I - O advogado constituído mandatário judicial para intentar uma acção de execução específica, que não efectuou o pagamento da taxa de justiça inicial, tendo recebido do cliente provisão para o efeito, o que levou à recusa da petição e arquivamento da acção, incorreu em falta profissional grave, sendo merecedor de censura deontológica;
II - A improcedência do pedido de indemnização por dano de perda de chance processual – por o autor não ter logrado provar que era consistente a séria a possibilidade de sucesso da acção - não se estende ao pedido de devolução das quantias que recebeu para pagamento do remanescente do preço (art. 830º, nº5, do CC) e para pagar o IMI, importâncias que o réu deve ser condenado a restituir ao autor por força do princípio do enriquecimento sem causa;
III – O contrato de seguro de responsabilidade civil dos advogados tem natureza obrigatória, sendo-lhe aplicável o Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo nº 72/2008 de 16.04, nomeadamente a norma imperativa do art. 101º, nº4, que prevalece sobe a cláusula contratual de exclusão de pré-conhecimento do sinistro, prevista na alínea a) do art. 3º das Condições Particulares da apólice, que exclui da cobertura do contrato de seguro as reclamações por qualquer facto ou circunstância conhecida do segurado, anteriormente à data de início do período seguro, e já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação.
IV – Estabelecendo o art. 2º, nº1, da apólice que “o contrato de seguro garante os prejuízos causados a terceiros no âmbito do exercício de advocacia”, uma vez que as quantias ilicitamente detidas foram recebidas no exercício da advocacia, o dano patrimonial sofrido pelo autor está coberto pela apólice.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
SIMIJESA, SL., intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA, BB e XL Insurance Company, SE peticionando que sejam:
a) Condenados os RR. AA e BBa pagar à A. o pedido de indemnização civil pelos danos patrimoniais sofridos, na quantia global de € 145.078,00 – correspondendo € 31.958,00 ao valor entregue para o pagamento do remanescente do preço do Apartamento, Impostos, taxa de justiça e honorários e € 113.120,00 correspondendo ao valor pago a título de sinal e princípio de pagamento do Apartamento que perdeu por não ter sido pedida e execução específica do contrato promessa de compra e venda, acrescida de juros legais a contar da data da citação até efetivo e integral pagamento;
b) Subsidiariamente, ser a 3.ª R. condenada a pagar à A. o pedido de indemnização civil na quantia global de € 145.078,00, acrescida de juros legais a contar da data da citação até efectivo e integral pagamento;
c) Caso assim não se entenda, deverão os RR. AA e BB serem condenados a pagar à A. todas as quantias supra peticionadas a título de enriquecimento sem causa, acrescida de juros legais a contar da data da citação até efectivo e integral pagamento.
Os RR foram citados e contestaram no sentido da improcedência da acção.
A Autora respondeu.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os RR dos pedidos.
Inconformada, a Autora interpôs recurso de revista per saltum, rematando a sua alegação recursiva com as seguintes conclusões:
A. A decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz de Direito do tribunal “a quo” julgou totalmente improcedente por não provada a acção intentada pela recorrente e, em consequência, absolveu os réus do pedido.
B. Discorda a recorrente da sentença proferida, por se revelar injusta e por entender não ter sido devidamente levada em conta toda a prova produzida ao longo do processo e em sede de audiência de discussão e julgamento.
C. Entende-se estar em causa, para a matéria de facto dada como assente, uma deficiente aplicação das normas substantivas e do processo, ou seja, artigo 67.º Estatuto da Ordem dos Advogados e artigos 1157.º a 1184.º do Código Civil.
D. Daí que, estando em causa, responsabilidade civil profissional de dois advogados no exercício de mandato que lhes foi conferido, torna-se agora necessário a averiguação pelo Supremo Tribunal de Justiça, isto porque se trata de questão juridicamente relevante para melhor aplicação do direito.
E. Atendendo à factualidade apurada, entendeu o meritíssimo Juiz a quo que entre a Recorrente e Réus foi celebrado um contrato de mandato atípico, denominado mandato forense, com poderes de representação que se regia pelo Estatuto da Ordem dos Advogados e, a título subsidiário, o regime do contrato de mandato civil.
F. Refere a sentença que dos autos não resulta qualquer erro profissional indesculpável dos recorridos, não tendo existido qualquer resultado hipotético definitivamente perdido pela recorrente,
G. Não pode a recorrente conforma-se com tal entendimento,
H. Perante a factualidade provada e não provada, a decisão do meritíssimo Juiz apenas poderia ter sido a de procedência total do pedido.
I. Mais menciona a sentença em crise que a recorrente mencionou de forma genérica as condutas dos réus que lhe causaram dano, o que se torna insuficiente para chamar a si os princípios da responsabilidade contratual por não cumprimento de obrigação, o que, salvo melhor entendimento, não corresponde ao espelhado durante o processo e na própria sentença em crise (nos factos dados como provados e não provados).
J. A recorrente logrou demonstrar e provar a falta de verificação do resultado pretendido, vem espelhado na matéria de facto provada na douta sentença.
K. Não tendo os réus, ao longo do processo, conseguido afastar a sua culpa, o que resultou nos factos provados e não provados
L. Ou seja, os advogados, ora recorridos, não cumpriram com as obrigações requeridas pelas leges artis.
M. Mais se diga, que quando os recorridos perceberam que a acção para execução especifica do contrato promessa de compra e venda não tinha entrado em juízo, deveriam ter procedido de imediato à devolução da entrega dos montantes que sabiam ser da recorrente,
N. Mais uma vez, também esta omissão é um acto ilícito e largamente censurável, não sendo compatível com a legis artis.
O. Estamos perante uma verdadeira perda de chance, relaciona-se com a circunstância de alguém poder ser afectado num seu direito de conseguir uma vantagem futura ou de impedir um dano, por facto de terceiro.
P. Primeiramente quando a sentença menciona que o crédito da recorrente deveria ter sido reclamado, reconhecido e pago no âmbito da acção de insolvência, este era uma função dos advogados da recorrente na altura dos factos, ora recorridos,
Q. O que nunca fizeram, o que levou a recorrente a perder o imóvel em questão, pois caso tivesse intervindo no processo de insolvência, o seu crédito seria sempre garantido, por força do direito de retenção que estava abrangida (pela traditio do imóvel).
R. Ocorre que, para além da consulta jurídica prestada à recorrente no dia 16 de Novembro de 2010 e a outorga de uma procuração forense a favor dos recorridos, estes não praticaram quaisquer actos jurídicos por conta da Recorrente, que justificasse fazerem suas a quantia global de €31.958,00 (trinta e um mil novecentos e cinquenta e oito euros) que a Recorrente pagou àqueles.
S. Pois que, o pagamento de tal quantia global, foi peticionado pelos recorridos à recorrente para pagamento de provisão de honorários, taxa de justiça inicial, remanescente do preço da fracção autónoma e Impostos, para que intentassem a Acção de execução específica, o que nunca veio a acontecer (rejeitada por falta de pagamento da taxa de justiça inicial).
T. Os recorridos não restituíram tais valores à recorrente, pese embora esta os tivesse, por diversas vezes, solicitado que o fizessem.
U. Verificando-se outrossim, um enriquecimento sem causa e injustificado dos recorridos em detrimento de um empobrecimento da recorrente.
V. Conclui-se que os recorridos devam ser condenados a pagar à recorrente o pedido de indemnização civil pelos danos patrimoniais sofridos, na quantia global de €145.078,00 (cento e quarenta e cinco mil e setenta e oito euros).
W. Ainda, o correspondendo €31.958,00 (valor entregue para o pagamento do remanescente do preço do Apartamento, Impostos, taxa de justiça e honorários) e €113.120,00 (cento e treze mil e cento e vinte euros) correspondendo ao valor pago a título de sinal e princípio de pagamento do Apartamento que perdeu por não ter sido pedida e execução específica do contrato promessa de compra e venda, acrescida de juros.
X. Pelo exposto, concluímos que os recorridos devem ser condenados no acima peticionado, não se conformando a ora recorrente com a douta sentença.
Contra alegou a Ré AA, com as seguintes conclusões:
A) (…).
B) A Recorrente, em vez de delimitar quais as especificas normas jurídicas violadas, limitando-se à inclusão de todo o Capítulo X do titulo II, do Código Civil e em sede de alegações de Direito, faz menção ao regime jurídico da responsabilidade civil e do cumprimento da obrigação (cfr. nº 54 e ss. das Alegações;
C. A Recorrente não versa sobre o sentido com que, no seu entender, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, sendo totalmente omisso; invocando apenas a Recorrente que em conformidade com o art. 1157º do Código Civil, o mandato é definido como o contrato pela qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais atos jurídicos por conta de outrem.
D. A Recorrente não invoca erro na determinação ou interpretação da norma aplicável, nem a norma jurídica que, no entendimento do Recorrente, devia ter sido aplicada, no que também é totalmente omisso
E. Na verdade, materialmente, a Recorrente reserva as suas alegações de recurso e respetivas conclusões à mera invocação de discordância da livre apreciação da prova que assiste ao julgador e consequente sucumbência dos factos provados, o que é manifestamente insuficiente ao fundamento do presente recurso.
F. Olvidando a Recorrente que “O juízo sobre aculpa com base na factualidade apurada implica sempre umjuízo de facto, ou sejaaculpa, quando é fundada na inobservância de deveres gerais de diligência, envolve sempre e só a matéria de facto” (Ac. STJ de 11.01.2000, Sumários, 37º-17). “Saber se os autores se apropriaram de certas quantias da sociedade constitui questão de facto, por respeitar a acontecimentos da vida real, que o STJ tem de acatar” (Ac. STJ, de 7.2.2002, Rev. n.º 4299/011-7.ª. Sumários, 2/2002).
G. Pelo que salvo o devido respeito pelo entendimento contrário, por não se verificarem os necessários requisitos de admissibilidade do recurso e ainda por incumprimento do ónus de alegação impugnatória que assiste à Recorrente, in casu, em termos tais, equivalente à total omissão de alegação, deverá ser rejeitada a admissão do recurso
H. Sem conceder o supra expendido, e acrescendo ao já exposto, ressalta ainda do alegado pela Recorrente que esta não se conforma com o juízo fáctico realizado pelo Tribunal de primeira instância, patenteando-se pela mera discordância quanto à valoração e culminação da prova provada, que objetivamente, não impugna, alegando que a matéria de facto dada como provada seria suficiente à fundamentação de decisão contrária.
