RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE
DUPLA CONFORME
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
PRESSUPOSTOS
IDENTIDADE DE FACTOS
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
ACÓRDÃO RECORRIDO
ACORDÃO FUNDAMENTO
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
OBRIGAÇÃO DE RESULTADO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
EMPREITADA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Sumário


A alínea d) do n.º 2 do artigo 629. do Código de Processo Civil exige que o acórdão recorrido esteja em contradição com algum acórdão anteriormente proferido pela Relação, denominado de acórdão fundamento; que os dois acórdãos tenham sido proferidos no domínio da mesma legislação; e que os dois acórdãos tenham sido proferidos sobre a mesma questão fundamental de direito.

Texto Integral


PROCESSO N.º 4036/22.2T8GMR.G1.S1

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Recorrente: A..., SA. (A...)

Recorridas: Zurich Insurance PLC, Sucursal en España, e T... Sociedad Anonima – Sucursal em Portugal

I. — RELATÓRIO

1. Zurich Insurance PLC, Sucursal en España, e T... Sociedad Anonima – Sucursal em Portugal, propuseram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra A..., SA. (A...) pedindo a condenação da Ré:

I. — no pagamento da quantia de € 339.280,25, acrescida de juros, à 1.ª Autora;

II. — no pagamento da quantia de € 59.864,18, acrescida de juros, à 2.ª Autora.

2. A Ré A..., SA. (A...) contestou, defendendo-se por impugnação, e deduziu reconvenção.

3. Pediu a compensação do seu crédito no valor de €44.363,40, com o crédito da 2.ª Ré.

4. Requereu a intervenção provocada:

I. — do dono da obra — TCL.

II. — de Ageas Portugal – Companhia de Seguros, SA.

III. — de Lusitânia – Companhia de Seguros SA,

5. Foram admitidas a intervenção a título principal da Lusitânia – Companhia de Seguros SA e a intervenção a título acessório da Lusitânia – Companhia de Seguros, SA.

6. As intervenientes contestaram, impugnando o enquadramento dos danos nas garantias contratualizadas.

7. Foi admitida a reconvenção deduzida pela Ré A..., SA. (A...).

8. O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção procedente e a reconvenção improcedente.

9. Como julgasse procedente a acção,

I. — condenou a Ré no pagamento à 1.ª Autora, Zurich, da quantia de 339.280,25 euros, acrescida de juros de mora contados à taxa legal supletiva prevista para as operações de natureza civil, desde 25.07.2022 e até efectivo e integral pagamento;

II. — condenou a Ré no pagamento à 2.ª Autora, T..., da quantia de € 2.000,00, acrescida de juros de mora contados à taxa legal supletiva prevista para as operações de natureza civil, desde 25.07.2022 e até efectivo e integral pagamento.

10. Como julgasse improcedente a Reconvenção, absolveu a 2.ª Autora T... Sociedad Anonima – Sucursal em Portugal do pedido deduzido pela Ré A..., SA. (A...).

11. Inconformada, a Ré A..., SA. (A...) interpôs recurso de apelação.

12. O Tribunal da Relação de Guimarães julgou o recurso totalmente improcedente, confirmando a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

13. Inconformada, a Ré A..., SA. (A...) interpôs recurso de revista.

14. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

IV.1. Objeto e Admissibilidade do Recurso

A. Vem o presente recurso de revista interposto do Acórdão proferido, no dia 22 de novembro de 2024, pelo TRG que, julgando improcedente o recurso de apelação interposto pela A..., confirmou a sentença proferida pelo TCB no dia 10 de março de 2024, que condenou a A... a “no pagamento à 1.ª Autora, Zurich, da quantia de € 339.280,25, acrescida de juros de mora contados à taxa legal supletiva prevista para as operações de natureza civil, desde 25.07.2022 e até efetivo e integral pagamento” e “no pagamento à 2.ª Autora, T..., da quantia de € 2.000,00, acrescida de juros de mora contados à taxa legal supletiva prevista para as operações de natureza civil, desde 25.07.2022 e até efetivo e integral pagamento”.

B. O presente recurso vem interposto ao abrigo do artigo 629º, n.º 2, alínea d), do CPC que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, permite sempre recurso “do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.

C. O Acórdão Recorrido está em contradição com o Acórdão proferido pelo TRL de 28.06.2012, no processo n.º 2859/09.7TJLSB.L1-8, quanto à seguinte questão fundamental de direito: a qualificação de uma obrigação como de meios ou de resultado pode ser aferida em abstrato ou, pelo contrário, uma tal qualificação exigirá, sempre e em qualquer circunstância, uma prévia interpretação da obrigação tal como esta se encontra definida na lei ou no contrato?

D. No Acórdão Fundamento, o TRL decidiu que “[d]e acordo com o contrato celebrado entre as partes, podemos afirmar que a autora apenas assumiu uma obrigação de meios – em que o devedor apenas se compromete a desenvolver, prudente e diligentemente certa actividade para a obtenção de um determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza –, em contraposição com a obrigação de resultado – que se verifica quando se conclua da lei ou do negócio jurídico que o devedor está vinculado a obter um certo efeito útil”.

E. Nos termos do Acórdão Fundamento, o critério essencial para se aferir se uma determinada obrigação é de meios ou de resultado é verificar se, à luz da lei ou do vínculo contratual em questão, o devedor apenas se compromete a desenvolver, prudente e diligentemente certa atividade para a obtenção de um determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza, ou se efetivamente se vincula, à produção de um “certo efeito útil”.

F. Em sentido oposto ao decidido pelo TRL no Acórdão Fundamento, o TRG decidiu de forma genérica e abstrata que “[n]o âmbito de uma empreitada, uma obrigação de preparação de uma plataforma de terreno, para execução dos trabalhos com maquinaria pesada, constitui uma obrigação de resultado, e não de meios” (cf. conclusão n.º 4 do Acórdão Recorrido).

G. Concretamente, o TRG decidiu, no Acórdão Recorrido, que, independentemente das obrigações concretamente assumidas pelas partes ao abrigo de um contrato, em toda e qualquer empreitada em que esteja em causa “uma obrigação de preparação de uma plataforma de terreno, para execução de trabalhos com maquinaria pesada” deve entender-se que essa obrigação é de resultado e não de meios.

