A alínea f) do artigo 696.º do Código de Processo Civil só deverá aplicar-se às decisões de instâncias internacionais relativas à aplicação de normas jurídicas a um caso individual.
ACORDÃO NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I. Relatório
1. SANDOZ A/S com sede na Dinamarca, e SANDOZ FARMACÊUTICA, LDA., intentaram a acção declarativa contra MERCK SHARP & DOHME CORP, com sede nos Estados Unidos da América, pedindo que fosse declarada a nulidade do certificado complementar de protecção nº 189 e ordenado o cancelamento do respectivo registo.
2. O Tribunal da Propriedade Intelectual proferiu sentença em que julgou improcedente a acção.
3. Inconformadas, as Autoras interpuseram recurso de apelação.
4. O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou, por unanimidade, a decisão do Tribunal da Propriedade Intelectual.
5. Inconformadas, as Autoras interpuseram recurso de revista.
6. O Supremo Tribunal de Justiça confirmou, por unanimidade, a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa.
7. SANDOZ A/S e SANDOZ FARMACÊUTICA, LDA., vieram, entretanto, interpor recurso de revisão, pretendendo a revogação do Acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, datado de 17 de Uutubro de 2024, no âmbito do processo n.º 83/20.7YHLSB.L2.S1.
8. Finalizam a sua alegação com as seguintes conclusões (transcrição):
1. As Recorrentes vêm interpor recurso sobre o acórdão proferido pela 7.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça nos autos de Revista n.º n.º 83/20.7YHLSB.L2.S1, pelo que a presente revisão funda-se e, logo, tem como objeto a referida decisão, aliás transitada em julgado. Com efeito, o referido acórdão transitou em julgado no dia 10 de fevereiro de 2025.
2. As Recorrentes, sendo parte na causa e, ademais, resultando prejudicadas com o caso julgado visado pela presente revisão, têm legitimidade e encontram-se em tempo, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, na alínea a) do n.º 2 e n.º 3 do artigo 697º do CPC.
3. Nos termos do referido Acórdão, o Supremo Tribunal de Justiça concluiu, sobre o essencial, que o Certificado Complementar de Proteção n.º339 (CCP339) preenche todas as condições e/ ou os requisitos previstos no Regulamento (CE) n.º 469/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos (Regulamento CCP), para a concessão do certificado, nomeadamente o requisito constante do artigo 3.º, al. a), do Regulamento CCP, e julgou improcedente o recurso de revista, interposto sobre a decisãoproferida pelo Tribunal da Relação deLisboa (que revogara asentença proferida em 1.ª instância pelo Tribunal da Propriedade Intelectual que julgara o CCP339 nulo por ter sido concedido ao arrepio do disposto no artigo 3.ºdo Regulamento CCP), no âmbito do qual se peticionava a revogação daquela decisão e, em consequência, que aquele CCP fosse julgado nulo, em resultado da respetiva concessão se mostrar contrária ao disposto no artigo 3.º do Regulamento CCP, e ordenada a sua revogação em conformidade.
4. O fundamento do presente recurso de revisão assenta no disposto no artigo 696.º, alínea f), doCPC, estatuindoque a decisãotransitada emjulgadoapenas pode serobjeto de recursode revisãoquando“Seja inconciliável com decisão definitivade uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português“, reconduzindo-se, assim, à prolação e, logo, existência de decisão judicial definitiva cujo decisório se revela manifestamente inconciliável com o acórdão emanado deste Supremo Tribunal de Justiça transitado em julgado em 10 de fevereiro de 2025.
5. A decisão de instância internacional vinculativa para o Estado Português invocada ao abrigodorecursode revisãoé constituída pela decisãoproferida peloTribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) nos processos C-119/22 e C-149/22, no dia 19 de dezembro de 2024, designadamente nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 698.º do CPC.
6. As Recorrentes encontram-se em tempo, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 697º do CPC.
7. A decisão proferida pelo TJUE assenta na mesma matéria de facto e direito que foi apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão objeto do presente recurso de revisão.
8. A inconciliação entre as duas decisões assenta no facto de no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça esta alta instância ter feito uma interpretação do artigo 3.º, al. a), do Regulamento CCP que contradiz a interpretação imposta pelo TJUE na decisão que serve de base e/ ou fundamento à revisão requerida. E aplicando a interpretação imposta pelo TJUE apenas resta concluir que, contrariamente ao julgamento feito pelo STJ sobre a matéria, o CCP339 é nulo e, consequentemente, impõe-se ordenar a sua revogação em conformidade.
9. Se por hipótese, meramente teórica e sem nunca conceder, se entendesse a inaplicabilidade ao caso dos autos do disposto na alínea f) do artigo 696.º do CPC, então esta previsão normativa dificilmente será aplicável a qualquer outro caso, revelando-se, pois, totalmente desprovida de efeito útil, na medida em que estamos perante uma decisão internacional de recurso que se debruça sobre precisamente a mesma matéria de facto e direito apreciada no acórdão objeto do recurso de revisão.
10. Ambas as decisões judiciais em confronto, quer o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (transitado em julgado), quer a recente decisão emanada do TJUE, se debruçaram sobre a mesma matéria de facto, na medida em que analisaram, entre outros, os certificados complementares de proteção (CCP) para medicamentos, nomeadamente os CCPs compreendendo sitagliptina/metformina com base na EP‘357, e a observância ou não do disposto no artigo 3.º do Regulamento CCP na concessão dos mesmos- cfr. Conclusão contida na página 38 do acórdão recorrido e otítulo daprimeira página e parágrafos 15 a 17 da decisão proferida pelo TJUE.
11. Quer o acórdão recorrido, quer a decisão proferida pelo TJUE debruçam-se sobre certificados complementares de proteção, tendo considerado especificamente o CCP para o produto compreendendo a associação das substâncias ativas sitagliptina/metformina concedido com base na patente base EP 1 412 357 – cfr- página 38 do acórdão recorrido e parágrafo 1 da decisão do TJUE.
12. Quer o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, quer a decisão do TJUE, debruçaram-se ainda sobre a mesma matéria de direito na medida em que ambos os referidos órgãos jurisdicionais emitentes apresentaram a respetiva interpretação para o disposto no artigo 3.º, al. a) e c), do Regulamento CCP – cfr. Sumário e página 52 do acórdão recorrido e ponto 2 e parágrafo 70 da decisão do TJUE.
13. O acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça perfilha interpretação sobre uma fonte de direito comunitário, no caso um Regulamento, que contradiz direta e ostensivamente a interpretação vinculativa sobre o disposto no artigo 3.º, al. a) do Regulamento CCP resultante da decisão proferida pelo TJUE.
14. A contradição inconciliável resulta, em termos sumários, das interpretações defendidas por um e outro órgão jurisdicional sobre o artigo 3.º, al. a) do Regulamento CCP -cfr. Sumário do acórdão recorrido e ponto 2 da decisão do TJUE.