I. Neste exercício, quer selecionando apenas parte da matéria de facto provada, quer acrescentando inovatórias causas de pedir, quer valorizando presunções judiciais que não foram aplicadas, a Recorrente fixa, em suma, como thema decidendum: i) do prejuízo da demanda genérica e indiscriminada que fez relativamente à conduta dos RR.; Ii) da alegada omissão ilícita da ação de execução especifica do contrato-promessa - a “ Perda de Chance” e iii) da nulidade por omissão de pronúncia -o “Enriquecimento sem causa”. Vejamos então cada um destes temas
J. De facto, é constante ao longo de todo o processado e, estranhamente, mantido em instâncias de recurso, a alegação da Recorrente, que a responsabilidade é comum e solidária a ambos os RR., muita embora se alegue e até se demonstre – em e fim, se alerte - que foi distinta a conduta e intervenção dos RR, tendo sido provado como decorre, em suma, da própria motivação da decisão de facto (págs. 17 e 18 da Sentença recorrida) que:
K. “Em primeiro lugar, importa ter presente que a inscrição da R.AA como advogada apenas ocorreu em 12.07.2013, pelo que até aí apenas er advogada estagiária, sujeita às limitações inerentes a essa qualidade”, estando-lhe face à lei (Estatutos da Ordem dos Advogados aplicável – art. 189º da Lei 15/2005, de 26/01) vedada a prática do alegado patrocínio em data anteriore em concreto a instauração da referida ação de execução especifica ou outra equivalente, pelo que ir ao encontro do alega a Recorrente, não só não se configura como omissão ilícita, como em contrário, seria em si mesmo, uma violação da Lei
L. “Em segundo lugar, importa reter que todas as comunicações juntas e relativas aos anos de 2010 a 2013 são apenas dirigidas ao R. BB, ou por ele emitidas (vd. e-mails de fls. 18v a 23)”.
M. “Em terceiro lugar, as transferências efetuadas em 2010, têm todas como beneficiário o R. BB”, sendo assim indevida qualquer alegação de enriquecimento sem causa por parte da 1ª Ré.
N. “Em quarto lugar, as comunicações dirigidas à R. AA apenas ocorrem a partir de 2017”.
O. “Do acima exposto resulta claro que numa primeira fase, até 2014, não foi feita prova bastante da intervenção da R. AA…”
P. Não procedendo, portanto, o eventual e alegado incumprimento de prazo para a propositura da acção – como pretende a Recorrente -, que a admitir-se integrar o contrato de mandato sub judice – o que não se consente -não seria claramente aplicável à 1ª Ré.
Q. Face ao exposto, bem andou a Sentença recorrida quando alertou e censurou o ataque genérico e indiscriminado do petitório da A./Recorrente no que diz respeito à conduta dos RR., pois que assim, talvez pela dispersão e confusão, acabou por inviabilizar, até por falta de alegação e demonstração, que se encontram reunidos os necessários pressupostos da responsabilidade contratual por não cumprimento da obrigação, incluído a prova (prova de incumprimento ou cumprimento defeituoso) que faria decorrer aos Recorridos o ónus de demonstrar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procedeu de culpa sua.
R. Por outro lado, e no que diz respeito à ilicitude da conduta da Ré (sempre RR. para a Recorrente) e alegada “perda de chance”, também não assiste razão à Recorrente, estando a douta decisão do Tribunal a quo, devidamente fundamentada de facto e de Direito, pois:
S. Por um lado, não se pode ter como ilícito o não pagamento da taxa de justiça devida pela instauração desta ação, pois que esta omissão tem plena cobertura no disposto no art.103º dos Estatutos da Ordem dos Advogados, onde se pode ler que: “O advogado apenas pode ser responsabilizado pelo pagamento de despesas ou quaisquer outros encargos que tenham sido provisionados para tal efeito pelo cliente e não é obrigado a dispor das provisões que tenha recebido para honorários, desde que a afetação destas aos honorários seja do conhecimento do cliente”.
T. A este respeito, bem sabe a A./Recorrente (pois é própria que o alega) que foi dado como provado que o mandato de 2010 foi constituído para vários assuntos (cfr. o facto 2 da matéria de facto provada), onde foram despendidas taxas de justiça (Doc. 3 junto à Contestação) e que apenas se provisionou, com indicação especifica de afetação, a quantia de “€ 1.224,00 a título de taxa de justiça” (cfr. os factos 15 a 18 da matéria de facto provada) não podendo, pois, se ignorar o disposto no art. 103º dos Estatutos da Ordem dos Advogados, nem qualificar a dita omissão como ilícita, porque enquadrada no referido normativo legal.
U. Assim, se em 2014, aquele valor se teria como esgotado, não se tem, nem se pode ter como ilícito o facto do advogado não ter disposto de outras provisões que tenha recebido, em conformidade com o disposto no art. 103º dos Estatutos da Ordem dos Advogados.
V. Em qualquer caso, não se tendo, alegado, demonstrado ou tido como provado que o 2º Réu partilhou aquelas quantias com a 1ª Ré ou que esta de qualquer forma, delas tenha usufruído, quanto à 1º Ré, NUNCA poderá recair este juízo censura e ilicitude, não procedendo a imputação e responsabilização genérica e conjunta aos dois RR, como faz a Recorrente.
W. Por outro, a Recorrente não alegou, nem tão-pouco demonstrou que aquela ação seria procedente, o que implicaria alegar e demonstrar que todos os respectivo pressupostos de viabilidade dessa ação estariam previstos e respeitados; não se tendo como manifestamente suficiente, como postula a nossa Jurisprudência (e citada, com destaque pela Recorrente), invocar a mera omissão ou a mera oportunidade de agir, devendo ser alegado e demonstrado que a omissão é grave e a oportunidade séria, real e credível, o que não sucedeu!
X. De facto, a omissão do pagamento da taxa de justiça da ação de 2014 – que é o facto ilícito que é imputado aos RR. pela Recorrente na petição inicial -, não implicou a preterição de qualquer direito da Recorrente, nem existe quanto a esta omissão qualquer nexo de causalidade adequado relacionado com os danos que invocou a Recorrente, não se tendo em virtude do sucedido, consolidado qualquer perda de oportunidade de agir em juízo, como conclui a Recorrente.
Y. Sendo que o não cumprimento do benefício concedido ao autor ao abrigo do art. 560º do CPC, não implicou a prescrição ou caducidade do direito da Recorrente, nem decurso de qualquer prazo processual ou substantivo nesse sentido (cfr. o art. 309º do Código Civil).
Z. Diferente será se se aquilatar se aquela ação fosse instaurada e deferida em data anterior ao registo de penhora de 2012 demonstrada nos autos, em concreto a mencionada no facto 51) dado como provado: “Desde 2012, a fração autónoma objecto do contrato promessa celebrado pela A. encontrava-se penhorada pela Autoridade Tributária no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...............20 e aps, por dívidas fiscais de IRC, IVA e IMI, que ascendiam a € 373.475,28, existindo ainda outros credores conhecidos e encontrando-se agendada a venda da mesma para o dia 16.06.2014”. Algo que a Recorrente, na verdade, apenas alega, “aperfeiçoadamente” em instâncias de recurso e ainda e sempre, numa imputação genérica e indiscriminada contra ambos os RR.
AA. Mas ainda assim, será de improceder, pois a essa data (2012) como ficou demonstrado, a 1ª Ré, não teve, nem podia ter qualquer intervenção no mandato, como resulta doutamente contextualizado na Sentença recorrida (págs. 17 e 18 da Sentença recorrida).
BB. Por fim, como bem se refere na douta Sentença recorrida, não foi demonstrado que no âmbito do mandato, foi contratado um prazo específico para a propositura da ação: “Acontece que os autos não indicam que, entre A. e os RR., foi acordado um prazo para a propositura da acção em causa” (cfr. a pág. 22 da dota Sentença recorrida), existindo antes a tranquilidade derivante do facto da Recorrente manter até 2017 a posse da fração, permitindo-lhe tranquilamente (sem urgência ou premência) usufruir da mesma como proprietária (ou antes o sócio gerente) fosse.
CC. Sendo que, salvo o devido respeito pela opinião contrária, não se tratando num prazo material ou processual, o advogado médio, não teria como saber – a menos que o Cliente indicasse ou solicitasse essa investigação - que existiam outras dívidas da promitente vendedora, nem tinha como antever que em 2012 seria registada a penhora em benefício da Autoridade Tributária, por dividas, com privilégios creditórios, de valor avultadíssimo, que justifica-se especial cautela no prazo adequado à demanda: tratam-se claramente de eventos de risco e que estão fora do normal âmbito do domínio de facto do advogado médio.
DD. Da mesma forma, difícil será conceder que os advogados têm a obrigação de antever o risco da promitente-vendedora ser declarada insolvente e aí intervir sem ser expressamente mandatado pelo Cliente, em especial, porque existem centenas de circunstâncias que poderiam levar o Cliente a não querer intervier nessa ação.
EE. O que é facto e está provado é que a A./Recorrente, que mantinha a posse da fração e quando teve conhecimento da insolvência da E..., Lda (cfr. factos 63 a 65 d matéria de facto provada e não impugnada pela Recorrente), nada fez, não tendo alegado, nem demonstrado que encomendou a intervenção nessa ação aos ora RR., nem tendo contratado outros advogados para o efeito (como os atuais advogados da Recorrente), responsabilidade e ónus que, salvo o devido respeito, lhe assiste.
FF. No mais, e sem conceder, sempre caberia à Recorrente demonstrar, o que não fez, que a essa data anterior e oportuna, a dita ação de execução especifica seria procedente e em tempo de impedir aquela penhora e prioridade do correspondente registo e privilégios creditórios inerentes à divida fiscal em causa (cfr. pág. 24 da douta Sentença recorrida).
