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UNIÃO DE FACTO
DISSOLUÇÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Sumário
I - À liquidação e partilha dos interesses patrimoniais conflituantes dos membros da união de facto, consequente à sua extinção, pode recorrer-se ao instituto do enriquecimento sem causa, designadamente quando embora um prédio seja adquirido em nome apenas de um dos membros da união, o preço da sua aquisição é pago pelo outro membro e/ou quando este participa com o seu trabalho na construção desse prédio. II - Com a dissolução da união de facto, importa concluir pela extinção da causa jurídica da referida contribuição monetária e participação, deixando de ter justificação a privação da contribuição monetária prestada para a aquisição e as demonstradas obras realizadas no prédio da ré. III - Por se tratar de pagamentos feitos no âmbito de uma relação convivencial, entende-se dever valer uma presunção de não definitividade, e, por conseguinte, uma vez cessada a união de facto, uma presunção (natural) de ausência de causa. IV - Por via do regime inserto no artigo 8.º, n.º 3, da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, o pedido de declaração judicial de dissolução da união de facto constitui condição de procedência de acção na qual o interessado pretende exercer direitos de natureza patrimonial sobre o património gerado na pendência da união e em resultado da mesma, estejam ou não os direitos incluídos no elenco do art. 3.º do diploma.
Texto Integral
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório
AA intentou acção declarativa[1], sob a forma de processo comum, contra a ré BB, pedindo que:
a. Seja declarada a dissolução da união de facto entre o autor e a ré desde o dia ../../2023;
b. A ré seja condenada a restituir ao autor a quantia de € 4.987,97 (quatro mil novecentos e oitenta e sete euros e noventa e sete cêntimos), acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento;
c. A ré seja condenada a restituir ao autor o valor das obras que realizou na casa onde ambos residiam, com referência à data da dissolução da união de facto, acrescido de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento;
d. A ré seja condenada a restituir ao autor os bens móveis que adquiriu no período em que viveram em união de facto.
Alegou, em síntese, que viveu com a ré em união de facto desde o ano de 1998 até ao ano de 2023. Neste período contribuiu para a compra da casa onde ambos residiam e realizou diversas obras de melhoramento. Além disso, adquiriu diversos bens móveis que eram utilizados por ambos na casa onde residiam e que lhe pertencem. Tendo terminado a união de facto entre ambos, pretende que a ré restitua o montante que despendeu na compra na casa e o valor das obras que realizou com fundamento no enriquecimento sem causa e devolva os bens móveis que adquiriu.
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Citada, a ré contestou, dizendo que já restituiu ao autor o montante que despendeu na compra da casa onde ambos residiam e que não ocorreu qualquer enriquecimento sem causa.
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A ré apresentou um articulado superveniente em que alegou que o autor foi condenado pela prática do crime de violência doméstica, tendo esta condenação sido na parte cível no pagamento de uma indemnização no montante de € 1.400,00.
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O autor pronunciou-se aceitando a compensação entre este crédito e o valor é devido pela ré.
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Findos os articulados, realizou-se audiência prévia, no decurso da qual foi proferido o despacho saneador, onde se fixou o valor da causa e se afirmou a validade e a regularidade da instância. Foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova, bem como foram admitidos os meios de prova.
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Por requerimento datado de 02.02.2025, o Autor requereu, ao abrigo do art. 299º, n.º 4, do CPC a alteração do valor da acção para o valor fixado no relatório pericial, no montante de € 228.200,00.
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Procedeu-se à realização da audiência de julgamento (ref.ª ...66).
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Posteriormente, o Mm.º julgador “a quo” proferiu sentença (ref.ª ...60), nos termos da qual, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu:
1. Condenar a ré a restituir ao autor a quantia de € 88.405,00 (oitenta e oito mil quatrocentos e cinco euros), acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento;
2. Condenar a ré a restituir ao autor uma mobília de quarto composta por cama, duas mesas de cabeceira e uma cómoda que decorava o quarto onde dormia com a ré, três mobílias compostas por cama e duas mesas de cabeceira que decoravam os três quartos da habitação, um móvel de televisão, um louceiro, um aparador, um sofá de canto, uma mesa de centro, armários de cozinha, uma mesa e quatro cadeiras, uma escrivaninha, armários para a cozinha existente no rés-do-chão e ferramentas;
3. Absolver a ré dos restantes pedidos contra si formulados.
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Inconformados com a sentença, quer o autor, quer a Ré, dela interpuseram recurso.
A terminar as respectivas alegações, o autor formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):
«1. Por sentença datada de 24.02.2024, o Tribuna a quo julgou parcialmente procedente aacção instaurada pelo ora Autor, e, em consequência, foi a Ré condenada a restituir ao autora quantia de € 88.405,00 (oitenta e oito mil quatrocentos e cinco euros), acrescida de jurosde mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento; bem como uma mobília de quarto composta por cama, duas mesas de cabeceira e uma cómoda quedecorava o quarto onde dormia com a ré, três mobílias compostas por cama e duas mesasde cabeceira que decoravam os três quartos da habitação, um móvel de televisão, umlouceiro, um aparador, um sofá de canto, uma mesa de centro, armários de cozinha, umamesa e quatro cadeiras, uma escrivaninha, armários para a cozinha existente no rés-do-chão e ferramentas; 2. A decisão recorrida está ferida de nulidade porquanto por requerimento datado de 02.02.2025, o ora Autor requereu, ao abrigo do art. 299º, nº 4, do CPC a alteração do valor da presente acção para o valor fixado no relatório pericial, a saber: € 228 000, 00, e o Tribunal recorrido não procedeu à alteração do valor da causa na sentença que foi proferida no âmbito dos presentes autos conforme lhe competia face ao disposto no art. 306º,nº 2, do CPC. 3. Nos processos de liquidação e outros análogos em que a utilidade económica do pedido só se define na sequência da acção, o valor inicialmente aceite deve ser corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários para o efeito, e esse momento se não ocorrer antes, ocorrerá necessariamente na sentença (cfr art. 299º, nº 4 e 306º, nº 2, do CPC). 4. Por despacho de 13.05.2024, e sobre o qual não recaiu qualquer reclamação das partes, na parte correspondente à identificação do objecto do litigio o Tribunal recorrido fez constar o seguinte: “a Ré contestou alegando que já restituiu ao autor a quantia que despendeu na compra da casa onde ambos residiam e que não ocorreu qualquer enriquecimento sem causa do autor” e, em consequência, inclui entre os temas da prova “saber se a Ré restituiu ao autor a quantia de € 4987, 97 que despendeu na compra da casa onde ambos residiam”. 5. Da analise da decisão recorrida resulta que Tribunal recorrido não deu resposta ao primeiro dos temas da prova enunciados no despacho saneador isto é, nem da matéria de facto selecionada nem do restante corpo da decisão ora em crise é possível concluir se a Ré restituiu o referido valor ao ora Autor, sendo certo que nenhuma prova foi produzida em sede de audiência de discussão e julgamento que comprove que o ora Ré restituiu ao Autor o referido valor. 6. A decisão ora em crise é nula à luz do art. 615º, nº 1, al c) do CPC porquanto não só coloca em causa factos dados como assentes como não dá resposta a um dos temas de prova enunciados no despacho saneador, ou seja, atendendo a que o Tribunal a quo enunciou como tema da prova saber se a Ré restituiu ao autor a quantia de €4987,97 que despendeu na compra da casa onde ambos residiam, e não é feita nem na matéria de facto nem na decisão de direito qualquer menção à questão da restituição do montante de € 4987, 97 pela Ré ao ora Autor. 7. A considerar-se que a decisão recorrida não padece do vício que lhe é imputado, o que não se concebe, a verdade é que o art. 17º da petição inicial onde se refere que o “o primeiro(ora autor) entregou a quantia de um milhão de escudos à CC pelo direito à metade indivisa do prédio” não foi impugnado pela ora Ré, sendo certo que, é regra basilar do ónus de impugnação, a de que o réu, ao contestar, “deve tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor” – nº 1 do art. 574º do CPC. 8. Em sede de audiência de discussão e julgamento qualquer meio de prova que comprove que a Ré restituiu o referido valor ao ora Autor, pelo que, salvo o devido respeito por melhor opinião, deve fazer-se constar da lista de factos assentes os seguintes factos: d) O Autor despendeu na compra de metade indivisa do prédio descrito em 7) da lista de factos assentes o montante de € 4 987,97. e) A Ré não restituiu ao Autor o montante de € 4987, 97 gasto na aquisição de metade na compra de metade indivisa do prédio descrito em 7) da lista de factos assentes. 9. A considerar-se que a decisão ora em crise não padece do vício da nulidade que lhe é apontado ou que o ónus da impugnação foi devidamente cumprido, o que não se concebe, ainda assim, no caso concreto, ocorreu uma violação do princípio do contraditório, uma vez que sendo a enunciação dos temas da prova um instrumento ou ferramenta processual que permite orientar os sujeitos processuais no desenvolvimento da fase de produção de prova, com vista a que se alcance o verdadeiro fim desta e que se assume como orientador do rumo da instrução, das questões factuais que importa demonstrar, sem prejuízo de, por respeito à realidade histórica, em face de elementos e dados entretanto adquiridos, ou por via de uma mais criteriosa análise das posições e alegações das partes plasmadas nos articulados apresentados no processo, tal instrumento admitir alterações e adaptações em conformidade à perspectiva então alcançada, no caso concreto não foi comunicada às partes qualquer alteração dos factos dados como assentes nem dos temas de prova, nem concedida às partes a possibilidade de, conforme previsto no art.º 598.º do CPC, aplicado a coberto do regime inserto no art.º 547.º do CPC, requerer eventuais meios de prova a produzir sobre os mesmos” 10. Atendendo a que as partes no presente pleito não foram expressamente advertidas para qualquer alteração nos factos dados como assentes e dos temas da prova, e consequentemente, não puderam as mesmas pronunciar-se acerca da referida alteração e requerer novos meios de prova, nomeadamente sobre a identidade dos titulares da conta sobre o qual foi emitido o cheque junto com a questão e saber se o mesmo foi descontado, tendo assim sido manifestamente violado in casu, o principio do contraditório, deve a decisão recorrida ser anulada conforme preceitua o art. 662º, nº 2, al c) do CPC , tendo em vista a ampliação da matéria de facto a submeter à instrução, e ser concedido às partes o direito de alterarem os requerimentos probatórios apresentados. 11. Entre os pedidos formulados pelo ora Autor na sua petição inicial figura o pedido de declaração da dissolução da união de facto outrora existente entre autor e Ré desde 29.08.20232, sendo entendimento do Tribunal recorrido não compete ao tribunal declarar a cessação da união de facto. 12. A declaração judicial de dissolução da união de facto deve ser proferida na acção mediante a qual o interessado pretende exercer direitos dependentes da dissolução da união de facto, ou em acção que siga o regime processual das acções de estado (art. 8º, nº 3, da Lei 7/2011 de11.05) quer se entenda que tal pedido é condição da acção destinada ao exercício do direito, qualquer que seja o instituto a que se recorre para obter o efeito patrimonial pretendido, desde que o direito exercitado tenha origem na união de facto e causa na dissolução da mesma, ou que a mesma é um pressuposto do reconhecimento desse direito que se pretende fazer valer nada impedindo que o tribunal declare tal dissolução, não obstante a mesma não ter sido peticionada. 13. Atendendo a que, o ora Autor formulou nos presentes autos o pedido de declaração da união de facto, e tal pedido não foi conhecido do Tribunal a quo, mister se torna concluir que a decisão ora em crise está ferida de nulidade porquanto o ora o Tribunal recorrido não conheceu de questão que deveria conhecer (art. 615º, nº 1, al d) d CPC), a saber a dissolução da união de facto entre Autor e Ré. 14. A decisão ora em crise padece ainda do vício da oposição entre a fundamentação de facto e de direito (art. 615º, nº 1, al c) do CPC) porquanto resulta como provado no ponto 15 da matéria de facto que “as obras foram executadas pelo autor com o auxílio de alguns trabalhadores ao seu serviço e do ponto 16 decorre que “os custos com as obras foram suportadas em comum pelo autor e pela Ré da respectiva fundamentação de direito o que resulta da matéria de facto dada como provada é que a vida diária do agregado familiar era da responsabilidade da ré, mas foi a atividade profissional do autor na construção civil que permitiu as obras que foram executadas, as quais foram executadas pelo autor com o auxílio de alguns trabalhadores ao seu serviço”. 15. Existe uma clara contradição entre o ponto16 da matéria de facto e este excerto da decisão recorrida, e entre este excerto da decisão recorrida e um outro que consta da motivação “neste contexto o tribunal considerou provado que os custos das obras foram suportados em comum pelo autor e pela ré, uma vez que era o que correspondia à normalidade e foi o que resultou do depoimento das testemunhas ouvidas designadamente da testemunha DD”. 16. A prova documental junta aos presentes autos não permite concluir que a ora Ré tivesse comparticipado com qualquer valor para a execução das obras, com excepção dos valores que foram entregues pelos filhos da mesma ao Autor. 17. Da análise do histórico dos rendimentos da Ré junto pelo ISS,IP desde 2003 até 2019 auferiu de rendimentos do trabalho de valor substancialmente reduzido, e, entre os anos de 2012 até 2015 não exerceu qualquer atividade profissional, pelo que atentas as regras da experiência comum afigura-se de todo inverosímil que a Ré mulher com os seus parcos rendimentos e com uma filha a seu cargo, pudesse contribuir financeiramente para a execução das obras ora em causa, sendo certo que, tais rendimentos eram substancialmente reduzidos até para prover ao sustento de ambas. 18. A Ré sustenta na sua contestação, mais concretamente no ponto 24, que os seus pagaram ao autor um total de € 9500, 00 (nove mil e quinhentos euros) e não apenas € 9 000, 00 (nove mil euros) conforme alega o Autor.” 19. Se é a própria Ré a afirmar que os seus filhos contribuíram apenas com € 9500, 00, a Ré no período em que tiveram lugar a sobras sempre auferiu de rendimentos do trabalho bastante reduzidos, e não foi alegado nem provado que a mesma tinha outras fontes de rendimento, não se pode concluir que a Ré tenha contribuído de igual forma para o esforço financeiro exigido pela reconstrução/ampliação do imóvel ora em causa, tanto mais, que, conforme resulta do ponto 15 da matéria de facto o próprio Autor executou pessoalmente parte desses mesmos trabalhos. 20. A considerar-se que a decisão recorrida não padece do vicio da oposição entre a matéria de facto e a matéria de direito, sempre se deverá considerar, atento o extracto de remunerações junto aos presentes autos pelo ISS, IP que, atentas as regras da experiencia comum dados os parcos rendimentos auferidos pela autora, composição do seu agregado familiar, que os mesmos apenas asseguravam a sua subsistência e em moldes muito precários, sendo de todo inverosímil que a mesma tivesse contribuído com recursos próprios para a execução das obras de reconstrução e ampliação da habitação ora em causa como resulta da decisão ora em crise. 21. Atenta a contestação oferecida pela própria Ré, mais concretamente o ponto 24 da mesma e o extracto de remunerações junto aos autos pelo ISS,IP deve expurgar-se da lista de factos assente o ponto 16 da mesma, onde se lê que “os custos com as obras foram suportados em comum pelo Autor e pela Ré”, dado não ter sido produzido qualquer meio de prova que suporte tal facto, e, como corolário lógico, uma vez que o Autor sempre foi um empresário do ramo da construção civil, e, foi o mesmo quem executou juntamente com os seus funcionários os trabalhos de reconstrução/ampliação da moradia, deve ser dado como provado que “o Autor suportou a totalidade dos custos com as obras no prédio” (ponto 1. Da lista de factos não provados). 22. A composição dos interesses patrimoniais conflituantes dos membros da união de facto, consequente à sua extinção deverá assentar no instituto do enriquecimento sem causa uma vez que este assegura uma tutela adequada àquela composição. 23. A divisão do valor do incremento patrimonial obtido em virtude da realização das obras não pode ser dividido em partes iguais entre Autor e Ré porquanto foi este quem suportou os custos de aquisição de materiais e mão-de-obra de execução dos trabalhos de reconstrução e ampliação do prédio descrito em 7 dos factos assentes. 24. Atendendo a que as obras executadas pelo ora Autora representaram um incremento patrimonial no montante de € 199 710, 00, o valor a restituir pela Ré ao ora Autor é o valor das obras que foram executadas no prédio e que aumentaram o seu valor, num total de € 199 710, 00, deduzido dos valores já entregues, no montante de € 11450, 00, ou seja, € 188 260, 00 25. Porque o Tribunal a quo não considerou o valor entregue pelo Autor para aquisição de metade indivisa do prédio ora em causa e que a Ré ainda não restituiu ao autor, ao referido valor deve ainda acrescer o montante de € 4 987, 97 que a Ré ainda não restituiu ao Autor referente à aquisição da metade indivisa do prédio ora em causa. 26. Em suma, o valor a restituir pela Ré ao ora Autor ascende ao montante de € 193 247, 97, sendo que € 188 260, 00 respeitam ao valor das benfeitorias realizadas pelo ora Autor no imóvel melhor descrito em 7 da lista de factos assentes e € 4987, 97 respeitam ao valor que o Autor entregou à Ré para adquirir metade indivisa do mesmo imóvel e que esta não lhe restituiu, valores esses acrescidos de mora desde a citação até ao efectivo e integral pagamento.
