RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
REQUERIMENTO PARA ABERTURA DE INSTRUÇÃO
ARTIGO 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
EXCESSO DE PRONÚNCIA
EXTEMPORANEIDADE
IMPROCEDÊNCIA
Sumário


I- Não tem cabimento, num recurso de despacho que rejeitou um Requerimento de Abertura de Instrução, a invocação dos vícios da decisão sobre a matéria de facto previstos no art. 410º, nº 2, do CPP que apenas pode ter lugar no caso de recurso de Sentença (ou Acórdão);
II- Quanto ao “vício de excesso de pronúncia”, e a invocação do art.º 379, al.ª c) do CPP, esta norma respeita, igualmente, à Sentença; assim, a pretensa nulidade deveria ter sido invocada, atempadamente, no Tribunal onde foi proferida a decisão

Texto Integral


Acordam, em Conferência, os Juízes desta 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

No Porto – Tribunal da Relação – 4ª Secção Criminal, Inquérito supra referido, em que figura como denunciante AA, foi proferido Despacho com o seguinte teor:

“Por requerimento dirigido a este Tribunal da Relação, em 10/12/2024 (refª Citius nº ....02), a denunciante AA, notificada do despacho de arquivamento da queixa crime e com o mesmo não se conformando, veio requerer a abertura de Instrução e a sua constituição como assistente.

A Exmª Procuradora-Geral Adjunta, por despacho datado de 12/12/2024 (refª Citius nº ......70) pronunciou-se no sentido de considerar tais requerimentos extemporâneos.

Cumpre apreciar.

A fim de apreciar e decidir o requerido pela denunciante, cumpre analisar todo o iter processual percorrido, com utilidade para a decisão.

Assim:

- Em 28/02/2021 (refª Citius nº ......34), foi proferido despacho de arquivamento, relativamente à denúncia apresentada pela requerente AA;

- De tal despacho foi a denunciante notificada em 12/03/2021, por carta registada com prova de recepção – vd. expediente junto aos autos em 16/03/2021 (refª Citius nº ....14);

- Por requerimento datado de 19/03/2021 (refª Citius nº ....00), veio a denunciante informar os autos de que havia requerido apoio judiciário [requerimento datado de 18/03/2021], pedindo a interrupção dos prazos em curso;

- Em 01/06/2021 (refª Citius nº ....79), veio o ISS informar os autos da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário formulado pela denunciante (decisão de 01/06/21 e notificada à requerente na mesma data);

- Por despacho datado de 04/06/2021 (refª Citius nº ......24), na sequência da informação do indeferimento do pedido de apoio judiciário, foi proferido despacho de indeferimento, pelo Exmº Procurador-Geral-Adjunto, do requerimento entretanto apresentado aos autos pela denunciante, de solicitação à Ordem dos Advogados de nomeação de patrono;

- Notificado tal despacho à denunciante em 07/06/2021 (refª Citius nº ......99), nada foi requerido ou informado, pelo que seguiram os autos em correição em 16/09/2021 (refª Citius nº ......55);

- Por ofício enviado aos autos em 20/09/2021 (refª Citius nº ....92), veio o ISS informar ter sido deduzida, pela denunciante, nova impugnação judicial da decisão de Instrução

indeferimento do apoio judiciário requerido, datada de 01/06/2021, tendo sido por aquele instituto proferida decisão de manutenção da decisão de indeferimento, em 09/09/2021;

- Foi, então, autuado por apenso (Apenso A), o correspondente Recurso de Impugnação judicial – vd. termo datado de 06/01/2022 (refª Citius nº ....15);

- Por decisão datada de 13/01/2022 (refª Citius nº ......30), por este Tribunal da Relação do Porto, foi julgada procedente a impugnação judicial da requerente, quanto à decisão do ISS de indeferimento do pedido de apoio judiciário, datada de 01/06/2021 (vd. Apenso A), nos termos seguintes: “ (…) julgo procedente a impugnação judicial deduzida pela requerente AA e, consequentemente, revogo a decisão impugnada, a qual deverá ser substituída por outra, onde, fundamentadamente, se conheçam as questões suscitadas pela requerente, como acima referido.(…)”;

- Nos autos de inquérito, por email datado de 04/07/2022 (refª Citius nº ....67), veio o ISS informar da nova decisão (datada de 27/05/2022), proferida em cumprimento do ordenado pelo Tribunal da Relação do Porto, a qual foi igualmente de indeferimento do pedido de apoio judiciário;

- Foi, então, proferido despacho, datado de 06/07/2022 (refª Citius nº ......24), a mandar aguardar os autos por 20 dias, findos os quais, nada sendo requerido, deveriam os mesmos ser arquivados;

- Em 23/09/2022, por nada ter sido requerido ou junto, (refª Citius nº ......93), foram os autos arquivados;

- Por ofício enviado aos autos em 07/03/2023 (refª Citius nº ....87), veio o ISS informar ter sido deduzida, pela denunciante, nova impugnação judicial da decisão de indeferimento do apoio judiciário requerido, datada de 27/05/2022;

- Foi, então, autuado por apenso (Apenso B), o correspondente Recurso de Impugnação judicial – vd. remessa de expediente datada de 29/03/2023 (refª Citius nº ......38);

- Por decisão datada de 26/04/2023 (refª Citius nº ......46), por este Tribunal da Relação do Porto, foi julgada improcedente a impugnação judicial da requerente, quanto à decisão do ISS de indeferimento do pedido de apoio judiciário, datada de 27/05/2022 (vd.

