RECURSO PER SALTUM
TRIBUNAL COMPETENTE
ROUBO AGRAVADO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
CULPA
CRIMINALIDADE VIOLENTA
ARMA DE FOGO
RÉPLICA
ARMA BRANCA
ARMA APARENTE
IMPROCEDÊNCIA
PROCEDÊNCIA PARCIAL
Sumário


I. Não se tendo apurado as concretas características de um dos instrumentos que o arguido na ocasião do crime roubo, admitindo-se que fosse uma réplica de uma pistola, não é de considerar verificado o preenchimento da circunstância qualificativa agravante da alínea f) do n.º 2 do art. 204.º do Código Penal ex vi art. 210.º, n.º 2, al. b), do mesmo diploma.
II. Não tendo o tribunal da condenação expressado quaisquer dúvidas sobre a natureza do instrumento que o arguido trazia na ocasião do crime – nomeadamente sobre se se tratava de uma réplica de faca – justificar-se-á o preenchimento da circunstância agravante do crime de roubo, da alínea f) do n.º 2 do art. 204.º do CP ex vi art. 210.º, n.º 2, al. b), do mesmo diploma e artigo 4.º do Dec.-Lei n.º 48/95, de 15-03.
III. Tal não impõe, só por si, a agravação da medida concreta da pena, considerando que ao crime de roubo agravado já foi adequadamente aplicada a pena de 6 anos de prisão, na decorrência da agravação pela alínea a) do n.º 2 do art. 204.º ex vi art. 210.º, n.º 2, al. b), todos do Código Penal.

Texto Integral


Acordam na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. O tribunal coletivo do Juízo Central Criminal do .../Juiz ..., procedeu ao julgamento do arguido AA, melhor identificado nos autos, e proferiu acórdão nos presentes autos, em 15 de janeiro de 2025 (Ref.ª Citius ......26), tendo deliberado, entre outras determinações, condenar o mesmo, nos termos seguintes:

«- Pela prática, em autoria material, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1 e 2, 204º n2 a) do Código Penal, (absolvendo-se da agravante da f) do artº 204º do CP ) na pena de 6 anos de prisão;

(…)

Considerar vantagem patrimonial da atividade criminosa do arguido e, como tal, declarar perdida a favor do Estado a quantia de € 6.813,00, condenando-o no seu pagamento».

2. Dessa decisão, recorreu o arguido AA para o Tribunal da relação de Lisboa (doravante, também “TRL”), em 11-02-2025 (Ref.ª Citius .....59), apresentando as conclusões seguintes (transcrição):

«1 – O presente recurso versa sobre matéria de direito.

2 - O recorrente não se pode conformar com o douto acórdão que o condenou pela prática de um crime de roubo qualificado na pena de 6 anos de prisão.

3 – Por se revelar exagerada e desproporcional aos factos praticados pelo ora recorrente.

4 – Dá-se por reproduzido o relatório social do arguido.

5 – O arguido foi condenado pela prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelos artigos 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), do código Penal, por referência aos artigos 204.º, n.º 2, alíneas a) e f), e 202.º, alínea b), do mesmo diploma e artigo 4.º do Decreto- Lei n.º 48/95, de 15 de março, cuja moldura penal prevista é de 3 a 15 anos de prisão.

6 - Salvo melhor opinião, entende-se que o Tribunal “a quo” não valorou condignamente todos os elementos que indicam uma menor exigibilidade para aplicação de uma pena de seis anos de prisão.

7 - Senão vejamos; O arguido cometeu o crime de roubo num quadro de grave depressão e desespero emocional, causados por dificuldades económicas e instabilidade laboral.

8 - O arguido orientou toda a sua vida pela integração laboral, tendo emigrado para o ... onde trabalhou durante vários anos e após regressar a RAM, foi trabalhando de forma precária o que contribuiu para a sua instabilidade emocional e depressão.

9 - O arguido é primário.

10-O arguido é pai de três filhos menores, que dele dependem economicamente.

11 - Apesar do crime praticado pelo arguido o mesmo tem vindo a ter o apoio da família e amigos que o visitam regularmente no Estabelecimento Prisional e inclusive têm vindo a ajudar a sua cônjuge financeiramente afim de contribuir para o pagamento da prestação bancária.

12 - O arguido confessou os factos tendo-se mostrado deveras arrependido dos factos praticados.

13 - O Tribunal “a quo” condenou o arguido numa pena de prisão severa, desconsiderando factores de atenuação da pena nomeadamente a recuperação quase integral da quantia subtraída, o que reduz significativamente o prejuízo para a lesada, limitando o prejuízo efetivo a 6.813,00 euros.

14 - Resulta que o arguido apesar de ter sido condenado pela prática de um crime de roubo qualificado e de se ter dado como provado que para a prática do crime fez uso de uma arma verdadeira ou atuando como tal, entende-se que foi desvalorizado as declarações do arguido que confessou ter utilizado uma arma de brincar a que acresce o facto da arma nunca ter sido aprendida desconhecendo-se se tinha natureza letal para a vida humana.

15 - Apesar dos actos praticados pelo arguido serem gerenciadores de situações de angústia, aflição e sofrimento nas vítimas, o arguido na sua atuação não recorreu a violência física sob os funcionários da ....

16 - O Tribunal “a quo” não pode atender como factor agravante para a aplicação de uma pena severa o facto do arguido ter praticado os factos tendo como lesada a ....

17 - Até porque o legislador ao prever as penas abstratas, atende não só à danosidade social das condutas, mas também à sua frequência e, consequentemente, às necessidades de prevenção geral. Por isso, considerações sobre a necessidade da punição do crime de roubo, em geral violam a proibição da dupla valoração que não podem ser atendidas pelo tribunal.

18 - Defende-se que a pena aplicada ao ora recorrente é deveras exagerada e desproporcional.

19 - O arguido em ambiente prisional tem vindo a pautar-se pelo cumprimento das regras impostas revelando um comportamento normalizado e beneficiando de saídas para consultas de psiquiatria.

20 - Deverá considerar-se que a pena aplicada ao recorrente não é proporcional à culpa e à gravidade dos factos praticados, razão pela qual se defende que a pena aplicada negligenciou a sua função de ressocialização e atendeu apenas à sua função punitiva.

21 - Em contexto prisional o arguido tem mantido bom comportamento respeitando as regras que lhe foram impostas sem notícias de infrações.

22 - O arguido tem apoio dos familiares e amigos que o visitam regularmente no EP1.

23-A pena de 6 anos de prisão é deveras exagerada e desproporcional, violando os princípios consagrados nos artigos 70.º e 71.º do C.P., pelo que deverá ser atenuada e assim reduzida.

24-Razão pela qual se afigura adequada uma pena de prisão que não ultrapasse os cinco anos de prisão, contribuindo desta forma, para a sua futura ressocialização atendendo a que todos os elementos indicam a fraca probabilidade de vir a delinquir no futuro.

Nestes termos, e nos mais de direito deverá ser dado provimento ao presente recurso,

Como é de

JUSTIÇA»

3. A Senhora magistrada do Ministério Público também recorreu daquele acórdão do tribunal coletivo do Funchal, em 17-02-2025 (Ref.ª Citius .....02), apresentando as seguintes conclusões:

«I. A nossa discordância reporta-se exclusivamente à qualificação jurídico-penal efetuada pelo Tribunal a quoe, porconseguinte, à medida concreta da pena em que foi condenado o arguido AA.

II. Entende o Ministério Público que o Tribunal a quo não deveria ter desqualificado o roubo, nos termos da alínea f), do n.º 2, do artigo 204.º, ex vi, artigo 210.º, n.º 2, alínea b), ambos do Código Penal.

III. Neste sentido, discordando da qualificação efetuada pelo Tribunal a quo, remete-se para a jurisprudência e doutrina indicada e transcrita na motivação que aqui se dá por reproduzida.

IV. Na verdade, bem conhecemos a divergência jurisprudencial quanto à interpretaçãodanormaínsitanaalíneaf),don.º2,doartigo204.º,doCódigo Penal.

V. Por um lado, temos um entendimento, considerado objetivo, para o qual o fundamento da qualificativa radica no perigo objetivo que a utilização da arma pode provocar, exigindo que a “arma” em si seja idónea para criar efetivo perigo para a vítima e, nessa medida uma réplica de uma arma não acarreta um acréscimo de efetivo perigo real para a vítima.

VI. Por outro lado, há o entendimento, dito subjetivo, que considera que o fundamento dessa mesma qualificativa reside no impacto intimidatório que um objeto que em tudo se assemelha a uma arma, tem na vítima, pois que potenciaumamenordefesa,oquepermiteosucessodaatividadecriminosa

VII. Há ainda a acrescentar o argumento literal das expressões utilizadas na norma – arma aparente ou oculta, sendo que aparente significa, não só “evidente, manifesto, visível” como o que “parece real ou verdadeiro, mas não o é”, o que é “falso, fictício, fingido” ao contrário de “real, verdadeiro”.

VIII. Assim arma “aparente” é aquela que é exibida perante a vista do ofendido ou seja, é visível, por contraposição à arma “oculta”, sendo também, de acordo com o seu significado etimológico, o que parece real, mas não é.

IX. Por outro lado, é o próprio legislador, na Lei 5/2006, de 23 de fevereiro - Regime Jurídico das Armas e Munições, no artigo 2.º n.º 1, alínea aan), a incluirinstrumentos,taiscomoa “armabrinquedo”(alínea aan), o“aerossol de defesa” (alínea a), o “arco” (alínea b), a “arma biológica” (alínea l), a “arma branca” (alínea m) a “arma elétrica” (alínea o), o “marcador de paintball” (alínea ah), o “bastão elétrico” (alínea am), o “bastão extensível” (alínea an), a “faca de arremesso” (alínea au), a “reprodução de arma de fogo” (alínea aac) e obviamente, entre inúmeras outras, a “arma de fogo” (alínea p).

X. Dentro deste conceito de arma estarão incluídas as situações em que o agente do roubo ameaça a vítima com um instrumento, que apesar de não ser classificado como arma pela legislação em vigor, possa ser utilizado como objeto de agressão, apesar de ter outra função de uso.

XI. Assim, o conceito de “arma”, não se cinge apenas aos instrumentos expressamente elencados no mencionado normativo.

XII. Com efeito, consideramos que arma para efeito do disposto na alínea f), do n.º 2,do artigo204.º, doCódigoPenal, équalquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou possa ser utilizado para tal fim.

XIII. Assim, tendo o arguido atuado fazendo uso de uma arma de fogo (pistola)

ou, pelo menos, de um objeto que tinha a aparência e a configuração de uma

arma de fogo (pistola), bem como de arma de natureza corto-contundente

de características nãoconcretamenteapuradas,praticouumcrimederoubo

qualificado, nos termos conjugados dos artigos 210.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b)

e 204.º, n.º 2, alíneas a) e f), ambos do Código Penal.

XIV. Por conseguinte, tendo o arguido praticado um crime de roubo qualificado,

previsto e punível nos termos conjugados dos artigos 210.º, n.º 1 e n.º 2,

alínea b), porreferência aoartigo20.º, n.º 2,alíneasa)e f), ambos doCódigo

Penal, impõem-se uma nova dosimetria da pena aplicada.

XV. De acordo com o artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal “A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa”, sendo a culpa um dos elementos fundamentais em sede de aplicação de penas, bem como o seu limite intransponível.

XVI. No caso vertente, são particularmente elevadas as exigências de prevenção

geral, uma vez que está em causa a proteção de vários bens jurídicos, o que

provoca justificado temor na comunidade, abala a confiança que esta deve

ter na eficácia do sistema penal, e impõe, consequentemente, uma

necessidade acrescidade dissuadira prática destesfactos pelageneralidade pessoas e deincentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes

e eficazes. E

das pessoas e deincentivar a convicção de que as normas penais são válidas

e eficazes.


das pessoas e deincentivar a convicção de que as normas penais são válida e eficazes.

XVII. Face ao elevadíssimo grau de ilicitude dos factos, ao circunstancialismo eque os mesmos ocorreram; a existência de dolo direto (na sua forma mais intensa), a culpa manifestado nos factos e os reflexos tidos na vida das vítimas e impacto no seio da comunidade, entendemos que deverá o arguido AA ser condenado na pena de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão.

XVIII. Pelo exposto, por se considerar que o Tribunal a quo não procedeu à correta qualificação jurídico-penal e, nessa medida, violou as normas dos artigos 40.º, 71.º, 210.º, n.º 2, alínea b) e 204.º, n.º 2, alínea f), todos do Código Penal deverá ser dado provimento a esta pretensão e, consequentemente deverá ser alterada a qualificação jurídica, condenando-se o arguido na pena de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão.

Vossas Ex.ªs, porém, decidirão como for de

JUSTIÇA !»

4. Admitidos os recursos por despacho da Senhora juíza de Direito Presidente do Coletivo, de 26-02-2025 (Ref.ª Citius ......17), respondeu a Senhora magistrada do Ministério Público junto do tribunal de 1.ª Instância em 27-03-2025 (Ref.ª Citius .....56) ao recurso do arguido, suscitando a questão prévia da incompetência do Tribunal da Relação de Lisboa para conhecer do recurso do arguido, nos termos do art. 432.º, n.ºs 1, al. c) e 2, do CPP, do qual se destacam as seguintes conclusões (transcrição):

«(…)

1. O recorrente foi condenado, para além do mais, pela prática como autor material e na forma consumada de um crime de roubo agravado, previsto e punido nos termos conjugados dos artigos 210.º, n.º 1 e n.º 2, 204.º n.º 2, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão.

2. O arguido discordando da decisão proferida no que respeita à pena concreta

aplicada, interpôs recurso.

3. Sucede que a medida da pena, face aos factos apurados, mostra-se criteriosa e adequada ao caso concreto submetido a juízo, uma vez que está de acordo com os critérios legais.

4. O Tribunal a quo aplicou escrupulosamente os critérios legais, fornecidos pelos artigos 40.º, 71.º, 77.º e 78.º do Código Penal, na determinação da pena de 6 anos de prisão, a qual se mostra, dentro da sua moldura abstrata, justa e criteriosa, dando expressão acertada às exigências de prevenção, especial e geral, que no caso em apreço se faziam sentir.

5. Não se mostram, pois, violados, por qualquer forma, quaisquer preceitos legais ou princípios, designadamente os referidos pelo Recorrente.

Termos em que, deverá ser negado provimento ao recurso

e, em consequência, ser confirmada a decisão recorrida.

Porém, Vossas Ex.ªs, decidirão como for de

JUSTIÇA!»

5. Uma vez no Tribunal da Relação de Lisboa (doravante, também “TRL”), a Senhora Desembargadora relatora ali em funções, por despacho de 08-05-2025 (Ref.ª Citius ......50), na sequência do promovido pelo Senhor Procurador-geral-adjunto ali em funções, e ao abrigo do preceituado no art. 432.º, n.ºs 1, al. c) e n.º 2 do CPP, decidiu declarar a incompetência deste Tribunal da Relação de Lisboa para o julgamento dos recursos e ordenar, em consequência, que os autos fossem remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça por ser o competente.

