Numa situação em que a decisão final proferida no âmbito de um apenso, reconhecendo- a legitimidade da cumulação de pedidos originariamente pretendida pela recorrente, aí apenas determinou a prossecução do processo para apreciação também dos pedidos formulados sob as alíneas B) e C) – e não que todos os pedidos vertidos na petição inicial teriam de ser conhecidos e apreciados no mesmo momento processual – não há violação de caso julgado por os pedidos formulados não terem sido apreciados no mesmo momento processual, fruto das diversas vicissitudes do processo (recursos vários e com efeitos não suspensivos).
Sumário1:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I. Relatório
1. AA intentou contra BB, e esposa, CC (primeiros RR), DD, e esposa, EE (segundos RR), a presente acção de declarativa constitutiva sob a forma do processo comum, peticionando (entre outros pedidos que já se encontram julgados por sentença transitada em julgado – sentença de 29 de Abril de 2019, [referência nº ...69], que vamos indicar igualmente em frente a cada pedido, para facilitar a análise):
a. o reconhecimento da autora como proprietária dos prédios denominados Seara de1 e Seara de 2, sitos no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscritos sob os artigos 920º e 921º, e descritos na Conservatória de Registo Predial de ...sob o nº ...46; (29 de Abril de 2019 proferida sentença)
b. o reconhecimento do direito de preferência da autora na aquisição do prédio rústico denominado Tapada de ..., sito no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito sob o artigo 942 e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº ...78, transaccionado e a que aludem os artigos 4 e ss desta petição, substituindo-se aos 1ºs RR no ali referido contrato particular autenticado de compra e venda;
c. o cancelamento de todo e quaisquer registos que os réus BB e CC hajam feito a seu favor em consequência da compra do supra referido prédio;
d. a condenação dos réus BB e CC a reporem o prédio da autora no estado em que se encontrava em 3 de Março de 2018, fixando-se-lhes um prazo de 30 dias para esse efeito, e impondo-se-lhes sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a =150,00 €= por cada dia de atraso na entrega/reposição do prédio na situação anterior (29 de Abril de 2019 proferida sentença);
subsidiariamente, para a hipótese de improcedência da acção de preferência
e. a condenação dos réus BB e CC a reconhecerem e a respeitarem como linha de demarcação do prédio da autora a fixada na planta junta com o documento nº 7. 29 de Abril de 2019 proferida sentença
2. Alegou para o efeito e, em síntese, que é dona e legitima proprietária de dois prédios rústicos denominados de Seara de1 e Seara de 2, sitos no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscritos sob os artigos 920 e 921 e descritos na Conservatória do Registo Predial sob s n.º ...46, com a área total de 2.800m2.
Existe um prédio rústico, propriedade dos 1.ºs Réus, denominado de Tapada de ..., sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito sob o artigo 942 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...78, com a área de 11.680m2.
Os prédios rústicos da Autora e o prédio rústico dos 1.ºs Réus confinam entre si pelos ventos norte/sul.
Tal prédio rústico dos 1.ºs Réus encontra-se inscrito sob o artigo 942 e foi vendido pelos 2.ºs Réus aos 1.º Réus no dia 5 de janeiro de 2018, pelo preço de €8.000 (oito mil euros).
Ambos os prédios têm área inferior à unidade de cultura e é exercida a atividade agrícola.
Os. 2.ºs Réus venderam aos 1.ºs Réus o mencionado prédio rústico, sem previamente lhe ter dado direito de preferência.
3. Regularmente citados, os Réus apresentaram contestação, na qual impugnaram os factos alegados pela Autora em sede de petição inicial, tendo arguido as seguintes excepções: os prédios rústicos da Autora constituem parte componente do seu prédio urbano e com o qual confina; o prédio alienado destina-se a outro fim que não cultura, designadamente à construção de habitação pelos 1.ºs Réus; a Autora não é a única confinante com o prédio alienado, cujo proprietário também goza de direito de preferência; a renúncia do direito de preferência por parte da Autora e finalmente o abuso de direito.
