I. O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência implica, entre outros requisitos, a identidade das situações de facto subjacentes aos acórdãos em conflito.
II. Não ocorre identidade de situações de facto quando, numa situação de revisão de sentença penal estrangeira, no acórdão recorrido o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que a questão da suspensão da execução da pena havia sido já decidida numa fase anterior do processo, pelo que não haveria lugar a nova apreciação, improcedendo no caso a invocação de omissão de pronúncia, enquanto que no acórdão fundamento o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que o Tribunal da Relação de Lisboa deveria pronunciar-se sobre a possibilidade de aplicação, à pena convertida, da suspensão da execução da pena, por esta questão não haver sido apreciada ao longo do processo.
III. A divergência não resulta de decisões expressas com posições antagónicas quanto ao mesmo problema jurídico, mas de contextos processuais distintos, moldados por decisões anteriores, que operam com efeitos vinculativos, sob pena de violação do caso julgado.
I – Relatório:
1. A arguida AA vem interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, datado de 19-02-2025 proferido nos autos, alegando que nele se apreciou e decidiu uma questão de direito cuja pronúncia está em oposição com a de outro acórdão, transitado em julgado, proferido a 07-11-2024 por este Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo n.º 3540/23.0YRLSB.S2, apresentando as seguintes conclusões e pedido: (transcrição)
1. A arguida foi condenada por sentença proferida em 18 de novembro de 2011 e transitada em julgado em 26/02/2019, proferida pela ...º Vara do Tribunal de Justiça Federal de Pernambuco, e confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, Republica Federativa do Brasil, na pena de 8 anos e 4 meses, pela pratica de 1 crime de receptação qualificada, previsto e punido pelos artigos 180.º, paragrafo 1.º e artigo 71.º, do Código Penal da Republica Federativa do Brasil, crime este que encontra correspondência no artigo 231.º, n.º 1 do Código Penal Português.
2. O Tribunal, apos o reenvio dos presentes autos pelo Supremo Tribunal de Justiça, converteu, nos termos do artigo 237.º do Co digo do Processo Penal, a pena a quela que seria aplicada segundo a lei portuguesa, condenado a arguida a 4 anos e 6 meses de prisão efectiva.
3. A arguida recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça recorreu dessa decisão pelo facto de o Tribunal da Relação nao se ter pronunciado acerca da medida da pena, designadamente a sua substituição, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, por remissa o dos artigos 3.º, n.º 1 e 2 e 101.º, n.º 1 e 6, ambos da Lei 144/99, de 31 de agosto (LCJIMP).
4. O Tribunal recorrido decidiu em 19/02/2025, acórdão este transitado em julgado em 06/03/2025, em negar provimento ao recurso interposto pela recorrente, decidindo pela não verificação da aludida omissão de pronúncia.
5. Sucede que, no âmbito da mesma legislação, e relativamente a mesma questão de direito, existem soluções antagónicas, sendo que estamos perante uma identidade de situações de facto, alias relativas a mesma sentença revidenda.
6. Com efeito, no âmbito do processo n.º 3540/23.0YRLSB.S2 (acórdão fundamento), que respeita a revisa o de sentença penal estrangeira, sendo que a sentença revidenda e a mesma dos presentes autos conclui o seguinte: ao nada consignar sobre esta matéria o acórdão recorrido incorreu em omissão de pronuncia, estando ferido de nulidade nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1 al. c) do Código de Processo Penal. Tal circunstância, que leva também à procedência do recurso, implica que o processo volte ao Tribunal da Relação de Lisboa para conhecimento daquela possibilidade de suspensão de execução da pena.”
7. Ora, o acórdão fundamento, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo 3540/23.0YRLSB.S2, em 24/10/2024, transitado em julgado em 07/11/2024, respeita a um processo de revisa o de sentença penal estrangeira.
8. A sentença revidenda do processo 3540/23.0YRLSB.S2 e a sentença brasileira n.º ................11, no âmbito do processo nº .......................00, proferida a 18 de março de 2011, pela ....º Secção Judiciaria de Pernambuco, transitada em julgado em 26/02/2019, na qual o ali arguido foi condenado na de 8 (oito) anos e 4 (quatro) meses de prisão, a ser cumprida em regime fechado, pela pratica do crime continuado de receptação, previsto e punível pelos a artigos 180.º, & 1.º e 71.º do Co digo Penal da Republica Federativa do Brasil.
9. Por seu turno, a sentença revidenda do acórdão recorrido foi a proferida no âmbito do processo nº .......................00, em 18 de março de 2011, pela ...º Secção Judiciária de Pernambuco, transitada em julgado em 26/02/2019, na qual a arguida, aqui recorrente, foi condenado na de 8 (oito) anos e 4 (quatro) meses de prisão, a ser cumprida em regime fechado, pela pratica do crime continuado de receptação, previsto e punível pelos a artigos 180.º, & 1.º e 71.º do Codigo Penal da República Federativa do Brasil.
10. Conforme se verifica existe uma identidade de sentenças, porquanto nessa sentença brasileira, o recorrente do processo n.º 3540/23.0YRLSB.S2, bem como a recorrente da ora decisão recorrida foram, no âmbito do processo n.º .......................00, que correu termos no Brasil, condenados em co-autoria pelo crime de recepção qualificada.