Apenso B), nos termos seguintes: “ (…) Pelo exposto, julgo improcedente a impugnação judicial deduzida pela requerente AA..(…)”;

- Tal decisão foi notificada à denunciante por carta registada, datada de 03/05/2023 (refª Citius nº ......84);

- No Apenso B, após aquela decisão do Tribunal da Relação do Porto, foi, pela denunciante, apresentado requerimento (em 16/05/2023 – refª Citius nº ....72), com o seguinte teor: “(…) AA, Impugnante nos autos, (…) vem requerer a substituição da sentença por um despacho conciso e fundamentado nos exatos termos previstos no art. 28º, nº 4 da Lei 34/2004, de 29.07., face ao disposto no nº 5 do mesmo artigo.

Face à significativa delonga da decisão, já ocorreu o agravamento da situação económica da Requerente, que originou novo pedido de apoio judiciário (…)”;

- Versando sobre tal requerimento, foi proferido despacho, por este Tribunal da Relação do Porto, datado de 16/05/2023 – refª Citius nº ....72, nos termos seguintes. “(…) A decisão proferida é um despacho e não uma sentença – art.º 28º, nº 4, da Lei do Apoio Judiciário (Lei n.º 34/2004, de 29 de julho).

Tal despacho foi concisamente fundamentado, nos termos da norma acima citada, no sentido de que foi uma decisão com fundamentação de facto e de direito que, embora sumária, abrangeu de modo preciso e conciso todos os pontos da fundamentação fáctico-jurídica que importava tratar – neste sentido, Salvador da Costa, Apoio Judiciário, 5ª Edição Actualizada e Ampliada, Almedina, Coimbra, p. 189.

Razão por que, e decidida que está a impugnação judicial, por este Tribunal nada mais há a decidir ou determinar. (…)”;

- Na sequência da decisão deste Tribunal da Relação do Porto, já devidamente transitada em julgado, foram os autos de inquérito remetidos, de novo, ao arquivo – vd. termo datado de 22/06/2023 (refª Citius nº ......53);

- Por ofício enviado aos autos em 03/09/2024 (refª Citius nº ....05), veio o ISS informar ter sido deduzida, pela denunciante, nova impugnação judicial da decisão de indeferimento sobre o novo pedido de apoio judiciário requerido (pedido este datado de 15/05/2023);

- Foi autuado por apenso (Apenso C), o correspondente Recurso de Impugnação judicial – vd. termo datado de 13/09/2024 (refª Citius nº ......35);

- Por decisão datada de 24/10/2024 (refª Citius nº ......50), por este Tribunal da Relação do Porto, foi julgada procedente a impugnação judicial da requerente, quanto à decisão do ISS de indeferimento do pedido de apoio judiciário formulado pela denunciante em 15/05/2023 (vd. Apenso C), nos termos seguintes: “ (…) decide-se conceder provimento ao recurso de impugnação, revogando a decisão proferida pela autoridade administrativa e, consequentemente, conceder à requerente AA pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono.(…)”;

- Por fim e como já dissemos supra, por requerimento datado de 10/12/2024 (refª Citius nº ....02), veio a denunciante requerer a abertura de instrução e a sua constituição como assistente.

Isto dito.

Temos que o despacho de arquivamento data de 28/02/2021.

O prazo para requerer a abertura de instrução e constituição como assistente é de 20 dias.

O despacho de arquivamento foi notificado à denunciante em 12/03/2021, começando, portanto, aqui, a contagem do referido prazo de 20 dias.

Tal prazo interrompeu-se em 19/03/2021, data em que a denunciante veio informar os autos de que havia requerido apoio judiciário – cfr. art. 24º, nº 4, do DL nº 34/2004, de 29/7, que dispõe nos termos seguinte: «4 - Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.»

De harmonia com o disposto no nº 5 do preceito legal acima referido: «5 - O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos:

a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação;

b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.»

A interrupção do prazo persistiu, assim, desde 19/03/2021 até à notificação à denunciante da decisão deste Tribunal de recurso [datada de 26/04/2023 (Apenso B)], que julgou improcedente a impugnação judicial da requerente, quanto à decisão do ISS de indeferimento do pedido de apoio judiciário, datada de 27/05/2022.

Tal notificação ocorreu em 08/05/2023. Com efeito, a decisão deste Tribunal da Relação do Porto, foi notificada à denunciante por carta registada, datada de 03/05/2023 (refª Citius nº ......84), o que é por dizer que aquela considera-se notificada no dia 08/05/2023, atendendo ao disposto no nº 2 e al. b) do nº 1, do Código de Processo Penal, nos termos dos quais: « (…) 1 - As notificações efectuam-se mediante:

a) Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado;

b) Via postal registada, por meio de carta ou aviso registados;

c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos; ou

d) Editais e anúncios, nos casos em que a lei expressamente o admitir.

2 - Quando efetuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja, devendo a cominação aplicável constar do ato de notificação.» (sublinhado nosso)

Portanto, o prazo de 20 dias para apresentar requerimento de abertura de instrução e constituição de assistente reiniciou-se no dia 08/05/2023 e terminou em 01/06/2023.

De notar que a renovação do pedido de apoio judiciário formulada pela denunciante, por requerimento datado de 15/05/2023, não pode, de forma alguma, conter em si a claramente pretendida virtualidade de interromper o prazo entretanto em curso, desde logo porque, analisados os requerimentos em questão – de 18/03/2021 e de 15/05/2023, de concessão do benefício de apoio judiciário, logo se constata que ambos são em tudo semelhantes, não consubstanciando, portanto, este último, qualquer alteração superveniente de circunstâncias (art. 18º, nº 2, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho).