6. Já neste STJ, o Senhor Procurador-geral-adjunto aqui em funções emitiu parecer nos termos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, em 14-05-2025 (Ref.ª Citius ......19), de cujas considerações se destacam os seguintes trechos:

«(…)

Daqui que, se se entende que o recurso do Ministério Público não deverá proceder no que se refere à pistola que se desconhece se não seria um mero ‘brinquedo’ dos filhos do arguido (note-se que na fundamentação da decisão se refere que nesse sentido terão sido as declarações prestadas por este), a seguir-se a corrente objetiva que nos parece mais correta, já deverá merecer procedência quanto a entender-se o crime de roubo igualmente agravado pela utilização da faca empunhada pelo arguido na sua prática, por aplicação conjugada do artº 210º, nº 2, al. b) e artº 204º, nº 2, al. f), ambos do Código Penal.

(…)

Entendemos, no presente parecer, que não se justifica alteração da pena aplicada ao arguido, de 6 anos de prisão, por a considerarmos adequada, atentos todos os elementos constantes na decisão para a sua escolha.

Na verdade, se bem que pugnando pela agravação do crime nos termos atrás mencionados, pela alínea f) do nº 2 do artº 204º do CP, certo é que a moldura legal se mantém, por via da agravação que na decisão recorrida foi entendida como operante, a do elevado valor subtraído (artº 204º, nº 2, al. a), do CPenal). E a circunstância de não ser o crime agravado apenas por uma, mas sim por duas vias, não pode justificar o que constituiria uma dupla agravação por via das mesmas circunstâncias: há a notar que a decisão recorrida já teve em conta o recurso do arguido à intimidação para a prática dos factos, pelo que o simples facto de a sua conduta integrar uma outra alínea não pode, por si só, levar – em nosso entender, obviamente – a um acréscimo de pena.

Pena que se entende ser a adequada por todas as razões expostas na decisão, que nos dispensamos aqui de repetir, apenas nos permitindo salientar as particulares exigências de prevenção especial que se fazem sentir, com a acrescida necessidade de dissuadir a prática de atos da mesma natureza, aliadas às também muito fortes necessidades de prevenção especial, atento o facto de se estar perante um arguido que, de modo reflexivo e apenas por via de dificuldades de integração laboral e problemas financeiros, planeou e executou de forma fria e insistente o crime de roubo.

Consequentemente, entende-se pela improcedência do pedido de redução da pena que o mesmo formula no seu recurso, lembrando que está nas suas mãos a possibilidade de, na prática, através de licenças de saída e da concessão de liberdade condicional, ver reduzido o tempo de efetivo cumprimento da pena.

Em conclusão:

i) - Este Supremo Tribunal é, por força do artº 432º, nº 1, al. c), do CPP, o competente para apreciar os recursos interpostos da decisão, por esta ter sido proferida por tribunal coletivo, ter aplicado pena superior a 5 anos de prisão e versarem os recursos apenas acerca da matéria de direito;

1. ii) - O recurso interposto pelo Ministério Público deverá ser julgado parcialmente procedente, pois que: (a) - Sendo dado como provado que o arguido praticou o crime de roubo com utilização, para amedrontar as vítimas, de uma faca, isso faz integrar o crime na agravação prevista pela conjugação dos artºs. 204º, nº 2, al. f) e 210º, nº 2, al. b), ambos do Código Penal.

  (b) - Ocorrendo tal agravação mesmo sem que se tenha conseguido o exame de tal objeto, para tal bastando que tenha sido dado como provado, como foi, que era um objeto corto-contundente;

  (c) - No entanto, já quanto à pistola, desconhecendo-se se tratava efetivamente uma arma de fogo, a agravação não deve operar, seguindo-se a corrente jurisprudencial que entende que esta só é de aplicar quando se está perante uma arma real, perante uma situação objetiva de maior perigosidade;

  - Quanto aos recursos do Ministério Público e do arguido que pedem, respetivamente, um agravamento e uma redução da pena de 6 anos aplicada pelo tribunal a quo, entende-se deverem ser julgados improcedentes:

- No caso do recurso do MºPº por a pena aplicada o ter sido já por crime agravado em razão do valor da subtração (artº 204º, nº 2, al. a), do CP) e ter sido escolhida tendo em conta a forma de atuação do arguido, através de intimidação das vítimas; e

- No caso do recurso do arguido, por nada do que o mesmo invoca afastar as fortes necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir, e tendo ainda em consideração a forma e motivos que levaram o arguido à prática dos factos.»

7. Notificado tal parecer ao arguido, nos termos do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, para, querendo, se pronunciar, o mesmo nada veio dizer.

8. Não tendo sido requerida audiência, colhidos os vistos, foram os autos julgados em conferência - artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

II.1. Fundamentação de facto (Factos provados e não provados)

9. Encontram-se provados, pelo acórdão recorrido, os seguintes factos (transcrição):

«(…)

1. No dia 12 de janeiro de 2023, a hora não concretamente apurada, mas antes das 07h36m, o arguido deslocou-se, no veículo da marca Volkswagen, modelo Polo, matrícula ..-..-TI e estacionou-o na Rua ..., em ....

2. De seguida, o arguido dirigiu-se, apeado, até à agência da ..., sita na Rua ..., em ..., permanecendo no exterior da mesma até à chegada dos funcionários daquela instituição bancária.

3. Pelas 07h30m, BB chegou ao local, subgerente daquele balcão, e dirigiu-se à zona da caixa ATM ali existente, enquanto o arguido aguardou no exterior.

4. Pelas 07h36m, BB decidiu aceder ao interior das instalações do balcão da ..., de forma a iniciar as suas funções.

5. Nesse momento, o arguido, enquanto BB colocava as chaves na porta interior daquele balcão, entrou nas instalações e encostou uma arma de fogo(pistola), ou, pelo menos, um objeto com a aparência e a configuração de uma arma de fogo (pistola), na direção das suas costas e disse-lhe, várias vezes, “desliga o alarme, já”.

6. De imediato, BB virou-se na direção do arguido e, ao ver que ele tinha uma arma de fogo, gritou e pediu-lhe que não lhe fizesse mal.

7. Ato contínuo, o arguido empurrou BB para o interior do banco, ao mesmo tempo que ordenou que desligasse o alarme, e conduziu-o para o local onde saía o som do alarme.

8. Por ter temido pela sua vida e pela sua integridade física, BB desligou o alarme e ligou todas as luzes.

9. De seguida, o arguido disse a BB “Onde é o cofre? Vai-me abrir o cofre”, tendo este retorquido que era muito cedo para abrir o cofre e que o mesmo só abria após a chegada do seu colega.

10. De imediato, o arguido, empunhou uma arma de fogo (pistola), ou, pelo menos, um objeto com a aparência e a configuração de uma arma de fogo (pistola) na mão direita e uma faca, de características ainda não concretamente apuradas, na mão esquerda, e forçou BB a dirigir-se para a zona do cofre.

11. Durante o percurso até à zona do cofre, o arguido apontou a arma de fogo e a faca na direção de BB, ao mesmo tempo que lhe dizia “vá, vá, leva-me ao cofre, leva-me ao cofre”, bem como o questionou quanto ao montante existente no interior do cofre.

12. Ao chegar à zona do cofre, e como o mesmo estava fechado com gradeamentos, o arguido ordenou a BB que se sentasse no chão e deu-lhe umas abraçadeiras, ordenando-lhe que prendesse os seus pés e mãos.

13. Por ter temido pela sua vida e pela sua integridade física, BB acedeu e amarrou os seus pés, não tendo conseguido prender as suas mãos.

14. Após, o arguido retirou o telemóvel de BB e colocou-o fora do seu alcance.

15. O arguido permaneceu alguns instantes junto de BB e questionou-o pelo seu colega, tendo ele respondido que o mesmo só chegava pelas 8 horas.

16. Pouco depois das 8h, CC, funcionário do balcão da ..., entrou nas instalações e dirigiu-se ao gabinete de BB e depois à zona interdita a clientes, tendo, de imediato, o arguido apontado uma arma de fogo (pistola), ou, pelo menos, um objeto com a aparência e a configuração de uma arma de fogo (pistola) às costas daquele, ao mesmo tempo que lhe ordenou que continuasse em frente.

17. Por ter temido pela sua vida e integridade física, CC, seguiu em frente e o arguido disse-lhe “anda, anda que o teu colega tá la ao fundo”.

18. De seguida, o arguido retirou o telemóvel a CC e ordenou-lhe que se sentasse junto de BB.

19. O arguido disse a CC que a chave do cofre pertencente a BB estava no chão e que pretendia abrir o cofre, tendo CC dito que o cofre demorava tempo a abrir.

20. Não obstante, o arguido ordenou a CC que abrisse o cofre, tendo este respondido, que se abrissem o cofre, o alarme iria disparar.

21. O arguido questionou como se desativava o alarme e obrigou CC a deslocar-se à zona exterior para desativar o alarme.

22. Após, o arguido dirigiu-se, juntamente com CC, à zona do cofre e ordenou-lhe que abrisse o cofre, o que este fez por ter temido pela sua vida e pela sua integridade física.

23. O arguido questionou-os quanto tempo demorava o cofre a abrir, tendo CC respondido que demorava cerca de 15 minutos.

24. De imediato, o arguido ordenou que CC se sentasse no chão e amarrasse BB com as abraçadeiras que ali se encontravam.

25. Durante o período dos 15 minutos em que o cofre não abria, o arguido não permitiu que CC e BB saíssem do local e questionou-os várias vezes sobre quanto tempo faltava para o cofre abrir.

26. A hora não concretamente apurada, mas ainda durante os 15 minutos de abertura retardada do cofre, DD, funcionária do Balcão da ..., chegou ao seu local de trabalho, abriu a porta e acedeu o interior das instalações.

27. Quando DD se encontrava no corredor que dá acesso ao cofre, o arguido aproximou-se dela, empunhando na mão direita uma arma de fogo (pistola), ou, pelo menos, um objeto com a aparência e a configuração de uma arma de fogo (pistola), e disse-lhe “Não digas nada, isto não é uma brincadeira, deixa as tuas coisas aí e junta-te aos teus colegas”, bem como lhe perguntou se ela tinha telemóvel.

28. Por ter temido pela sua vida e integridade física, DD sentou-se junto de CC e BB.

29. De imediato, o arguido ordenou a CC que prendesse as pernas de DD com as abraçadeiras que ali se encontravam.

30. Quando o cofre abriu, o arguido disse a CC: “Pega nessa chave e vai abrir o cofre! Esse saco é para pores aí o dinheiro” e entregou-lhe o saco de ráfia, de cor vermelha, branco e azul.

31. Por ter temido pela sua vida e pela integridade física, CC apanhou a chave do chão e o saco, e dirigiu-se ao cofre, munido da sua chave e da chave de BB, e abriu-o, ao mesmo tempo que o arguido permanecia atrás de si com a arma de fogo apontada na sua direção.

32. De seguida, o arguido ordenou que CC colocasse no interior do saco todas as notas existentes no interior do cofre, bem como todas as moedas de 2 €, 1 € e 0,50 €.

33. Uma vez que o saco ficou pesado, o arguido disse a CC para retirar as moedas, o que este fez, seguindo sempre as ordens daquele.

34. Após, o arguido ordenou a CC que fechasse o cofre e se sentasse junto de BB e de DD, o que este fez.

35. O arguido ordenou depois a CC, BB e DD se amarrassem uns aos outros, com recurso às abraçadeiras, o que estes fizeram, bem como lhes disse que não fizessem nenhuma asneira dado que tinha lá fora um colega que o vinha ajudar.

36. De seguida, o arguido saiu da zona do cofre, na posse do saco de ráfia contendo no seu interior a quantia de cerca de 214.965,00 € (duzentos e catorze mil, novecentos e sessenta e cinco euros).

37. Em hora não concretamente apurada, mas anterior às 8h 22, EE, cliente do banco, entrou na antecâmara da ....

38. Pelas 08h22m, FF, funcionária do balcão da ..., chegou ao local, e tocou à campainha, esperando que um dos seus colegas lhe abrisse a porta.

39. Pelas 08h25m, chegou ao local, GG, funcionária da ....

40. Nesse momento, o arguido abriu a porta, e empunhando a arma de fogo na direção delas, ordenou-lhes que entrassem.

41. Por terem temido pela sua vida e pela sua integridade física, FF, GG e EE entraram no interior das instalações e o arguido encaminhou-as para a zona onde se encontravam os demais funcionários do banco.

42. Ali chegado, o arguido ordenou-lhes que amarrassem os pés com recurso a abraçadeiras que lhes entregou, bem como lhe dessem os telemóveis, o que estas fizeram.

43. Após, o arguido saiu do local, levando consigo a quantia de cerca de 214.965,00 € (duzentos e catorze mil, novecentos e sessenta e cinco euros) que fez sua e integrou no seu património, contra a vontade e sem o consentimento da sua legítima proprietária, encetando fuga para parte incerta.

44. No dia 17 de janeiro de 2024, o arguido tinha no interior da sua residência, sita na Rua da ... em ..., o valor global de € 208. 152,00 (duzentos e oito mil e cento e cinquenta e dois euros).

a. No interior do seu quarto: um maço de notas de 100 €, cinco maços de notas de 50 €, vinte e cinco maços de notas de 20 € e quinze maços de notas de 10 €;

b. Na cave, no interior de um cofre de parede trancado, oculto com um quadro do Benfica: três maços de notas de 50 €; vinte e quatro maços de notas de 20 €; quinze maços de notas de 20 €; quinze maços de notas de 10 €; quatro notas de 500 €, oitenta e nove notas de 100 €, trinta e sete notas de 200 €; cem notas de 10 €, cinco sacos contendo moedas de 1 €; oito sacos contendo moedas de 1 €, oito sacos contendo moedas de 0,20 € e um saco contendo moedas de 0,50 €.

c. Na cave, no interior do móvel bar:

i. um saco da marca “Fila”, contendo no seu interior um maço de notas de 50 €, quatro maços de notas de 10 €, uma nota de 50 € e cinquenta notas de 10 €;

ii. um saco da marca “Sport”, contendo no seu interior, vinte e uma notas de 10 €, um saco contendo notas de 0,20 €, um saco aberto contendo moedas de 0,50 € e cento e quarenta e cinco moedas de 1 €;

iii. uma caixa de material de construção, contendo abraçadeiras plásticas, de cor preta;

iv. um saco plástico reforçado com alças, cor padrão vermelha e azul

45. O arguido previu e quis atuar da forma descrita com o propósito concretizado de fazer sua a referida quantia monetária, que integrou no seu património, mediante o uso de expressões e atos idóneos a intimidar e perturbar o sentimento de segurança de CC, BB, DD, GG, FF e EE sendo que tais expressões revestiram foros de seriedade e provocaram nestes receio e inquietação, afetando-os na sua liberdade, evitando que eles reagissem com receio do que ele pudesse fazer contra as suas vidas e integridades físicas, o que conseguiu.

46. O arguido previu, quis e conseguiu atuar da forma descrita, com o propósito de intimidar CC e de BB, mediante a exibição de uma arma de fogo (pistola) ou, pelo menos, de um objeto que tinha a aparência e a configuração de uma arma de fogo (pistola), bem como de uma arma de natureza corto-contundente, e assim os constranger e determinar, enquanto funcionários da ..., a abrirem o cofre e entregar-lhe a quantia monetária existente no seu interior, para dela se apoderar e integrar no seu património, sem a autorização e contra a vontade da instituição de crédito sua dona, bem sabendo que não tinha qualquer direito à mesma.