11. Com efeito, ambos os arguidos, recorrentes nos supra aludidos processos, são respectivamente marido e mulher.
12. Face ao exposto, a oposição e expressa, pelo que, salvo melhor entendimento, estamos perante um conflito jurisprudencial, pois existe uma identidade de situações de facto.
13. Salvo melhor entendimento havendo identidade de situações de facto, que e o caso, as soluções de direito teriam de ser as mesmas.
14. O acórdão fundamento proferido no âmbito do processo n.º 3540/23.0YRLSB.S2, decidiu pela omissa o de pronúncia quanto a questão da suspensa o da pena, após esta ter sido adequado, nos termos do artigo 237.º do Co digo do Processo Penal, conforme se transcreve (página 18 e 19 do acórdão fundamento): “Deve notar-se que o regime de execução de sentenças penais estrangeiras estabelecido nos artigos 95º e seguintes da Lei nº 144/99, reproduz o dos artigos 89º e seguintes do Decreto-lei nº 43/91, 22 de janeiro (revogado pelo artigo 166º da Lei nº 144/99), que tem por fonte, nomeadamente, os artigos 42º e 44º da Convenção Europeia sobre o Valor Internacional das Sentenças Penais (“European Convention on the International Validity of Criminal Judgements”), de 28.5.1970, do Conselho da Europa, assinada por Portugal em 1979, mas ainda não ratificada (cfr. Manuel A. Lopes Rocha e Teresa Alves Martins, Cooperação Judiciária em Matéria Penal (Comentários), Aequitas/Editorial Notícias, 1992). De acordo com o artigo 44º desta Convenção, se o pedido de execução for aceite, o tribunal do Estado de execução deve substituir a pena privativa da liberdade imposta no Estado da condenação por uma pena prevista na lei interna do Estado de execução para o mesmo crime, a qual, não podendo agravar a situação do condenado (proibição da reformatio in pejus) e estando vinculada aos factos escritos na condenação (artigo 42º), pode ser de duração diferente da imposta no Estado da condenação. Como se refere no respetivo relatório explicativo, este artigo confere ao Estado de execução o direito de adaptar a sanção ao seu próprio sistema penal (cfr. “Explanatory Report – ETS 70 – International Validity of Criminal Judgements”, em www.coe.int). No caso de sentenças penais estrangeiras - lê-se no preâmbulo do Decreto-lei nº 43/91 – “exige-se a revisão e confirmação da sentença estrangeira, para que possa produzir efeitos em Portugal, segundo a tradição do direito português, reafirmada no Código de Processo Penal vigente. A ordem de execução é precedida da conversão das sanções impostas no estrangeiro nas correspondentes da lei portuguesa.” Também de acordo com Manuel A. Lopes Rocha e Teresa Alves Martins: “A decisão de reconhecimento tem por fim permitir, à sentença estrangeira, a produção de efeitos jurídicos constantes das regras internas. Nesta conformidade desempenha uma função de facto jurídico e a decisão de reconhecimento, mais do que versar sobre uma relação substancial que já foi objeto da sentença estrangeira, tem um alcance puramente processual. Nessa medida, analisa-se como uma conditio juris relativamente à sentença estrangeira. Dito de outro modo, aquilo que tem o valor de ato jurídico no sistema originário, deve ter igualmente esse valor no outro sistema não em razão da qualificação originária, mas em razão do facto novo da “nacionalização”, da expressão da vontade do juiz, em virtude da qual um simples facto material, produtor de efeitos jurídicos (facto jurídico em sentido próprio) se transforma em facto jurídico voluntário correlativo (acto jurídico). Diferentemente do reconhecimento de uma sentença civil, o da sentença penal deve fixar imperativamente, no quadro da legislação do país da execução, a pena ou medida a executar. A disparidade das legislações penais, tanto no que respeita às sanções como no que concerne às suas modalidades de execução, implica o reconhecimento, ao juiz do Estado da execução, do poder de adaptar a sanção infligida à luz das normas da sua legislação. A decisão estrangeira será assim modificada num dos seus aspetos essenciais, e, por via disso, a medida tomada pelo juiz do Estado da execução, mesmo quando aceitar a decisão estrangeira na parte relativa a declaração de responsabilidade do condenado, determina, em função da sua própria lei, a natureza e o quantum da pena, bem como todas as consequências que dela decorrem. (…).” E quanto a omissa o de pronúncia diz o acórdão fundamento o seguinte (página 20): “Assim e face ao disposto nos artigos 50º e segs. do Código Penal a execução de tal pena podia, desde que verificados os requisitos legais, ser suspensa. Com efeito e como refere o digníssimo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça o Tribunal da Relação de Lisboa “não estava inibido de o fazer diante dos limites estabelecidos no art. 100.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto: (…) 2 - Quando se pronunciar pela revisão e confirmação, o tribunal: a) Está vinculado à matéria de facto considerada provada na sentença estrangeira; b) Não pode converter uma pena privativa de liberdade em pena pecuniária; c) Não pode agravar, em caso algum, a reação estabelecida na sentença estrangeira (…).“
15. No mais, conforme consta no acórdão fundamento (página 21), “tem sido essa a jurisprudência pacífica, quer do Supremo Tribunal de Justiça, quer do Tribunal Constitucional, a fundamentação da decisão quanto à não suspensão da pena”.