Por outro lado e de todo o modo, sempre tal força interruptiva não seria viável porquanto não foi dada a necessária informação aos autos de inquérito, por parte da requerente (exigido pelo art. 24º, nº 4, da citada Lei), do novo pedido de apoio judiciário formulado. Na verdade, este apenas foi referido no Apenso B, no âmbito de um requerimento que ali foi deduzido – datado de 16/05/2023. Razão certamente porque seguiram os autos principais (de inquérito), onde nada se sabia, em correição – em 22/06/2023.

A denunciante veio agora apresentar o seu requerimento de abertura de Instrução e constituição de assistente, em 10/12/2024, portanto, de forma manifestamente extemporânea.

Em jeito de justificação da data da formulação do seu requerimento, exibe a denunciante a data da notificação ao patrono nomeado da sua designação [que ocorreu em 13/11/2024 – vd. refª Citius nº ....02], na sequência da decisão deste Tribunal da Relação que lhe foi favorável, datada de 24/10/2024 (Apenso C), indiferente à que fora proferida pelo mesmo Tribunal, em sentido desfavorável, datada de 26/04/2023 (Apenso B).

Ora, reza assim o art. 625º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Casos julgados contraditórios”:

«1 - Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.

2 - É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.»

De tal normativo legal, resulta indiscutível que a primeira decisão transitada em julgado sobre a mesma questão levantada pela denunciante – apoio judiciário requerido pela mesma – e que, por isso, terá que ser tida em conta, é a datada de 26/04/2023 (Apenso B).

Por tudo quanto foi dito, rejeita-se, assim, por manifestamente extemporâneo, o requerimento de abertura de Instrução e sua constituição de assistente, apresentado nos autos pela denunciante.

Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC – art. 7º, nº 4 e nº 8 e Tabela II, do Regulamento das Custas Processuais”.

*

Deste Despacho foi formulado recurso pela dita AA, com as seguintes conclusões:

“I. Vem o presente recurso interposto do douto despacho, proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, que decidiu pela rejeição do requerimento de abertura de instrução e constituição de assistente apresentado pela Recorrente, com data de 9/12/2024 (Cfr. registo postal RL .......64PT – Ref.ª CITIUS ....02) nos autos de inquérito com o n.º 74/20.8..., que correm os seus termos junto da Procuradoria-Geral Distrital da Relação do Porto.

Salvo o devido respeito o douto despacho recorrido incorre em erro notório na apreciação da prova e também em violação das normas jurídicas aplicáveis, ao concluir que o prazo de 20 dias para apresentar requerimento de abertura de instrução e constituição de assistente reiniciou-se no dia 08/05/2023 e terminou em 01/06/2023.

III. Com efeito, em 28/02/2021, foi proferido despacho de arquivamento da denúncia.

IV. Em 19/03/2021, a Recorrente juntou aos autos cópia do pedido de apoio judiciário datado de 18/03/2021 e requereu a interrupção dos prazos em curso.

V. Decorrido o prazo para a formação do acto tácito de deferimento, por requerimento datado de 20/04/2021, a Recorrente requereu aos autos que procedesse à nomeação de patrono junto da Ordem dos Advogados, em cumprimento com o disposto pelo artigo 25.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29/07 (doravante abreviadamente designada por LAD).

VI. Do despacho recorrido consta que, “(…) na sequência da informação do indeferimento do apoio judiciário, foi proferido despacho, em 04.06.2021, de indeferimento, pelo Exm.º Senhor Procurador-Geral Adjunto, do requerimento entretanto apresentado pela Denunciante, de solicitação à Ordem dos Advogados de nomeação de patrono.”.

VII. No referido segmento o despacho recorrido está a referir-se ao requerimento apresentado em 20/04/2021.

VIII. No entanto, o requerido pela Recorrente apenas veio a ser decidido pela Procuradoria-Geral Distrital muito para além do prazo de formação do acto tácito e do requerido pela Recorrente.

IX. Aferindo-se ter sido violado o disposto nos nºs 3, alínea a) e 4 do artigo 25.º da LAD, uma vez que o Tribunal não procedeu, nos termos legais, à confirmação, junto dos Serviços da Segurança Social, do acto tácito de deferimento.

X. Tal conclusão é extraída do teor do despacho recorrido “Por despacho datado de 04/06/2021 (Ref.ª Citius n.º ......24), na sequência da informação do indeferimento do pedido de apoio judiciário, foi proferido despacho de indeferimento do requerimento entretanto apresentado pela Denunciante, de solicitação à Ordem dos Advogados de nomeação de patrono.”.

XI. O pedido de apoio jurídico datado de 18/03/2021 manteve-se pendente até ao trânsito em julgado da decisão sobre a impugnação judicial apresentada contra a decisão de indeferimento, proferida nos autos de impugnação judicial que correram por apenso (Apensos A e B) aos autos de inquérito, junto do Tribunal da Relação do Porto.

XII. O despacho que decidiu a impugnação judicial apresentada contra a decisão de indeferimento do pedido de apoio jurídico, proferido no Apenso B, foi notificado à Recorrente por carta de 08/05/2023, quando haviam decorridos mais de dois anos sobre a data do pedido de apoio judiciário.

XIII. Do texto do despacho recorrido extrai-se que “No Apenso B, após aquela decisão do Tribunal da Relação do Porto, foi, pela denunciante, apresentado requerimento (em 16/05/2023 – refª Citius nº ....72), com o seguinte teor: “(…) AA, Impugnante nos autos, (…) vem requerer a substituição da sentença por um despacho conciso e fundamentado nos exatos termos previstos no art. 28º, nº 4 da Lei 34/2004, de 29.07., face ao disposto no nº 5 do mesmo artigo. Face à significativa delonga da decisão, já ocorreu o agravamento da situação económica da Requerente, que originou novo pedido de apoio judiciário (…)”. Sublinhado nossos.