4. A autora procedeu ao depósito da quantia de € 8 464,00, nos termos do nº 1 do artigo 1410º do Código Civil.
5. Foi então proferido despacho que determinou a notificação das partes para se pronunciarem quanto à verificação do vício de cumulação ilegal de pedidos, na sequência do que as partes se pronunciaram, defendendo os réus a sua verificação e a autora o contrário.
Mas, para a hipótese de se entender ocorrer tal vício de coligação ilegal, declarou a autora pretender a apreciação dos pedidos relativos à acção de reivindicação, nos seguintes termos:
a. o reconhecimento da autora como proprietária dos prédios denominados Seara de 1e Seara de 2, sitos no Lugar de..., freguesia de ..., concelho de ..., inscritos sob os artigos 920º e 921º, e descritos na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº ...46;
b. a condenação dos réus a reconhecerem e a respeitarem como linha de demarcação do prédio da autora a fixada na planta junta com o documento nº 7;
c. a condenação dos réus a repor em o prédio da autora no estado em que se encontrava em 3 de Março de 2018, fixando-se-lhes um prazo de 30 dias para esse efeito, e impondo-se-lhes sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 150,00 por cada dia de atraso na entrega/reposição do prédio na situação anterior.
6. Foi proferido despacho saneador que, com fundamento no vício de cumulação ilegal de pedidos, absolveu os réus da instância quanto aos pedidos formulados sob as alíneas B) e C) na petição inicial, e determinou o prosseguimento dos autos apenas para apreciação dos pedidos de condenação dos réus no reconhecimento do direito de propriedade da autora sobre o imóvel, com a delimitação por esta defendida, e na reposição desse imóvel no estado anterior.
O valor da acção foi fixado em € 8 464,00.
7. Foi dispensada a indicação do objecto do processo e a enunciação dos temas da prova.
8. Interposto recurso da decisão de absolvição da instância [tramitado como apenso C], no Tribunal da Relação do Porto foi a mesma revogada [acórdão de 13 de Janeiro de 2020, referência nº ...65], determinando-se o prosseguimento dos autos também para apreciação dos pedidos formulados sob as alíneas B) e C) na petição inicial.
9. Apenas sucede que, tendo sido a esse recurso fixado efeito meramente devolutivo com subida em separado, o processo principal prosseguiu os seus termos, sendo a 29 de Abril de 2019 proferida sentença [referência nº ...69] que, quanto aos pedidos formulados nas alíneas A), D) e E) da petição inicial, julgou apenas procedente o pedido de reconhecimento do direito de propriedade da Autora sobre os prédios rústicos denominados Seara de 1 e Seara de 2, sitos no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscritos sob os artigos 920 e 921, e descritos na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ...46, absolvendo os Réus dos demais pedidos.
10. Desta sentença a autora interpôs recurso, que veio a ser julgado improcedente por acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 21 de Novembro de 2019 [referência nº ...99], ou seja, em data anterior à decisão definitiva relativamente à obrigatoriedade de apreciação no âmbito dos presentes autos dos pedidos formulados sob as alíneas B) e C) na petição inicial.
11. Na sequência, e por força do decidido no âmbito do apenso C, em primeira instância é a 07 de Setembro de 2020 proferida decisão [referência nº ...89] com o seguinte conteúdo: «Sem prejuízo da decisão já proferida quanto à apreciação do direito de propriedade da autora, os autos prosseguirão para apreciação do pedido de reconhecimento do direito de preferência da autora no negócio celebrado entre os réus. Tal não implicará o fracionamento dos autos, mas apenas o complemento do despacho saneador, designadamente no que tange à prova a produzir. Como tal, mantém-se o despacho proferido quanto à dispensa do objeto do litígio e temas da prova».
12. Relativamente a esta decisão a autora atravessou nos autos requerimento [apresentado em juízo a 24 de Setembro de 2020, referência nº...17], no qual conclui arguindo a respectiva nulidade, por obscuridade, e pediu esclarecimento quanto ao objecto do litígio.
13. Sobre este requerimento foi proferido despacho [datado de 20 de Novembro de 2020, referência nº ...80] que indeferiu a arguição de nulidade e esclareceu não haver lugar a «novo julgamento mas sim a reabertura da audiência para conhecer agora dos pedidos relacionados com o reconhecimento do direito de preferência».