H. Com todo o respeito, a solução proposta no Acórdão Recorrido é errada, na medida em que:

ꟷ viola o artigo 799.º do Código Civil, na medida em, no caso em apreço, a presunção de culpa nunca poderia ser da A...;

ꟷ desconsidera aspetos muito relevantes da concreta obrigação de “preparação da plataforma” e do papel decisivo que a T... deveria assumir na respetiva execução, à luz do Contrato de Subempreitada;

ꟷ assenta num mero raciocínio dedutivo que é, como todo o respeito, redutor e simplista, tendo em conta as obrigações assumidas pela A... perante a T... no Contrato de Subempreitada;

ꟷ assenta numa generalização de que uma “uma obrigação de preparação de uma plataforma de terreno, para execução de trabalhos com maquinaria pesada” é automática e necessariamente de resultado, em toda e qualquer empreitada, independentemente das prestações efetivamente contratualizadas.

I. A questão que se traz a este recurso é fundamental, na medida em que:

ꟷ está em causa uma questão que versa sobre aquele que é o objeto essencial de qualquer processo que se destine ao apuramento de responsabilidade contratual – nomeadamente, para efeitos da verificação do pressuposto da culpa e do correspondente ónus da prova do cumprimento da obrigação;

ꟷ trata-se de uma questão com profundo impacto no caso dos autos, na medida em que a sua qualificação da obrigação de “preparação da plataforma”, de modo abstrato e ao totalmente ao arrepio das concretas obrigações previstas pelas partes no Contrato de Subempreitada, foi essencial para que o TRG mantivesse a sentença do TCB;

ꟷ está em causa o conhecimento de uma questão, decidida no Acórdão Recorrido de forma contraditória face ao que se dispõe não só no Acórdão Fundamento, mas de toda a jurisprudência conhecida sobre o tema.

J. O recurso deve, ainda, ser admitido, nos termos do artigo 629º, n.º 2, alínea d), do CPC, na medida em que o Acórdão Fundamento foi proferido no âmbito da mesma legislação – isto é, no contexto das normas do Código Civil atinentes à responsabilidade contratual – e não existe acórdão uniformizador de jurisprudência que se encontre em conformidade com o Acórdão Recorrido.

IV.2. Fundamentos do Recurso

A. No que diz respeito ao requisito da ilicitude, o Tribunal a quo errou:

a. ao dar por verificada a existência de uma violação de uma obrigação contratual, sem qualquer suporte no factos que por si foram julgados provados, na medida em que, como se demonstrou, ao contrário do que resulta da sentença do TCB (confirmada integralmente pelo Acórdão Recorrido), da análise dos factos provados n.os 32, 34, 35, 36, 39 a 43, 45 a 51 ou do ponto C. dos “factos não provados”, não resulta “verificado, objectivamente” que tal obrigação tivesse sido violada

b. ao desconsiderar as obrigações contratualmente assumidas pela T... em matéria “preparação da plataforma”, designadamente, a natureza dialética e iterativa dos trabalhos em causa, os quais pressupunham a participação (efetiva, contratualmente prevista e absolutamente necessária) da T..., assim como, a possibilidade (também ela efetiva, contratualmente prevista e muitas vezes necessária) de a própria plataforma vir a “sofrer variações de nível durante o trabalho da T...”;

c. ao não ter em devida consideração que a obrigação de “preparação da plataforma”, tal como se encontra definida no contrato, constituía, não uma obrigação de resultado, mas uma obrigação de meios, pelo que da simples circunstância de não se ter alcançado um determinado resultado (o qual nunca estaria garantido) não é, por si só, demonstrativa do seu incumprimento;

d. ao pressupor que a A... se encontrava vinculada a remover obstáculos e a encher cavidades subterrâneas que não conhecia, nem tinha como conhecer, a não ser, claro está, que a A... se encontrasse, por alguma forma, vinculada a escavar e por todas as terras de toda a área onde, mais tarde, a T... viria a realizar os milhares de estacas a que se vinculou;

e. ao pressupor que, nos termos do Contrato de Subempreitada caberia à A... uma qualquer obrigação de investigação no subsolo de infraestruturas não cadastradas ou de possíveis cavidades, o que, na prática, se traduziria numa obrigação contratualmente acometida à A... de “abrir buracos para procurar buracos”;

f. ao desconsiderar que, de acordo com o Procedimento de Execução, delineado pela própria T..., era a essa empresa que cabia a última palavra sobre se a plataforma encontrava apta, ou não, a receber os seus equipamentos.

g. ao não ter em consideração o facto de estarmos perante um trabalho de conceção-construção, em que todo o processo, desde o projeto, ao procedimento de construção e à execução dos trabalhos esteve a cargo da T...;

h. ao partir do pressuposto, nunca demonstrado e categoricamente desmentido pelo Contrato de Subempreitada, de que a A... “controlava todas as condições necessárias para garantir o resultado pretendido, uma plataforma estável, por muito trabalho que isso lhe desse” que “[a] única variável que não controlava era a de ocorrer um sismo ou um evento”, e que estava “obrigada a preparar e manter uma plataforma de trabalho segura, cabia-lhe contar com tais características do terreno, prever a natural movimentação de terras e evitá-la, mais a mais, sendo conhecedora do peso da máquina que sobre ele iria estar” ou de que haveria, nessa matéria, uma espécie de obrigação de resultado, o que não era, manifestamente, o caso (cf. pp. 47 e 48 do Acórdão Recorrido);

B. No que diz respeito ao requisito da culpa, o Tribunal a quo errou:

a. ao desconsiderar que os trabalhos de execução de estacas, que se encontravam a ser executados pela Autora T... no momento do acidente, configuravam uma atividade de risco acrescido, na medida em que estavam a ser executados em “solo arenoso e argiloso de baixa consistência/coerência, composto por lamas e propício a movimentação natural”, por recurso a uma máquina de grandes dimensões, colocada a uma distância de, apenas, 1,5 metros das águas que corriam no lençol freático, pelo que configuravam uma “atividade perigosa”, “por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados”, nos termos do artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil, o que obrigava as Autoras a demonstrar em juízo que empregaram “todas as providências exigidas pelas circunstâncias” com o fim de evitar o dano.