XIV. Da prova documental coligida e do próprio texto do Despacho recorrido, decorre que após a decisão proferida no Apenso B foi apresentado um requerimento datado de 16/05/2023 onde, por um lado, a Recorrente requereu a reforma do despacho, peticionando a sua substituição por um despacho conciso e fundamentado nos termos do n.º 4 do artigo 28.º da LAD e por outro lado a Recorrente apresentou novo pedido de protecção jurídica, datado de 15/05/2023, pelo facto de, devido à significativa delonga da decisão, ter ocorrido o agravamento da situação económica da Recorrente que originou novo pedido de apoio judiciário.

XV. Mais resulta que tal requerimento foi decidido por despacho do Tribunal da Relação do Porto, datado de 16/05/2023 – refª Citius nº ....72, nos termos seguintes. “(…) A decisão proferida é um despacho e não uma sentença – art.º 28º, nº 4, da Lei do Apoio Judiciário (Lei n.º 34/2004, de 29 de julho).

Tal despacho foi concisamente fundamentado, nos termos da norma acima citada, no sentido de que foi uma decisão com fundamentação de facto e de direito que, embora sumária, abrangeu de modo preciso e conciso todos os pontos da fundamentação fáctico-jurídica que importava tratar – neste sentido, Salvador da

Costa, Apoio Judiciário, 5ª Edição Actualizada e Ampliada, Almedina, Coimbra, p. 189. Razão por que, e decidida que está a impugnação judicial, por este Tribunal nada mais há a decidir ou determinar. (…)”.

XVI. Tendo sido apresentado o requerimento de reforma/correcção do despacho proferido no Apenso B, o trânsito em julgado da decisão proferida no Apenso B nunca poderia ter ocorrido em 08/05/2023.

XVII. Resulta assim que, ao considerar que o prazo de 20 dias para a Recorrente apresentar o requerimento de abertura de instrução e constituição de assistente se reiniciou em 08/05/2023 (data em que a Recorrente foi notificada da decisão que julgou improcedente a impugnação judicial de indeferimento do pedido de apoio jurídico) o despacho recorrido incorreu em erro notório na apreciação da prova (cfr. parágrafos 21.º, 22.º, 23.º e 38.º do despacho recorrido), bem como violou o disposto pelos artigos 28.º, n.º 4 da LAD e 616.º do CPC.

XVIII. A junção do requerimento de protecção jurídica em 16/05/2023 ao Apenso B não foi objecto de indeferimento por parte do Tribunal a quo nem de desentranhamento assim como não mereceu qualquer outro despacho no sentido da sua rejeição.

XIX. Outrossim, o referido requerimento seguiu os seus normais termos dentro da tramitação do processo, tendo sido objecto de decisão de concessão em 24/10/2024 - por despacho que julgou o recurso de impugnação judicial procedente e determinou a concessão do apoio jurídico na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação de patrono para o processo de inquérito n.º 74/20.8....

XX. Em relação ao pedido de apoio jurídico em apreço (junto aos autos em 16/05/2023) o despacho recorrido discorre a seguinte fundamentação decisória: “a renovação do pedido de apoio judiciário formulada pela denunciante, por requerimento datado de 15/05/2023, não pode, de forma alguma, conter em si a claramente pretendida virtualidade de interromper o prazo entretanto em curso, desde logo porque, analisados os requerimentos em questão – de 18/03/2021 e de 15/05/2023, de concessão do benefício de apoio judiciário, logo se constata que ambos são em tudo semelhantes, não consubstanciando, portanto, este último, qualquer alteração superveniente de circunstâncias (art. 18º, nº 2, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho).”.

XXI. Destacamos, salvo o devido respeito, que o referido segmento decisório viola, desde logo, o disposto nos artigos 20.º n.º 1 e 22.º da LAD.

XXII. Das citadas normas resulta que é ao dirigente máximo dos serviços da segurança social da área de residência da Recorrente a quem incumbe a decisão sobre a concessão da protecção jurídica.

XXIII. E aos serviços da segurança social está conferida a competência para apreciar a situação de insuficiência económica.

XXIV. Não incumbindo ao Tribunal a apreciação da situação de insuficiência económica e sua verificação, o Tribunal a quo viola o disposto nas normas acima referenciadas, artigos 20.º n.º 1 da LAD e 22.º n.º 7 da LAD, o que desde já se argui.

XXV. Mais discorre o despacho recorrido que “Em jeito de justificação da data da formulação do seu requerimento, exibe a denunciante a data da notificação ao patrono nomeado da sua designação [que ocorreu em 13/11/2024 – vd. refª Citius nº ....02], na sequência da decisão deste Tribunal da Relação que lhe foi favorável, datada de 24/10/2024 (Apenso C), indiferente à que fora proferida pelo mesmo Tribunal, em sentido desfavorável, datada de 26/04/2023 (Apenso B).

(…) De tal normativo legal (art. 625 do CPC), resulta indiscutível que a primeira decisão transitada em julgado sobre a mesma questão levantada pela denunciante – apoio judiciário requerido pela mesma – e que, por isso, terá que ser tida em conta, é a datada de 26/04/2023

(Apenso B).”. Cfr. pág. 6 do despacho recorrido.

XXVI. Não é em sede de pronúncia sobre a admissibilidade da apresentação do requerimento de abertura de instrução e constituição de assistente que incumbe ao Juiz de Instrução Criminal ou ao Órgão competente para a Instrução, sindicar sobre o merecimento de uma decisão transitada em julgado, proferida dentro dos formalismos legais e processuais cujo mérito não foi, oportunamente, questionado em sede de recurso e que por isso transitou em julgado.