Termos em que Deve a decisão recorrida ser parcialmente revogada e, consequentemente, substituída por uma outra que: a) Declare a cessação da união de facto entre Autor e Ré; b) Conde a Ré a restituir ao Autor a quantia de € 193 247, 97, sendo que € 188 260, 00 respeitam ao valor das benfeitorias realizadas pelo ora Autor no imóvel melhor descrito em 7 da lista de factos assentes e € 4987, 97 respeitam ao valor que o Autor entregou à Ré para adquirir metade indivisa do mesmo imóvel e que esta não lhe restituiu, valor esse acrescido de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento, pois só assim se fará Justiça!».
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Por sua vez, a Ré finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões (que igualmente se transcrevem):
«I. Por sentença proferida pelo Tribunal recorrido foi decidido o “julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência: parcialmente procedente e, em consequência: Condeno a ré a restituir ao ator a quantia de €88.405,00 (oitenta e oito mil quatrocentos e cinco euros), acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento; Condeno a ré a restituir ao autor uma mobília de quarto composta por cama, duas mesas de cabeceira e uma cómoda que decorava o quarto onde dormia com a ré, três mobílias compostas por cama e duas mesas de cabeceira que decoravam os três quartos da habitação, um móvel de televisão, um louceiro, um aparador, um sofá de canto, uma mesa de centro, armários de cozinha, uma mesa e quatro cadeiras, uma escrivaninha, armários para a cozinha existente no rés-do-chão e ferramentas; Absolvo a ré dos restantes pedidos contra si formulados .” II. No entanto, a Recorrente não se pode conformar com a sentença proferida. III. De tal forma que a prova documental junta aos autos conjugado com a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, se a mesma tivesse sido devidamente valorada, interpretada e apreciada criticamente teria necessariamente de levar a uma decisão diversa daquela que foi proferida. IV. Isto porque o Recorrido, na sua petição inicial peticionou em ação declarativa com processo comum que deveria a ação ser declarada a dissolução da união de facto outrora existente entre Autor e Ré desde ../../2023; deve a ora Ré ser condenada a restituir ao Autor a quantia de €4987,97 acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento, valor esse correspondente ao montante por si entregue a CC para pagamento do preço de aquisição da metade indivisa do prédio; ser a Ré condenada a restituir ao Autor o valor do imóvel com as dependências, obras e melhoramentos nela efetuados assim como no seu logradouro e quintal; e ser a Ré condenada a entregar ao autor móveis e maquinaria. V. Ação essa que foi contestada pela Recorrente, pedindo que a mesma fosse julgada totalmente improcedente, por não provada. VI. Não obstante, o Tribunal a quo, considerou a ação parcialmente procedente, condenando a ré a restituir ao autor a quantia de €88.405,00 (oitenta e oito mil quatrocentos e cinco euros), bem como restituir ao autor mobília de quarto, o que não se pode aceitar. VII. Não pode o Recorrente concordar com tal entendimento, por considerar haver erro de julgamento na apreciação da prova e por considerar não ter feito o Meritíssima Juiz a quo a mais correta e adequada interpretação das normas jurídicas relevantes para o caso em questão. VIII. A Recorrente considera que foi incorretamente julgado como provado o facto considerado como provado sob o n.º 17, atenta a prova documental junta aos autos, a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, impor sobre esses concretos pontos da matéria de facto impugnados uma decisão diversa da recorrida. IX. Foi considerado como facto provado n.º 17 que A ré e os filhos entregaram ao autor as quantias de €2.450,00 e €9.000,00 para o compensar pela sua parte nos custos com as obras. X. Ora, não pode de todo a Recorrente concordar, por considerar que o mesmo foi incorretamente dado como provado, em virtude de existir prova credível e suficiente produzida em audiência de julgamento para o considerar como não provado e considerar como provado que foram entregues as quantias de €5.500,00 e €9.500,00 ao aqui Réu, perfazendo um total de €15.000,00 (quinze mil euros) XI. Resulta assim, dos depoimentos da Recorrente e da testemunha DD que foram entregues ao Recorrido a quantia global de €15.000,00 (quinze mil euros) correspondente a €5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros) entregues pela Recorrente e €9.500,00 (nove mil e quinhentos euros) entregues pelos filhos da Recorrente. XII. Tal resulta do depoimento da Recorrente, no qual explica que ajudaram o Recorrido a suportar as obras executadas, tendo para o efeito sido entregue, ao Recorrido, a quantia de €5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros) por parte da Ré, e também os filhos [da Recorrente] contribuíram com dinheiro no valor total de €9.500,00 (nove mil e quinhentos euros). (sessão de 03 de fevereiro de 2025, disponibilizada na plataforma Citius, Faixa 1, início às 10:43h e termo às 10:54h, passagem de 01:24 minutos a 02:58 minutos). XIII. Bem como resulta do depoimento da testemunha DD, tanto esta como o irmão deram em conjunto a quantia de €9.500,00 para ajudar na execução das obras, no ano de 2008, sendo que a testemunha deixou de contribuir para a execução das obras quando saiu de casa, visto ter outras despesas para suportar, nomeadamente a renda. (sessão de 03 de fevereiro de 2025, disponibilizada na plataforma Citius, Faixa 8, início às 11:48h e termo às 12:09h, passagem de 05:50 minutos a 07:50 minutos) XIV. Resulta assim da reapreciação da prova gravada, que o facto provado n.º 17, deve ser alterado, ficando provado que a Ré e os filhos entregaram ao autor a quantia de €5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros) e €9.500,00 (nove mil e quinhentos euros), para compensar pela sua parte nos custos com as obras, o que perfaz o total de €15.000,00 (quinze mil euros). XV. Assim sendo, e com a alteração do referido facto provado, nos termos suprarreferidos, conjugado com o instituto do enriquecimento sem causa, e o quantitativo de empobrecimento do Recorrido, implica que a ação seja julgada totalmente improcedente e a Recorrente seja absolvido dos pedidos constantes da petição inicial, uma vez que o Recorrido se encontra totalmente ressarcido dos gastos. XVI. Ora, a Relação, em recurso, pode oficiosamente ou a requerimento da parte recorrente reapreciar, anular e alterar a decisão proferida, sendo que o recurso que venha a ser interposto da sentença abrange, obviamente, a decisão sobre a matéria de facto (cfr. artigo 662.º do Código de Processo Civil). XVII. Assim, a Recorrente pretende a alteração da matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil XVIII. Pelo que, tendo havido gravação da prova, o Tribunal da Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em conta o conteúdo das alegações da Recorrente e Recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados (cfr. artigo 662.º, n.º 2, a) e b) do Código de Processo Civil). XIX. Resulta assim do exposto que os concretos factos acima mencionados foram incorretamente julgados, impondo-se assim a sua respetiva alteração nos termos indicados pela ora Recorrente. XX. Acresce que, o Tribunal Recorrido ao decidir como decidiu violou o disposto nos artigos 473.º, 479.º e 480.º do Código Civil. XXI. A Recorrente foi condenar a restituir ao Autor a quantia de €88.405,00 (oitenta e oito mil quatrocentos e cinco euros), acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento, o que não se pode aceitar. XXII. Uma vez que a condenação da Recorrente na restituição da mencionada quantia implicaria um beneficio ao Recorrido bastante superior à medida do seu empobrecimento. XXIII. Ora, verifica-se o enriquecimento sem causa sempre que alguém sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem, sendo por isso obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. (cfr. artigo 473.º do Código Civil). XXIV. No entanto, a medida da restituição, não pode, em caso algum, exceder a medida do empobrecimento do lesado.( cfr. artigo 479.º, n.º 2 CC). XXV. Pelo que, caso se verifiquem os pressupostos do enriquecimento sem causa é sempre necessário ter em conta o limite da restituição, limite esse que se cifra na medida do empobrecimento do lesado.(neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no âmbito do processo n.º 5659/23.8T8PRT.P1, datado de 21/03/2024). XXVI. Que é o que efetivamente se verifica nos presentes autos. XXVII. A condenação da Ré na restituição de €88.405,00 (oitenta e oito mil quatrocentos e cinco euros), corresponde a uma violação do disposto no artigo 479.º do Código Civil. XXVIII. Pois, conforme resulta dos autos, o Autor não fez prova dos custos que suportou com as obras, sendo que, conforme resulta da contestação da Ré, os custos nunca seriam superiores a €15.000,00 (quinze mil euros). XXIX. Valor esse que já se encontra efetivamente restituído ao Autor, conforme resulta da prova gravada e dos depoimentos da Ré e da testemunha DD (sessão de 03 de fevereiro de 2025, disponibilizada na plataforma Citius, Faixa 1, início às 10:43h e termo às 10:54h, passagem de 01:24 minutos a 02:58 minutos; e (sessão de 03 de fevereiro de 2025, disponibilizada na plataforma Citius, Faixa 8, início às 11:48h e termo às 12:09h, passagem de 05:50 minutos a 07:50 minutos). XXX. Concluindo-se que o Autor/Recorrido nunca poderá receber mais do que aquilo em despendeu, nomeadamente na realização de obras, muito menos receber o valor correspondente a metade do aumento patrimonial, nomeadamente a quantia de €88.405,00 (oitenta e oito mil quatrocentos e cinco euros), conforme resulta da sentença proferida e com a qual não pode a Recorrente concordar. XXXI. Considerando que o Recorrido já se encontra devidamente compensado nos custos com as obras, nomeadamente mediante a entrega por parte da Recorrente e dos seus filhos da quantia de €15.000,00 (quinze mil euros), não se verifica o enriquecimento da Recorrente, nem muito menos o empobrecimento do Recorrido. XXXII. Motivo pelo qual deveria ter sido proferida sentença que julgasse totalmente improcedente as pretensões do Autor/Recorrido. XXXIII. Analisado o supra exposto, articulado com o conteúdo da douta sentença ora recorrida, é possível constatar que houve efetivamente a violação do instituto do enriquecimento sem causa uma vez que o Recorrido, será beneficiado em quantia superior àquela em que se viu empobrecido e, apesar disso, a sentença ora recorrida decidiu em sentido contrário àquilo que foi a prova produzida em audiência de julgamento, como a prova testemunhal. XXXIV. Atento o referido, entende o Recorrente que a sentença recorrida não devia ter julgado a ação procedente, mas antes improcedente, uma vez que o Recorrido já se encontra devidamente ressarcido das quantias em que se verificou o empobrecimento. XXXV. Por tudo acima exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente, com as legais consequências daí advenientes.
Nestes termos, e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a ação totalmente improcedente, por não provada, com as legais consequências daí advenientes. ASSIM FARÃO V.EX.AS INTEIRA JUSTIÇA».
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Contra-alegou o autor, pugnando pelo não provimento do recurso interposto pela ré.
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Os recursos foram admitidos como de apelação, a subirem imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Delimitação do objeto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].