47. O arguido atuou fazendo uso de uma arma de fogo (pistola) ou, pelo menos, de um objeto que tinha a aparência e a configuração de uma arma de fogo (pistola), bem como de arma de natureza corto-contundente, bem sabendo que as mesmas eram adequadas a neutralizar ou dificultar qualquer reação por parte de DD, CC e de BB.

48. O arguido previu e quis com o seu comportamento constranger CC e BB a entregar-lhe a quantia em dinheiro, existente no interior do cofre, que sabia ser de valor consideravelmente elevado, para dela se apoderar, fazê-la sua e integrá-la no seu património.

49. O arguido previu e quis atuar com o propósito concretizado de manter CC, BB e DD, cativos no interior do banco, e de os privar das respetivas liberdades de ação e de movimentos, recorrendo para o efeito ao uso de arma de fogo (pistola) ou, pelo menos, de um objeto que tinha a aparência e a configuração de uma arma de fogo (pistola), anunciando que lhes faria mal, caso não atuassem conforme lhes ordenou.

50. O arguido, já na posse do saco de ráfia contendo no seu interior a quantia monetária de € 214,965,00 (duzentos e catorze mil, novecentos e sessenta e cinco euros), atuou da forma de descrita nos pontos 37 a 42 com o propósito concretizado de manter GG, FF e EE, cativas no interior do banco e de as privar das respetivas liberdades de ação e de movimentos, recorrendo para o efeito ao uso de arma de fogo (pistola) ou, pelo menos, de um objeto que tinha a aparência e a configuração de uma arma de fogo (pistola), anunciando que lhes faria mal, caso não atuassem conforme lhes ordenou, por forma a encetar fuga.

51. O arguido previu e quis atuar da forma descrita, bem sabendo que CC, BB, DD, FF, GG eram trabalhadores da ..., S. A., que é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente pública, sendo por isso funcionários públicos, e que se encontravam na referida agência bancária, no exercício das suas funções e por causa delas, tendo agido determinado por essa qualidade.

52. O arguido atuou de forma livre, voluntária deliberada e consciente, com plena capacidade de determinação segundo as legais prescrições, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

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Resultantes da Discussão da Causa

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O arguido encontra-se no EP1 desde 17/01/2024, preso preventivamente à ordem do presente processo.

À data dos factos constantes na acusação vivia na morada acima, junto da esposa, HH, de 41 anos, empregada de limpezas, dos três filhos do casal, de 16, 13 e 6 anos e da sogra, II, 61 anos, pensionista. Foi retratada uma dinâmica familiar estável e apoiante, sendo o arguido reconhecido positivamente no seu papel conjugal e parental.

A casa de morada corresponde a uma moradia V3, com boas condições de habitabilidade e conforto, que foi adquirida em 2022, quando decidiram regressar à RAM, depois de 15 anos de emigração no ....

AA tem habilitações escolares de 6º ano, uma vez que desistiu da escola antes de ter concluído o 9º ano, motivado por começar a trabalhar e ganhar o próprio dinheiro.

À data dos factos na origem do presente processo, AA trabalhava havia menos de um mês como motorista/distribuidor na Empresa de ..., o que lhe iria permitir um vencimento mensal de 1000€. Até então, desde que regressou definitivamente à RAM em março/ 2023, foi trabalhando de forma precária, através de agências de prestação de serviços, em funções diversas, entre motorista, montagem de estruturas, serralharia e distribuição de bebidas.

No seu percurso profissional anterior sobressaem, ainda, outras experiências como as de servente de pedreiro, serralheiro e bate chapas. Durante o período de imigração esteve vinculado a duas empresas de distribuição alimentar onde, segundo refere, progrediu até à categoria de encarregado geral.

Como fontes de rendimento foram reportados os salários do casal, num total aproximado de 1700€, prestações sociais de abono de família dos filhos de 200€ e pensão de viuvez da sogra, de 220€.

Apresentam como encargos fixos, a amortização da casa, no valor de 1000€ e 150€ de água, luz e comunicações, os mesmos que se observavam à data dos factos e que constituíam fator de stress, pelas dificuldades em fazer face à situação, pese embora reportassem uma gestão parcimoniosa dos recursos.

Desde que o arguido foi preso, os seus familiares de origem estão a contribuir para assegurar o pagamento da as prestações da casa até ao final do ano 2024.

Revelou dificuldades em lidar com a instabilidade laboral e financeiras que vivenciou aquando do regresso definitivo à RAM, situação que foi sendo vivida com progressiva ansiedade e que deu azo ao pessimismo e desespero face ao futuro. Segundo o próprio, foi neste quadro emocional que veio a desenvolver ideias suicidas, que não partilhava com ninguém.

Possui um leque alargado de relações familiares e sociais bem patente no número extenso de visitas de familiares e amigos durante o presente período de prisão preventiva.

AA é arguido primário. Ainda que apresente uma narrativa de atribuição ao estado emocional de desespero e visão catastrófica do futuro, admite a oportunidade deste confronto com o sistema de administração da justiça penal e da sua responsabilidade na situação.

Auto recrimina-se também do impacto na família pela situação prisional em que se encontra, lamentando a falta do contributo do seu trabalho para a economia comum.

No contexto prisional, tem sido alvo de medidas de prevenção do suicídio. O seu comportamento e relacionamento interpessoal tem sido globalmente correto. Encontra-se afeto ao trabalho na cozinha.

Foram-lhe autorizadas saídas para consultas de psiquiatria no exterior e encontra-se medicado por esta especialidade.

Conta com apoio exterior regular, traduzido nas visitas assíduas de vários elementos da família e de amigos, os quais se mostram solidários e com iniciativas de apoio, como ajudas pecuniárias à esposa, para tratar de assuntos relacionados com o processo e a prisão.

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O arguido não tem antecedentes criminais.

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Do pedido cível da demandante GG:

Com atuação do arguido a ofendida temeu pela sua integridade física, sentiu-se e sente-se receosa, ansiosa, nervosa e insegura no meu local de trabalho e com receio de passar novamente por tal situação, evitando de chegar antes da hora de abertura do balcão.

A ofendida ficou traumatizada com consequências na sua vida pessoal na vida e social, tendo sido alvo de humilhação pela parte de clientes e inclusive pessoas na rua a fazerem comentários, tais como “ os culpados estão atrás da secretária”, tendo sido gozada. Tais comportamentos e comentários fizeram-na sentir muito fragilizada, envergonhada, e com raiva das pessoas, inibindo-a de frequentar locais públicos.

A ofendida foi atendida no MMC em consequência da conduta do arguido onde fez consulta, exames médicos e medicação nos dias 29.02.2024 e 07.03.2024, o que importou em 94.24€ suportados pela ofendida.

Do pedido cível do demandante JJ:

Com a conduta do arguido e ao sentir uma pistola encostada ao seu corpo, o ofendido temeu pela sua vida.

Sentiu-se, como ainda hoje, inseguro, ansioso, receoso, preso, nervoso e com receio de que tal situação se volte a repetir.

Ficou traumatizado e teve que frequentar consultas de psicologia.

Nos dias seguintes ao sucedido foi humilhado publicamente, sendo-lhe dirigidas expressões como “ estavas feito com ele, também vais preso”, “o culpado és tu e não ele”, tirando-lhe a vontade de ir trabalhar e sair de casa.

Do pedido cível da demandante ...:

Com a sua actuação o Arguido conseguiu apropriar-se da quantia total de € 214.965,00, pertencentes à ....

Na sequência das buscas levadas a cabo no domicílio do Arguido, foi apreendido a favor dos autos o valor de € 208.152,00, valor esse já devolvido à ...

Encontra-se, assim, a demandante, desembolsada da quantia de € 6.813,00, valor correspondente ao diferencial entre o valor de que o Arguido se apropriou e o valor de € 208.152, 00 que já se mostra devolvido à lesada.»

II.2. Mérito do recurso

10. Os poderes de cognição do tribunal de recurso são delimitados pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 434.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de Jurisprudência STJ n.º 7/95, DR-I.ª Série, de 28-12-1995), os quais devem resultar diretamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21-02), o que não resulta da análise do acórdão recorrido.

11. Da motivação e das conclusões do recurso interposto pelo arguido AA, podemos inferir que o mesmo versa exclusivamente matéria de direito e pretende sindicar o acórdão recorrido, relativamente à decisão sobre a medida da pena concretamente aplicada, de 6 anos de prisão, pugnando pela sua redução para cinco anos de prisão.

O Ministério Público junto do tribunal recorrido, bem como neste STJ, opõe-se a tal pretensão.

12. Por seu turno, o Ministério Público pugna, no seu recurso, pela necessidade de qualificação do crime de roubo, face à utilização de um instrumento semelhante a uma arma de fogo, nos termos da alínea b) do n.º 2 do art. 210.º e pela alínea f) do n.º 2 do art. 204.º do CP, impetrando, em consequência, a aplicação de uma pena de seis anos e oito meses de prisão.

O arguido não respondeu a este recurso.

13. Apreciemos, pois, as questões submetidas à apreciação deste Supremo Tribunal, iniciando com a apreciação da questão prévia da competência do STJ (para apreciar o recurso interposto pelo arguido AA)

O arguido AA dirigiu o seu recurso ao TRL.

O regime vigente do recurso per saltum resulta das últimas alterações da Lei n.º 94/2021, de 21-12.

Atualmente, no caso de o arguido circunscrever ao reexame de questões de direito o recurso de decisão de tribunal coletivo que condene em pena superior a cinco anos de prisão, cabe ao Supremo Tribunal a competência para o apreciar.

É notório que a motivação de recurso do arguido não encerra fundamentos aptos a sindicar a decisão [do tribunal recorrido] sobre matéria de facto, uma vez que não foram observados os requisitos e exigências do preceituado no art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP. É incontroverso que as questões suscitadas no seu recurso se circunscrevem à decisão em matéria de direito (concretamente, à medida da pena).

Por outro lado, não releva a circunstância de o arguido ter expressamente dirigido o seu recurso ao TRL, e não ao Supremo Tribunal de Justiça.

Sobre os pressupostos do regime atual do recurso per saltum, o Senhor Juiz Conselheiro Dr. Nuno Gonçalves, Vice-Presidente deste Supremo Tribunal de Justiça, já oportunamente teceu as seguintes considerações:

«2.4 Com o aditamento à norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do Código de Processo Penal aumentaram-se consideravelmente os fundamentos do recurso per saltum. Assim se designando o recurso direto para o Supremo Tribunal de Justiça, dos acórdãos finais proferidos pelos tribunais do júri ou coletivo de 1.ª instância que apliquem pena superior a 5 anos de prisão.

Enquanto na redação anterior os motivos deste recurso se cingiam, exclusivamente, ao reexame de matéria de direito, agora passou a poder interpor-se também “com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º” do Código de Processo Penal.

[…]

O Supremo Tribunal de Justiça, no julgamento de recurso per saltum, passou a sindicar, também mediante alegação dos recorrentes, da suficiência e da conformidade da lógica jurídica ao nível da decisão em matéria de facto ou de alguma nulidade insanável da decisão.

Os recorrentes que não impugnam o julgamento da facticidade alegando erro de julgamento, podem interpor recurso direto para o Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento em errada aplicação do direito ao caso – como anteriormente – e, agora, seja conjuntamente com aquela alegação, ou tão-somente com fundamento na invocação dos vícios e nulidades previstos no art.º 410.º n.ºs 2 e 3, desde que os evidenciem socorrendo-se unicamente do texto da decisão impugnada ou em confronto com as regras da experiência comum. No novo regime, o recorrente tem de recorrer, sem opção, diretamente, para o Supremo Tribunal de Justiça, interpondo um recurso de revista alargada (simultaneamente em matéria de direito e com fundamento nos erros-vício e nulidades insanáveis do acórdão atribuídos à decisão final dos tribunais do júri ou coletivo de 1.ª instância que tenha aplicado pena superior a cinco anos de prisão).

As Relações, resultaram, assim, aliviadas de parte considerável dos recursos que recebiam para reapreciar decisões daqueles tribunais. Resta-lhe competência para julgar recursos das decisões dos tribunais do júri e coletivos que apliquem pena superior a 5 anos, quando venha alegado erro de julgamento da matéria de facto, naturalmente, com especificada impugnação da concreta valoração das provas.» («Alterações ao regime do Recurso Ordinário», a Revista - Revista do STJ, N.º 1 – jan.-jun. 2022, pp. 93-94).

Esta posição, a que também se adere, parece ser a mais compatível com o atual figurino dos recursos per saltum em matéria penal, tendo sido acolhida na decisão sumária da Senhora Desembargadora relatora no TRL.

Considerando, pois, estarem verificados os requisitos do recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça – recurso de 1) acórdão final condenatório, proferido em coletivo, sendo a pena (única) aplicada superior a cinco (5) anos de prisão, e 2) sendo inequívoco que o arguido não sindica a decisão sobre matéria de facto em sentido próprio, antes visando o seu objeto exclusivamente o reexame de matéria de direito, é, pois, este Supremo Tribunal de Justiça, competente para a apreciação do presente recurso – artigos 399.º, 400.º a contr., 432.º, n.º 1, al. c), e 434.º do CPP.

Nos termos dos artigos 399.º, 400.º a contr., 432.º, n.º 1, al. c), e 434.º do CPP, consideramos, pois, ser este Supremo Tribunal de Justiça, hierárquico-funcionalmente competente para a apreciação do recurso do arguido.

14. Recurso do arguido AA

O arguido foi condenado por um crime de roubo qualificado, p.p. nos termos dos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b) e 204.º, n.º 2, al. a), do Código Penal (sendo absolvido da agravante da alínea f) do n.º 2 do artigo 204.º do CP), na pena de 6 anos de prisão.

O arguido pugna pela redução do quantum da pena para 5 anos de prisão.

Invoca, em tal sentido, que:

«(…) a pena aplicada é deveras injusta e desproporcional aos factos praticados pelo arguido.

(…)

Atendendo a que a finalidade da aplicação de uma pena tem por finalidade a tutela de bens jurídicos, não pode ser negligenciado a dimensão da reinserção do agente na comunidade, e é nesta dialéctica que tem de ser encontrado o quantum da pena adequada a cada caso concreto.

Tendo por base a moldura penal abstracta, que no caso “sub judice” é de três a quinze anos de prisão, entendeu o Tribunal que para o presente caso concreto a pena adequada era de seis anos de prisão. Entende a defesa que esta decisão viola os preceitos legais previstos no artigo 40.º e 71.º do Código Penal. Defende-se que aplicação de uma pena de prisão ao arguido que não ultrapassasse os cinco anos de prisão não violaria as expectativas da comunidade nem mesmo coloca em crise a função tultelar dos bens jurídicos protegidos.

O Tribunal “a quo” ao aplicar ao arguido uma pena de seis anos de prisão teve apenas como preocupação a dimensão punitiva da pena descurando a sua dimensão de ressocialização.