XXVII. Tanto mais porque o referido requerimento de protecção jurídica foi julgado e decidido por apenso (Apenso C) ao Inquérito em crise, ou seja, pelo mesmo Tribunal onde se encontra o processo de inquérito a ser tramitado.

XXVIII. E nunca, nos autos de Inquérito foi extraída qualquer consequência contrária aos efeitos visados produzir com a apresentação do mencionado requerimento.

XXIX. Não tendo existido recurso da decisão proferida no Apenso C não se pode agora, em sede de abertura de instrução, pretender colocar em causa a autoridade do caso julgado da referida decisão que já concedeu à Recorrente os efeitos pretendidos no requerimento de protecção jurídica.

XXX. Pois tal constitui a violação do disposto pelo artigo 620.º do Código de Processo Civil que estabelece a noção de caso julgado, que aqui expressamente se argui.

XXXI. Assim, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 20.º e 22.º da LAD daqui resultando também o vício de excesso de pronuncia que se argui nos termos e para os efeitos do disposto pelo artigo 379.º al. c) do CPP - no sentido em que está a pronunciar-se sobre uma matéria que vai para além dos seus poderes de cognição e decisão, pois cuja competência se encontra conferida e reservada por Lei a órgãos e serviços determinados ao decidir que “ (…) analisados os requerimentos em questão – de 18/03/2021 e de 15/05/2023, de concessão do benefício de apoio judiciário, logo se constata que ambos são em tudo semelhantes, não consubstanciando, portanto, este último, qualquer alteração superveniente de circunstâncias (art. 18º, nº 2, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho.”.

XXXII. O Tribunal a quo violou o artigo 620.º do CPC por ofender a força do caso julgado da decisão sobre a concessão do apoio jurídico proferida no Apenso C no segemento decisório “Em jeito de justificação da data da formulação do seu requerimento, exibe a denunciante a data da notificação ao patrono nomeado da sua designação [que ocorreu em 13/11/2024 – vd. refª Citius nº ....02], na sequência da decisão deste Tribunal da Relação que lhe foi favorável, datada de 24/10/2024 (Apenso C), indiferente à que fora proferida pelo mesmo Tribunal, em sentido desfavorável, datada de 26/04/2023 (Apenso B).

Ora, reza assim o art. 625º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Casos julgados contraditórios”: «1 - Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.

2 - É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual.» De tal normativo legal (art. 625.º CPC), resulta indiscutível que a primeira decisão transitada em julgado sobre a mesma questão levantada pela denunciante – apoio judiciário requerido pela mesma – e que, por isso, terá que ser tida em conta, é a datada de 26/04/2023 (Apenso B).”.

XXXIII. Vícios e violações que aqui se deixam arguidos de forma expressa, devendo por isso os referidos segmentos decisórios ser revogados.

XXXIV. Tal como se afere através da referência documental constante do despacho recorrido – cfr. ref.ª Citius ....72 - por correio registado com aviso de recepção, com registo - RL.......66 PT - a Recorrente juntou aos autos em 16/05/2023 o pedido de protecção jurídica formulado em 15/05/2023.

XXXV. No entanto, conclui-se no despacho recorrido que não foi dada a necessária informação aos autos de inquérito, por parte da Recorrente (exigido pelo art. 24º, nº 4, da citada Lei), do novo pedido de apoio judiciário formulado, motivo pelo qual não teve o mesmo força interruptiva nos prazos em curso.

XXXVI. Ora, o Apenso B teve origem no recurso de impugnação judicial formulado pela Recorrente devido à decisão que indeferiu o pedido de apoio jurídico apresentado nos autos de inquérito, em relação aos quais a Recorrente peticionou a nomeação de patrono para prosseguir o pleito os seus termos.

XXXVII. Tratando-se de um recurso de impugnação contra o indeferimento de uma decisão relativa ao pedido de protecção jurídica onde é pretendida a nomeação de patrono, formulado na pendência da causa, é afastada a regra da autonomia da tramitação do requerimento de protecção jurídica em relação ao processo para o qual foi requerido tal apoio jurídico.

XXXVIII. Assim, resulta que junto aos autos requerimento de protecção jurídica onde é peticionada a nomeação de patrono na pendência de uma acção, o referido requerimento tem a virtualidade de interromper os prazos que se mostrarem em curso, os quais se mantêm interrompidos até à decisão que julgue a impugnação judicial, caso haja lugar a esta – cfr. artigos 24.º, n.º 4 e 28.º, n.º 1 da LAD.

XXXIX. E havendo impugnação judicial do requerimento de protecção jurídica, tem competência para a sua decisão o Tribunal onde a causa esteja pendente, sendo o mesmo autuado por apenso àquela.

XL. Tal Apenso (de tramitação do recurso de impugnação judicial contra o indeferimento de pedido de apoio jurídico), enxertado na tramitação da causa com a qual tem relação directa de prejudicialidade, configura, nessa medida, um processo conexo em relação aos autos de inquérito no qual foi autuado por apenso e tem sobre o mesmo (processo de inquérito) efeitos concretos (interrupção dos prazos em curso).

XLI. Logo, no processo de inquérito, nunca se poderia ter por reiniciado os prazos interrompidos sem que antes houvessem sido decididos definitivamente os recursos de impugnação judicial autuados por apenso à tramitação do inquérito, sob pena de violação do disposto nos artigos 24.º, n.º 4 e 28.º, n.º 1 da LAD.