GG. E por fim, por mais que a Recorrente tente ignorar, aoportunidade de juízo eo direito da A./Recorrente, e em concreto, o alegado direito de retenção da Autora foi, efetivamente, demandado em ação alternativa instaurada pela 1ª Ré e consequentemente verificado e sindicado por Sentença judicial (cfr. a Sentença de fls110v a 114 dos autos), onde foi, contrariada a tese da Recorrente (cfr. pag. 6 dessa Sentença) e julgado improcedente este alegado direito da A./Recorrente.
HH. Deste modo, bem andou a douta Sentença recorrida quando refere que “No caso dos autos, nenhum dos actos imputados aos RR. levou ao resultado que a A. considera danoso. Com efeito e considerando tudo o acima exposto, tudo leva a concluir pela forte probabilidade que a A. nunca obteria ganho na acção,mesmo que os RR. tivessem feito tudo o que a A. lhes imputa como falha. Não vinga, pois, a tese da A.” (cfr. págs. 26 e 27 da douta Sentença recorrida).
II. Com o qual não se conforma, pois, a Recorrente, mas, salvo o devido respeito que é muito, tudo se resume uma mera discordância, discordância esta sem fundamento bastante para abalar a credibilidade e sapiência do julgador de primeira instância que, em primeira linha observa os meios de prova produzidos, sendo quem ouve, vê e sente os depoimentos prestados, e que, atento o princípio do imediatismo avalia e julga a prova produzida, aplicando o Direito e concretizando-o, face aos resultados da mesma.
JJ. Decisão esta suportada até pela jurisprudência citada na Recorrente nas suas alegações, pois que devidamente analisada, esta não abona a favor da tese da Recorrente, mas sim da Recorrida, na medida em que in casu, não existe, nem foi alegada, demonstrada e provada a probabilidade séria, real, e credível de procedência da ação, quer fosse paga a taxa de justiça em crise, quer fosse a referida ação intentada em prazo certo, considerando até que foi efetivamente intentado alternativo procedimento jurídico, onde foi apreciado o direito da A./Recorrente (direito de retenção), pelo que não podemos concluir que se cumpriu o ónus probatório da Recorrente e que se demonstrou que a conduta da 1ª Ré, se constituiu como condition sine qua non e de per se da frustração do direito da A/Recorrente.
KK. Isto porque é patente que a responsabilidade do advogado não deriva do singelo incumprimentos dos deveres legais e deontológicos que se encontra adstrito pelo contrato de mandato, estando antes balizado a situações que se encontrem fora do exercício do seu múnus e às atuações graves e culposas, quase sempre omissivas, como as indicadas na jurisprudência citada pela Recorrente, “como sejam injustificadas faltas de contestação, de não interposição de recurso contra a vontade do mandante, de não interposição de ação antesdo decurso do prazo de caducidade, de não apresentação do requerimento probatório”, tudo situações muito distintas da situação jub judice, em especial quando referenciadas à atuação da 1º Ré AA, como aliás, doutamente se refere na Sentença recorrida (cfr. págs. 24 a 26).
LL. Por último, a Recorrente encerra as suas alegações, invocando inconstitucionalidade e preterição de decisão justa e de processo equitativo, por omissão de pronúncia ao pedido subsidiário de condenação dos RR. ao pagamento de todas as quantias peticionadas a título de enriquecimento sem causa.
MM. Ora, a este respeito, antes de mais, importa frisar que resulta da matéria de facto dada como provada, matéria esta que não foi impugnada pela Recorrente, que a 1ª Ré não recebeu qualquer quantia da Recorrente -“Em terceiro lugar, as transferências efetuadas em 2010, têm todas como beneficiário o R. BB” (cfr. página. 18 da Sentença recorrida e os factos 15 a 19 da matéria de facto provada e comprovativos de transferência a fls. 106v dos autos), pelo que, pelo menos quanto à 1º Ré, não pode este pedido proceder.
NN. No entanto e em qualquer caso, consabido é a “Nulidade de sentença/acórdão, por omissão de pronúncia, só ocorre quando o julgador deixe de resolver questões que tenham sido submetidas à sua apreciação pelas partes, a não ser que esse conhecimento fique prejudicado pela solução a outras questões antes apreciada”- Acórdão do STJ de 11.10.2022, P. nº 602/15.0T8AGH.L1-A.S1, www. dgsi.pt.
OO. Na verdade, porque o Tribunal a quo entendeu que o instituto aplicável era o da responsabilidade civil, tem-se por prejudicada a análise do instituto de enriquecimento sem causa, que sempre dependeria de alegação e demonstração que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado (cfr. o art. 474º Código Civil).
PP. Mas no caso concreto, o se revelou foi o contrário, que por via do instituto da responsabilidade civil – solução jurídica adequada ao caso, se consolidou o disposto no art. 474º do CC, negando o direito à restituição que reivindica a Recorrente, que nos termos do petitório é igual para ambos (€ 145.078,00 = € 31.958,00 + € 113.120,00).
QQ. Em todo o caso, sempre se dirá que, no caso concreto, não se verificam os cumulativos pressupostos do enriquecimento sem causa (cfr. os arts. 473º e 474º do CC), pois que ficou provado (cfr. os factos 6, 7, 15 a 18 e 25 da matéria de facto provada) que, os € 113.120,00 foram entregues à promitente vendedora a título de sinal e princípio de pagamento e o demais peticionado, foi entregue ao 2º Réu,a título de provisão de honorários e despesas, sendo assim a contraprestação devida ao contrato de mandato, que como se sabe, se presume oneroso (cfr. o art. 1154º do CC).
RR. Sendo que a lei prevê outros mecanismos alternativos e até mais adequados a prover pela restituição/indeminização relacionada com estes valores caso se revelem indevidos, designadamente a prestação de contas do mandato (art. 1161º, alíneas d. e e.do Código Civil e o art. 2º e ss. do Regulamento dos Laudos de Honorários, aprovado pelo Regulamento n.º 40/2005) ou, o instituto da responsabilidade civil, como bem se decidiu na douta Sentença recorrida (cfr. o art. .474º do Código Civil).
SS. Razão pela qual, deverá improceder este recurso, devendo, por que douta, ser mantida a Sentença recorrida.
///
A Ré XL INSURANCE COMPANY SE, SUCURSAL EN ESPAÑA, também contra alegou, e, por mera cautela de patrocínio e a título meramente subsidiário, a ampliação do âmbito do recurso, tudo nos termos previstos nos artigos 636.º, n.º 1 e 638.º, n.º 5 do CPC, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Aquando da celebração do contrato de seguro em apreço, foi pelas partes definido um universo de segurados – advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados à data de início de vigênciada apólice ES..........18A (01.01.2019) – com base no qual a Seguradora Recorrida avaliou o concreto risco a assumir em contrapartida do prémio de seguro a suportar pelo tomador – in casu, pela Ordem dos Advogados.
2. Passando assim os segurados, a partir do referido início do período de vigência, a beneficiar das coberturas e garantias contratuais previstas na apólice ES..........18A, sem necessidade de qualquer adesão,
3. Pressupondo, contudo, o acesso e acionamento das referidas garantias contratuais, a efetiva qualidade de segurado (do advogado) no momento do início do “período de seguro” e/ou “períodode cobertura” –incasu, às00horasdodia01dejaneiro de2019.
4. A apóliceES...........8A prevêefetivamente apossibilidade deestender a cobertura dos riscos e/ou garantias aos advogados após suspensão e/ou cancelamento da inscrição, desde que, à data de início do período de cobertura e/ou período de seguro, o advogado em causa assuma a qualidade de segurado, ou seja, de advogado com inscrição em vigor na Ordem dos Advogado.
5. Conforme resulta do facto assente 34) O R. BB, titular da cédula profissional n.º 17970L, encontra-se com a sua inscrição suspensa junto da Ordem dos Advogados, a pedido, desde 30.12.2015,
6. Ou seja, pelo menos 3 anos antes da celebração e entrada em vigor deste contrato de seguro titulado pela apólice ES..........18A (garantida pela Recorrida),
7. Razão pela qual, nunca poderia integrar o universo de pessoas seguras/segurados, beneficiários da apólice n.º ES..........18A (porvia da manutenção da sua inscrição em vigor na OA), aquando da contratação de tal apólice de seguro pela Ordem dos Advogados.
8. De modo que, não assumindo a qualidade de segurado (advogado com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados), à data de início do “período de seguro” e/ou do “período de cobertura” da apólice ES..........18A,
9. Nunca poderá a ora Recorrida XL INSURANCE COMPANY, SE, ser responsável pelo pagamento de qualquer quantia peticionada nos presentes autos pela A. decorrente da eventual responsabilidade civil profissional daquele Recorrido, BB
10. Não tendo o advogado, Dr.BB, à data de início do período de seguro(01.01.2018), inscrição em vigor na Ordem dos Advogados (tomador de seguro da apólice n.ºES..........18A),nãopoderá o mesmo ser considerado “segurado”, para efeitos de acionamento das coberturas e/ou garantias previstas na apólice ES..........18A,
11. Dado que o contrato de seguro aqui em apreço constitui contrato novo, tendo o contrato de seguro, existente à data da suspensão ou cancelamento da inscrição, deixado de vigorar.
É que:
12. Em 2015, a Ordem dos Advogados havia celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional junto de outra entidade seguradora – que não a ora Recorrida.
13. Contrato deseguro,esse, que foi renovado para osperíodos deseguro seguintes de2016 e 2017, deixando de vigorar em 31.12.2017.
14. O contrato de seguro de responsabilidade civil profissional existente ao tempo do cancelamento ou suspensão da inscrição do Recorrido, Dr. BB, deixou, assim, de vigorar.
15. Por seu turno, em 01.01.2018 a ora Contestante e Seguradora celebrou junto da Ordem dos Advogados um novo contrato de seguro de responsabilidade civil,
16. Tendo negociado, pela primeira vez, o clausulado e as condições particulares, gerais e especiais em apreço, que se consubstanciaram na apólice de seguro ............18A.
17. E que entrou em vigor, apenas, em 01.01.2018,
18. Pelo que passou a ora Recorrida a garantir a responsabilidade civil profissional de advogado, através de novo contrato de seguro, com seguradores distintos, novo universo de segurados, novas clausulas e condições contratuais
19. Assim, a inscrição do Recorrido, Dr. BB, enquanto advogado, foi cancelada ou suspensa em data anterior à vigência ou início deste novo contrato de seguro, pelo que o mesmo não integra o universo de segurados do, agora, novo contrato de seguro titulado pela apólice ............18A e celebrado com a ora Recorrida seguradora.