15. É indisputável que a decisão proferida pelo TJUE contraria em absoluto a interpretação perfilhada pelo STJ no acórdão a rever e/ ou recorrido, mostrando-se, assim, contrária ao disposto no artigo 3.º., al. a) do Regulamento CCP.
16. O TJUE esclareceu como se deverá aferir se a combinação se enquadra invenção e afastou completamente a interpretação seguida no acórdão a rever para o disposto no artigo 3.º, al. a) do Regulamento CCP.
17. O TJUE veio, de forma cristalina, explicar que para preenchimento do artigo 3.º, al. a) do Regulamento CCP é necessário que a patente base descreva que a combinação dos dois ingredientes ativos tem um efeito combinado que vá além da mera adição dos efeitos destes dois ingredientes ativos.
18. As duas decisões são absolutamente inconciliáveis na medida em que o acórdão a rever e/ ou recorrido interpreta o artigo 3.º, al. a) do Regulamento como apenas exigindo a referência ao produto – expressa ou implícita – nas reivindicações da patente base, quando o TJUE esclareceu, a título prejudicial, que tal não será suficiente se a patente de base não descrever o efeito combinado dos dois ingredientes ativos que compõem o produto, para além do mero efeito aditivo dos dois ingredientes ativos.
19. O acórdão a rever e/ ou recorrido deverá ser revogado por este STJ, no quadro dos presentes autos de recurso de revisão, e substituído, em conformidade, por outra decisão nos termos da qual se julgue o CCP339 nulo e se ordene a sua revogação em conformidade.
20. Caso o acórdão recorrido tivesse aplicado a interpretação do artigo 3.º, al. a) do Regulamento CCP perfilhada pelo TJUE na decisão que serve de base à revisão, teria concluído pela procedência do recurso de revista, então interposto pelas Recorrentes, declarando, em conformidade, a nulidade do CCP339.
21. Tal como consta do acórdão a rever e/ ou recorrido, foi dado como provado nos presentes autos que: “ 98. A EP1412357 não incluiu qualquer reivindicação diretamente relacionada com a substância ativa metformina como tal.; 102. A Reivindicação 30 da EP faz referência à metformina, mas não especifica a sitagliptina como possível parceiro da composição.; 103. A EP1412357 não contém quaisquer dados, experimentais ou outros, que mostre ou sugira um efeito terapêutico da combinação específica de sitagliptina e metformina.; 104. A EP1412357 não contém dados que mostrem, ou sequer que sugiram, que a combinação de sitagliptina e metformina seja vantajosa de alguma forma.“
22. O Acórdão a rever e/ ou recorrido debruçou-se sobre a eliminação dos factos dados como provados dos pontos 102 a 104, considerando que tais factos são essenciais para uma interpretação acertada do artigo 3.º, al. a) do Regulamento CCP, nos termos exigidos pela decisão do TJUE.
23. Adecisãoprejudicial emanada doTJUE demonstra, àsaciedade aliás,que àsRecorrentes assistia razão, justificando, nessa conformidade, a revisão ao acórdão a rever e/ ou recorrido em conformidade. Assim, tal interpretação colide diretamente e é inconciliável com a decisão do TJUE.
24. Aqueles factos reflectem precisamente a matéria de facto que o TJUE determina como necessária para apreciação do requisito constante do artigo 3.º, al. a) do Regulamento CCP.
25. Nos termos do artigo 267.º do TFUE a interpretação do TJUE tem efeitos erga omnes em todas as jurisdições europeias. Esse efeito erga omnes das decisões proferidas no âmbito de reenvios prejudiciais significa que, ao interpretar o direito da UE, todos os tribunais nacionais são obrigados a aplicar não só a parte dispositiva de uma decisão prejudicial, mas também a ratio da interpretação ali vertida.
26. A decisão proferida pelo TJUE produz efeitos retroativos (ex tunc) salvo se excecionalmente forem fixados efeitos limitados no tempo, circunstancialismo este que, no caso em análise, não se verifica.
27. No presente caso, a decisão proferida pelo TJUE não limitou os efeitos no tempo, pelo que produz efeitos retroativamente, inclusivamente relativamente ao acórdão recorrido.
28. A manter-se na ordem jurídica a interpretação sobre o disposto no artigo 3.º, al. a) do Regulamento CCP consagrada no acórdão a rever e/ recorrido, o que, nunca concedendo, se equaciona apenas para efeitos de raciocínio hipotético, resultarão ostensivamente violados os princípios da uniformidade e a harmonização na aplicação do direito da União no território dos Estados-Membros, porquanto a jurisdição portuguesa estará a contrariar direta e expressamente a jurisprudência do TJUE e dos restantes Estados-Membros.
29. O presente recurso de revisão, tal como que o mesmo se encontra devidamente instruído, nomeadamente com os elementos necessários nos termos do disposto no artigo 698º do CPC, requerendo-se a Vs. Exas., nessa conformidade, se dignem admitir o mesmo, com todas as consequências legais.
30. Deverá ser revogado o acórdão a rever e/ ou recorrido e substituindo-o por outro que, nomeadamente, julgue procedente a nulidade do CCP339 e ordene a sua revogação em conformidade.
9. Em 24 de Fevereiro de 2025 foi proferido o seguinte despacho:
“Apresentado recurso de revisão, e estando cumpridas as disposições legais relativas à sua instrução – art.º 698.º do CPC, e tendo o recurso sido apresentado em prazo, proceda-se em conformidade com o art.º 699.º, n.º2 do CPC, à notificação pessoal do recorrido, quer para resposta ao recurso, quer para efeitos de decisão sobre a admissibilidade do mesmo, à luz do disposto na al. f) do art.º 696.º, questão a conhecer pelo tribunal após o contraditório.
A recorrente é convidada a apresentar cópia traduzida do aresto do TJUE, em versão portuguesa.
Sem custas.. “
10. SANDOZ A/S com sede na Dinamarca, e SANDOZ FARMACÊUTICA, LDA informaram que deram cumprimento ao ordenado, procedendo à junção de tradução certificada do acórdão proferido pelo TJUE, mediante requerimento apresentado no dia 20 de fevereiro de 2025, nos termos do qual entregou um cd com cópia da referida tradução porquanto a mesma ultrapassava a dimensão de documentos permitida pela plataforma Citius.