XLII. Do que se vem de dizer, não se pode acolher a retórica decisória do despacho recorrido nos parágrafos 16.º - “Em 23/09/2022, por nada ter sido requerido ou junto, (refª Citius nº ......93), foram os autos arquivados”– uma vez que na referida data estava ainda pendente o recurso de impugnação judicial do Apenso B (cfr. parágrafos 17.º a 22.º), pois tal viola o disposto nos artigos 24.º e 28.º da LAD.

XLIII. Também não se acolhe a retórica decisória, porque contrária ao disposto pelos artigos 24.º e 28.º da LAD, quando no parágrafo 23.º “- Na sequência da decisão deste Tribunal da Relação do Porto, já devidamente transitada em julgado, foram os autos de inquérito remetidos, de novo, ao arquivo – vd. Termo datado de 22/06/2023 (refª Citius nº ......53)” – uma vez que havia sido junto aos autos novo pedido de apoio jurídico, cuja decisão se mostrava ainda pendente, com a virtualidade de interromper os prazos em curso quanto aos autos de inquérito.

XLIV. Também não é concebível o acolhimento da retórica decisória, por relevante violação do disposto no artigo 24.º e 28.º da LAD que se externa na pág. 5 do despacho recorrido “Por outro lado e de todo o modo, sempre tal força interruptiva não seria viável porquanto não foi dada a necessária informação aos autos de inquérito, por parte da requerente (exigido pelo art. 24º, nº 4, da citada Lei), do novo pedido de apoio judiciário formulado. Na verdade, este apenas foi referido no Apenso B, no âmbito de um requerimento que ali foi deduzido – datado de 16/05/2023. Razão certamente porque seguiram os autos principais (de inquérito), onde nada se sabia, em correição – em 22/06/2023.”.

XLV. O que se exige da Recorrente é que esta junte aos autos cópia da apresentação do pedido de protecção jurídica.

XLVI. E tal junção mostrou-se comprovada em 16/05/2023.

XLVII. As (ausências) comunicações internas que ocorrem entre o Apenso e a acção principal não são da responsabilidade da Recorrente mas da competência dos Órgãos e Serviços responsáveis pela sua tramitação.

XLVIII. Junto aos autos do Apenso B o novo pedido de protecção jurídica, sendo os mesmos exertados aos autos de inquérito, o facto de não se ter verificado a transmissão de tal informação não é nem pode ser imputável à Recorrente, que de nada foi avisada sobre a inadmissibilidade da junção daquele requerimento ou que o mesmo veria os efeitos do artigo 24.º da LAD afectados.

XLIX. Ademais, nem o Tribunal indeferiu a junção aos autos da cópia do novo pedido de apoio judiciário, nem disse que essa cópia não tinha sido anexada, assim como não mandou desentranhar dos autos tal pedido e até concedeu o apoio, por decisão de 24/10/2024, precisamente por reconhecer o agravamento da situação económica da Requerente.

L. Tendo, consequentemente, sido nomeado patrono por ofício da Ordem dos Advogados, de 13/11/2024, que se considera notificado à Advogada em 18/11/2024.

LI. Assim, resulta que o prazo para a apresentação do requerimento de abertura de instrução e constituição de assistente se reiniciou em 18/11/2024, com a nomeação da patrona oficiosa.

LII. Ao não decidir assim o despacho recorrido incorreu em erro notório na apreciação da prova, nos termos acima expostos e violou o disposto pelo artigo 24.º n.ºs 4 e 5 da LAD e 28.º da LAD, o que desde já se argui para os devidos efeitos legais, devendo por isso a decisão recorrida ser revogada por decisão que admita o requerimento de abertura de instrução e constituição de assistente.

LIII. Fundamenta o despacho recorrido que o requerimento de abertura de instrução e constituição de assistente foi apresentado em 10/12/2024 – sob a referência CITIUS ....02).

LIV. Todavia, o requerimento apresentado pela Recorrente, ao abrigo da concessão do apoio jurídico e nomeação do patrono em 18/11/2024, foi enviado para o Tribunal da Relação do Porto com a competência para a instrução do processo em 9/12/2024, por correio registado com aviso de recepção com a referência de registo RL .......64PT e por correio electrónico datado também de 9/12/2024.

LV. Tendo sido remetido o RAI por correio, sob registo postal, vale como data da prática do ato, a do respetivo registo postal – cfr. n.º 7.º al. b) art.º 144.º CPC.

LVI. Assim, ao decidir que o RAI foi apresentado em 10/12/2024, o despacho recorrido incorreu na violação do disposto no artigo 144.º, n.º 7, alínea b) do CPC, o que desde já se argui.

LVII. Estando documentalmente comprovado que o RAI foi enviado por correio registado com aviso de recepção datado de 9/12/2024, deverá ser o despacho recorrido revogado e deverá ser decidido que o RAI foi apresentado em 9/12/2024, por isso de forma tempestiva.

LVIII. Mais veio a Recorrente condenada em custas.

LIX. Padecendo o despacho recorrido dos vícios imputados e da violação das normas jurídicas supra referenciadas, deverá ser alterada a decisão recorrida no segmento que julgou que o requerimento de protecção jurídica de 16/05/2023 não exerceu qualquer efeito jurídico-processual em relação aos autos de inquérito.

LX. E, em consequência, tal decisão deverá ser substituída por decisão que determine que o apoio jurídico concedido à Recorrente em 24/10/2024 lhe conferiu a protecção jurídica nos exactos termos do seu deferimento para o processo de inquérito n.º 74/20.8...

LXI. Em consequência deverá igualmente ser revogada a decisão recorrida que condenou a Recorrente em custas, por violação do disposto nos artigos n.ºs 1 e 2 d artigo 29.º da LAD”.