20. Neste conspecto, a aqui Recorrida jamais poderia ser condenada nos pedidos contra si formulados, por absoluta e inequívoca falta de cobertura subjetiva da apólice de seguro n.º ............18A, por si garantida.
Por outro lado,
21. A. A Recorrente alega que os RR. se terão locupletado com o montante de € 31.958,00, queaquelaentregou atítulodepagamentodoremanescentedopreço doapartamento prometido comprar, impostos, taxa de justiça, despesas e honorários
22. Ora, esta conduta particular constitui um eventual enriquecimento sem causa, ou, em última instância, ilícito criminal, não se enquadrando nas coberturas e garantias deste contrato de seguro titulado pela Recorrente Seguradora.
23. A XL INSURANCE COMPANY SE, Sucursal en España segura, através do contrato de seguro celebrado com a Ordem dos Advogados, “A Responsabilidade Civil Profissional decorrente do exercício da advocacia com um limite de 150.000,00 € por sinistro (…)”
24. Nos presentes autos parte da causa de pedir – falta de devolução de quantias – decorre do contrato de prestação de serviços propriamente dito (no caso de honorários e provisões pagas) ou da qualidade de fiéis depositários (no caso do pagamento do remanescente do preço do imóvel e encargos) e não da atuação dos RR. no exercício da advocacia.
25. Esta conduta de “locupletamento” e os danos respetivos não decorrem, pois, de qualquer facto ilícito ocorrido no âmbito do exercício do mandato forense, que constitui ato próprio de advogado, nos termos do n.º 5 do artigo 1.º da Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto.
26. E é, por isso, independente da qualidade de Advogados dos RR., em particular do R. Advogado Dr. BB, e da sua atuação no âmbito do mandato conferido, i. é para propositura da ação para execução específica do contrato promessa de compra e venda.
27. Atente-se que os danos decorrentes de uma e outra conduta sãoem si mesmos distintos.
28. Se por um lado se pretende a devolução dos montantes locupletados (€ 31.958,00), por outro pretende-se indemnização decorrente do montante pago a título de sinal e princípio de pagamento que a A. pagou aopromitente vendedor e que terá perdido, dada a rejeição da ação de execução específica do contrato promessa de compra e venda (€113.120,00).
29. Nesta senda, a atuação decorrente do exercício de advocacia dos RR. (a propositura daquela ação sem pagamento da taxa de justiça inicial) só determinou, no entender da A., aquele último dano que contabiliza em € 113.120,00.
30. Pelo que, parte do pedido e causa de pedir não assentam na responsabilidade civil profissional dos RR. garantida pelo presente contrato de seguro.
31. Por outro lado, a própria A. refere-se ao instituto do enriquecimento sem causa.
32. Ou seja, a aqui Recorrida sempre terá que ser julgada parte ilegítima face àquela parte do pedido e causa de pedir, atendendo que parte da atuação ilícita imputada aos RR. não decorre da sua qualidade de advogados ou da sua atuação no âmbito do exercício da advocacia.
33. A legitimidade substantiva ora arguida constitui exceção perentória inominada, que sempre determinaria, em última instância a absolvição da ora Recorrida quanto a parte do pedido – o que desde já se requer ao abrigo do disposto no artigo 576.º, n.º 3 do CPC.
Sem conceder,
34. Nos termos previstos na alínea a) do artigo 3.º das Condições Especiais do contrato de seguro em apreço “Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação.”
35. De facto, a apólice de seguro de Responsabilidade Civil profissional dos advogados contratada com a Recorrida, caracteriza-se pela natureza de apólice “claims made”, correspondendo a data do sinistro à data da primeira reclamação,
36. Desde que os factos ou circunstâncias passíveis de gerar a responsabilização civil do segurado, não sejam pelo mesmo conhecidas (pré-conhecidas) em data anterior à data de início do período seguro (alínea a) do artigo 3.º das Condições Especiais da apólice).
37. Efetivamente, o que releva para efeitos de aplicação da referida cláusula de delimitação de cobertura, é o facto e/ou circunstância que, sendo razoavelmente conhecido do segurado à data de início do período seguro, possa, razoavelmente, vir a gerar uma reclamação.
38. Com efeito, e conforme prevê o artigo 42.º, n.º 2 da Lei do Contrato de Seguro (D.L. n.º 72/2008 de 16 de abril), sob a epígrafe “Cobertura do Risco”, as partes podem convencionar que a cobertura abranja riscos anteriores à data da celebração do contrato, sem prejuízo do disposto no artigo 44.º,
39. Prevendo, contudo, expressamente, o aludido artigo 44.º, n.º 4 da Lei do Contrato de Seguro (D.L. n.º 72/2008 de 16 deabril), que “O segurador nãocobre sinistros anteriores à data da celebração do contrato quando o tomador do seguro ou o segurado deles tivesse conhecimento nessa data” (negrito e sublinhado nossos).
40. De facto, a referida cláusula contratual, pese embora se encontre inserida num capítulo da apólice de seguro dedicado às Exclusões, assume a natureza de disposição delimitadora do objeto da apólice,
41. Nomeadamente, por ser clarificadora da disposição de retroatividade temporal, limitando-se o seu âmbito de cobertura aos factos geradores de responsabilidade civil que sejam (ou cujas consequências sejam) ainda desconhecidos pelo segurado aquando da entrada em vigor da apólice de seguro/início do período seguro.
42. Assim prevendo de facto a retroatividade ilimitada quanto à data de ocorrência dos factos, encontra-se, contudo, a abrangência (ou não abrangência) de tais factos nas coberturas contratuais, delimitada pela data da tomada de consciência, pelo segurado, da possibilidade/razoabilidade de tais factos poderem conduzir à sua responsabilização civil.
43. Sendo que, o que releva para efeitos de delimitação da cobertura da apólice/aplicação da referida “Exclusão de pré-conhecimento” é o conhecimento dos factos passíveis de gerar uma reclamação e/ou a responsabilização civil do segurado, e não, a ocorrência de uma efetiva e concreta reclamação.
44. Por outro lado, e como se tem por inequívoco, não poderá a exclusão em causa ser reconduzida a um incumprimento de uma obrigação (quer por parte do segurado, quer pelo tomador de seguro), quando o facto consubstanciador da exclusão é prévio à própria fonte das obrigações assumidas pelas partes, in casu, à própria celebração do contrato de seguro.
45. Sendo, assim, absolutamente irrelevante para a sua aplicação e verificação, a pretensa natureza obrigatória do contrato de seguro.
46. Com efeito, e no que concerne à matéria relativa à participação do sinistro, é a mesma regulada na Lei do Contrato de Seguro (D.L. n.º 72/2008 de 16 de abril) – arts. 100.º e 101.º.
47. Ora, de facto, das disposições legais supra indicadas, resulta limitar-se o seu âmbito de aplicação ao incumprimento da obrigação, a cargo do segurado, de participação de sinistro na vigência do contrato de seguro.
48. Âmbito esse que, como se tem por manifesto, não engloba a exclusão prevista na alínea a) do artigo 3.º das condições da apólice de reforço, a qual regula os “sinistros” conhecidos pelo Segurado em data anterior ao início do período seguro, não impondo ao segurado (como, em face do seu objeto, não poderia impor), qualquer ónus de participação do sinistro.
49. Na verdade, a exclusão do sinistro da cobertura da apólice, nos termos previstos na alínea a) do artigo 3.º das condições especiais do contrato de seguro, não resulta de qualquer relação e/ou incumprimento por parte do segurado, de deveres contratualmente estabelecidos, nomeadamente, da participação do sinistro.
50. De facto, a evidência do distinto âmbito de aplicação das disposições em apreço, resulta, desde logo, da constatação de que, mesmo que os factos e circunstâncias conhecidos do segurado e que já tivessem ou pudessem vir a gerar reclamação, fossem comunicados à seguradora na data do início do período seguro, o sinistro em causa encontrar-se-ia sempre excluído da cobertura da apólice de reforço, porque pré-conhecido.
51. Não sendo aplicável à “exclusão”/delimitação de cobertura temporal prevista na alínea a) do artigo 3.º das Condições Particulares da apólice, o previsto no n.º 4 do artigo 101.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, bem como atendendo à inoponibilidade do incumprimento das obrigações assumidas pelas partes, ao terceiro, sempre será irrelevante (salvo o devido respeito por melhor e douto entendimento em contrário), para a sua aplicação, a natureza obrigatória (e/ou facultativa) do contrato de seguro em apreço.
52. À data de início do período de seguro do contrato celebrado com ora Ré (01.01.2018), o R. Advogado, Dr. BB, e a R. Advogada, Dra. AA, já teriam conhecimento dos factos que, potencialmente, poderiam vir a gerar a sua responsabilização civil no âmbito do patrocínio forense posto em crise nos autos pela aqui A..
53. Em última instância, os RR. não podiam desconhecer e/ou desconsiderar, pelo menos desde 2014, a existência de risco de imputação de responsabilidade civil decorrente daquela mesma conduta.
54. Do mesmo modo, a entender-se que o(s) Réu(s) Recorrido(s) se locupletou(aram) com montantes pertença da A. e que tal atuação constitui atuação decorrente do exercício de advocacia, o que não se concebe ou aceita e apenas por dever de patrocínio se invoca, o(s) mesmo(s) Réu(s) não podia(m) desconhecer e/ou desconsiderar o risco de tal conduta ter implicações ao nível da responsabilidade civil.
55. Ora, tais factos ocorreram, inequivocamente, em data anterior a 01.01.2018 (data de início do contrato de seguro de reforço celebrado com a Seguradora contestante),
56. E foram conhecidos e consciencializados pelos RR. Advogados em momento anterior ao momento em que foi contratado seguro de responsabilidade civil junto da ora R. Seguradora (01.01.2018),
57. Assim, encontra-se o alegado sinistro excluído das coberturas e garantias previstas na apólice de seguro de reforço garantida pela Ré XL INSURANCE COMPANY SE, nos termos expressamente previstos no artigo 3.º, alínea a) das Condições Especiais da apólice de seguro.
