I – O crime de associação criminosa, previsto no art. 28º do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22/01, encontra-se numa relação de especialidade relativamente ao crime de associação criminosa em geral, previsto no art. 299º do Código Penal, valendo para este crime as considerações que vêm sendo tecidas pela doutrina e jurisprudência a respeito do crime de associação criminosa previsto no artigo 299º do CP.
II – Não se provando que qualquer dos arguidos tenha aderido a uma qualquer organização ou associação que visasse os fins mencionados no mencionado artigo 28º, como membro ou sequer apoiante, e antes se provando que todos os arguidos tinham um objetivo comum, retirar a droga do porto de chegada da cocaína, para o que foram incumbidos, tendo como objetivo a obtenção de um pagamento que lhes foi prometido e não qualquer sentimento de pertença a uma entidade superior que os impulsionasse a agir, não se verifica o crime de associação criminosa.
III – O legislador no tipo do artigo 21º, descreveu uma previsão típica «assumidamente compreensiva e de largo espectro», que abrange todo o caminho percorrido pelo produto estupefaciente desde a plantação ou produção até à detenção e a efetiva entrega aos consumidores, sendo aí enumeradas de forma exaustiva e praticamente esgotante as condutas congemináveis que vão muito para além do tráfico stricto sensu, considerado como a efetiva colocação da droga ao alcance dos consumidores, sendo que a consumação do crime de tráfico exige que se dê por provada, pelo menos uma das ocorrências ali referidas, não bastando o início de um qualquer processo executivo para se verificar a consumação.
IV – A tarefa dos arguidos implicava que no porto de destino da cocaína em Sines esta fosse retirada do contentor onde era transportado de forma sigilosa e clandestina, à margem do procedimento normal e depois dessa retirada clandestina, se colocasse no mesmo contentor, agora já só com a mercadoria lícita, o selo inviolado com o número que aí fora aposto por quem colocou a droga, também clandestinamente no contentor, no porto de Salvador da Baía, com procedimento idêntico, mas de sinal contrário, através do procedimento de procedimento de rip-off.
V – Não tendo conseguido retirar a droga, que foi apreendida pela PJ, colocar o selo que também foi apreendido pela PJ, sendo que a PJ também não conseguiu “apanhar” os arguidos em plena execução desses atos, os arguidos não conseguiram importar a cocaína, não conseguiram executar qualquer ato típico descrito no tipo, pelo que tais condutas cabem na definição de atos preparatórios, porque são inidóneos para a concretização da tarefa com que se comprometeram.
(Sumário da responsabilidade da relatora)
No Processo Comum Coletivo nº 2368/20.3JAPRT do Juízo Central Criminal do Porto, ..., Comarca do Porto, após anterior julgamento e anterior Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto[1] foram submetidos a julgamento, os arguidos:
AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, todos identificados no acórdão.
O acórdão datado de 14.05.2024, tem o seguinte dispositivo:
«IV. Decisão
Em face de tudo o exposto, acordam os juízes que constituem este tribunal coletivo em julgar parcialmente procedente a acusação/pronúncia e, em consequência:
1. Quanto ao arguido AA:
a) Absolvem este arguido da prática de um crime de associação criminosa (art. 28º, nº 2, do DL nº 15/93, de 22-01), de que vinha acusado/pronunciado;
b) Condenam este arguido, pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado (arts. 21º, nº 1, e 24º, al. c), do DL nº 15/93, de 22-01, com referência à Tabela I-B), na pena de 10 (dez) anos de prisão.
2. Quanto ao arguido BB:
a) Absolvem este arguido da prática de um crime de associação criminosa (art. 28º, nº 2, do DL nº 15/93, de 22-01), de que vinha acusado/pronunciado;
b) Condenam este arguido, pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado (arts. 21º, nº 1, e 24º, al. c), do DL nº 15/93, de 22-01, com referência à Tabela I-B), na pena de 8 (oito) anos de prisão.
3. Quanto ao arguido CC:
a) Absolvem este arguido da prática de um crime de associação criminosa (art. 28º, nº 2, do DL nº 15/93, de 22-01), de que vinha acusado/pronunciado;
b) Condenam este arguido, pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado (arts. 21º, nº 1, e 24º, al. c), do DL nº 15/93, de 22-01, com referência à Tabela I-B), na pena de 7 (sete) anos de prisão.
4. Quanto ao arguido DD:
a) Absolvem este arguido da prática de um crime de associação criminosa (art. 28º, nº 2, do DL nº 15/93, de 22-01), de que vinha acusado/pronunciado;
b) Absolvem este arguido da prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado (arts. 21º, nº 1, e 24º, al. c), do DL nº 15/93, de 22-01, com referência à Tabela I-B), de que vinha acusado/pronunciado.
5. Quanto ao arguido EE:
a) Absolvem este arguido da prática de um crime de associação criminosa (art. 28º, nº 2, do DL nº 15/93, de 22-01), de que vinha acusado/pronunciado;
b) Absolvem este arguido da prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado (arts. 21º, nº 1, e 24º, al. c), do DL nº 15/93, de 22-01, com referência à Tabela I-B), de que vinha acusado/pronunciado.
6. Quanto ao arguido FF:
a) Absolvem este arguido da prática de um crime de associação criminosa (art. 28º, nº 2, do DL nº 15/93, de 22-01), de que vinha acusado/pronunciado;
b) Absolvem este arguido da prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado (arts. 21º, nº 1, e 24º, al. c), do DL nº 15/93, de 22-01, com referência à Tabela I-B), de que vinha acusado/pronunciado.