14. Deste despacho a autora declarou pretender interpor recurso com subida imediata [tramitado como apenso D], que, com fundamento na inadmissibilidade de recurso autónomo sobre a questão, foi rejeitado por decisão do Tribunal da Relação do Porto [decisão singular proferida a 29 de Abril de 2021 (referência nº ...82), confirmada, em conferência, por acórdão de 13 de Maio de 2021 (referência nº ...46)].
15. Instruída a causa quanto aos pedidos formulados na petição inicial sob as alíneas B) e C) da petição inicial, realizou-se nova audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a acção improcedente na parte remanescente, absolvendo os réus dos referidos pedidos (“Pelo exposto, julgo a presente ação improcedente, por não provada e, em consequência, absolvo os Réus dos pedidos Custas pela Autora - cfr. artigo 527.º, n.º 1.º do Código de Processo Civil. Registe e notifique.”).
16. Na sentença em causa as questões a resolver, foram assim identificadas: saber se a Autora é titular do direito de preferência (apreciando se se verificam as excepções previstas no artigo 1381.º do Código Civil, bem como da renúncia tácita e abuso de direito) e, em caso afirmativo, apurar as suas consequências.
Essas questões reportavam-se assim aos pedidos formulados, cuja apreciação ainda não havia sido realizada e são:
b. o reconhecimento do direito de preferência da autora na aquisição do prédio rústico denominado Tapada de ..., sito no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito sob o artigo 942 e descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº ...78, transaccionado e a que aludem os artigos 4 e ss desta petição, substituindo-se aos 1ºs RR no ali referido contrato particular autenticado de compra e venda;
c. o cancelamento de todo e quaisquer registos que os réus BB e CC hajam feito a seu favor em consequência da compra do supra referido prédio;
17. Não satisfeita com a sentença, a A. apresentou recurso de apelação, para o Tribunal da Relação do Porto que, conhecendo do recurso, indicou como seu objecto:
A. A bondade jurídica do despacho proferido a 20 de Novembro de 2020 [referência nº ...80] – especificamente no âmbito do instituto do caso julgado;
B. A impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
C. O fundamento dos pedidos formulados pela autora:
a. quanto ao reconhecimento do direito de propriedade que invoca e à sua alegada violação;
b. quanto ao reconhecimento do direito de preferência de que se arroga titular
18. E decidiu:
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 3ª secção deste Tribunal da Relação do Porto em:
I. Julgar parcialmente procedente o recurso, determinando-se a modificação da decisão sobre a matéria de facto nos seguintes termos:
a. o ponto 20- da matéria de facto provada passa a constar do seguinte modo: «Os 1ºs Réus destinaram tal prédio à construção de uma habitação»;
b. elimina-se o ponto a) do elenco dos factos não provados;
II. Julga-se o recurso improcedente no remanescente, nesta parte confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo de recorrente e recorridos, na proporção de 9/10 para a primeira e 1/10 para os segundos – artigo 527º do Código de Processo Civil.”
19. Não se conformando com a decisão, a recorrente apresentou recurso de revista, que indica ser fundamentado pelo dispostos nos art.ºs 629º, nº2, alínea a), 671º, nº1 e 2, alínea a) e 674º do NCPC e ter como fundamento:
a) na violação de regras estruturantes do direito como a estabilidade da instância,
b) eofensadecaso julgado formado sobreela na decisão de13/01/2020 pelo acórdão da 5ª secção dessa Veneranda Relação do Porto.
Formula as seguintes conclusões (transcrição):
1ª Os tribunais existem para resolver litígios na vida das pessoas e não para os perpetuar.
2ª A presente ação teve início num litígio de confinância e tombamento entre dois prédios com uma providência cautelar para restituição de parte de um prédio rústico da Autora que tinha mudado de titularidade.
3ª A autora acabou a ter conhecimento das condições da venda e na acção principal acabou a cumular com o pedido de reconhecimento, restituição e reparação inerente à providência acabou a cumular a pretensão de preferência coligando na parte passiva os vendedores na preferência.
4ª A instância estabilizou-se com a citação dos Réus.