Ainda sem conceder,
58. Os RR. Advogados exerciam a sua atividade ao abrigo da sociedade C..., R.L..
59. A eventual responsabilidade civil que possa ser imputada aos RR. Advogados apenas poderá ser assacada à Companhia de Seguros que garantia a responsabilidade civil da Sociedade de Advogados ao tempo dos supostos factos ilícitos, no âmbito da qual foi conferido o mandato e ao abrigo da qual atuaram os RR..
60. Inexistindo evidência da insuficiência do contrato de seguro celebrado pela sociedade em apreço, sempre terá de responder a Seguradora que se venha a apurar ter segurado o risco inerente à atividade desenvolvida pelaC..., R.L.
61. Na eventualidade de procedência do recurso interposto e, bem assim, de procedência da pretensão indemnizatóriada A. (o que nãoseadmite, mas apenas seequacionapor mera cautela de patrocínio), só a Seguradora da C..., R.L, Sociedade de Advogados, RL poderá vir a responder perante a A., em virtude da transferência de responsabilidade.
Caso assim não se entenda e à cautela:
62. Dispõe o artigo 3.º, alínea s) das Condições Especiais da apólice de seguro, que “… sem prejuízo de regime diverso em legislação especial, satisfeita a indemnização, o segurador tem direito de regresso, relativamente à quantia despendida, contra o segurado que tenha causado dolosamente o dano ou tenha de outra forma lesado dolosamente o segurador após o sinistro.
63. Ora, a proceder o recurso interposto pela A. e, bem assim, a sua pretensão indemnizatória (o que não se admite, mas agora se equaciona por mera cautela de patrocínio), não pode deixar de resultar provado o dolo inerente às referidas condutas imputadas aos RR. advogados.
64. Os RR. não podiam desconhecer, pelo menos desde 2014, que a ação alegadamente proposta havia sido rejeitada por falta de pagamento de taxa de justiça inicial – pelo que optaram conscientemente por não propor nova ação, incumprindo dolosamente ao mandato conferido.
65. Do mesmo modo, não pode deixar de se concluir que o(s) R(R.) bem sabia(m) que tinha(m) na sua posse quantias pertencentes à A. e que, conscientemente, fez/fizeram sua(s) – dolo.
66. Como tal, e não prescindindo de todo o exposto, sempre terá a Ré Seguradora direito de regresso sobre os RR. Advogados, provada que seja a sua responsabilidade civil profissional relativamente aos factos objeto dos presentes autos, com consequente decisão condenatória (a qual novamente se equaciona por mera cautela de patrocínio).
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Questão prévia:
Da admissibilidade do recurso per saltum:
O valor da causa é superior à alçada da Relação; o valor da sucumbência é superior a metade da alçada da Relação; a Recorrente e Recorridos suscitam apenas questões de direito; não vêm impugnadas questões interlocutórias. Verificam-se, pois, todos os requisitos da recurso per saltum, previstos no art. 678º do CPC, que por isso se admite.
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Objecto do recurso:
- Responsabilidade civil dos dois primeiros RR no exercício do mandato judicial;
- Responsabilidade civil da Ré seguradora, emergente do contrato de seguro que celebrou com a Ordem dos Advogados.
Fundamentação.
A decisão recorrida deu como provado:
1. A A., no dia 16.11.2010, consultou o 2.º R. que, no exercício das suas funções de advogado, prestou-lhe uma consulta jurídica.
2. A referida consulta jurídica deveu-se ao facto da A. pretender a execução específica de um contrato promessa de compra e venda de um apartamento sito em Portimão e ainda o acompanhamento de outros assuntos jurídicos.
3. A A. havia celebrado em 7 de maio de 2007, um contrato a que deram a designação de “Contrato de Promessa de Compra e Venda” com a sociedade E..., Lda.
4. Pelo contrato junto a fls. 15 e 16, a A. prometeu comprar à sociedade E..., LdaLda. e esta sociedade prometeu vender, a fração autónoma designada pelas letras “BM”, correspondente ao 7.º andar, letra C e respectivos parqueamentos n.ºs 1, 2 e 3, do prédio sito no Alto do Quintão, Lote 3, em ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 16873 e descrito no registo predial com o n.º 7980, da freguesia de Portimão.
5. Tendo sido estipulado o preço de € 134.500,00 (cento e trinta e quatro mil euros), sendo € 112.000,00 (centos mil euros) para a fração autónoma para habitação e € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) para os parqueamentos
6. A A. entregou nessa data à dita sociedade, a título de sinal e princípio de pagamento a quantia de € 13.450,00 (treze mil, quatrocentos e cinquenta euros).
7. Posteriormente, foram feitos reforços de pagamento, num total de € 99.670,00 (noventa e nove mil, seiscentos e setenta euros).
8. Acordaram também a transmissão do imóvel totalmente acabada livre de ónus, hipotecas ou quaisquer outros encargos.
9. Foi ainda convencionado que a escritura deveria realizar-se, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias após a emissão da licença de utilização da fração,
10. Tendo a promitente vendedora ficado incumbida de proceder à marcação da escritura e avisar a A. com a antecedência mínima de oito dias, da hora, dia e local da realização da mesma.
11. Tendo a A. se obrigado a, logo que interpelada, fornecer toda a documentação necessária, nomeadamente pagamento de IMT e elementos de identificação.
12. A promitente vendedora, entretanto, havia conferido à A. a posse da aludida fração autónoma, mediante a entrega, que lhe fez, das respetivas chaves.
13. A sociedadeE..., Lda, promitente vendedora, nunca chegou a avisar a A. do dia, hora e local para a realização da escritura, conforme se tinha obrigado.
14. Pretendendo o sócio gerente da A. recorrer às vias judiciais movendo uma ação contra a sociedadeE..., Lda., emitiu a procuração forense junta a fls. 71v, pela qual constituiu seus procuradores o “Dr. BB, Dra. CC, Dra. DD, Advogados, Dr. EE, Dra. AA e Dra. FF, advogados estagiários…”
15. Nessa referida consulta, o 2.º R. após análise dos documentos apresentados pelo sócio gerente da A., solicitou que lhes fosse entregue uma provisão para despesas e honorários.
16. Tendo a A. em 18.11.2010 entregue o montante de € 1.224,00 a título de taxa de justiça e a quantia de € 5.000,00 a título de honorários.
17. E, nesse mesmo dia, sido depositado pela A., a quantia de € 21.380,00 para efeitos de pagamento do preço remanescente do apartamento, a fazer por depósito autónomo, à ordem do tribunal.
18. E, em 01.12.2010, foi pelo representante da A. transferido para a conta do 2.º R. o montante de € 2.354,00 para pagamento de um futuro IMT.
19. Foi enviado email pelo 2. R. e recebido em 11 de julho de 2011 pelo sócio da A., no qual confirmava não só o depósito efetuado no Tribunal de Portimão do valor que faltava para a aquisição da fração à E..., Lda, como também a confirmação da entrada da acção.
20. Em data não apurada, o 2.º R. sugeriu que fosse a 1.ª R a tratar dos assuntos que o sócio gerente da A. lhe havia confiado.
21. Passando assim a 1.ª R. a seguir os processos da A.
22. No decurso do tempo e insistentemente, o gerente da A. solicitou informações sobre o andamento das acções, sem qualquer resultado.
23. Após algum tempo sem que o sócio gerente da A. tivesse notícias do processo, resolveu deslocar-se ao escritório do 2.º R., a fim de saber quais as diligências que tinham sido realizadas.
24. Nessa reunião tida com a 1.ª R., tomou conhecimento que a acção tinha sido instaurada contra a E..., Lda e que corria termos no Juízo Central Cível de Portimão – Juiz 1, com o n.º 2444/14.1......
25. E foi-lhe solicitado que fizesse um pagamento a título de reforço de honorários, vindo então o sócio gerente da A. a transferir o montante de € 2.000,00.
26. Passados mais alguns meses, mais propriamente em finais de outubro de 2018 e sem que tivesse qualquer informação sobre o processo, e numa das suas vindas a Portugal, deslocou-se o gerente da A. ao Tribunal Judicial de Portimão, a fim de saber como corria o processo.
27. Surpreendido ficou, quando lhe foi transmitido que o processo já estava no arquivo desde o ano de 2014.
28. Mais lhe foi transmitido que havia sido rejeitada a petição por falta de pagamento da taxa de justiça inicial.
29. Ademais, os RR. não efetuaram qualquer depósito autónomo que titulava o remanescente do preço do apartamento no processo n.º 2444/14.1....., tal como se haviam obrigado com a A.
30. Nem o montante para os encargos com a transmissão do imóvel, como seja o IMT e Imposto de Selo.
31. Não pagaram também a taxa de justiça devida pela instauração do processo no Tribunal de Portimão, levando assim à rejeição da petição inicial por esse Tribunal
32. O sócio gerente da A. entre finais de outubro de 2018 e dezembro do mesmo ano, por diversas vezes, solicitou que os RR. lhe devolvessem o dinheiro pago.
33. Até à presente data, não procederam à devolução das quantias por eles recebidas da A.
34. O R. BB, titular da cédula profissional n.º ...L, encontra-se com a sua inscrição suspensa junto da Ordem dos Advogados, a pedido, desde 30.12.2015.
35. A “C..., R.L – Sociedade de Advogados, RL” foi declarada insolvente no âmbito do processo n.º 159/14.0....., que correu termos no 4.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, por sentença datada de 04.04.2014, transitada em julgado.
36. A R. AA, advogada titular da cédula profissional n.º ...L, encontra-se inscrita junto da Ordem dos Advogados, desde 12.07.2013.
37. A R. XL INSURANCE COMPANY SE, Sucursal en España celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional com a Ordem dos Advogados.
38. O contrato de seguro anual referido em 37) teve data de início a 01.01.2018, tendo sido renovado para os períodos de seguro seguintes, correspondentes às anuidades de 2019 e 2020, e às apólices de seguro n.º ES..........18A, ES..........19A e ES..........20A
39. Pelo referido contrato, a R. assumiu, perante o Tomador de Seguro – Ordem dos Advogados – e nos termos expressamente definidos nas condições particulares do contrato, a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da atividade de advocacia, conforme regulado no Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), desenvolvida pelos seus segurados.
40. A apólice de Seguro de Responsabilidade Civil Profissional foi celebrada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 104.º do Estatuto da Ordem dos Advogados. (…)” – cfr. Cláusula 5 das Condições Particulares do Contrato de seguro.
