Para que exista contradição entre Acórdãos é necessário que se verifique uma identidade do quadro factual em ambas as decisões em confronto, pelo que inexistindo tal identidade factual, não se verifica contradição entre julgados.
Tribunal da Relação de Lisboa – Secção da Propriedade Intelectual
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça
GGLE Portugal, L.da, notificada do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no dia 27 de Janeiro de 2025, no qual se julgou improcedente o recurso de apelação que havia sido interposto da sentença proferida em 1.ª instância, nos autos de procedimento cautelar, que lhe foi instaurado por GEDIPE – Associação Para a Gestão Colectiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais, já ambas identificadas nos autos, com a consequente manutenção da decisão recorrida, na qual se julgou procedente o requerido e se condenou a requerida GGLE Portugal, L.da, “a proceder ao bloqueio de acesso, aos seus clientes, do domínio e subdomínios melhor identificados no ponto 10 da factualidade provada, mediante a adoção de medidas técnicas adequadas para o efeito” e se fixou, “a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de 1.000,00 € por cada dia em que se verifique o incumprimento da decisão proferida, após trânsito em julgado, até ao efetivo bloqueio ordenado” veio, interpor recurso de revista, nos termos do disposto no artigo 370.º, n.º 2, do CPC, conjugado com o disposto no seu artigo 629.º, n.º 2, al. d), com o fundamento em o mesmo estar em contradição com o Acórdão proferido, em 3 de Julho de 2024, na mesma Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, nos autos com o n.º 190/23.4YHLSB.L1, transitado em julgado no dia 14 de Novembro de 2024, de que juntou cópia certificada.
Alegou, para tal e em resumo, que os Acórdãos em confronto/oposição, se referem a duas providências cautelares “totalmente idênticas”; que deram entrada no mesmo dia; com a alegação dos “mesmíssimos factos”; movidas pela mesma requerente (GEDIPE); com fundamento na mesma situação de facto e em que foram formulados os mesmos pedidos; com os mesmos meios de prova e em que foram alegados os “mesmíssimos” argumentos jurídicos e normas legais.
Invoca a contradição entre ambos os Acórdãos - o de que aqui pretende recorrer e o fundamento –, porque não obstante o que ora acima se referiu, foram julgados de forma oposta, porquanto no Acórdão proferido nestes autos a requerente foi considerada com legitimidade representativa e a providência cautelar foi deferida e, ao invés; no Acórdão fundamento, a requerente foi considerada sem legitimidade representativa e a providência foi indeferida, bem como que no Acórdão recorrido, o Tribunal considerou que cabia à requerente provar que não prestava o serviço de DNS e no Acórdão fundamento foi entendido que cabia à requerente provar que a requerida prestava esse serviço.
Do que conclui que, que existe a apontada contradição entre ambos os ora referidos Acórdãos; que resulta de uma oposição frontal e não meramente implícita em relação à decisão em si e não apenas nos seus fundamentos; incindindo ambos sobre a mesma questão fundamental de direito, num igual quadro fáctico; sendo essencial a questão controversa de direito para o resultado obtido em cada um de tais Acórdãos e que a divergência ocorre no mesmo quadro normativo.
Respondendo, a requerida, GEDIPE, defende a inadmissibilidade do recurso que a requerente pretende interpor, resumidamente, com o fundamento em que os factos considerados como provados em cada um dos supra referidos Acórdãos, são diferentes, pelo que não se verifica o mesmo quadro factual e jurídico.
Isto porque, no Acórdão fundamento, se considerou que inexistia prova da representação pela GEDIPE dos titulares das obras e que a requerida prestava o serviço DNS, ao passo que no Acórdão recorrido, se apurou que a GEDIPE representava os titulares das obras em causa e que a requerida era responsável pelo serviço DNS, do que importa concluir que não se trata de decisões contraditórias sobre a mesma matéria de direito, mas sim de decisões baseadas em quadros factuais distintos, mercê da diferente apreciação da prova produzida.
Recurso, este, que não foi recebido, nos seguintes termos:
“A norma invocada para assegurar a recorribilidade pretendida (o art. 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC) enuncia um conjunto de requisitos dos quais ressalta e aqui é decisivo que exista contradição entre dois acórdãos proferidos em segunda instância no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
Os demais não estão em crise nos autos não merecendo, pois, análise autónoma.