5ª Na fase de saneamento o tribunal decidiu pela ilegalidade da cumulação e dessa decisão a Autora inconformada interpôs recurso.
6ª Tudo o que nos autos, posteriormente ao douto despacho saneador, foi praticado e decidido, ficou dependente da correção da decisão proferida no despacho saneador, a verificar na decisão que viesse a ser proferida na apelação autónoma.
7ª a instância prosseguiu apenas para a questão da preferência, que a autora escolheu sob protesto, nunca desistindo nem expressa nem tacitamente do reconhecimento dos limites, restituição e reparação do dano na sua propriedade
8ª Em 13/1/2020 a Veneranda Relação concedeu provimento ao recurso interposto e revogou o douto despacho que tinha reduzido o seu objeto, consolidando com caso julgado, a finalidade e objeto do processo na fase da citação.
9ª Ao reconhecer a invalidade do fracionamento da instância o Tribunal superior impôs ao tribunal da 1ª instância e a todas as decisões posteriores no processo o dever de obediência e respeito pelo decidido e fixou definitivamente a cumulação dos pedidos, impondo a sua apreciação conjunta, como coisa julgada.
10ª Apesar da referida decisão transitada em julgado, a ação prosseguiu e foi decidida pelas instâncias inferiores apenas quanto ao pedido de preferência, sem qualquer apreciação do mérito do pedido de reconhecimento e restituição da propriedade.
11ª O douto Acórdão da Relação ora recorrido, ao confirmar a decisão da 1.ª Instância, manteve esta omissão de pronúncia relativamente ao primeiro pedido, verificando-se uma dupla conforme apenas quanto ao pedido de preferência, mas uma total ausência de apreciação quanto ao pedido de reconhecimento e restituição da propriedade.
12ª Os direitos reais operam erga omnis, os réus foram absolvidos e a propriedade a restituir até já mudou de titularidade, apesar do registo da acção.
13ª Uma nova instância complementar e separada não é já possível também face à dependência dos meios de prova.
14ª É manifesta a violação do princípio da estabilidade da instância (arts. 264.º e 578º CPC); do caso julgado implícito: A omissão dos pedidos na dupla conforme gerou uma falsa coisa julgada sobre questões não decididas, violando a segurança jurídica (art. 580º CPC).
15º Como violou inclusive normas e princípios constitucionais de relevo como o direito da propriedade privada e do acesso à Justiça (artº 29/5 da CRP). A recorrente foi privada do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, pois a decisão não resolveu o litígio original e deixa uma péssima imagem na segurança da Justiça que não respeitou a prioridade do trânsito em julgado.
16º Com assento e proteção supra nacional, mormente no artº 47 da Carta do Direitos Fundamentais da União Europeia.”
20. Não foram apresentadas contra-alegações.
21. O recurso foi assim admitido:
“Porque pelo fundamento invocado [ofensa do caso julgado] é sempre admissível recurso [alínea a) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil], porque a recorrente para tal possui legitimidade e está em tempo, e procedeu ao pagamento de taxa de justiça, admite-se o recurso interposto pela autora através do seu requerimento de 02 de Maio de 2025 [referência nº ...246].
O presente recurso ordinário é de revista, subirá imediatamente e nos próprios autos, e possui efeito meramente devolutivo.”
Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
II. Fundamentação
De facto
22. Factos provados nas instâncias:
1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...46 o prédio rústico denominado de Seara de 2 e Seara de 1, sito no lugar de ..., com a área total de 2.800m2, composto por terreno de cultura e a confrontar do norte com FF (herdeiros), do sul com GG, do nascente com FF e HH e poente com GG e HH, conforme teor do documento n.º 3 junto com a petição inicial.
2. Tal prédio mostra-se inscrito na matriz rústica sob os artigos 920 e 921, conforme teor dos documentos n.ºs 1 e 2 com a petição inicial.
3. A aquisição do prédio descrito em 1 mostra-se registada a favor da Autora, conforme teor do documento n.º 3 junto com a petição inicial.
4. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...78, o prédio rústico denominado de Tapada de ..., sito no lugar de ..., com a área total de 11.680m2, composto de terreno bravio, a confrontar do norte com ribeiro e Rua 1, do sul com Rua 2 e II, do nascente com JJ e Rua 1 e do poente com ribeiro e Rua3, conforme teor do documento n.º 5 junto com a petição inicial.