11. Cumpridas as formalidades, foi apresentada a respostas das recorridas, em 28/5/2025, via citius, no qual dizem (nossa síntese):
- o comportamento das recorrentes ao longo do desenvolvimento do processo de revista em relação ao qual pedem agora a revisão é um sinal de queas Recorrentes não se conformam com o sentido decisório dos Tribunais Superiores portugueses no sentido de que o Certificado Complementar de Proteção n.º 339 (adiante “CCP 339”) é válido e persistem na sua cruzada;
- tentam destruir os efeitos do trânsito em julgado de uma decisão que foi tomada com plena consciência da pendência dos processos de reenvio prejudicial C-119/22 e C-149/22 e que decidiu que o Acórdão do TJUE que viesse a ser proferido não seria determinante para a decisão sobre a validade do CCP 339, e que se justificaria o prosseguimento dos autos, independentemente do sentido do Acórdão do TJUE;
- falta o interesse processual em agir para a interpsoiação do presente recurso, traduzido numa utilidade efetiva da revogação de uma decisão e na possibilidade de a (nova) decisão que pretenda resolver o conflito ter uma repercussão favorável ao recorrente no processo em que o recurso foi interposto; não foi pelas recorrentes invocada qualquer utilidade na revogação da decisão quanto à validade do CCP 339, proferida por este Supremo Tribunal e o CCP 339 caducou no passado dia 8 de abril de 2023;
- NÃO VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS CONSTANTES DO ARTIGO 696.º, ALÍNEA F), DO CPC;
- inexistem instâncias internacionais de recurso vinculativas para o Estado Português, no sentido de que não há um tribunal hierarquicamente superior aos tribunais nacionais portugueses que possa anular, modificar ou substituir a decisão jurisdicional nacional6;
- anorma extraível doartigo696.º, alínea f), do CPC terá de ser interpretada com algumacautela, considerando que, estando atidos ao seu elemento literal, esta disposição não teria campo de aplicação possível. Ora, atentando no Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, que aprovou, precisamente, a introdução da alínea f) do artigo 696.º do CPC, pode ler-se nos seus considerandos que “ainda em matéria de recursos cíveis, são ampliados os casos em que é admissível o recurso extraordinário de revisão, de forma a permitir que a decisão interna transitada em julgado possa ser revista quando viole a Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte” [destaques das Recorridas ]. Portanto, contrariamente ao que as Recorrentes afirmam no sentido de que, se não fosse para um caso como o presente, a disposição sob cotejo não teria qualquer aplicação (cf. página 4 das alegações de recurso), a verdade é que a mesma foi concebida e precipuamente preconizada pelo legislador português para os casos em que estão em causa decisões do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (adiante “TEDH”) que condenam o Estado Português por violação da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (adiante “CEDH”), sendo depois – em alguns casos, como veremos – necessário revogar a decisão transitada em julgado proferida pelos Tribunais nacionais, na sequência da condenação. As decisões doTEDH vinculam, assim, apenas o Estado que foi demandando no processo, não tendo, portanto, eficácia erga omnes, sem prejuízo da sua valência interpretativa para casos futuros.
- A decisão final a ser proferida pelo TJUE não incidirá sequer sobre uma decisão anteriormente proferida – como acontece com as decisões proferidas pelo TEDH – sendo tão-só uma decisão cujo conteúdo radica na interpretação do direito da União Europeia a ser aplicada na prolação da decisão a proferir pelo tribunal de reenvio. A diferença entre a natureza das decisões das diferentes instâncias é, pois, abismal: uma decisão do TEDH condena o Estado demandado por ter violado a CEDH; uma decisão do TJUE interpreta uma disposição de direito europeu na sequência de um (qualquer) Tribunal nacional de um (qualquer) Estado-Membro lhe referir dúvidas interpretativas sobre aquela.
- O Acórdão do TJUE deverá, naturalmente, ser relevado pelas instâncias nacionais para a interpretação dos preceitos em causa, mas não é vinculativo no sentido de dever necessariamente conduzir à revogação de uma decisão anteriormente tomada, ainda que essa decisão não seja inteiramente coincidente com a nova orientação interpretativa adotada – sendo caso disso – o que entendem não ser o resultado que advém do Ac do TJUE invocado;
- A evolução e densificação da jurisprudência do TJUE não poderá afetar de forma retroativa e sistemática o princípio fundamental da segurança jurídica propiciada pelo instituto do caso julgado. O caráter vinculativo das decisões proferidas por instâncias internacionais tem, assim, de ser interpretado de forma restritiva, de modo a não constituir um instrumento de negação da segurança jurídica e da estabilidade da posição jurídica dos visados por essas decisões, que são princípios basilares do nosso ordenamento jurídico;
- a decisão interna que suscitou o recurso não é, quanto aos fundamentos e consequências, inconciliável com a decisão do TJUE - comparando a interpretação do disposto no artigo 3.º, alínea a), do Regulamento CCP que é feita no Acórdão Revidendo com aquela que é feita do mesmo preceito no Acórdão do TJUE, não só não se verifica qualquer inconciliabilidade, como, de resto, as interpretações vão ao encontro uma da outra.; lendo na íntegra o parágrafo da decisão do TJUE sob cotejo,resulta notórioque a referência aumefeitosinérgico nela contido sópoder ser entendida como um mero exemplo de uma situação em que o produto composto pela associação é um objeto da invenção protegida pela patente.;
- aalegadainconciliabilidade das interpretações– que, afinal não se verifica – não bastaria. Sempre competiria às Recorrentes demonstrar que as duas decisões eram inconciliáveis, na medida em que, da aplicação dos princípios interpretativos estabelecidos no Acórdão do TJUE decorreria insofismavelmente que a decisão proferida por este Venerando Tribunal no Acórdão Revidendo seria com aquele inconciliável.;
- No fundo, cumpria-lhes demonstrar que, aplicando a interpretação assumida no Acórdão do TJUE ao presente caso, existiriam factos dados como provados no Acórdão Revidendo que, necessária e indisputavelmente, conduziriam à conclusão de que o CCP 339 seria nulo (e não válido, como foi decidido).
12. A recorrente exerceu o contraditório.
Cumpre decidir se o recurso deve ser liminarmente indeferido.
II. Fundamentação
13. Relevam os elementos constante do relatório supra.
14. O recurso de revisão foi interposto ao abrigo da alínea f) do artigo 696.º do Código de Processo Civil:
A decisão transitada em julgado […] pode ser objecto de revisão quando [s]eja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português 1.
15. A primeira questão que se coloca é a de saber se foi apresentada, para efeitos de revisão, uma decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português.
Para determinar se a resposta é positiva ou negativa, atentemos na história do preceito – acompanhando o raciocínio de João Ramos Lopes, em “Uma particular questão de direito processual: o princípio da inalterabilidade do caso julgado e a violação do direito da União”, in UNIO EU Law Journal – https://revistas.uminho.pt/index.php/unio/article/view/268/275
1. A reforma operada no regime dos recursos cíveis pelo decreto-lei 303/2007, de 24 de agosto, introduziu um novo fundamento de recurso extraordinário de revisão. De acordo com o disposto na alínea f) do artigo 771.º do Código de Processo Civil (CPC) português, uma decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão quando seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português. Esta ampliação dos fundamentos de recurso extraordinário de revisão foi justificada no preâmbulo do diploma como forma de permitir que «a decisão interna transitada em julgado possa ser revista quando viole a Convenção Europeia dos Direitos do Homem ou normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte». A previsão abrange, desde logo, as decisões emanadas do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH).