16. Para o efeito, o acórdão fundamento salienta o Acórdão do Tribunal Constitucional 61/2006, de 18 de janeiro de 2006, que decidiu “a) Julgar inconstitucionais, por violação do artigo 205.º, n.º 1, da CRP, as normas dos artigos 50.º, n.º 1, do Código Penal e 374.º, n.º 2, e 375.º, n.º1, do CPP, interpretados no sentido de não imporem a fundamentação da decisão de não suspensão da execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos; bem como salienta que “O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender, de forma pacífica, tratar-se a suspensão da execução de um poder-dever, de um poder vinculado do julgador, tendo o tribunal sempre de fundamentar, especificadamente, quer a concessão quer a denegação da suspensão.”
17. Por outro lado, a acórdão recorrido afirma que é inadmissível a ponderação da suspensão da execução da pena, pois a única solução era fixar uma pena efectiva.
18. Sucede que, o acórdão recorrido, salienta a Convenção Relativa a Transferência de Pessoas Condenadas, concluí da no Conselho da Europa a 21 de março de 1983 que entrou em vigor em Portugal a 1 de outubro de 1983 e na República do Brasil a 1 de outubro de 2023, apesar de não se aplicar a este caso, contudo, poderia servir de fonte interpretativa na localização do espírito dos Estados contratantes e face as reservas de Portugal, existe uma diferença entre o procedimento de "continuação da execução", previsto no seu artigo 10.º, e o procedimento de "conversão da condenação", previsto no artigo 11.º, é que, no primeiro caso, o tribunal de execução continua a executar a sentença proferida pelo tribunal de condenação (eventualmente adaptada nos termos do n.º 2 do artigo 10.º), enquanto no segundo caso, a sanção é convertida numa sanção do Estado de condenação, o que tem por resultado que a pena executada já não se baseia diretamente na sanção imposta no Estado de condenação” (vide página 16 do acórdão recorrido), porém, diversamente do acórdão fundamento aplica a norma constante no n.º 2 do artigo 10.º da referida convença o ao presente caso, quando na realidade estamos perante o início da execução da pena e na o a continuação da execução da pena, sendo que o artigo 10.º tem como epígrafe continuação da execução.
19. Ambos os acórdãos salientam que a execução de sentenças penais estrangeiras constitui uma forma de cooperação judiciária internacional em mate ria penal que se rege pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelos artigos 95.º a 103.º da Lei n.º 144/99, de 31/08, sendo subsidiariamente aplicáveis as disposições do Codigo do Processo Penal e que Portugal na o esta vinculado a qualquer tratado, convença o ou acordo internacional no caso em apreço, visto que efectivamente a recorrente já se encontrava em Portugal, motivo pelo qual as normas aplicáveis a ambos caso são as constantes nos artigos 95.º a 103.º, da Lei 144/99 de 31 de agosto.
20. Face ao exposto, é indubitável a oposição de julgados, pois os acórdãos estão em confronto, manifestamente, de modo expresso, sobre a mesma questão fundamental de direito, e acolhem soluções opostas, no domínio da mesma legislação.
21. Salvo melhor opinião em contrário, o presente processo e o processo relativo ao acórdão fundamento, dado ambos respeitarem a mesma sentença revidenda deveriam ser conexos.
22. Aliás, o recorrente do processo do acórdão fundamento (3540/23.0YRLSB.S2) viu, posteriormente, a sua pena suspensa na sua execução.
23. No mais, conforme entendimento da recorrente, tendo em consideração que o artigo 10.º da lei n.º 144/99, estatui no n.º 1 que “a execução de uma sentença estrangeira faz-se em conformidade com a legislação portuguesa” e no n.º 2, “que as sentenças estrangeiras executadas em Portugal produzem os efeitos que a lei portuguesa confere às sentenças proferidas pelos tribunais portugueses”, o que, salvo melhor opinião significa que a execução da pena faz-se de acordo com a lei portuguesa, bem como o facto de o artigo 100.º, n.º 2, alíneas a) e b) da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, estatuir que o tribunal português esta vinculado a mate ria de facto considerada provada na sentença estrangeira e na o poder converter uma pena privativa de liberdade em pena pecuniária, contudo o n.º 6 desse mesmo artigo estabelecer que “o indulto e o perdão genérico parciais ou a substituição da pena por outra são levados em conta na execução”, devera ser fixada jurisprudência no sentido do acórdão fundamento, porquanto conforme esta patente no acórdão fundamento no caso de sentenças penais estrangeiras “exige-se a revisão e confirmação da sentença estrangeira, para que possa produzir efeitos em Portugal, segundo a tradição do direito português, reafirmada no Código de Processo Penal vigente”, estabelecendo, por sua vez, o artigo 50.º do Co digo Penal a suspensa o da pena como um poder-dever vinculado do julgador, pelo que o Tribunal terá sempre de fundamentar, especificadamente, quer a concessão quer a denegação da aludida suspensa o da execução da pena.