Revela-se adequado, muito relevante para a decisão reclamada e bem formulado, em termos que dispensam a busca de melhor enunciado, o comentário lançado por ABRANTES GERALDES, in Recursos em Processo Civil, 8ª Edição Atualizada, Almedina, 2024, pp. 93, assim citado pela GEDIPE:
«António ABRANTES GERALDES sustenta para efeitos de admissibilidade do recurso de revista, à luz da norma em apreço [alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC] “que os elementos de facto relevantes para a ratio da regra jurídica sejam coincidentes, isto é, que a subsunção jurídica feita em qualquer das decisões tenha operado sobre o mesmo núcleo factual, sem se atribuir relevo a elementos de natureza acessória».
Esta referência tem toda a adequação e interesse quando se tenta definir o que é uma decisão judicial com a finalidade de apurar da existência de contradição entre julgados.
Para que duas manifestações de vontade decisória se contradigam, têm as mesmas que ter ponto de confluência e conteúdo comuns. Quanto àquele, a sua definição faz-se no âmbito da identificação das questões a decidir. No que se reporta a este, o mesmo define-se por reporte a um acervo de factos provados que definem o recorte de vida a submeter ao filtro do Direito, a uma subsunção, ou seja, a uma operação de submissão analítica da factualidade cristalizada a uma camada jurídica de «iluminação» e avaliação técnica.
Tem todo o sentido que se percorra este caminho de ponderação já que duas decisões assentes em factos diferentes, ainda que respondendo a questões coincidentes, fazem, nos factos distintos, uma derivação que nunca mais as deixa aproximar. Decidir sobre factos diferentes é decidir de forma diversa. E decidir de forma diversa o que é diferente é tornar impossível a contradição.
Neste enquadramento, analisando os acórdãos alegadamente colidentes, extraímos que não há essenciais áreas secantes no domínio fáctico.
O que era importante para a concessão da tutela cautelar provou-se num acórdão (o que se quis impugnar) mas não no acórdão-fundamento. Neste, conforme referiu o Tribunal de Recurso, foi claramente declarado que «não se considera demonstrado, ainda que indiciariamente, desde logo, um dos requisitos para que seja decretada a presente providência cautelar, a saber: a probabilidade séria da existência do direito de autor (fumus boni juris)». Já na decisão que se quis criticar, conforme até no sumário se inscreveu, provou-se a titularidade dos direitos referidos nos autos, a violação dos mesmos, a representação pela Requerente da providência cautelar dos respectivos titulares atingidos e a potencialidade de a intervenção da Requerida corresponder a uma importante via de bloqueio da ilicitude. Nestes autos, a factualidade demonstrada impunha o decretamento da providência. Nos que contiveram a decisão- fundamento, os factos provados clamavam pelo indeferimento.
Como poderia haver, aqui, qualquer contradição?
Não há contrariedade ou colisão entre o que não tem pontos concorrentes e se desenvolve em sentidos diametralmente opostos no que tange à sua sustentação.
Não há maior separação do que a que existe entre uma acção em que se provam os fundamentos do peticionado e outra em que nada se prova de relevante para o efeito.
Sempre salvo o muito respeito devido, não tem o menor sentido falar-se em contradição de julgados na situação que se aprecia.
Não se preenche o circunstancialismo que integra a previsão da al. d) do n.º 2 do art. 629.º do Código de Processo Civil-
Não faz parte do processado legalmente previsto a dedução de recursos ilegais. Tal dedução tem, pois, carácter anómalo e incidental o que gera, necessariamente, consequências em matéria de custas.
Face ao exposto, ponderado o estabelecido na norma analisada e o estatuído no n.º 2 do artigo 370.º do encadeado normativo sempre sob referência, rejeito o recurso que a GGLE PORTUGAL, LDA. interpôs neste processo sob a denominação de «recurso ordinário de revista».
Custas do incidente pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2,9 UCs.”.