2. Os Estados signatários da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais [Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH)] obrigaram-se a respeitar e executar as sentenças definitivas do TEDH (artigo 46.º da Convenção), reparando as consequências da violação constatada. Porém, emanando a violação de ato jurisdicional coberto pela força do caso julgado, a decisão do TEDH era inexequível – uma tal decisão não constituía, à luz do ordenamento jurídico português, fundamento para revisão da sentença nacional. A alteração introduzida pelo decreto-lei 303/2007 dá resposta a essa distorção, possibilitando a execução jurisdicional ‟da decisão do TEDH através do instituto da revisão da decisão (nacional) transitada em julgado. 2 Certo que o TEDH não é uma instância internacional de recurso – o acesso ao TEDH não visa suscitar intervenção de tribunal de categoria hierarquicamente superior com a finalidade de anular, modificar ou substituir a decisão nacional, com base em erro de julgamento ou de procedimento. Desconheço, aliás, a existência de qualquer instância internacional de recurso vinculativa para o Estado português – ou seja, qualquer instância internacional que funcione como tribunal de categoria hierarquicamente superior aos tribunais nacionais, à qual as partes no processo se possam dirigir para impugnar decisão que lhes seja desfavorável e obter, em via de recurso, a sua anulação, modificação ou substituição. Porém, o TEDH é uma instância internacional vinculativa para o Estado português – este (atendendo desde logo ao exposto a propósito no preâmbulo do decreto-lei 303/2007) é o ponto normativo de referência que se deve ter por decisivo na interpretação da alínea f) do artigo 771.º do CPC. Também o TJUE é uma instância internacional vinculativa para o Estado português.
Não sendo uma instância de recurso na aceção acima mencionada, é uma instância internacional [é uma instituição da União Europeia – artigo 13.º, n.º 1, do Tratado da União Europeia (TUE)] vinculativa (atento o princípio do precedente vinculativo), na medida em que as decisões do TJUE3 devem ser acatadas por todos os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros (não só o tribunal que reenvia fica vinculado à interpretação decidida pelo TJUE, como também, do mesmo modo e em questão idêntica, ficam vinculados todos os demais). Da consideração de que é uma instituição da União Europeia e de que as suas decisões têm força vinculativa (atento o precedente), pode concluir-se o preenchimento dos pressupostos necessários (e suficientes) para se afirmar que as decisões do TJUE podem fundar um recurso extraordinário de revisão, à luz da alínea f) do artigo 771.º do CPC. 2”
Esta norma consta do CPC de 2013, no art.º 696.º
Sobre a interpretação do art.º 696.º, al. f), diz J. Castro Mendes/M. Teixeira de Sousa, Manual de Processso Civil, Vol. II, AAFDL Editora, 2022, p. 212 e ss:
“A revisão é admissível quando a decisão proferida seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português (art.º 696.º, al.f)). É o que sucede quando a decisão seja incompatível com uma decisão do TEDH (art.º 46.º, n.º1, CEDH), estabelecendo-se que as partes contratantes se obrigam a respeitar as sentenças definitivas do Tribunal nos litígios em que forem partes) ou com uma decisão do TJ (nota 147) 3.
E mais à frente, este A. admite uma interpretação extensiva da alínea f) – p. 214 – dizendo:
“(c ) A isto pode acrescentar-se uma interpretação extensiva do disposto no art.º 696.º, f): mesmo quando a decisão da instância internacional não seja proferida em recurso interposto de decisão nacional, ainda assim pode ser justificada a revisão da decisão nacional. Por exemplo, por virtude do primado do direito europeu, este direito opõe-se a um caso julgado nacional quando a sua aplicação obsta à recuperação de um auxílio de Estado concedido em violação daquele direito e cuja incompatibilidade com o mercado comum foi declarada por uma decisão definitiva do competente órgão europeu. Pensável é também a aplicação extensiva daquele preceito quando a sentença for contrariada por uma decisão prejudicial do TJ quando o tribunal português, devendo suscitar aquela apreciação (art.º 267.º, § e, TFUE), não o tenha feito.”
De acordo com estas posições, na sua aplicação ao caso concreto, pode dizer-se:
- o TJUE não é uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português, em sentido técnico, ainda que o Estado Português se tenha vinculado a respeitar o Direito Europeu e os seus tribunais tenham de interpretar as normas desse direito em conformidade com o sentido que o TJUE, quando chamado a pronunciar-se, defina como o sentido mais conforme com a norma interpretanda;
- Da obrigação assumida pelo Estado Português não resulta uma submissão directa dos tribunais nacionais a verem as suas decisões serem alteradas por uma decisão do TJUE, por esta se sobrepor à decisão nacional;
- Da vinculação dos tribunais nacionais a interpretarem as normas do Direito Europeu de acordo com a orientação expressa pelo TJUE não resulta que uma nova interpretação, antes de firmada e publicitada, decorra a sujeição dos tribunais nacionais a um exercício de futurologia sobre o que o TJUE possa vir a dizer de diferente do que já decidiu em inúmeros arestos sobre o sentido de uma determinada norma do direito europeu;
- Os Tribunais nacionais estão vinculados a incorporara a orientação que o TJUE faça de uma certa norma, por força da primazia de aplicação e uniformização de interpretação do direito da EU, quando essa orientação foi definida – e na situação dos autos, haviam já sido proferidos diversos acórdãos a fixar uma orientação – mas não antes de qualquer alteração à definição verificada, sendo aplicável a doutrina do acto claro, nomeadamente na formulação que se recolhe no ac. X e van Dijk4, e que não se considera complemente afastada do ac. CILFIT5 e ainda a orientação que se colhe na posição que o TJUE proferiu no ac. Da Costa en Schaake (sinteticamente: quando uma questão surja num processo principal, e o TJ já se tenha pronunciado sobre uma questão idêntica anteriormente, então o órgão jurisdicional nacional está dispensado de proceder ao reenvio da questão, e se uma questão for clara e não suscitar dúvida razoável a obrigação de reenvio é também dispensada6 7).
