I. O fundamento da revisão de decisão penal condenatória, com base na alínea d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, exige que:
- se trate de facto ou prova novos, que não existia nem constava do processo à data da prolação da sentença, sendo desconhecido no momento do julgamento ou eram ignorados pelo recorrente à data do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser atendidos pelo Tribunal ou que, sendo embora o facto ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, ele justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque não pôde ou entendeu não dever apresentá-los na altura. Se eles podiam e deviam ter sido levados ao julgamento, mas por incúria ou estratégia da defesa não o foram, então apenas se justificaria um recurso ordinário, não se podendo transformar um recurso extraordinário como é o de revisão num recurso ordinário, que não é;
- se o facto ou o meio de prova já constavam do processo, sendo acessíveis à verificação dos sujeitos processuais, não pode o mesmo ser considerado uma novidade, para efeitos da verificação dos requisitos de admissibilidade do recurso de revisão ínsito na alínea d), do n.º 1, do art. 449.º, do CPP;
- que a gravidade da dúvida sobre a justiça da condenação aponte, assim, para uma forte probabilidade de que os novos factos ou meios de prova, se introduzidos de novo em juízo, e submetidos ao crivo do contraditório de uma audiência pública, venham a produzir uma absolvição.
II. Não pode ser atendido como motivo de revisão de decisão condenatória a circunstância de a audiência de discussão e julgamento ter decorrido na ausência do arguido, sem que o tribunal tenha considerado indispensável a presença do arguido ao abrigo do art. 333.º, n.º 1, do CPP.
III. A indicação de testemunhas com vista à sua inquirição, cuja identificação era conhecida ou cognoscível aquando da realização da audiência de julgamento, bem como de testemunha que se se prevaleceu da prerrogativa do art. 134.º do CPP, não tendo direto conhecimento sobre a factualidade tipicamente relevante dada como provada, não se trata de diligência(s) apta(s) a suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
IV. Tendo-se considerado necessário proceder a perícia de personalidade do arguido para se compreender as razões da inércia na exercitação de direitos processuais de defesa, designadamente o direito ao recurso – podendo esta circunstância constituir “facto novo” ou não considerado pelo tribunal da condenação, ao abrigo da alínea d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP –, e tendo o seu resultado sido esclarecedor no sentido de o arguido não ser afetado de nenhuma perturbação mental ou transtorno de personalidade, impõe-se concluir pela insubsistência de elementos que possam fundamentar a revisão da decisão condenatória.
V. Não sendo processualmente viável formular qualquer consideração sobre a qualidade ou o mérito da defesa (oficiosa) do arguido, não pode a alegada ineficácia da defesa, por não ter requerido a presença do arguido na audiência de julgamento, bem como diligências de prova, e não ter interposto recurso do acórdão condenatório, constituir fundamento de revisão.
I. Relatório
I.1. O requerente, AA, arguido e condenado nos autos, vem, por requerimento de 11-06-2024 (Ref.ª Citius ......00), nos termos e demais efeitos do disposto no art. 449.º, n.º 1, alínea d) do C. P. Penal, e por ter legitimidade nos termos do art. 450.º, n.º 1, al. c), requerer a revisão do acórdão condenatório de 08-11-2023, transitado em julgado em 14-12-2023, do Juízo Central Criminal de ... – Juiz..., que o condenou pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, de:
«1.1. Cinquenta e três crimes de violação agravados, p. e p. pelos arts. 26º, 30º, n.º 1, 164º, n.º 1 als. a) e b), singular ou cumulativamente, e 177º, n.º 1 al. a) e n.ºs 6 e 7 do Código Penal (com a redação conferida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro), na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão por cada um desses crimes.
1.2. Em cúmulo jurídico das penas parcelares descritas em 1.1.), nos termos do art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 10 (dez) anos de prisão.»
I.2. O requerente apresenta as seguintes conclusões (transcrição):
« V. Conclusões:
a) O Arguido foi condenado, a 10 anos de prisão, por um crime alegadamente cometido há 10 anos, sem ser presente, uma única vez, a um juiz, sendo dispensada a sua presença
em audiência de julgamento, em ostensiva violação do disposto no art.º 6º, n.º 1, da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
b) O Arguido sofre de um quadro mental não diagnosticado, com suspeitas de transtorno
bipolar, não estando medicado e sendo, além do mais, consumidor habitual de canábis,
não dispondo da necessária capacidade de discernimento que lhe permitisse perceber a gravidade das acusações formuladas e as consequências jurídicas e práticas da sua omissão e sendo caracterizado por uma anormal infantilidade e alienação relativamente
ao mundo real.
c) O Arguido não praticou os factos de que foi acusado e pelos quais foi condenado, sobre os quais a “ofendida” mentiu, despudoradamente, com objectivo de vingança e por ser uma pessoa perturbada, o que se fez notar sobretudo nos últimos anos.
d) A “ofendida” e o Arguido, apesar de filhos de diferentes pais, foram sempre íntimos um do outro, sem que esta alguma vez tenha feito qualquer relato dos factos constantes da acusação, apesar de a relação de pautar por fortes ciúmes, motivados pelo facto de o Arguido ter um tratamento diferenciado, por parte da mãe, determinado pelos problemas pessoais que o Arguido sempre vivencio.
e) Na sequência da condenação, a mãe do arguido e da “ofendida” relatou ao primeiro
que, cerca de dois meses antes da apresentação da denúncia, aquela lhe pediu um empréstimo no valor de 30.000,00€, para que o seu marido (BB) abrisse um negócio de Ubber, o que esta recusou.
f) Na sequência de tal recusa, a Ofendida deixou de falar à mãe e jurou vingança, por móbil de inveja e ciúme, alegando que a mãe a tratava, relativamente ao Arguido, de forma diferente, passando a difamar a própria mãe acusando-a de realizar “bruxaria” e
de lhe dar murros na barriga quando estava grávida, o que esta só soube recentemente,
g) Aos pais, amigos e familiares a Ofendida contou duas versões sobre a forma como perdeu a virgindade, diferentes da que está respaldada na acusação: Que perdeu a virgindade com o marido, em 2016 (quando tinha 19 anos); E que perdeu a virgindade com um músico conhecido como “CC”, numa festa designada “Quebrada”, onde há constantes trocas de parceiros sexuais, organizadas por um grupo designado “...” composto por músicos com os quais manteve relações de amizade, a que foi
apresentada pela prima, DD.
h) A terceira versão, aquela a que a Acusação dá respaldo, foi relatada pela ofendida, pela primeira vez ao companheiro, BB, quando este ameaçou terminar a relação, sendo este a relatar tais abusos aos pais da Ofendida, e dizendo-lhes que a Ofendida EE teria feito tal relato
i) Posteriormente, o tema volta a ser falado precisamente no dia de aniversário do Arguido, quando se encontrava com a Ofendida, com a mãe de ambos, com o padrasto (pai da Ofendida) e com a actual companheira; E após tal relato, a ofendida e o arguido
foram, com amigos, celebrar o aniversário para uma discoteca em Lisboa, onde estiveram juntos, como se nada se tivesse passado.
j) Durante o período em que a Ofendida viveu em casa dos pais, após ser mãe, deixava a criança com o arguido, para poder ir sair com as amigas; E era a companheira do Arguido quem, quando chegava a casa do trabalho, cuidava do filho da Ofendida (que estava sozinho em casa com o Arguido, o qual não era capaz de lhe prestar os cuidados necessários), dando-lhe banho, alimentando-o, etc.
k) Entre 2005 e 2014, o Arguido teve apenas uma namorada, FF, de quem tem um filho, nascido em 2013. E durante a infância da “ofendida”, era a Sr.ª FF quem ficava em casa, a tomar conta dela, uma vez que a mãe da “ofendida” estava a trabalhar e o Arguido, que era então já adolescente, raramente estava em casa, senão à noite.
l) Aos 13 anos, a Ofendida era, ainda, virgem, uma vez que, quando iniciou a menstruação, por sofrer de fortes dores, a sua mãe a acompanhou-a ao serviço de Pediatria do Hospital Fernando Fonseca, onde foi examinada, confirmando-se que era virgem nessa data, o que foi ainda confirmado pela Médica Pediatra Dr.ª GG.
m) Requer-se, nos termos do art.º 457.º, do CPP, a suspensão do cumprimento de pena,
disponibilizando-se o Arguido ao cumprimento de quaisquer imposições que venham a
ser determinadas que permitam a aplicação de medida de coação alternativa à prisão
Termos em que se requer a V. Ex.ª, que se digne admitir o presente recurso de revisão e consequentemente, ordenar a realização das diligências probatórias que infra se requererão:
A) PROVA PERICIAL:
perícia psiquiátrica ao Arguido, pelo Instituto de Medicina Legal, por se tratar da percepção, avaliação e caracterização de factos que apenas pode ser feita por peritos de psiquiatria forense, sendo-lhe aplicável o disposto no art. 163.º do CPP;
B) TESTEMUNHAS:
1) FF, residente na Rua ...;
(Ex-companheira do Arguido, com conhecimento direito e pessoal dos factos
relatados nos pontos 51º a 57º)
2) HH, residente na Praceta ...;
(Companheira do Arguido, com conhecimento directo e pessoal dos factos
relatados nos pontos 47º a 50º).
3) II, residente na Praceta ...;
(Mãe da ofendida e do Arguido, com conhecimento direito e pessoal de todos
os factos relatados nos pontos 29 a 62);
4) DD, residente na Rua ...;
(prima da Ofendida, a quem relatou ter perdido a virgindade durante uma festa
organizada pelo grupo “...” com o músico “CC – ponto 47 do
presente requerimento – art.º 36º);
5) GG, médica, a notificar no Centro de Saúde sito na rua ....
(Factos relatados no art.º 58 a 61º)»
I.3. O Ministério Público junto do tribunal de 1.ª instância respondeu ao recurso em 15-07-2024 (Ref.ª Citius ......57), tendo concluído da forma seguinte:
«(…)
IV CONCLUSÕES:
1 O arguido AA veio recorrer, requerendo a revisão do douto acórdão proferido no âmbito dos presentes autos, no ã do qual foi deliberado “1. Julgar a acusação do Ministério Público parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência, condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, de: 1.1. Cinquenta e três crimes de violação agravados, p. e p. pelos arts. 26º, 30º, n.º 1, 164º, n.º 1 als. a) e b), singular ou cumulativamente, e 177º, n.º 1 al. a) e n.ºs 6 e 7 do Código Penal (com a redação conferida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro), na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão por cada um desses crimes. 1.2. Em cúmulo jurídico das penas parcelares descritas em 1.1.), nos termos do art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 10 (dez) anos de prisão”.
2 No caso concreto, o arguido peticiona a revogação da condenação e o fundamento apresentado pelo mesmo para a interposição do recurso extraordinário de revisão, corresponde ao previsto no artigo 449.º, n.º 1, alínea d), que considera tal recurso admissível quando “Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”
3 Em síntese,o arguido apresentou como argumentação para fundamentar a revisão da decisão que veio requerer, que “a) O Arguido foi condenado, a 10 anos de prisão, por um crime alegadamente cometido há 10 anos, sem ser presente, uma única vez, a um juiz, sendo dispensada a sua presença em audiência de julgamento, em ostensiva violação do disposto no art.º 6º, n.º 1, da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. b) O Arguido sofre de um quadro mental não diagnosticado, com suspeitas de transtorno bipolar, não estando medicado e sendo, além do mais, consumidor habitual de canábis, não dispondo da necessária capacidade de discernimento que lhe permitisse perceber a gravidade das acusações formuladas e as consequências jurídicas e práticas da sua omissão e sendo caracterizado por uma anormal infantilidade e alienação relativamente ao mundo real. c) O Arguido não praticou osfactosdequefoi acusado epelosquaisfoi condenado, sobre osquais a “ofendida” mentiu, despudoradamente, com objectivo de vingança e por ser uma pessoa perturbada, o que se fez notar sobretudo nos últimos anos. (...) o tema volta a ser falado precisamente no dia de aniversário do Arguido, quando se encontrava com a Ofendida, com a mãe de ambos, como padrasto (pai da Ofendida) e com a actual companheira; E após tal relato, a ofendida e o arguido foram, com amigos, celebrar o aniversário para uma discoteca em Lisboa, onde estiveram juntos, como se nada se tivesse passado.”
4 A possibilidade de revisão das decisões criminais já transitadas em julgado vem prevista no artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa e os fundamentos do recurso revisão são os que se encontram elencados, de forma taxativa, no artigo 449.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
5 Conforme dispõe o artigo 499.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, constitui fundamento do recurso de revisão a descoberta de “novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.”
6 No caso concreto, o recorrente veio alegar que os factos denunciados e o depoimento da ofendida, não foram praticados pelo arguido, porquanto não só não correspondem à verdade, como pela circunstância de a ofendida e o arguido terem convivido na festa de aniversário do arguido, juntando para o efeito fotografias não datadas e uma informação clínica do arguido.
7 Todavia, resulta evidente da fundamentação da matéria de facto, que o Tribunal não fundou a sua convicção somente com base no depoimento da ofendida, a qual aliás foi credível e isenta, mas também no depoimento da testemunha JJ, padrasto, que corroborou parte dos factos, de forma absolutamente isenta e credível.
8 Ora os factos ora alegados, que não nos parecem efetivamente constituir factos novos nos termos e para os efeitos do artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, também não são em nosso entender suscetíveis de revogar a condenação, porquanto a natureza dos mesmos não são de molde a por em causa a justiça da decisão.