b. Ao desconsiderar que aais trabalhos decorriam em terreno “composto por lamas e propício a movimentação natural”, a aproximadamente a 1,5 metros do nível freático;

c. Ao pressupor, erradamente, que, no local do acidente, teria havido um edifício, o que não passou de uma mera hipótese aventada por uma testemunha das Autoras, com fundamento na sua “interpretação”, ao “ir lá”, depois do acidente;

d. Ao admitir a hipótese, nunca comprovada ou demonstrada no processo, de que a A... teria tido conhecimento prévia da existência de infraestruturas no local do acidente;

e. Ao desconsiderar que a T..., em circunstâncias muitíssimo adversas de terreno, abdicou do mecanismo de estabilização e utilizou o corpo da máquina de forma não alinhada face ao eixo das lagartas, violando, assim, o dever que sobre ela incidia de adotar “todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir” o acidente.

K. Ao decidir nos termos em que decidiu na douta Sentença Recorrida, o Tribunal a quo violou, entre outros, dos artigos 376.º, n.º 2, 483.º, 493º, 799º, do Código Civil, 607º, n.º 4, e 608º do Código de Processo Civil, artigo 6º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de outubro, 2.º, alínea d), 4.º, alínea g), 17.º, n.º 1, alínea v), 19º, n.º 5, alíneas a) e b), 198º, alínea b), 199º, alínea c), da Portaria n.º 255/2023, de 7 de agosto, das cláusulas 11.2.2, 11.2.3 e 11.2.4 do Contrato de Subempreitada, do ponto 2 da “Lista de Trabalhos, Quantidades e Preços Unitários” junta em anexo ao Contrato de Subempreitada, as cláusulas 4, 6.2 e 6.3 do “Procedimento de Execução de Inclusoes Rígidas Mediante Geoconcrete® Column Foundation System (Geopier Solution)”, o que se indica em cumprimento do ónus estabelecido no art.º 639.º, n.º 2, alínea a), do CPC.

Nestes termos e nos restantes de Direito aplicáveis, deverá o presente recurso de revista ser admitido, atendendo ao integral cumprimento dos respetivos requisitos de admissibilidade, e ser concedido provimento ao recurso, devendo, por conseguinte, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães ser revogado e substituído por outro que absolva a A... integralmente dos pedidos formulados pelas Autoras Zurich e T....

15. As Autoras Zurich Insurance PLC, Sucursal en España, e T... Sociedad Anonima – Sucursal em Portugal, contra-alegaram, pugnando pela inadmissibilidade e, subsidiariamente, pela improcedência do recurso.

16. Em 2 de Maio de 2025, foi proferido despacho no sentido da não admissão do recurso de revista.

17. Inconformada, a Ré A..., SA. (A...) veio apresentar reclamação para a conferência.

18. Fundamentou a sua reclamação nos seguintes termos:

I. Enquadramento da Decisão Sumária

1. A A... interpôs recurso de revista do Acórdão proferido a 22.11.2024 pelo Tribunal da Relação de Guimarães (“TRG”) que, julgando improcedente o recurso de apelação interposto da sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga (“TCB”) em 10.03.2024, condenou a A... nos pedidos contra ela formulados nos presentes autos pelas Autoras Zurich Insurance PLC, Sucursal en España e a T... Sociedad Anonima – Sucursal em Portugal (“Recurso de Revista”).

2. Pelas razões desenvolvidas nas suas alegações de recurso, a A... requereu que o Recurso de Revista fosse admitido nos termos do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, tendo o TRG, a 05.03.2025, determinado a sua subida imediata nos próprios autos.

3. Porém, na Decisão Sumária de que se reclama concluiu-se que o “facto de não estarem preenchidos os pressupostos da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil determina que do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Guimarães não caiba recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”, decisão com a qual a A..., muito respeitosamente, não pode conformar-se.

Vejamos porquê.

II. Da admissibilidade do Recurso de Revista: a presente revista como um caso da alínea d) do n.º 2 do artigo 629º do CPC

4. Como tem vindo a ser pacificamente defendido pelos tribunais superiores, é sabido que regra da irrecorribilidade das decisões do Tribunal da Relação deve ceder perante os casos “em que o recurso é sempre admissível”, isto é, quando se verifique alguma das circunstâncias previstas nas diferentes alíneas do n.º 2 do artigo 629.º do CPC – neste sentido, entre outros, ver os acórdãos deste douto Tribunal Superior de 15.03.2015 (processo n.º 17315/16.9T8PRT.P3.S1) e de 11.11.2023 (processo n.º 1594/21.2T8GRD.C1-A.S1).

5. Assim, de entre o leque de casos “em que o recurso é sempre admissível”, dispõe-se, no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, cabe sempre recurso “do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme” (realce nosso).

6. A A... considera que o Acórdão proferido pelo TRG é recorrível porque está em contradição com o Acórdão, já transitado em julgado, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a 28.06.2012 no processo n.º 2859/09.7TJLSB.L1-08 (“Acórdão Fundamento”) – cf. certidão judicial junta pela A... aos autos através do seu requerimento de 20.01.2025, com a ref.ª ...41.

7. No que aqui importa, para efeitos do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, o Acórdão Fundamento foi proferido (i) no domínio da mesma legislação, (ii)sobre a mesma questão fundamental de direito e (iii) não existe Acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

8. Como se fez constar da Decisão Sumária, a contradição de julgados estabelecida no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, “há-de determinar-se atendendo a dois elementos: a semelhança entre as situações de facto e a dissemelhança entre os resultados da interpretação e/ou da integração das disposições legais relevantes em face das situações de facto consideradas” (cf. ponto 21. da Decisão Sumária).

9. De acordo com a Decisão Sumária, nenhum desses dois elementos ou requisitos, de que depende a Revista, estaria verificado no caso em apreço.

10. Com todo o respeito, pelas razões que seguidamente se apresentam, tem a A... uma opinião divergente.

a) Do requisito da semelhança entre as situações de facto

11. Com todo o respeito, no que diz respeito à exigência de uma situação de semelhança entre situações de facto, é convicção da A... que não existem diferenças fundamentais que impeçam o conhecimento do Recurso de Revista.