- O aresto do TJUE de 19-12-2024, junto como acórdão fundamento, não envolveu a condenação do Estado português, de modo directo, na adopção, para as acções já decididas e transitadas em julgado, da orientação propugnada pelo TJUE para a interpretação das normas de direito europeu (e que foram aplicadas pelos Tribunais nacionais, acolhendo – à data da sua prolação – a orientação que o TJUE havia até ao momento formulado em vários arestos sobre o sentido correcto da interpretação do art.º 3.º do Regulamento (EC) n.º 469/2009);
- O aresto do TJUE de 19-12-2024 deve ser tido em consideração na futura interpretação dos preceitos em causa, mas não pode pretender-se que determine a abertura de todos os processos em que a sua aplicação pudesse ser susceptível de determinar uma outra solução de litígios, por ser incompatível com o valor da certeza e segurança jurídica e os interesses de estabilidade inerentes ao caso julgado formado;
- Seria certamente diversa a solução em que um aresto do TJUE, conhecendo de questão colocada em reenvio prejudicial, tivesse como origem um pedido dos tribunais nacionais – caso em que a resposta ao pedido formulado pelo tribunal nacional ter-se-ia de conformar com a resposta do TJUE;
- Seria certamente diversa a solução em que um aresto do TJUE, conhecendo de questão envolvesse como parte o Estado português, e daquela decisão resultasse uma condenação de Portugal;
- Não existia no momento da prolação do acórdão do STJ uma orientação interpretativa do art.º 3.º do Regulamento (EC) n.º 469/2009 proferida pelo TJUE – e divulgada publicamente – diversa da seguida pelo STJ na sua decisão;
- Não é argumento suficiente para a revisão a apresentação em processo pendente junto do TJUE de posição do advogado geral do tribunal, em que o mesmo defende um desenvolvimento do sentido da interpretação do art.º 3.º do Regulamento, porquanto a sua posição não é vinculativa para o próprio TJUE e não foi considerada como motivo de suspensão do processo por causa prejudicial, questão que foi suscitada e decidida em sentido negativo.
Os argumentos apresentados apontam todos no sentido de o aresto fundamento apresentado não preencher os requisitos da al. f) do art.º 696.º do CPC, nem mesmo para quem advogue a sua interpretação extensiva.
16. Procurando na jurisprudência nacional dos tribunais superiores a resposta ao sentido da alínea f) do art.º 696.º, no que respeita à sua ligação com a violação do Direito europeu, podemos apenas encontrar o seguinte:
- Ac. do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 02-07-2014, processo n.º 0360/13) - Constitui fundamento de recurso de revisão decisões proferidas pelo TJUE em acções de incumprimento instauradas pela Comissão Europeia contra Portugal ao abrigo do art. 258.º do TFUE;
- Ac. TCAS - Proc. 98/21.8BCLSB - 16 de maio de 2024 – TCAS - https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/bbe0b69ed271377580258b2300407658?OpenDocument:
- decisão arbitral sujeita a recurso junto do TCAS – em que os argumentos apresentados pelo tribunal para negar a revisão foram os seguintes:
- é pacifico na doutrina e na jurisprudência que as intervenções do TJUE em processo de reenvio não são assumidas na veste de instância de recurso, mas sim de colaboração entre juízes, como tem afirmado, inclusivamente, o próprio TJUE:
- 28 Note-se, a este respeito, que o artigo 234.º CE (1-Actual art. 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).) não constitui uma via de recurso para as partes num litígio pendente num tribunal nacional e que não basta, portanto, que uma das partes alegue que o litígio suscita uma questão de validade do direito comunitário para que o tribunal em questão seja obrigado a considerar que se suscita uma questão nos termos do artigo 234.º CE (2-Acórdão do TJUE de 10-01-2006, processo n.º C-344/04.)
- 9 Com efeito, o reenvio prejudicial assenta num diálogo de um juiz a juiz, cujo início depende inteiramente da apreciação que o órgão jurisdicional nacional faça da pertinência e da necessidade do referido reenvio (acórdãos do TJUE Kempter, de 12-02-2008, processo C-2/06, , n.º 41; Cartesio, C-210/06, n.º 90; e VB Pénzügyi Lízing Zrt., de 09-11-2010, processo C-137/08);
- “The relationship between national courts and the CJEU is reference-based. It is not an appeal system. No individual has a right of appeal to the CJEU. It is for national court to make the decision to refer. The CJEU will rule on the issues referred to it, and tha case will then be sent back to the national courts, wich apply the Union law to the case at hand” (3-Paul Craig e Gráinne de Búrca, EU Law, Text, Cases and Material, 6th ed, Oxford: Oxford University Press, 2011, p. 464)
- «De acordo com o número 3 do artigo 4.º do mesmo Tratado, cabe aos Estados-Membros assegurar a execução das obrigações decorrentes dos Tratados e facilitar o cumprimento da missão da União Europeia. Desta dicotomia resulta uma necessidade de diálogo entre os órgãos jurisdicionais nacionais e europeus, razão pela qual se viria a prever o instituto jurídico do reenvio prejudicial, não como uma via de recurso, mas sim como um processo especial de cooperação direta, capaz de garantir a uniformidade dos efeitos jurídicos das normas de direito da EU através de todo o seu território» (4-Luísa Lourenço, em REENVIO PREJUDICIAL PARA O TJUE E OS PARECERES CONSULTIVOS DO TRIBUNAL EFTA, publicado em revista Julgar n.º 35, página 189.)
- «1 – Um pedido de reenvio prejudicial não serve para impugnar uma decisão judicial;
2 – A decisão a proferir pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito de tal pedido não tem por finalidade revogar decisões judiciais proferidas por Tribunais nacionais;
3 – Tal pretensão não tem como função afrontar qualquer interpretação alegadamente errónea de normas internas ou aferir da violação de normas constitucionais dos diversos Estados-Membros;
4 – Uma questão prejudicial corresponde a uma pergunta/pedido de solução orientada para a obtenção de uma resposta que um órgão jurisdicional nacional de um Estado da União repute necessária opara estear a solução de um litígio que lhe cumpra dirimir;
5 – O seu objecto exclusivo é o Direito da União e o esforço de avaliação solicitado ao Tribunal de Justiça da União Europeia corresponde à interpretação ou formulação de juízo de validade incidente sobre esse Direito;
6 – No seio de um pedido de reenvio, o órgão jurisdicional nacional pede ao Tribunal de Justiça da União Europeia que formule a adequada leitura de uma norma jurídica do Direito dessa União cuja interpretação seja relevante para a solução litígio que lhe cumpra concretizar» (5-Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-07-2019, processo n.º 18321/16.9T8LSB.L2-6.)
De resto, Autoridade Tributaria e Aduaneira no requerimento que apresentou nem sequer explica qual a razão ou fundamento legal para que o TJUE possa ser considerado uma instância de recurso.
Os fundamentos de revisão de sentença previsto no artigo 696.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 293.º, n.º 1, do CPPR e 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT são taxativos, como resulta do teor expresso do corpo daquele artigo 696.º: «a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando …».
Tratando-se de normas excepcionais que permitem eliminar a força do caso julgado e a obrigatoriedade geral que dela decorre (artigo 205.º, n.º 2, da CRP), elas não poder ser aplicáveis analogicamente a situações nelas não previstas (artigo 11.º do Código Civil), designadamente, a decisões de instâncias internacionais que não sejam, à face da legislação nacional, «instâncias de recurso».
Pelo exposto, indefere-se o requerimento de recurso de revisão apresentado pela Autoridade Tributaria e Aduaneira, por ser manifesto não haver fundamento para a revisão, designadamente o fundamento invocado, por a decisão do TJUE invocada não ter sido proferida por uma instância internacional de recurso.