9 Efetivamente, estes factos agora apresentados, na verdade, não são credíveis ao ponto de constituírem motivo para porem em crise a fundamentação da condenação, de forma isenta de dúvida.
10. Assim, não se afigura que os factos invocados pelo recorrente tenham credibilidade suficiente para por em causa o mérito da decisão recorrida e de assim suscitarem dúvidas sobre a justiça da condenação, não sendo fundamento suficiente para a revisão da decisão.
11 Pelo exposto, sou de parecer não ser de admitir a pretendida revisão do acórdão, devendo o mesmo manter-se, porquanto os factos não são novos no sentido jurídico e não colocam em causa a justiça da condenação, mantendo-se plenamente válidos os doutos fundamentos de facto e de direito no qual a condenação do Tribuna a quo se baseou.
*
V.as Ex.as, todavia, melhor decidirão, fazendo a costumada e habitual JUSTIÇA.»
I.4. Ao abrigo do disposto no artigo 454.º, do CPP, a Senhora juíza de Direito titular do processo no Juízo Central Criminal de .../Juiz..., por despacho de 19-07-2024 (Ref.ª Citius .......00), indeferiu a realização das pretendidas diligências de prova e informou, no essencial, o seguinte:
«(…)
Ao abrigo do disposto no art. 453º, n.º 1, a contrario sensu, do Código de Processo Penal, e não se reputando necessária a realização de quaisquer diligências probatórias, pelos motivos que a seguir se exporão, cumpre dar cumprimento do preceituado no art. 454º do mesmo diploma legal.
Acresce que a requerida perícia psiquiátrica ao Arguido, pelo Instituto de Medicina Legal, nos termos do disposto no art. 163.º do CPP é diligência que o arguido poderia ter requerido anteriormente, não podendo ignorar à data da audiência de julgamento da essencialidade desta prova, inexistindo causa superveniente à decisão.
(…)
Exmos. Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça:
Vem o arguido AA, que foi condenado como autor material e em concurso efectivo de cinquenta e três crimes de violação agravados, p. e p. pelos arts. 26º, 30º, n.º 1, 164º, n.º 1 als. a) e b), singular ou cumulativamente, e 177º, n.º 1 al. a) e n.ºs 6 e 7 do Código Penal (com a redação conferida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro), na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão por cada um desses crimes. Em cúmulo jurídico das penas parcelares, nos termos do art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 10 (dez) anos de prisão, apresentar recurso de revisão com invocação das disposições conjugadas nos artigos 449º nº 1 al. d), do Cód. Processo Penal que considera tal recurso admissível quando “Se descobrirem novos factos ou meios de provaque, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.
Em suma, sustenta que:
“a) O Arguido foi condenado, a 10 anos de prisão, por um crime alegadamente cometido há 10 anos, sem ser presente, uma única vez, a um juiz, sendo dispensada a sua presença em audiência de julgamento, em ostensiva violação do disposto no Em síntese, o arguido apresentou como argumentação para fundamentar a revisão da decisão que veio requerer, que “a) O Arguido foi condenado, a 10 anos de prisão, por um crime alegadamente cometido há 10 anos, sem ser presente, uma única vez, a um juiz, sendo dispensada a sua presença em audiência de julgamento, em ostensiva violação do disposto no art.º 6º, n.º 1, da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. b) O Arguido sofre de um quadro mental não diagnosticado, com suspeitas de transtorno bipolar, não estando medicado e sendo, além do mais, consumidor habitual de canábis, não dispondo da necessária capacidade de discernimento que lhe permitisse perceber a gravidade das acusações formuladas e as consequências jurídicas e práticas da sua omissão e sendo caracterizado por uma anormal infantilidade e alienação relativamente ao mundo real. c) O Arguido não praticou os factos de que foi acusado e pelos quais foi condenado, sobre os quais a “ofendida” mentiu, despudoradamente, com objectivo de vingança e por ser uma pessoa perturbada, o que se fez notar sobretudo nos últimos anos. (...) o tema volta a ser falado precisamente no dia de aniversário do Arguido, quando se encontrava com a Ofendida, com a mãe de ambos, com o padrasto (pai da Ofendida) e com a actual companheira; E após tal relato, a ofendida e o arguido foram, com amigos, celebrar o aniversário para uma discoteca em Lisboa, onde estiveram juntos, como se nada se tivesse passado.”
*
Considerando o disposto no artº 454º do Código de Processo penal, cumpre proferir informação sobre o mérito do pedido o que, por questões de economia processual se faz, antes de mais, por adesão aos doutos fundamentos da resposta dada pela Digna Magistrada do Ministério Público.
E citamos:
“(…) No caso concreto, o recorrente veio alegar que os factos denunciados e o depoimento da ofendida, não foram praticados pelo arguido, porquanto não só não correspondem à verdade, como pela circunstância de a ofendida e o arguido terem convivido na festa de aniversário do arguido, juntando para o efeito fotografias não datadas e uma informação clínica do arguido.
Todavia, resulta evidente da fundamentação da matéria de facto, que o Tribunal não fundou a sua convicção somente com base no depoimento da ofendida, a qual aliás foi credível e isenta, mas também no depoimento da testemunha JJ, padrasto, que corroborou parte dos factos, de forma absolutamente isenta e credível.
Ora os factos ora alegados, que não nos parecem efetivamente constituir factos novos nos termos e para os efeitos do artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, também não são em nosso entender suscetíveis de revogar a condenação, porquanto a natureza dos mesmos não são de molde a por em causa a justiça da decisão. Efetivamente, estes factos agora apresentados, na verdade, não são credíveis ao ponto de constituírem motivo para porem em crise a fundamentação da condenação, de forma isenta de dúvida.(…)”
Assim, afigura-se-me, tal como entendeu a Digna Magistrada do Ministério Público, que será de negar a revisão.
*
Notifique e, cumpridas as formalidades, subam os autos ao Colendo Supremo Tribunal de Justiça para superior apreciação.»
I.5. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor magistrado do Ministério Público aqui em funções pronunciou-se em circunstanciado parecer, em 25-07-2024 (Ref.ª Citius ......91), acompanhando a posição da Senhora procuradora da República e da Senhora juíza de Direito titular no tribunal de 1.ª Instância, no sentido de ser negado o pedido de revisão, adscrevendo as seguintes considerações:
«(…)
O recorrente começa por se insurgir contra o facto de ter sido julgado in absentia, «sem ser presente, uma única vez, a um juiz, sendo dispensada a sua presença em audiência de julgamento» [conclusão a)].
Todavia, este fundamento é inaproveitável para efeitos de revisão (v. o previamente referido acerca da tipicidade das causas deste recurso extraordinário).
Independentemente disso não deixaremos de acrescentar que, segundo consta do acórdão revidendo, o arguido foi julgado nos termos do art. 333.º, n.º 2 do CPP o que implica que foi regularmente notificado da audiência (art. 333.º, n.º 1, do CPP), que, sob pena de nulidade insanável (art. 119.º, al. c), do CPP), de que não há notícia ter sido cometida [e que, em qualquer caso, após o trânsito em julgado da condenação, jamais poderia ser invocada ou conhecida (como diziam os antigos, res iudicata facit de albo nigrum de quadrato rotundum)], nela esteve assistido por defensor (arts. 64.º, n.º 1, al. c), 67.º e 330.º, n.º 1, do CPP), que o defensor podia ter requerido que se procedesse à sua audição (art. 333.º, n.º 3, parte final, do CPP) e que, por fim, o prazo de interposição de recurso só começou a correr a partir da sua notificação pessoal da decisão (arts. 113.º, n.º 10, e 333.º, n.º 5, do CPP), circunstâncias que, no seu conjunto, garantiram de forma mais que suficiente o julgamento equitativo a que alude o art.º 6.º, n.º 1, da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
O arguido diz ainda que «sofre de um quadro mental não diagnosticado, com suspeitas de transtorno bipolar», é «consumidor habitual de canábis» e não dispõe «da necessária capacidade de discernimento que lhe permitisse perceber a gravidade das acusações formuladas e as consequências jurídicas e práticas da sua omissão (…) sendo caracterizado por uma anormal infantilidade e alienação relativamente ao mundo real» [conclusão b)].
Pode esta realidade, que não consta dos factos provados e não provados do acórdão revidendo, ser reconduzida ao fundamento de revisão previsto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP?
A resposta é negativa.
Segundo a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), a novidade dos factos e/ou das provas prevista neste normativo exige que os mesmos sejam «desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento, resultando a sua não oportuna apresentação precisamente desse desconhecimento ou, no limite, duma real impossibilidade de apresentação em julgamento» (acórdão do STJ de 27 de abril de 2022, processo 1928/16.1PAALM-A.S1, relatado pela conselheira Maria Helena Fazenda, www.dgsi.pt).
Ora, a saúde mental e os consumos de narcóticos por parte do arguido configuram factos de natureza pessoal que este não podia desconhecer e que, por conseguinte, se entendia que os mesmos interferiam na sua capacidade de avaliar a ilicitude dos atos ou de se determinar de acordo com essa avaliação (art. 20.º, n.º 1, do CP), podia e devia ter alegado no julgamento (o teor da «informação clínica» junta ao recurso menciona, aliás, que o arguido foi a duas consultas médicas em datas anteriores ao julgamento dos autos).
Não o tendo feito nem tendo instruído o defensor nesse sentido, sibi imputet. Como observa o STJ a propósito do art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, se o arguido escamoteia ao tribunal da condenação algum facto ou meio de prova não deve ser depois «compensado com o "prémio" de um recurso excepcional, que se destinaria afinal a suprir deficiências, voluntárias ou involuntárias, da sua defesa em julgamento» (acórdão do STJ de 10 de setembro de 2008, processo 08P1617, relatado pelo conselheiro Maia Costa, www.dgsi.pt).
Diz, enfim, o arguido, que a ofendida, cujo depoimento foi decisivo para formar a convicção do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ..., «mentiu despudoradamente» [conclusões c) e seguintes].
A este respeito assinalaremos apenas que não foi essa a avaliação do tribunal da condenação (conforme se pode ler no acórdão, «o juízo probatório positivo acerca dos factos constantes da acusação, nos precisos termos que foram dados como provados, resultou – exclusiva e preponderantemente – do depoimento prestado, de forma séria e merecedora de credibilidade, pela testemunha EE, a ofendida») e que, em qualquer caso, a alegada fabulação só poderia fundamentar o recurso de revisão se o arguido apresentasse uma outra sentença transitada em julgado que tivesse considerado falso o testemunho da vítima (art. 449.º, n.º 1, al. a), do CPP).
Na direta decorrência de tudo quanto vem de ser exposto, nenhuma crítica merece o indeferimento da realização de uma perícia psiquiátrica ao arguido e da inquirição das testemunhas arroladas pelo mesmo.
Aqui chegados, comungando em tudo o mais dos argumentos aduzidos na informação da Sr.ª juíza e na resposta do MP, emitimos parecer no sentido da negação da revisão por falta de fundamento legal.»
I.6. Foi observado o contraditório (art. 3.º, n.º 3, do CPC aplicável ex vi art. 4.º, do CPP), tendo o requerente sido notificado para, querendo, se pronunciar, vindo dizer o seguinte:
«Um jovem.
Pai.
Preso meses após o nascimento do filho. Preso, 10 anos.
Condenado “à revelia”. Sem se ter defendido,
Sem ser, alguma vez, ouvido.
Condenado por (alegadamente) ter violado rmã há 10 anos atrás. Que agora, só agora, decidiu “queixar-se”.
O Tribunal não “achou” necessário ouvi-lo…
Por factos ocorridos há 10 anos atrás de que só 10 anos depois a irmã decidiu queixar-se…
É perturbante.
Uma condenação desta jaez, é só perturbante.
Mas, mais perturbante, é um sistema jurídico não ter “remédio” para “isso”.
E mais perturbante, ainda, é o entendimento segundo o qual, na sequência da execução da pena de prisão, várias testemunhas virem transmitir ao Arguido que têm conhecimento de fatos que põe em causa a justiça desta condenação,
(Nos termos expressamente alegados no Recurso de revisão; repeti-lo seria tautológico). Não constitui “prova nova”.
Que, tais factos, só conhecidos pelo Arguido porque foi preso e porque na sequência dessa prisão se prestaram a depor testemunhas com conhecimento de factos relevantes, que o arguido até aí desconhecia, não são “factos novos”.
Choca-nos. Sinceramente.
É normal que choque e seria muito mau sinal que se não chocasse (juridicamente).
E choca porque uma condenação desta jaez jamais seria justa.
Ainda que – sem conceder – o arguido fosse “culpado”.
E o que choca mais é o ministério público, que perante uma condenação da jaez descrita,
deveria ter sido o “primeiro” a interpor recurso no interesse do arguido, nada tenha feito,
Vindo, agora, alegar que a prova que o Arguido apresentar não se traduz em “novos factos”.
A expressão «processo equitativo» unifica assim um grupo de garantias referentes ao modo como o processo deve ser configurado.
Ser ouvido é uma delas.
Não é culpa do Arguido padecer de condição psiquiátrica que o levou ignorar os termos do processo até ao momento em que foi preso para cumprimento de uma pena em que foi condenado sem jamais ser ouvido.
E ainda que fosse culpa sua.
Ainda que alguém, no seu “perfeito juízo”, desconsiderasse a acusação que lhe foi dirigida e as consequências que daí adviriam.