No caso, tendo sido apresentados dois recursos autónomos, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:
i) - Da nulidade da sentença atinente à falta de alteração do valor da causa (apelação do autor);
ii) – Da(s) nulidade(s) da sentença com fundamento na al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC (apelação do autor);
iii) - Da nulidade da sentença com fundamento na al. c) do n.º 1 do art. 615º do CPC (apelação do autor);
iv) - Da impugnação da decisão da matéria de facto (comum a ambas as apelações);
v) - Da “liquidação” e “partilha” dos interesses patrimoniais dos membros da união de facto resultante da dissolução da relação (comum a ambas as apelações);
vi) - Da declaração da dissolução da união de facto (apelação do autor);
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III. Fundamentos
IV. Fundamentação de facto A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1. A partir do ano de 1998, o autor e a ré passaram a viver juntos como se de marido e mulher se tratasse, partilhando cama, mesa e habitação;
2. No dia ../../2023, o autor e a ré terminaram o relacionamento que existia entre ambos;
3. No dia 20 de Outubro de 2023, o autor deixou a casa onde ambos residiam;
4. No período em que viveram juntos o autor dedicava-se à actividade de construção civil e a ré era operária fabril e empregada doméstica em diversas habitações;
5. No primeiro ano o agregado familiar era constituído pelo autor, a ré, a filha da ré e a mãe da ré;
6. Passado cerca de um ano a filha da ré saiu de casa e o agregado familiar passou a ser constituído pelo autor, a ré e a mãe da ré;
7. Na partilha da herança aberta pelo falecimento do seu pai foi adjudicada à ré metade indivisa do prédio que actualmente corresponde ao prédio urbano composto por uma casa com dois pisos e logradouro, com a área total de 2.115 m2, situado na Rua ..., em ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº...20 e inscrito no art. ...88º da matriz predial respectiva;
8. A outra metade indivisa do prédio foi adjudicada a uma irmã da ré;
9. Por escritura pública outorgada no dia 28 de Julho de 2003 no Cartório Notarial ..., a irmã da ré declarou que vendia à ré a metade indivisa do prédio que lhe tinha sido adjudicada e esta declarou que a comprava, pelo preço de € 500,00;
10. Pese embora tenha sido declarado este preço, a ré entregou à irmã a quantia de € 5.500,00;
11. Esta quantia foi entregue pela ré à irmã;
12. O autor e a ré decidiram fazer obras de melhoramento do prédio;
13. Antes das obras o prédio tinha o valor de € 28.490,00;
14. Em consequência das obras, quando terminou o relacionamento que existia entre o autor e a ré o prédio tinha o valor de € 228.200,00;
15. As obras foram executadas pelo autor com o auxílio de alguns trabalhadores ao seu serviço;
16. Os custos com as obras foram suportados em comum pelo autor e pela ré;
17. A ré e os filhos entregaram ao autor as quantias de € 2.450,00 e € 9.000,00 para o compensar pela sua parte nos custos com as obras;
18. O autor adquiriu os móveis que existiam na casa onde residia com a ré;
19. O autor adquiriu uma mobília de quarto composta por cama, duas mesas de cabeceira e uma cómoda que decorava o quarto onde dormia com a ré, três mobílias compostas por cama e duas mesas de cabeceira que decoravam os três quartos da habitação, um móvel de televisão, um louceiro, um aparador, um sofá de canto, uma mesa de centro, armários de cozinha, uma mesa e quatro cadeiras, uma escrivaninha, armários para a cozinha existente no rés-do-chão e ferramentas;
20. Durante o período em que o autor e a ré viveram juntos, era esta e a mãe que faziam os trabalhos domésticos e suportavam as despesas com a alimentação;
21. O autor foi condenado pela prática do crime de violência doméstica contra a ré, tendo esta condenação sido na parte cível no pagamento de uma indemnização no montante de € 1.400,00.
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E deu como não provados quaisquer outros factos, designadamente os seguintes:
Com relevância para a decisão da causa não resultaram provados
1. O autor suportou a totalidade dos custos com as obras no prédio;
2. O autor e a ré acordaram que se o relacionamento que existia entre ambos terminasse a ré entregava ao autor o montante que despendeu com as obras;
3. O autor adquiriu os electrodomésticos que existiam na casa onde residia com a ré.
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V. Fundamentação de direito.
1. Nulidade(s) da sentença.
1.1. Breves considerações gerais.
Como é sabido, é através da sentença, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, que o juiz diz o direito do caso concreto (arts. 152º, n.º 2 e 607º, ambos do CPC).
Pode, porém, a sentença estar viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito.
Assim, por um lado, nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto acto jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC[2].
As nulidades de decisão são, pois, vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando), seja em matéria de facto, seja em matéria de direito[3].
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão (art. 613º, n.º 3, do CPC) são as que vêm taxativamente enumeradas no n.º 1 do art. 615º do CPC.
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1.2. Da falta de alteração do valor da causa.
Dispõe o art. 296º (“Atribuição de valor à causa e sua influência”) do CPC que:
“1. A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”. 2 - Atende-se a este valor para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal. 3 - Para efeito de custas judiciais, o valor da causa é fixado segundo as regras previstas no presente diploma e no Regulamento das Custas Processuais”.
O valor da causa há-de, pois, representar a utilidade económica imediata que pela acção se pretende obter, ou seja, deve ser a expressão monetária do benefício que pela acção se pretende assegurar.
Estabelece o CPC, a par de critérios gerais (art. 297º), critérios especiais (art. 298º) para a fixação do valor e também critérios específicos para as acções que tenham por objeto prestações vincendas ou periódicas (art. 300º), um acto jurídico negocial (art. 301º), um direito real (art. 302º) ou o estado das pessoas e interesses materiais ou difusos (art. 303º).
Por referência aos critérios gerais para a fixação do valor, “[s]e pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício.” - n.º 1 do art. 297º.
No caso de se cumularem na mesma acção diversos pedidos, o valor é a quantia correspondente ao somatório dos valores de todos eles; mas quando se pedirem juros e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos. - cfr. n.º 2 do preceito legal citado.
Na petição, com que propõe a acção, o autor deve declarar o valor da causa e se o réu não o impugnar tal significa que aceita o valor atribuído pelo autor (cfr. arts. 552º, n.º 1, al. f) e 305º, n.º 4, todos do CPC); no articulado em que deduza a sua defesa, pode o réu impugnar o valor da causa indicado na petição inicial, contanto que ofereça outro em substituição; nos articulados seguintes podem as partes acordar em qualquer valor (art. 305º, n.º 1, do CPC).
Porém, é ao juiz que compete fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes, sendo o momento processualmente adequado para tal efeito o despacho saneador, salvo nos processos a que se refere o n.º 4 do art. 299.º e naqueles em que não haja lugar a despacho saneador, sendo então fixado na sentença (cfr. art. 306º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
A determinação do valor da causa, quando as partes não tenham chegado a acordo ou quando o juiz o não aceite, faz-se em face dos elementos que constam do processo ou, mostrando-se estes insuficientes, mediante as diligências indispensáveis, que as partes requererem ou o juiz ordenar (cfr. art. 308º do CPC).
Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta, excepto quando haja reconvenção ou intervenção principal (art. 299, n.º 1, do CPC).
Porém, nos “processos de liquidação ou noutros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, o valor inicialmente aceite é corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários” (n.º 4 do art. 299º do CPC).
No caso “sub judice”, o autor, na petição inicial, atribuiu à causa o valor de € 84.890,00, que a ré tacitamente aceitou (pois não o impugnou).
Findos os articulados, o Tribunal da 1ª instância, no despacho saneador de 13/05/2024, fixou à causa o indicado valor de € 84.890,00.
Posteriormente, por requerimento datado de 02.02.2025, o Autor requereu, ao abrigo do art. 299º, n.º 4, do CPC a alteração do valor da acção para o valor fixado no relatório pericial, qual seja, € 228 200,00.
Não obstante o requerido pelo Autor, o Tribunal “a quo” não se pronunciou quanto à pretendida alteração do valor da causa.
Como já se referiu, o momento juridicamente atendível para fixação do valor da causa é o da instauração da acção (art. 299º, n.º 1, do CPC).
Desta norma apenas se excepcionam os casos em que seja deduzida reconvenção ou intervenção principal. Bem como aqueloutros que correspondem a um processo de liquidação ou cuja utilidade económica do pedido só se define na sequência da acção.
No caso, não ocorre nenhuma destas excepções, designadamente a hipótese prevista no n.º 4 do art. 299º do CPC, pelo que não há que alterar o valor da causa fixado no despacho saneador.
E, sendo o momento da instauração da acção aquele que tem de ser considerado, é igualmente irrelevante, para efeitos de fixação do valor da causa, o resultado do relatório pericial.
Por conseguinte, embora tenha sido formulada a alteração do valor da causa, tal pretensão não tem por si só a virtualidade de influenciar a fixação do valor da causa.
Nesta conformidade, improcede o indicado fundamento da apelação.
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1.3. Nulidade(s) da sentença com fundamento na al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC.
Nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC, a sentença é nula quando o “juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Como vício de limites, a nulidade da sentença/decisão enunciada no citado normativo divide-se em dois segmentos, sendo o primeiro atinente à omissão de pronúncia e o segundo relativo ao excesso de pronúncia ou de pronúncia indevida. O juiz conhece de menos na primeira hipótese e conhece de mais do que lhe era permitido na segunda.
Na primeira vertente, a única que ora releva, a nulidade decorre da exigência prescrita no n.º 2 do art. 608.º do CPC, nos termos do qual o “juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
Verifica-se a omissão de pronúncia quando o juiz deixe de conhecer, sem prejudicialidade, de todas as questões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada[4].
Questões, para o efeito do disposto na al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC, são, “em primeiro lugar, todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, qualquer que seja a forma como são deduzidas (pedidos, excepções, reconvenção)”, podendo ser ainda considerados para esse efeito “os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos (controvertidos ou questionados) entre as partes”[5].
Doutrinária[6] e jurisprudencialmente[7] tem sido entendido de que só há nulidade quando o juiz não se pronuncia sobre verdadeiras questões não prejudicadas invocadas pelas partes, e não perante a argumentação invocada pelas partes. Por questões não se devem considerar as razões ou argumentos apresentados pelas partes, mas sim as pretensões (pedidos), causa de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer. O que “não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido (…)”[8].
O juiz não tem, por isso, que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente[9]. De igual modo, o juiz não deverá conhecer questões cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução já dada a outras.
No caso em apreço o autor/recorrente erige a nulidade da sentença com o fundamento de a mesma não só colocar em causa factos dados como assentes como não dar resposta a um dos temas de prova enunciado no despacho saneador, qual seja, o atinente à restituição, pela Ré ao autor, da quantia de € 4.987,97 que este despendeu na compra da casa onde ambos residiam, sendo essa questão omissa quer na matéria de facto, quer na decisão de direito.
Com o devido respeito, afigura-se-nos que a questão colocada pelo recorrente – inclusão (por aditamento/ampliação) dos factos supra invocados no rol dos factos provados – não se situa ao nível da nulidade da sentença, tendo sim reflexos em sede de eventuais patologias de que a matéria de facto da sentença possa enfermar.
Com efeito, importa ter presente que, nos termos do disposto no art. 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, devendo indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
Igualmente há que ter presente a regra geral enunciada no art. 5º do CPC, donde resulta que o tribunal deverá considerar os factos articulados pelas partes que sejam essenciais, sendo que estes tanto podem constituir a causa de pedir e ter sido alegados pelo autor, como dizerem respeito a excepções invocadas pelo réu.
Assim, na enunciação dos factos provados como dos não provados cabe necessariamente uma pronúncia (positiva, negativa, restritiva ou explicativa) sobre os factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir ou para fundar as excepções, e de outros factos, também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a acção ou a excepção proceda[10].
Acontece que, como refere Abrantes Geraldes[11], a decisão da matéria de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, podendo – e devendo – algumas delas ser solucionadas de imediato pela Relação, ao passo que outras poderão determinar a anulação total ou parcial do julgamento.
Como concretização de tais patologias enuncia o citado autor que as decisões sob recurso “podem revelar-se total ou parcialmente deficientes”, “resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares”, “de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso”.
Verificado esse vício, para além de o mesmo ser sujeito a apreciação oficiosa da Relação, poderá esta supri-lo a partir dos elementos que constam do processo ou da gravação.
Pode, assim, “revelar-se uma situação que exija a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo”, faculdade esta que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a Relação se confronte com uma omissão objetiva de factos relevantes”; nesse caso, ao invés de anular a decisão da 1ª instância, se estiverem acessíveis todos os elementos probatórios relevantes, “a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas”.
O vício em causa será eventualmente subsumível ao regime específico previsto no art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC – qualificação esta que foi igualmente considerada e ponderada pelo recorrente –, do qual resulta que a Relação deve, mesmo oficiosamente anular “a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
Com efeito, a deficiência da decisão da matéria de facto poderá decorrer da omissão de pronúncia quanto a algum facto controvertido, sendo de destacar que todos os factos controvertidos devem ser apreciados pelo tribunal, sem que entre eles possa ser estabelecida qualquer relação de prejudicialidade que dispense a pronúncia sobre outros[12].
Nesta conformidade, a aludida objeção – inclusão dos factos invocados pelo autor/recorrente no elenco dos factos provados –, não consubstanciando uma nulidade da sentença, será, sim, ulteriormente analisada aquando da pronúncia sobre a impugnação da decisão da matéria de facto[13].
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1.4. Ainda em sede de nulidade da sentença e com o mesmo fundamento [al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC], aduz o recorrente que, tendo formulado nos autos o pedido de declaração da dissolução da união de facto, e não tendo sido conhecido esse pedido por o Tribunal se ter declarado incompetente para dele conhecer a decisão em crise está ferida de nulidade porquanto o Tribunal recorrido não conheceu de questão que deveria conhecer, a saber, a dissolução da união de facto.
Constata-se efectivamente que, na petição inicial, o autor pediu que seja “declarada a dissolução da união de facto outrora existente entre autor e Ré desde ../../2023”.