12. O requisito da necessidade de as situações de facto serem idênticas ou semelhantes (não sendo um requisito de admissibilidade recursiva expressamente previsto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC), tem, no caso em apreço, de ser interpretado cum grano salis ou, pelo menos, com uma muito maior latitude do que a que lhe foi inculcada na Decisão Sumária, na medida em que a questão que se pretende ver apreciada é fundamentalmente, uma questão eminentemente jurídica.

13. Por outras palavras, na análise da existência, ou não, de um “idêntico núcleo factual” não pode deixar de tomar-se em consideração a relevância, ou não, dos factos para o conhecimento da questão fundamental que se pretende ver esclarecida.

14. Ou seja, a exigência de um núcleo factual idêntico será tanto maior quanto maior for a relevância do contexto factual de que se parte para a apreciação do caso e, pelo contrário, tanto menor quanto menor for importância dos factos.

15. É que, repare-se, a exigência de semelhança do quadro factual só existe e só pode verdadeiramente compreender-se dentro da justa medida em que dela dependa a similitude da questão jurídica, sendo essa, aliás, a única razão de ser de tal requisito (por se entender, e bem, que, sem um mínimo de semelhança factual, não pode haver uma divergência de decisões quanto a uma mesma questão fundamental).

16. Por esse motivo, quando para a apreciação da mesma questão fundamental de direito seja relativamente indiferente a base factual de que se parte, a cega exigência de um quadro factual totalmente idêntico configura uma injustificada restrição do direito à justiça.

17. No caso dos autos, os dois arestos dizem respeito a casos de responsabilidade contratual, no contexto de contratos de prestação de serviços (cf. artigo 1154.º do Código Civil).

18. Além disso, foram proferidos no domínio da mesma legislação: no contexto das normas do Código Civil atinentes à responsabilidade contratual e respetiva presunção de culpa de falta de cumprimento (o artigo 799.º do Código Civil), sendo que não existe acórdão uniformizador de jurisprudência que seja “conforme” com o Acórdão do TRG.

19. Concretizando: no Acórdão Fundamento está em causa uma prestação de serviços numa modalidade atípica (serviços de vigilância) e no Acórdão do TRG numa modalidade típica (subempreitada), sendo que, nos dois casos, discutia-se o alegado incumprimento de uma obrigação contratual (num caso, de vigilância, no outro, de preparação de uma plataforma).

20. E, nas duas decisões, era relevante apurar se uma determinada obrigação contratual era “de meios” ou “de resultado”.

21. Num caso, o do Acórdão Fundamento, o Tribunal decidiu que critério decisivo e verdadeiramente determinante para a qualificação de uma obrigação como “de meios” ou “de resultado” é aquele que resultar da lei ou do contrato.

22. Noutro caso, o do Acórdão proferido nos presentes autos, o TRG afirmou que independentemente das obrigações que em concreto hajam sido assumidas pelas partes, em toda e qualquer empreitada em que esteja em causa “uma obrigação de preparação de uma plataforma de terreno, para execução de trabalhos com maquinaria pesada”, deve entender-se que essa obrigação é de resultado e não de meios.

23. Ao decidir dessa forma – levando essa mesma decisão às conclusões do Acórdão – o TRG decidiu, pois, que, no caso em apreço, a possível qualificação da obrigação a que a Recorrente se encontrava adstrita, como de meios ou de resultado, poderia aferir-se, em abstrato, sem necessidade de analisar o que, no contrato, as partes tivessem, a esse respeito, acordado entre si.

24. E dessa contradição emerge, então, a questão fundamental de direito que se pretendeu ver esclarecida com a interposição do recurso de revista, a saber: a qualificação de uma obrigação como de meios ou de resultado pode ser aferida em abstrato ou, pelo contrário, uma tal qualificação exigirá, sempre e em qualquer circunstância, uma prévia interpretação da obrigação tal como esta se encontra definida na lei ou no contrato?

25. Com tal questão o que se pretende apurar é se, como decidiu o TRG no caso dos autos, uma obrigação pode ser qualificada como de “meios” ou de “resultado” sem se aferir o que sobre ela se dispôs na lei ou no contrato.

26. Ora, a análise de tal questão de direito não exige (bem pelo contrário) que as concretas obrigações materiais estabelecidas nos contratos analisados nos dois arestos em contradição sejam totalmente semelhantes.

27. A razão, julga-se, é simples: é que a questão fundamental que se colocou a este Alto Tribunal sobrevive, intacta, independentemente, de as obrigações em causa versarem sobre serviços de vigilância ou sobre a preparação de um terreno.

28. É por esse motivo que, apesar de não haver uma identidade total entre os factos dos dois processos, a situação factual é suficientemente semelhante para que se considere ter sido a mesma a questão fundamental de direito apreciada nos dois arestos.

29. Por outro lado, é também claro que não foram as divergências factuais (que existem sempre entre dois casos) que justificaram a adoção de uma solução jurídica distinta nos dois arestos.

30. Tais divergências – porque insuscetíveis de alterar a questão fundamental de direito ou a resposta que a ela foi dada nos dois arestos – são, pois, julga-se, impassíveis de determinar a não verificar do requisito da semelhança da situação factual.

31. Assim, porque “o essencial da situação de facto, à luz da norma aplicável, é idêntico nos dois acórdãos”(cf. Acórdãodeste SupremoTribunal de 02.03.2017, p. n.º 488/14.2TVPRT- B.P1.S1, citado na Decisão Sumária) ou, ainda, noutra formulação, porque os “elementos de facto relevantes para a ratio da regra jurídica [são] coincidentes ou equivalentes” (cf. Acórdão deste Supremo Tribunal de 28.01.2025, p. n.º 8073/11.4TBOER-H.L1.S1) deve ter-se tal pressuposto por preenchido.

b) Do requisito da dissemelhança entre as soluções jurídicas apresentadas nos dois arestos

32. Fundamentalmente, a distinção entre os dois Acórdãos assenta no critério interpretativo adotado para aferir se uma determina obrigação é “de meios”, ou “de resultado”.