Em sede de reclamação, a reclamante, GGLE, Portugal, pugna pela admissibilidade do recurso de revista interposto, reiterando que se verifica a contradição directa entre os dois supra referidos Acórdãos, com base na argumentação já exposta nas alegações de recurso e que acima se resumiu, designadamente que foram alegados em ambas as providências, os “mesmíssimos factos”; com fundamento na mesma situação de facto; com os mesmos pedidos textual e faticamente elaborados; com base nos “mesmíssimos argumentos” jurídicos e normas legais e em que se perfilharam entendimentos/decisões opostas, conduzindo num caso ao deferimento da providência e noutro ao seu indeferimento.
Reitera que em ambas as providências intentadas se verifica a mesma “identidade fática”, por serem, em ambas, os mesmos factos subjacentes a cada uma das decisões em confronto e que se traduz na legitimidade representativa da requerente que, num caso foi reconhecida e no outro assim já não sucedeu, o que acarretou, num caso, a improcedência da providência requerida e no outro a respectiva improcedência, reduzindo-se, mais alega, a questão, a saber se a requerente GEDIPE representa ou não os titulares dos direitos de autor identificados como sendo lesados em ambas as providências, o que, em seu entender não pode depender apenas da análise do teor do doc. junto sob o n.º 3, em cada uma das referidas providências.
Respondendo, a requerente GEDIPE, reitera que se verifica a inadmissibilidade do recurso interposto, com o fundamento em que a reclamante apenas visa a impugnação do julgamento da matéria de facto dada como provada, o que não cabe no âmbito do presente recurso.
Mais refere que inexiste a alegada real contradição entre os Acórdãos invocados, porquanto é distinta a base factual considerada como provada em cada um deles, pelo que não estamos face ao mesmo quadro factual, o que, desde logo, afasta a alegada contradição entre acórdãos, que se baseiam, cada um deles, em factos distintos.
Concretizando, alega que o Acórdão fundamento analisa uma situação em que não foram identificados os titulares das obras cinematográficas que fossem representadas pela requerente e, ao invés, no Acórdão recorrido, demonstrou-se tal titularidade, bem como que os titulares de tais direitos eram representados pela GEDIPE, o que acarretou as diferentes decisões de improcedência/procedência das providências em consonância com a prova ou não demonstração dos respectivos factos, em cada uma das providências.
Mais referindo que os factos relativos à representatividade da requerente foram dados como provados com base no doc. n.º 3, junto com o requerimento inicial da providência, que corresponde à certidão da IGAC, no qual estão indicadas quais as entidades representadas pela GEDIPE.
Concluindo, dever ser julgada improcedente a reclamação formulada pela requerida/reclamante GGLE Portugal.
Por se entender que o recurso de revista que se pretende interpor não é admissível, foi proferida decisão singular, em 6 de Maio de 2025, que tal declarou.
No seguimento do que a reclamante GGLE Portugal, apresentou reclamação para a conferência, reiterando a argumentação já anteriormente expendida, designadamente, que apesar de se estar perante distinta factualidade, o certo é que isso se deve ao diferente entendimento que as instâncias tiveram relativamente aos meios de prova produzidos, o que legitima a recorribilidade da decisão.
Diversamente, a reclamada GEDIPE refere que a reclamante mais não pretende do que impugnar, de novo, o julgamento da matéria de facto, o que lhe está vedado, e pugnando pela inadmissibilidade do recurso, aderindo aos fundamentos exarados na decisão aqui reclamada.
Cumpre decidir, no que passaremos a reproduzir a decisão singular reclamada, nada tendo sido, de novo, alegado que importe considerar:
Conforme disposto no artigo 671.º, n.º 3, do CPC, como regra, não é admissível recurso de revista do acórdão da Relação que confirme sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvos os casos de revista excepcional.
Efectivamente, cf. ali se dispõe:
“Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é permitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.”.
A que há que conjugar o disposto no artigo 370.º, n.º 2, do CPC, de acordo com o qual:
“Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determina a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível.”.
Ora, os casos em que é sempre admissível recurso para o STJ, são os previstos no artigo 629.º, n.º 2, do CPC, preceito a que a reclamante apela, ao alegar que se verifica a contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão proferido pela mesma Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em 3 de Julho de 2024, nos autos com o n.º 190/23.4YHLSB.L1, já transitado em julgado.
Assim, resta averiguar se estamos perante a situação prevista no n.º 2, al. d) do artigo 629.º do CPC, de acordo com o qual:
“Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:
(…)
d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.
