB, punidos com pena de 1 a 8 anos de prisão agravada de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo;

- 2 (dois) crimes de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1 e 177º, nº. 1, alínea c), do Código Penal, na pessoa de CC, punidos com pena de 1 a 8 anos de prisão agravada de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo;

- 1 (um) crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 3, alíneas a) e b), por referência ao artigo 170.º, e 177.º, n.º 1, alínea c), todos do Código Penal, na pessoa de CC, punidos com pena de prisão até 3 anos agravada de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo;

- 1 (um) crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 5 e 177.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, punido com pena de prisão até 2 anos agravada de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo.

Ficou consignado no acórdão o seguinte:

“2.2.1.1. QUANTO À MENOR BB:

Começando pelas duas primeiras situações, quanto aos pontos 10) a 15) e 16) e 17) dos factos provados, de acordo com o disposto nos arts. 41º, nº 1, 171.º, n.º 3, alíneas a) e b), 170.º, e 177.º, n.º 1, alínea c), todos do Código Penal, a pena aplicável vai de 1 mês e 10 dias a 4 anos.

(…) Quanto à prevenção geral são relevantes as exigências, considerando a ocorrência frequente de tais ilícitos nesta comarca, mas também a repulsa e choque que a prática de tais crimes geram na comunidade.

No âmbito da prevenção especial, cumpre considerar:

1) Em desfavor do arguido:

a) Ausência de remorsos ou culpa: uma ausência geral de preocupação pelas consequências negativas que os factos em apreço no presente processo possam ter tido nas vítimas, estando mais preocupado com o que pode acontecer a si próprio;

b) Não acatamento de responsabilidades: não está disposto a aceitar a responsabilidade pessoal pelos factos em apreço, apresenta desculpas que incluem racionalizações e a atribuição de culpas para outrem;

c) Avaliando-se o risco de violência sexual, numa apreciação qualitativa e probabilística que engloba de modo estruturado os elementos disponíveis, conclui-se que o arguido apresenta um risco alto e proteção moderada, destacando-se como factores de risco:

- Desvio sexual: ainda que negue, infere-se do seu comportamento e do facto em apreço um padrão estável de excitação sexual com estímulos inapropriados o que por si só é a definição de desvio sexual, mais concretamente, a ocorrência de excitação sexual no visionamento de imagens de crianças do sexo feminino e no contacto sexualizado com crianças do sexo feminino;

- Frequência elevada de ofensas sexuais: tendo-se-lhe apresentado oportunidade, efetuou contactos sexuais com duas crianças, embora disfarçados como se fossem meras brincadeiras ou toques físicos casuais; buscava ativamente ter contacto com crianças, a pretexto da sua colaboração com a comunidade escolar;

- Escalada na frequência ou gravidade das ofensas sexuais, de pornografia de menores para o mais grave, crime de abuso sexual de criança, envolvendo já contacto sexual com crianças;

- Extrema minimização ou negação das ofensas sexuais: procura diminuir a responsabilidade pessoal, o que pressupõe atitudes que suportam a violência sexual cometida;

d) A ilicitude mostra-se média, atenta a actuação do arguido acima descrita;

e) O grau mais elevado de dolo – directo;

f) A condenação averbada por esta área de criminalidade.

2) A favor do arguido:

a) Como factores protectores:

- Algumas estratégias adequadas de “coping” ou de manejo do stresse: busca o suporte social através da cooperação, com vista a resolver as situações stressantes; exerce autocontrolo emocional;

- As atitudes face as autoridades: lida de modo positivo e colaborante com figuras de autoridade demonstra desejabilidade social, o que, ainda que se manifeste por uma vontade superficial de agradar e um ajustamento de conveniência às normas sociais pode levar a acatar as injunções judiciais;

- Objetivos de vida: formula objetivos de vida realistas, positivos, estruturantes em torno do trabalho, vida familiar. paternidade, que dão significado à sua vida futura.

b) Possui o 11.º ano de escolaridade, frequentando várias formações e certificações que promoveram os seus conhecimentos na área de informática ao longo da vida;

c) É descrito como como uma pessoa trabalhadora, leal, prestável, amiga, bom companheiro, bom pai, ativa e dinamizadora, querida nos vários contextos;

d) A adequação comportamental em meio prisional.