33. É nessa “dissemelhança entre os resultados da interpretação e/ou da integração das disposições legais relevantes em face das situações de facto consideradas” e não numa potencial dissemelhança entre os factos que reside a verdadeira diferença entre os dois arestos em comparação e, por isso, a razão de ser do presente Recurso de Revista.

34. Como se expôs, de acordo com o Acórdão Fundamento, o critério decisivo e verdadeiramente determinante para qualificar uma obrigação como "de meios" ou "de resultado" é o que resultar da lei ou do vínculo contratual em questão e se o devedor está, ou não, vinculado à obtenção de um "certo efeito útil”.

35. No Acórdão Recorrido, o exercício empreendido pelo TRG foi, salvo o devido respeito, o oposto.

36. No Acórdão proferido pelo TRG, concluiu-se de forma genérica e abstrata que “[n]o âmbito de uma empreitada, uma obrigação de preparação de uma plataforma de terreno, para execução dos trabalhos com maquinaria pesada, constitui uma obrigação de resultado, e não de meios” (cf. conclusão n.º 4 do Acórdão Recorrido).

37. Para o TRG, é, portanto, claro que, independentemente das obrigações que em concreto hajam sido assumidas pelas partes, em toda e qualquer empreitada em que esteja em causa “uma obrigação de preparação de uma plataforma de terreno, para execução de trabalhos com maquinaria pesada”, deve entender-se que essa obrigação é de resultado e não de meios.

38. Ou seja, a solução proposta no Acórdão do TRG assenta numa generalização de que uma “uma obrigação de preparação de uma plataforma de terreno, para execução de trabalhos com maquinaria pesada” é automática e necessariamente de resultado, em toda e qualquer empreitada, independentemente das prestações efetivamente contratualizadas.

39. Ao decidir dessa forma – levando essa mesma decisão às conclusões do Acórdão – o TRG decidiu, pois, que, no caso em apreço, a possível qualificação da obrigação a que a A... se encontrava adstrita, como de meios ou de resultado, poderia aferir-se, em abstrato, sem necessidade de analisar o que, em concreto, as partes tivessem, a esse respeito, acordado entre si.

40. Na Decisão Sumária, porém, é referido que o “acórdão recorrido não afirma, em abstracto, que a preparação de uma plataforma, e de uma plataforma estável e segura é sempre uma obrigação de resultado” e que “não pode de forma nenhuma deduzir-se da fundamentação do acórdãorecorridoque a qualificação de umaobrigação comode meios ou de resultado deva fazer-se em abstracto” (cf. pontos 29. e 30. da Decisão Sumária).

41. Em suporte de tal conclusão, cita-se na Decisão Sumária o seguinte trecho do Acórdão do TRG:

“… a alegação da recorrente de que a obrigação de ‘preparação da plataforma’, tal como seencontra definida no contrato, constituía, não uma obrigação de resultado, mas uma obrigação de meios, salvo o devido respeito, não faz qualquer sentido. Essa dicotomia aplica-se a obrigações em que o contraente, por mais omnipotente e omnisciente que seja, não pode garantir o resultado, por este estar dependente de outros factores que lhe escapam em absoluto. Um bom exemplo de uma obrigação de meios é o do contrato de mandato forense, em que entre as obrigações do Advogado não está a de ganhar a causa, mas apenas a de defender os interesses do mandante diligentemente, segundo as regras da arte, com o objectivo de vencer a lide. Não é exigível ao mandatário que vença a lide, porque isso implicaria que este tivesse controlo absoluto sobre vários factores que lhe escapam em definitivo: que tivesse controlo absoluto sobre os factos que o seu cliente lhe relata, sobre a relação entre esses factos e a realidade empírica, sobre os meios de prova que vai apresentar, sobre o que a parte contrária está a fazer nos autos, sobre a legislação aplicável ao caso, e sobre o entendimento ou interpretação que dessa legislação irá fazer o Juiz do processo. Como se vê, total impossibilidade de garantir o resultado pretendido. Se olharmos agora para o caso dos autos, o que nós vemos é o oposto. A A... tinha ao seu dispor a informação toda que estava disponível quanto à plataforma onde os trabalhos da T... iriam decorrer, tinha acesso total à dita plataforma, podia lá ir as vezes que quisesse durante o tempo que quisesse, e portanto, exercendo a diligência e os cuidados a que estava obrigada, controlava todas as condições necessárias para garantir o resultado pretendido, uma plataforma estável, por muito trabalho que isso lhe desse. A única variável que não controlava era a de ocorrer um sismo ou um evento meteorológico extremo, mas isso está fora do objecto deste processo. A obrigação da ré A... era, sem tirar nem pôr, uma obrigação de resultado” (cf. pp. 10 e 11 da Decisão Sumária).

42. Com todo o respeito pelo entendimento vertido na Decisão Sumária, o que resulta do trecho acima citado é, justamente, que o TRG não teve, minimamente, em consideração o contrato celebrado entre as partes.

43. Ou seja, o TRG afirmou que a “obrigação de preparação de uma plataforma de terreno, para execução dos trabalhos com maquinaria pesada, constitui uma obrigação de resultado” por referência a exemplos da vida geral (como o do exercício do mandato forense) ou por referência a outras considerações factuais como as condições do terreno ou o que a A... podia ou não controlar, mas sempre sem analisar o que, em concreto, as partes estabeleceram no contrato a esse propósito.

44. Ora, é, precisamente, este facto – é dizer, esta possibilidade de a classificação de uma obrigação poder fazer-se ignorando por completo o modo como ela foi consagrada no contrato ou na lei – que se pretende ver esclarecido através do Recurso de Revista interposto para este Alto Tribunal.

45. A este mesmo propósito, refere-se na Decisão Sumária que “[o] critério convocado pelo acórdão recorrido como circunstância atendível foi o controlo das variáveis de que dependia a consecução do resultado. Em vez de apreciar, em abstracto, se a obrigação de preparação de uma plataforma estável e segura é uma obrigação de resultado, o Tribunal da Relação de Guimarães aprecia, em concreto, se a Ré, agora Recorrente, controlava todas as variáveis de que dependia a consecução do resultado preparação de uma plataforma estável e segura” (cf. p. 11 da Decisão Sumária).