Conforme refere Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 8.ª Edição Atualizada, Almedina, 2024, a pág. 93, relativamente à contradição de acórdãos “… pressupõe-se que exista uma efetiva contradição de acórdãos, oposição que deve ser frontal e não apenas implícita ou pressuposta; não bastando para o efeito uma qualquer divergência relativamente a questões laterais ou secundárias, a questão de direito deve apresentar-se com natureza essencial para o resultado que foi alcançado em ambos os acórdãos (ratio decidendi), sendo irrelevante a divergência que respeitar apenas a alguns argumentos sem valor decisivo ou em torno de meros obiter dicta”.
E quanto à “identidade”, refere que “deve verificar-se uma relação de identidade entre a questão de direito apreciada no acórdão da Relação que é objeto de recurso e no outro aresto (acórdão da Relação ou do Supremo que sirva de contraponto), não bastando que neles se tenha abordado o mesmo instituto jurídico; tal pressupõe que os elementos de facto relevantes para a ratio da regra jurídica feita em qualquer das decisões tenha operado sobre o mesmo núcleo factual, sem se atribuir relevo a elementos de natureza acessória”.
Sendo, ainda, exigível, que a divergência entre as decisões em confronto se verifique num quadro normativo substancialmente idêntico.
De salientar, ainda, que cf. referido na nota 137, de pág. 94 e 982, de pág. 692, o objecto de um recurso intentado ao abrigo do disposto no artigo 629.º, n.º 2, al. d), do CPC “está circunscrito ao preciso tema acerca do qual se verifica o apontado conflito jurisprudencial, não podendo abordar-se numa revista com esse específico fundamento outras questões, mesmo que enunciadas pelo recorrente ao longo da sua alegação”.
O que se verifica ainda que se trate “… de preterição dos direitos de defesa, de ilegalidade alegadamente cometidas, ou de inconstitucionalidades”.
O que impede que se averigue da distinta valoração da prova produzida, máxime documental, o que sempre estaria vedado ao Supremo, em face do disposto no artigo 674.º, n.º 3, do CPC, cujos pressupostos não se verificam.
Reiterando-se que o recurso se circunscreve à invocada contradição de acórdãos, que não se verifica.
A nível da inúmera jurisprudência do STJ, assim vem sendo considerado, de que se citam, exemplificativamente e por último, os Acórdãos de 25 de Fevereiro de 2025, Processo n.º 3654/22.3T8LSB-A.L1.S1 (este, como os a seguir citados, todos disponíveis no respectivo sítio do Itij), no qual se citam outras decisões do Supremo, no mesmo sentido e se defende que para que exista contradição entre Acórdãos é necessário que se verifique uma identidade do quadro factual em ambas as decisões em confronto, pelo que inexistindo tal identidade factual, não se verifica contradição entre julgados.
Adiantando, ainda, que num recurso em que se invoca a contradição de acórdãos, o respectivo objecto se restringe a aspectos relacionados com o próprio processo e com os pressupostos próprios da providência requerida, ficando afastada a possibilidade de discutir o conteúdo do direito substantivo aplicável ao caso, a analisar na acção principal, sem prejuízo, acrescenta-se, da necessária análise dos requisitos da requerida providência.
Igualmente, nos Acórdãos de 10 de Dezembro de 2024, Processo n.º 6520/18.3T8MAI.P1.S1; de 2 de Julho de 2024, Processo n.º 2108/23.0T8LSB.L2.S1 e de 14 de Setembro de 2021, Processo n.º 338/20.0T8ESP.P1.S1 se decidiu que a oposição entre julgados tem de ser uma oposição frontal e há de determinar-se atendendo à semelhança entre as situações de facto e a dissemelhança entre os resultados da interpretação e/ou da integração das disposições legais relevantes em face das situações de facto consideradas.
Referindo-se, no último dos Arestos ora citados, por referência a outros ali citados, que “… a oposição de acórdãos, quanto à mesma questão fundamental de direito, verifica-se, quando, perante uma idêntica situação de facto, a mesma disposição legal se mostre, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos”, verificando-se a contradição entre acórdãos “… quando o essencial da situação de facto, à luz da norma aplicável, é idêntico nos dois acórdãos”.