24. Posto isto, salvo melhor opinião em contrário, a norma prevista no artigo 101.º, n.º 6, da Lei 144/44, de 31 de agosto (Lei da Cooperação Judicial em Mate ria Penal), bem como a norma do artigo 50.º, n.º 1, do Co digo Penal e as normas dos artigos 237, n.º 3, 374.º, n.º 2 e 375.º, n.º 5, todas do Código do Processo Penal, ao serem aplicadas no sentido de na o imporem a fundamentação da decisão da na o suspensa o da execução da pena aplicada em medida na o superior a 5 anos, em processo de revisa o e confirmação de sentença penal estrangeira, apo s a adequação/conversa o da pena, nos termos da lei portuguesa, e quando estamos perante o início da execução, são inconstitucionais por violação do disposto no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
25. Assim sendo, e em suma, existe um claro conflito jurisprudencial entre os dois acórdãos, considerando que ambos versam sobre a mesma situação de facto, alia s versam sobre a revisa o da mesma sentença revidenda, sendo que ambos os recorrentes foram condenados na República Federativa do Brasil pelo mesmo crime e em igual pena, motivo pelo qual face a este conflito estamos perante uma clara violação do princípio da igualdade, nos termos do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, pois situações análogas devera o ser decididas de igual forma, sob pena consequentemente, de violação do princípio da segurança jurídica, ambos com assento constitucional.
Pelo exposto, e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., perante a oposição de soluções relativamente à mesma questão de direito, no domínio da mesma legislação, impõe-se, salvo melhor opinião, que este Supremo Tribunal de Justiça se pronuncie sobre esta questão, com vista a uniformizar a jurisprudência sobre a matéria objeto deste recurso, com as demais consequências legais.
(…)
2. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa respondeu ao recurso, concluindo:
«(…) Incide o thema decidendum de ambos sobre um mesmo assunto, no quadro de legislação inalterada, ou seja, saber se em processo de revisão e confirmação de sentença penal estrangeira se impõe (ou não) a fundamentação da decisão de não suspender a execução da pena aplicada em medida não superior a 5 anos, após adequação ou conversão da pena, nos termos do art. 50.º, do Código Penal e de acordo com os limites estabelecidos no art. 100.º, nº2, da Lei nº144/99, de 31 de agosto.
No caso do processo nº 2681/23.8YRLSB.S2 (acórdão recorrido), considerando que “a intervenção do tribunal português na decisão judicial de revisão e confirmação se deve pautar pela intervenção corretiva mínima”, ficando “vinculado pela natureza jurídica e pela duração da sanção, tal como resultam da condenação”, e que, no caso de a duração da sanção ser “incompatível com a legislação nacional deve adaptá-la à pena prevista na lei interna para infrações semelhantes, em medida correspondente, tanto quanto possível, à imposta pela condenação a executar”, foi decidido manter o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que não se tinha pronunciado expressamente a respeito da suspensão da execução da pena aplicada.
No do processo nº 3540/23.0YRLSB.S2 (acórdão fundamento), defendeu-se que “Configurando o artigo 50.º do Código Penal a suspensão da execução da pena como um poder-dever, como um poder vinculado do julgador, o Tribunal, quando aplique uma pena de prisão não superior a 5 anos tem sempre de fundamentar, especificamente, quer a concessão quer a denegação da aludida suspensão de execução da pena”, e, consequentemente, veio a ser declarado nulo o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que não se tinha pronunciado sobre tal matéria.
Assim, a oposição de julgados aparenta existir, sendo certo que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento versam sobre a revisão da mesma sentença revidenda, tendo os recorrentes sido condenados na República Federativa do Brasil pelo mesmo tipo legal de crime e em igual pena de prisão.
A ora recorrente tem legitimidade.
Nestes termos, cremos que se encontram reunidos os pressupostos do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, devendo os autos subir ao Supremo Tribunal de Justiça.»
3. Neste Supremo Tribunal de Justiça o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da inexistência de oposição de julgados e, consequentemente, no sentido da rejeição de recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, tendo consignado nos autos – para além de tudo o que pela sua relevância e pertinência se transcreverá mais adiante – o seguinte:
“Entende o Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça que, não obstante se mostram verificados os requisitos formais, não se mostra preenchido o requisito da verificação de oposição de julgados para ser admitido o prosseguimento do recurso para fixação de jurisprudência com base em contradição de decisões nos presentes autos e no processo 3540/23.0YRLSB.S2 invocado como acórdão-fundamento, pois que as situações num e noutro processo apenas aparentemente são (muito) semelhantes.
Assim sendo, sem necessidade de maiores considerações, entende o Ministério Público que deverá ser rejeitado o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pela arguida AA, de acordo com o disposto no artº 441º, nº 1, do CPP.”
4. Observado o contraditório, a recorrente respondeu, mantendo a sua posição inicial.
5. Após exame preliminar e colhidos os vistos legais o recurso foi presente à conferência para os efeitos previstos no art. 441º do Código de Processo Penal (código a que se reportam todas as demais disposições legais citadas sem menção do diploma de origem).