Mesmo assim!
Mesmo assim, violado seria o direito a um processo equitativo, ao ser-lhe negado o recurso.
A não admissão do recurso de revisão, fundado em provas que o arguido alegou desconhecer à data da condenação, em processo em que foi condenado sem ser ouvido por juiz e sem apresentar a sua versão dos factos, ou infirmar a que consta da acusação, constitui uma violação do art.º 6º (em particular do º 4) da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, neste caso, por omissão de previsão legal da possibilidade de revisão de sentença condenatória penal proferida sem que o Arguido tenha efectivamente exercido o direito a defender-se.
Perdoem-nos, Venerandos Conselheiros, os termos deste arrazoado.
Mas é o que vai na alma de outro jovem, com o dobro da idade, e com mínimo sentido de justiça.»
I.7. Colhidos os vistos legais, teve lugar a conferência em 26-09-2024, tendo sido proferido acórdão (preliminar) nessa data (Ref.ª Citius ......27), que deliberou:
«(…) determinar, nos termos do art. 455.º, n.º 4, do CPP, a realização de perícia de personalidade, ao abrigo do disposto nos artigos 159.º, n.º 6 e 160.º, do CPP e 24.º da Lei n.º 45/2004, de 19-08 (alter. pela Lei n.º 53/2021, de 16-07) e com vista a determinar-se, se possível,
1) se o requerente AA padece de qualquer perturbação mental ou transtorno de personalidade;
2) em caso afirmativo, qual, e se o mesmo pode afetar a capacidade de representar a possibilidade de, não exercitando quaisquer meios de defesa, advirem sérias consequências sancionatórias para si num processo como o presente;
3) em qualquer caso, determinar-se, se possível, o grau de autonomia individual e psicossocial, no tocante à capacidade de discernimento para avaliar a gravidade das acusações formuladas e as consequências jurídico-processuais (condenação em pena de prisão de duração considerável) de permanecer inerte durante os termos do processo e de se determinar de acordo com tal avaliação.»
I.8. A realização de tal perícia foi deferida ao INMLCF, I.P., tendo-se procedido à mesma em dois momentos, intervindo um Psicólogo e um Psiquiatra, a cujos resultados infra se aludirá.
I.9. Admissibilidade e objeto do recurso
A decisão revidenda – o acórdão de 08-11-2023 do Juízo Central Criminal de ... – transitou em julgado em 14-12-2023 - art. 449.º, n.º 1, do CPP.
O objeto da providência é a autorização de revisão da decisão (acórdão) suprarreferida.
O tribunal de revisão é o competente (artigos 55.º, al. e), da Lei n.º 62/2013, de 26-08, 11.º, n.º 4, al. d), 451.º, 452.º e 455.º do CPP).
Pela Senhora juíza de Direito titular do processo foi prestada a informação prevista no art. 454.º do CPP, sobre o mérito do pedido.
O recurso foi introduzido por pessoa condenada – arguido no processo –, representada por advogado, relativamente a «sentença condenatória» [acórdão] – art. 450.º, n.º 1, alínea c) do CPP.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, reunidos os elementos reputados necessários para a decisão, importa proferi-la.
II. Fundamentação
II.1. Delimitação do objeto da revisão
A pretensão do requerente no sentido de ser autorizada a revisão fundamenta-se preponderantemente no disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal:
- descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação (alínea d)).
O requerente formula, com vista à procedência do pedido de revisão do acórdão condenatório, em síntese, um 1) requerimento de produção do que considera ser um conjunto de novas provas – inquirição de cinco testemunhas, cujo depoimento conduziria a contrariar e neutralizar a prova testemunhal feita em audiência de julgamento – e 2) um requerimento de perícia psiquiátrica para se comprovar o «(…) quadro mental não diagnosticado, com suspeitas de transtorno bipolar, não estando medicado e sendo, além do mais, consumidor habitual de canábis, não dispondo da necessária capacidade de discernimento que lhe permitisse perceber a gravidade das acusações formuladas e as consequências jurídicas e práticas da sua omissão e sendo caracterizado por uma anormal infantilidade e alienação relativamente ao mundo real», para se determinar o seu grau de imputabilidade, de que sofreria aquando da prática dos factos.
A realização de tais diligências foi indeferida, com base na posição do Ministério Público, por despacho da Senhora juíza de Direito titular.
II.2. Fundamentação de facto relevante
São relevantes para a decisão do recurso interposto os seguintes factos:
- Os factos provados no acórdão recorrido, e respetiva motivação, respeitantes ao aqui requerente, para onde, dado serem (pelo menos agora) do inteiro conhecimento do requerente, por economia, se remete;
- O arguido-requerente foi condenado nos autos principais, pelo acórdão revidendo, de 08-11-2023, transitado em julgado em 14-12-2023, entre outras determinações de natureza indemnizatória e de recolha de amostra biológica para fins de identificação genético-criminal, pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, de:
1.1. Cinquenta e três crimes de violação agravados, p. e p. pelos arts. 26º, 30º, n.º 1, 164º, n.º 1 als. a) e b), singular ou cumulativamente, e 177º, n.º 1 al. a) e n.ºs 6 e 7 do Código Penal (com a redação conferida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro), na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão por cada um desses crimes.
1.2. Em cúmulo jurídico das penas parcelares descritas em 1.1.), nos termos do art. 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 10 (dez) anos de prisão.
Importa, pois, conhecer da pretensão do requerente.
II. 3. A Revisão: breves considerações de ordem geral
A revisão de sentença penal é admitida nos casos taxativamente previstos no art. 449.º do CPP, que constitui norma excecional na medida em que prevê a quebra do caso julgado e, portanto, um sério desvio aos princípios da estabilidade das decisões judiciais e da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito; tal desvio é permitido e mesmo garantido pelo artigo 29.º, n.º 6, da CRP ao cidadão injustamente condenado (no que aqui releva), nos termos que a lei prescrever, e ainda pelo artigo 4.º, n.º 2 do Protocolo Adicional n.º 7 à CEDH (relativamente a decisão penal condenatória), sempre com base em novos elementos que ponham seriamente em causa a justiça de decisão transitada em julgado, elementos que, porém, devem constituir «(…) circunstâncias “substantivas e imperiosas” (substancial and compeling)», autorizando assim, «…a quebra do caso julgado, de modo a que este recurso extraordinário se não transforme em uma “apelação disfarçada” (…)» (cfr. Damião da Cunha e Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos [Paulo Pinto de Albuquerque, Org.], vol. II, 5.ª ed. atualizada, Lisboa: UCP Ed., 2023, p. 755 bem como a jurisprudência do STJ e do TEDH e a doutrina aí citadas).
O valor da certeza e da segurança jurídicas, assegurado pelo instituto do caso julgado, é condição fundamental da paz jurídica que todo o sistema judiciário prossegue, como condição da própria paz social. As exceções devem, pois, assumir um fundamento material evidente e incontestável, insuscetível de pôr em crise os valores assegurados pelo caso julgado, designadamente o princípio do Estado de direito - art. 2.º da CRP (cfr., J.J. Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra: Almedina, 1998, pp. 256-257).
A consagração constitucional da admissibilidade do recurso de revisão funda-se na necessidade de salvaguardar as exigências da justiça e da verdade material, pois também elas comportam valores relevantes que constituem, igualmente, condição de aceitação e legitimidade das decisões jurisdicionais, e, afinal, daquela mesma paz jurídica.
Por outras palavras: se a incerteza jurídica provoca um sentimento de insegurança intolerável para a comunidade, a intangibilidade, em obediência ao caso julgado, de uma decisão que vem a revelar-se claramente injusta perturbaria, em não menor grau, o sentimento de confiança coletiva nas instituições judiciárias.
O recurso de revisão, afastando assim o princípio de utilidade, e não de justiça, de res judicata pro veritate habetur, constitui, pois, um meio de repor a justiça e a verdade, derrogando o caso julgado. Mas essa derrogação, para não envolver nenhum dano irreparável na confiança da comunidade no próprio sistema jurídico, terá de ser circunscrita a casos excecionais, taxativamente estabelecidos, e apenas quando um forte interesse material o justificar, ou seja, aqueles casos julgados que Alberto dos Reis considerou terem sido formados “em condições anormais”, em que “ocorreram circunstâncias patológicas susceptíveis de produzir injustiça clamorosa.” (Código de Processo Civil Anotado, Coimbra: Coimbra Editora, p. 158).
Conforme se diz no acórdão do STJ de 07-04-2021 (proc. n.º 921/12.8TAPTM-J.S1 – relator: Cons. Nuno Gonçalves): «Traço marcante do recurso de revisão é, desde logo, a sua excecionalidade, ínsita na qualificação como extraordinário e no regime, substantivo e procedimental, especial. Por isso, somente os fundamentos firmados pelo legislador podem legitimar a admissão da revisão da condenação transitada em julgado. Regime normativo excecional que admitindo interpretação extensiva não comporta aplicação analógica – art.11º do Código Civil». Por outro lado, como se sustenta ainda no Ac. STJ de 26-09-2018, «do carácter excecional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respetiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários.»
São fundamentos da revisão da decisão penal transitada em julgado, que pode ser concedida pelo Supremo Tribunal de Justiça, de acordo com o art. 449.º do CPP, as hipóteses taxativas ali previstas:
“1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como prova do crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.
2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.
3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.
4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.” (negrito nosso).
Importa aplicar este esquemático enquadramento normativo ao caso em apreço.
II.4. Mérito do recurso
O requerente foi condenado nos termos acima enunciados, pelo acórdão revidendo, de 08-11-2023, transitado em julgado em 14-12-2023, entre outras determinações de natureza indemnizatória e de recolha de amostra biológica para fins de identificação genético-criminal, pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, de cinquenta e três crimes de violação agravados, p. e p. pelos arts. 26.º, 30.º, n.º 1, 164.º, n.º 1 als. a) e b), singular ou cumulativamente, e 177.º, n.º 1 al. a) e n.ºs 6 e 7 do Código Penal (com a redação conferida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro), na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão por cada um desses crimes e, em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, nos termos do art. 77.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 10 (dez) anos de prisão.
O requerente pugna pela concessão da revisão, no caso vertente, fazendo apelo à aplicação do disposto na alínea d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, elencando ainda um conjunto de considerações que, não se integrando rigorosamente nessa previsão, fariam, em seu entender, claudicar a justiça da condenação, como seja a alegação de não ter estado presente em audiência e não ter sido considerada indispensável a sua comparência.
Nesse sentido, apreciar-se-á a título de questão prévia a questão do julgamento na ausência, suscitada pelo requerente no início da motivação do seu requerimento de revisão.
II.4.1. Questão prévia: o julgamento na ausência do arguido
Conforme se antecipou, nos pontos 1.º a 11.º da motivação do seu recurso, o arguido-recorrente suscita um suposto vício processual resultante da realização do seu julgamento, no qual, apesar de devidamente notificado, não esteve presente.
Apenas se justifica fazer a apreciação da presente questão, enquanto questão prévia, uma vez que a mesma não integra o elenco taxativo dos motivos de revisão, consagrado nas alíneas do n.º 1 do art. 449.º, do CPP.
Conforme sustenta o Ministério Público, trata-se de um fundamento que «é inaproveitável para efeitos de revisão».
Pretende o arguido, no fundo, discutir – após o trânsito em julgado do acórdão revidendo – a bondade ou adequação da interpretação jurídica de que em processos por determinados tipos de crime, o tribunal não pode deixar de considerar indispensável a presença do arguido em julgamento, obrigando-o a estar presente. Tal questão mostra-se, porém, deslocada do quadro dos fundamentos do recurso de revisão, sendo, eventualmente, suscetível de constituir motivo de alegação de alguma nulidade. Mas não constitui validamente fundamento para a revisão de decisão condenatória transitada em julgado.
É certo que num panorama processual penal, em que os direitos são exercidos na sua mais ampla plenitude, pode causar estranheza que num processo em que seria possível que o arguido viesse a ser condenado [em pena de medida elevada], o mesmo se tivesse alheado do mesmo, remetendo-se a uma situação de ausência após a diligência do seu interrogatório não judicial e de inércia processual.
Ausência, apesar de tudo, “informada” ou “cognoscente”, uma vez que no processo estão documentadas todas as comunicações para todos os atos e diligências processuais que tiveram lugar e nas quais o arguido poderia ter estado presente.
Ausência informada, ainda, por ter sido sempre assistido por defensor(a), sendo-lhe dado conhecimento de que poderia constituir advogado, o que veio a fazer para efeitos da interposição do presente recurso.
Uma tal ausência e inércia processual pode ter tido diversos motivos e significados, sobre os quais não importa aqui conjeturar, sem embargo de o arguido-requerente vir, agora, alegar que se alheou do desenvolvimento do processo em virtude de, aparentemente, padecer de um quadro mental não diagnosticado, com suspeitas de transtorno bipolar, pelo facto de ser uma pessoa com acentuada infantilidade, distanciada do mundo real, por ser consumidor habitual de Cannabis, incapaz de discernimento que lhe permitisse perceber a gravidade das acusações formuladas e as consequências jurídicas e práticas da sua omissão.
Tais circunstâncias são de difícil compreensão, considerando que o julgamento foi acompanhado pela pessoa que mais perto dele se encontra(va), a sua mãe, II, e o companheiro desta, pai da vítima, JJ, que foram aliás intervenientes no mesmo, os quais não deixariam de ter noção da gravidade das consequências de uma atitude de inércia e omissão de reação processual, adotada pelo arguido.