46. A propósito de tal afirmação, a A... permite-se, com o máximo respeito, trazer a esta sua reclamação duas breves notas.

47. Em primeiro lugar, e a mais importante de todas: trata-se de uma afirmação que confirma que o TRG adotou um critério totalmente distinto daquele que foi propugnado no Acórdão Fundamento (lei ou contrato).

48. Sendo que, repete-se, a questão fundamental é, justamente, essa, saber se poderia adotar-se um critério distinto do previsto na lei ou no contrato.

49. Em segundo lugar, correndo o risco de ir um pouco mais longo do que deveria, não pode a A... deixar de referir que o critério do“controlo das variáveis” convocado pelo TRG para a decisão da questão em causa está profundamente errado.

50. Por um lado, trata-se de um critério que ofende o contrato de subempreitada, na medida em que o contrato previa, justamente, que a A... não podia controlar as variações de perfil do terreno dos trabalhos.

51. A este respeito, refere-se no Acórdão do TRG que “[a] única variável que [a A...] não controlava era a de ocorrer um sismo ou um evento meteorológico extremo, mas isso está fora do objecto deste processo”, sendo que era esse absoluto controlo de todas as condições o que, alegadamente, sustentaria a existência de uma obrigação de resultado.

52. Essa ideia de um absoluto controlo, além de pouco plausível, tendo em consideração a natureza dos terrenos em causa, era desmentida pela cláusula 11.2.4 do contrato de subempreitada, na parte em que expressamente se consignou que “[a] plataforma de trabalho, dependendo da naturezado terreno e da malha das colunas de cascalho, pode sofrer variações de nível durante o trabalho da T.... A plataforma será brevemente restituída pela T.... Qualquer reprofilling, nivelamento, compactação, remoção ou contribuição material para este fim não estão incluídos na proposta da T...”.

53. Ou seja, as partes previram expressamente no contrato de subempreitada que o terreno onde decorriam os trabalhos, “dependendo da natureza do terreno e da malha das colunas de cascalho”, poderia sofrer variações de nível.

54. A esta luz, cabia à A..., naturalmente, empregar todos os melhores esforços para que o terreno onde a T... se encontrava a trabalhar estivesse em boas condições, mas já não garantir que não ocorreriam abatimentos e deslizes de terras (como veio a suceder).

55. No caso concreto, dada a natureza lamacenta dos solos portuários, tal garantia era, aliás, impossível.

56. Portanto, se o TRG tivesse adotado o critério interpretativo vertido no Acórdão Fundamento, teria invariavelmente chegado à conclusão de que, à luz do contrato de subempreitada, a obrigação da A... de “preparação da plataforma” é “de meios” e não “de resultado”.

57. Por outras palavras, ao contrário do Acórdão Fundamento, o TRG desviou-se do clausulado contratual e das concretas obrigações assumidas pelas partes no contrato de subempreitada, descurando se, efetivamente, a A... se teria comprometido a desenvolver, prudente e diligentemente uma certa atividade para a obtenção de um determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza, ou se efetivamente se vinculou à produção de um “certo efeito útil”.

58. Neste quadro, existe contradição de julgados entre o Acórdão do TRG – que utilizou, nas palavras da Decisão Sumária, o critério do “controlo de variáveis” para decidir que uma “uma obrigação de preparação de uma plataforma de terreno, para execução de trabalhos com maquinaria pesada” é automática e necessariamente de resultado, em toda e qualquer empreitada, independentemente das prestações efetivamente contratualizadas – e o Acórdão Fundamento – que entendeu que a qualificação de uma obrigação como “de meios” ou “de resultado” deve assentar exclusivamente na interpretação da lei ou do contrato

59. E, à luz do contrato de contrato de subempreitada, não existem quaisquer dúvidas de que a obrigação da preparação da plataforma de trabalhos é uma obrigação de meios – pelo que a presunção de culpa, no caso em apreço, nunca poderia ser da A....

60. Sendo que, no caso concreto, o juízo realizado pelo TRG a propósito da natureza da obrigação foi particularmente impactante, na medida em que, por um lado, foi determinante para que se mantivesse a sentença proferida em 1ª Instância e, por outro lado, o contrato desmentia por completo a tese de que a A... teria uma qualquer obrigação de resultado (e era, bem pelo contrário, absolutamente, claro ao referir que, mesmo depois de preparada, a plataforma poderia vir a “sofrer variações de nível durante o trabalho da T...”).

61. Pelo exposto, requer-se, muito respeitosamente, que seja revogada a Decisão Sumária e que o Recurso de Revista seja admitido nos termos e para os efeitos do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, e como forma de assegurar o respeito pela tutela jurisdicional efetiva e pelo direito ao recurso, titulados pela A... e consagrados nos artigos 20.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa e 6.º e 13.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

62. É, de resto, inconstitucional, por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto nos artigos 20.º, n.ºs 1 e 5, da CRP a norma extraída do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, se interpretada no sentido de que a contradição de julgados, enquanto critério de admissibilidade da revista, exige uma identidade das situações de facto entre acórdãos da relação, mesmo se (e/ou na medida em que) tal identidade factual seja desnecessária à aferição de que se trata inequivocamente nos dois arestos da mesma questão fundamental de direito.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. suprirão, deve a presente Reclamação ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, deve ser revogada a Decisão Sumária e substituída por outra que determine a admissão do Recurso de Revista, conforme o disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC.

19. As Autoras Zurich Insurance PLC, Sucursal en España, e T... Sociedad Anonima – Sucursal em Portugal, responderam à reclamação.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

20. O n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil é do seguinte teor:

“Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.

21. Em concreto, não há nenhuma dúvida de que estão preenchidos os pressupostos do n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil — o acórdão da Relação confirmou, por unanimidade, a decisão e a fundamentação da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

22. A Ré, agora Recorrente, A..., SA. (A...) requer que o recurso seja admitido ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil.

23. Ora a alínea d) do n.º 2 do artigo 629. do Código de Processo Civil exige que o acórdão recorrido esteja em contradição com algum acórdão anteriormente proferido pela Relação, denominado de acórdão fundamento; que os dois acórdãos tenham sido proferidos no domínio da mesma legislação; e que os dois acórdãos tenham sido proferidos sobre a mesma questão fundamental de direito 1.