II. Fundamentação
Sob a epígrafe “Fundamento do recurso”, dispõe o art. 437.º sobre interposição de recurso extraordinário de fixação de jurisprudência:
«1 – Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.
2 – É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
3 – Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
4 – Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado.
5 – O recurso previsto nos n.ºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público».
Por sua vez, o art. 438.º do CPP, sob a epígrafe “Interposição e efeito”, dispõe:
«1 - O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.
2 - No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.
3 - O recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo.»
Como refere Pereira Madeira, o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência insere-se numa preocupação específica do legislador assegurar alguma certeza às orientações jurisprudenciais, evitando ou anulando decisões contraditórias 1. Por essa via, pretende-se fixar um sentido interpretativo geral e abstracto, replicável em casos similares definido pela cúpula das secções criminais – o seu Pleno – através da qual se logrará uma estabilização jurisprudencial, por força do efeito tendencialmente vinculativo dessa jurisprudência para todos os tribunais que, por regra seguirão essa orientação (…) 2.
À luz do regime legal vigente o Supremo Tribunal de Justiça vem apontando em jurisprudência uniforme como condição de admissibilidade do recurso de fixação de jurisprudência a verificação de um conjunto de requisitos, uns de forma e outros de fundo.
Assim, para além dos pressupostos gerais de admissibilidade, a saber a legitimidade do recorrente (sendo esta restrita ao Ministério Público, ao arguido, ao assistente e às partes civis) e o interesse em agir, no caso de recurso interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis (já que tal recurso é obrigatório para o Ministério Público), são requisitos de natureza formal:
i. A tempestividade do recurso, traduzida na sua interposição no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido, devendo mostrar-se também transitado em julgado o acórdão fundamento;
ii. a identificação do acórdão (também transitado em julgado) com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição (acórdão fundamento) e, se este estiver publicado, o lugar da publicação, com justificação da oposição entre os acórdãos que motiva o conflito;
Por seu turno, são requisitos de natureza material:
i. a existência de oposição entre dois acórdãos de tribunais superiores (acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, das Relações, ou um acórdão da Relação e um do Supremo Tribunal de Justiça), aferida pela circunstância de em ambos ter sido discutida a mesma questão de direito;
ii. oposição referente à própria decisão e não aos fundamentos;
iii. verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões, considerando-se verificada esta condição quando no lapso de tempo que intercorreu entre a prolação de cada um dos acórdãos não se tiver verificado modificação legislativa que interfira, directa ou reflexamente, na solução da questão de direito controvertida;
iv. a identidade das situações de facto subjacentes aos acórdãos em conflito;
v. que a questão assente em termos opostos tenha sido objecto de decisões expressas, não meramente implícitas;
Estão assegurados os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, tanto quanto é certo que a recorrente tinha o estatuto de arguida no processo em que foi proferido o acórdão recorrido, tendo assim legitimidade e interesse em agir, nos termos do artigo 437.º, n.º 5, do CPP.
Da análise dos pressupostos de natureza formal
A recorrente invocou, como acórdão fundamento, apenas o acórdão de 24-10-2024, deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do proc. n.º 3540/23.0YRLSB.S2, transitado em julgado, pelo que o requisito da invocação, identificação e apresentação de cópia do acórdão fundamento, nos termos do art. 438.º, n.º 2, do CPP, se mostra preenchido.
Analisando o requisito da tempestividade, verifica-se que o acórdão recorrido foi proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 19-02-2025 e transitou em julgado a 06-03-2025. Tendo o presente recurso dado entrada em 01-04-2025, ou seja, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado do acórdão recorrido, o pressuposto da tempestividade mostra-se igualmente preenchido.
Encontram-se, pois, verificados os pressupostos formais.
Pressupostos materiais – quanto à (in)existência de oposição de julgados
É evidente que a situação fáctica de base, num e noutro processo, têm, muitas, semelhanças e correm numa espécie de paralelo. Os dois acórdãos decorrem da revisão de confirmação da mesma sentença, proferida em relação ao mesmo crime e com arguidos condenados em coautoria.
Não obstante, uma análise mais rigorosa revela divergências relevantes no percurso processual de cada caso, que impedem a conclusão pela identidade de situações fácticas e jurídicas suscetível de fundar oposição de julgados, pressuposto do recurso extraordinário de revisão de sentença.
Com efeito, no processo relativo ao acórdão recorrido, este Supremo Tribunal de Justiça havia já determinado, em anterior acórdão, datado de 23-05-2024, que a revisão da pena deveria respeitar os “limites de natureza da pena e inalterabilidade da sua efectividade”. Este entendimento vinculou o Tribunal da Relação de Lisboa na sua decisão subsequente, datada de 23-10-2024, onde a pena inicialmente aplicada de 8 anos, foi convertida e fixada em 4 anos e 6 meses, sem análise da suspensão, por se entender que tal apreciação estava vedada por aplicação do caso julgado e do dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores.