De resto, terá sido a testemunha JJ a fornecer o número de contacto telefónico do arguido ao tribunal, na sessão de audiência de julgamento de 27-09-2023, a fim de se tentar o contacto por tal meio da designação da sessão agendada para 11-10-2023, sem prejuízo de se efetuar a notificação via postal.
É um quadro pouco usual, concede-se, mas potenciado por motivações que não é possível esclarecer no contexto do presente meio impugnatório.
Mesmo a confirmar-se a versão do requerente, a mesma seria, em si mesma, insuscetível de gerar dúvidas sobre a justiça da condenação.
Com efeito, uma coisa é a possibilidade de uma condenação não ser justa; outra, totalmente distinta, é a possibilidade de exercitação dos direitos de defesa, incluindo o direito ao recurso relativamente a uma decisão condenatória, ainda que justa.
Não é o facto de o arguido – único sujeito processual que pode, válida e autonomamente, determinar a sua estratégia de defesa, cuja opção em última instância nele repousa – não ter estado fisicamente presente na audiência de julgamento (apesar de tempestiva e regularmente notificado para as sessões) e não ter interposto recurso da decisão condenatória, que implica a conclusão de se estar perante uma decisão injusta.
O art. 333.º do CPP contempla, como é sabido, a possibilidade de a audiência de julgamento decorrer na ausência do arguido. Esta é legalmente possível, desde que o arguido 1) se encontre devidamente notificado para a mesma, 2) não estar presente na hora e dia designados, e 3) o tribunal considerar que não é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade a presença do arguido desde o início da audiência, sendo, por isso, um “julgamento na ausência por iniciativa do tribunal” (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, 5.ª ed. atualizada, Vol. II, Lisboa: UCP Editora, 2023, p. 310).
Tal possibilidade foi consagrada com a redação conferida pelo Dec.-Lei n.º 320-C/2000, de 15-12, e pela Lei n.º 26/2010, de 30-08, após diversas oscilações interpretativas, e é inequívoca a sua admissibilidade depois de o STJ ter proferido o Acórdão de Fixação de Jurisprudência 9/2012, de 08-03-2012, embora de acordo com o quadro normativo então vigente, no sentido em que:
«Notificado o arguido da audiência de julgamento por forma regular, e faltando injustificadamente à mesma, se o tribunal considerar que a sua presença não é necessária para a descoberta da verdade, nos termos do nº 1 do art. 333º do CPP, deverá dar início ao julgamento, sem tomar quaisquer medidas para assegurar a presença do arguido, e poderá encerrar a audiência na primeira data designada, na ausência do arguido, a não ser que o seu defensor requeira que ele seja ouvido na segunda data marcada, nos termos do nº 3 do mesmo artigo.»
Como se refere neste Acórdão,
“A Lei n.º 59/98, de 25 -8, que resultou dessa Proposta de Lei, alterou diversos artigos do CPP relacionados com esta matéria, nomeadamente os artigos 196.º, 332.º, 333.º e 334.º
Com a nova redacção do n.º 1 do artigo 332.º, passou a ser possível o julgamento na ausência do arguido nos casos previstos no n.º 2 do artigo 333.º e nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 334.º D
eixando por ora de lado este último artigo, retenha -se o teor dos n.ºs 1 e 2 do artigo 333.º, nesta versão da Lei n.º 59/98, de 25 -8:
«1 — Se o arguido não estiver presente na hora designada para o início da audiência e não for possível obter a sua comparência imediata, a audiência é adiada, cabendo ao presidente tomar as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter o comparecimento.
2 — Se o arguido sujeito a termo de identidade e residência não estiver presente na nova data designada e não for possível obter a sua comparência imediata, a audiência é de novo adiada e o presidente notifica -o, nos termos do artigo 313.º, n.º 2, do novo dia designado para a audiência com a cominação de que, faltando novamente, esta terá lugar na sua ausência.»
Assim, com este diploma, o julgamento na ausência passou a ser possível, mas mediante o seguinte procedimento, complexo e demorado: na falta do arguido, o juiz devia tentar obter a comparência imediata do mesmo; não sendo possível a audiência era adiada, devendo o juiz tomar as «medidas necessárias» para fazê-lo comparecer na nova data designada; se faltasse novamente, e não sendo possível obter a sua comparência imediata, havia lugar a novo adiamento da audiência, sendo desta vez o arguido notificado da nova data com a cominação de que, faltando novamente, seria julgado na sua ausência.
Em breve esta solução se mostrou insuficiente e mesmo ineficaz.
O Decreto -Lei n.º 320 -C/2000, de 15 -12, veio aprofundar e aperfeiçoar o regime do julgamento na ausência do arguido, de forma a agilizar o procedimento. As razões do legislador são aliás enunciadas de forma clara no respetivo preâmbulo, que importa aqui reproduzir: «Atendendo ao facto de uma das principais causas de morosidade processual residir nos sucessivos adiamentos das audiências de julgamento por falta de comparência do arguido, limitam -se os casos de adiamento da audiência em virtude dessa falta, nomeadamente quando aquele foi regularmente notificado.
Com efeito, a posição do arguido no processo penal é protegida pelo princípio da presunção de inocência, previsto no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição, que surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo, o qual implica a absolvição do arguido no caso de o juiz não ter certeza sobre a prática dos factos que subjazem à acusação.
Se o arguido já beneficia deste regime processual especial, não pode permitir -se a sua total desresponsabilização em relação ao andamento do processo ou ao seu julgamento, razão que possibilita, por um lado, a introdução da modalidade de notificação por via postal simples, nos termos acima expostos, e, por outro, permite que o tribunal pondere a necessidade da presença do arguido na audiência, só a podendo adiar nos casos em que aquele tenha sido regularmente notificado da mesma e a sua presença desde o início da audiência se afigurar absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material.
Para tanto, no despacho que designa a data da audiência, é igualmente designada data para a realização da audiência em caso de adiamento nos termos do artigo 333.º, n.º 1, ou para audição do arguido a requerimento do seu advogado ou defensor nomeado ao abrigo do artigo 333.º, n.º 3. E se no processo existir advogado constituído, o tribunal deve diligenciar pela concertação da data para audiência, de modo a evitar o conflito com a marcação de audiência por acordo feita ao abrigo do artigo 155.º do Código de Processo Civil. Com efeito, se o tribunal considerar que a presença do arguido desde o início da audiência não é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material, ou se a falta do arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos n.os 2 a 4 do artigo 117.º, a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida nas alíneas b) e c) do artigo 341.º, sem prejuízo da alteração que seja necessária efetuar no rol apresentado e as suas declarações documentadas, aplicando -se sempre que necessário o disposto no n.º 6 do artigo 117.º
Nestes casos, o arguido mantém o direito a prestar declarações até ao encerramento da audiência e se esta ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor pode requerer que seja ouvido na segunda data designada pelo juiz nos termos do n.º 2 do artigo 312.º»
O Decreto -Lei n.º 320-C/2000, de 15 -12, procedeu à alteração, entre outros, dos artigos 196.º, 312.º, 332.º, 333.º e 334.º, que são os relevantes para a resolução da questão em análise. São os seguintes os respetivos textos.
Diz o artigo 196.º:
«1 — A autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido, ainda que já tenha sido identificado nos termos do artigo 250.º
2 — Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.
3 — Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:
a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento;
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º [itálico nosso].
4 — A aplicação da medida referida neste artigo é sempre cumulável com qualquer outra das previstas no presente livro.»
Estabelece o artigo 312.º:
«[...] 2 — No despacho a que se refere o número anterior [designação da data da audiência] é, desde logo, igualmente designada data para a realização da audiência em caso de adiamento nos termos do artigo 333.º, n.º 1, ou para audição do arguido a requerimento do seu advogado ou defensor nomeado ao abrigo do artigo 333.º, n.º 3. [...]»
E o artigo 332.º determina:
«1 — É obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos artigos 333.º, n.ºs 1 e 2, e 334.º, n.ºs 1 e 2. [...]»
Estabelece, por sua vez, o artigo 333.º:
«1 — Se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência [itálico nosso].
2 — Se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido, ou se a falta do arguido tiver como causa os impedimentos enunciados nos n.ºs 2 a 4 do artigo 117.º, a audiência não é adiada, sendo inquiridas ou ouvidas as pessoas presentes pela ordem referida nas alíneas b) e c) do artigo 341.º, sem prejuízo da alteração que seja necessária efectuar no rol apresentado, e as suas declarações documentadas, aplicando -se sempre que necessário o disposto no n.º 6 do artigo 117.º
3 — No caso referido no número anterior, o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, e se ocorrer na primeira data marcada, o advogado constituído ou o defensor nomeado ao arguido pode requerer que este seja ouvido na segunda data designada pelo juiz ao abrigo do artigo 312.º, n.º 2.
4 — O disposto nos números anteriores não prejudica que a audiência tenha lugar na ausência do arguido com o seu consentimento, nos termos do artigo 334.º, n.º 2.
5 — No caso previsto nos n.ºs 2 e 3, havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. O prazo para a interposição de recurso pelo arguido conta -se a partir da notificação da sentença. 6 — Na notificação prevista no número anterior o arguido é expressamente informado do direito a recorrer da sentença e do respetivo prazo [aditado pela Lei n.º 26/2010, de 30 -8].
7 — É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 116.º, n.ºs 1 e 2, e 254.º e n.ºs 4 e 5 do artigo seguinte.»
Finalmente, diz o artigo 334.º:
«1 — Se ao caso couber processo sumaríssimo mas o procedimento tiver sido reenviado para a forma comum e se o arguido não puder ser notificado do despacho que designa dia para a audiência ou faltar a esta injustificadamente, o tribunal pode determinar que a audiência tenha lugar na ausência do arguido. 2 — Sempre que o arguido se encontrar praticamente impossibilitado de comparecer à audiência, nomeadamente por idade, doença grave ou residência no estrangeiro, pode requerer ou consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência.»
Assim, a presença do arguido é, em princípio, obrigatória, mas com as restrições revistas nos artigos 333.º, n.ºs 1 e 2, e 334.º, n.ºs 1 e 21. Analisando essas restrições, observa -se que lei determina a obrigatoriedade da presença do arguido sempre que for considerada absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material, caso em que, na falta do arguido, a audiência é adiada (artigo 333.º, n.º 1). A presença também será obrigatória nas hipóteses especiais dos n.ºs 1 e 2 do artigo 334.º, quando o tribunal entender que o arguido deve estar presente (o que só se justificará igualmente por razões de descoberta da verdade). Resta saber se, não tendo havido adiamento do julgamento, por não se considerar essencial a presença do arguido para a descoberta da verdade, e dando -se início ao julgamento com a audição das pessoas presentes, nos termos do n.º 2 do artigo 333.º, ainda assim é obrigatório obter a presença do arguido até ao final da audiência. É essa, afinal, a questão a decidir.”
A tal título, o STJ decidiu como se sumariou supra.
O recorrente invoca que «(…) foi condenado, a 10 anos de prisão, por um crime alegadamente cometido há 10 anos, sem ser presente, uma única vez, a um juiz.» e que «Ninguém considerou indispensável a sua presença em julgamento e, portanto, faltando, com justificações apresentadas pela Senhora Advogada Oficiosa, a acusação foi proferida, o julgamento realizado, a sentença “lida” e o arguido notificado dela por carta e detido pouco mais de 30 dias depois.» prosseguindo «Há uma razão pela qual o arguido nunca compareceu perante o tribunal. (já não há razão nenhuma para que o tribunal nada tenha feito para impor e assegurar a sua presença como indispensável que era à descoberta da verdade, relativamente a factos “testemunhados” pela própria “vítima” e ocorridos há 10 anos atrás…).
13º.
O Arguido sofre de um quadro mental não diagnosticado, com suspeitas de transtorno bipolar,
14º.
Não estando medicado e sendo, além do mais, consumidor habitual de canábis.»
Uma tal alegação impressiona. Mas tem de ser adequadamente contextualizado no decurso do processo.
Importa, pois, fazer um périplo pelos desenvolvimentos processuais documentados.
O ora recorrente teve um primeiro – e único – contacto pessoal (formal) com o processo e o seu objeto aquando do seu interrogatório em 26-02-2022, na Polícia Judiciária, por se tratar de crime da sua competência reservada, tendo sido validado pelo Ministério Público.
Em tal diligência, foi-lhe dado conhecimento do conteúdo da queixa e da identidade da vítima, tendo sido constituído arguido e prestado Termo de Identidade e Residência. Tal diligência demorou 20 minutos, tendo-se iniciado às 14H35 e terminado às 14H55.
Nessa diligência, o arguido exerceu o seu direito de não prestar declarações, adiantando que não se revia nos factos que lhe eram imputados.
Nenhuma menção a qualquer deficiência ou incapacidade de entendimento por parte do arguido foi registada pela Senhora Inspetora encarregue da diligência, nem o arguido aludiu a qualquer circunstância nesse sentido.
Aliás, equivalendo a uma “negação” genérica da autoria dos factos que lhe foram comunicados, o arguido evidenciou uma cabal capacidade de discernimento, optando pelo direito ao silêncio e ficando ciente dos seus direitos e respetivo estatuto de arguido.