Atendendo ao quadro social e de saúde precária em que actuou é por demais evidente que o ora recorrente goza de um prognóstico favorável no sentido de não voltar a delinquir no futuro.

O Tribunal “a quo” na determinação da medida da pena não respeitou o previsto no n.º 2 do art.º 71.º do código Penal, por no entender da defesa não atendeu a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem “a favor do agente ou contra ele”.

Dos factos dados como provados resulta que o valor subtraído pelo arguido apesar de elevado valor ou seja a quantia de 214.965,00€ (duzentos e catorze mil novecentos e sessenta e cinco euros), defende-se que foi negligenciado o facto de ter sido recupado a quantia na sua quase totalidade, tendo a ... ficado lesada apenas no montante de 6.813,00€ (seis mil oitocentos e treze euros).

O arguido à data dos factos apesar de se encontrar integrado profissionalmemte não possuía estabilidade no seu posto de trabalho em resultado de ter regressado do estrangeiro onde se manteve emigrado durante vários anos e após regressar à RAM, apenas teve acesso a trabalhos precários o que lhe causava grande instabilidade emocional e financeira. Resulta inclusivé que o arguido à data dos factos, tinha um problema de saúde mental a qual se encontra sobre tratamento durante a sua reclusão no EP1.

O arguido apesar da sua idade não possui antecedentes criminais, tendo orientado toda a sua vida no cumprimento da legalidade na integração laboral, familiar e social. O arguido tem vindo a beneficiar do apoio de amigos e familiares durante todo o período temporal em que se encontra em prisão preventiva. O arguido agiu num quadro de instabilidade emocional e de dificuldades económicas que referira-se não é elemento para desconsiderar na sua actuação delituosa, atendendo a que sempre esteve integrado no mundo laboral, cumprindo com os seus encargos financeiros e com todas as despesas do seu agregado familiar. O arguido agiu num quadro de tensão e instablidade emocional e laboral.

O arguido confessou os factos tendo demonstrado arrependimento sincero perfeitamente visível na Audiência de Julgamento. Resulta ainda que apesar da actuação do arguido ser considerada grave, não menos verdade é o facto de no âmbito da sua atuação delituosa não utilizou violência física nas pessoas dos ofendidos.

O Tribunal “a quo” refere que “o arguido não se inibiu de protagonizar um comportamento criminoso grave, em que revelou uma assinalável indiferença pelos bens jurídicos tutelados pelas normas jurídicas violadas, e, consequentemente, uma personalidade desconforme com as mais elementares regras de convivência social”. Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária parece-nos adequado salientar que do Relatório Social do arguido é notório que o arguido manteve sempre o respeito pelas normas legais vigentes toda a sua vida e que a actuação delituosa, pelo qual foi condenado, se circunscreve num quadro de um problema de saúde mental por sofrer de uma grave depressão, a qual se encontra actualmente sob tratamento. Parece-nos adequado concluir que o arguido num outro quado circunstâncias nunca teria violado as nomas legais vigentes.

O arguido tem parcas habilitações escolares, uma vez que desistiu da escola antes de ter concluído o 9.º ano, motivado por começar a trabalhar. À data dos factos trabalhava havia menos de um mês como motorista/distribuidor na Empresa de ..., até então, desde que regressou definitivamente à RAM em março de 2023, foi trabalhando de forma precária, através de agências de prestação de serviços, em funções diversas, entre motorista, montagem de estruturas, serralharia e distribuição de bebidas.

No seu percurso profissional anterior sobressaem, ainda, outras experiências como as de servente de pedreiro, serralheiro e bate chapas. Durante o período de emigração esteve vinculado a duas empresas de distribuição alimentar.

Resulta da prova produzida que o arguido revelou dificuldades em lidar com a instabilidade laboral e financeira que vivenciou aquando do regresso definitivo à RAM, situação que foi sendo vivida, com progressiva ansiedade e que deu azo ao pessimismo e desespero face ao futuro. Segundo o próprio, foi neste quadro emocional que veio a desenvolver ideias suicidas, que não partilhava com ninguém.

O arguido possui atualmente o apoio de amigos e familiares que o visitam regularmente no EP1.

Conforme resulta do acórdão recorrido no contexto prisional, tem sido alvo de medidas de prevenção do suicídio. O seu comportamento no Estabelecimento Prisional tem-se revelado adequado não existindo registo de ter sido e sem alvo de quaisquer processos disciplinares, encontra-se afeto ao trabalho na cozinha.

Foram-lhe autorizadas saídas para consultas de psiquiatria no exterior e encontra-se medicado por esta especialidade.

O Tribunal “a quo” na sua fundamentação faz referência a actuação premeditada do arguido na prática dos factos pelos quais foi condenado, desvalorizando as suas declarações, nomeadamente, a sua confissão quando refere que a arma utilizada não passava de um brinquedo e mais relevante foi o facto da sua acção, ter sido efectuado num quadro de desespero emocional o que esvazia a premeditação, atendendo inclusivé que a prova é manifestamente insuficiente para se concluir nesse sentido, bem como, atendendo à não apreensão da arma utilizada para a prática do crime, razão pela qual não é possível concluir da capacidade letal do objecto utilizado para a prática do crime cometdo pelo recorrente.

O Tribunal utilizou argumentos subjetivos relacionados à frieza e aparente calma do arguido para justificar a pena, mas desconsiderou as circunstâncias atenuantes, como o seu desespero emocional e a ausência de antecedentes criminais na pena aplicada ao arguido.

O Tribunal “a quo” condenou o arguido numa pena de prisão severa, desconsiderando factores de atenuação relevantes no caso concreto, nomeadamente a recuperação quase integral da quantia subtraída (€208.152,00 de um total de €214.965,00), o que reduz significativamente o impacto do crime para a lesada ..., limitando o prejuízo efetivo a €6.813,00.

A confissão do arguido no essencial dos factos imputados, o que demonstrou uma atitude colaborativa com a justiça, ainda que tardiamente. A ausência de antecedentes criminais, sendo o arguido primário.

O estado emocional de desespero vivido à data dos factos, agravado por dificuldades económicas e ansiedade, conforme resulta dos factos provados.

Ignora o esforço demonstrado para minimizar os danos, evidenciado pela recuperação da quantia roubada.

Desconsidera o impacto socioeconómico negativo da prisão prolongada sobre a família do arguido, que depende do seu suporte financeiro.

Não reflete a necessidade de ressocialização do arguido, que, com acompanhamento adequado, apresenta um baixo risco de reincidência.

A pena aplicada pelo Tribunal “a quo” revela-se desproporcional, desconsiderando fatores que atenuam significativamente a culpa do arguido, bem como o impacto do crime.

À data dos factos, o arguido enfrentava uma grave depressão e desespero emocional causados por dificuldades económicas e instabilidade laboral. Esta condição, corroborada pelo relatório social e pelos factos dados como provados deve ser considerada para atenuar a gravidade da sua conduta, conforme prevê o disposto no artigo 72.º do Código Penal.

Resulta ainda que o arguido é pai de três filhos menores, que dele dependem economicamente. A aplicação de uma pena longa de prisão irá causar um impacto desproporcional e nefasto na estabilidade familiar e no bem-estar dos menores. Este facto reforça a necessidade de uma pena ajustada às circunstâncias, privilegiando a possibilidade de ressocialização. O arguido não possui antecedentes criminais, sendo primário. Este é um fator decisivo que deve ser ponderado favoravelmente na determinação da pena, indicando que o ilícito não reflete um padrão de comportamento habitual.

O arguido confessou integralmente os factos durante a audiência de julgamento, demonstrando um sincero arrependimento pela prática dos crimes. Essa conduta colaborativa não apenas facilita a administração da justiça, como reflete a sua intenção de assumir responsabilidades, merecendo tratamento atenuado.

Embora a conduta do arguido tenha gerado receio e constrangimento psicológico nas vítimas, não houve qualquer uso de violência física direta contra os funcionários do banco, o que reduz a gravidade dos atos praticados.

De igual modo não pode ser valorado em desfavor do arguido o facto do roubo ter sido praticado contra uma instituição bancária. O legislador, ao rever as penas abstractas, atende não só à danosidade social das condutas ms também à sua frequência e, consequentemente, às necessidades de prevenção geral. Por isso, as considerações sobre o arguido, exercendo pressão para a punição do crime de roubo em geral violam a proibição de dupla valoração e não podem ser atendidas pelo tribunal.»

O Ministério Público junto da 1.ª Instância contesta tal argumentação, dizendo:

«(…) Ora, neste particular temos então que dizer que o Tribunal a quo ponderou todos os elementos ao seu alcance no que tange à aplicação do disposto nos artigos 70.º e 40.º, ambos do Código Penal, pelo que se mostra correta a escolha feita.

Destarte, lida a decisão nada encontramos na mesma que possa ser considerado um desrespeito, por mínimo que seja, dos comandos legais na apreciação da determinação da pena.

O recorrente faz apelo a circunstâncias que não foram consideradas provadas, apenas por si declaradas em audiência de julgamento.

Nomeadamente, refere que o crime foi cometido num quadro de grave depressão e desespero emocional, causadas por dificuldades económicas e instabilidade laboral, quando tal factualidade não foi considerada provada. Outros fundamentos alegados foram tidos em consideração pelo Tribunal a quo.

Em boa verdade, o que se constata é que o arguido diverge da valoração efetuada pelo Tribunal a quo na determinação da pena, no entanto, não invoca fundamentos de discordância da forma como as circunstâncias foram ponderadas e valoradas.

Como já mencionado, aplicando os parâmetros legais ao caso em apreço, somos de parecer que o Tribunal a quo aplicou escrupulosamente estes critérios no Acórdão recorrido, aplicando ao recorrente uma pena de prisão que adequada à sua culpa e que reflete as exigências de prevenção geral e especial, que neste caso se fazem sentir.

Aliás, a verificar-se algum reparo a fazer sempre seria por ter pecado por defeito e não por excesso.

Neste conspecto, a graduação da pena em 6 (seis) anos de prisão efetiva apresenta-se adequada, proporcional às exigências que se fazem sentir.

A decisão recorrida merece-nos, pois, inteiro aplauso e não logrou o recorrente demonstrar onde é que o Tribunal a quo errou, ao não aplicar uma pena inferior.»

Já o Ministério Público junto deste STJ também discorda da argumentação do recurso do arguido, pugnando pela improcedência do recurso do arguido e pela manutenção do decidido, uma vez que:

«(…)

Na verdade, se bem que pugnando pela agravação do crime nos termos atrás mencionados, pela alínea f) do nº 2 do artº 204º do CP, certo é que a moldura legal se mantém, por via da agravação que na decisão recorrida foi entendida como operante, a do elevado valor subtraído (artº 204º, nº 2, al. a), do CPenal). E a circunstância de não ser o crime agravado apenas por uma, mas sim por duas vias, não pode justificar o que constituiria uma dupla agravação por via das mesmas circunstâncias: há a notar que a decisão recorrida já teve em conta o recurso do arguido à intimidação para a prática dos factos, pelo que o simples facto de a sua conduta integrar uma outra alínea não pode, por si só, levar – em nosso entender, obviamente – a um acréscimo de pena.

Pena que se entende ser a adequada por todas as razões expostas na decisão, que nos dispensamos aqui de repetir, apenas nos permitindo salientar as particulares exigências de prevenção especial que se fazem sentir, com a acrescida necessidade de dissuadir a prática de atos da mesma natureza, aliadas às também muito fortes necessidades de prevenção especial, atento o facto de se estar perante um arguido que, de modo reflexivo e apenas por via de dificuldades de integração laboral e problemas financeiros, planeou e executou de forma fria e insistente o crime de roubo.»

Na operação de escrutínio sobre o processo de apreciação da escolha e da medida da pena, em sede de recurso, é pacífico que a intervenção do tribunal superior assume um carácter essencial de “remédio jurídico”, impondo-se, especialmente, identificar incorreções ou erros manifestos atinentes ao processo hermenêutico-aplicativo das normas constitucionais, convencionais e legais mobilizáveis, por parte da instância recorrida.

Só nessa medida é legítimo ao tribunal de recurso proceder à alteração do quantum da pena. Assim, não pode proceder-se como se não existisse decisão anteriormente proferida – designadamente, neste caso, a do tribunal de primeira instância –, a qual, tendo respeitado aqueles procedimentos hermenêuticos e aplicativos, não legitima a intervenção do tribunal de recurso em termos de modificar, para mais ou para menos, a medida concreta da(s) pena(s) aplicada(s).

Como se assinala no Ac do STJ de 11-02-2015: Proc. 591/12.3GBTMR.E1.S1:

«Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim, e aquela medida será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. (Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211, e Ac. de 15-11-2006 deste STJ, Proc. n.º 2555/06- 3ª)».

A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de modo uniforme e reiterado, que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada” - cfr. neste sentido, entre muitos outros, Acórdãos do STJ de 10-11-2010, proc. n.º 145/10.9JAPRT.P1.S1-3.ª; de 29-06-2011, proc. n.º 21/10.5GACUB.E1.S1-3.ª; de 15-12-2011, proc. n.º 17/09.0TELSB.L1.S1; de 12-09-2012, proc. n.º 1221/11.6JAPRT.S1; de 05-12-2012, proc. n.º 250/10.1JALRA.E1.S1; de 29-05-2013, proc. n.º 454/09.0GAPTB.G1.S1; de 5-06-2013, proc. n.º 7/11.2GAADV.E1.S1-3.ª, CJSTJ 2013, t. 2, pág. 213; de 11-06-2014, proc. n.º 14/07.0TRLSB.S1-3.ª; de 24-09-2014, proc. n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1; de 15-10-2014, proc. n.º 353/13.0JAFAR.S1; de 12-11-2014, proc. n.º 56/11.0SVLSB.E1.S1; de 25-02-2015, proc. n.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1; de 25-11-2015, proc. n.º 24/14.0PCSRQ.S1; e de 26-03-2016, proc. n.º 181/15.9JAFAR.S1.

O escrutínio da adequação ou correção da medida concreta da pena em sede de recurso, bem como a sua alteração, impor-se-á, apenas, em caso de manifesta desproporcionalidade (injustiça) ou de violação da racionalidade e das regras da experiência (arbítrio) no tocante às operações da sua determinação impostas por lei, como a indicação e consideração dos fatores de medida da pena. Só em tais circunstâncias se justifica uma intervenção do tribunal de recurso que altere a escolha e a determinação da medida concreta da pena.

No caso vertente nos autos, a tal respeito, para além do que ficou provado, o tribunal recorrido justifica a aplicação da pena da forma seguinte:

«(…)

No caminho da concretização da pena a aplicar tomar-se-ão pois em conta os critérios consignados no citado artigo 71º do Cód. Penal e, assim a culpa do agente, as necessidades de prevenção e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.

Debruçando-nos agora sobre os factos, dir-se-á que procede, para o fim a alcançar neste ponto, o condicionalismo que já foi apontado nos autos.

As necessidades de prevenção geral e especial, traduzindo-se as primeiras na revalidação das normas violadas (sendo intensa a violação no crime de roubo quer por aquilo de que o arguido ilegitimamente se apropriou com o correspondente prejuízo de terceiro, quer pelo elevado valor dos bens jurídicos de natureza eminentemente pessoal contra os quais atentou; bem como na repressão de actos como os que ora se censuram (de modo a lançar um claro alerta de que tais actos não são tolerados pela comunidade e desta recebem forte censura na reação do sistema de justiça), e as segundas na prevenção da prática de futuros crimes, estas médias, já que o arguido não apresenta anteriores censuras de ordem penal.