Sobre este pedido, o Tribunal “a quo” pronunciou-se nos seguintes termos: “O autor pretende que seja declarado que a união de facto com a ré cessou no dia ../../2023. Nesta parte a acção é improcedente porque não compete ao tribunal declarar a cessação da união de facto”. Em abono da sua pretensão, o recorrente sustenta existirem duas posições jurisprudenciais, uma delas segundo a qual tal pedido – da declaração judicial da dissolução da união de facto – carece de ser formuladona acção na qual pretenda exercer direitos de natureza patrimonial sobre o património gerado na pendência da união e em resultado da mesma; e uma outra posição, nos termos da qual tal pedido não carece sequer de ser formulado na acção.
Seja como for, o que se impõe concluir, na questão sub júdice, é que inexiste efetiva omissão de pronúncia, posto o Tribunal recorrido ter julgado essa questão improcedente, sob a alegação de não lhe competir «declarar a cessação da união de facto».
Por conseguinte, o verdadeiro motivo do vício apontado pelo Autor/recorrente à sentença recorrida não consubstancia a referida nulidade, tendo antes a ver com um eventual erro de julgamento da matéria de direito[14]. Isto porque, na óptica do recorrente, a sentença impugnada terá incorrido numa errada interpretação e aplicação das normas jurídicas, o que é impugnável nos termos do disposto no art. 639º do CPC.
Podendo estar-se, portanto, perante um erro de julgamento (error in judicando), não é, porém, possível surpreender e, consequentemente, reconhecer, nessa sede, a comissão de qualquer vício gerador de nulidade da sentença (error in procedendo).
Trata-se, contudo, de circunstâncias, de vício e de regime completamente diversos do da nulidade da sentença.
Nesta conformidade, conclui-se pela improcedência da invocada nulidade da sentença com fundamento na al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC.
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1.5. Nulidade da sentença recorrida com fundamento na al. c) do n.º 1 do art. 615º do CPC.
Nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 615º do CPC, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
A mencionada causa de nulidade corresponde a um vício lógico da sentença que a compromete; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença»[15]. Não se trata de um simples erro material (em que o juiz, por lapso, escreveu coisa diversa da que pretendia escrever - contradição ou oposição meramente aparente), mas de um erro lógico-discursivo, em que os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, direção diferente (contradição ou oposição real)[16]. O que não é, também, confundível com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção dos factos concretos à correspondente previsão normativa abstrata, nem, tão pouco, a uma errada interpretação desta, vícios estes só sindicáveis em sede de recurso jurisdicional[17]. Na verdade, quando, embora indevidamente, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, está-se perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correta, verifica-se a apontada nulidade[18].
Subjacente a esta causa de nulidade está a ideia de que a sentença deve constituir um silogismo judiciário, em que a norma jurídica constitui a premissa maior, os factos provados a premissa menor e a decisão será a consequência lógica de tais premissas, não devendo, pois, existir qualquer contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão[19].
Esta nulidade substancial está para a decisão do tribunal como a contradição entre o pedido e a causa de pedir está para a ineptidão da petição inicial, posto que em ambos os casos falta um nexo lógico entre as premissas e a conclusão[20] (art. 186º, nºs 1 e 2, al. b) do CPC).
No tocante à 2ª parte da al. c) do n.º 1 do art. 615º do CPC – vícios que tornem a sentença ininteligível –, como ensina Remédio Marques[21], “a ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, seja da sua parte decisória, seja dos respetivos fundamentos”, e “a obscuridade, de acordo com a jurisprudência e doutrinas dominantes, traduz os casos de ininteligibilidade da sentença”.
“A sentença é obscura quando contém um passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos”[22].
Na verdade, a sentença tem de ser entendida pelos destinatários. Por isso a sentença tem de ser clara, de forma que na sua interpretação se não hesite entre dois sentidos e se conheça claramente o seu alcance[23].
Advoga o recorrente/autor existir uma clara contradição entre o ponto 16 da matéria de facto – “os custos com as obras foram suportadas em comum pelo autor e pela ré” – e o excerto da fundamentação de direito da decisão recorrida segundo o qual “a vida diária do agregado familiar era da responsabilidade da ré, mas foi a atividade profissional do autor na construção civil que permitiu as obras que foram executadas, as quais foram executadas pelo autor com o auxílio de alguns trabalhadores ao seu serviço”, bem como entre este excerto e um outro que consta da motivação, nos termos do qual “neste contexto o tribunal considerou provado que os custos das obras foram suportados em comum pelo autor e pela ré, uma vez que era o que correspondia à normalidade e foi o que resultou do depoimento das testemunhas ouvidas designadamente da testemunha DD”.
Com o devido respeito, inexiste a apontada contradição entre os factos provados e a fundamentação de direito, bem como com a motivação da decisão da matéria de facto.
Identicamente nesta parte se dirá que o verdadeiro motivo do vício apontado à sentença não consubstancia a indicada nulidade, tendo antes a ver com um eventual erro de julgamento da prova produzida com reflexo ao nível da decisão da matéria de facto – veja-se as considerações que o recorrente aduz a propósito da prova documental, com vista a demonstrar as comparticipações para a execução da obra, assim como o histórico dos rendimentos da Ré declarados junto do ISS, IP, desde 2003 até 2019 –, bem como da matéria de direito. Isto porque a valoração, fáctica e jurídica, feita na sentença recorrida poderá comportar uma errada análise e julgamento da matéria de facto submetida a juízo (arts. 662º e 640º do CPC) – impugnável por via do pedido de reapreciação da decisão da matéria de facto– e/ou uma errada subsunção dos factos ao direito, bem como uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas – impugnável nos termos do disposto no art. 639º do CPC.
O mesmo é dizer que os fundamentos de facto e de direito não apresentam, entre si, qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, além de que a decisão alcançada na sentença recorrida está em perfeita sintonia lógica com os fundamentos que lhe servem de suporte, inexistindo qualquer oposição entre o segmento decisório e a respetiva fundamentação.
Por conseguinte, podendo estar-se perante um erro de julgamento, quer ao nível da matéria de facto, como da matéria de direito (error in judicando), não é possível surpreender e, consequentemente, reconhecer nessa sede a comissão de qualquer vício gerador de nulidade da sentença (error in procedendo).
Como já se disse, trata-se de circunstâncias, de vícios e de regime completamente diversos do da nulidade da sentença.
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2. Da impugnação da decisão da matéria de facto.
2.1. Da violação de direito probatório material (relativamente ao ponto 17 da petição inicial).
Refere o Autor/recorrente que a matéria ínsita nesse ponto fáctico tem de ser dada como provada e levada aos factos assentes, porquanto a mesma não foi especificamente impugnada.
A questão colocada pelo recorrente, não tendo tanto a ver com a apreciação da prova produzida em julgamento, prende-se, antes, com a violação das regras de direito probatório material, mais precisamente de disposições legais expressas que fixam a força probatória de determinado meio de prova, isto é, um verdadeiro erro de aplicação de direito[24].
Preceitua o art. 607º, n.º 4 do CPC que, «[n]a fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».
Embora o legislador tenha consagrado o princípio da livre convicção da prova (art. 607º, n.º 5, 1ª parte do CPC), não deixou de instituir limitações a esse princípio.
Isso mesmo resulta do estatuído no n.º 5 do art. 607º do CPC, nos termos do qual o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, sendo que essa “livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Tais factos cuja prova resulta por admissão por acordo das partes estão submetidos ao regime da prova legal (tabelada ou tarifada), impondo-se ao juiz a força probatória de tais meios de prova, não tendo aquele qualquer margem de valoração acerca da factualidade expressa por tais meios probatórios[25].
Mas quais os factos que devem ser considerados admitidos por acordo ?
A lei dá resposta a esta questão ao prescrever que são de considerar admitidos por acordo:
- os factos (constitutivos da causa de pedir) alegados pelo autor na petição inicial que não forem impugnados pelo réu na contestação, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito (art. 574º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
- os factos (modificativos, impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo autor) alegados pelo réu na contestação que não forem impugnados pelo autor na réplica (ou, não havendo lugar a esta, aquando do exercício do contraditório nos termos do art. 3º, n.º 4, do CPC), conforme resulta do n.º 1 do art. 587º do CPC.
Ora, como é sabido, “[a]s provas têm por função a demonstração da realidade dos factos”. art. 341º do Código Civil (abreviadamente designado por CC) e a “instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova” (art. 410º do CPC).
Logo, se os factos já estão admitidos por acordo, não há necessidade de sujeitá-los a qualquer produção de prova ulterior, posto que tal se traduziria na prática de um acto processual inútil, proibido por lei (art. 130º do CPC).
Ora, como se sabe,ainda que não tenha sido considerado assente um facto confessado em articulado, é de atender ao mesmo na sentença ou acórdão, salvo se estiver em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível a confissão sobre ele ou se só puder ser provado por documento escrito (arts. 574º, n.º 2 e 607º, n.º 5, ambos do CPC). Ou seja, o efeito legal da admissão dos factos, por força do preceituado no n.º 2 do art. 574º do CPC, prevalece sobre a prova produzida em audiência.
Como explicita Vaz Serra[26], “(…) se os factos estiverem plenamente provados por documento ou por acordo das partes, essa prova não pode ser modificada mediante outros meios de prova: há, então, disposição legal que fixa a força de determinado meio de prova, pelo que o erro na fixação dos factos materiais da causa pode ser objecto de recurso de revista”.
Revertendo ao caso dos autos constata-se que, nos arts. 9º a 20º da p.i., o autor alegou que: «9. No ano de 2000, no âmbito do processo de inventário que correu termos extinto Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos, sob o nº 206/97, foi adjudicada à ora Ré ½ indivisa da raiz ou nua propriedade composto de casa de dois pavimentos e logradouro, situado no lugar de ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o nº ...88 e descrito na CReg. Predial de ... sob o nº...20 - (…). 10. sendo que a outra metade foi adjudicada à irmã da ora Ré, CC – (…), 11. e o usufruto a EE – (…). 12. Como no âmbito do referido processo de inventário, apenas foi adjudicada à Ré metade indivisa do prédio acima identificada, 13. logo após a partilha dos bens o ora Autor questionou a Ré se a irmã desta, CC, não estaria disponível para lhe vender a ele a restante metade indivisa do prédio pelo preço de 1 000 000$00 (um milho de escudos), 14. uma vez que estes precisavam de uma nova casa com mais espaço e onde pudessem viver condignamente juntamente com os demais elementos do agregado familiar. 15. e o Autor não estava disposto a investir as suas poupanças na reconstrução de um imóvel que fosse em parte propriedade de terceiro, 16. Como a referida CC aceitou a proposta que lhe foi feita por Autor e Ré, 17. o primeiro entregou a quantia (…) de um milhão de escudos à CC pelo direito à metade indivisa do prédio ora em causa. 18. Acontece porém que, quando o ora Autor questionou a Ré sobre a data em que iriam formalizar o negócio da compra e venda da metade indivisa do prédio, 19. esta informou o Autor de que a escritura e o registo da restante metade indivisa do prédio pertencente a sua irmã CC não poderiam ser feitos em nome deste porque a mãe da ora Autora era titular do usufruto sobre o referido prédio, 20. pelo que a nua propriedade do mesmo teria que ficar inscrita e registada apenas em nome da Ré» (sublinhado nosso).
Por sua vez, no art. 1º da contestação, a Ré declarou impugnar «os factos vertidos na petição inicial sob os nºs 1º,2º,7º,13º,14º,15º,16º (a proposta foi feita apenas pela Ré), 18º a 21.º, 33.º,36.º, 45.º ( um dos furos de água foi pago pela Ré),50.º (o Autor suportou apena metade do valor da legalização da casa);52º, 54.º, 55.º, 59.ºa 64.º, 76.º, 78.º, 80.º a 87.º,99.º,a 106.º, 118 a 121.º, 124.º a 126.º131.º, constituindo o demais alegado conclusões de direito que a Ré abaixo contestará».
O que significa que a Ré não impugnou, directa e expressamente, a factualidade incluída no ponto 17 da petição inicial.
Aquando da prolação do despacho a que alude o art. 596º do CPC subsequente ao saneador, na parte correspondente à identificação do objecto do litígio, o Tribunal recorrido fez constar o seguinte: “a Ré contestou alegando que já restituiu ao autor a quantia que despendeu na compra da casa onde ambos residiam e que não ocorreu qualquer enriquecimento sem causa do autor”; e, entre os temas da prova,incluiua questão de “saber se a Ré restituiu ao autor a quantia de € 4987,97 que despendeu na compra da casa onde ambos residiam”.
E na sentença recorrida o Tribunal “a quo” deu como provado que:
«9. Por escritura pública outorgada no dia 28 de Julho de 2003 no Cartório Notarial ..., a irmã da ré declarou que vendia à ré a metade indivisa do prédio que lhe tinha sido adjudicada e esta declarou que a comprava, pelo preço de € 500,00; 10. Pese embora tenha sido declarado este preço, a ré entregou à irmã a quantia de €5.500,00; 11. Esta quantia foi entregue pela ré à irmã»;
Ora, por força do estatuído no art. 574º, n.ºs 1 e 2, do CPC, impunha-se a inclusão no elenco dos factos provados da facticidade alegada no art. 17º da p.i., visto que, por não ter sido impugnada – e não estar em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, sendo admissível confissão sobre ela ou não podendo ser provada só por documento escrito –, a mesma deve ter-se como admitida por acordo.
Improcede, porém, a inclusão no elenco dos factos provados da facticidade objeto do segundo ponto pugnado pelo recorrente – «b) A Ré não restituiu ao Autor o montante de € 4987, 97 gasto na aquisição de metade na compra de metade indivisa do prédio descrito em 7) da lista de factos assentes» –, visto não ter sido feita prova desse facto negativo (e o mesmo não se mostrava admitido por acordo).
O que significa que a referida facticidade ter-se-á como englobada no rol dos factos não provados – o que, em rigor, equivale à sua não alegação, e não à demonstração do facto contrário –, posto não ter sido feito prova da sua verificação.
Em suma, adita-se ao rol dos factos provados, valendo como ponto 11-A, a seguinte factualidade:
11-A. O Autor entregou a quantia de um milhão de escudos para a aquisição, pela Ré, do direito à metade indivisa do prédio em causa.