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O recurso foi admitido, sendo-lhe fixada subida imediata e efeito suspensivo.

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A Sr.ª Procuradora-geral Adjunta junto do Tribunal da Relação pronunciou-se pela improcedência do recurso.

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Neste Tribunal, o Sr.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, igualmente, pela improcedência do recurso, aderindo à argumentação do M.º P.º na Relação.

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Colhidos os Vistos, efectuada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.

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Das conclusões, delimitadoras do respectivo objecto, extrai-se que a AA pretende a revogação da Decisão que rejeitou, por manifestamente extemporâneo o seu Requerimento de Abertura de Instrução e constituição como Assistente, e a sua substituição por outra decisão que considere o R.A.I. “apresentado em 9/12/2024”, tempestivo

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Do processado no Inquérito resulta, em síntese, que teve origem numa participação da, agora recorrente, AA, contra o “Sr.º Procurador do DIAP do Porto, titular do processo 5546/19.4...... Secção”, dirigida ao Conselho Superior da Magistratura.

Nessa participação, era atribuída ao sr. Procurador responsabilidade criminal por “abuso de poder e ofensa à integridade física e psíquica”, no âmbito de um processo de internamento compulsivo da denunciante com o nº 3335/20.2..., por anomalia psíquica grave, apresentando “múltiplas queixas, com evidente ideação delirante de teor paranoide e persecutório, referindo que há vários anos a casa é diariamente assaltada pelos vizinhos, que lhe põem químicos em casa, entre outras, ideias que apresenta como sistematizadas, não sendo rebatíveis pela argumentação lógica”.

Por despacho datado de 28/02/21, o Inquérito foi arquivado por se considerar que o participado era “de todo alheio á situação participada”, acrescentando-se que “os elementos colhidos nos autos permitem concluir que tudo se passou dentro da normalidade deste tipo de processos – internamento compulsivo - e não poderá ser imputada qualquer responsabilidade criminal às pessoas que nele intervieram muito menos a responsabilização criminal pretendida pela participante”.

Em 09/12/2024 (e não em 10/12, tendo nesse ponto a recorrente razão, mas de qualquer forma, mais de 3 anos e 9 meses depois), deu entrada Requerimento de Abertura de Instrução e constituição como Assistente, por parte da referida AA.

Esse Requerimento foi rejeitado, por manifestamente extemporâneo.

Na decisão recorrida, depois de se traçar uma detalhada descrição do longuíssimo e incidentado procedimento — administrativo e Judicial — relativo ao pedido de apoio Judiciário, conclui-se que o prazo de 20 dias para a abertura de Instrução recomeçou a ser contado, dado que o anterior foi interrompido, em 08/05/23 e terminou em 01/06/23 (contados, deduz-se, os 3 dias úteis em que o acto podia ser praticado com multa).

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Verifica-se, também, que os autos são constituídos pelo Inquérito, propriamente dito, arquivado, tal como referido, em 28/02/21, notificado à recorrente em 12/03/21.

Anexados ao mesmo foram constituídos sucessivamente, 3 apensos, todos relativos a incidente de apoio Judiciário: o apenso A (constituído em 06/01/22); o apenso B (constituído em 29/03/23); o apenso C (constituído em 13/09/24).

Do apenso C, o último, consta que só em 2023, a requerente “deu entrada de 76 requerimentos” de apoio Judiciário, a que foram juntos sempre os mesmos documentos, tendo-lhe sido dado tratamento conjunto na decisão que os indeferiu, tendo sido considerado que a mesma dispunha de capacidade económica, mas ainda assim, proposto à requerente o pagamento faseado das custas, o que a requerente não aceitou, tendo-lhe por isso sido indeferido o pedido de apoio Judiciário.

Na última decisão da Relação do Porto, datada de 24/10/24, que concedeu provimento a um dos recursos de impugnação, entendeu-se não se poder “esquecer a dimensão da litigância em causa nos presentes autos com dezenas de incidentes (tributáveis)” (sic).

E, apelando-se ao “saber que a experiência da vida vivida nos trás, o que custa litigar pelo que cremos serem os nossos direitos, o que custa um advogado, o que custa um processo, o que custam os requerimentos, a reação a um despacho, a abertura de instrução, a acusação privada, etc”, decidiu-se revogar aquela (uma entre várias iguais) decisão da Segurança Social e conceder o apoio Judiciário na modalidade “de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono”.

Na decisão recorrida foi considerado que contrariando esta decisão a de não provimento de impugnação Judicial, proferida no Apenso B, datada de 26/04/23, exactamente com os mesmos pressupostos de facto, se deveria cumprir esta primeira, por força do disposto no art.º 625 do CPC, quanto a casos julgados contraditórios.

Registando-se duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar, devendo a mesma produzir os seus efeitos.

Acrescenta-se que o pedido de apoio Judiciário, formulado em 16/05/23, que deu origem a decisão contraditória, nunca foi devidamente comunicado no processo de Inquérito, com cumprimento do exigido no art.º 24, n.º 4 da Lei 34/2004 — tendo sido apenas no Apenso B, no âmbito de um requerimento com a finalidade de pedir a substituição da “Sentença” ali proferida por “um despacho conciso e fundamentado” — pelo que nunca poderia ter eficácia interruptiva do prazo em curso para pedir a abertura de Instrução.

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No recurso, com um argumentário bastante verboso e confuso, formulam-se proposições de ordem bastante diversa, mas todas destinadas a obter a almejada revogação da Decisão da Relação do Porto que considerou manifestamente extemporâneo o requerimento de Abertura de Instrução.