No entanto, há que dizê-lo, tal não o inibiu de protagonizar um comportamento criminoso grave, em que revelou uma assinalável indiferença pelos bens jurídicos tutelados pelas normas jurídicas violadas, nos termos já referidos, e, consequentemente, uma personalidade desconforme com as mais elementares regras de convivência social.

Nesta sede, não pode deixar de se ter presente que o roubo é um tipo de crime, ou mais amplamente, uma fenomenologia criminal, em que se fazem sentir considerações de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, demandando uma reação penal que reafirme a validade e vigência comunitária dos bens jurídicos que a incriminação protege.

O grau da ilicitude dos factos, considerado no âmbito do respetivo crime, foi elevado, atendendo ao concreto modo de atuação do arguido, com recurso à violência e à intimidação e aos valores de que se apropriou.

O dolo foi directo e intenso (art. 14º, nº 1 do Cód. Penal), pois o arguido representou sempre o significado ilícito da sua conduta e quis praticar os factos.

A ter presente ainda que o arguido tem habilitações escolares de 6º ano, uma vez que desistiu da escola antes de ter concluído o 9º ano, motivado por começar a trabalhar e ganhar o próprio dinheiro.

À data dos factos na origem do presente processo, AA trabalhava havia menos de um mês como motorista/distribuidor na Empresa de ..., o que lhe iria permitir um vencimento mensal de 1000€. Até então, desde que regressou definitivamente à RAM em março/ 2023, foi trabalhando de forma precária, através de agências de prestação de serviços, em funções diversas, entre motorista, montagem de estruturas, serralharia e distribuição de bebidas.

No seu percurso profissional anterior sobressaem, ainda, outras experiências como as de servente de pedreiro, serralheiro e bate chapas. Durante o período de imigração esteve vinculado a duas empresas de distribuição alimentar onde, segundo refere, progrediu até à categoria de encarregado geral.

Como fontes de rendimento foram reportados os salários do casal, num total aproximado de 1700€, prestações sociais de abono de família dos filhos de 200€ e pensão de viuvez da sogra, de 220€.

Apresentam como encargos fixos, a amortização da casa, no valor de 1000€ e 150€ de água, luz e comunicações, os mesmos que se observavam à data dos factos e que constituíam fator de stress, pelas dificuldades em fazer face à situação, pese embora reportassem uma gestão parcimoniosa dos recursos.

Revelou dificuldades em lidar com a instabilidade laboral e financeiras que vivenciou aquando do regresso definitivo à RAM, situação que foi sendo vivida com progressiva ansiedade e que deu azo ao pessimismo e desespero face ao futuro. Segundo o próprio, foi neste quadro emocional que veio a desenvolver ideias suicidas, que não partilhava com ninguém.

Possui um leque alargado de relações familiares e sociais bem patente no número extenso de visitas de familiares e amigos durante o presente período de prisão preventiva.

Ainda que apresente uma narrativa de atribuição ao estado emocional de desespero e visão catastrófica do futuro, admite a oportunidade deste confronto com o sistema de administração da justiça penal e da sua responsabilidade na situação.

Auto recrimina-se também do impacto na família pela situação prisional em que se encontra, lamentando a falta do contributo do seu trabalho para a economia comum.

No contexto prisional, tem sido alvo de medidas de prevenção do suicídio. O seu comportamento e relacionamento interpessoal tem sido globalmente correto. Encontra-se afeto ao trabalho na cozinha.

Foram-lhe autorizadas saídas para consultas de psiquiatria no exterior e encontra-se medicado por esta especialidade.

Sem esquecer ainda que o arguido confessou parcialmente os factos e verbalizou arrependimento.

Ponderando tudo aquilo que se deixa exposto e tendo em conta a moldura penal aplicável, analisados todos os factores acima referidos, consideramos ajustado aplicar ao arguido pela prática, em coautoria material, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, a pena de 6 (seis) anos de prisão.»

Não temos objeção de monta a apontar a tal fundamentação.

Adscrever-se-ão, todavia, algumas considerações no tocante à medida da pena aplicada ao crime de roubo (agravado) pelo qual foi condenado o arguido.

Do acórdão recorrido, na parte atinente à fundamentação da medida da pena, a mesma mostra-se de acordo com os factos provados e com as regras da experiência comum, sendo aí, corretamente, consideradas como elevadas as necessidades de prevenção geral, sendo médio o grau das necessidades de prevenção especial.

Parece-nos, por isso, que o arguido revelou uma personalidade indiferente à gravidade das consequências da prática do crime, cometido com dolo direto e intenso e sendo elevada a ilicitude, dada a forma como atuou, com intimidação e neutralização da sua capacidade de autodeterminação, de seis pessoas e face ao valor do qual se apropriou.

Os crimes de roubo, como o cometido pelo arguido, definem-se como crimes complexos e pluriofensivos por atentarem contra bens jurídicos patrimoniais – «direito de propriedade e de detenção de coisas móveis alheias» – e contra «bens jurídicos de ordem eminentemente pessoal» – os quais merecem tutela a nível constitucional – artigos 24.º (direito à vida), 25.º (direito à integridade pessoal), 27.º (direito à liberdade e à segurança) e 64.º (proteção da saúde) da CRP» (Ac. STJ de 01-03-2023; processo 978/21.0GCALM.S1: rel. Cons. Sénio Alves, em www.dgsi.pt.), e integram a categoria da criminalidade especialmente violenta (art. 1.º, al. l), do CPP) – sendo as suas vítimas legalmente consideradas como “especialmente vulneráveis” (artigos 1.º, alíneas j) e l) e 67.º-A, n.ºs 1, al. b) e 3, do CPP) –, cuja repressão o legislador erigiu como um dos objetivos específicos da política criminal, quer no biénio de 2020-2022 (art. 3.º, al. a), da Lei n.º 55/2020, de 27 de agosto), quer no atual biénio de 2023-2025 (art. 3.º, al. a), da Lei n.º 51/2023, de 28 de agosto).

Por outro lado, ainda, as finalidades de prevenção geral e de reprovação dos crimes de roubo são muito elevadas, porquanto a prática deste tipo de crimes, individualmente portadores de uma inequívoca gravidade objetiva, é perturbadora da tranquilidade e segurança públicas, gerando sentimentos de intranquilidade entre o comum cidadão, atenta a frequência com que crimes de semelhante natureza se vêm sucedendo e pelo enorme alarme social gerado por tais condutas, ademais quando ocorridos em situações de indefesa das vítimas. Preocupações que são acrescidas tratando-se de um roubo praticado contra uma instituição bancária, envolvendo, algo aleatoriamente, seis pessoas, cinco das quais eram funcionários de uma agência de tal instituição e uma outra sua cliente.

A prevenção geral, como prevenção positiva ou de integração, no respeito e confiança na estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na reposição da validade da norma violada (H. Heinrich Jescheck), é bastante intensa nos crimes de roubo em que “O crime de roubo, pela extrema frequência com que vem sendo praticado e pelos traços de insuportável violência de que geralmente se reveste, é daquelas infracções que causam maior alarme social, contribuindo, claramente, para aumentar o sentimento geral de insegurança”, como tem vindo a referir vasta e consolidada jurisprudência deste STJ e dos tribunais superiores. Em tais crimes manifesta-se uma personalidade do agente, disposta a contrariar o direito e a desprezar a dignidade e integridade humana da vítima.

O acórdão recorrido mostra-se, na parte acima transcrita, assente em fundamentação coerente e genericamente ajustada às circunstâncias objetivas e subjetivas provadas no processo, a saber: grau médio das necessidades de prevenção especial; grau elevado das de prevenção geral; elevado grau de ilicitude e intensidade do dolo.

As consequências pessoais e patrimoniais são igualmente sérias, tendo dado lugar à indemnização de duas das vítimas e da entidade bancária lesada.

Nenhum esforço tempestivo de reparação, por parte do arguido, foi demonstrado, sendo certo que verbalizou arrependimento

A circunstância de ser primário não pode assumir, neste quadro, especial relevo, uma vez que é uma circunstância que se espera de qualquer pessoa: o dever de não cometer crimes.

Também a alegação de ter agido sob um «estado emocional de desespero e visão catastrófica do futuro», bem como de se encontrar bem integrado no ambiente prisional, não podem assumir especial relevo atenuativo.

Toda a factualidade ilícita demonstrada, a conduta anterior e posterior aos factos, a indiferença perante as consequências dos seus comportamentos, aponta para a necessidade de uma censura ético-jurídica acrescida, considerando, entre outros fatores, a circunstância de ter atentado contra a liberdade de autodeterminação, a tranquilidade e a segurança de seis pessoas, mediante a utilização de instrumentos com potencial de vulneração da integridade física e, mesmo, de provocar a morte.

Não podem tais circunstâncias deixar de ter expressão na medida da pena concreta a aplicar.

Como tal, não merece qualquer reparo a opção do Tribunal recorrido pela aplicação da pena de seis (6) anos de prisão, muito mais próxima do limite mínimo do que do limite máximo da moldura penal, que oscila, como se sabe, entre 3 e 15 anos de prisão. Uma pena inferior não daria satisfação às concretas exigências de prevenção geral e especial e às necessidades de punição, nem aos parâmetros de uma tendencial igualdade na aplicação das penas.

Julga-se, por isso, improcedente o recurso do arguido.

15. Recurso do Ministério Público

O Ministério Público junto do tribunal da condenação discorda da desqualificação do crime de roubo pela alínea f) do n.º 2 do art. 204.º do CP, operada no acórdão recorrido, mesmo sabendo da querela entre as posições objetiva e subjetiva referidas à utilização de instrumento semelhante a arma de fogo, ainda que não se apurem as concretas características do mesmo.

No seu recurso pugna pela qualificação do crime de roubo o que implicaria a agravação da medida da pena aplicada para 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão.

Considera o Ministério Público que “arma”, para efeito do disposto na alínea f) do n.º 2do artigo204.º, doCódigoPenal, équalquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou possa ser utilizado para tal fim. Em consequência, face ao elevado grau de ilicitude dos factos, ao circunstancialismo em que os mesmos ocorreram, à existência de dolo direto (na sua forma mais intensa), à culpa manifestada nos factos e os reflexos tidos na vida da vítimaseimpactonoseiodacomunidade,entende queoarguido deverá ser condenado na pena de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão.

O arguido não respondeu ao recurso do Ministério Público.

O Ministério Público junto deste STJ veio, no seu judicioso parecer, esclarecer que:

«Na verdade, numa motivação extremamente bem fundamentada, a Senhora magistrada, referenciando várias opiniões doutrinárias e decisões jurisprudenciais que apoiam a sua tese, entende que «na prática de um crime de roubo quando é utilizada uma arma, independentemente de a mesma se encontrar em estado de poder ser disparada, de ser uma arma de alarme, até mesmo não estando municiada ou até não se apurando as suas concretas características, os bens jurídicos pessoais que são protegidos pelo tipo-ilícito de roubo sofrem de um ataque de tal intensidade que claramente têm que se subsumir numa moldura penal compatível com aquele crescente de ilicitude.

[…] O direito penal, seja através de teses ou correntes jurisprudenciais têm que ir ao encontro dos sentimentos da comunidade. E não é necessário vivenciar qualquer situação para perceber o impacto diferenciado, não só dos ofendidos, mas da comunidade em geral, de uma atividade de roubo levada a cabo por esticão, por ameaça, por violência física ou quando é através da utilização de uma arma de fogo, mesmo que esta não venha a ser apreendida e não se apure as suas concretas características.

A partir do momento em que qualquer pessoa colocada nas mesmas circunstâncias perceciona aquele objeto como uma verdadeira arma de fogo, está verificado o crescente de ilicitude não se coadunando com a moldura prevista no n.º 1, do artigo 210.º, do Código Penal.»

É certa a diferença de entendimentos quanto a saber-se da necessidade de a arma referida na alínea f) do nº 2 do artº 204º do Código Penal ser ‘verdadeira’, ou se para a qualificação do crime bastará que se trate de um objeto semelhante a uma arma de fogo.

Há entendimentos nos dois sentidos, dispensando-nos de aqui repetir o que é referenciado, quer na decisão recorrida, quer na motivação de recurso. Pode dizer-se que ambas as opiniões são sustentáveis, tanto assim é que existem bastas decisões nos dois sentidos, dividindo-se a jurisprudência.

De qualquer forma, sem prejuízo do bem fundamentado pela magistrada recorrente, certo é que a jurisprudência tem vindo a aproximar-se do entendimento oposto ao por aquela preconizado, ou seja, no sentido de que a agravante só é de aplicar quando se está perante uma arma real, perante uma situação objetiva de maior perigosidade.

Também aqui nos dispensamos de repetir o que consta nessas decisões, limitando-nos a indicar os acórdãos deste STJ de 13.12.2007, proferido no processo 07P3210 (Relator – Raul Borges) e de 27.10.2010, no processo 1546/90.9PCSNT.L1.S1 (Relator – Armindo Monteiro) onde se mostram referenciadas inúmeras decisões tomadas nos dois sentidos, mas acabando por se concluir no de que é «à aptidão para ferir ou produzir um resultado letal que deve atentar-se para se qualificar como arma, de outro modo a exibição de instrumento inidóneo “pode servir como meio de coacção e de intimidação, mas, no domínio da objectividade e legalidade, não pode ser considerada como um instrumento, uma arma de agressão”», não esquecendo ainda o acórdão deste STJ de 25.05.2023 que abaixo será referido.

Pelo que, no que se refere à pistola utilizada pelo arguido não poderá a mesma servir para (também) qualificar o crime.

No entanto, parece-nos que tanto o acórdão como a motivação se centraram de forma quase exclusiva no que, na matéria de facto provada, é descrito como «arma de fogo (pistola), ou, pelo menos, um objeto com a aparência e a configuração de uma arma de fogo (pistola)», analisando a aplicabilidade da alínea f) em questão a situações em que se desconhece se a arma está apta a ser disparada, ou mesmo quando se vem a apurar que o não estava.

Sucede que, no caso concreto, não foi apenas essa ‘arma’ que foi utilizada pelo arguido para amedrontar as vítimas e facilitar, assim, a prática do crime: usou igualmente uma faca. É o que resulta da matéria de facto provada e que, neste particular, voltamos a reproduzir em seguida:

10. De imediato, o arguido, empunhou uma arma de fogo (pistola), ou, pelo menos, um objeto com a aparência e a configuração de uma arma de fogo (pistola) na mão direita e uma faca, de características ainda não concretamente apuradas, na mão esquerda, e forçou BB a dirigir-se para a zona do cofre.

46. O arguido previu, quis e conseguiu atuar da forma descrita, com o propósito de intimidar CC e de BB, mediante a exibição de uma arma de fogo (pistola) ou, pelo menos, de um objeto que tinha a aparência e a configuração de uma arma de fogo (pistola), bem como de uma arma de natureza corto-contundente, e assim os constranger e determinar, enquanto funcionários da ..., a abrirem o cofre e entregar-lhe a quantia monetária existente no seu interior, para dela se apoderar e integrar no seu património, sem a autorização e contra a vontade da instituição de crédito sua dona, bem sabendo que não tinha qualquer direito à mesma.