Em momento algum da diligência foi reportado qualquer incidente que pudesse suscitar dúvidas sobre a capacidade de entendimento e de discernimento do significado da mesma e das suas possíveis consequências.
Tendo prestado Termo de Identidade e Residência, ficou o arguido sujeito às suas obrigações e implicações processuais.
O arguido foi notificado em 09-11-2022 (ref.ª doc. .......16) da acusação deduzida pelo Ministério Público em 10-05-2022 (Ref.ª Citius .......06), despacho em que lhe foi nomeada defensora.
O arguido foi pessoal e tempestivamente convocado para a 1.ª sessão da audiência de discussão e julgamento, o que, além do mais, resulta da ata da mesma, realizada em 27-09-2023 (Ref.ª Citius .......37), tendo sido proferidos os seguintes despachos pela Senhora juíza de Direito presidente:
“Uma vez que o arguido AA, encontrando-se pessoal e regularmente notificado, via postal simples com prova de depósito, na morada constante do termo de identidade e residência, conforme fls. 147, e faltou injustificadamente à presente audiência de julgamento, vai condenado na multa de 2 (duas) Uc´s, em conformidade com o disposto no art.º 116º, n.º 1 do C.P.P..
Não se reputando indispensável a sua presença desde o início da audiência de julgamento, realizar-se-á a mesma na sua ausência, nos termos do disposto no art. 333º, n.º 2 do C. P. Penal, sem prejuízo da oportuna interrupção nos termos doutamente requeridos pelo ilustre defensor agora nomeado”.
E
“Em conformidade com o anteriormente referido, concluída a produção da prova testemunhal, interrompe-se a presente audiência de julgamento, para continuar no próximo dia 11 de outubro de 2023, pelas 10 horas (ficando sem efeito a segunda data designada).
Contacte telefonicamente com o arguido, através do contacto telefónico que foi fornecido pela testemunha JJ, dando-lhe conhecimento da nova data, sem prejuízo de se expedir, para o efeito, notificação via postal, para o mesmo, querendo, comparecer na referida data.
Notifique”.
Por seu turno, na 2.ª sessão da audiência de julgamento, em 11-10-2023, apesar de regularmente notificado para a mesma, o arguido não compareceu, nem justificou tal falta.
Para essa sessão, foi o arguido-requerente pessoalmente notificado por carta com prova de depósito, em 03-10-2023.
Por outro lado, e apesar de devidamente notificado para tal em 24-10-2023 (Ref.ª of. Citius .......19), não compareceu na data da sessão de leitura do acórdão de 08-11-2023, para a qual foi transferida, por despacho de 24-10-2023 (Ref.ª Citius .......80), a que tinha anteriormente sido agendada para 25-10-2023.
Em momento algum da audiência foi requerida pelo(a) defensor(a) a comparência do arguido com vista à descoberta da verdade.
O arguido viria a ser notificado pela PSP, presencialmente, em 14-11-2023 (Ref.ª Of. Citius .......20), do acórdão condenatório proferido.
O arguido permaneceu inerte.
O acórdão revidendo transitou em julgado em 14-12-2023.
Todas estas oportunidades foram concedidas ao arguido para reagir a quaisquer decisões que, a seu ver, enfermassem de eventuais vícios ou nulidades processuais.
Viria a ser preso (para cumprimento de pena) em 21-12-2023.
Desde a Revisão Constitucional de 1997, com a nova redação do n.º 6 do artigo 32.º da Constituição, optou-se por ultrapassar o impasse provocado pela regra da obrigatoriedade absoluta da presença do arguido na audiência de julgamento, permitindo que a audiência seja realizada na sua ausência mediante a garantia dos seus direitos de defesa (cfr. a discussão na comissão parlamentar na ata da sessão de 11-09-1996, Diário da Assembleia da República - Atas da Comissão Parlamentar de Revisão Constitucional, pp. 533-538.). Trata-se de garantir o interesse público na administração da justiça com celeridade eficiência, com a necessária salvaguarda dos interesses da defesa no caso de o arguido estar ausente do julgamento.
Nessa ponderação de interesses em certa medida contraditórios, a solução legal afigura-se ajustada, equilibrada e insuscetível de censura de inconstitucionalidade material. A presença do arguido perde o carácter de princípio absoluto, para se afirmar primacialmente como um direito do arguido a estar presente em audiência de julgamento. Um direito disponível, que o arguido, enquanto sujeito processual autónomo e plenamente responsável, exercerá como entender. Não fica, porém, privado de defesa, no caso de optar por estar ausente, uma vez que será necessariamente assistido por defensor, escolhido ou nomeado. A única exceção ao direito de opção do arguido é a de o tribunal considerar a sua presença absolutamente indispensável para a descoberta da verdade, caso em que a obrigação de presença lhe pode ser imposta, em nome do interesse público na administração da justiça. Este quadro legislativo mostra-se perfeitamente adequado à boa administração da Justiça, e inteiramente conforme com a Constituição (cfr., neste sentido, o Acórdão TC n.º 465/2004.).
Também no plano do direito internacional convencional, recorde-se que o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP) estabelece, no seu artigo 14.º, n.º 3, alínea d), o direito do arguido a estar presente no processo.
Por seu turno, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), não prevê expressamente esse direito. Mas a jurisprudência uniforme e constante do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) é no sentido de que a obrigação de o tribunal garantir ao arguido o direito de estar presente na audiência constitui um dos elementos componentes do «processo equitativo», consagrado o artigo 6.º da CEDH.
Contudo, o mesmo TEDH entende que o arguido tem igualmente o direito de renunciar àquela garantia. Mas, sublinhe-se, «a renúncia ao direito de estar presente na audiência deve estar estabelecido de maneira não equívoca e estar rodeado de um mínimo de garantias correspondentes à gravidade da renúncia». Além de que não deve lesar nenhum interesse público relevante (cfr. Decisão Hermi c/ Itália, de 18-10-2006, ali se referenciando toda a jurisprudência do TEDH até então; sobre a matéria, cfr. especialmente os n.ºs 58, 59 e 73-76). É, pois, como direito disponível que o TEDH vem entendendo a presença do arguido em julgamento, a não ser que exista um interesse público relevante que imponha a sua presença, como será o caso da descoberta da verdade, embora se exija sempre a garantia dos direitos de defesa no caso de ausência não involuntária do arguido.
Todas estas considerações, como se antecipou, foram feitas a título de apreciação de “questão prévia”, dado que a matéria em apreço não integra o elenco de qualquer um dos motivos de revisão de decisão condenatória penal, taxativamente previstos nas alíneas do n.º 1 do art. 449.º, do CPP.
Serviu, em todo o caso, para se sublinhar a conformidade constitucional e convencional e a validade e regularidade do processo e a natureza da configuração justa e equitativa do mesmo, assegurando-lhe sempre a possibilidade de exercer as garantias e direitos processuais de defesa, como o direito a conhecer a factualidade imputada, a um tribunal imparcial, a requerer e apresentar provas, a assistência por defensor ou mandatário, o contraditório e o direito ao recurso (art. 6.º da CEDH).
Porém, ainda que se divisassem motivos para censurar a condução do processo por preterição de formalidades legais ou por verificação de vícios ou de nulidades processuais – os quais poderiam ter constituído fundamento de recurso ordinário –, não é o recurso extraordinário de revisão o meio impugnatório idóneo para suscitar a sua apreciação.
Note-se que o arguido-requerente já havia suscitado a questão da «(…) nulidade insanável do processo, nos termos do Artigo 119.º, al. C, do CPP, por ausência do arguido (Revelia absoluta), com as legais consequências (…)», aquando do seu requerimento de 15-04-2024 (ref.ª Citius ......37), o qual foi indeferido por despacho da Senhora juíza de Direito titular dos autos, de 26-04-2024 (ref.ª Citius .......38), o que, em rigor, implicaria reconhecer o valor de caso julgado de tal decisão, que não foi tempestiva e adequadamente impugnada.
Como tal, sendo tal segmento da fundamentação do presente recurso de revisão insuscetível de se subsumir num dos motivos previstos nas alíneas do n.º 1 do art. 449.º, do CPP, decide-se não se tomar conhecimento material do mesmo.
II.4.2. O fundamento da alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP.
Subordinado ao motivo previsto na alínea d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, o requerente vem alegar um conjunto de circunstâncias factuais que, a seu ver, entram em contradição com os factos provados no acórdão revidendo, impondo a criação de um estado de dúvida sobre a justiça da condenação – atinentes à condição do seu estado psicossocial e à [falta de] credibilidade da vítima e testemunha EE, cujo depoimento viciou a convicção do tribunal –, requerendo, para a sua demonstração, a realização de uma perícia psiquiátrica e a inquirição de cinco (5) testemunhas.
Na conclusão do seu recurso, o requerente vem impetrar «(…) nos termos do art.º 457.º, do CPP, a suspensão do cumprimento de pena, disponibilizando-se o Arguido ao cumprimento de quaisquer imposições que venham a ser determinadas que permitam a aplicação de medida de coação alternativa à prisão.»
A realização das diligências de prova requeridas foi indeferida, conforme já se antecipou, pela Senhora juíza de Direito titular dos autos.
O Ministério Público junto do tribunal da condenação e neste Supremo Tribunal da Justiça, concluem no sentido da improcedência da pretensão do recorrente.
O fundamento previsto na alínea d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, cuja redação provém e se mantém inalterada desde o texto original do diploma, foi inspirada no artigo 673.º, n.º 4, do Código de Processo Penal de 1929, que tinha a seguinte redação:
“4. Se, no caso de condenação, se descobrirem novos factos ou elementos de prova que, de per si ou combinados com os factos ou provas apreciadas no processo, constituam graves presunções da inocência do acusado”.
Entendia-se, então, que “a suspeita grave de injustiça da decisão, no sentido da violação da lei substantiva, não podia fundamentar a revisão”.
Sustenta-se na doutrina e tem sido adotado na jurisprudência o entendimento de que a referida alínea d) tem um campo de aplicação mais amplo do que o seu antecedente, pois enquanto aquele n.º 4 [do art. 673.º do CPP 1929] exigia que os novos factos ou elementos de prova constituíssem motivos sérios de presunção de inocência do condenado, basta agora que eles suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, ou que se coloca mais em consonância com o critério de valoração da prova para a condenação penal para além de toda a dúvida razoável.
“A disposição atual tem, é certo, a limitação do n.º 3, determinante da inadmissibilidade do pedido de revisão com o único fim de corrigir a medida da pena. Mesmo assim, ficam agora a caber no âmbito legal casos que a lei anterior não comportava, como o de, posteriormente à condenação, se descobrir que o arguido era inimputável ou tinha imputabilidade diminuída à data da condenação (…)” (assim, cfr. M. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal anotado e comentado, Coimbra: Almedina, 12.ª ed., 1998, p. 845; com o mesmo entendimento, vide também G. Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, t. III, Lisboa: Ed. Verbo, 1994, p. 363).
Para ser admitida a revisão não é, assim, suficiente a mera descoberta de novos factos ou elementos de prova. Exige-se que, por si só ou conjugados com os factos apurados no julgamento ou com as provas aí apreciadas, demonstrem ou indiciem fortemente a inocência do condenado.
Esta interpretação foi reafirmada no Ac. STJ de 24-01-2018, onde se sustentou que: “não releva o facto e/ou meio de prova capaz de lançar alguma dúvida sobre a justiça da condenação. A lei exige que a dúvida tenha tal consistência que aponte seriamente para a absolvição do recorrente como a decisão mais provável” (cfr. proc. n.º 3/12.2GAVVC-B.S1, 3.ª secção, pub. www.dgsi.pt/jstj; com interesse ainda, em incursão pelo direito comparado, leia-se o excurso desenvolvido no Ac. deste STJ no proc. n.º 2140/16.5T8VIS-D.S1de 15-12-2021: rel. Cons. Nuno Gonçalves).
No processo penal, o arguido, para alcançar a revisão da decisão não tem de demonstrar perante o Tribunal de recurso que não cometeu os factos por que foi condenado ou que por eles não é responsável. Mas também não é bastante que indique quaisquer novos factos ou novas provas.
Enquanto requerente da revisão de uma condenação firme, exige-se-lhe que apresente novos factos ou provas que, por si sós ou conjugados com outras provas produzidas no julgamento, sejam de molde a infirmar objetivamente os factos provados, a desvalorizá-los completamente ou que tornem manifestamente insuficientes as provas em que se fundou a condenação. Sem, no entanto, se olvidar que a presunção de inocência cessa com o trânsito em julgado da condenação – cfr. art. 32.º, n.º 2, da CRP.
Para readquirir tal presunção, a Constituição e o processual penal, no compromisso imanente com a verdade material das decisões judiciais, não impõem que o condenado prove que os factos não aconteceram ou que por eles não é responsável mas, isso sim, impõem que o condenado apresente novos dados de facto ou meios de prova que demonstram grave insuficiência cognitiva da decisão em matéria de facto.
Tal sucederá quando são levados ao conhecimento do tribunal factos anteriores suficientemente acreditados, que interessando ao objeto da causa e podendo influir no sentido da decisão em matéria de facto, não podia ter conhecido ou meios de prova cuja existência ignorava e que se revelam com força probatória adequada a infirmar os factos provados que sustentam a condenação.
O nosso legislador também não prevê a revisão da decisão judicial com fundamento no erro de julgamento.
Nem, fora dos casos expressamente previstos, em vícios do procedimento devido [v.g. no caso de nulidades da sentença].