Mostra-se, pois, adequado relembrar — sendo esse o entendimento perfilhado há muito neste Tribunal — não se poder confundir questões com argumentos ou processos de exposição raciocinativa. Isto é, o Tribunal de Recurso não está vinculado a esgotar a análise de argumentos, mas, apenas, a explicitar e considerar todas as questões que devam ser conhecidas, e só essas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente.

Isto tendo presente — e em síntese — começa-se por invocar “erro notório na apreciação da prova e também em violação das normas jurídicas aplicáveis”, “ao considerar que o prazo de 20 dias para a Recorrente apresentar o requerimento de abertura de instrução e constituição de assistente se reiniciou em 08/05/2023 (data em que a Recorrente foi notificada da decisão que julgou improcedente a impugnação judicial de indeferimento do pedido de apoio jurídico) o despacho recorrido incorreu em erro notório na apreciação da prova”.

Argumentação manifestamente errónea.

Errónea porque não tem cabimento num recurso de despacho desta natureza, a invocação dos vícios da decisão sobre a matéria de facto previstos no art. 410º, nº 2, do CPP (no qual se inclui, o de erro notório de apreciação da prova, al. c)), que apenas pode ter lugar no caso de recurso de Sentença (ou Acórdão), proferida após a Audiência de Julgamento.

Errónea porque a apreciação sobre o decurso do prazo para requerer a Abertura de Instrução respeita à aplicação do Direito com base no procedimento registado nos autos, isto é, à hermenêutica jurídica.

Alega-se, também, que a decisão viola os “art.ºs 20, n.º 1 e 22. da LAD” (referir-se-á à Lei 34/2004 de 29/07, de que resultará ser “ao dirigente máximo dos serviços da segurança social da área de residência da Recorrente a quem incumbe a decisão sobre a concessão da protecção jurídica”, e apreciação da “situação de insuficiência económica”, de que resultaria também “o vício de excesso de pronúncia”, “que se argui nos termos e para os efeitos do disposto pelo artigo 379.º al. c) do CPP”.

Argumentação, igualmente, descabida.

Como é evidente a decisão não contende com os citados artigos da Lei 34/2004 de 29/07 (Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais), nem contradiz as decisões da Segurança Social, pelo contrário, respeita-as.

Quanto ao “vício de excesso de pronúncia”, e a invocação do art.º 379, al.ª c) do CPP, esta norma respeita à Sentença, e aqui estamos perante um despacho que rejeitou a abertura de Instrução.

Assim, a pretensa nulidade (inexistente, como é evidente), deveria ter sido invocada, atempadamente, no Tribunal onde foi proferida a Decisão.

Para se contestar a contagem do prazo para abertura de Instrução, acima referenciada, alega-se — fundamentalmente — que enquanto esse prazo decorria foi apresentado novo pedido de apoio Judiciário, pelo que o decurso do prazo teria de ser considerado de novo interrompido.

E afirma-se que se juntou cópia do pedido com o requerimento de 16/05/23, no apenso B, e “sendo os mesmos enxertados aos autos de inquérito, o facto de não se ter verificado a transmissão de tal informação não é nem pode ser imputável à Recorrente, que de nada foi avisada sobre a inadmissibilidade da junção daquele requerimento ou que o mesmo veria os efeitos do artigo 24.º da LAD afectados”.

Sem razão.

O requerimento efectuado no Apenso B, tal como já referido, tinha outra finalidade, outro objecto, e deu lugar a decisão que nada tinha a ver com qualquer interrupção de prazo em curso no Inquérito.

Com o mesmo pretendia-se obstar à decisão, nesse apenso, que julgou improcedente a impugnação Judicial do indeferimento do apoio Judiciário, querendo-a ver substituída por “despacho conciso e fundamentado”, o que foi prontamente objecto de indeferimento, considerando-se decidida a impugnação Judicial, “nada mais havendo a decidir ou determinar”.

É evidente que o ónus de cumprir adequadamente o exigido no art.º 24, n.º 4 da Lei 34/2004, recaía sobre a aqui recorrente, o que a mesma não fez, tendo por isso o Inquérito regressado ao arquivo, após termo do prazo em curso.

Por último, e quanto à contradição de julgados, é evidente a identidade de fundamentos dos numerosos, sucessivos e insistentes (não se aceitando o seu indeferimento) pedidos de apoio Judiciário, verificando-se que os motivos — acima resumidos — da procedência da última impugnação Judicial não têm a ver com uma alteração superveniente das circunstâncias (como previsto no art.º 18, n.º 2 da Lei 34/24), mas com opiniões, de ordem bastante subjetiva, sobre a concessão do apoio Judiciário.

Pelo que há que concluir pela efectiva contradição de julgados, entre duas decisões Judiciais.

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Refira-se, por fim (numa apreciação perfunctória, e sem prejuízo do que antecede), ser este mais um exemplo de um caso em que sendo evidente a adequação do arquivamento do Inquérito — o alvo da participação parece tê-lo sido apenas porque, em virtude das suas funções, tinha a direção daquele processo de “internamento compulsivo” — se despende tempo, e meios Judiciais, com uma pretensão claramente inviável.

É inusitada, e inaceitável, a duração do procedimento, pretendendo-se ainda em 2025, “discutir” o arquivamento de um Inquérito de 2021.

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O recurso mostra-se improcedente, devendo a decisão da rejeição do requerimento de abertura de Instrução, proferida na Relação do Porto ser mantida.

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Nos termos relatados, decide-se julgar improcedente o recurso interposto em representação de AA, mantendo-se o Despacho recorrido.

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Custas pela recorrente, fixando-se a Taxa de Justiça em 5 UC’s.

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Lisboa, 26/06/25

José Piedade (relator)

Ana Paramés

Ernesto Nascimento