47. O arguido atuou fazendo uso de uma arma de fogo (pistola) ou, pelo menos, de um objeto que tinha a aparência e a configuração de uma arma de fogo (pistola), bem como de arma de natureza corto-contundente, bem sabendo que as mesmas eram adequadas a neutralizar ou dificultar qualquer reação por parte de DD, CC e de BB.

Daqui resulta que ficou provado que o arguido praticou o crime com utilização de uma faca – arma de natureza corto-contundente, apenas não tendo sido esta apreendida e, como tal, não sendo conhecidas as suas características concretas (por exemplo, qual o seu tamanho). De notar que, ao contrário do que sucedeu com a pistola, não é aventada a hipóteses de se tratar de uma qualquer ‘imitação’ de uma faca, antes se dando como provada a sua característica de ser corto-contundente.

Ora, tanto basta, atenta esta natureza corto-contundente do instrumento utilizado pelo arguido para facilitar a prática do roubo (relembrando que tal arma foi apontada na direção dos visados e que estes por isso se sentiram constrangidos a cumprir o que lhes era ordenado), para dificultar a defesa por parte das vítimas, para se ver preenchida a previsão da alínea f) do artº 204º, nº 2, do Código Penal e, assim, ver-se igualmente agravado o crime de roubo por via da utilização de arma (para além da agravação que já se verificava em razão do valor subtraído).

Lembre-se que – a ser dado como provado, como foi – estar-se perante instrumento corto-contundente, tanto basta para se concluir no sentido do preenchimento da previsão legal em causa. Neste sentido veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça datado de 25.03.2023, no processo 24/22.7PCMTS.P1.S1 (Relator – José Eduardo Sapateiro), onde se refere:

«I - O arguido foi condenado por um crime de roubo agravado, em que os bens jurídicos protegidos não são apenas os respeitantes ao património ou à propriedade de coisas móveis ou animais alheios mas também os relativos à liberdade e à segurança individuais, à integridade física e à vida das vítimas lesadas, dado o agente [ou agentes], com o propósito de se apoderar ou obrigar alguém a entregar-lhe as ditas coisas ou animais que não lhe pertencem, fazer uso de violência, de ameaça séria que se traduza em perigo iminente para tais bens pessoais ou de algo que lhe consiga anular a sua capacidade de resistência.

II - Não obstante o canivete empunhado pelo arguido possuir apenas uma lâmina de 3 centímetros e não ter, nessa medida e por regra, um potencial letal, seguro é que se mostra apto, pelo menos, a infringir lesões à integridade física das pessoas que sejam agredidas com ele, lesões essas que, apesar de se poderem traduzir em cortes ou feridas pouco profundas em muitas zonas do corpo das vítimas, não excluem situações de maior gravidade [jugular, coração e outras como a artéria femoral, olhos, etc.], sendo certo que bastaria a existência do perigo de o arguido infligir as primeiras para se mostrar preenchida a qualificativa agravante da al. f) do art. 204.º do CP, pois o bem jurídico a que se reconduz a integridade física dos seres humanos é, nesta perspetiva, absoluto, não se desdobrando em graus ou níveis em que é socialmente consentido e tolerado e noutros em que a proibição já é total.»

Daqui que, se se entende que o recurso do Ministério Público não deverá proceder no que se refere à pistola que se desconhece se não seria um mero ‘brinquedo’ dos filhos do arguido (note-se que na fundamentação da decisão se refere que nesse sentido terão sido as declarações prestadas por este), a seguir-se a corrente objetiva que nos parece mais correta, já deverá merecer procedência quanto a entender-se o crime de roubo igualmente agravado pela utilização da faca empunhada pelo arguido na sua prática, por aplicação conjugada do artº 210º, nº 2, al. b) e artº 204º, nº 2, al. f), ambos do Código Penal.»

Em todo o caso, o Ministério Público não sufraga a pretensão da Senhora Procuradora da República recorrente, no tocante à elevação da pena de prisão aplicada ao arguido, com os seguintes fundamentos:

«Entendemos, no presente parecer, que não se justifica alteração da pena aplicada ao arguido, de 6 anos de prisão, por a considerarmos adequada, atentos todos os elementos constantes na decisão para a sua escolha.

Na verdade, se bem que pugnando pela agravação do crime nos termos atrás mencionados, pela alínea f) do nº 2 do artº 204º do CP, certo é que a moldura legal se mantém, por via da agravação que na decisão recorrida foi entendida como operante, a do elevado valor subtraído (artº 204º, nº 2, al. a), do CPenal). E a circunstância de não ser o crime agravado apenas por uma, mas sim por duas vias, não pode justificar o que constituiria uma dupla agravação por via das mesmas circunstâncias: há a notar que a decisão recorrida já teve em conta o recurso do arguido à intimidação para a prática dos factos, pelo que o simples facto de a sua conduta integrar uma outra alínea não pode, por si só, levar – em nosso entender, obviamente – a um acréscimo de pena.

Pena que se entende ser a adequada por todas as razões expostas na decisão, que nos dispensamos aqui de repetir, apenas nos permitindo salientar as particulares exigências de prevenção especial que se fazem sentir, com a acrescida necessidade de dissuadir a prática de atos da mesma natureza, aliadas às também muito fortes necessidades de prevenção especial, atento o facto de se estar perante um arguido que, de modo reflexivo e apenas por via de dificuldades de integração laboral e problemas financeiros, planeou e executou de forma fria e insistente o crime de roubo.

Consequentemente, entende-se pela improcedência do pedido de redução da pena que o mesmo formula no seu recurso, lembrando que está nas suas mãos a possibilidade de, na prática, através de licenças de saída e da concessão de liberdade condicional, ver reduzido o tempo de efetivo cumprimento da pena.»

Relativamente à questão de os factos respeitantes à utilização de um objeto com a configuração de uma arma de fogo sustentarem a integração na previsão da alínea f) do n.º 2 do art. 204.º, do CP, é conhecida a divergência jurisprudencial estabelecida a esse respeito, dispensando-nos de reeditar toda essa controvérsia.

No acórdão recorrido é dado como provado que o arguido, na execução dos atos ilícitos típicos fez uso, exibindo-os, de um objeto descrito como uma “arma de fogo” (Factos provados 9, 11, 40), “uma arma de fogo (pistola), ou, pelo menos, um objeto com a aparência e a configuração de uma arma de fogo (pistola)” (Factos provados 5, 10, 16, 27, 46, 47, 49 e 50), de “uma faca” (Facto provado 11), de “uma faca, de características ainda não concretamente apuradas” (Facto provado 10) e de “uma arma de natureza corto-contundente” (Factos provados 46, 47).

Por seu turno, na fundamentação jurídica da qualificação dos factos, no acórdão discorreu-se, a tal propósito, nos seguintes termos:

«A corrente jurisprudencial que julgamos dominante, considera que a arma como agravativa dos crimes de furto e de roubo tem de revestir-se de efectiva perigosidade, defendendo que o que está na base da agravação prevista na referida al. f) do n.º 2 do art. 204.º do Cód. Penal é o perigo objectivo da utilização da arma, determinando uma maior dificuldade de defesa e maior perigo para a vítima, do mesmo passo que permite que o agente se sinta mais confiante e audaz. Ora, para que isto aconteça é necessário que este esteja munido de uma arma eficaz. Trata-se, em suma, de uma qualificativa de ordem objectiva. E, sendo assim, é irrelevante, para efeitos da existência dessa qualificativa, o receio subjectivo da vítima de poder ser lesada na sua integridade física por desconhecer que não se trata de uma arma verdadeira.

Na concepção desta tese de perigosidade objectiva atende-se à susceptibilidade de integrar a ameaça, mas esgota-se aí a função da arma, sem aptidão para integrar a qualificativa. Neste sentido, cf., v.g., Acs. do S.T.J. de 18/02/98, proc. nº 34/98-3ª, de 20/05/98, procs. nºs 261/98 e 370/98-3ª, de 28/05/98, proc. nº 390/98-5º, de 04/06/98, proc. nº 322/98-5ª, de 20/09/99, proc. nº 494/99-3ª, de 09/03/00, proc. nº 1184/99-5ª, de 17/01/02, proc. nº 3132/01-5ª” – Ac. do STJ de 24/04/2002, proferido no Processo com o número 02P2566, publicado nas Bases Jurídico-Documentais do Ministério da Justiça, em www.dgsi.pt.

Assim, à partida, este crime seria aqui agravado nos termos dos já citados arts. 210º, nº 2, al. b) e do 204º, nº 2, al. f) do Cód. Penal, devido à utilização (exibição) de uma faca e uma pistola na sua concretização, instrumento que tem capacidade letal e que, para uma pessoa comum colocada nas circunstâncias do ofendido, surge como capaz de ferir ou mesmo matar, além de causador de medo e de receio quanto à segurança da sua integridade física e da sua vida.

Todavia, contrariamente ao propugnado na acusação, entendemos que esse crime não assume a sua vertente agravada, à luz das disposições conjugadas dos arts. 210º, nº 2, al. b) e 204º, nº 2, al. f) do Cód. Penal, pois não se sabe se o instrumento usado na sua prática tinha qualquer capacidade letal porquanto não foram apreendidas, nem a pistola nem a navalha.

Na verdade, a corrente jurisprudencial que julgamos dominante, considera que a arma como agravativa dos crimes de furto e de roubo tem de revestir-se de efectiva perigosidade, defendendo que o que está na base da agravação prevista na al. f) do n.º 2 do art. 204.º do Cód. Penal é o perigo objectivo da utilização da arma, determinando uma maior dificuldade de defesa e maior perigo para a vítima, do mesmo passo que permite que o agente se sinta mais confiante e audaz. Ora, para que isto aconteça é necessário que este esteja munido de uma arma eficaz. Trata-se, em suma, de uma qualificativa de ordem objectiva. E, sendo assim, é irrelevante, para efeitos da existência dessa qualificativa, o receio subjectivo da vítima de poder ser lesada na sua integridade física por desconhecer que não se trata de uma arma verdadeira.

Na concepção desta tese de perigosidade objectiva atende-se à susceptibilidade de integrar a ameaça, mas esgota-se aí a função da arma, sem aptidão para integrar a qualificativa.

“Conforme resulta claramente da história dos preceitos - cf. v.g., a propósito do artigo do projecto de revisão do C.P. de que resultou o actual art. 210º, versão de 1995, a acta nº 29 das reuniões da Comissão de Revisão, da qual consta «A Comissão manifestou a preferência por uma redacção que consagrasse a recepção do conceito de «arma», sem caracterizá-la como de «fogo» e sem o aditamento de «instrumento análogo» (Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça, 1993, p. 30), o elemento típico «arma» tem o conteúdo correspondente ao do respectivo conceito que para efeitos penais foi definido no art. 4º do DL nº 48/95, de 15/03, do qual consta: «Para efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim» O fundamento dessa qualificação do crime de roubo consiste assim na possibilidade objectiva de o «instrumento» que o agente traz consigo «no momento do crime» ser utilizado como meio eficaz de agressão, ou seja, na possibilidade de servir para ofender fisicamente uma pessoa de forma significativa. Desta maneira potenciando o risco da ofensa dos bens jurídicos pessoais que o crime complexo de roubo visa também proteger, bem como a margem de êxito e extensão da ofensa dos bens jurídico patrimoniais - o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis -, mercê do aumento de sentimento de confiança e audácia do agente e da diminuição das possibilidades de defesa da vítima. Sendo esse o fundamento da agravante qualificativa, é necessário, para a sua integração, a prova da funcionalidade efectiva do instrumento como meio da agressão. A aparência dessa funcionalidade pode apenas integrar o elemento típico do crime de roubo simples «"por meio” de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física"», na medida em que seja adequadamente susceptível de provocar na pessoa medo de poder estar em perigo iminente a sua vida ou integridade física (cfr. art. 210º, nº 1, do C.P). Neste sentido, cf., v.g., Acs. do S.T.J. de 18/02/98, proc. nº 34/98-3ª, de 20/05/98, procs. nºs 261/98 e 370/98-3ª, de 28/05/98, proc. nº 390/98-5º, de 04/06/98, proc. nº 322/98-5ª, de 20/09/99, proc. nº 494/99-3ª, de 09/03/00, proc. nº 1184/99-5ª, de 17/01/02, proc. nº 3132/01-5ª”. – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.04.2002, proferido no Processo com o número 02P2566, publicado nas Bases Jurídico-Documentais do Ministério da Justiça, em www.dgsi.pt.

No vertente caso, estando nós perante a utilização, como já se deixou dito, de duas armas de características não apuradas por não terem sido apreendidas e que, por conseguinte, se desconhece se podiam ser eficazmente utilizadas como meio de agressão, dúvidas não restam em concluir pelo afastamento desta agravação do roubo, como proposto na douta acusação.»

O artigo 4.º do Dec.-Lei n.º 48/95, de 15 de março (Decreto Preambular do Código Penal de 1995) prescreve, ainda, que “para efeito do disposto no Código Penal considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou possa ser utilizado para tal fim”.

Convocando os dois preceitos legais que para aqui relevam e que são os artigos 210.º e 204.º, n.º 2, alínea f) do Código Penal, os mesmos dispõem o seguinte:

Artigo 210.º

Roubo

1 - Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

2 - A pena é a de prisão de 3 a 15 anos se:

a) Qualquer dos agentes produzir perigo para a vida da vítima ou lhe infligir, pelo menos por negligência, ofensa à integridade física grave; ou

b) Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo.

3 - Se do facto resultar a morte de outra pessoa, o agente é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos.

Artigo 204.º

Furto qualificado

1 - Quem furtar coisa móvel ou animal alheios:

a) De valor elevado;

b) Colocada ou transportada em veículo ou colocada em lugar destinado ao depósito de objetos ou transportada por passageiros utentes de transporte colectivo, mesmo que a subtração tenha lugar na estação, gare ou cais;

c) Afeta ao culto religioso ou à veneração da memória dos mortos e que se encontre em lugar destinado ao culto ou em cemitério;

d) Explorando situação de especial debilidade da vítima, de desastre, acidente, calamidade pública ou perigo comum;

e) Fechada em gaveta, cofre ou outro receptáculo equipados com fechadura ou outro dispositivo especialmente destinado à sua segurança;

f) Introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar;

g) Com usurpação de título, uniforme ou insígnia de empregado público, civil ou militar, ou alegando falsa ordem de autoridade pública;

h) Fazendo da prática de furtos modo de vida; ou

i) Deixando a vítima em difícil situação económica;

j) Impedindo ou perturbando, por qualquer forma, a exploração de serviços de comunicações ou de fornecimento ao público de água, luz, energia, calor, óleo, gasolina ou gás;

é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.