41. O contrato de seguro celebrado com a R. garante os prejuízos patrimoniais ou não patrimoniais causados a terceiros no âmbito do exercício da advocacia, até ao limite de capital seguro e nos termos expressamente previstos (e não excluídos) nas referidas condições particulares – cfr. artigo 2.º, n.º 1, das Condições Especiais do Contrato.
42. “A Responsabilidade Civil Profissional decorrente do exercício da advocacia com um limite de 150.000,00 € por sinistro (…)” – cfr. ponto 6 “Riscos Cobertos e Limites de indemnização Garantidos” das Condições Particulares do contrato de seguro.
43. Nos termos previstos na cláusula 6.ª das Condições Particulares da apólice n.º ES..........18A (sob epígrafe “Riscos Cobertos e Limites de Indemnização Garantidos”), encontram-se efetivamente cobertos (nos termos e limites expressamente previstos e não excluídos da apólice ES..........18A) os riscos decorrentes da:
“A- Responsabilidade Civil Profissional dos Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados em prática individual ou societária;
B- Responsabilidade Civil da Ordem dos Advogados e seus Órgãos de Representação”.
De acordo com a cláusula 4.ª das Condições Particulares da apólice ES..........18A, são considerados “Segurados” para efeitos de acionamento do contrato de seguro:
i. “o Tomador do seguro: Ordem dos Advogados;
ii. os Membros dos seguintes órgãos da Ordem dos Advogados: Bastonário(a), Presidente do Conselho Superior, Membros do Conselho Geral, Membros do Conselho Superior;
iii. os Presidentes dos Conselhos Distritais e Membros dos Conselhos Distritais da Ordem dos Advogados;
iv. os Presidentes dos Conselhos de Deontologia e Membros dos Conselhos de Deontologia da Ordem dos Advogados;
v. os Órgãos do tomador do seguro, elencados no Estatuto da Ordem dos Advogados;
vi. os Secretários Gerais, Assessores, Trabalhadores e outros Colaboradores ao Serviço da Ordem dos Advogados;
vii. os Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados que exerçam a atividade em prática individual ou societária, por dolo, erro, omissão ou negligência profissional;
viii. os Escritórios de Advogados constituídos como Sociedade Civil (independentemente da forma jurídica adotada) por dolo, erro, omissão ou negligência profissional, praticados por advogados segurados que consubstanciem uma relação de dependência com o mesmo;
ix. os Advogados Estagiários, empregados forenses e pessoal administrativo dependentes do advogado segurado ou de sociedade de advogados, desde que não sejam associados e tenham realizado a atividade objeto de reclamação sob a supervisão do advogado segurado;
x. os Advogados e seus sucessores, em caso de falecimento, invalidez permanente total, e enquanto a apólice estiver em vigor;
xi. os Advogados após suspensão ou cancelamento da inscrição, enquanto estiver em vigor o contrato de seguro.”.
44. Em 2015 a Ordem dos Advogados havia celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional junto de outra entidade seguradora, que não a R..
45. O contrato de seguro que foi renovado para os períodos de seguro seguintes de 2016 e 2017, deixando de vigorar em 31.12.2017.
46. Nos termos previstos na alínea a) do artigo 3.º das Condições Especiais do contrato de seguro em apreço “Ficam expressamente excluídas da cobertura da presente apólice, as reclamações: a) Por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação.”.
47. Nos termos previstos no artigo 4.º das Condições Especiais, a referida apólice de seguro será “competente exclusivamente para as reclamações que sejam pela primeira vez apresentadas no âmbito da presente apólice:
a) Contra o segurado e notificados ao segurador;
b) Contra o segurador em exercício de ação direta;
c) Durante o período de seguro, ou durante o período de descoberto, com fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional cometidos pelo segurado, após a data retroativa”.
48. Constitui “Franquia” a “…Importância que, em caso de sinistro, fica a cargo do segurado e cujo montante está estipulado nas Condições Particulares.” – cf. ponto 15 do Artigo 1.º das Condições Especiais de Responsabilidade Civil Profissional.
49. Após consulta jurídica, com data de 19 de Agosto de 2014, a A. emitiu a procuração forense junta a fls. 84v, pela qual constituiu seus procuradores os RR. BB e AA.
50. Desde 2012, a fração autónoma objecto do contrato promessa celebrado pela A. encontrava-se penhorada pela Autoridade Tributária, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...............20 e aps, por dívidas fiscais de IRC, IVA e IMI, que ascendiam a € 373.475,28, existindo ainda outros credores conhecidos e encontrando-se agendada a venda da mesma para o dia 16.06.2014.
51. A 1.º R. apresentou, em 21.08.2014, em nome da A., Embargos de Terceiro, no referido processo de execução fiscal nº ...............20 e aps. e que deu entrada no Serviço de Finanças da ... 3.
52. Em 18.09.2014, a 1.ª R. foi notificada de que a venda da fração BM tinha sido sustada, que os Embargos de Terceiro tinham sido admitidos e que seriam remetidos, para distribuição, ao Tribunal Administrativo e Fiscal de ....
53. Tendo aí sido distribuídos com o n.º 1955/14.3....., na Unidade Orgânica 1, do Tribunal Administrativo e Fiscal de ....
54. No mesmo dia, em 20.08.2014, a 1. R. deu entrada no Tribunal da Comarca de Faro, da ação declarativa de condenação junta a fls. 94 e ss., contra a E..., Lda, que foi distribuída com o n.º 2444/14.1......
55. Com a petição inicial foi junto requerimento de concessão do benefício de apoio judiciário apresentado junto da segurança oficial em nome da ora A..
56. Por decisão do Instituto de Segurança Social e pelos motivos explanados no Ofício n.º ....45 de 15.09.2014, o referido pedido de apoio judiciário foi indeferido.
57. No âmbito do processo n. º1955/14.3..... foi proferida Sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de ... que julgou os embargos improcedentes e absolveu a Fazenda Pública do pedido.
58. Na sequência da notificação da Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de 19.05.2015, a 1.ª R., apresentou reclamação para a conferência que foi oficiosamente convolada em recurso para o Tribunal Central Administrativo.
59. A A. pagou o valor de € 816 para a interposição do recurso.
60. Em 11 de Agosto de 2015, foram apresentadas alegações de recurso, que subiram ao Tribunal Central Administrativo Sul.
61. Aguardando-se, até à data, prolação de Acórdão.
62. No dia 14.03.2017, a A. remeteu à 1.ª R. o e-mail junto a fls. 137 e ss., informando que o apartamento estava arrendado, questionando se existiam novidades.
63. No mesmo e-mail foi remetido um “Auto de Apreensão de bens imóveis/arrolamento”, elaborado no âmbito do processo de insolvência da empresa E..., Lda, e que foi distribuído com o n.º 7262/15.7.8..., no Tribunal da Comarca de Sintra-Secção de ...- Juiz ....
64. A E..., Lda foi declarada insolvente no dia 06.04.2015, tendo sido reclamados créditos no valor € 21.937.563,83, de cujo total se encontravam garantidos créditos no valor total de € 3.035.476,73.
65. O R. BB foi declarado insolvente por sentença datada de 13.01.2020, proferida no processo n.º 685/20.1.8.., que correu termos no Juízo de Comércio de... – Juiz ....
E foi julgado não provado:
i) Que apenas no dia da consulta ocorrida em 2014, teve a 1.ª R. conhecimento aprofundado da situação processual da A. desenvolvida antes dessa data.
ii) Que a A. tinha pleno conhecimento de que a ação declarativa destinada à execução específica do contrato-promessa não se encontrava anda instaurada ou pendente, pelo que essa apresentação foi encomendada, nessa data, à 1.ª R., se o entendesse conveniente atento o circunstancialismo existente.
iii) Que foi combinado com a A. que a ação declarativa de condenação que foi apresentada no Tribunal de Comarca de Faro e que foi distribuída com o n.º 2444/14.1 ....., na Instância Central – ...Secção Cível – Juíz ..., seria apenas de apresentar para reforçar a intenção de embargar e por mera cautela, caso os embargos de terceiro não fossem admitidos.
iv) Que para aquele efeito, a 1.ª R. requereu à A. o pagamento de provisão para honorários e despesas, a qual, apesar de prometida pela A., não chegou a ser prestada, invocando a A. dificuldades económicas temporárias e momentâneas.
v) Que face à urgência cultivada pela publicidade da venda da fração BM, agendada para o dia 16.09.2014, para efeitos de admissão dos embargos de terceiro, a 1.ª R. adiantou o pagamento da taxa de justiça inicial no valor de € 612.
vi) Que a 1.ª R. optou por solicitar a concessão de apoio judiciário, para proporcionar mais tempo à A.
vii) Que a promessa da A. de regularizar os adiantamentos feitos pela 1.ª R. não foi concretizada, mantendo-se e perpetuando-se a situação de não ser prestada pela A. qualquer provisão para despesas e honorários associados à condução do mandato constituído, em concreto, e sem excluir, para pagamento da taxa de justiça que seria devida pela ação nº 2444/14.1....., cujo pedido de apoio judiciário foi indeferido.
ix) Que perante as reiteradas insistências da 1.ª R., a A. sempre respondia negativamente, justificando-se que não tinha, no momento, possibilidade e disponibilidade financeira para o efeito.
x) Que foi exatamente este contexto que a 1.ª R. foi confrontada quando transmitiu à A. o indeferimento da Segurança Social de 15.09.2014 e, posteriormente, de que tinha sido notificada do Despacho de 10.11.2014 proferido no âmbito da ação pendente com o nº 2444/14.1....., de onde resultou a rejeição da petição, atenta a decisão de indeferimento do Instituto de Segurança Social, pela consequente falta de pagamento da taxa de justiça.
xi) Não se provou que assim que foi notificada do despacho de 10.11.2014, a 1.ª R. logo contactou a A. tendo esta transmitido não ter disponibilidade financeira para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida, não podendo, assim, usufruir do benefício que se concedia ao autor ao abrigo do art. 560º do CPC.
xii) Que a A. sabia que não pagando o respetivo DUC ou prestando provisão à 1.ª R. para aquele efeito, logo teria de ser rejeitada a petição inicial.