Pelo contrário, no processo relativo ao acórdão fundamento, a decisão do Tribunal da Relação de 10-07-2024 foi proferida sem que anteriormente houvesse qualquer tomada de posição por parte do Supremo Tribunal de Justiça quanto a esta matéria. Não há, assim, qualquer elemento decisório onde a questão da suspensão da pena se houvesse colocado, seja para a aceitar ou afastar. É esta circunstância que leva o Supremo Tribunal de Justiça a concluir, em recurso, pela necessidade de o Tribunal da Relação de Lisboa proceder à apreciação da eventual aplicação da suspensão da execução da pena adaptada, por verificar existir no caso, uma omissão de pronúncia quanto a esta matéria.
Assim,
No acórdão fundamento, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que o Tribunal da Relação de Lisboa deveria pronunciar-se sobre a possibilidade de aplicação, à pena convertida, da suspensão da execução da pena, por esta questão não haver sido apreciada ao longo do processo.
No acórdão recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça, entendeu que a questão da suspensão da execução da pena havia sido já decidida numa fase anterior do processo, por acórdão datado de 23-05-2024, pelo que não haveria lugar a nova apreciação, improcedendo no caso a invocação de omissão de pronúncia.
A divergência não resulta, pois, de decisões expressas com posições antagónicas quanto ao mesmo problema jurídico, mas de contextos processuais distintos, moldados por decisões anteriores, decisões essas que operam com efeitos vinculativos, sob pena de violação do caso julgado.
Acompanha-se, nesta parte, o parecer do Exmo. Procurador-Geral adjunto que, com detalhe, evidencia que os dois acórdãos não versam sobre a mesma questão de direito nem acolhem soluções verdadeiramente opostas, porquanto as questões que o Supremo Tribunal de Justiça vem chamado a pronunciar-se, num e noutro processo, não são, também elas idênticas: (transcrição)
“A – QUANTO AO ACÓRDÃO RECORRIDO
A.1. - No âmbito do Processo de revisão de sentença penal estrangeira nº 2681/23.8..., por acórdão de 08.11.2023, o Tribunal da Relação de Lisboa declarou revista e confirmada a sentença proferida pela ...ª Vara do Tribunal de Justiça Federal de Pernambuco, a 18 de novembro de 2011, transitada em julgado em 26/02/2019 e confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, República Federativa do Brasil, que condenou AA, com dupla nacionalidade, portuguesa e brasileira, natural do .../PE, com residência em Portugal, na pena de 8 anos e 4 meses de prisão, pela prática de um crime de receptação qualificada, p. e p. pelos artigos 180, parágrafo 1º e 71º do Código Penal da República Federativa do Brasil;
A.2. - Foi pela arguida interposto recurso para este STJ, insurgindo-se, entre o mais, contra o facto de o acórdão não ter convertido a pena aplicada, atendendo à que cabe ao crime de recetação p. e p. pelo art. 231.º, n.º 1, do CP Português;
A.3. - Em acórdão datado de 23.05.2024, o STJ julgou parcialmente procedente o recurso, determinando que o Tribunal recorrido (da Relação) procedesse à adaptação/conversão da pena de prisão, como solicitado. Isto porque, como ali referido:
«Nos termos do artigo 100.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, quando se pronunciar pela revisão e confirmação, o tribunal está vinculado à matéria de facto considerada provada na sentença estrangeira, não pode converter uma pena privativa de liberdade em pena pecuniária e não pode agravar, em caso algum, a pena estabelecida na sentença estrangeira. Se a sentença penal estrangeira tiver aplicado pena que a lei portuguesa prevê, mas em medida superior ao máximo legal admissível, a sentença é confirmada, mas a pena aplicada converte-se naquela que ao caso coubesse segundo a lei portuguesa ou reduz-se até ao limite adequado (artigo 237.º, n.º 3, do CPP).
[…] não se tendo ainda iniciado a execução da pena, só resta então convertê-la dentro da moldura penal aplicável ao crime previsto na lei portuguesa (in casu, do artº 231 nº1 do CP) quanto à pena de prisão e sua efectividade de acordo com as regras que seriam aplicáveis, mutatis mutandis, se fosse julgado em Portugal, respeitados porém aqueles limites de natureza da pena e inalterabilidade da sua efectividade.»
A.4. - Sendo o processo devolvido ao Tribunal da Relação, ali acabou por ser proferido acórdão, em 23.10.2024, no qual se procedeu, como determinado pelo STJ, à adaptação da pena, fixando-se esta em 4 anos e 6 meses de prisão, nada sendo referido quanto à possibilidade da sua suspensão de execução.
A.5. - Deste decisão recorreu a arguida para este STJ, por entender que o Tribunal da Relação deveria ter-se pronunciado acerca da substituição da pena aplicada pela suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, por remissão dos artigos 3.º, n.º 1 e 2 e 101.º, n.º 1, 2 e 6, ambos da Lei 144/99, de 31 de agosto (LCJIMP), não o tendo feito.
A.6. - No entanto, este STJ, na decisão ora recorrida, datada de 19.02.2025, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão do Tribunal da Relação, entendendo que este não podia, sob pena de violação do dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso por tribunais superiores ponderar, sequer, a possibilidade de suspensão da execução da pena, sendo a única solução a fixação de uma pena efetiva.