Assim, tudo ponderado, fazendo apelo a critérios de justiça, adequada proporcionalidade entre a gravidade do crime e a culpa do arguido, concomitantemente com a ideia de uma certa intimidação e dissuasão ou de pura prevenção geral negativa, impõe-se, a nosso ver, por um lado, fixar uma pena que não deixe de assinalar e punir cabalmente o arguido pela gravidade das condutas por si adoptadas e consequências daí decorrentes.

Mas, por outro lado, a pena deverá ter em consideração todo o circunstancialismo em que ocorreram os factos e os factores elencados supra a favor do arguido reputamos como justa a imposição ao arguido, para cada um destes dois crimes, da pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

No que respeita aos pontos 20) a 30) dos factos provados e às duas situações aí descritas, configurando, como já se explicou a prática de dois crimes, atento o disposto nos arts. 171.º, n.º 1 e 177º, nº. 1, alínea c), do Código Penal, tais factos e crimes são punidos, em abstracto, com uma pena de 1 ano e 4 meses a 10 anos e 8 meses de prisão.

“Mutatis mutandis”, valem as considerações acima tecidas.

Consequentemente, reputamos como justa a imposição ao arguido, para cada um destes dois crimes, da pena de 5 anos de prisão.

2.2.1.2. QUANTO À MENOR CC:

Começando pelas duas primeiras situações, quanto aos pontos 31) a 33) e 34) e 35) atento o disposto nos arts. 171.º, n.º 1 e 177º, nº. 1, alínea c), do Código Penal, tais factos e crimes são punidos, em abstracto, com uma pena de 1 ano e 4 meses a 10 anos e 8 meses de prisão.

“Mutatis mutandis”, valem as considerações acima tecidas, quanto à menor BB, sendo a ilicitude também média, atendendo aos dois contactos de natureza sexual em causa.

Pelo exposto, reputamos como justa a imposição ao arguido, para cada um destes dois crimes, da pena de 5 anos de prisão.

No que respeita à última situação, descrita nos pontos 36) a 38) dos factos provados, considerando o disposto nos arts. 41º, nº 1, 171.º, n.º 3, alíneas a) e b), 170.º, e 177.º, n.º 1, alínea c), todos do Código Penal, a pena aplicável vai de 1 mês e 10 dias a 4 anos.

“Mutatis mutandis”, valem as considerações já tecidas, pelo que reputamos como justa a imposição ao arguido, para este crime, da pena de 2 anos e 6 meses de prisão

2.2.2. DOS CRIMES DE PORNOGRAFIA DE MENORES:

O crime de pornografia de menores, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 176.º, n.º 5 e 177º, alínea c) do Código Penal, é punido com pena de 1 mês e 10 dias a 2 anos e 8 meses de prisão.

São ponderosas as exigências de prevenção geral, neste tipo de ilícito, impondo que as expectativas da comunidade não fiquem defraudadas e a confiança na validade das normas não fique esvaziada de sentido, sob pena de desaparecer o elemento dissuasor, pelo que não pode a situação pessoal do arguido sobrepor-se a tais razões.

No que respeita à prevenção especial, “mutatis mutandis” valem as considerações acima tecidas pelo que reputamos como justa a imposição ao arguido, para este crime, da pena de 1 ano e 4 meses de prisão, para cada um destes 832 crimes”.

Preceitua o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.”

Culpa e prevenção constituem o binómio com auxílio do qual há de ser construído o modelo da medida da pena.

De acordo com a lição de Figueiredo Dias, “através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária de punição do facto concretamente praticado pelo agente e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena; com a consideração da culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime - ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente - limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.”

A culpa constitui, pois, o pressuposto-fundamento da validade da pena e tem, ainda, por função estabelecer o limite máximo da pena concreta. Forçoso é, assim, concluir que não há pena sem culpa, não podendo a medida da pena ultrapassar a da culpa, tal como dispõe o n.º 2 do artigo 40.º do Código Penal.