5. Tal prédio mostra-se inscrito na matriz rústica sob o artigo 942, conforme teor do documento n.º 4 com a petição inicial.
6. A aquisição por compra a favor dos Réus BB e CC encontra-se registada pela ap. 967 de 2018.01.16, conforme teor do documento n.º 5 junto com a petição inicial.
7. Os prédios rústicos descritos em 1 e 4 confinam entre si pelos ventos norte/sul.
8. O prédio descrito em 4 tem a área de 11.680 m2.
9. Por documento particular autenticado, denominado de compra e venda, o 2.º Réu declarou vender aos 1.ºs Réus que declararam comprar, entre outros, o prédio descrito em 4 dos factos provados, pelo preço global de €18.480,58 (dezoito mil, quatrocentos e oitenta euros e cinquenta e oito cêntimos), conforme teor do documento n.º 6 junto com a petição inicial.
10. Tendo sido atribuído ao prédio descrito em 4 o preço de €8.000 (oito mil euros), conforme teor do documento n.º 6 junto com a contestação.
11. A Autora depositou nos autos o preço de €8.000 (oito mil euros).
12. O Réu DD antes da venda referida em 8 dos factos provados não deu à Autora a possibilidade de preço por preço adquirir o identificado prédio.
13. Bem como não lhe comunicou o projeto da venda e as cláusulas do respetivo contrato.
14. Existe um prédio urbano composto por casa de dois pavimentos e anexos, sito na Rua 2, ..., ..., conforme teor do documento n.º 1 com a contestação.
15. Tal prédio veio ao património da Autora, assim como o descrito em 1, por sucessão de seus pais e partilha operada por escritura datada de 10.10.2017, conforme teor do documento n.º 2 com a contestação.
16. No prédio identificado em 14 existe um portão que se abre para a Rua 2 e a que está atribuído o número de policia 145 e por onde se acede ao referido prédio e deste prédio pode-se aceder ao prédio descrito em 1 dos factos provados.
17. Ultrapassado este portão, provenientes da Rua 2, temos à direita uns anexos, à esquerda a casa de habitação identificada em 14, em frente o prédio identificado em 1 dos factos provados e no lado poente deste um outro anexo.
18. O prédio identificado em 1 está em parte impermeabilizado com cimento, com um tanque que serve de piscina, e em parte está ajardinado, com relva, flores e árvores de fruto que se encontram plantadas essencialmente nas bordaduras do terreno.
19. O prédio descrito em 4 dos factos provados encontra-se inserido no PDM de ... em área de construção predominantemente habitacional do tipo C-4.
20. Os 1ºs Réus destinaram tal prédio à construção de uma habitação – (modificado pelo acórdão recorrido);
21. Cujo processo de licenciamento deu já entrada na Câmara Municipal de ... sob o n.º 93/2018.
22. Por documento datado de 7.8.2018 foi remetido ao Réu BB comunicação pela Câmara Municipal de ..., com o seguinte teor “Para os devidos efeitos, comunico a V. Exª que, por despacho do Vereador da Gestão Urbanística de 07.08.2018, foi aprovado o projeto de arquitetura, pelo que, nos termos (…), fica notificado que deverá, no prazo de 6 meses, apresentar os projetos de especialidades necessários à execução da obra.”
23. Encontrando-se atualmente suspenso em virtude dos presentes autos.
24. Em 3 de março de 2018, Autora e 1.ºs Réus subscreveram um documento particular denominado de Acordo de Delimitação de Estremas e Colocação de Marcos, conforme teor do documento n.º 7 junto com apetição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
25. Em 13.4.2018, a Autora instaurou contra os 1.ºs Réus pedido de ratificação de embargo extrajudicial de obra nova que correu termos por este juízo sob o n.º 1026/18.3..., o qual foi indeferido por sentença datada de 8.6.2018, conforme apenso A que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
26. A Autora instalou para seu lazer e alojamento no prédio descrito em 1 uma roulotte e fez enterrar um contentor que transformou em piscina.