B. QUANTO AO ACÓRDÃO-FUNDAMENTO:
B.1. - O Tribunal da Relação de Lisboa em acórdão de 10.01.2024, reviu e confirmou a sentença proferida no processo n.º ..., da ... Vara da Secção Judiciária de Pernambuco, Brasil, transitada em julgado em 26.02.2019, que condenou o arguido BB na pena de 8 anos e 4 meses de prisão pela prática de um crime continuado de recetação qualificada, p. e p. pelos arts. 180.º, § 1.º, e 71.º, ambos do Código Penal Brasileiro.
B.2. - O arguido interpôs recurso para este STJ em 19.02.2024, insurgindo-se contra o facto de o acórdão não ter convertido a pena na que cabe ao crime de recetação p. e p. pelo art. 231.º, n.º 1, do CP Português;
B.3. - Por acórdão de 21.05.2024, este Supremo Tribunal concluiu que «tendo em conta que, no caso em apreço, a sentença proferida pela ...ª Vara da Secção Judiciária de Pernambuco República Federativa do Brasil aplicou a BB a pena de 8 (oito) anos e 4 (quatro) meses de prisão, pela prática do crime continuado de recetação, previsto e punível pelos artigos 180.º,§ 1.º e 71.º do Código Penal da República do Brasil, e dado que os factos que estiveram na base de tal condenação são puníveis pelo artigo 231.º do Código Penal Português com pena de prisão cujo limite máximo se situa nos 5 (cinco) anos ou nos 8 (oito) anos caso se considere que o agente fez da recetação modo de vida , há que adaptar aquela pena a esta moldura penal, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 237.º do Código de Processo Penal» e nessa decorrência julgou «o recurso procedente quanto à adaptação/conversão da pena de prisão solicitada, a efetuar no Tribunal recorrido nos termos atrás mencionados»;
B.4. - Devolvidos então os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, este, em acórdão datado de 10.07.2024, procedeu à adaptação à lei portuguesa, conforme determinado pelo STJ, fixando a pena a cumprir em 5 anos de prisão;
B.5. - Desta decisão foi apresentado novo recurso para este STJ, entendendo, essencialmente, que o Tribunal da Relação não se havia pronunciado, como devia, quanto à suspensão da execução da pena de prisão nos termos do art. 50.º do CP e, como tal, padecia de nulidade nos termos do art. 379.º, n.ºs 1, al. c), e 2, do Código de Processo Penal.
B.6. - Acabando este STJ por proferir o acórdão ora utilizado como acórdão-fundamento, no qual se determinou a devolução ao Tribunal da Relação para efeitos de apreciação da possibilidade de suspensão de execução da pena de 5 anos já adaptada ao regime penal português.
Ora, como se verifica dos pontos que antecedem, a tramitação processual foi idêntica nos dois processos, tendo sido interpostos recursos similares num e noutro, até porque a origem de ambos residiu em condenações «paralelas» dos arguidos/recorrente em processos que correram termos no Brasil, tendo sido os arguidos condenados em co-autoria pela prática do mesmo crime.
A diferença que existe – e que suscitou o pedido de fixação de jurisprudência pela arguida – reside na circunstância de num dos acórdãos deste Supremo Tribunal (o referenciado em B.6.) se ter entendido que o Tribunal da Relação deveria apreciar da possibilidade da suspensão da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos de prisão (após a conversão antes determinada), entendimento oposto sido manifestado posteriormente pelo mesmo STJ (no acórdão referido em A.6,), rejeitando o pedido de devolução do processo para apreciação da possibilidade de suspensão de execução da pena também já anteriormente adaptada à legislação nacional.
Sendo que à primeira vista existe efetiva oposição de julgados, certo é que – salvo o devido respeito por opinião contrária – se verifica uma diferença que impede concluir-se por tal oposição: Isto porque um dos acórdãos teve na sua base uma anterior decisão que o impediu de decidir de forma diversa da que decidiu, sob pena de violar caso julgado.
Com efeito – e aí reside a diferença entre as duas situações – enquanto o acórdão deste STJ que precedeu a posterior decisão-fundamento nenhuma limitação efetuou em termos de adaptação da pena aplicada no Brasil ao direito português (assim admitindo que a pena de prisão viesse a ser suspensa na sua execução), já o acórdão deste mesmo STJ que precedeu o proferir do posterior acórdão, ora recorrido, impôs uma limitação: a de que a pena se mantivesse efetiva.
Vejam-se os pontos A.3. e B.3. atrás constantes no presente despacho:
-- No acórdão-fundamento foi decidido, de forma lata, ser «o recurso procedente quanto à adaptação/conversão da pena de prisão solicitada, a efetuar no Tribunal recorrido»;
-- No acórdão ficou a constar: «[…] não se tendo ainda iniciado a execução da pena, só resta então convertê-la dentro da moldura penal aplicável ao crime previsto na lei portuguesa (in casu, do artº 231 nº1 do CP) quanto à pena de prisão e sua efectividade de acordo com as regras que seriam aplicáveis, mutatis mutandis, se fosse julgado em Portugal, respeitados porém aqueles limites de natureza da pena e inalterabilidade da sua efectividade.» (sublinhado nosso)
Ou seja, a ter existido oposição, essa não foi verificada nos acórdãos que ora são indicados pela requerente, mas sim nas anteriores decisões deste Supremo Tribunal, por via daquela referência específica então efetuada num deles (no entanto, note-se que, para além de ultrapassado o prazo para se poder pedir, quanto a tais decisões, a fixação de jurisprudência, esse pedido também não lograria obter procedência por faltar decisão expressa acerca da questão da possibilidade de suspensão, que não meramente tácita, como ocorreu no acórdão que precedeu o ora utilizado como acórdão-fundamento).”