24. A Ré, agora Recorrente, alega que o acórdão recorrido está em contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Junho de 2012 — processo n.º 2859/09.7TJLSB.L1-8 — quando ao critério da qualificação de uma obrigação como obrigação de meios ou como obrigação de resultado:

— interpreta o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Junho de 2012 — processo n.º 2859/09.7TJLSB.L1-8 — no sentido de exigir que a qualificação seja feita em concreto, atendendo à interpretação das fontes da obrigação qualificada — em especial, á interpretação do contrato ou da lei;

— interpreta o acórdão recorrido no sentido de não o exigir, admitindo que a qualificação seja feita em abstracto.

25. Ora a contradição ou oposição de julgados há-de determinar-se atendendo a dois elementos: a semelhança entre as situações de facto e a dissemelhança entre os resultados da interpretação e/ou da integração das disposições legais relevantes em face das situações de facto consideradas.

26. O Supremo Tribunal de Justiça tem considerado constantemente que a situação de facto seja idêntica 2 ou, em todo o caso, que o essencial de situação de facto, “à luz da norma aplicável” seja idêntico nos dois acórdãos 3.

27. A Ré, agora Recorrente, alega — com razão — que a semelhança das situações de facto exigida pela alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil é tão-só aquela que seja necessária “à aferição de que se trata inequivocamente nos dois arestos da mesma questão fundamental de direito” 4.

28. Embora a semelhança das situações de facto exigida pela alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil seja tão-só aquela que é necessária “à aferição de que se trata inequivocamente nos dois arestos da mesma questão fundamental de direito”, em concreto, entre as situações de facto subjacentes ao acórdão fundamento e ao acórdão recorrido, encontra-se diferenças essenciais ou fundamentais:

29. I. —O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Junho de 2012 — processo n.º 2859/09.7TJLSB.L1-8 —, deduzido como acórdão-fundamento, pronunciou-se sobre um contrato de prestação de serviços de vigilância.

30. Estava em causa averiguar se a circunstância de ter sido cometido algum furto por terceiros, ou de terem sido cometidos alguns furtos por terceiros, significava que a Ré não tinha cumprido a sua obrigação de vigilância das instalações da Autora.

31. II. — O acórdão recorrido pronunciou-se sobre um contrato de subempreitada [entre a Autora, agora Recorrente, A..., SA. (A...) e a 2.ª Autora T... Sociedad Anonima – Sucursal em Portugal].

32. Estava em causa averiguar se a circunstância de ter capotado uma máquina da 2.ª Autora T... Sociedad Anonima – Sucursal em Portugal, movimentando-se sobre uma plataforma preparada pela Ré A..., SA. (A...), significava que a Ré A... não tinha cumprido a sua obrigação de preparação de uma plataforma segura 5.

33. A Ré, agora Recorrente, reconhece, ainda que só implicitamente, que a diferença entre os contratos subjacentes aos dois acórdãos é relevante, impossibilitando ou em todo o caso dificultando o preenchimento do requisito da semelhança das situações de facto.

34. Com efeito, a Ré, agora Recorrente, diz que “no Acórdão Fundamento está em causa uma prestação de serviços numa modalidade atípica (serviços de vigilância) e no Acórdão do TRG [ou seja, no acórdão recorrido] numa modalidade típica (subempreitada), sendo que, nos dois casos, discutia-se o alegado incumprimento de uma obrigação contratual (num caso, de vigilância, no outro, de preparação de uma plataforma) 6.

35. A circunstância de o contrato subjacente ao acórdão recorrido corresponder a uma modalidade atípica da prestação de serviço significa que, em regra, lhe são aplicáveis as disposições dos artigos 1157.º ss. relativas ao mandato 7 e a circunstância de o contrato subjacente ao acórdão recorrido corresponder a uma modalidade típica da prestação de serviço significa que lhe é aplicável o artigo 1213.º e que, em regra, são são aplicáveis as disposições dos artigos 1206.º ss. do Código Civil.

36. Ora as disposições dos artigos 1157.º ss. do Código Civil relativas ao mandato são mais apropriadas aos contratos de actividade ou de diligência e as disposições dos artigos 1206.º ss. do Código Civil, mais apropriadas aos contratos de resultado 8.

38. Os critérios de distinção entre os contratos de actividade ou de diligência e os contratos de resultado tem pontos de contacto com os (antigos) critérios de distinção entre as obrigações de meios e as obrigações de resultado — em certo sentido, dir-se-ia que os deveres principais do prestador de serviço nos contratos de actividade ou de diligência correspondem ao tipo obrigações de meios e que os deveres principais do prestador de serviço nos contratos de resultado correspondem ao tipo obrigações de resultado.

39. O reconhecimento de que o contrato subjacente ao acórdão fundamento corresponde a uma modalidade atípica e de que o contrato subjacente ao acórdão recorrido corresponde a uma modalidade típica da prestação de serviço só pode significar o reconhecimento de que a dissemelhança entre as situações de facto dificulta a aferição de que se trata inequivocamente nos dois arestos da mesma questão fundamental de direito.

40. Em todo o caso, ainda que porventura estivesse preenchido o requisito da semelhança das situações de facto, não estaria preenchido o requisito da dissemelhança entre os resultados da interpretação e/ou da integração das disposições legais relevantes.

41. O acórdão recorrido não afirma, em abstracto, que a preparação de uma plataforma, e de uma plataforma estável e segura é sempre uma obrigação de resultado.

42. Como não afirme, em abstracto, que a preparação de uma plataforma, e de uma plataforma estável e segura é sempre uma obrigação de resultado, não pode de forma nenhuma deduzir-se da fundamentação do acórdão recorrido que a qualificação de uma obrigação como de meios ou de resultado deva fazer-se em abstracto.

43. O Tribunal da Relação de Guimarães diz expressamente o seguinte:

“… a alegação da recorrente de que a obrigação de ‘preparação da plataforma’, tal como se encontra definida no contrato, constituía, não uma obrigação de resultado, mas uma obrigação de meios, salvo o devido respeito, não faz qualquer sentido.