O direito.
O Réu BB foi declarado insolvente por sentença de 13.01.2020, proferida no P. nº 685/20.1.8.., transitada em julgado.
As partes foram notificadas para, querendo, se pronunciarem sobre a extinção da instância quanto àquele Réu nos termos da jurisprudência uniformizada pelo AUJ nº 1/2014, de 08/05/2013, “transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil norma a acção declarativa proposta pelo credor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 277º do CPC”.
Nada disseram ou requereram.
Nestes termos, a instância terá de ser declarada extinta quanto ao Réu BB, prosseguindo quanto aos demais Réus.
///
A acção assenta na responsabilidade civil profissional dos dois primeiros RR, sendo-lhes imputado o incumprimento culposo do mandato forense.
A sentença julgou a acção improcedente por ter considerado que os RR não praticaram qualquer facto ilícito e culposo. No recurso, a Autora defende que os recorridos, advogados, não cumpriram com as obrigações requeridas pelas leges artis, com o que tem por verificada a conduta ilícita e culposa daqueles.
Assiste razão à Recorrente, não podendo aceitar-se o entendimento da sentença.
Entre Autora e os dois primeiros Réus foi celebrado, em 19/08/2014, um contrato de mandato, oneroso, com representação, sujeito ao disposto nos arts. 1157º, 1158º e 1178º do CCivil, bem como às pertinente disposições do Estatuto da Ordem dos Advogados.
No exercício do mandato, em 20/08/2014, subscrita pelos dois RR, deu entrada no Juízo Central Cível de Portimão, a acção com processo comum, que recebeu o nº 2444/14....., interposta pela Autora contra “E..., Lda, Limitada”, com os seguintes pedidos: i) seja a executado o contrato-promessa em apreço; ii) seja a ré condenada a entregar o imóvel prometido tal como descrito no CPCV supra citado; e, caso assim não se entenda, o que só por mera cautela de patrocínio se concede, seja a ré condenada no pagamento total do dano causado à autora, tendo em conta o dobro do sinal dado, bem como todos montantes pagos em acréscimo ao sinal.
A petição foi rejeitada por falta de pagamento da taxa de justiça.
Na execução do mandato judicial, os mandatários devem observar as normas do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 15/2005 de 26/01, então em vigor, assumindo relevo a do art. 95º, n1, b), onde se prescreve que “nas relações com o cliente constituem deveres do advogado estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando, para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade.”
Na responsabilidade contratual a ilicitude corresponde à violação de uma obrigação, através da não execução pelo devedor da prestação a que estava obrigado (art. 798º do CCivil).
Por outro lado, presume-se a culpa do devedor; é a este que incumbe provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua – art. 799º, nº1, do CCivil.
Mas como daí decorre, é ao credor que compete a prova do facto ilícito do não cumprimento ou do cumprimento defeituoso.
Os RR, como profissionais do foro, não podiam ignorar que a propositura de uma acção judicial implica o pagamento da taxa de justiça e que o autor deve demonstrar o pagamento da taxa de justiça com a apresentação da petição, sob pena de recusa da petição pela secretaria (artigos 530º, 552º, nº2, e 558º, al. f) do CPC).
Defende a Recorrida AA que não foi entregue pela Autora a provisão necessária ao cumprimento daquela obrigação. Objecção que não procede em face do facto provado em 16).
Os RR apesar de não poderem ignorar a obrigação do pagamento da taxa de justiça inicial, não o fizeram, o que é bastante para concluir que incorreram na prática de um facto ilícito e culposo, sem que tenham afastado a presunção de culpa que a lei faz recair sobre o devedor que não executa a prestação a que está obrigado.
Para haver lugar a indemnização é ainda necessário que ocorra nexo de causalidade adequada entre a conduta dos RR e o prejuízo que a Autora sofreu.
Pretende a Autora ser ressarcida pelos seguintes danos que alega ter sofrido por os RR não terem proposto a acção de execução específica:
- perda do dinheiro que entregou à promitente-vendedora (€113.120,00);
- as importâncias que entregou aos RR, a título de remanescente do preço e que estes deveriam entregar à vendedora, de honorários, para pagamento do IMI e de taxa de justiça, no total de €31.958,00.
A importância entregue à promitente-vendedora corresponde a parte do preço da fracção autónoma objecto do contrato promessa cuja acção de execução específica foi recusada por falta de pagamento da taxa de justiça.
Está assim em causa a indemnização pelo chamado dano da perda de chance ou de oportunidade processual.
O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 05.07.2021 (P. nº 34545/15.3T8LSB.L1.S2.A), veio precisar que “O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade.”
Neste AUJ escreveu-se, com pertinência para a decisão do caso que nos ocupa o seguinte:
“À luz das regras e princípios vigentes de responsabilidade civil só “uma chance” com um mínimo de consistência pode aspirar a exprimir certeza (“relativa”) do resultado comprometido (pelo acto lesivo) pode ser considerado provável.
Não há indemnização civil sem dano e este tem que ser certo, sendo que a certeza do dano de chance (que por isso, merece a tutela do direito e ser indemnizado) está exactamente na probabilidade suficiente, em função da consistência da chance, do resultado favorável da acção comprometida.
(…)
Para estarmos perante uma chance com probabilidade de sucesso suficiente terá, em princípio e no mínimo, o sucesso da chance ( o sucesso da provável acção comprometida) que ser considerado como superior ao insucesso, uma vez que só a partir de tal limiar mínimo se poderá dizer que a não ocorrência do dano, sem o acto lesivo, seria mais provável que a sua ocorrência.
(…)
Significa e impõe o que vem de dizer-se que, colocando-se num processo a questão da indemnização pelo dano da perda de chance, tal probabilidade – o mesmo é dizer, a consistência concreta da oportunidade ou “chance” processual que foi comprometida – tem sempre que ficar apurada/provada, uma vez que, sem a mesma estar apurada/provada, não se poderá falar em “dano certo” e sem este não pode haver indemnização.
Apuramento este que terá assim que ser feito na apreciação incidental – o já chamado “julgamento dentro do julgamento” – a realizar no processo onde é pedida a indemnização pelo dano de perda de chance, em que se indagará qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometido o acto lesivo (a falta do mandatário), indagação que no fundo irá permitir estabelecer, caso se apure que a acção comprometida tinha uma probabilidade de sucesso ( ou seja, no mínimo superior à probabilidade de insucesso), que há dano certo (a tal chance “consistente e séria”) e ao mesmo tempo o nexo causal entre o facto ilícito do mandatário e tal dano certo.”
O caso concreto.
A execução específica de um contrato-promessa, prevista no art. 830º, nº1, do Cód. Civil, visa obter sentença que substitua a declaração do promitente vendedor.
Acontece que a fracção objecto do contrato promessa encontrava-se penhorada desde 2012, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...............20, por dívidas fiscais de IRC, IVA e IMI, que ascendiam a € 373.475,28, vindo a promitente vendedora a ser declarada insolvente no dia 06.04.2015, tendo no processo de insolvência sido reclamados créditos no valor € 21.937.563,83, de cujo total se encontravam garantidos créditos no valor total de € 3.035.476,73.
Neste quadro, a execução específica do contrato promessa sempre seria improvável, visto que o art. 106º do CIRE, confere ao administrador da insolvência recusar o cumprimento, independentemente da traditio, do contrato promessa com eficácia meramente obrigacional, (cf. Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, 2018, p.235).
A isto acresce,
Diz o art. 819º do CCivil que “Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados.”
Quer isto dizer que a transferência do direito de propriedade, por efeito da sentença de execução específica, não implica o cancelamento de ónus anteriormente registados sobre o imóvel, nomeadamente, penhoras. A execução prossegue como se o bem penhorado se mantivesse na titularidade do executado. (Ac. STJ 18.06.2015, P. 4323/12.8TBVNG.PI.S1).
Por conseguinte, se se tivesse operado a transferência do direito de propriedade da fração para a Recorrente por efeito da sentença de execução específica, a fracção continuaria onerada com a penhora, podendo a execução ser extinta pelo pagamento voluntário das custas e da dívida (art. 846º do CPC). O que significa que a Autora, para obter a libertação da penhora, teria de pagar mais de €373.475,28, valor que duplica o preço da fracção.
Alega a Recorrente que os Recorridos deveriam ter reclamado o seu crédito no processo de insolvência da promitente vendedora – que foi declarada insolvente por sentença de 06/04/2025 (facto 64) – onde “o seu crédito seria sempre reconhecido por força do direito de retenção, pela traditio do imóvel”. (conclusões P) e Q).
Mas sem razão, com o devido respeito.
O art. 755º, nº1, alínea f), do CCivil, reconhece o direito de retenção “ao beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do artigo 442º.”
No caso, provou-se que, em data indeterminada, a promitente vendedora “conferiu a posse da fracção à autora, mediante a entrega das respectivas chaves.” (nº12).
Nada mais se provou o que é insuficiente para se ter como verificada a traditio, pois a tradição de que fala o art. 755º, nº1, f) do CCivil “é a tradição material, realizada através de um acto físico de entrega ou recebimento da coisa, não configurando tal tradição (por meramente simbólica) a mera entrega das chaves” (cfr. Acórdãos do STJ de 19.02.2015, CJ/STJ, 1, pag. 108, e de 29.09.2022, P. 98/12).
Ademais, não tendo a Recorrente a natureza de consumidor, não goza do direito de retenção na insolvência da promitente vendedora, nos termos da jurisprudência uniformizada pelo AUJ nº4/2014, de 20/03/2024, segundo o qual:
No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência goza do direito de retenção nos termos do estatuído no art. 755º, nº1, alínea f) do Código Civil.”
Como observa Catarina Serra, obra citada, p. 240, “com o AUJ, o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se por uma interpretação restritiva do art. 755º, nº1, f), em termos de só atribuir o direito de retenção ao promitente comprador que seja simultaneamente um consumidor.”
A Autora é uma sociedade comercial de direito espanhol, pelo que à luz da jurisprudência uniformizada pelo AUJ nº 4/2014, não lhe seria reconhecido o direito de retenção na insolvência da “E..., Lda, Lda.”