“Deste modo a abertura e amplitude da revisão da sentença condenatória não pode deixar de ser informada pela ideia de excepcionalidade, aplicável apenas a casos de injustiça intolerável ou por gravidade excessiva. Só assim se poderá manter, na medida do possível, o necessário equilíbrio entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança jurídica.” (idem, Ac. cit., proc. 2140/16.5T8VIS-D.S1 de 15-12-2021); cfr., também, sobre a temática, o Ac. STJ de 26-09-2018, Ac. de 10-02-2021 da 3.ª secção, o Ac. do Tribunal Constitucional de 12-05-2005, bem como o Ac. deste Supremo (3.ª secção), de 03-12-2014, onde se estabelece que: «(…) exigem- se “novas provas” que, no concreto quadro factual, se revelem tão seguras que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a prova de um quadro de facto novo ou a exibição de novas provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão» (Proc. 798/12.3GCBNV-B.S1, in: www.dgsi.pt).
Em suma, na aferição da novidade dos factos e dos meios de prova, a jurisprudência preponderante deste Supremo Tribunal – seguida entre outros, no Ac. de 10-02-2021 (3.ª secção) – sustenta , em síntese, que “(…) louvando-nos, brevitatis causa, no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, 3.ª secção, processo 41/05.1 GAVLP-C.S1, de 12-03-2014, factos novos serão os factos e os meios de prova desconhecidos pelo recorrente ao tempo do julgamento e que não tenham podido ser apresentados e apreciados na decisão” (negrito nosso).
A jurisprudência adotou, entretanto, com forma de obviar a que o recurso extraordinário de revisão pudesse converter-se em recurso ordinário atípico, uma linha hermenêutica mais apertada e exigente dessa norma, entendendo que “novos” são apenas os factos ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente à data do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser atendidos pelo Tribunal.
Mais recentemente, o STJ tem vindo a admitir a revisão quando, sendo embora o facto ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, ele justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando “por que não pôde ou entendeu não dever apresentá-los na altura.” (vide Ac. do STJ de 19-11-2020, processo n.º 29/17.0GIBJA-C.S1, in www.dgsi.pt).
Ainda sobre o dito conceito de “novidade”, e entre outros, o Ac. do STJ de 24-06-2021, na linha do que é já jurisprudência maioritária do Supremo, na consideração, por exemplo, de junção de documentos ao recurso de revisão, leia-se o comentário de Pereira Madeira, no Código de Processo Penal Comentado, Coimbra: Almedina, 2.ª ed. revista, 2016, p. 1509, aí referindo:
«Se este [o arguido-recorrente] os conhecia e não invocou aquando do julgamento faltou, certamente por estratégia de defesa, ao dever de lealdade e colaboração com o tribunal, pelo que, seria iníquo permitir-lhe agora invocar factos que só não foram oportunamente apreciados por mero calculismo, circunstância que está longe de se equiparar à gravidade do facto que é a injustiça da condenação. É seguramente esta a jurisprudência maioritária do Supremo».
Fundamental é que se trate da apreciação de novos factos ou de novos meios de prova que não foram trazidos ao julgamento anterior.
Se eles podiam e deviam ter sido levados ao julgamento anterior mas por incúria ou estratégia da defesa não o foram, então apenas se trataria, antes, de recurso ordinário, não se podendo transformar um recurso extraordinário como é o de revisão num recurso ordinário, que não o é (cfr., entre outros, o Ac. do STJ de 19-11-2020, Processo n.º 198/16.6PGAMD-A.S1, rel. Cons. Margarida Blasco, in: www.dgsi.pt).
E, assim, melhor se percebe, a exigência complementar do terceiro requisito (que evita a transformação do recurso extraordinário de revisão em recurso ordinário), quando ainda estabelece que não pode ter como fim único a correção da medida concreta da sanção aplicada (n.º 3 do artigo 449.º) e tem antes de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, isto é, dúvidas que atinjam gravidade tal que coloquem em causa a justiça da condenação e não que se suscitem simples dúvidas sobre a justiça da condenação (cfr., sobre esta temática, os Acórdãos do STJ de 11-11-2021, nos processos 1922/18.8PULSB-A.S1 - rel. Cons. Helena Moniz, e n.º 769/17.3PBAMD-B.S1 - rel. Cons. Eduardo Loureiro, in: www.dgsi.pt).
No Ac. do STJ de 14-07-2022, Proc. n.º 490/17.2GAPTL-A.S1, em www.dgsi.pt, afirmou-se que:
“O recurso extraordinário de revisão é o último remédio processual para ultrapassar erros judiciários dando primazia à justiça material, nos casos tipificados pelo legislador, em detrimento da segurança do direito e a força do caso julgado.”, e mais adiante acrescentando que “Novos factos ou meios de prova é uma indicação alternativa. Factos, são os factos probandos; elementos de prova, os meios de prova relativos a esses factos.”.
E, no Ac. do STJ de 24-06-2021, Proc. n.º 1922/18.8PULSB-A.S1, pode ler-se:
“A generalidade da doutrina tem entendido que são novos os factos ou os meios de prova que não tenham sido apreciados no processo que levou a condenação do agente, por não serem do conhecimento da jurisdição na ocasião em que ocorreu o julgamento, pese embora pudessem ser do conhecimento do condenado no momento em que foi julgado. Entendimento que o Supremo Tribunal de Justiça partilhou durante largo período de tempo, de jeito que podia considerar-se pacífico.
Mas, a jurisprudência do STJ foi sendo alterada, tendo avançado , posteriormente, para uma jurisprudência que impõe que a novidade também se refira ao desconhecimento, pelo arguido, dos factos e meios de prova que pretende chamar à colação para rever a decisão condenatória, apelando, nomeadamente, ao princípio da lealdade processual. E nesta jurisprudência atual, ainda se destaca, uma outra interpretação do direito de revisão, definindo-se como “novo” “o facto ou meio de prova que, para além do tribunal, também o arguido desconhecia na altura do julgamento ou que, conhecendo, estava impedido ou impossibilitado de apresentar, justificação”.
Ou seja, nos últimos tempos, jurisprudência sofreu uma limitação, de modo que, pelo menos maioritariamente, passou a entender-se que, por mais conforme à natureza extraordinária do recurso de revisão e mais adequada à busca da verdade material e ao respetivo dever de lealdade processual que recai sobre todos os sujeitos processuais, só são novos os factos e/ou os meios de prova que eram desconhecidos do recorrente aquando do julgamento e que, por não terem aí sido apresentados, não puderam ser ponderados pelo tribunal.
Algo de semelhante ocorre quando o Código de Processo Penal, no art.º 453.º, n.º 2, determina que nos casos em que o recorrente queira indicar testemunhas “não possa indicar testemunhas que não tenham sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estavam impossibilitadas de depor”.
Mas, não basta a novidade, ou seja, a existência de factos ou meios de prova novos. Estes, por si só, ou combinados com os que foram apreciados no processo, terão de suscitar graves dúvidas sobre ajustiça da condenação.
Este requisito é demonstrativo do carácter excecional do recurso de revisão e procura evitar uma desmesurada fratura no caso julgado que redundaria em múltiplos recursos para tentar inverter uma condenação. A fronteira é, justamente, a tutela dos casos que são ostensivamente injustos.
A gravidade da dúvida sobre a justiça da condenação aponta, assim, para uma forte probabilidade de que os novos factos ou meios de prova, se introduzidos de novo em juízo, e submetidos ao crivo do contraditório de uma audiência pública, venham a produzir uma absolvição, em virtude da prova de inocência ou do funcionamento do in dubio pro reo. É uma gravidade séria, acentuada e exigente.”
Em conclusão, ponto é que:
- Se trate de facto ou prova novos, que não existia nem constava do processo à data da prolação da sentença, sendo desconhecido no momento do julgamento ou eram ignorados pelo recorrente à data do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser atendidos pelo Tribunal ou que, sendo embora o facto ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, ele justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque não pôde ou entendeu não dever apresentá-los na altura. Se eles podiam e deviam ter sido levados ao julgamento anterior mas por incúria ou estratégia da defesa não o foram, então apenas se trataria, antes, de recurso ordinário, não se podendo transformar um recurso extraordinário como é o de revisão num recurso ordinário, que não é;
- Se o facto ou o meio de prova já constavam do processo, sendo acessíveis à verificação dos sujeitos processuais, não pode o mesmo ser considerado uma novidade, para efeitos da verificação dos requisitos de admissibilidade do recurso de revisão ínsito na alínea d), do n.º 1, do art. 449.º, do CPP.
- Por fim, que a gravidade da dúvida sobre a justiça da condenação aponte, assim, para uma forte probabilidade de que os novos factos ou meios de prova, se introduzidos de novo em juízo, e submetidos ao crivo do contraditório de uma audiência pública, venham a produzir uma absolvição.
Sobre o conceito de «graves dúvidas …», para efeitos de revisão de decisão condenatória, afirma o acórdão do STJ, de 25-01-2007 (proc. 2042/06 -5.ª Secção) que são todas aquelas que são «de molde a pôr em causa, de forma séria, a condenação de determinada pessoa, que não a simples medida da pena imposta.»
As dúvidas têm de incidir sobre a condenação enquanto tal, a ponto de se colocar fundadamente o problema de o arguido dever ter sido absolvido em vez de ser condenado.
Volvendo ao caso vertente, apreciaremos a configuração da pretensão do recorrente.
II.4.3. Antes de mais, importa assinalar que o arguido, por requerimento de 15-04-2024, apresentado nos autos principais, invocou já a nulidade do processo, ali tendo invocado já todos os fundamentos agora apresentados no presente recurso de revisão, concretamente a nulidade do art. 119.º, al. c), do CPP, combinada com o disposto no art. 234.º do CPC ex vi do art. 4.º, do CPP. Invocou também a preterição de garantias de defesa, como a falta de uma defesa efetiva, e a violação do direito ao recurso.
Mais veio negar a prática dos factos, alegando que a vítima mentiu despudoradamente, levando o tribunal a acreditar na sua versão, fazendo-o dolosamente, por perceber que o arguido não se conseguiria defender. Invocou ainda um conjunto de circunstâncias que forneceriam a motivação para assim ter procedido, dizendo ter dado três versões acerca da sua iniciação sexual, duas das quais não coincidem com a versão da acusação e do acórdão.
Tendo a vítima nos presentes autos sido mãe, permanecera durante um ano ainda na casa dos pais, onde vivia o arguido, sendo o seu filho deixado aos cuidados do arguido e de sua companheira, sendo igualmente falso que o arguido tivesse sujeitado a vítima a presenciar relações sexuais com “namoradas” suas, dado que entre 2005 e 2014 o arguido só teve uma namorada, FF, que é indicada como testemunha no presente recurso de revisão, dizendo que se preparava para apresentar queixa-crime contra a ofendida, por tais factos serem falsos. Termina invocando a circunstância de a ofendida, aos treze anos (depois das datas da prática dos factos penalmente relevantes), quando menstruou, ter sido observada no Hospital ..., verificando-se ser a mesma virgem, o que impossibilita objetivamente a ocorrência dos factos provados.
Requeria o arguido, nesse momento, a realização das diligências de prova que renova no final das conclusões da motivação do seu recurso de revisão.
Tal requerimento viria a ser indeferido, por despacho de 26-04-2024 (Ref.ª Citius
.......38) por extemporaneidade, ficando prejudicada, face ao trânsito em julgado do acórdão condenatório, a realização das diligências probatórias igualmente peticionadas.
Nesse mesmo despacho exarou-se a seguinte fundamentação:
«1º. O arguido AA foi constituído na referida qualidade no dia 26 de janeiro de 2022, data em que foi interrogado e prestou termo de identidade e residência (cf. fls. 88 a 92);
2º. Nos autos inexistiu a tomada de declarações para memória futura à ofendida EE;
3º. Deduzida acusação contra o arguido, foi o mesmo dela pessoal e regularmente notificado por via postal simples, com prova de depósito, expedida para a morada constante do termo de identidade e residência (fls. 133 e 140);
4º. O arguido foi, de novo, pessoal e regularmente notificado, por via postal simples, com prova de depósito, expedida para a morada constante do termo de identidade e residência, do despacho que recebeu a acusação e do despacho que designou datas para a realização da audiência de julgamento (cf. fls. 145 e 147);
5º. O arguido não compareceu em audiência de julgamento, a qual foi realizada na sua ausência, nos termos do art. 333º, n.º 2 do Código de Processo Penal, tendo o mesmo sido representado, para todos os efeitos, pelo seu ilustre defensor (fls. 156 a 160 e fls. 162 a 163);
6º. Não obstante, na primeira sessão foi solicitado à testemunha JJ, padrasto do arguido, o respetivo contacto telefónico, a fim de lhe dar conhecimento da nova data designada para a continuação (que se revelou infrutífero, cf. termo com a referência Citius n.º .......33), sem prejuízo da nova notificação pessoal para a referida data e para a leitura do acórdão, cf. referências Citius n.ºs .......36, de 29 de setembro (e fls. 161), .......84, de 11 de outubro (e fls. 164), e .......19, de 24 de outubro (e fls. 165);
7º. Contrariamente ao que o arguido alega no requerimento ora apresentado, o mesmo não foi notificado do acórdão condenatório por via postal – de molde a que pudesse nem sequer ter aberto a carta expedida pelo Tribunal, como refere -, mas antes – pessoalmente, através da autoridade policial competente, uma vez mais na morada constante do termo de identidade e residência prestado, onde foi encontrado -, o que sucedeu no dia 14 de novembro de 2023, como resulta inequívoco do teor do ofício expedido para o efeito, constante de fls. 218 e 219 dos autos, passando igualmente a dispor, a partir dessa data (sendo que já anteriormente dispunha), da possibilidade de exercer todos os direitos em que se concretiza o princípio constitucional das garantias de defesa, incluindo o de invocar e de fazer valer a nulidade insanável que só agora vem arguir, não tendo sequer impugnado o referido acórdão condenatório.»