Acompanha-se também a parte final do fundamentação do parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto, porquanto a poder ser considerada uma oposição de julgados, esta diria respeito à primeira decisão proferida por este Supremo Tribunal de Justiça, neste processo, datada de 23-05-2024, por ser nesse momento que é tomada, expressamente, posição quanto à ponderação da possibilidade de aplicação da suspensão da execução da pena em processo de revisão e confirmação de sentença. Mas, além de ser, agora, insuscetível de recurso de fixação, por extemporâneo, também careceria de decisão expressa contrária, já que a decisão proferida no acórdão fundamento é posterior ao trânsito em julgado daquela. Dito de outro modo, a questão colocada versa sobre o dever de pronúncia quanto à questão da suspensão, sem tomar posição pela sua aplicação ao caso.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, “Solução oposta quanto à mesma questão de direito: a questão de direito tem de ser a mesma nos dois acórdãos. Têm de estar em dois casos julgados que se caracterizem pela identidade problemática (isto é, uma questão de facto essencialmente idêntica ou análoga) cuja solução teve resposta oposta, no sentido de decisório, isto é, na questão de direito. A oposição de acórdãos tem de ser expressa e não tácita, não bastando que um deles aceite tacitamente a doutrina contrária do outro. (…) A oposição deve respeitar à decisão e não apenas aos seus fundamentos (acórdão do STJ, de 3.4.2008. in CJ, Acs. do STJ, XVI, 2, 194, e acórdão do STJ, de 3.12.1998, in SASTJ, n.º 26, 74), a soluções de direito expressas e não implícitas, soluções tomadas a título principal e não acessório ou secundário (acórdão do STJ, de 12.11.2008, in CJ, Acs. do STJ, XVI, 3, 221)” 3.
Resulta claro do supra exposto que os acórdãos apresentados não decidiram, a final, sobre a mesma questão, porquanto as questões que vinham colocadas em recurso a este Supremo Tribunal de Justiça eram distintas, consequência do processado anterior.
No processo a que respeita o acórdão fundamento, coloca-se, em sede de segundo recurso a este Supremo Tribunal de Justiça, a questão de saber se haveria omissão de pronúncia, uma vez revista e reformulada a pena, em cumprimento de decisão anterior do Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa não analisou sequer a possibilidade da suspensão da execução da pena. Ao que o Supremo Tribunal de Justiça dá resposta positiva: “Concluindo, ao nada consignar sobre esta matéria o acórdão recorrido incorreu em omissão de pronuncia, estando ferido de nulidade nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1 al. c) do Código de Processo Penal.” Apenas, por inexistir previamente qualquer ponderação sobre a aplicação da suspensão, independentemente de aceitar ou afastar a sua aplicação no caso concreto.
Por sua vez, no acórdão recorrido vem em recurso questionado este Supremo Tribunal de Justiça sobre a possível omissão de pronúncia, à qual não havia lugar por já ter sido dada resposta a essa questão aquando da decisão datada de 23.05.2024, em que o tribunal determina que a revisão e confirmação de sentença seja feita mantendo a natureza da pena inalterada. Assim, é rejeitado o recurso da recorrente por não lhe assistir razão quando invoca a omissão de pronúncia, que inexiste por esta questão ter sido retirada da competência do Tribunal da Relação de Lisboa.
Concluindo,
Face ao expendido, verifica-se que os dois acórdãos invocados não apresentam oposição de julgados, nos termos e para os efeitos do artigo 437.º do CPP, dado que:
a. foram proferidos em contextos processuais distintos,
b. as decisões anteriores determinaram, e condicionaram, a amplitude da pronúncia possível em cada processo,
c. não se decidiu, a final, a mesma questão de direito.
Pelo que não se mostram, assim, preenchidos os pressupostos materiais do recurso para fixação de jurisprudência, não se verificando oposição de julgados.
III – Dispositivo:
Pelo exposto, acordam na 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso, nos termos previstos no art. 441º, nº 1, do Código de Processo Penal, por inadmissibilidade decorrente da falta de requisito substancial.
Fixa-se a taxa de justiça devida em 3 UC (artigos 513.º, n.ºs 1 e 3 do C.P.P., 8.º, n.º 9, e tabela III do Regulamento das Custas Processuais).
*
Supremo Tribunal de Justiça, 26.06.202
Relator: Jorge Miranda Jacob
1º Adjunto: Ernesto Nascimento
2º Adjunto: Jorge Bravo
(Processado pelo relator e revisto por todos os signatários)
_________________
1. - Código de Processo Penal Comentado, anot. ao art. 437º.
2. - Tiago Caiado Milheiro, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo V, anot. ao art. 437º
3. - Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica, 2023, págs. 734 e 735.