Sendo de indeferir o recurso com este fundamento fica prejudicada, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º2, do CPC), a apreciação de outros requisitos do recurso de revisão ao abrigo da alínea f) do artigo 696.º do CPC, designadamente as questões de saber se a decisão do TJUE proferida no processo no processo n.º C-581/19 é inconciliável com a decisão arbitral preferida no presente processo e se deve considerar-se vinculativa para Estado Português para efeitos daquela norma.”
17. As recorrentes alegam que “os tribunais nacionais estão vinculados à jurisprudência do TJUE, nos termos do artigo 267.º do TFUE e do artigo 8.º, n.º 4 da CRP, devendo afastar normas ou decisões internas incompatíveis com o Direito da União — como reiteradamente reconhecido desde o acórdão Simmenthal (TJUE, proc. 106/77)” e que “[a] jurisprudência do TJUE tem efeitos vinculativos e retroativos (ex tunc), pelo que deve ser aplicada às decisões nacionais já transitadas em julgado, através do mecanismo da revisão”.
Já se respondeu, em parte a este argumento, mas vamos sintetizar, seguindo o exemplo do acórdão do STJ de 17 de Junho de 2025 – desta secção – proc. n.º281/17.0YHLSB.L1.S1-A
17.1. As decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia ao abrigo da alínea b) do n.º 3 artigo 19.º do Tratado sobre a União Europeia e do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia têm efeitos em relação a todos (erga omnes) 8.
Em termos em tudo semelhantes aos das leis, as decisões interpretativas do Tribunal de Justiça integram-se nas disposições do direito da União Europeia interpretadas.
Em complemento dos seus efeitos em relação a todos (erga omnes), as decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça têm efeitos retroactivos (ex tunc).
Os órgãos jurisdicionais nacionais devem aplicar a disposição interpretada a todas as relações jurídicas, independentemente de se terem constituído antes ou depois da decisão interpretativa do Tribunal de Justiça da União Europeia 9.
Contudo, a constatação de que “[a] jurisprudência do TJUE tem efeitos vinculativos e retroativos (ex tunc)” não significa, sem mais, que “dev[a] ser aplicada às decisões nacionais já transitadas em julgado, através do mecanismo da revisão”.
17.2. O Tribunal de Justiça da União Europeia reconhece que o efeito retroactivo (ex tunc) das decisões interpretativas proferidas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia deve conciliar-se ou harmonizar-se com a força de caso julgado das decisões proferidas pelos tribunais nacionais 10.
Como se diz. por exemplo, no acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 17 de Maio de 2022 — processo C‑869/19 —
“a fim de garantir tanto a estabilidade do direito e das relações jurídicas como uma boa administração da justiça, é necessário que as decisões judiciais que se tornaram definitivas após o esgotamento das vias de recurso disponíveis ou depois de terminados os prazos previstos para esses recursos já não possam ser postas em causa”.
Em consonância com o reconhecimento da importância do caso julgado para a boa administração da justiça, para a estabilidade do direito e para a estabilidade das relações jurídicas, designadamente das relações jurídicas privadas, o Tribunal de Justiça da União Europeia tem considerado constantemente que
“o direito da União [Europeia] não exige que, para ter em conta a interpretação de uma disposição pertinente desse direito adotada pelo Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional nacional deva, por princípio, rever uma decisão revestida da autoridade do caso julgado”11.
Exceptua-se os casos em que a recusa de revisão das decisões revestida da autoridade de caso julgado conflitue com o princípio da efectividade 12 ou com o princípio da equivalência13.
O facto de o direito da União Europeia não exigir que o o órgão jurisdicional nacional deva, por princípio, rever uma decisão revestida da autoridade do caso julgado faz com que caiam de imediato os argumentos deduzidos pelas Reclamantes de que “[a] aplicação da alínea f) do artigo 696.º do [Código de Processo Civil] no presente caso é […] necessária [para prevenir a] subversão do princípio da primazia do Direito da União Europeia e de violação do artigo 8.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa” ou de que “[a] segurança jurídica […] não pode prevalecer sobre a primazia do Direito da União Europeia, sob pena de comprometer a unidade e eficácia da ordem jurídica europeia”.
A constatação de que “[a] jurisprudência do TJUE tem efeitos vinculativos e retroativos (ex tunc)” não significa, sem mais, que “dev[a] ser aplicada às decisões nacionais já transitadas em julgado, através do mecanismo da revisão”, deve averiguar-se se a alínea f) do do artigo 696.º do Código de Processo Civil compreende o caso de conflito com uma decisão interpretativa do Tribunal de Justiça da União Europeia.
17.3. A alínea f) do artigo 696.º do Código de Processo Civil só permite que o princípio do caso julgado seja derrogado através de uma revisão (i) desde que haja uma decisão definitiva de uma instância internacional de recurso e (ii) desde que a decisão definitiva da instância internacional de recurso seja vinculativa para o Estado Português.
Só que as decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia ao abrigo da alínea b) do n.º 3 artigo 19.º do Tratado sobre a União Europeia e do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia não são decisões definitivas de uma instância internacional de recurso no sentido da alínea f) do artigo 696.º do Código de Processo Civil:
- o reenvio previsto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia é um reenvio prejudicial — e, como reenvio prejudicial, só pode ser suscitado antes de ser proferida uma decisão pelo órgão jurisdicional de reenvio;
- ainda que pudesse ser suscitado depois de ter sido proferida uma decisão pelo órgão jurisdicional de reenvio, nunca o reenvio prejudicial poderia reconduzir-se a uma reapreciação das decisões proferidas pelos órgãos jurisdicionais nacionais.
O Tribunal de Justiça decide, a título prejudicial, sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União Europeia 14 — não decide nem sobre a validade, nem sobre a interpretação, nem sobre o mérito das decisões dos órgãos jurisdicionais dos Estados-membros da União Europeia 15.
18. Assim, as decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia ao abrigo da alínea b) do n.º 3 artigo 19.º do Tratado sobre a União Europeia e do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia não são decisões definitivas de uma instância internacional de recurso no sentido da alínea f) do artigo 696.º do Código de Processo Civil, o presente recurso de revisão pressupõe que deva fazer-se uma interpretação extensiva da alínea d) do artigo 696.º do Código de Processo Civil 16.
A interpretação extensiva da alínea d) do artigo 696,º do Código de Processo Civil concretizar-se-ia que a decisão transitada em julgado pudesse ser objecto de revisão desde que fosse inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional vinculativa para o Estado Português, ainda que não fosse em rigor uma instância de recurso.
O problema está tão-só em determinar o alcance e os limites da interpretação extensiva — do facto de se fazer uma interpretação extensiva para evitar que a alínea f) não se aplique a caso nenhum não se deduz, de forma alguma, que deva aplicar-se a todas as decisões de instâncias internacionais, ainda que não sejam instâncias de recurso.
Entre os pontos mais ou menos consensuais estará o de que o alcance e os limites da interpretação extensiva da alínea f) do artigo 696.º do Código de Processo Civil devem determinar-se atendendo aos princípios e aos valores do direito português.