Em bom rigor, portanto, com exceção da questão da nulidade, os aspetos que o requerente agora coloca como fundamentos do seu recurso, são uma reedição da fundamentação daquele seu anterior requerimento de 15-04-2024, pretendendo, agora, controverter a uma outra luz a eficácia e definitividade da decisão revidenda.
Refere, ainda, o arguido, que «A “ofendida” mentiu, despudoradamente, sobre todos os factos que imputou ao Arguido.»
Impõe-se perguntar: o recorrente apresenta provas novas e decisivas, bem como justificação suficientemente plausível para que o depoimento da ofendida tenha sido “despudoradamente falso”? E para não ter apresentado ou requerido as testemunhas apresentadas ex novo, sendo que os seus depoimentos se mostram passíveis de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação?
No que tange à primeira questão, deve reconhecer-se que os depoimentos da vítima e do seu pai, a testemunha JJ, foram efetivamente considerados como coerentes, constantes e credíveis, nos seguintes termos:
«(…) o juízo probatório positivo acerca dos factos constantes da acusação, nos precisos termos que foram dados como provados, resultou – exclusiva e preponderantemente -, do depoimento prestado, de forma séria e merecedora de credibilidade, pela testemunha EE, a ofendida, ainda que eivado de emotividade e deixando transparecer um claro ressentimento face às condutas empreendidas pelo irmão, bem como, de certo modo, pelos seus pais, neste caso por não terem sido suficientemente protetores, conforme deles esperava.
Com efeito, a testemunha começou por relatar ter vivido sempre com os progenitores e com o arguido, na morada constante dos autos, bem como, até certa altura, com um primo, caracterizando o relacionamento que manteve com o irmão como conflituoso, pautado pela respetiva agressividade, tornando-se o mesmo, ao longo do tempo, cada vez mais violento.»
Por outro lado, no acórdão condenatório deixou-se consignado que:
«(…) a demais prova testemunhal produzida consubstanciou-se no depoimento da testemunha JJ, respetivamente, o “padrasto” e pai daqueles, prestado de modo igualmente isento e credível.
Com efeito, tal depoimento afigurou-se-nos relevante na medida em que corroborou o circunstancialismo em que tomou conhecimento dos factos objeto dos presentes autos, em Angola, numa das visitas realizadas pela filha, tomando então a decisão, e porquanto entendeu que todos precisavam de ajuda, de fazer uma reunião de família, para tentar perceber aquilo que poderia ter sucedido nesses anos. O irmão negou qualquer tipo de situação desta natureza, mas sabe que posteriormente existiu um pedido de desculpas, embora a EE não o tenha entendido como sincero.»
Ora, tendo em atenção os pressupostos e os critérios de caracterização de “facto/prova nova” visando o deferimento de um pedido de revisão, o recorrente desde logo não convence nem aponta evidência mínima no sentido de que o depoimento da vítima tenha sido “despudoradamente falso”, embora sugira uma motivação para, na sua perspetiva, tal ter ocorrido (alegada recusa da mãe da vítima e do arguido em emprestar uma quantia monetária para o estabelecimento de negócio do companheiro da vítima e revolta pela suposta predileção da mãe relativamente ao arguido em detrimento da vítima). Seria uma “vingança” objetivamente desproporcional e sem credibilidade.
Por outro lado, não aponta qualquer crítica ao teor do depoimento da testemunha JJ.
Não há, contudo, demonstração, muito menos cabal, de que o depoimento da vítima EE enferme de falsidade ou que tenha sido dolosamente prestado para prejudicar o arguido; enfim, não se vislumbram decisivas razões no sentido de se suscitarem dúvidas sobre a correção e justiça da decisão condenatória, com base naquele depoimento e no da testemunha JJ.
Por último, ainda, o efeito pretendido pelo requerente – revisão da decisão condenatória, com fundamento em ter sido considerado como decisivo para a condenação um falso meio de prova, no caso o depoimento da ofendia – não prescindiria da demonstração por uma sentença transitada em julgado em tal sentido, o que resulta do art. 449.º, n.º 1, al. a), do CPP.
O arguido pretende, ainda, a reinquirição da testemunha II – sua mãe e da vítima, acerca dos factos mencionados de 29.º a 62.º do requerimento de revisão – e a inquirição das seguintes testemunhas:
- FF, sua ex-companheira, com conhecimento direito e pessoal dos factos relatados nos pontos 51.º a 57.º - impossibilidade de ocorrência de episódios de relações sexuais presenciadas pela ofendida.
- HH, sua ex-companheira, com conhecimento direto e pessoal dos factos relatados nos pontos 47.º a 50.º - tratamento, por ela, do primeiro filho da ofendida.
- DD, prima da ofendida, a quem relatou ter perdido a virgindade durante uma festa organizada pelo grupo “...” com o músico “CC” – ponto 36.º do requerimento de revisão; e de
- Dra. GG, médica, sobre os factos relatados nos pontos 58.º a 61.º - virgindade da ofendida aos 13 anos, idade em que atingiu a puberdade, antes, portanto, da data dos factos dados como provados.
A realização de todas essas diligências foi indeferida pela Senhora juíza de Direito titular dos autos, como se disse já.
A mãe do arguido – e da ofendida – indicada como testemunha, não prestou depoimento, ao abrigo da prerrogativa do art. 134.º, n.º 1, al. a), do CPP, após expressa advertência nesse sentido, pela Senhora juíza de Direito presidente, e compreensão pela mesma, na sessão da audiência de julgamento de 27-09-2023.
Afigura-se-nos que não pode nesta fase processual, surtir efeito uma tal pretensão, por aquela ter sido a esclarecida opção feita pela testemunha, que pôde efetivamente, prestar depoimento e não prestou; por outro lado, não é seguro que viesse a mesma a depor, uma vez que aquele impedimento se continuaria a verificar.
No tocante às demais testemunhas indicadas pelo requerente, com exceção da FF – com quem o arguido refere ter perdido o contacto, só o reatando após a sua detenção –, a localização das mesmas era por si conhecida, só não tendo sido indicadas por incúria ou inércia. Por outro lado, ficaria sempre ao critério do tribunal a localização e notificação de tais pessoas; ponto é que fossem efetivamente indicadas e referenciadas pelos elementos de identificação.
Todavia, analisemos se um eventual resultado positivo, no sentido do que o arguido pretende, dos depoimentos a prestar por tais testemunhas, poderia abalar a convicção do tribunal e a correção e justiça da condenação.
Se a testemunha FF confirmasse o que o arguido refere, poderia, quando muito, pôr em causa a verosimilhança de factos que não tiveram, na economia do acórdão, relevo criminal; mas que eram do conhecimento do arguido, desde a sua notificação da acusação. Apenas seriam aptos a abalar a credibilidade (geral) do depoimento da vítima. Mas tal depoimento não se mostraria idóneo, de per se, a infirmar o sentido condenatório da decisão.
No tocante às demais testemunhas, nada vem alegado quanto ao desconhecimento da localização das mesmas, aquando da realização do julgamento do arguido. Podiam, portanto, ter sido indicadas e inquiridas.
Conforme se disse no enquadramento geral dos pressupostos do recurso extraordinário de revisão, se tais meios de prova podiam e deviam ter sido levados ao julgamento anterior, mas por incúria ou estratégia da defesa não o foram, então apenas se trataria, antes, de fundamentos de recurso ordinário, não se podendo transformar um recurso extraordinário como é o de revisão num recurso ordinário, que não é.
Dir-se-á, porém, a título de obiter dicta, que, mesmo que tais testemunhas corroborassem as versões factuais cujo conhecimento o arguido lhes imputa, a verdade é que só por si, ou conjugados com outros elementos, as mesmas não seriam aptas a gerar dúvidas sobre a justiça da condenação: 1) o facto de a testemunha HH então companheira do arguido, ter tratado do primeiro filho da ofendida, nas suas ausências pontuais, não pode assumir qualquer significado probatório relevante (não sendo de descurar, aqui, a circunstância de, aquando do julgamento, o arguido já não residir com sua mãe, mas a sua companheira e o filho de ambos com ela continuarem a viver); 2) o facto de a testemunha DD ter ouvido a ofendida dizer que teve a primeira experiência sexual com pessoa diferente do arguido, só significa isso mesmo e não que tal tenha efetivamente acontecido; 3) a circunstância de a ofendida poder apresentar uma virgindade fisiológica aos 13 anos de idade não é, agora, passível de demonstração, sendo certo que poderia ser dotada de hímen complacente.
No que respeita à condição dos problemas psicológicos e comportamentais do arguido – que o fazem requerer a realização de uma perícia psiquiátrica –, importa tecer as seguintes considerações.
Em momento algum do seu requerimento o arguido refere ser inimputável ou ter imputabilidade diminuída. Alega padecer de «(…) um quadro mental não diagnosticado, com suspeitas de transtorno bipolar».
Mais refere não se encontrar medicado e ser consumidor habitual de Cannabis.
Acrescenta, ainda, que «(…) não dispõe da necessária capacidade de discernimento que lhe permitisse perceber a gravidade das acusações formuladas e as consequências jurídicas e práticas da sua omissão.» (22.º) e que «(…) O Arguido, por transtorno de personalidade, é caracterizado por uma anormal infantilidade e alienação relativamente ao mundo real.» (23.º).
Mais juntou um relatório clínico, datado de 20-02-2024, assinado pela Senhora Dra. KK, que refere ter o arguido recorrido à sua consulta de Psiquiatria em 01-10-2019 e em 12-11-2019, e que, dada a escassez de elementos informativos, apesar de poder haver qualquer psicopatologia, não podia fazer qualquer diagnóstico.
Sucede que os factos com relevância jurídico-criminal dados como provados e que conduziram à sua condenação – os 53 crimes de violação agravada – foram praticados entre 30-03-2008 e 30-04-2009. Dez anos antes das aludidas consultas de Psiquiatria, em 01-10-2019 e em 12-11-2019.
Por outro lado, não decorre dos autos qualquer elemento credível que, direta ou indiretamente, permita concluir pela verificação de qualquer afetação psíquica do arguido aquando da prática dos factos, ou anteriormente aos mesmos.
Do acórdão revidendo, a este propósito, consta provado o seguinte:
«55. O arguido sempre foi uma pessoa muito reservada, mesmo ao nível da exteriorização dos sentimentos, e chegou a ser acompanhado em consultas de pedopsiquiatria, desconhecendo-se, no entanto, eventual patologia.
A ofendida, instada a tal respeito, disse saber que a sua mãe levou o arguido a consultas de Psiquiatria, sem se saber qual o diagnóstico.
Se um diagnóstico avaliativo da condição psíquica do arguido em 2019 poderia ser algo falível no presente, muito mais difícil, ou mesmo inviável, se tornaria o resultado de uma perícia psiquiátrica com a finalidade de demonstrar aquela condição do arguido, existente em 2008 e 2009, dez anos antes.
Nessa medida se nos afigura que seria inoportuna a realização da pretendida perícia psiquiátrica – com vista a determinar a situação de in/imputabilidade ou do grau de imputabilidade diminuída do arguido relativamente aos factos criminalmente relevantes praticados entre 30-03-2008 e 29-04-2010 –, para além de o requerente ter tido a possibilidade de a requerer tempestivamente.
A jurisprudência deste STJ vem aceitando a revisão de decisão condenatória com fundamento na existência de factos novos ou de elementos inconciliáveis com a decisão consubstanciados num resultado pericial de inimputabilidade do arguido; contudo, tal orientação jurisprudencial pressupõe que exista tal elemento demonstrado noutro processo (cfr., assim, entre outros, acórdãos do STJ de 10-11-2016 - proc. 1074/13.0PBVIS-B1.S1; rel. Cons. Souto Moura; de 11-10-2017 - proc. 1966/12.3TASXL; rel. Cons. Lopes da Mota, e de 27-03-2019 - proc. 141/15.0PVLSB-B.S1; rel. Cons. Manuel Matos).
Ora, tal pressuposto inexiste no caso dos autos.
Da leitura do Acórdão condenatório, infere-se quais os fundamentos e provas que basearam a condenação do recorrente, não se divisando, por outro lado, que tenham sido utilizadas para tal efeito provas produzidas e valoradas em infração ao disposto no art. 126.º, do CPP.
Conclui-se, assim, que o recorrente – perante o efeito preclusivo do trânsito em julgado do acórdão revidendo – pretende com o presente recurso extraordinário de revisão suscitar (aliás em reedição do seu requerimento de arguição de nulidade, de 15-04-2024) a discussão do que poderiam ter sido fundamentos de um recurso ordinário do mesmo, ciente de que nesta fase, tal é legalmente inviável.