27. Atualmente o prédio descrito em 1 dos factos provados confronta com a Travessa 3, por onde se pode aceder.
23. Factos não provados com interesse para a causa:
a. O prédio descrito em 1 têm a área total de 2.800m2 (eliminado pelo acórdão recorrido)
b. Os terrenos descritos em 1 e 4 são hortícolas;
c. O portão identificado em 16 dos factos provados é o único acesso ao prédio identificado em 1;
d. O prédio que se situa a poente do descrito em 1 dos factos provados é destinado a cultura florestar e pertence a JJ, com uma área inferior à de cultura;
e. O preço global fixado na venda referida em 9 dos factos provados só foi possível por terem sido vendidos em conjunto os aí identificados prédios;
f. As partes contratantes só atribuíram o valor de €8.000 (oito mil euros) ao prédio descrito em 4 por imposição legal;
g. A Autora já antes de 5.1.2018 que tem conhecimento do negócio identificado em 9 e dos seus elementos essenciais;
h. O prédio descrito em 14 dos factos provados encontra-se arrendado;
i. A intenção dos 1.ºs Réus em construir só surgiu quando tomaram conhecimento de que a Autora se propunha preferir e com o intuito de contornar a lei.
De Direito
24. O presente recurso veio admitido com fundamento em violação de caso julgado, em processo com valor fixado em 8.464,00 euros e sem alçada.
De acordo com o disposto no art.º 629.º, n.º2, al. a) do CPC:
1 - O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.
2 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:
a. Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado;”
Sendo este o fundamento de admissão do recurso – violação de caso julgado – o recurso só sobre essa questão se pode debruçar.
25. A questão da violação de caso julgado havia sido já suscitada no tribunal recorrido e aí mereceu a seguinte análise:
A. Aparentemente, nas conclusões 8ª a 17ª do seu recurso, a autora defende que a decisão proferida por este Tribunal da Relação do Porto no âmbito do apenso C impunha e impõe que a totalidade dos pedidos por si formulados na petição inicial devem ser conjuntamente apreciados, apreciação a ser feita neste momento – e isto não obstante expressamente reconhecer [conclusão 17ª] que as questões inicialmente suscitadas na petição inicial são materialmente distintas.
Obviamente de todo não lhe assiste razão.
Vejamos.
Assentamos, em primeiro lugar, como a autora aparentemente concorda, que absolutamente nenhuma relação material [seja de prejudicialidade, complementaridade, pressuposição, ou outra] existe entre, de um lado, os pedidos pela autora formulados na petição inicial sob as alíneas B) e C); de outro, os pedidos pela mesma formulados sob as alíneas D) e E) – e será evidente que saber se o direito de propriedade da autora sobre um determinado imóvel foi ou não violado por qualquer dos réus absolutamente nada tem que ver com saber se a autora é ou não titular do direito de preferência na venda de um imóvel totalmente diverso.
Tratando-se de uma mera cumulação de pedidos completamente autónomos e independentes entre si, nenhuma norma substantiva ou processual impõe que a sua apreciação seja feita no mesmo momento do processo - aliás, a alínea b) do nº 1 do artigo 595º do Código de Processo Civil expressamente se refere à possibilidade de apreciação fragmentada dos pedidos formulados pelo autor, conhecendo-se de parte no despacho saneador e do restante em momento posterior.
Afigura-se esta constituir evidência que nenhuma das elegantes [embora, com todo o devido respeito, notoriamente deslocadas e inconsequentes] elaborações jus-filosóficas da recorrente consegue sequer beliscar.
Não obstante, poderia dar-se o caso de este Tribunal da Relação do Porto, na decisão proferida no âmbito do apenso C, ter determinado a apreciação de todos os pedidos no mesmo momento processual.
Mas claramente não foi isso que sucedeu.
Basta ler o texto da decisão final proferida no âmbito do apenso C para linearmente constatar que, reconhecendo-se a legitimidade da cumulação de pedidos originariamente pretendida pela agora recorrente, aí apenas se determinou a prossecução do processo para apreciação também dos pedidos formulados sob as alíneas B) e C) – e não que todos os pedidos vertidos na petição inicial teriam de ser conhecidos e apreciados no mesmo momento processual.