Também, no Acórdão de 4 de Julho de 2024, Processo n.º 3828/23.0T8CBR.C1.S1, se decidiu que a oposição de julgados exige, para além da identidade da questão fundamental de direito, que o núcleo factual seja idêntico ou, em larga medida, coincidente, termos em que “A questão de direito cuja identidade pode legitimar a contradição não se define pela hipótese/estatuição, desenhada abstractamente, da norma jurídica, mas sim pela questão nuclear recortada na norma pelos factos da vida que revelaram nas decisões”.
De tudo o que vem sendo referido resulta, assim, a conclusão de que se as decisões em confronto se basearam em diferentes/distintos quadros factuais essenciais, afastada fica a possibilidade de existência de contradição/oposição de julgados.
Como resulta do acima exposto, foi, precisamente, esta a razão invocada no despacho reclamado para declarar a inadmissibilidade do recurso.
Pelo que importa aferir se estamos ou não, em presença da apontada contradição entre julgados, com fundamento num diverso/distinto quadro factual que subjaz/fundamenta cada uma das decisões em confronto.
Ora, analisando o Acórdão recorrido, verifica-se que se julgou improcedente o recurso de apelação interposto da decisão proferida em 1.ª instância, com o fundamento em que a requerente provou/demonstrou a titularidade dos direitos violados e que representava os proprietários de tais direitos, em correspondência com a factualidade que se deu por provada – cf. fl.s 63 a 65 do Acórdão recorrido.
Efectivamente, como melhor aí consta, nestes autos provou-se que a requerente representa os titulares dos direitos de autor violados (pela aqui requerida).
Ao invés, no Acórdão fundamento – proferido nos supra identificados autos n.º 190/23 – decidiu-se pela procedência do recurso de apelação nos mesmos, interposto, com o fundamento em que ali não se demonstrou nem que a requerida tenha violado os direitos de autor em causa, nem que os respectivos titulares eram representados pela requerente.
Como ali se refere expressamente (fl.s 93/4):
“Como não é a empresa que tem sede em Portugal que disponibiliza o serviço público de internet denominado “Open DNS”, não lhe pode ser imputada a autoria do facto que a GEDIPE (…) considera lesiva ou ofensiva de direitos de autor de obras cinematográficas e audiovisuais.
Acresce que os titulares das obras cinematográficas ou audiovisuais que são mencionadas no art. 49.º do requerimento inicial [que deu origem ao art. 27.º dos factos provados] não coincidem com entidades nacionais ou estrangeiras que sejam representadas pela GEDIPE (…)”.
Concluindo-se que (fl.s 95):
“Atendendo à carência da matéria de facto (alegada e provada) não se considera demonstrado, ainda que indiciariamente, desde logo, um dos requisitos para que seja decretada a presente providência cautelar, a saber: a probabilidade séria da existência do direito de autor (fumus boni iuris”.
O que, por si só, acarretou a procedência do recurso, com a revogação da decisão recorrida.
Ou seja, estamos perante um caso – Acórdão recorrido – em que a recorrente provou a factualidade em que assenta a sua pretensão, designadamente a violação por parte da requerida de direitos de autor, cujos titulares a requerente representa em Portugal e outro – Acórdão fundamento – em que a requerente não provou nem que fosse a ali requerida a violar tais direitos, nem que represente em Portugal os respectivos titulares.
Como é óbvio, tal distinta factualidade teria de num caso de acarretar o decretamento da requerida providência e a sua improcedência no outro, em face do que e atento o acima exposto, se impõe concluir que inexiste a invocada contradição de acórdãos, sendo esta, como acima já referido, a única questão que importa aqui decidir, atenta a excepcionalidade das situações em que é admissível o recurso de decisões proferidas em procedimentos cautelares para o STJ.
Concluindo, é inadmissível o presente recurso de revista, que só seria admissível à luz do disposto nos artigos 370.º, n.º 2 e 629.º, n.º 2, al. d) do CPC, o que, face ao exposto, não se verifica, o que se declara, confirmando-se a decisão aqui reclamada.
Nestes termos, se decide:
Indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante.
Notifique.
Lisboa, 3 de Julho de 2025
Arlindo Oliveira (Relator)
Maria de Deus Correia
Ferreira Lopes