Estabelece, ainda, o artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal que, na determinação da medida concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as que aí resultam especificadas nas alíneas a) a f).

Aqui chegados desde já adiantamos que as penas impostas não se nos afiguram excessivas, antes se mostram ajustadas e adequadas aos comportamentos perpetrados pelo arguido. Além de tudo que se fez consignar na decisão recorrida, com especial relevância para os antecedentes criminais do arguido pela prática de crime da mesma natureza, há ainda de considerar as circunstâncias em que os factos ocorreram. Os pais das menores confiavam no arguido (também ele é pai de um menino amigo das vítimas), que se oferecia para ficar com as menores até que aqueles as fossem buscar e aproveitava esta confiança e proximidade para satisfazer os seus instintos sexuais com crianças de apenas 10 anos, sendo que algumas situações eram mesmo perpetradas na presença do seu próprio filho.

Considerando que o arguido responde agora por um só crime de pornografia de menores (pelo que atento o instituto da proibição da “reformatio in pejus” não é possível alterar a pena parcelar ), importa tão só determinar a pena única a aplicar.

De acordo com o disposto no artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal, que se refere às regras de punição de concurso, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente”.

A pena aplicável tem como limite máximo a pena das somas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se em pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (n.º 2 do artigo 77º do Código Penal).

A moldura pena oscila agora entre o mínimo de 5 anos de prisão e o máximo de 25 anos (atenta a limitação prevista no artigo 77.º, n.º 2 do Código Penal).

Em relação aos factos, já o dissemos, são de elevada gravidade, atendendo ao circunstancialismo em que ocorreram. Apesar da sua aparente integração familiar e social, os comportamentos e os antecedentes criminais do arguido evidenciam que tem uma personalidade desconforme com as normas sociais, precisando de grande ajustamento pessoal.

Ponderando todos estes factos e os já referidos na decisão recorrida, o tribunal considera adequado aplicar ao arguido uma pena de 9 anos de prisão.

Com a aplicação desta pena, fica prejudicada a análise das demais questões suscitas em recurso relativamente à possibilidade de a pena imposta ser suspensa na sua execução.»

A determinação da pena envolve diversos tipos de operações, resultando do preceituado no artigo 40.º do Código Penal que as finalidades das penas se reconduzem à proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).

Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz ou à sua “arte de julgar”. No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada, o que se traduz numa autêntica aplicação do direito (cf., com interesse, Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pp. 194 e seguintes).

Tal não significa que, dentro dos parâmetros definidos pela culpa e pela forma de atuação dos fins das penas no quadro da prevenção, se chegue com precisão matemática à determinação de um quantum exato de pena.

Estabelece o artigo 71.º, n.º1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O n.º2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, relevantes para a medida concreta da pena, pela via da culpa e/ou pela da prevenção, dispondo o n.º3 que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjetiva no artigo 375.º, n.º1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.

Em termos doutrinais tem-se defendido que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, tanto quanto possível, na reinserção do agente na comunidade e que, neste quadro conceptual, o processo de determinação da pena concreta seguirá a seguinte metodologia: a partir da moldura penal abstrata procurar-se-á encontrar uma submoldura para o caso concreto, que terá como limite superior a medida ótima de tutela de bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, como limite inferior, o quantum abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. Dentro dessa moldura de prevenção atuarão, de seguida, as considerações extraídas das exigências de prevenção especial de socialização. Quanto à culpa, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a estabelecer (cf. Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 227 e ss.).

Na mesma linha, Anabela Miranda Rodrigues, no seu texto O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º2, Abril-Junho de 2002, pp. 181 e 182), apresenta três proposições, em jeito de conclusões, da seguinte forma sintética:

«Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.»

Estabelece o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal:

«Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.»

O direito português afastou o sistema da acumulação material de penas, optando por acolher um sistema de pena conjunta, obtida mediante um princípio de cúmulo jurídico (Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 283 e seguintes e Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2024, pp. 72-73).

A pena única referida no artigo 77.º, n.º1, corresponde, assim, a uma pena conjunta que tem por base as correspondentes aos crimes em concurso, segundo um princípio de cúmulo jurídico, seguindo-se o procedimento normal de determinação e escolha das penas parcelares, a partir das quais se obtém a moldura penal do concurso.