Logo, se neste momento alguma decisão judicial há cuja definitividade se impõe, tratar-se-á da proferida por este Tribunal da Relação do Porto no âmbito destes autos a 21 de Novembro de 2019, na sequência do recurso interposto pela autora do decidido em primeira instância quanto aos pedidos de reconhecimento do direito de propriedade sobre determinado imóvel, de condenação dos réus a indemnizar danos pelos mesmos causados à propriedade da autora, e de condenação dos réus a respeitarem determinada linha de demarcação entre imóveis.
Tal decisão julgou procedente apenas o pedido de reconhecimento do direito de propriedade da autora sobre um imóvel com fundamento na presunção decorrente da inscrição a seu favor no registo predial – pelo que a sua força obrigatória [artigo 619º do Código de Processo Civil] impede que se reabra a análise das questões a que se referem os pedidos formulados na petição inicial sob as alíneas A), D) e E).
Nesta parte improcede o recurso.
26. A recorrente insiste na sua posição de haver sido decidido que a acção devia ter uma só decisão para todos os pedidos formulados – em cumulação de pedidos – decisão esta que teria sido adoptada e estaria transitada em julgado, não podendo ser violada por via da decisão agora recorrida do Tribunal da Relação.
27. Analisando.
No relatório supra já se procurou delimitar o caminho que permitisse compreender o problema suscitado, elencando os pedidos formulados pela Autora, com as alíneas A, B, C, D e E. Aí se indicou igualmente que os pedidos conhecidos pelo acórdão recorrido foram apenas os das alíneas B) e C), por os tribunais (1º instância e Relação) terem entendido que os demais estariam resolvidos, com trânsito em julgado, pela sentença de 29 de Abril de 2019, [referência nº ...69]. – em apenso C – que foi depois confirmada pelo TRP a 21 de Novembro de 2019.
A recorrente, por seu turno insiste que isto não pode ser assim porque o acórdão do TR de 2020-01-13, no apenso C, refª ...65 decidiu manter a instância nos termos originalmente formulados pela A., na sua PI, com a cumulação dos pedidos, dizendo:
«Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso interposto, consequentemente revogando a decisão recorrida e determinando a prossecução dos autos para apreciação dos pedidos formulados também sob as als. B) e C).» - cf Apenso C do TRP refª ...65.
Daqui extrai a AA. que os pedidos deviam ser todos analisados de uma só vez, e não por decisões autonomizadas.
No acórdão do TR de 13.1.2020 a questão analisada foi assim delimitada:
“Se é admissível a cumulação de pedido de reconhecimento e exercício do direito de preferência sobre um determinado imóvel, com o pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre um outro imóvel com o primeiro
confinante.”
E a decisão foi a seguinte:
“Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso interposto, consequentemente revogando a decisão recorrida e determinando a prossecução dos autos para apreciação dos pedidos formulados também sob as als. B) e C).”
Lendo a fundamentação do acórdão, concorda-se com o entendimento expresso pelo acórdão recorrido sobre o sentido que daí se extrai: sendo de prosseguir os autos para conhecer dos pedidos formulados sob as als B) e C), não se decidiu que os mesmos tivesse de ser apreciados numa única decisão judicial em simultâneo – “Basta ler o texto da decisão final proferida no âmbito do apenso C para linearmente constatar que, reconhecendo-se a legitimidade da cumulação de pedidos originariamente pretendida pela agora recorrente, aí apenas se determinou a prossecução do processo para apreciação também dos pedidos formulados sob as alíneas B) e C) – e não que todos os pedidos vertidos na petição inicial teriam de ser conhecidos e apreciados no mesmo momento processual.”
Não há assim qualquer violação do caso julgado formado por esta decisão, pelo que o presente recurso não procede.
III. Decisão
Pelos fundamentos indicados o recurso não é admissível, devendo improceder a pretensão de análise do decidido por ter sido violado o caso julgado formado pela decisão do TR de 13.1.2020.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 3 de Julho de 2025
Relatora: Fátima Gomes
1º adjunto: Rui Machado e Moura
2º adjunto: A.Barateiro Martins
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