2 - Quem furtar coisa móvel ou animal alheios:

a) De valor consideravelmente elevado;

b) Que possua significado importante para o desenvolvimento tecnológico ou económico;

c) Que por sua natureza seja altamente perigosa;

d) Que possua importante valor científico, artístico ou histórico e se encontre em coleção ou exposição públicas ou acessíveis ao público;

e) Penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalonamento ou chaves falsas;

f) Trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta; ou

g) Como membro de bando destinado à prática reiterada de crimes contra o património, com a colaboração de pelo menos outro membro do bando;

é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

3 - Se na mesma conduta concorrerem mais do que um dos requisitos referidos nos números anteriores, só é considerado para efeito de determinação da pena aplicável o que tiver efeito agravante mais forte, sendo o outro ou outros valorados na medida da pena.

4 - Não há lugar à qualificação se a coisa ou o animal furtados forem de diminuto valor.

A menção que se faz na alínea f) do n.º 2 deste último preceito não impõe que tal «arma aparente ou oculta» tenha de constar do elenco que se acha contido no Regime Jurídico das Armas e suas Munições (aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro), e, designadamente, se determine pela noção de «arma branca» constante do artigo 2.º, n.º 1, alínea m) desse diploma legal.

Antes, importa, para o efeito, ter na devida consideração o disposto no artigo 4.º do Dec.-Lei n.º 48/95, de 15 de março (preâmbulo do diploma que reviu e republicou o Código Penal), quando estatui que «Para efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim.»

Sendo certo que o RJAM foi aprovado depois de 1995, o certo é que tal diploma assume feição marcadamente especial em face da lei geral, que o Código Penal configura.

Importa lembrar o que a este respeito sustentam Simas Santos e Leal Henriques:

«Esta alínea abrange tudo o que possa ser usado como instrumento eficaz de agressão, portanto quaisquer armas, quer as próprias (as destinadas normalmente ao ataque ou defesa e apropriadas a causar ofensas físicas), quer as impróprias (todas as que têm aptidão ofensiva, se bem que não sejam normalmente usadas com fins ofensivos ou defensivos) - cfr. anotação ao art.º 275.°.

O porte aparente ou oculto de arma facilita a execução do crime ao tornar o agente mais audaz e cria também maiores dificuldades de defesa ao ofendido.

Já foi objetado que se a vítima não vê a arma não pode esta contribuir para vencer a sua resistência psíquica ou física (CARLOS CODEÇO, op. cit., 199).

Por nossa banda entendemos que, mesmo aí, objetivamente, as possibilidades de defesa estão diminuídas, o que basta para fazer funcionar a agravante.

Não é necessário que o agente se sirva da arma, mas ao trazê-la deve estar predisposto a usá-la se necessário.» (Código Penal Anotado, Vol. III (artigos 131.º a 235.º), Lisboa, Rei dos Livros, 2016, pp. 778 e 779).

Já M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio entendem o seguinte acerca da circunstância-elemento que nos ocupa:

«15. Trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta. A noção de arma é dada no art.º 4.º do DL 48/95, de 15-03: “para efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim”. Perante esta definição, atente-se em que mesmo uma pistola sem munições pode ser usada para golpear. Mas a circunstância de um qualquer objeto ser sentido como perigoso pela vítima, não faz dele uma arma, se simultaneamente não se enquadra na apontada definição. No texto legal, a agravante consiste em o sujeito, no momento da prática do crime, trazer consigo uma arma (de fogo ou de outra natureza), contudo não é necessário que a utilize para quebrar a resistência da vítima. A lei não exige o emprego efetivo da arma, isto é, que o ladrão dela se sirva com o propósito de infundir temor à vítima: apenas fala em trazer, que seguramente não é o mesmo que usá-la. O fundamento da agravação está no perigo de o agente, face ao aparecimento de uma situação crítica, se poder decidir pelo uso da arma que tem à mão, porventura capaz de provocar danos graves na pessoa atacada, incluindo a lesão da vida. Mas o que é determinante é a natureza do perigo que a arma representa e não o efeito que a mesma possa exercer no espírito da vítima. Exemplo corrente do não funcionamento automático da circunstância é o do guarda da fábrica que, ao passar por um estabelecimento, depois de deixar o trabalho e levando a arma de serviço, aí subtrai um artigo, porventura esquecido, até, de que a levava consigo, FERNANDA PALMA, (1991), p. 259; V. KREY, 1994, p. 61. A utilização da arma – por ex., exibindo-a à vítima que se quer desapossar da carteira – constitui o crime de roubo, agravado em razão da arma. Quanto a saber o que é uma arma: não há dúvida quanto a ter essas características uma pistola, um revólver, um sabre, uma navalha de ponta e mola. A discussão é fértil relativamente às seringas, que têm sido usadas em assaltos para conseguir, sob a ameaça de a espetar, dinheiro ou outros valores.» (Código Penal - Parte Geral e Especial, Coimbra, Almedina, 2015, p. 897).

Finalmente, José de Faria Costa sustenta o seguinte acerca da noção de «arma aparente ou oculta»:

«§ 66 N.° 2, al. f): Trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta.

O potencial de superioridade de ataque que uma arma traz ao delin­quente é, ninguém o desconhece, uma realidade indesmentível e indis­cutível, o que tem como contrapartida uma clara diminuição da defesa que a vítima pode encetar. De sorte que a razão de ser desta proposi­ção normativa justifica-se quase que em uma evidência. No entanto, já não estaremos tanto no domínio da evidência se nos interrogarmos sobre o significado do que se deva entender por "arma aparente ou oculta". Desde logo, urge deslindar alguma dose de equivocidade no que se refere ao aparente e ao oculto. Se se aceitar, como devemos, que "aparente" é aquilo que aparece, que é visível e se, por outro lado, "oculto" é tudo o que se esconde, que se não vê, então, não se percebe ou só se entende mal por que razão é que o legislador se não ficou por uma proposição bem mais curta, qual seja: "trazendo, no momento do crime, arma". É claro que sempre se pode dizer - e até sustentados em boas razões - que bem andou o legislador ao qualificar o universo das situa­ções daqueles que trazem armas. Na verdade, desse jeito, evitam-se quaisquer dúvidas sobre o que se queria abranger com a proposição "trazer armas". Não tem, por conseguinte, sentido defender-se que o trazer uma arma oculta não é trazer arma para estes efeitos. Aceitamos que a argumentação agora expendida tem uma indesmentível utilidade na correta definição do universo das situações que se quer contemplar. O que dizemos é que o mesmo aconteceria se a proposição apresentasse a formulação (mais curta) que se lançou, desde que o intérprete se cingisse ao valor de uso das palavras. Isto é: desde que o intérprete se quedasse na interpretação baseada no cânone hermenêutico do uso normal das palavras o qual sustenta, indesmentivelmente, que trazer uma arma é levar consigo uma arma, independentemente de ela se ver ou não, de ela ser aparente ou oculta; tertium non datur.

§ 67 Ainda dentro das preocupações anteriormente gizadas - se bem que já situados em uma outra perspetiva - é bom assinalar que estamos inteiramente de acordo com todos os que defendem que se a arma não teve qualquer interferência, mormente de ordem subjetiva por parte do agente da infração (isto é: o agente levava a arma na pasta, nem sequer se recordava de que consigo a trazia, e furta uma garrafa de whisky do supermercado), não há lugar à qualificação que se estuda. Forma de pensar, se bem vemos, que mais reforça a nossa perceção dogmática de que se está perante circunstâncias-elemento.

§ 68 Somos chegados ao ponto nevrálgico que, muito embora nuclear, é, não poucas vezes, tratado com alguma ligeireza, fazendo-se, neste contexto, o exercício inverso daquele que normalmente o intérprete opera. Vale por dizer: enquanto, de uma maneira geral, o intérprete nem sempre dá a devida importância ao valor de uso dos conceitos constituintes dos elementos do tipo, fazendo antes apelo à concetologia de outras disciplinas jurídicas, quando se trata de definir armas, parece então que tudo, ou quase tudo, cabe na noção de arma. Há, por conseguinte, que estabelecer bases firmes de ponderação, se bem que normativas, de modo a evitar, não só flutuações de critérios, mas também, o que é pior, a intromissão de uma ideia de desigualdade no juízo judicativo penal. Assim, e dentro da tónica que se acaba de enunciar, perguntemo-nos sobre o que é arma. Uma resposta simples aflora de imediato: todo o instrumento que por si só, ou a partir de si, é objetivamente, apto a ferir ou a matar, se bem que a sua finalidade primacial possa nada ter a ver com o desvalor da ofensa à integridade física ou à própria vida. Assim, um machado tem como fim primeiro ser instrumento adequado ao rachar lenha mas, nem por isso, deixa de ser também uma arma desde que empregue como instrumento cortante ou perfurante. Por outro lado, consideramos que uma compreensão baseada na ideia de que arma é todo o objeto ou instrumento eficaz de agressão [MAIA GONÇALVES, cit. 647) é demasiado lata tendo em conta o âmbito de proteção da norma. Com efeito, um enorme pedregulho é, e de que maneira, um objeto eficaz de agressão e não vemos como ele possa ser usado de modo a integrar a circunstância-elemento de que nos ocupamos. Da mesma forma, um varapau, e um chuço não podem, sem mais e à partida, ser tidos como armas. Um feirante que ao mercar se faz acompanhar do seu enorme cajado não se pode dizer que passeie pela feira armado. Quem assim ajuizasse estava a desvirtuar o sentido normal e comum das palavras. Estava a degradar, pro domo sua, aquilo que representa uma atitude normal e comezinha de um ato cultural. Por outros termos ainda: a consideração de uma coisa como arma tem a ver com “as suas características e com a utilização ou afetação normal dela, com a idoneidade dessa utilização ou afetação normal como meio de agressão”, de modo que “o uso desviado das propriedades dos objetos não pode servir como critério para o definir como arma. Assim, uma bengala, podendo embora servir para uma agressão, não é seguramente uma arma” ( Ac. do STJ de 18-01-2007). De sorte que, para se estar perante uma arma, dever-se-á ir um pouco mais além e mais fundo. Ninguém questiona que certos objetos são armas: uma pistola, uma navalha de ponta e mola, uma matraca. Eis alguns exemplos comezinhos que, sem dúvida, todos representam como armas {veja-se, v. g., Ac. do STJ de 19-04-2007). No entanto, uma seringa com agu­lha infetada — desde que se faça saber, v. g., que provém de um sero­positivo — é, em nosso entender, também uma arma (cf. Ac. do STJ de 18-01-2007, já antes mencionado). Contudo, o trazer, mas sobre­tudo o utilizar tal arma, parece não desencadear um furto qualificado mas antes um roubo, porquanto a seringa com agulha só ganha o estatuto de arma se se anunciar que foi anteriormente empregue por alguém seropositivo, logo, a partir desse momento, há uma ameaça e, então, estaremos caídos nos domínios do roubo.

§ 69 Temos, por outro lado, mais facilidade em acompanhar todos aqueles (AASTJ IV-2 201) que centram a característica essencial da noção de arma na capacidade de provocar nas pessoas ofendidas ou nos circunstantes medo ou justo receio de poderem vir a ser lesadas no corpo ou na vida através do seu emprego. O que, diga-se em abono da ver­dade, mais não é do que um afloramento da doutrina da impressão. Todavia, inclinamo-nos para uma tal posição sobretudo porque enten­demos que a qualificação em causa resulta, já o dissemos, de um acrés­cimo de fragilidade na defesa. Fragilidade essa que pode ser desenca­deada, justamente, pela perceção de um objeto que é tido, pelo comum e normal dos cidadãos, como um instrumento capaz de ferir ou de matar (contrariamente, ao considerar que só podem ser consideradas armas, neste contexto, os objetos que, em virtude da sua construção e finali­dade, já carregam um potencial lesivo objetivo: Kindhäuser, Lehr und Praxiskommentar, 2006 § 244 5).» (Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial, t. II - Vol. I, Fundador: Jorge de Figueiredo Dias, AA. VV., variados, 2.ª ed., julho de 2022, Coimbra, Gestlegal, pp. 95 a 97

No caso dos autos, de acordo com os elementos factuais demonstrados, não foram apreendidos quaisquer objetos utilizados, que o arguido “trazia” aquando da prática dos factos ilícitos típicos: nem o objeto que podia ser uma pistola (arma de fogo), mas que não se provou que o fosse – podendo tratar-se de uma réplica (segundo o arguido, um brinquedo do filho), nem a faca – não havendo, quanto a esta, nenhuma dúvida que se tratava de uma faca verdadeira.

A circunstância agravante qualificativa funda-se na efetiva maior perigosidade para a vítima que representa o porte de arma (aparente ou oculta) no momento do crime, importando que se trate de instrumento produtor de um risco acrescido para a vida ou integridade física da vítima, o que objetivamente não ocorre quando o agente traz uma réplica de arma de fogo (pistola), pois em tal caso, o que transparece não é o propósito de atentar contra a vida ou integridade física de outrem; não há aptidão para a produção de tais resultados.

A razão de ser da circunstância agravante da alínea f) do n.º 2 do art. 204.º do CP, é justificada pela potencial superioridade de ataque que uma arma traz ao agente, e que tem como contrapartida uma clara diminuição da defesa que a vítima pode querer opor. Dito por outras palavras, o fundamento subjacente à agravação radica no perigo objetivo que a utilização de uma arma envolve, ao permitir uma crescida confiança e audácia ao agente e ao determinar uma maior dificuldade de defesa e maior perigo para a vítima. Só uma arma constitui instrumento com aptidão para causar ofensa à vida ou à integridade física alheia.

Embora do ponto de vista (subjetivo) do destinatário, o facto de o agente trazer esse instrumento pode gerar a impressão (convicção) de que aqueles bens jurídicos são colocados em perigo, por desconhecer a real natureza do mesmo, ligando-o aos efeitos que decorrem para o “homem médio”, não sendo razoável, proporcional ou justo que, para proteção de interesses pessoais e em nome da prevenção geral, se exigisse mais do que a aparência de arma.

Porém, se atentarmos que a agravação radica numa culpa acrescida do agente, e que em caso algum a culpa pode ser ultrapassada por necessidades de prevenção (art. 40.º, n.º 2, do CP), tudo se deve equacionar à luz de outro enquadramento, que, decorrendo do conceito abrangente de arma, o circunscreva, ao invés, a instrumento que, de acordo com a sua normal destinação, à luz de critérios objetivos, produz, de acordo com a sua efetiva aptidão típica, efeitos lesivos para os bens jurídicos da vida ou integridade física alheias.

Por isso, o acento tónico na solução da questão da qualificação jurídica deve deslocar-se da mera impressão (convicção), mais ou menos subjetiva, da vítima, com o inerente receio ou temor da concretização de um atentado àqueles bens jurídicos (inatingíveis, se estiver em causa uma réplica de arma de fogo), posição que é sustentada em arestos – cuja orientação se prefigura, de resto maioritária – deste STJ (cfr., Acs. de 08-03-2007, Proc. n.º 4819/06- 5.ª Sec.; de 13-12-2007; Proc. 07P3210, rel. Cons. Raúl Borges).

Nessa medida, distanciando-nos desta corrente jurisprudencial, pode concordar-se com o acórdão recorrido quando optou por desconsiderar a “arma de fogo(pistola) ou sua réplica”, enquanto circunstância agravante que integra a alínea f) do n.º 2 do art. 204.º do CP, uma vez que não se provaram as suas concretas características (assim, cfr. Ac. STJ de 27-10-2010; Proc. 1546/09.0PCSNT.L1.S1. – rel. Cons. Armindo Monteiro).