Porém, mesmo rejeitando a fundamentação do recurso do arguido pelas precedentes considerações, importa, no entanto, apurar se pode ter cabimento na hipótese da alínea d) do n.º 1 do art. 449.º, do CPP uma das circunstâncias invocadas pelo condenado, que não foi objeto de apreciação pelo tribunal recorrido aquando da decisão: a questão das alegadas condições psicológicas e comportamentais que condicionaram a sua autonomia e capacidade de discernimento e avaliação da gravidade das consequências da omissão de defesa processual.
Em qualquer caso, por se afigurar ser algo inaudita uma situação em que o arguido, tendo completo conhecimento de todos os termos processuais, permanece inerte durante a evolução do processo, sendo condenado por decisão transitada em julgado, sem dela interpor recurso – com expressão superlativa de ter omitido o exercício do direito ao recurso de tal decisão –, entendeu-se pertinente e necessário apurar a verificação, ou não, de certas competências pessoais e psicossociais do arguido que permitissem compreender tal inação. Na verdade, um Estado de Direito contemporâneo não pode deixar de assegurar um efetivo direito à defesa em processo penal, tornando-se pouco compreensível que o arguido, tendo sido condenado na pena de 10 anos de prisão, só após o trânsito em julgado da decisão condenatória e o início do cumprimento da pena, tenha vindo exercer um meio de defesa – o único que exercitou –, já extraordinário, como é o presente recurso de revisão.
O princípio do Estado de direito não se compreende num conceito detalhado e definitivo, antes deriva de uma fórmula complexa, sendo «sobretudo conglobador e integrador de um amplo conjunto de regras e princípios constitucionais» (J. Gomes Canotilho – Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, I, Coimbra: Coimbra Ed., 1984, p. 74), onde pontificam, no domínio da revisão de sentenças, a garantia do acesso ao direito e aos tribunais (art. 20.º, n.º 1, da CRP), o direito a um processo equitativo (art. 20.º, n.º 4), o direito ao recurso e demais garantias de defesa (art. 32.º, n.º 1) e o direito fundamental à revisão da sentença penal condenatória injusta (art. 29.º, n.º 6).
Por outro lado, ainda, a previsão do n.º 4 do art. 20.º da Constituição consagra o direito a um “processo equitativo”, o que vem secundar o comando do art. 6.º, n.º 1, da CEDH, conceito que tem vindo a ser desenvolvido e densificado pelo Tribunal Constitucional (assim, cfr. entre outros, Acs. TC n.ºs 109/99 e 39/2004).
A noção subjacente ao princípio é a de não se admitir que o mesmo não passe de um fórmula vazia, ou seja, não admitir que uma defesa meramente formal – em rigor uma “não-defesa” ou uma defesa cuja estratégia é omissa –, aparentando satisfazer as exigências de regularidade na condução do processo, não materialize o conteúdo dos direitos e prerrogativas de defesa do arguido e, como tal, conduza a um resultado não justo. Enfim, um simulacro de defesa que negue o princípio do processo equitativo.
Em momento algum do seu requerimento de revisão o requerente alega ter agido em situação de inimputabilidade ou ter um quadro de imputabilidade diminuída. De resto, sendo tais condições sempre relativas à data da prática dos factos, seria inviável determinar retroativamente, neste momento, se o mesmo padeceria de alguma delas naquele período.
O que o requerente invoca é que «(…) sofre de um quadro mental não diagnosticado, com suspeitas de transtorno bipolar, não estando medicado e sendo, além do mais, consumidor habitual de canábis, não dispondo da necessária capacidade de discernimento que lhe permitisse perceber a gravidade das acusações formuladas e as consequências jurídicas e práticas da sua omissão e sendo caracterizado por uma anormal infantilidade e alienação relativamente ao mundo real.»
A determinação de uma tal situação atual atinente às «características psíquicas independentes de causas patológicas» (art. 160.º, n.º 1, do CPP), mostrou-se necessária e relevante para aferir, se possível, se o mesmo padece de qualquer síndrome ou distúrbio de personalidade e, em caso afirmativo, qual, e, em qualquer caso, sobre o grau de autonomia individual e psicossocial, em sede de capacidade de discernimento para avaliar a gravidade das acusações formuladas e as consequências jurídico-processuais de permanecer inerte durante os termos do processo e de se determinar de acordo com tal avaliação.
É isso, em suma, que se tornava necessário apreciar, em face da total objetiva omissão do direito de defesa, pelo que se entendeu, no acórdão de 26-09-2024, ser necessário determinar a realização de perícia de personalidade, enquanto diligência preparatória da decisão final do presente recurso de revisão, tendo-se entendido como diligência “necessária” para dilucidar o (único) fundamento que, afinal, poderia remota e indiretamente constituir a previsão da alínea d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP: “facto novo”.
Nesse sentido, foi determinada a realização de uma perícia de personalidade ao arguido, por se ter considerado necessária, a fim de, definitivamente, se apurar, tanto quanto possível:
«1) se o requerente AA padece de qualquer perturbação mental ou transtorno de personalidade;
2) em caso afirmativo, qual, e se o mesmo pode afetar a capacidade de representar a possibilidade de, não exercitando quaisquer meios de defesa, advirem sérias consequências sancionatórias para si num processo como o presente;
3) em qualquer caso, determinar-se, se possível, o grau de autonomia individual e psicossocial, no tocante à capacidade de discernimento para avaliar a gravidade das acusações formuladas e as consequências jurídico-processuais (condenação em pena de prisão de duração considerável) de permanecer inerte durante os termos do processo e de se determinar de acordo com tal avaliação.»
Realizada a mesma, resultou da apreciação pericial de Psicologia Forense (relatório 2024/092238.R..., realizada em 16-12-2024), entre o mais, o seguinte:
«(…)
Da análise das respostas e do perfil obtido pelo examinando, verifica-se que não existe qualquer patologia grave de personalidade, não se observando também a presença de síndromes clínicos ou síndromes clínicos graves, encontrando-se todas as escalas dentro dos valores normativos.
Na análise das escalas e padrões clínicos de personalidade não obtivemos qualquer elevação que seja sugestiva da presença de sintomatologia ou de quadro psicopatológico.
5. CONCLUSÕES & RESPOSTA AOS QUESITOS
5.1. AA apresentou-se à data da observação vígil, consciente e lúcido, orientado no tempo e no espaço, auto e alopsiquicamente, contudo, manifestou dificuldades para fixar a sua atenção e para mobilizar a sua concentração, dispersando e adotando uma postura interpessoal seletivamente evasiva e contraditória com os elementos clínicos e processuais disponíveis. Atendendo à atitude supra considerou-se não existirem condições para avaliação do seu coeficiente de inteligência, sendo que o examinado apenas aderiu à prova de personalidade porque a mesma lhe foi lida e explicada.
Em rigor, não foi possível determinar se tais alegadas dificuldades seriam fruto de uma deliberada simulação consciente, o que é verosímil assumir, se seriam resultantes de outras variáveis clínicas não passiveis de determinar. Não obstante, verificou-se a existência de claras contradições e oscilações que nos sugerem algum grau de preparação na sua atitude para eventualmente obter ganhos secundários com a presente avaliação pericial, não se detetando comprometimento da sua autonomia individual ou psicossocial para discernir e se avaliar perante a as acusações vertidas nos autos.
Da avaliação psicológica realizada, no âmbito dos condicionalismos já descritos, não se apurou a presença de perturbação psicopatológica ou a presença dos indicadores suficientes para o diagnóstico cabal de transtorno de personalidade, nem em contexto da observação clínica nem decorrente da avaliação instrumental.»
Por seu turno, resultou da apreciação pericial de Psiquiatria Forense (relatório nº 2024/092238.R..., realizado em 17-04-2025), o seguinte:
«(…)
Não se apura no presente ou na história pregressa quando patológico de tristeza, apatia, anedonia, ansiedade, insónia.
Aquando da realização do exame pericial não se apurou qualquer sintomatologia psicopatológica agudizada nomeadamente em termos do humor.
Não se apurou sintomatologia do foro psicótico, nomeadamente alteração da forma, posse e conteúdo do pensamento, assim como alteração da sensório perceção. Não se apurou sintomatologia presente ou passada que o alienasse em termos da noção da realidade concreta ou que alterasse as suas capacidades volitivas.
Nega os factos de que está indiciado.
(…)
Da avaliação do seu estado mental, apura-se que à data dos factos de que está indiciado, apresentaria capacidade de distinguir o bem/mal, lícito/ilícito, querer/poder, assim como de se conseguir autodeterminar segundo essa avaliação.
Da avaliação do seu estado mental no momento da realização do exame pericial, apresenta capacidade de distinguir o bem/mal, lícito/ilícito, querer/poder, assim como de se conseguir autodeterminar segundo essa avaliação.
IV. Conclusões
1. O examinado não apresenta sintomatologia do foro mental que permita realizar qualquer diagnóstico de patologia psiquiátrica codificado na International Classification of Diseases and Related Health Problems, Tenth Revision (ICD-10). Da avaliação do seu estado mental, apura-se que à data dos factos de que está indiciado, apresentaria capacidade de distinguir o bem/mal, lícito/ilícito, querer/poder, assim como de se conseguir autodeterminar segundo essa avaliação. Da avaliação do seu estado mental no momento da realização do exame pericial, apresenta capacidade de distinguir o bem/mal, lícito/ilícito, querer/poder, assim como de se conseguir autodeterminar segundo essa avaliação.
2. 1) se o requerente AA padece de qualquer perturbação mental ou transtorno de personalidade? Não.»
Tais considerações e conclusões são inequivocamente esclarecedoras, no sentido de não se confirmar qualquer situação de perturbação mental ou de transtorno de personalidade do arguido que, de algum modo, pudesse afetar a sua capacidade de avaliar as consequências potenciais do processo (culminar na sua condenação) bem como de se autodeterminar de acordo com essa possibilidade, ao optar por uma posição de inércia na exercitação de direitos de defesa processual.
Em suma, as dúvidas que se colocaram a este STJ acerca da revelação e conhecimento superveniente de um quadro psicossocial que afetasse o arguido de modo a comprometer a sua capacidade de valorar a sua intervenção processual e, designadamente, de poder perspetivar a hipótese da sua condenação – enquanto facto que poderia integrar a previsão da alínea d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP –, foram inteiramente dissipadas.
Não existindo, entre nós, uma autorização legal que consagre uma espécie de standard Strickland, vigente nos EUA após o precedente Strickland v. Washington / No. 82-1554, 466 U.S. 668 (1984) (cfr. https://supreme.justia.com/cases/federal/us/466/668/) – que reconhece o direito a uma reapreciação da causa, perante uma defesa não razoavelmente eficaz do arguido, quando seja legítimo concluir que uma defesa medianamente competente teria atingido resultados diferentes –, a neutralização da decisão revidenda não pode alcançar-se diretamente por tal via.
Por último, tem sido uniformemente entendido pela jurisprudência deste STJ que o recurso de revisão não pode servir para corrigir uma opção por uma certa estratégia de defesa processual pouco interventiva ou mesmo inoperante, desde que o processo tenha efetivamente assegurado as garantias e prerrogativas de defesa, ou seja, tenha havido um processo equitativo (cfr., neste sentido, Acs. do STJ de 14-03-2013; Proc. n.º 693/09.3JABRG-A.S1 - rel. Cons. Maia Costa; de 25-05-2023; Proc. n.º 149/17.0T9CSC-A.S1 - rel. Cons. Orlando Gonçalves ; de 16-10-2024 ; Proc. n.º 128/21.3GBCLD-A.S1 - rel. Cons. M. do Carmo Silva Dias).
Não nos sendo permitido fazer um qualquer juízo de avaliação sobre a qualidade da defesa desenvolvida durante o processo, ignorando-se o tipo de relação arguido-defensor, uma tal conjetura apareceria aqui como deslocada e imprópria.
Não se trata de admitir que uma eventual omissão processual da defesa potenciou uma condenação injusta; a haver uma omissão ou deficiência da defesa, não foi ela decisiva para o resultado condenatório que o arguido pretende, agora, questionar.
Enfim, o recorrente no presente recurso de revisão não indica assim, novos factos, nem novas provas que de per si ou combinadas com as existentes, ponham em causa a justiça da condenação, o que impõe a improcedência da sua pretensão.
Por essas razões, tem de improceder o pedido de revisão.
III. Decisão
Por tudo quanto se expôs, acorda-se, em conferência, em:
I) - não tomar conhecimento material do segmento do recurso no tocante à alegada nulidade da realização do julgamento na ausência do arguido(-condenado), por se tratar de fundamentação insuscetível de integrar um dos motivos de revisão de decisão condenatória taxativamente previstos nas alíneas do n.º 1 do art. 449.º do CPP; e
II) - negar a revisão peticionada pelo arguido(-condenado) AA, relativamente ao acórdão condenatório do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ...– Juiz ..., de 08-11-2023, por a sua fundamentação não preencher a previsão da alínea d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP - artigo 456.º do CPP.
Custas pelo recorrente, fixando-se em quatro (4) UC a taxa de justiça (artigos 456.º, 513.º, do CPP e art. 8.º, n.º 9, do RCP, e Tabela III, anexa), face à complexidade das questões apreciadas.
*
Lisboa, STJ, 26-06-2025
(Texto elaborado e informaticamente editado, integralmente revisto pelo relator, sendo eletronicamente assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos e pela Senhora Juíza Conselheira Presidente da Secção - art. 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)
Os juízes Conselheiros
Jorge dos Reis Bravo (relator)
João Rato (1.º adjunto)
Jorge Gonçalves (2.º adjunto)
Helena Moniz (Presidente da Secção)