Consequentemente, considera-se prejudicada a alegada violação do princípio do contraditório (conclusões 9 e 10 da apelação do autor).
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2.2. Em sede de recurso, os apelantes impugnaram a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.
Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o/a recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, o qual dispõe que:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)».
Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que a recorrente indica qual o facto que pretende que seja decidido de modo diverso, inferindo-se por contraponto a redação que deve ser dada quanto à factualidade que entende estar mal julgada, como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que faz assentar a sua discordância (reportamo-nos unicamente ao recurso interposto pela Ré, visto o autor não ter questionado a prova gravada), a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e localização, procedendo à respectiva transcrição de excertos dos depoimentos testemunhais e declarações de parte que considera relevantes para o efeito, pelo que podemos concluir que cumpriu suficientemente o triplo ónus de impugnação estabelecido no citado artigo 640º.
Assim, no caso sub júdice, o presente Tribunal pode proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada, uma vez que, tendo sido gravada a prova produzida em audiência, dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre o(s) facto(s) em causa.
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2.3. Ponto 16 dos factos provados e ponto 1 dos factos não provados.
Aduz o Autor/recorrente – no caso de se considerar que a decisão recorrida não padece do vício da oposição entre a matéria de facto e a matéria de direito, cuja objeção foi, de facto, julgada inverificada (item 1.5. do presente acórdão) –, que «se deverá considerar, atento o extracto de remunerações junto aos presentes autos pelo ISS, IP que, atentas as regras da experiencia comum dados os parcos rendimentos auferidos pela autora, composição do seu agregado familiar, que os mesmos apenas asseguravam a sua subsistência e em moldes muito precários, sendo de todo inverosímil que a mesma tivesse contribuído com recursos próprios para a execução das obras de reconstrução e ampliação da habitação ora em causa como resulta da decisão ora em crise» (conclusão 20).
E, atenta «a contestação oferecida pela própria Ré, mais concretamente o ponto 24 da mesma e o extracto de remunerações junto aos autos pelo ISS,IP deve expurgar-se da lista de factos assente o ponto 16 da mesma, onde se lê que “os custos com as obras foram suportados em comum pelo Autor e pela Ré”, dado não ter sido produzido qualquer meio de prova que suporte tal facto, e, como corolário lógico, uma vez que o Autor sempre foi um empresário do ramo da construção civil, e, foi o mesmo quem executou juntamente com os seus funcionários os trabalhos de reconstrução/ampliação da moradia, deve ser dado como provado que “o Autor suportou a totalidade dos custos com as obras no prédio” (ponto 1. Da lista de factos não provados)» (conclusão 21).
Não obstante o recorrente alicerçar a sua pretensão impugnatória com base no extracto de remunerações junto aos presentes autos pelo ISS, IP, a verdade é que parece olvidar que as respostas aos aludidos pontos fácticos impugnados não se alicerçaram unicamente nesse concreto meio probatório, mas igualmente nos depoimentos das testemunhas EE (mãe da ré), DD (filha ré), FF, GG, HH e II (todos eles trabalhadores que trabalharam nas obras que foram executadas no prédio aludido nos autos), sendo que do depoimento destes resultou que «o autor dedicava-se à actividade de construção civil, mas era um pequeno empresário, o que permite concluir que não tinha dimensão e capacidade económica para suportar sozinho os custos de obras como as que foram executadas».
Importa ter ainda presente mostrar-se provado – e não impugnado – que durante o período em que o autor e a ré viveram juntos em união de facto, era esta e a mãe que faziam os trabalhos domésticos e suportavam as despesas com a alimentação.
Ora, como se sumariou no Ac. da RP de 27/10/2016 (relator Aristides Rodrigues de Almeida), in www.dgsi.pt., tendo um dos membros da união contribuído apenas com trabalho não remunerado e o desempenho de tarefas domésticas em benefício do outro, que assim pôde dedicar-se à angariação de rendimentos, verifica-se um enriquecimento sem causa deste à custa daquele na medida do que resultar da avaliação dessa contribuição.
E, atendendo à situação global dos membros da união de facto, decidiu o Ac. da RE de 23/02/2017 (relatora Isabel de Matos Peixoto Imaginário), in www.dgsi.pt., que, dissolvida que seja a união de facto, a liquidação do património há-de fazer-se levando em linha de conta a medida da contribuição de cada membro, seja por via do desempenho de trabalho remunerado seja por via das tarefas domésticas realizadas em prol do agregado familiar, contabilizando-se globalmente o património adquirido e as perdas e despesas suportadas, apurando-se a medida do enriquecimento sem causa de um à custa do outro.
Sintetizando, dir-se-á que a perspetiva correcta consiste em não analisar uma ou outra deslocação patrimonial de forma isolada, mas o conjunto das relações entre os membros da união de facto[27].
O que significa que, no caso versado nos autos, o tribunal foi confrontado com uma situação em que, tratando-se de uma união de facto entre duas pessoas de diferente género, era a ré (juntamente com a mãe), embora com proventos e uma capacidade económica inferior à do companheiro (autor), quem suportava as despesas correntes com a alimentação, além de realizar a totalidade dos trabalhos domésticos, enquanto o outro membro da união contribuiu monetariamente para a aquisição do prédio destinado à casa de morada comum e participou com o seu trabalho nas obras de melhoramento desse prédio. Não se verificou, pois, uma repartição equitativa das despesas correntes e essa circunstância não pode deixar de ser atendida no cômputo da contribuição comum para a execução das obras de reconstrução e ampliação da habitação que constituía a casa de morada comum. Esse comprovado trabalho doméstico, embora estranhamente invisível para muitos, tem obviamente um valor económico e traduz-se num enriquecimento do Autor enquanto poupança de despesas. Neste plano, da medida da contribuição de cada um para os encargos da vida em comum, como que se equilibrariam as prestações de cada um deles.
Neste contexto, mostra-se legitimo – e, por isso se subscreve – o juízo formulado pelo tribunal recorrido quando julgou provado que os custos com as obras foram suportados em comum pelo autor e pela ré, uma vez que era o que correspondia à normalidade.
Termos em que improcede a impugnação dos pontos fácticos em apreço.
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2.4. Ponto 17 dos factos provados
Ponto fáctico impugnado:
“17. A ré e os filhos entregaram ao autor as quantias de €2.450,00 e €9.000,00 para o compensar pela sua parte nos custos com as obras”.
Resposta pretendida:
“A Ré e os filhos entregaram ao autor a quantia de €5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros) e €9.500,00 (nove mil e quinhentos euros), para compensar pela sua parte nos custos com as obras, o que perfaz o total de €15.000,00 (quinze mil euros)”.
A Ré/recorrente considera que o facto objeto do ponto 17 dos factos provados foi incorretamente dado como provado, em virtude de existir prova credível e suficiente produzida em audiência de julgamento para o considerar como não provado e julgar como provado que foram entregues as quantias de €5.500,00 e €9.500,00 ao aqui Réu, perfazendo um total de €15.000,00 (quinze mil euros)
Concretamente, invoca as declarações de parte da própria Ré e o depoimento da testemunha DD, a fim de demonstrar que foram entregues quantias superiores às que constam do facto provado n.º 17, nomeadamente a quantia de € 5.500,00 entregue pela Ré e a quantia de € 9.500, entregue pelos filhos da Ré ao Autor.
Tendo-se procedido à audição integral de tais depoimentos, constata-se que tendo sido instada acerca das contribuições para as obras (“como é que ajudaram ?”), a Ré respondeu que deram € 9.500,00, acrescentando que essa quantia foi entregue em dinheiro, se bem que acha “que um deles deu cheque; não sabendo qual foi”.
Por sua vez, a testemunha DD, filha da Ré, respondeu que o Autor é que executava as obras e que eles iam ajudando a pagar, quando pudessem; a determinado momento a testemunha deixou de viver na casa e ela e o e o irmão deram €9.500.
Posteriormente, questionada sobre a sua contribuição para as obras, respondeu dizendo que no ano de 2008 deram ao autor nove mil e quinhentos euros, sendo cinco mil euros da parte dela e quatro mil e quinhentos euros por parte do irmão.
A verdade é que a versão apresentada nos referidos depoimentos não se mostra traduzida em nenhum outro meio probatório que nos ofereça credibilidade.
O simples facto de tais intervenientes terem respondido nos termos supra explicitados de modo algum determina ou impõe a alteração da resposta impugnada nos moldes propugnados pela impugnante.
Veja-se que a Ré alude evasiva e genericamente a um cheque – não indicando sequer o valor que o mesmo titulava, o sacador do cheque, a respetiva data, etc. – mas na verdade não cuidou de o carrear aos autos.
Independentemente de se tratar do depoimento de uma das partes, com evidente interesse na sorte da ação, e da sua filha, a qual identicamente não é desinteressada do resultado da lide, o que, por si só, à partida, nos deve colocar algumas reservas, vemos que a versão ora pugnada não coincide com a alegada na contestação, onde aludiu apenas ao pagamento, pelos seus filhos ao autor, num total de 9.500,00 (art. 24º da contestação), mais alegando que a Ré recebeu ainda uma contribuição da Câmara Municipal ... no valor de 5.500,00€, valor que foi utilizado para ressarcir o Autor do valor entregue à irmã CC, para pagamento da sua metade da habitação (art. 25º da contestação), alegação esta que não corresponde com aquela que agora pretende ver demonstrada.
Seja como for, a verdade é que daqueles depoimentos, destituídos de qualquer outro meio probatório, não resulta uma prova minimamente segura de que possam ter tido lugar tais pagamentos a fim de custear as obras realizadas no prédio de que a ré é proprietária.
O que significa que os indicados meios probatórios não impõem a alteração da matéria de facto impugnada.
Acresce não resultar provado que a alegada contribuição recepcionada da Câmara Municipal ..., no valor de 5.500,00€, tenha sido destinada a ressarcir o Autor do valor por este entregue à Ré para aquisição por esta da metade indivisa do prédio à irmã CC.
Com efeito, evidenciando-se que a decisão factual do tribunal da 1ª instância se baseia numa livre convicção obtida com benefício da imediação e oralidade e objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, é de concluir que os elementos probatórios avocados pela recorrente não são aptos a colocar em causa a fonte de tal convicção, pelo que improcede a pretensão recursória.
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3. Reapreciação da decisão de mérito.
3.1. Da “liquidação” e “partilha” dos interesses patrimoniais dos membros da união de facto resultante da dissolução da relação.
Ambas as partes interpuseram recurso da sentença.
Resumidamente, o autor defende que:
i) A divisão do valor do incremento patrimonial obtido em virtude da realização das obras não pode ser dividida em partes iguais entre Autor e Ré, porquanto foi ele quem suportou os custos de aquisição de materiais e mão-de-obra de execução dos trabalhos de reconstrução e ampliação do prédio descrito nos autos.
Atendendo a que as obras executadas pelo Autor representaram um incremento patrimonial no montante de € 199.710, 00, tal corresponde ao valor a restituir pela Ré, deduzido dos valores já entregues, no montante de € 11.450,00, ou seja, € 188.260,00.
ii) Deve ainda ser considerado o valor entregue pelo Autor à Ré para aquisição da metade indivisa do prédio em causa (€ 4 987,97) e que esta ainda não restituiu.
Igualmente em termos resumidos, a Ré sustenta que:
iii) A condenação da Ré na restituição de € 88.405,00 corresponde a uma violação do disposto no art. 479.º do Código Civil.
iv) O Autor já se encontra devidamente compensado dos custos com as obras, nomeadamente mediante a entrega por parte da Ré e dos seus filhos da quantia de € 15.000,00, pelo que não se verifica o enriquecimento da Ré, nem muito menos o empobrecimento do Autor.
Vejamos se lhes assiste razão.
A Lei n.º 7/2001 (LUF), de 11/05[28], estabelece, no seu art. 1º, n.º 2, que “[a] união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos”.
Maria Margarida Silva Pereira[29] descreve as uniões de facto como “uniões informais de casais heterossexuais e/ou homossexuais com modo de vida tipicamente conjugal, às quais se atribuem efeitos jurídicos, mais parcimoniosos na generalidade dos casos, do que os efeitos do casamento”.
“As pessoas vivem em união de facto em comunhão de leito, mesa e habitação (…), como se fossem casadas, apenas com a diferença de que não o são, pois não estão ligadas pelo vínculo formal do casamento”.
Cria-se, deste modo, uma “aparência externa de casamento, em que terceiros podem confiar, o que explica alguns dos efeitos atribuídos à união de facto”, distinguindo-se a união de facto de relações sexuais fortuitas, passageiras e acidentais ou de concubinato duradouro[30].
Casamento e união de facto são situações materialmente diferentes, não se justificando, nem havendo fundamento legal para estender a esta situação de facto as normas que disciplinam o casamento e respetivos efeitos[31].
Só goza das medidas de protecção previstas na LUF a união de facto que preencha, cumulativamente, dois requisitos: a) duração superior a dois anos; b) inexistência de impedimentos estabelecidos no art. 2º da LUF
Na situação em análise releva a determinação dos efeitos patrimoniais que decorrem da união de facto durante a vida (tempo) da relação.
As relações patrimoniais entre os cônjuges e entre estes e terceiros estão sujeitas a um estatuto particular, a que se chama “regime de bens do casamento” (cfr. os arts. 1717º e seguintes do Código Civil - CC), mas assim não sucede na união de facto. Não há aqui um “regime de bens”, nem têm aplicação as regras que regulam os efeitos patrimoniais do casamento independentemente do regime de bens, o denominado “regime primário” (arts. 1678º a 1697º do CC): administração dos bens dos cônjuges, dívidas dos cônjuges e bens que respondem por elas, partilha dos bens do casal, etc.
Os membros da união de facto, em princípio, são estranhos um ao outro, ficando as suas relações patrimoniais sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais[32].
Os unidos de facto não têm, como os cônjuges, bens comuns objecto de uma relação de propriedade colectiva ou de mão comum, mas poderão ter – e muitas vezes têm – bens objecto de uma relação jurídica real de compropriedade[33].