Não se tendo apurado as concretas características do objeto que o arguido trazia consigo, além da faca, tem de concluir-se não ter resultado provado que o arguido trouxesse consigo uma “arma de fogo”, assim resultando claro não ter ficado demonstrada, quanto a tal objeto, a qualificativa prevista na alínea f) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal. Não há, nessa medida, que equacionar se tal “arma” (tal instrumento) era aparente ou oculta.

Em situação distinta incorre o acórdão recorrido no tocante à desconsideração da circunstância de o arguido trazer, também, uma faca. Quanto à (comprovada) utilização de uma faca, dir-se-á que, apesar da sua não apreensão e comprovação das suas concretas características, já a conclusão terá de ser diferente.

Relativamente ao instrumento/arma “faca”/“arma de natureza corto-contundente”, que o arguido trazia quando praticou o crime, apenas não foi a mesma apreendida e, como tal, não são conhecidas as suas concretas características (v.g., o comprimento da lâmina e do cabo, o seu tamanho total). Todavia, o tribunal não expressou dúvidas de que se tratava de uma faca verdadeira.

Porém, no acórdão recorrido, a utilização “faca” foi como que obnubilada e assimilada ao outro instrumento (objeto semelhante a pistola), para efeito de desqualificação do crime de roubo.

O que já não se afigura coerente nem acertado.

Com efeito, se é dado como provado que o agente trazia uma faca (juntamente com outro instrumento) – sem que se aluda a qualquer dúvida sobre a sua natureza, nomeadamente sobre se se tratava de uma réplica – justificar-se-á o preenchimento da circunstância agravante do crime de roubo, da alínea f) do n.º 2 do art. 204.º do CP ex vi art. 210.º, n.º 2, al. b), do mesmo diploma e artigo 4.º do Dec.-Lei n.º 48/95, de 15 de março (Decreto Preambular do Código Penal de 1995).

Nessa medida, surpreende-se no acórdão recorrido uma incoerência na qualificação jurídica de tais factos: trazer o agente, aquando da prática do crime, uma faca.

Assim se conclui pela necessidade de suprimento de tal falha, que decorre do acórdão recorrido, ou seja pelo reconhecimento do acerto da posição expressa no parecer do Ministério Público junto deste STJ, no sentido do preenchimento da circunstância da alínea f) do n.º 2 do art. 204.º do CP ex vi art. 210.º, n.º 2, al. b), do mesmo diploma, face ao comprovado uso da faca pelo arguido, na prática dos factos sub judice (assim, Ac. STJ 25-05-2023, Proc. n.º 24/22.7PCMTS.P1.S1; rel. Cons. José Eduardo Sapateiro).

Importa, por fim, apreciar sobre se se justifica a alteração da pena concreta, de acordo com a pretensão do Ministério Público junto do tribunal da condenação.

O Ministério Público junto deste STJ pugna pela imodificabilidade da medida da pena concreta, cujos termos se relembram:

«Na verdade, se bem que pugnando pela agravação do crime nos termos atrás mencionados, pela alínea f) do nº 2 do artº 204º do CP, certo é que a moldura legal se mantém, por via da agravação que na decisão recorrida foi entendida como operante, a do elevado valor subtraído (artº 204º, nº 2, al. a), do CPenal). E a circunstância de não ser o crime agravado apenas por uma, mas sim por duas vias, não pode justificar o que constituiria uma dupla agravação por via das mesmas circunstâncias: há a notar que a decisão recorrida já teve em conta o recurso do arguido à intimidação para a prática dos factos, pelo que o simples facto de a sua conduta integrar uma outra alínea não pode, por si só, levar – em nosso entender, obviamente – a um acréscimo de pena.

Pena que se entende ser a adequada por todas as razões expostas na decisão, que nos dispensamos aqui de repetir, apenas nos permitindo salientar as particulares exigências de prevenção especial que se fazem sentir, com a acrescida necessidade de dissuadir a prática de atos da mesma natureza, aliadas às também muito fortes necessidades de prevenção especial, atento o facto de se estar perante um arguido que, de modo reflexivo e apenas por via de dificuldades de integração laboral e problemas financeiros, planeou e executou de forma fria e insistente o crime de roubo.

Consequentemente, entende-se pela improcedência do pedido de redução da pena que o mesmo formula no seu recurso, lembrando que está nas suas mãos a possibilidade de, na prática, através de licenças de saída e da concessão de liberdade condicional, ver reduzido o tempo de efetivo cumprimento da pena.»

Relembrem-se os fundamentos pelos quais o tribunal recorrido fixou a pena do arguido:

«Feito o enquadramento jurídico dos factos haverá que proceder à determinação da medida da censura a atribuir aos arguidos.

Nesta sede, e desde logo, impõe-se ter presente que, como decorre do que atrás se deixou exposto, ao crime em apreço corresponde apenas a pena de prisão pelo que desnecessário se torna equacionar a aplicação da pena de multa

*

O ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar não pode deixar de se prender com o disposto no art. 40º do Cód. Penal, nos termos do qual toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.

Em matéria de culpabilidade, diz-nos o nº 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Com este preceito fica-nos a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição “qua tale” da culpa. Do mesmo modo, a chamada expiação da culpa ficará remetida para a condição de consequência positiva, a ter lugar, mas não de finalidade primária da pena. No pressuposto de que por expiação se entende a compreensão da ilicitude, e aceitação da pena que cumpre, pelo arguido, com a consequente reconciliação voluntária com a sociedade.

Assim, a avaliação da culpa do agente fica ao serviço, fundamentalmente, de propósitos garantísticos e no interesse do arguido.

Este entendimento, aliás, mostra-se em consonância com o imperativo constitucional do nº 2 do art. 18º da Constituição da República, de acordo com o qual “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”, sendo certo que se não divisa, no texto fundamental, a eleição dum imperativo ético-penal da retribuição ou expiação da culpa, como direito ou interesse protegido constitucionalmente.

Quando, pois, o art. 71º do Cód. Penal nos vem dizer, no seu nº 1, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não o podemos dissociar daquele art. 40º.

Daí que a doutrina venha a defender, sobretudo pela mão de Figueiredo Dias, (cfr. “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, págs. 227 e segs.) que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar reflectirá, de um modo geral, a seguinte lógica:

A partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma “sub-moldura” para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o “quantum” abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.” (Cfr. obra citada, pág. 229).

Ora, será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão atuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológico-normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar.

Duas notas a acrescentar: “a defesa de bens jurídicos”, mencionada no referido art. 40º, deve ser entendida, em sede de fins das penas, como propósito de prevenção geral positiva ou de integração, com o fim de “estabilização das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida e, portanto, como modelo de orientação para os contactos sociais, ou ainda como réplica perante a infracção da norma, executada à custa do seu infractor.

Na verdade, a defesa de bens jurídico-penais é, ela mesma, em geral, o desiderato de todo o sistema penal globalmente considerado, e não um fim que se possa considerar privativo das penas.

Quanto à prevenção especial, sabe-se como pode ela operar através da “neutralização-afastamento” do delinquente para que fique impedido fisicamente de cometer mais crimes, como intimidação do autor do crime para que não reincida, e, sobretudo, para que sejam fornecidos ao arguido os meios de modificação de uma personalidade revelada desviada, assim este queira colaborar em tal tarefa.

Esta, tanto quanto sabemos, a orientação quase unânime do Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria.

Já o nº 2 do art. 71º do Cód. Penal manda atender, na determinação concreta da pena, “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.

Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime.

No caminho da concretização da pena a aplicar tomar-se-ão pois em conta os critérios consignados no citado artigo 71º do Cód. Penal e, assim a culpa do agente, as necessidades de prevenção e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.

Debruçando-nos agora sobre os factos, dir-se-á que procede, para o fim a alcançar neste ponto, o condicionalismo que já foi apontado nos autos.

As necessidades de prevenção geral e especial, traduzindo-se as primeiras na revalidação das normas violadas (sendo intensa a violação no crime de roubo quer por aquilo de que o arguido ilegitimamente se apropriou com o correspondente prejuízo de terceiro, quer pelo elevado valor dos bens jurídicos de natureza eminentemente pessoal contra os quais atentou; bem como na repressão de actos como os que ora se censuram (de modo a lançar um claro alerta de que tais actos não são tolerados pela comunidade e desta recebem forte censura na reação do sistema de justiça), e as segundas na prevenção da prática de futuros crimes, estas médias, já que o arguido não apresenta anteriores censuras de ordem penal.

No entanto, há que dizê-lo, tal não o inibiu de protagonizar um comportamento criminoso grave, em que revelou uma assinalável indiferença pelos bens jurídicos tutelados pelas normas jurídicas violadas, nos termos já referidos, e, consequentemente, uma personalidade desconforme com as mais elementares regras de convivência social.

Nesta sede, não pode deixar de se ter presente que o roubo é um tipo de crime, ou mais amplamente, uma fenomenologia criminal, em que se fazem sentir considerações de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, demandando uma reação penal que reafirme a validade e vigência comunitária dos bens jurídicos que a incriminação protege.

O grau da ilicitude dos factos, considerado no âmbito do respetivo crime, foi elevado, atendendo ao concreto modo de atuação do arguido, com recurso à violência e à intimidação e aos valores de que se apropriou.

O dolo foi directo e intenso (art. 14º, nº 1 do Cód. Penal), pois o arguido representou sempre o significado ilícito da sua conduta e quis praticar os factos.

A ter presente ainda que o arguido tem habilitações escolares de 6º ano, uma vez que desistiu da escola antes de ter concluído o 9º ano, motivado por começar a trabalhar e ganhar o próprio dinheiro.

À data dos factos na origem do presente processo, AA trabalhava havia menos de um mês como motorista/distribuidor na Empresa de ..., o que lhe iria permitir um vencimento mensal de 1000€. Até então, desde que regressou definitivamente à RAM em março/ 2023, foi trabalhando de forma precária, através de agências de prestação de serviços, em funções diversas, entre motorista, montagem de estruturas, serralharia e distribuição de bebidas.

No seu percurso profissional anterior sobressaem, ainda, outras experiências como as de servente de pedreiro, serralheiro e bate chapas. Durante o período de imigração esteve vinculado a duas empresas de distribuição alimentar onde, segundo refere, progrediu até à categoria de encarregado geral.

Como fontes de rendimento foram reportados os salários do casal, num total aproximado de 1700€, prestações sociais de abono de família dos filhos de 200€ e pensão de viuvez da sogra, de 220€.

Apresentam como encargos fixos, a amortização da casa, no valor de 1000€ e 150€ de água, luz e comunicações, os mesmos que se observavam à data dos factos e que constituíam fator de stress, pelas dificuldades em fazer face à situação, pese embora reportassem uma gestão parcimoniosa dos recursos.

Revelou dificuldades em lidar com a instabilidade laboral e financeiras que vivenciou aquando do regresso definitivo à RAM, situação que foi sendo vivida com progressiva ansiedade e que deu azo ao pessimismo e desespero face ao futuro. Segundo o próprio, foi neste quadro emocional que veio a desenvolver ideias suicidas, que não partilhava com ninguém.

Possui um leque alargado de relações familiares e sociais bem patente no número extenso de visitas de familiares e amigos durante o presente período de prisão preventiva.

Ainda que apresente uma narrativa de atribuição ao estado emocional de desespero e visão catastrófica do futuro, admite a oportunidade deste confronto com o sistema de administração da justiça penal e da sua responsabilidade na situação.

Auto recrimina-se também do impacto na família pela situação prisional em que se encontra, lamentando a falta do contributo do seu trabalho para a economia comum.

No contexto prisional, tem sido alvo de medidas de prevenção do suicídio. O seu comportamento e relacionamento interpessoal tem sido globalmente correto. Encontra-se afeto ao trabalho na cozinha.

Foram-lhe autorizadas saídas para consultas de psiquiatria no exterior e encontra-se medicado por esta especialidade.

Sem esquecer ainda que o arguido confessou parcialmente os factos e verbalizou arrependimento.

Ponderando tudo aquilo que se deixa exposto e tendo em conta a moldura penal aplicável, analisados todos os factores acima referidos, consideramos ajustado aplicar ao arguido pela prática, em coautoria material, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, a pena de 6 (seis) anos de prisão;».

Não vemos objeção a este enquadramento e ponderação do quantum da pena aplicada, face à qualificação dada como provada, enquanto roubo agravado, nos termos do art. 210.º, n.º 1, al. b) e 204.º, n.º 2, alíneas a) e f), do CP.

O arguido planeou o crime de forma audaciosa e executou-o de forma fria e quase “profissional”, o que não pode deixar de suscitar vivo repúdio pela sua atuação.

Atemorizou e atentou contra a liberdade, tranquilidade e segurança de seis pessoas – cinco funcionários e uma cliente da agência bancária – durante um lapso de tempo não desprezível, permitindo-se dar “ordens” enquanto aguardava a abertura do cofre da agência.

Roubou a quantia de cerca de € 214.965,00 (duzentos e catorze mil, novecentos e sessenta e cinco Euros), tendo sido recuperado o valor global de € 208.152,00 (duzentos e oito mil e cento e cinquenta e dois Euros).

A motivação para o crime, se não é incompreensível e de difícil entendimento num quadro de equilíbrio emocional, evidencia uma inusitada determinação na sua consumação, indiferente às adversidades e obstáculos possíveis. Em qualquer caso, a merecer forte censura ético-social.

Todavia, o teor do parecer do Ministério Público neste STJ salienta a desnecessidade de exasperação da sanção num quadro como o presente, em que o arguido, sendo primário, verbalizou arrependimento e confessou parcialmente os factos, o que corrobora a fundamentação do acórdão recorrido.

Tudo considerações a apontar para que se mostram satisfeitas as necessidades de punição e as exigências de prevenção geral, bem como o princípio da tendencial igualdade na aplicação das penas.

Não vemos, nessa medida, reconhecendo-se embora o brilhantismo da motivação de recurso da Senhora Procuradora da República junto do tribunal recorrido, necessidade de aumentar a medida concreta da pena aplicada ao arguido.

Pelo exposto, procede parcialmente, nos termos supra mencionados, o recurso do Ministério Público.

III. Decisão

Por tudo quanto se expôs, acordam os juízes Conselheiros desta secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA;

- julgar parcialmente procedente, embora por outros fundamentos – reconhecendo-se a qualificação da conduta do arguido pela alínea f) do n.º 2 do artigo 204.º do Código Penal ex vi do artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do mesmo diploma –, o recurso do Ministério Público, mantendo-se, porém, a pena de seis (6) anos de prisão, aplicada ao crime de roubo agravado em que o arguido foi condenado.

Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 7 (sete) UC – artigos 513.º, n.º 1, do CPP e 8.º, n.º 9 do RCP (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26-02, e Tabela III anexa), sem prejuízo de eventual benefício de apoio judiciário.

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Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 26-06-2025

Texto elaborado e informaticamente editado, e integralmente revisto pelo Relator, sendo eletronicamente assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos (art. 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)

Os juízes Conselheiros

Jorge dos Reis Bravo (relator)

Jorge Gonçalves (1.º adjunto)

Ernesto Nascimento (2.º adjunto)