A pena aplicável aos crimes em concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa, e, como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal). Sendo as penas aplicadas umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação deste critério (artigo 77.º, n.º 3), entendendo-se que penas de “diferente natureza”, para efeitos deste preceito, são somente as penas principais, de prisão e de multa.

Estando em causa, exclusivamente, a determinação da medida concreta da pena conjunta do concurso, aos critérios gerais contidos no artigo 71.º, n.º1, acresce um critério especial fixado no artigo 77.º, n.º1, 2.ª parte, do Código Penal: “serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso.

Refere Cristina Líbano Monteiro (A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, pp. 151-166) que o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.

Como se diz no acórdão do STJ, de 31.03.2011, proferido no Proc. 169/09.9SYLSB.S1, a pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção - dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.

Lê-se no referido acórdão:

«Por outro lado, na confeção da pena conjunta, há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso.

Cremos que nesta abordagem, há que ter em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no artigo 71.º do Código Penal – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação, a partir de 1-10-1995, com a proclamação de princípios ínsita no artigo 40.º, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluída a conjunta, aqui acrescendo o critério especial fornecido pelo artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal - o que significa que o específico dever de fundamentação de aplicação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, passando pelo efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.

Neste sentido, podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-11-2006, processo n.º 3126/06-3.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228 (a decisão que efetue o cúmulo jurídico tem de demonstrar a relação de proporcionalidade entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação dos factos e a personalidade do arguido); de 14-05-2009, no processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 10-09-2009, no processo n.º 26/05. 8SOLSB-A.S1-5.ª, seguido de perto pelo acórdão de 09-06-2010, no processo n.º 493/07.5PRLSB.S1-3.ª, ali se referindo que “Importa também referir que a preocupação de proporcionalidade a que importa atender, resulta ainda do limite intransponível absoluto, dos 25 anos de prisão, estabelecido no n.º 2 do art. 77.º do CP. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1- 5.ª, onde se afirma, para além da necessidade de uma especial fundamentação, que “no sistema de pena conjunta, a fundamentação deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. Particularizando este segundo juízo - e apara além dos aspectos habitualmente sublinhados, como a deteção de uma eventual tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade que não radica em qualidades desvaliosas da personalidade - o tribunal deve atender a considerações de exigibilidade relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos”; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 21-04-2010, no processo n.º 223/09.7TCLSB.L1.S1-3.ª; e do mesmo relator, de 28-04-2010, no processo n.º 4/06.0GACCH.E1.S1-3.ª.»

Explicita Figueiredo Dias (ob. cit., pp. 291-292):

«Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).»

Em suma, para a determinação da medida concreta da pena conjunta é decisivo que se obtenha uma visão de conjunto dos factos que tenha em vista a eventual conexão dos mesmos entre si e a relação com a personalidade de quem os cometeu.

As conexões ou ligações fundamentais, na avaliação da gravidade do ilícito global, são as que emergem do tipo e número de crimes; da maior ou menor autonomia e frequência da comissão dos delitos; da igualdade ou diversidade de bens jurídicos protegidos violados; da motivação subjacente; do modo de execução, homogéneo ou diferenciado; das suas consequências e da distância temporal entre os factos – tudo analisado na perspetiva da interconexão entre todos os factos praticados e a personalidade global de quem os cometeu, de modo a destrinçar se o mesmo tem propensão para o crime, ou se, na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, devendo a pena conjunta refletir essas singularidades da personalidade do agente

A revelação da personalidade global emerge essencialmente dos factos praticados, mas também importa ponderar as condições pessoais e económicas do agente e a sua recetividade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado, elementos particularmente relevantes no apuramento das exigências de prevenção.

Para a determinação da pena única, seja no âmbito do mesmo processo, seja no conhecimento superveniente do concurso, a lei não estabelece quaisquer critérios aritméticos.