O autor não discute que a propriedade do prédio se deva manter na esfera jurídica da Ré. Dá por assente que o prédio é pertença da ré. A sua pretensão não visa colocar em causa a redefinição do estatuto real do prédio, mas sim as consequências restitutivas, de acordo com o enriquecimento sem causa.
À pessoa que pretenda beneficiar do regime da união de facto protegida cabe a prova de que vive ou viveu em união de facto há mais de dois anos.
Na falta de disposição legal ou regulamentar em contrário, a prova da união de facto faz-se por qualquer meio legalmente admissível (art. 2º-A, n.º 1, da LUF).
Nos termos do art. 8.º, n.º 1, do diploma acima referenciado, a união de facto dissolve-se com o falecimento de um dos membros, por vontade de um dos seus membros ou com o casamento de um dos membros.
Para a dissolução da união de facto por ruptura basta a manifestação de vontade de um dos seus membros, sem que se exija uma intervenção estatal ou um especial formalismo. A declaração judicial de dissolução da união de facto, a que alude o art. 8º, n.º 2, da LUF, não é condição da cessação da união de facto, mas da efetivação dos direitos que são legalmente conferidos a um companheiro no caso de ruptura de uma união protegida[34].
Não vem questionado nos autos que Autor e Ré viveram em união de facto e que tal união foi dissolvida por vontade dos seus membros, posto que, no dia ../../2023, terminaram o relacionamento que existia entre ambos.
Tal união de facto constitui-se efectivamente como uma relação juridicamente relevante uma vez que viveram em condições análogas às dos cônjuges durante bem mais de dois anos (mais concretamente, cerca de 25 anos) e não se verificou nenhum dos impedimentos estabelecidos no art. 2º da LUF.
Extinta a relação da união de facto, coloca-se frequentemente o problema da liquidação e partilha do património adquirido com o esforço comum dos seus membros e da destinação das atribuições patrimoniais feita por um deles ao outro ou para a aquisição de bens em compropriedade.
É precisamente essa a situação verificada no caso sub júdice, visto estarmos no âmbito de uma acção que tem por objeto o modo de liquidação e “partilha” dos interesses patrimoniais dos membros no momento da dissolução da sua união de facto. O que está essencialmente em causa é o de saber, na óptica do autor, se, verificando-se no momento da dissolução da união de facto, que determinado imóvel foi adquirido durante a vigência da união apenas por um dos membros – e que figurou como único comprador na respetiva escritura e único titular do registo correspondente –, mas verificando-se, simultaneamente, que uma determinada parte do preço foi suportada pelo outro membro da união e que este também participou de um modo relevante com o seu trabalho na construção/ampliação do referido prédio, poderá invocar o enriquecimento sem causa a fim de ser restituído ou compensado por essa comparticipação.
Como é sabido, havendo património comum adquirido pelo esforço comum, a doutrina[35] e a jurisprudência dominante[36] admitem que a respetiva liquidação e partilha seja feita de harmonia com as regras do instituto do enriquecimento sem causa, em que o membro da união de facto que se considere empobrecido relativamente aos bens em cuja aquisição participou peça a condenação do outro, provando que há um “património comum” resultante da união de facto vivida entre um e outro[37].
A respeito da enunciada questão, na sentença apelada ajuizou-se, basicamente, nos seguintes termos[38]:
- Quando ocorre a cessação da união de facto coloca-se a questão de saber como devem se regulados estes efeitos patrimoniais;
- Tem sido entendido não existir um regime patrimonial específico que regule a cessação da união de facto;
- Também tem sido entendido que não deve proceder-se à transposição para a união de facto das regras patrimoniais aplicáveis ao casamento;
- A solução proposta consiste em aplicar o regime do enriquecimento sem causa;
- Considera-se, para o efeito, que durante a união de facto existia uma justificação para as transferências patrimoniais entre os membros e que esta justificação desapareceu com a sua cessação;
- Verifica-se, assim, uma situação de enriquecimento sem causa na modalidade de “condictio ob causam finitam”;
- As relações patrimoniais das pessoas unidas de facto estão sujeitas ao regime geral ou comum das relações obrigacionais e reais;
- A composição dos interesses patrimoniais conflituantes dos membros da união de facto, consequente à sua extinção, deverá assentar no instituto do enriquecimento sem causa, que disponibiliza uma tutela adequada àquela composição;
- O princípio da correcta ordenação jurídica dos bens exige que um benefício atribuído em função ou em consideração de um dado estado ou qualidade deva ser restituído uma vez cessado aquele estado ou a qualidade;
- O desaparecimento da causa jurídica - a união de facto - à sombra da qual foi realizada uma prestação dá lugar ao enriquecimento injustificado do beneficiário dessa prestação, determinante da constituição, a favor do empobrecido, de uma pretensão dirigida à restituição desse enriquecimento;
- O principal requisito do enriquecimento sem causa é a existência de um enriquecimento que foi obtido à custa da outra parte sem justificação ou com uma justificação que, entretanto, desapareceu;
- O pensamento fundamental do enriquecimento sem causa consiste na necessidade de restituir o que se obteve à custa de outrem quando falta uma causa justificativa para reter o obtido;
- O enriquecimento consiste na aquisição ou no aumento do valor de um bem ou direito, quer se trate de um direito real ou um direito de crédito;
- Em regra, não deve atender-se ao trabalho doméstico que foi prestado durante a união de facto, posto traduzir-se numa participação livre para a economia comum, baseada na colaboração inerente à comunhão de vida entre os membros da união de facto, que deve ser considerada como o cumprimento de uma obrigação natural, nos termos do art. 402º do Cód. Civil, e não como uma obrigação a que corresponde um dever de retribuição ou compensação;
- Não é assim quando o trabalho doméstico teve uma relevância que excedeu o que era normal na vida em comum ou se verificou uma desproporção em prejuízo do membro da união de facto que era responsável pela sua prestação;
- Nestas situações deixam de estar em causa verdadeiros trabalhos domésticos, inseridos na esfera pessoal e na organização da vida diária em comum, e passa a verificar-se uma prestação semelhante a uma actividade profissional inserida num pacto de coabitação, ainda que meramente implícito, que não pode deixar de ser compensada;
- Também não devem ser atendidas as despesas correntes da vida em comum como as que correspondem à água, electricidade, alimentação ou outros bens que integram a gestão ordinária do património comum, visto que estas despesas foram justificadas pela vida em comum inerente à união de facto e esta justificação não desaparece com a sua cessação;
- Acresce que a figura do enriquecimento sem causa não visa um acerto de contas ou uma liquidação da vida em comum, idealizando-se uma conta corrente com créditos e débitos relativamente a cada um dos membros da união de facto, e deve ser reservada para transferências excepcionais que tenham ocorrido, somente nestas situações podendo falar-se num enriquecimento que deve ser restituído.
A referida fundamentação jurídica não foi questionada nas apelações interpostas, sendo de sublinhar que a mesma, na sua essência, por se julgar correcta e se ajustar ao caso, se reitera.
Sem embargo, permitimo-nos lançar mão da circunstanciada e exaustiva fundamentação aduzida no Ac. da RL de 26/10/2023 (relator Arlindo Crua), www.dgsi.pt. a respeito dos critérios ou princípios a observar na liquidação e “partilha” dos interesses patrimoniais no caso de ruptura da união de facto: «- o nosso ordenamento jurídico não regula ou prevê qualquer regime de bens aplicável à união de facto, pelo que, quando esta tem o seu epílogo ou ruptura – dissolução da união -, existem manifestas dificuldades quanto à liquidação da situação matrimonial que se foi constituindo ao longo dos anos, quer no que concerne à partilha do activo, quer no que respeita à liquidação do passivo; - na resolução dos concretos problemas surgidos relativamente aos efeitos patrimoniais da dissolução da união de facto, vem a jurisprudência recorrendo, fundamentalmente, aos mecanismos de direito comum, aplicando o instituto pertinente e adequado consoante a concreta questão fáctica a decidir; - entre os quais vem figurando, com realce, o decorrente do regime do enriquecimento sem causa, como solução decorrente do pleno de direito comum, capaz de regular e disciplinar os efeitos patrimoniais da cessação/dissolução da união de facto; - ou seja, cessada a união de facto, cada um dos sujeitos da relação tem direito a participar na liquidação do património adquirido pelo esforço comum, podendo esta liquidação ser efectuada com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa; - no âmbito de tal instituto pode configurar-se uma obrigação de restituição na situação em que o membro da união de facto, concreto titular do direito de propriedade de bens móveis ou imóveis adquiridos na constância da união de facto (e cujo preço até pode ter sido suportado, na íntegra, à custa do seu património), beneficiou, em considerável medida, do esforço/colaboração/participação do demais membro agindo em prol da vida comum (por exemplo, por via do trabalho doméstico, prestação de cuidados na educação e criação dos filhos comuns, etc..), o que lhe proporcionou, desta forma, poupanças significativas que permitiram aquelas aquisições, bem como facilitando/incrementando a sua carreira profissional, eventualmente conducente a um auferir de réditos que, de outra forma, não lograria alcançar naquela temporalidade; - a dissolução ou cessação da união de facto traduz a ocorrência ou circunstância que consubstancia a perda da causa para a deslocação patrimonial, assim fundamentando a restituição (o nº. 2, do artº. 473º, do Cód. Civil, no segmento causa que deixou de existir); - ou seja, demonstrada a existência de uma situação de transferência ou vantagem patrimonial para um dos membros da união de facto, à custa do demais e sem causa jurídica justificativa para tal deslocação patrimonial, pois, tendo-se constituído tal causa (a relação de união), deixou de existir (com a cessão ou dissolução da união), estamos perante uma subsequente ausência de causa justificativa do invocado enriquecimento; - situação em que o membro da união que tenha contribuído para o incremento patrimonial do demais, e ainda que não figure no título aquisitivo como proprietário, sempre poderá reclamar a restituição da respectiva contribuição, por si investida, na exacta medida do enriquecimento sem causa do demais membro; - isto é, a transferência patrimonial tem de carecer de causa jurídica justificativa tutelada pelo direito, ou seja, o Autor reclamante tem que provar que se deu um enriquecimento do Réu através do seu empobrecimento, sem cobertura jurídica que a sustente, o qual se pode traduzir num aumento do activo patrimonial, numa diminuição do passivo ou numa poupança proporcionada ao Réu; - ou seja, exige-se ao Autor a demonstração de que se criou um património pelo esforço conjunto de ambos e que cumpre, pois, de alguma forma, partilhar, no intuito de impedir o enriquecimento de um à custa do outro; - efectivamente, apenas se coloca a questão do direito ao enriquecimento sem causa quando, no âmbito de uma união de facto, existem bens adquiridos com a participação de ambos os membros; - prima facie, não devem ser consideradas como situações susceptíveis de traduzirem enriquecimento/empobrecimento no âmbito da união de facto as despesas realizadas pelos membros destinadas a satisfazer as necessidades da vida em comum, nem as tarefas domésticas realizadas em sede da vida doméstica por um dos membros daquela relação, pois, na constância da união de facto, tais prestações, ainda que com conteúdo patrimonial, realizadas de forma espontânea, destinam-se à satisfação das necessidades da vida em comum, devendo presumir-se efectuadas em cumprimento de uma obrigação natural de alimentos; - donde, em regra, o autor da prestação não poderá exigir ao demais membro convivente a restituição do que prestou naquele contexto (o artº. 403º, do Cód. Civil); - desta forma, e por princípio, os serviços domésticos prestados pelos membros da união de facto, bem como a efectivação das tarefas realizadas com os cuidados e educação dos filhos do casal, mais não constituem do que o cumprimento de uma obrigação natural, nomeadamente a de contribuir para a comunhão de vida (comunhão de mesa, cama e habitação) e para a economia comum dos unidos, baseada na entreajuda ou partilha de recursos e, como tal, não judicialmente exigível; - todavia, a validade deste princípio depende da circunstância da lide doméstica da casa onde ambos vivem e a educação dos filhos ser repartida pelos dois parceiros da união de facto em proporções relativamente equilibradas, sendo que tal não sucede quando essas funções são assumidas exclusivamente ou sobretudo por um deles, verificando-se um manifesto desequilíbrio na repartição dessas tarefas; - efectivamente, nestas situações de evidente e claro desequilíbrio, torna-se impossível considerar que quer o trabalho doméstico, quer o acompanhamento, cuidados e educação transmitidos aos filhos correspondam, com efectividade, a uma obrigação natural e cumprimento de um dever, antes se devendo concluir pela existência duma causa para o enriquecimento de um dos membros, resultante da desproporção na repartição de tarefas; - desta forma, não se fundando o enriquecimento de um dos membros da união, decorrente da realização desproporcionada daquelas tarefas pelo demais convivente, numa causa legítima, em virtude de não corresponder ao cumprimento duma obrigação natural, tal encargo deverá ser contabilizado na liquidação patrimonial decorrente da cessação da relação de união de facto, pois aquelas contribuições também terão permitido ao outro membro convivente, na constância da união de facto, um acréscimo patrimonial, sendo que cessou a causa (causa finita) que o motivou, ou seja, a existência da união de facto».
O art. 473.º (“Princípio geral”) do CC prescreve:
«1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. 2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou».
O enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte geral e autónoma de obrigações e assenta na ideia de que “a ninguém é lícito enriquecer-se em detrimento de outrem sem uma causa juridicamente justificada”[39].
A obrigação de restituir/indemnizar fundada no instituto do enriquecimento sem causa ou locupletamento à coisa alheia pressupõe, assim, a verificação cumulativa de três requisitos:
a) a existência de um enriquecimento;
b) que ele careça de causa justificativa dessa valorização patrimonial;
c) que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição[40].
O enriquecimento representa uma vantagem ou benefício, de carácter patrimonial e suscetível de avaliação pecuniária, produzido na esfera jurídica da pessoa obrigada à restituição e traduz-se numa melhoria da sua situação patrimonial, «encarada sob dois ângulos: o do enriquecimento real, que corresponde ao valor objectivo e autónomo da vantagem adquirida; e o do enriquecimento patrimonial, que reflete a diferença, para mais, produzida na esfera económica do enriquecido e que resulta da comparação entre a sua situação efectiva (real) e aquela em que se encontraria se a deslocação se não houvesse verificado (situação hipotética)»[41].
A obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista, tanto pode consistir num aumento do ativo patrimonial, como numa diminuição do passivo, como no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de um direito alheio, como, ainda, na poupança de despesas[42]; em qualquer caso, terá de traduzir-se numa “melhoria da situação patrimonial” da pessoa obrigada à restituição, melhoria essa “que se apura segundo as circunstâncias”[43].
O enriquecimento injusto tanto poderá ter a sua origem ou provir de um negócio jurídico, como de um acto jurídico não negocial ou mesmo de um simples acto material.
No tocante ao segundo requisito supra enunciado, é sabido que o conceito de causa do enriquecimento não se encontre definido e que a causa do enriquecimento varia consoante a natureza jurídica do acto que lhe deu origem.
Ou seja, e por outras palavras, o enriquecimento carecerá de causa sempre que o direito não o aprove ou consente, dado não existir uma relação ou um facto que, de acordo com as regras ou os princípios do nosso sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial ocorrida (a favor do enriquecido e à custa do empobrecimento de alguém), isto é, que legitime o enriquecimento.
Nas palavras do Antunes Varela[44], o enriquecimento será injusto quando, segundo a ordenação substancial dos bens aprovada pelo Direito, ele deve pertencer a outro.
É o que se passa, em especial, com o que foi indevidamente recebido (conditio indebiti), o que foi recebido por virtude de causa que deixou de existir (conditio ob causam finitam) ou em vista de um efeito que não se verificou (conditio ob causam datorum) – art. 473º, nº 2, do CC[45].
A segunda figura tem tido um renovado sucesso em situações de cessação de uma união de facto. Com efeito, pela circunstância de a união de facto não determinar a aplicação de um particular regime de bens e de os efeitos patrimoniais da união de facto serem limitados, pelo que “não parece que possa em si mesmo ser considerada como causa justificativa de um enriquecimento”. Pelo exposto, tem-se entendido que certas prestações mais avultadas – investimentos em um prédio propriedade do companheiro – podem vir a ser objeto de um pedido de restituição se tiverem sido feitas no pressuposto partilhado de continuação da união de facto, quando esta venha a cessar pela separação do casal[46].
Dado que a lei não define tal conceito, e dada a natureza diversa da fonte de que pode emergir, tal significa que o enriquecimento injusto terá sempre que ser apreciado e aferido casuisticamente, interpretando e integrando a lei à luz dos factos apurados.
Quanto ao 3º requisito, a correlação exigida por lei entre a situação do enriquecido e a do empobrecido traduz-se, como regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro.
O benefício obtido pelo enriquecido deve, pois, resultar de um prejuízo ou desvantagem do empobrecido.
Daí que se postule a necessidade de existência de um nexo (causal) entre a vantagem patrimonial auferida por um e o sacrifício sofrido por outro.
Por sua vez, dispõe o artigo 474º do CC que “não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”.
Por fim, dizer que constitui entendimento predominante, na jurisprudência e doutrina, no sentido de que, de harmonia com o regime estabelecido no art. 342º, n.º 1 do CC, é sobre o autor (alegadamente empobrecido) que impende não só o ónus de alegação como de prova dos correspondentes factos que integram cada um daqueles requisitos, ou seja, de todos aqueles pressupostos legais que integram o referido instituto[47]. Acresce que, segundo as regras do ónus da prova, a mera falta de prova da existência de causa da atribuição não é suficiente para fundamentar a restituição do indevidamente pago, sendo necessário provar que efetivamente a causa falta[48].
In dubio, deve considerar-se que a deslocação patrimonial verificada teve justa causa[49].
Passando à apreciação do caso sub júdice, e afora a questão particular atinente ao contributo monetário do autor para a aquisição pela ré do prédio onde coabitavam, consideramos que a solução alcançada na 1ª instância se afigura de acordo com a lei.
Está provado que:
A partir do ano de 1998, o autor e a ré passaram a viver juntos como se de marido e mulher se tratasse, partilhando cama, mesa e habitação, sendo que no dia ../../2023 terminaram o relacionamento que existia entre ambos.
Por conseguinte, viveram em união de facto durante cerca de vinte e cinco anos.
Demonstrado que a união de facto ficou dissolvida em ../../2023, impõe-se a “liquidação” e “partilha” dos interesses patrimoniais dos membros da união de facto.
Durante aquele período procederam a obras de melhoramento no prédio que era a casa onde residiam.
Antes das obras o prédio tinha o valor de € 28.490,00 e, em consequência das obras, quando terminou o relacionamento da união de facto o prédio tinha o valor de € 228.200,00.
As obras foram executadas pelo autor com o auxílio de alguns trabalhadores ao seu serviço, sendo que os custos com as obras foram suportados em comum pelo autor e pela ré.
À realização de tais obras não é alheia a estabelecida união de facto, pois, divisamos, sem dificuldade, que a execução das obras destinou-se à melhoria e ampliação do prédio pertença da ré para a respectiva fruição por parte dos membros da união de facto, com tudo o que daí pudesse resultar, importando, por isso, reconhecer-se que a união de facto encerra e constitui a causa jurídica da contribuição monetária e da participação do trabalho realizada pelo Autor para aquele fim.
Por força daquele contributo do autor na execução das obras de melhoramento do prédio pertença da ré, que aumentou o seu valor, sufragamos o juízo formulado na sentença impugnada no sentido de ocorrer um enriquecimento da ré que deve ser restituído ao autor.
Com a dissolução da união de facto, importa concluir pela extinção da causa jurídica da referida contribuição monetária e participação com o trabalho na construção do prédio, deixando de ter justificação a privação da contribuição monetária e de trabalho prestada para as demonstradas obras de remodelação realizadas no prédio da ré.
Daqui decorre o desaparecimento superveniente da causa da deslocação patrimonial, que representou a apurada contribuição monetária e a participação com o trabalho na construção, condizente à conditio ob causam finitam (enriquecimento por virtude de causa que deixou de existir) estabelecida no n.º 2 do art. 473º do CC, fundamentando a restituição.
Isto porque, uma vez extinta a união e, portanto, cessada a causa fundamental da liberalidade, desapareceu o fundamento ou o motivo último da atribuição patrimonial, em termos que legitimam o reconhecimento, ao autor da liberalidade, de um direito à restituição do que prestou, assente no enriquecimento sem causa, devendo fazer-se intervir aqui uma presunção natural que aponta no sentido de que a atribuição patrimonial é condicionada à subsistência da união de facto[50].
Como refere Francisco Pereira Coelho[51], a presunção natural, a máxima da experiência, a regra da normalidade dos factos, aplicável ao caso é precisamente no sentido de que não houve, por parte do Autor, qualquer propósito de operar uma transferência de valor definitiva para a Ré.
A presunção natural aponta no sentido de que a atribuição patrimonial é condicionada à própria subsistência da relação convivencial da união de facto.
Com efeito, por se tratar de pagamentos e contributos de trabalho feitos no âmbito de uma relação convivencial, entende-se dever valer uma presunção de não definitividade, e, por conseguinte, agora que a união de facto cessou, uma presunção (natural) de ausência de causa[52].
Considerando, pois, que as obras executadas no prédio aumentaram o seu valor em € 199.710,00 (€ 228.200,00 - € 28.490,00), tendo as obras sido executadas pelo autor com o auxílio de alguns trabalhadores ao seu serviço, mas cujos custos foram suportados em comum pelo autor e pela ré – pois não se provou que o autor suportou a totalidade dos custos com as obras no prédio –, o autor terá direito a metade daquele valor, ou seja, a € 99.855,00 (€ 199.710,00/2).
Porém, tendo resultado provado que a ré e os filhos já entregaram ao autor a quantia de € 11.450,00 (€ 2.450,00 + € 9.000,00) para o compensar pela sua parte nos custos com as obras, é-lhe devido o montante de € 88.405,00 (= 99.855,00 - 11.450,00)
O recorrente/autor obtempera, porém, que, a divisão do valor do incremento patrimonial obtido em virtude da realização das obras não pode ser dividida em partes iguais entre Autor e Ré, porquanto foi ele quem suportou os custos de aquisição de materiais e mão-de-obra de execução dos trabalhos de reconstrução e ampliação do prédio descrito nos autos, cujo valor representou um incremento patrimonial no montante de € 199.710,00, reclamando a restituição desse valor, deduzido dos valores já entregues, no montante de € 11.450,00, ou seja, € 188.260,00. Mas a verdade é que estas alegações não encontram, nos factos materiais apurados, a indispensável tradução. Assim, por exemplo, o que se demonstrou, nos termos já antes explicitados, foi que os custos com as obras foram suportados em comum pelo autor e pela ré.
Por sua vez, a alegação, pela Ré/recorrente, segundo a qual o Autor já se encontra devidamente compensado dos custos com as obras, nomeadamente mediante a entrega por parte da Ré e dos seus filhos da (alegada) quantia de € 15.000,00, não se verificando o enriquecimento da Ré, nem muito menos o empobrecimento do Autor, carece nos termos supra expostos de total fundamento.
É, por isso, de confirmar nesta parte a sentença recorrida.
Tendo, por outro lado, ficado provado que o Autor entregou a quantia de um milhão de escudos (4.987,97€) para a aquisição, pela ré, do direito à metade indivisa do prédio em causa, verifica-se um enriquecimento da ré à custa do autor na medida da parcela do preço que este despendeu nessa compra.
Também aqui, o enriquecimento, agora que a relação da união de facto se rompeu, acha-se desprovido de causa.
Com efeito, constituindo a união de facto a causa jurídica da contribuição monetária realizada pelo Autor para a aquisição do aludido prédio destinado a servir de casa de morada comum, temos que, com a dissolução da união de facto, importa concluir pela extinção da causa jurídica da referida contribuição monetária, deixando de ter justificação a privação da contribuição monetária prestada para a demonstrada aquisição, cuja propriedade pertence em exclusividade à ré.
Sendo um enriquecimento injustificado gera a correspondente obrigação de restituição prevista no art. 479º e ss. do CC.
A dissolução da união de facto constitui o facto que consubstancia a perda da causa para a deslocação patrimonial, fundamentando a restituição.
O autor tem, assim, direito à restituição desse montante (4.987,97), o que determina, nessa parte, a parcial revogação da sentença recorrida.
Consequentemente, procede parcialmente este fundamento da apelação interposta pelo autor e improcede, na totalidade, a apelação deduzida pela Ré.
*
3.2. Da declaração judicial da dissolução da união de facto.
Como já vimos, entre os pedidos formulados pelo Autor na sua petição inicial figura, desde logo à cabeça, o pedido de declaração (judicial) da dissolução da união de facto entre o autor e a ré desde o dia ../../2023.
O Tribunal recorrido pronunciou-se sobre esse pedido concluindo, nessa parte, pela improcedência da acção, porquanto, refere, “não compete ao tribunal declarar a cessação da união de facto”.
Do assim decidido discorda o recorrente.
Para tanto, e estribando-se em jurisprudência que cita, sustenta existirem duas posições, uma delas segundo a qual “sempre que um dos membros da união de facto dissolvida queira exercer direitos de natureza patrimonial sobre o património gerado na pendência da união e em resultado da mesma, estejam ou não os direitos incluídos no elenco do art.º 3.º da (…) Lei [n.º 7/2001, de 11 de Maio] necessita de pedir na acção, em simultâneo, a declaração judicial da dissolução da união de facto», tratando-se de «uma condição da acção destinada ao exercício do direito, (…) para obter o efeito patrimonial pretendido, desde que o direito exercitado tenha origem na união de facto e causa na dissolução da mesma»; uma outra posição «da nossa jurisprudência vai mais longe e considera até que tal pedido não carece sequer de ser formulado mas deverá ser judicialmente declarada».
Vejamos como decidir.
Regendo sobre a dissolução da união de facto, o art. 8º da LUF, no seu n.º 1 estabelece que a união de facto se dissolve quando pelo menos um dos seus membros morre, celebra casamento ou decide por termo a essa relação análoga à dos cônjuges. O n.º 2 dispõe que a dissolução por vontade de pelo menos um dos membros da união apenas tem de ser judicialmente declarada quando se pretendam fazer valer direitos que dependam dela. E o n.º 3 concretiza que a declaração judicial de dissolução da união de facto deve ser proferida na acção mediante a qual o interessado pretende exercer direitos dependentes da dissolução da união de facto ou em acção que siga o regime processual das acções de estado.
Resulta do citado preceito normativo que, na comum das situações, a dissolução da união não necessita de ser declarada judicialmente, o que se compreende, porquanto a constituição da união também não exige uma intervenção estatal nem está sujeita a um especial formalismo.
Quando a dissolução ocorre porque pelo menos um dos membros não deseja mais manter a união, se não houver necessidade de exercer qualquer direito decorrente da união de facto, a declaração judicial da dissolução é desnecessária. Porém, se um dos unidos pretender exercer direitos que dependam da dissolução é necessário obter a declaração judicial da dissolução da união de facto. Para o efeito, dispõe de duas alternativas processuais: a própria acção destinada ao exercício do direito, caso em que se o pedido de declaração de dissolução se cumulará com o pedido dirigido ao exercício do direito reclamado; uma acção específica destinada a obter apenas essa declaração, a qual seguirá o regime processual das acções de estado, hipótese que deverá ser usada quando o direito reclamado não carecer de ser exercitado por via judicial (mas, por exemplo, por via administrativa)[53].
Densificando o que deva entender-se por «direitos que dependam da dissolução» da união de facto, afigura-se-nos que a referida previsão «compreende todo e qualquer direito subjectivo em relação ao qual a união de facto e a dissolução da mesma assomem como factos constitutivos do direito».
Cremos por isso que, «nos casos em que a união de facto se dissolve por vontade de um dos seus membros e um deles pretende exercer ou obter o reconhecimento, por via judicial, de direitos de natureza patrimonial sobre o património ou as relações jurídicas não pessoais geradas na pendência da união, tendo em vista a união ou em resultado da mesma, o autor necessita de pedir na acção, em simultâneo, a declaração judicial da dissolução da união de facto. E isto independentemente do instituto jurídico a que possa recorrer para alicerçar juridicamente o seu direito, conquanto o mesmo tenha como origem a união de facto e como causa a dissolução da mesma».