Essa dicotomia aplica-se a obrigações em que o contraente, por mais omnipotente e omisciente que seja, não pode garantir o resultado, por este estar dependente de outros factores que lhe escapam em absoluto. Um bom exemplo de uma obrigação de meios é o do contrato de mandato forense, em que entre as obrigações do Advogado não está a de ganhar a causa, mas apenas a de defender os interesses do mandante diligentemente, segundo as regras da arte, com o objectivo de vencer a lide. Não é exigível ao mandatário que vença a lide, porque isso implicaria que este tivesse controlo absoluto sobre vários factores que lhe escapam em definitivo: que tivesse controlo absoluto sobre os factos que o seu cliente lhe relata, sobre a relação entre esses factos e a realidade empírica, sobre os meios de prova que vai apresentar, sobre o que a parte contrária está a fazer nos autos, sobre a legislação aplicável ao caso, e sobre o entendimento ou interpretação que dessa legislação irá fazer o Juiz do processo. Como se vê, total impossibilidade de garantir o resultado pretendido.

Se olharmos agora para o caso dos autos, o que nós vemos é o oposto. ... tinha ao seu dispor a informação toda que estava disponível quanto à plataforma onde os trabalhos da T... iriam decorrer, tinha acesso total à dita plataforma, podia lá ir as vezes que quisesse durante o tempo que quisesse, e portanto, exercendo a diligência e os cuidados a que estava obrigada, controlava todas as condições necessárias para garantir o resultado pretendido, uma plataforma estável, por muito trabalho que isso lhe desse. A única variável que não controlava era a de ocorrer um sismo ou um evento meteorológico extremo, mas isso está fora do objecto deste processo.

A obrigação da ré A... era, sem tirar nem pôr, uma obrigação de resultado”.

44. Em contraste com a interpretação do acórdão recorrido apresentada pela Ré, agora Recorrente, aquilo que decorre da fundamentação desenvolvida pelo Tribunal da Relação de Guimarães é que, em concreto, a preparação daquela plataforma era uma obrigação de resultado.

45. I. — Em vez de apreciar, em abstracto, se em qualquer contrato de subempreitada a obrigação de preparação de uma plataforma estável e segura é uma obrigação de resultado, o Tribunal da Relação de Guimarães aprecia, em concreto, se naquela contrato de subempreitada, consideradas todas as circunstâncias atendíveis, a preparação daquela plataforma estável e segura é uma obrigação de resultado.

46. II. — O critério convocado pelo acórdão recorrido como circunstância atendível foi o controlo das variáveis de que dependia a consecução do resultado.

Em vez de apreciar, em abstracto, se a obrigação de preparação de uma plataforma estável e segura é uma obrigação de resultado, o Tribunal da Relação de Guimarães aprecia, em concreto, se a Ré, agora Recorrente, controlava todas as variáveis de que dependia a consecução do resultado preparação de uma plataforma estável e segura.

47. Face aos parágrafos precedentes, deverá concluir-se que, em vez de sustentar ou sequer sugerir, em abstracto, que toda e qualquer obrigação de preparação uma plataforma estável e segura é uma obrigação de resultado, o Tribunal da Relação de Guimarães sustenta, tão-só, que “[a] obrigação da ré A... era […] uma obrigação de resultado” — que aquela obrigação, daquela ré, resultante daquele contrato de subempreitada era uma obrigação de resultado.

48. O facto de não haver nem semelhança entre as situações de facto nem, tão-pouco, dissemelhança entre os resultados da interpretação e/ou da integração das disposições legais relevantes é só por si suficiente para que se sustente que não estejam preenchidos os pressupostos da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil.

III. — DECISÃO

Face ao exposto, indefere-se a presente reclamação e confirma-se a decisão singular reclamada.

Custas pela Recorrente A..., SA. (A...).

Lisboa, 3 de Julho de 2025

Nuno Manuel Pinto Oliveira (Relator)

Maria de Deus Correia

Arlindo Oliveira

____________________________________________

1. Como se diz, p. ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2015 — processo n.º 9088/05.7TBMTS.P1.S1 —, “[só ocorre] oposição relevante, para efeitos de admissibilidade de revista com o fundamento específico previsto no art.º 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil, quando a mesma questão de direito fundamental sobre idêntico núcleo factual tenha sido objecto de análise interpretativa desenvolvida do segmento normativo convocado pelo acórdão-fundamento e, suscitada pelas partes noutro processo, tenha sido decidida em sentido contrário pelo acórdão recorrido, ainda que mediante aplicação quase tabelar do mesmo normativo” .↩︎
2. Cf. sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Outubro de 2014 — processo n.º 7382/07.1TBVNG.P1.S1 —: “[a] oposição de acórdãos, quanto à mesma questão fundamental de direito, verifica-se quando, perante uma idêntica situação de facto, a mesma disposição legal se mostre, num e noutro, interpretada e/ou aplicada em termos opostos”↩︎
3. Cf. sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Março de 2017 — processo n.º 488/14.2TVPRT-B.P1.S1 —: “A oposição de dois acórdãos da Relação sobre a mesma questão fundamental de direito verifica-se quando o essencial da situação de facto, à luz da norma aplicável, é idêntico nos dois acórdãos”.↩︎
4. Cf. alegações apresentadas com a reclamação para a conferência — n.º 62.↩︎
5. Cf. facto dado como provado sob o n.º 32 — em especial, nas alíneas c), d), e), f) e h).↩︎
6. Cf. alegações apresentadas com a reclamação para a conferência — n.º 19.↩︎
7. Cf. artigo 1156.º do Código Civil.↩︎
8. Sobre o tema, vide, por exemplo, Nuno Manuel Pinto Oliveira, “O contrato de prestação de serviço no direito português”, in: Revista de direito comercial, ano 4 (2020) — WWW: < https://www.revistadedireitocomercial.com/o-contrato-de-prestacao-de-servico-no-direito-portugues > (págs. 531-637) = in: Pedro Leitão Pais de Vasconcelos (coord.), Liber amicorum Pedro Pais de Vasconcelos, vol. I — Direito civil. Direito do trabalho, Livraria Almedina, Coimbra, 2022, págs. 305-346.↩︎