O crédito da Recorrente seria graduado como crédito comum. Face ao montante dos créditos reclamados na insolvência e dos garantidos, respectivamente, € 21.937.563,83, e € 3.035.476,73, a reclamação do crédito na insolvência tinha fraca possibilidade de sucesso, o que significa que não provou a existência de perda de uma chance, consistente e séria, isto é um dano certo, e não feita esta prova não pode há lugar a indemnização por perda de chance.
Á luz do que precede, a pretensão da Autora de obter a condenação dos RR a pagar-lhe a quantia de €113.120,00 que pagou à promitente vendedora, está votada ao insucesso.
Pede ainda a Autora que os RR sejam condenados a pagarem-lhe €31.958,00, que corresponde aos seguintes valores parcelares: €21.380,00 que entregou para pagamento do remanescente do preço da fracção; €1.224,00, para pagamento da taxa de justiça; €2.354,00 para pagamento do IMT devido pela aquisição da fracção; €7.000,00 a título de honorários que pagou aos RR.
O pedido de condenação dos RR a devolverem à Autora o que entregou a título de honorários não pode ser atendido.
A1ª Ré não responde pelas importâncias recebidas pelo co-Réu BB, numa altura em que era advogada estagiária. E quanto aos €2.000,00 entregues em 2014, a 1ª Ré desenvolveu o trabalho que se descreve nos pontos 51 e seguintes, pelo que há uma justificação para o pagamento. Nesta parte, a revista improcede.
Questão diferente é a que se reporta ao pedido de devolução das importâncias que a Autora entregou para pagamento do remanescente do preço da fracção e para pagamento do IMI., que os RR não fizeram.
Neste particular provou-se com interesse:
“Nesse mesmo dia (18.11.2010) foi depositado pela A., a quantia de € 21.380,00 para efeitos de pagamento do preço remanescente do apartamento, a fazer por depósito autónomo, à ordem do tribunal”. (17);
“E, em 01.12.2010, foi pelo representante da A. transferido para a conta do 2.º R. o montante de € 2.354,00 para pagamento de um futuro IMT”. (18);
“Os RR. não efetuaram qualquer depósito autónomo que titulava o remanescente do preço do apartamento no processo n.º 2444/14.1....., tal como se haviam obrigado com a A”.(29);
- Nem o montante para os encargos com a transmissão do imóvel, como seja o IMT e Imposto de Selo. (30);
- O sócio gerente da A. entre finais de outubro de 2018 e dezembro do mesmo ano, por diversas vezes, solicitou que os RR. lhe devolvessem o dinheiro pago. (32);
- Até à presente data, não procederam à devolução das quantias por eles recebidas da A. (33).
Pois bem.
A partir do momento em que a acção nº 2444/14.1..... não teve seguimento, aquelas importâncias deveriam ter sido devolvidas à Autora, por ter desaparecido a causa que justificou a transferência do dinheiro.
A obrigação de restituir também se estende à 1ª Ré, que ao assumir o patrocínio da Autora inteirou-se necessariamente das quantias já entregues por esta, nomeadamente para pagamento da parte do preço em falta, como exigido pelo nº5 do art. 830º do CCivil, através de depósito que se obrigaram fazer perante a Autora mas que não efectuaram.
Há um enriquecimento sem causa dos RR à custa da Autora. (art. 473º do CC).
Neste sentido o Acórdão do STJ de 28.06.2011, P. 3189/08, “Para que se constitua uma obrigação de restituir fundada no enriquecimento, não basta que uma pessoa tenha obtido uma vantagem patrimonial, à custa de outrem, sendo ainda necessário que não exista causa justificativa para essa deslocação patrimonial, quer porque nunca a houve, por não se ter verificado o escopo pretendido, ou porque, entretanto, deixou de existir, devido à supressão posterior desse fundamento.”
///
Da responsabilidade da Ré Seguradora.
A Ré XL INSURANCE COMPANY SE, celebrou um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional com a Ordem dos Advogados, com início em 01.01.2018.
Pelo referido contrato, a R. assumiu, perante o Tomador de Seguro – Ordem dos Advogados – e nos termos expressamente definidos nas condições particulares do contrato, a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da atividade de advocacia, conforme regulado no Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), desenvolvida pelos seus segurados.
A argumentação da Recorrente para se isentar de qualquer pagamento à Autora assenta em três fundamentos essenciais: i) o Réu BB encontra-se com a inscrição suspensa na Ordem dos Advogados desde 2015, pelo que não está abrangido pelo contrato de seguro cujo início que teve início em 01.01.2018 ; ii) a apropriação pelos RR das quantias recebidas da Autora poderá integrar um enriquecimento sem causa, ou até constituir crime, também não abrangido pela apólice; iii) a cláusula 3ª, alínea a) das condições particulares afasta, nas circunstâncias do caso, a cobertura do sinistro.
Importa analisar a validade dos restantes argumentos invocados.
O primeiro argumento não é de atender.
Com efeito, nos termos da cláusula 4ª Condições Particulares da Apólice do contrato de seguro de grupo celebrado entre a Recorrente e a Ordem dos Advogados, “são considerado “segurados” para efeitos de accionamento do contrato de seguro:
(…);
vii. os Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados que exerçam a atividade em prática individual ou societária, por dolo, erro, omissão ou negligência profissional;
xi. os Advogados após suspensão ou cancelamento da inscrição, enquanto estiver em vigor o contrato de seguro.”
Por outro lado, dispõe a cláusula 7ª das condições particulares:
“O segurador assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos durante a vigência de apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e mesmo ainda, que tenham sido cometidos pelo segurado antes da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação temporal ou retroactividade.”
Significa isto que estamos perante uma apólice de reclamação, que se contrapõe à apólice de ocorrência de ocorrência (para fins de indemnização o facto causador do dano ou prejuízo a terceiros deve ocorrer durante a vigência do contrato). A apólice de reclamação, também chamada “claims made” que condiciona o pagamento da indemnização à apresentação da queixa de terceiros durante o prazo de validade (vigência) do contrato e que possibilita a extensão da cobertura por um determinado período anterior ao início do contrato (cfr., o acórdão do STJ de 14/12/2016, P. 5440/15).
Igualmente não procede o argumento segundo o qual a não devolução pelos RR à Autora das importâncias que receberam para uma finalidade que não se concretizou, não está coberta pela apólice. Entendemos, pelo contrário, que o recebimento daquelas quantias ocorreu no exercício da advocacia, no âmbito do mandato que a Autora lhes conferiu, e assim coberta pela apólice, que nos termos do art. 2º, nº1, das condições especiais, estabelece “que o contrato de seguro garante os prejuízos causados a terceiros no âmbito do exercício de advocacia.”
Por último.
É indiscutível o carácter obrigatório do seguro de responsabilidade civil do advogado, nos termos do art. 99º, nº1, do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), (aprovado pelo Lei nº 15/2005 de 26.01) e do vigente art.104º, nº1 do EOA (aprovado pela Lei nº 145/2015 de 09.09).
No Acórdão do STJ de 17.10.2019, P. 5992/13, www.dgsi.pt, estava em causa a interpretação do contrato de seguro celebrado entre a Ordem dos Advogados e a segurador, nele se tendo decidido:
“A este contrato de seguro é aplicável o Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL nº72/2008 de 16.04, alterado pela Lei nº 147/2015, de 09.09), nomeadamente o art. 101º, nº4, dispondo que nos seguros obrigatórios de responsabilidade civil, as cláusulas de redução ou de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado de deveres de participação do sinistro à seguradora são inoponíveis ao lesado.
Uma das funções naturais do seguro – e por maioria de razão, do seguro obrigatório imposto a certos profissionais, que, como a do advogado, exercem actividades com risco elevado de produção de danos – é a de assegurar que o lesado não deixará de ser ressarcido, pelo que só em casos muito contados é legítimo a seguradora escusar-se a responder ou limitar a sua responsabilidade perante o lesado.”
O citado art. 101º, da Lei do Contrato de Seguro diz o seguinte:
1. O contrato pode prever a redução da prestação do segurador atendendo ao dano que o incumprimento dos deveres fixados no artigo anterior lhe cause.
2. O contrato pode igualmente prever a perda da cobertura se a falta de cumprimento ou o cumprimento incorrecto dos deveres enunciados no artigo anterior for doloso e tiver determinado dano significativo para o segurador.
3. (…)
4. O disposto no nºs 1 e 2 não é oponível aos lesados em caso de seguro obrigatório de responsabilidade civil, ficando o segurador com direito de regresso contra o incumpridor relativamente às prestações que efectuar, com os limites referidos naqueles números.
Ora, como decidiu o acórdão deste STJ de 11.07.2019, P. 5388/16, www.dgs.pt. “a norma imperativa do art. 101º, nº4 da Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo DL nº 72/2008 de 16 de Abril, prevalece sobre a cláusula de exclusão de pré-conhecimento do sinistro, prevista na alínea a) do art. 3º das Condições Particulares desta mesma apólice, que exclui, da cobertura do contrato de seguro em causa as reclamações por qualquer facto ou circunstância conhecida do segurado, anteriormente à data de início do período seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação.
Vale isto por dizer que, por força do disposto no art. 101º, nº4 da LCS num contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatório, não são oponíveis aos lesados beneficiários as excepções de redução ou de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado dos deveres de participação do sinistro à seguradora, previstos respectivamente, nos nº1 e 2 do citado artigo.”
Neste sentido decidiu também o já citado acórdão de 17.10.2019, e ainda o acórdão de 26.05.2015, P. 231/10.5TBSAT.C1.S1.
À luz das considerações precedentes, não pode a Ré isentar-se da responsabilidade emergente do contrato de seguro de grupo que celebrou com a AO, com estatuído na cláusula 3º, alínea a) das Condições Particulares, sob pena de desproteção do lesado por um facto que não lhe é imputável.
Nestes termos procede a revista.
Decisão.
Em face do exposto, decide-se:
- Declarar extinta a instância quanto ao Réu BB;
- Conceder em parte a revista e condenar solidariamente os RR AA e Ré Insurance Company, SE, a pagarem à Autora a quantia de €23.734,00 (vinte e três mil setecentos e trinta e quatro euros), acrescida de juros de mora contados desde a citação.
Custas por Recorrente e Recorridos na medida do decaimento.
Lisboa, 03.07.2025
Ferreira Lopes (Relator)
Maria de Deus Correia
Arlindo Oliveira