É manifestamente o caso da presente acção em que o autor reclama o direito de recuperar a quantia que na pendência da união de facto e tendo em vista a comunhão de interesses e de interesses que a consubstanciava, afectou quer à aquisição, como à realização de obras de um prédio propriedade da Ré.
Nessa medida, considerando que o pedido de declaração judicial da dissolução da união de facto entre o autor e a ré é uma condição da acção destinada ao exercício do direito do autor à restituição por enriquecimento sem causa dos valores que na pendência da união afectou à aquisição e à ampliação do prédio pertença da ré[54], é de julgar procedente a referida pretensão, com a consequente revogação da decisão recorrida na parte em que entendeu carecer o tribunal de competência para conhecer esse pedido.
Pelo exposto, tendo presente o apurado no ponto 2 dos factos provados, decide-se julgar procedente o pedido de declaração (judicial) da dissolução da união de facto entre o autor e a ré desde o dia ../../2023.
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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 527º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.
Assim, as custas da apelação apresentado pelo Autor, mercê da sua parcial procedência, são da responsabilidade de ambas as partes na proporção do respetivo decaimento (idêntico critério valerá para as custas da acção na 1ª instância).
Já as custas do recurso interposto pela Ré, são integralmente da sua responsabilidade, atento o seu integral decaimento.
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VI. DECISÃO
Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em:
i) - Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Autor e, em consequência, revogando em parte a sentença recorrida, decidem:
a. Declarar a dissolução da união de facto entre o autor e a ré desde o dia ../../2023;
b. condenar a ré a restituir ao autor a quantia de € 4.987,97 (quatro mil, novecentos e oitenta e sete euros e noventa e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal supletiva, desde a citação até integral pagamento;
ii) julgar improcedente o recurso de apelação apresentado pela Ré.
iii) - Quanto ao mais, confirmar a sentença recorrida.
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Custas do recurso apresentado pelo Autor (bem como as da acção na 1ª instância) a cargo de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento.
Custas do recurso interposto pela Ré a cargo desta.
[1] Tribunal de origem: Juízo Central Cível de Braga - Juiz 1 - do Tribunal Judicial da Comarca de Braga. [2] Cfr. Ac. da RP de 24/01/2018 (relator Nélson Fernandes), in www.dgsi.pt. e Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2014, Almedina, pp. 598/601. [3] Cfr. Ac. do STJ de 17/10/2017 (relator Alexandre Reis), Acs. da RG de 4/10/2018 (relatora Eugénia Cunha) e de 5/04/2018 (relatora Eugénia Cunha), todos disponíveis in www.dgsi.pt. e Ac. do STJ de 1/4/2014 (relator Alves Velho), Processo 360/09, Sumários, Abril/2014, p. 215, https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2014.pdf. [4] Cfr. Ac. do STJ de 28/02/2013 (relator João Bernardo), in www.dgsi.pt. [5] Cfr. Antunes Varela, R.L.J., Ano 122, p. 112. [6] Cfr., entre outros, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, p. 371 e António Júlio Cunha, Direito Processual Civil Declarativo, 2ª ed., Quid Juris, p. 364. [7] Cfr. Ac. do STJ de 8/11/2016 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt. [8] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 713. [9] Cfr. Ac. do STJ de 30/04/2014 (relator Mário Belo Morgado), in www.dgsi.pt. e Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil Atualizado à Luz do CPC de 2013, 6ª ed., Coimbra Editora, 2014, pp. 69/70. [10] Cfr., António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, p. 718. [11] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed., Almedina, pp. 291/293. [12]Cfr. Henrique Antunes, “Recurso de apelação e controlo da questão de facto”, Colóquio (sobre o novo CPC), acessível através de www.stj.pt. [13] No sentido de que no processo civil a insuficiência da decisão de facto, quando isso faz com que esta, por essa razão, seja "deficiente", se enquadra no disposto no art. 662.º, n.º 2, al. c), do CPC [cfr. Ac. do STJ de 22/03/2018 (relator Tomé Soares Gomes), Ac. RC de 20/01/2015 (relator Henrique Antunes), Ac. RP de 16/12/2015 (relator Manuel Domingos Fernandes), Ac. RL de 16/03/2016 (relator António Alves Duarte) e Ac. da RG de 13/05/2021 (relator Beça Pereira), todos in www.dgsi.pt.], conhecendo logo o tribunal “ad quem” a matéria de facto em causa se o processo já reunir os elementos necessários para esse efeito; tal vício não se traduz, assim, na nulidade da sentença prevista na al. d) [nem na al. b)] do n.º 1 do art. 615.º do CPC]. [14] Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, é frequente a “confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso” (cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I (…), p. 737). [15] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo (…), vol. 2º, p. 736. [16] Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, Coimbra Editora, p. 141 e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, obra citada, p. 690. [17] Cfr. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, p. 371. [18] Cfr. José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum À luz do Código de Processo Civil, 4ª ed., Gestlegal, 2017, p. 383. [19] Cfr. Helena Cabrita, A fundamentação de facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra editora, p. 258/259. [20] Cfr. Luís Correia de Mendonça/Henriques Antunes, Dos Recursos (regime do Dec. Lei n.º 303/2007), Quid Iuris, 2009, p. 117. [21] Cfr. Ação Declarativa À Luz do Código Revisto, 3.ª ed., Coimbra Editora, p. 667. [22] Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil (…), vol. V, p. 151. [23] Cfr. Jorge Augusto Pais de Amaral, Direito Processual Civil, 15ª ed., 2020, Almedina, p. 409. [24] Cfr. Ac. do STJ de 03/12/2015 (relator Abrantes Geraldes), in www.dgsi.pt.
Nas palavras de J.P. Remédio Marques, designa-se por direito probatório material as normas que, atendendo à substância do acto de produção da prova (capacidade, legitimação, falta de vontade da parte que confessa factos), regulam os ónus da prova, a inversão do ónus da prova, a admissibilidade dos meios de prova e a força probatória de cada um deles, estando por isso mesmo mais ligadas ao direito material, ao direito substantivo (cfr. Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2007, p. 389). [25] Cfr. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed., Almedina, 2017, p. 354 e Helena Cabrita, A fundamentação de facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, pp.196/200. [26] Cfr. RLJ, n.º 111, p 276. [27] Cfr. Júlio Gomes, «O enriquecimento sem causa e a união de facto», in Cadernos de Direito Privado, 58, Abril/junho, 2017, CEJUR, p. 18. [28] Com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 23/2010, de 30/08, pela Lei n.º 2/2016, de 29/02, pela Lei n.º 49/2018, de 14/08 e pela Lei n.º 71/2018, de 31/12. [29] Cfr. Direito da Família, 3ª Edição Revista e Atualizada, AAFDL Editora, 2021, p. 635. [30] Cfr. Guilherme de Oliveira, Manual de Direito da Família, 2020, Almedina, pp. 337/338. [31] Cfr. Acs. do STJ de 11/04/2019 (relatora Maria Oliveira Morgado) e de 27/06/2019 (relator Pinto de Almeida), disponíveis in www.dgsi.pt. [32] Cfr. Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Imprensa da Universidade de Coimbra, Vol. I., 5ª edição, 2016, p. 82. [33] Cfr. Ac. do STJ de 26/11/2024 (relator Henrique Antunes), in www.dgsi.pt. [34] Cfr. Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, Gestlegal, 2020, p. 655. [35] Cfr. Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, Gestlegal, 2020, p. 655; Maria Margarida Silva Pereira, obra citada, pp. 668/669, Guilherme de Oliveira, Manual de Direito da Família, 2020, Almedina, p. 354; Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, (…), p. 92; Rita Lobo Xavier, Limites à Autonomia Privada na Disciplina das Relações Patrimoniais entre os Cônjuges, Almedina, 2000, pág. 475-476, nota 84, e O “Estatuto Privado” dos Membros da União de Facto, RJLB, Ano 2, n.º 1, pág. 1528-1531.
Em anotação ao art. 473.º do Código Civil, Diogo Costa Gonçalves chama a atenção para a circunstância de o instituto do enriquecimento sem causa ter encontrado uma aplicação privilegiada na área das relações familiares, “para repartir o património constituído em situações de união de facto, quando cessem, havendo bens em nome de um dos contraentes, mas onde incidiu o esforço de ambos” (cfr. Diogo Costa Gonçalves, anotação ao artigo 473.º, António Menezes Cordeiro (coord.), Código Civil comentado, vol. II — Das obrigações em geral, cit., p. 392). [36] Cfr., a titulo exemplificativo, Acs. do STJ de 11/04/2019 (relatora Maria Oliveira Morgado), de 27.06.2019 (relator Pinto de Almeida), de 04.07.2019 (relator Oliveira Abreu) e de 26/11/2024 (relator Henrique Antunes), in www.dgsi.pt. [37] Existe também um entendimento que, para a liquidação do património comum, admite o recurso ao regime previsto para as sociedades de facto, desde que verificados os respetivos pressupostos.
Contudo a ausência de finalidade lucrativa da comunhão de vida em que se traduz a união de facto, opõe-se ao uso das construção das sociedades de facto (cfr. Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, Gestlegal, 2020, p. 655).
Acresce que, considerando que a Lei n.º 41/2013, de 26/06, que aprovou o novo Código de Processo Civil, eliminou o Processo Especial de Liquidação Judicial de Sociedades de Facto, designadamente as normas constantes dos arts. 1122º a 113º do anterior CPC, parece “inviável recorrer agora a um instrumento que a lei processual expressamente afastou” (cfr. Ac. do STJ de 11/04/2019 (relatora Maria Oliveira Morgado), in www.dgsi.pt. e Maria Margarida Silva Pereira, obra citada, pp. 667/668). [38] Na enunciação que segue expurgaremos as menções doutrinárias e jurisprudenciais. [39] Cfr., entre outros, Menezes Leitão, O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa 1996, pp. 27 e ss.; Júlio Manuel Vieira Gomes, O Conceito de Enriquecimento, O Enriquecimento Forçado e os Vários Paradigmas do Enriquecimento Sem Causa, Universidade Católica Portuguesa, Porto, 1998, pp. 112 e ss.; Ac. do STJ de 28/06/2018 (relator Tomé Gomes), in www.dgsi.pt. [40] Cfr, neste sentido, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª edição, Almedina, p. 410, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6.ª edição, Almedina, 1989, pp. 437 e ss., eLuís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 2ª edição, Almedina, p. 381. [41] Cfr, Mário Júlio de Almeida Costa, obra citada, p. 411. [42] Cfr, Antunes Varela, obra citada, p. 449. [43] Cfr, Mário Júlio de Almeida Costa, obra citada, p. 411 e Rui de Alarcão, Direito das Obrigações, Coimbra 1983, pp. 183/184. [44] Cfr, Antunes Varela, obra citada, p. 455. [45] Cfr. Ac. do STJ de 27/06/2019 (relator Pinto de Almeida), in www.dgsi.pt. [46] Cfr. Júlio Gomes, Comentário ao Código Civil - Direito das obrigações/Das obrigações em geral, José Carlos Brandão Proença (coord.), Universidade Católica Portuguesa, p. 253, anotação ao artigo 473.º; no mesmo sentido, Jorge Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, Vol. I, Atualizada e ampliada por Miguel Pestana de Vasconcelos e Rute Teixeira Pedro, 2ª ed., 2021, Almedina, p. 368 (nota 884). [47] Cfr. entre outros, Acs. do STJ de 24/03/2017 (relator António Piçarra), de 5/12/2006 (relator João Camilo), de 29/05/2007 (relator Azevedo Ramos), de 4/10/2007 (relator Santos Bernardino) e Ac. da RC de 02/11/2010 (relator Isaías Pádua), todos acessíveis in www.dgsi.pt. [48] Cfr, Antunes Varela, obra citada, p. 456 e Acs. do STJ de 16/09/2008 (relator Serra Baptista) e de 19/02/2013 (relator Alves Velho), in www.dgsi.pt. [49] Cfr, Ac. do STJ de 2/02/2010 (relator Sebastião Póvoas), in www.dgsi.pt. e Ac. do STJ de 23/11/2011 (relator Gregório Silva Jesus), in CJSTJ, n.º 235, Ano XIX, T. III/2011, pp. 133/137, L.P. Moitinho de Almeida, Enriquecimento Sem Causa, Almedina, p. 101. [50] Cfr., Acs. do STJ de 17.06.2021 (relator Vieira e Cunha) e de 26/11/2024 (relator Henrique Antunes), in www.dgsi.pt.; Francisco Manuel de Brito Pereira Coelho, RLJ, Ano 145, n.º 3995, 2015, pp. 120/123 e “Estatuto patrimonial da união de facto: possibilidades e limites da extensão (“teleológica”) do regime do casamento”, in Julgar, n.º 40, 2020, pp. 113/116. [51] Cfr. RLJ (…), pp. 120 e 123. [52] Cfr. Francisco Manuel de Brito Pereira Coelho, Estatuto patrimonial (…), p. 114.
Segundo o citado autor (pp. 114/116), sendo esta a solução que emerge da aplicação das regras gerais (no caso, do enriquecimento sem causa) à união de facto, a mesma acaba por corresponder ao regime dos efeitos patrimoniais do casamento – ao modo de realização da liquidação e partilha dos bens do casal em caso de divórcio –, visto a lei estabelecer princípios gerais de compensabilidade de patrimónios, seja de patrimónios próprios para o património comum ou vice-versa, assumindo relevância a norma do art. 1697º CC, que torna um cônjuge credor do outro pelo que haja satisfeito nas dívidas comuns em medida superior ao que lhe competia satisfazer, bem como a inversa compensação do património comum pelo que haja respondido por dívidas próprias.
Mesmo as doações entre casados caducam ocorrendo divórcio ou separação judicial de bens – arts. 1766º, n.º 1, al. c) e 1791º, n.º 1 do CC. [53] Cfr. Ac. da RP de 27/10/2016 (relator Aristides de Almeida), in www.dgsi., cuja fundamentação seguiremos de perto. [54] Como já dissemos, o autor não discute que a propriedade do prédio se deva manter na esfera jurídica da Ré; dá isso por assente e irreversível.