Não se ignora, porém, a existência de jurisprudência do STJ que, perante a amplitude da moldura penal do concurso, advoga que se adicione à parcelar mais elevada uma fração variável das restantes penas parcelares (sendo frequente ver somada, à pena mais grave, frações das demais penas que variam desde ½ até 1/5), tendo como referência diversos critérios jurisprudenciais e convocando um denominado «fator de compressão» que deve atuar entre o mínimo e o máximo da moldura penal prevista no artigo 77.º, n.º2, do Código Penal. Fala-se, a este propósito, da existência, por um lado, de um efeito “expansivo” das outras penas sobre a parcelar mais grave, e, por outro, de um efeito “repulsivo” a partir do limite da soma aritmética de todas as penas, que resulta de uma preocupação de proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas.

A determinação da pena única, a nosso ver, quer pela sua sujeição aos critérios gerais da prevenção e da culpa, quer pela necessidade de proceder à avaliação global dos factos na sua ligação com a personalidade, não é compatível com a utilização de critérios matemáticos de fixação da sua medida. A convocação desses critérios apenas poderá ser entendida, porventura, como coadjuvante, e não mais do que isso, quando existe uma grande margem de amplitude na pena a aplicar, tendo em vista as exigências dos princípios da proporcionalidade e proibição do excesso, mas sempre procurando a solução justa de cada caso concreto, apreciado na sua particular singularidade.

Revertendo ao caso, verificamos:

São oito os crimes em causa.

A culpa, enquanto limite da pena reportada ao facto, é bastante acentuada, no quadro global da ação desvaliosa do concurso de crimes, empreendida com grande energia e reiteração, cuja ressonância ética e social implica um juízo de censurabilidade reforçado.

As necessidades de prevenção geral - como prevenção positiva ou de integração, tendo em vista a estabilização das expectativas na validade das normas violadas - são muito acentuadas, pela necessidade comunitariamente sentida de preservar com eficácia os bens jurídicos tutelados pelos crimes em causa, em que são vítimas crianças e que causam natural repulsa na comunidade.

O modo de execução, a gravidade dos factos pelos quais o ora recorrente foi condenado e a personalidade neles documentada postulam elevadas exigências preventivas de socialização, sendo de assinalar: a anterior condenação por crimes de pornografia de menores e de pornografia de menores agravada; a ausência de remorsos ou culpa (uma ausência geral de preocupação pelas consequências negativas que os factos em apreço no presente processo possam ter tido nas vítimas, estando mais preocupado com o que pode acontecer a si próprio); a não assunção de responsabilidades (não está disposto a aceitar a responsabilidade pessoal pelos factos em apreço, apresenta desculpas que incluem racionalizações e a atribuição de culpas para outrem); a avaliação do risco de violência sexual, numa apreciação qualitativa e probabilística.

A integração social, familiar e profissional do arguido, devendo ser ponderada, não o impediu, porém, da prática dos crimes em causa.

A moldura penal é de 5 anos a 25 anos de prisão (atenta a limitação prevista no artigo 77.º, n.º 2 do Código Penal).

Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto todos os factos em presença, a sua relacionação com a personalidade do recorrente que neles se documenta e os fins das penas, e face à ausência de circunstâncias com especial significado atenuante, entendemos não ser excessiva a pena única conjunta de 9 (nove) anos de prisão que foi imposta pelo tribunal recorrido, razão por que não se justifica a pretendida redução dessa pena.

Conclui-se que o recurso, quanto à pena única, não merece provimento.


*


III - DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em:

A) Rejeitar o recurso, por inadmissibilidade legal, em conformidade com as disposições conjugadas dos artigos 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), 414.º, n.º 2 e 3, 420.º, n.º 1, alínea b), e 432.º, n.º 1, alínea b), todos do CPP, no que concerne às condenações pelos diversos crimes e respetivas penas parcelares;

B) No mais, quanto à pena única conjunta, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custa pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (cf. artigos 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02 e Tabela III anexa).

Dê de imediato conhecimento ao tribunal recorrido.

Supremo Tribunal de Justiça, 28.05.2025

(certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)

Jorge Gonçalves (Relator)

Ernesto Nascimento (1.º Adjunto)

José Piedade (2.º Adjunto)