Atendendo aos princípios e aos valores do direito português, deverá distinguir-se entre as decisões relativas à validade, à interpretação ou à integração de normas jurídicas e as decisões relativas à aplicação de normas jurídicas a um caso individual.
A alínea f) do artigo 696.º do Código de Processo Civil deverá aplicar-se às decisões de instâncias internacionais relativas à aplicação de normas jurídicas a um caso individual, desde que sejam vinculativas para o Estado português 17.
18.1. Embora deva aplicar-se às decisões relativas à aplicação de normas jurídicas a um caso individual, não deverá aplicar-se às decisões de instâncias internacionais relativas à validade, à interpretação ou à integração de normas jurídicas 18.
19. O problema está em que a aplicação da alínea f) do artigo 696.º do Código de Processo Civil a todas as decisões de instâncias internacionais relativas à validade, à interpretação ou à integração de normas jurídicas abstractas e gerais seria de todo em todo incompatível com o valor da certeza ou da segurança do direito.
Entre as decisões de instâncias internacionais relativas à interpretação ou a integração de normas jurídicas abstractas e gerais estão, sobretudo, as decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em sede de reenvio prejudicial.
O valor do caso julgado seria reduzido a pouco, a nada ou a quase nada, desde que uma decisão do Tribunal de Justiça que interpretasse uma disposição de um regulamento ou de uma directiva num determinado sentido significasse a revisão ou, tão-só, a admissibilidade da revisão de todas as decisões jurisdicionais, ainda que já transitadas em julgado, que interpretaram a disposição em causa noutro sentido, necessariamente diferente.
20. O caso sub judice é, de alguma forma, paradigmático – e foi já objecto de análise em situação paralela neste STJ – decidida por acórdão de 17 de Junho de 2025, já citado – tendo aí havido oportunidade de rebater a argumentação das recorrentes quanto ao despacho de indefrimento liminar do recurso de revisão – onde foram apresentados os seguintes contra-argumentos (transcrição):
“50. O facto dado como provado sob o n.º 8 no recurso de revista diz-nos que a do vigência do certificado complementar de protecção n.º 189 terminou em 02 de Abril de 2019.
51. Em consequência, a revisão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Março de 2021 só poderia ter como consequência a afectação de situações jurídicas constituídas ao abrigo de uma decisão transitada em julgado — em termos incompatíveis com o princípio constitucional da confiança, enquanto consequência do princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.
52. As Recorrentes alegam que “[a] tentativa de restringir o alcance da alínea f) apenas a decisões ‘aplicativas’ (e não interpretativas) é infundada [e] sem base legal”.
53. Em primeiro lugar, não está de forma nenhuma em causa restringir o alcance da alínea f) e sim determinar os termos em que deve ampliar-se, através de uma interpretação extensiva, e em segundo lugar não está de forma nenhuma em causa uma interpretação infundada ou uma interpretação sem base legal — está em causa, sim, uma interpretação da alínea f) do artigo 696.º sistemática e teleologicamente fundada.
54. As Reclamantes alegam ainda que “[o] Supremo Tribunal de Justiça já admitiu revisões fundadas em decisões do [Tribunal Europeu dos Direitos do Homem] — cuja força normativa é, em muitos casos, inferior à do [Tribunal de Justiça da União Europeia] — o que torna incoerente e desproporcionada a rejeição de uma decisão deste último”.
55. Ora, entre as decisões proferidas pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em sede de reenvio prejudicial existe uma diferença essencial:
56. As decisões proferidas pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem são em toda a regra decisões individuais, aplicando-se a um caso — as decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em sede de reenvio prejudicial são decisões gerais, normativas, aplicando-se a um número indeterminado e indeterminável de casos.
57. Existindo uma diferença essencial entre os dois tipos de decisões, cai o argumento da incoerência e, em consequência, o argumento da desproporção.
58. Em favor de uma restrição do alcance da alínea f) do artigo 696.º do Código de Processo Civil às decisões de instâncias internacionais relativas à aplicação de normas jurídicas a um caso individual deverá ainda deduzir-se dois argumentos sistemáticos.
59. Em primeiro lugar, o artigo 13.º do Código Civil, sob a epígrafe Aplicação das leis no tempo. Leis interpretativas, restringe a retroactividade das leis interpretativas através da ressalva das decisões judiciais transitadas em julgado.
60. Em segundo lugar, o artigo 282.º da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, restringe a retroactividade das decisões do Tribunal Constitucional com força obrigatória geral ressalvando os casos julgados,
“salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido”.
61. O texto do artigo 282.º da Constituição da República diz de forma implícita que uma decisão normativa do Tribunal Constitucional não permite à parte prejudicada pela aplicação de uma norma declarada inconstitucional interpor um recurso de revisão.
62. Face à relação entre as normas de direito constitucional e as normas de direito europeu, seria contraditório com o artigo 282.º da Constituição da República que uma decisão normativa do Tribunal de Justiça da União Europeia permitisse que a parte prejudicada pela divergência entre os tribunais nacionais e os tribunais europeus pudesse interpô-lo.
63. As Reclamantes alegam que havia no despacho reclamado um “erro de interpretação do artigo 282.º da [Constituição da República Portuguesa]” e que “o artigo 282.º da [Constituição da República Portuguesa] é exclusivamente aplicável às decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional, não sendo aplicável ao caso em apreço, em que a decisão subjacente ao recurso de revisão foi proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia”.
64. Ora, o artigo 282.º da Constituição da República Portuguesa foi tão-só convocado como um argumento sistemático para a interpretação da alínea f) do artigo 696.º do Código de Processo Civil — logo, não havia no despacho reclamado nenhum erro de interpretação do artigo 282.º da Constituição da República Portuguesa.
65. Finalmente, deverá dizer-se que a interpretação da alínea f) do artigo 696.º do Código de Processo Civil de forma a que não se aplique às decisões de instâncias internacionais relativas à validade, à interpretação ou à integração de normas jurídicas é aquela que melhor se concilia ou harmoniza com os princípios constitucionais.
66. O artigo n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio da aplicação do direito da União Europeia com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático.
67. Ora o sistema dos princípios e dos valores constitucionais exige que, em regra, as decisões normativas proferidas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em sede de reenvio prejudicial não coloquem em causa a força de caso julgado de decisões judiciais.
68. Em consequência da exclusão das decisões normativas proferidas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em sede de reenvio prejudicial da hipótese da alínea f) do artigo 696.º do Código de Processo Civil, fica prejudicada a questão da conciliabilidade ou inconciliabilidade do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça em 18 de Março de 2021 com o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia de 19 de Dezembro de 2024.”
III. DECISÃO
Face ao exposto, indefere-se o requerimento de interposição do recurso de revisão, ao abrigo do n.º 1 do artigo 699.º do Código de Processo Civil, não sendo de conhecer de questões que ficam prejudicadas pelo indeferimento.
Custas pelas Recorrentes SANDOZ A/S e SANDOZ FARMACÊUTICA, LDA.
Lisboa, 3 de Julho de 2025
Relatora: Fátima Gomes
1ª Juíza Adjunta – Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
2º Juiz Adjunto – Conselheiro Ferreira Lopes
_____________________________________________
1. Os termos em que está redigida a alínea f) do artigo 696.º do Código de Processo Civil são algo imprecisos — em rigor, ainda que a alínea f) tenha sido desenhada para se aplicar, exclusiva ou essencialmente, aos acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, não há nenhuma instância internacional de recurso, “entendida como um tribunal, hierarquicamente, superior aos tribunais nacionais, com a finalidade de anular, modificar ou revogar atos jurídicos de direito interno, com base em erro de julgamento ou de procedimento” (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2017 — processo n.º 5817/07.2TBOER.L1.S1).↩︎
2. (nota 4, no original) Conclusão que comungamos com doutrina portuguesa. Cfr., no âmbito da doutrina do processo civil, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª edição, 336; já numa visão marcada pelo direito da União, cfr. Maria José Rangel Mesquita, “Âmbito e pressupostos da responsabilidade civil do Estado pelo exercício da função jurisdicional”, Revista do CEJ, 1.º Semestre 2009, número 11, 289, e A responsabilidade pelo exercício da função jurisdicional: âmbito e pressupostos, p. 18, nota 66, onde a autora refere que não pode deixar de considerar-se abrangida na previsão «uma decisão de um órgão jurisdicional nacional transitada em julgado desconforme com uma decisão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias proferida quer no âmbito de uma acção por incumprimento, quer no âmbito de um processo de questões prejudiciais e, nessa medida, violadora do Direito Comunitário e do Primado».↩︎
3. (nota 147, no original) Cfr Rangel de Mesquita, O regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e Demais entidades públicas e o Direito de União Europeia (2009), 73 ss; mais reticente, J. Machado, RLJ 144 (2015), 272s.
No Blogg do IPPC – Miguel Teixeira de Sousa, em comentário a Ac do STJ 4/7/2017 (5817/07.2TBOER.L1.S1), que não aceitou a revisão de sentença em confronto com decisão do TEDH –
“A argumentação apresentada pelo STJ em favor da não admissibilidade do recurso de revisão com base no disposto no art. 696.º, al. f), CPC reconduz-se, fundamentalmente, à inutilidade deste recurso e, portanto, à falta de interesse processual do recorrente. O argumento mais forte apresentado pelo STJ neste contexto é o de que a decisão do TEDH substituiu a decisão interna.
Como decorre da fundamentação do acórdão e da jurisprudência do TEDH nela citada, a solução é distinta nos casos em que a interposição do recurso de revisão seja necessária para repor o queixoso na situação que existiria se a decisão interna que foi considerada violadora da CEDH não tivesse sido proferida.”↩︎
4. Acórdão do TJ de 9 de setembro de 2015, X c. Inspecteur van Rijksbelastingdienst e T.A van Dijk c. Staatssecretaris van Financiën, nos processos apensos C-72/14 e C-197/14, EU:C:2015:564.↩︎
5. Acórdão do TJ de 06 de outubro de 1982, CILFIT e outros, no processo 283/81, EU:C:1982:335.↩︎
6. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=celex:61962CJ0028.↩︎
7. Também se lê a orientação da EU dirigida aos tribunais - Processos prejudiciais — recomendações à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais: “Considera-se este processo útil quando, num processo apresentado perante um órgão jurisdicional nacional, for suscitada uma questão de interpretação nova e que tenha um interesse geral para a aplicação uniforme do direito da União ou quando a jurisprudência existente não dê o necessário esclarecimento para lidar com uma nova situação jurídica.” - https://eur-lex.europa.eu/PT/legal-content/summary/preliminary-ruling-proceedings-recommendations-to-national-courts.html
8. Sobre o tema, vide por último Giuseppe Martinico, “Retracing Old (Scholarly) Paths. The erga omnes Effect of Interpretive Preliminary Rulings”, in. European Journal of Legal Studies, n.º 3 — 2023, págs. 37-70.↩︎
9. Sobre o tema, vide por último Lorenzo Cecchetti, “The Scope Ratione Temporis of the Interpretive Rulings of the ECJ: Should the Temporal Limitation Still be a Strict Derogation from Retroactive Effects?”, in. European Journal of Legal Studies, n.º 3 — 2023, págs. 71-106.↩︎
10. Sobre o tema, vide por exemplo Araceli Turmo, “National Res Judicata in the European Union: Revisiting the Tension Between the Temptation of Effectiveness and the Acknowledgement of Domestic Procedural Law”, in: Common Market Law Review, vol. 58 (2021), págs.361-390, e em termos mais desenvolvidos Res Judicata in European Union Law, EULawLive Press, 2023, passim.↩︎
11. Cf. designadamente o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 11 de Setembro de 2019 — processo C-676/17 (parágrafo n.º 28).↩︎
12. Ou seja, com o princípio de que as modalidades processuais dos recursos que se destinam a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito da União Europeia não não devem tornar impossível ou excessivamente difícil, na prática, o seu exercício.↩︎
13. Ou seja, com o princípio de que as modalidades processuais dos recursos que se destinam a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito da União Europeia não devem ser menos favoráveis do que as que dizem respeito aos recursos semelhantes de natureza interna.↩︎
14. Cf. artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.↩︎
15. Como se diz, exemplarmente, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de Julho de 2019 — processo n.º 18321/16.9T8LSB.L2-6 —, “[u]m pedido de reenvio prejudicial não serve para impugnar uma decisão judicial”, explicando-se que: “II. — A decisão a proferir pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito de tal pedido não tem por finalidade revogar decisões judiciais proferidas por Tribunais nacionais; III. — Tal pretensão não tem como função afrontar qualquer interpretação alega[da]mente errónea de normas internas ou aferir da violação de normas constitucionais dos diversos Estados-Membros; IV. — Uma questão prejudicial corresponde a uma pergunta/pedido de solução orientada para a obtenção de uma resposta que um órgão jurisdicional nacional de um Estado da União repute necessária para estear a solução de um litígio que lhe cumpra dirimir; V. — O seu objecto exclusivo é o Direito da União e o esforço de avaliação solicitado ao Tribunal de Justiça da União Europeia corresponde à interpretação ou formulação de juízo de validade incidente sobre esse Direito; VI. — No seio de um pedido de reenvio, o órgão jurisdicional nacional pede ao Tribunal de Justiça da União Europeia que formule a adequada leitura de uma norma jurídica do Direito dessa União cuja interpretação seja relevante para a solução do litígio que lhe cumpra concretizar”.↩︎
16. Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2017 — processo n.º 5817/07.2TBOER.L1.S1.↩︎
17. Como são tipicamente as decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.↩︎
18. Como são tipicamente as decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia proferidas em sede de reenvio prejudicial.↩︎