7. Quanto ao arguido GG:
Absolvem este arguido da prática de um crime de associação criminosa (art. 28º, nº 2, do DL nº 15/93, de 22-01), de que vinha acusado/pronunciado.
8. Quanto ao arguido HH:
Absolvem este arguido da prática de um crime de associação criminosa (art. 28º, nº 2, do DL nº 15/93, de 22-01), de que vinha acusado/pronunciado.
9. Quanto aos objectos apreendidos:
9.1. Declaram perdidos a favor do Estado o produto estupefaciente [cocaína] (e os objectos que o acondicionavam) apreendido nos autos;
9.2. Declaram perdidos a favor do Estado os telemóveis apreendidos aos arguidos AA e BB;
9.3. Declaram perdido a favor do Estado o telemóvel apreendido ao arguido quantia CC (que estava na sua posse);
9.4. Declara-se perdida a favor do Estado a quantia monetária (€ 3.650,00) que foi encontrada na posse do arguido AA e que foi apreendida.
9.5. Ordenam a restituição do telemóvel apreendido na busca à residência do arguido CC (que estava na sua posse da sua esposa);
9.6. Ordenam a restituição dos telemóveis apreendidos aos arguidos FF e EE.
9.7. Ordenam a restituição da quantia monetária (€ 2.200,00) que foi encontrada na posse do arguido EE e que foi apreendida;
9.8. Ordenam a restituição do veículo automóvel da marca BMW, com a matrícula ....FPH, apreendido ao arguido AA;
9.9. Ordenam a restituição do veículo automóvel Mercedes-..., de matrícula ..-..7-KX (e respectiva chave e documentos), apreendido ao arguido CC;
9.10. Ordenam a restituição do veículo automóvel Renault ..., com a matrícula ....JSJ, apreendido ao arguido EE;
9.11. Ordenam a restituição das chaves de veículos automóveis apreendidas aos arguidos AA, FF e EE;
9.12. Ordenam a restituição dos cartões (de débito, pré-pago e visa) e do talão de depósito bancário, apreendidos ao arguido CC;
9.13. Declaram perdidas a favor do Estado as munições de uso militar, apreendidas ao arguido BB;
9.14. Ordenam a restituição do computador e do disco de armazenamento, apreendidos ao arguido BB.
Sem custas quanto aos arguidos absolvidos.
(...)»
O Ministério Público apresentou a competente motivação que rematou com as seguintes conclusões:
1.i. O objeto do recurso prende-se com a absolvição de todos os arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH, pela prática do crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 28º nº2, do Decreto-Lei nº15/93, de 20 janeiro, por cuja prática vinham, não apenas acusados, mas também pronunciados;
2.ii. A absolvição de que foram alvo os arguidos DD, EE, FF, da prática de um crime e em co-autoria material de um crime de trafico de estupefacientes agravado, da previsão dos artigos 21º nº1 e 24º al. c), do Decreto-Lei nº15/93, de 20 de janeiro, igualmente acusados e pronunciados e imputados aos restantes três acima citados arguidos condenados;
3.iii Não concordância com a pena concreta de prisão, para o principal arguido AA;
4. iv. Não concordância com a declaração de não perdimento e consequente entrega aos arguidos – ora absolvidos-, dos telemóveis, das quantias monetárias que lhes foram apreendidas aquando das suas detenções e dos veículos automóveis pelos mesmos arguidos (inclusive os aqui condenados pelo crime de tráfico de estupefacientes).
5. i. Face à matéria agora dada como provada, e em acrescento à anteriormente provada no âmbito do primeiro julgamento que foi objeto de reenvio, designadamente aquela que foi acrescentada nos itens 1 a 12, de acordo com o artigo 358º nº1 do Código de Processo Penal, constituindo uma alteração não substancial da mesma, por deliberação de 18/01/2024, que consta da ata de julgamento, torna-se certo que se encontra preenchido este tipo legal de crime de associação criminosa referente ao artigo 28º nº2 do Decreto-Lei nº 15/93, de 20/01;
6. Apesar deste preceito legal localizado no citado diploma aplicado, ter para a sua verificação, requisitos menos exigentes (do que a nossa lei penal geral), afigura-se-nos que tal não aplicação, por parte dos nossos Tribunais desta 1ª Instância, se deve à pesada moldura penal, ao que não é alheio a decorrência de Portugal ter aderido à Convenção de Nova Iorque, de 1988, sendo particularmente o preceito legal em causa (artigo 28º nº 2 do citado decreto-lei) um decalque do artigo 3º nº5 al. a) dessa mesma Convenção, na qual se chama a atenção para a necessidade de se punir mais gravemente o tráfico quando há “participação na infração de uma organização criminosa à qual o agente pertença”;
7. Tal como já anteriormente entendíamos, estas conclusões formuladas neste acórdão estão em total e completa desconformidade com toda a matéria comprovada, designadamente com aquela matéria que foi agora apurada e reformulada que consta dos itens 1 a 12 e, também com a motivação da mesma matéria onde vieram a analisar da não relevância e má interpretação – embora a tivessem considerado na douta sentença - dos depoimentos das testemunhas e declarações dos próprios arguidos;
8. Ora, no essencial, os arguidos vieram a ser absolvidos pelos mesmos motivos que já anteriormente o foram, muito embora, na atual decisão, o Tribunal tivesse dado como provados factos novos e reformulados outros, particularmente em relação ao principal arguido AA;
9. Incorrendo em tal erro de julgamento, ao manter a posição de considerar e por um lado, que o arguido AA faz parte de um grupo de pessoas em Espanha, estruturado e altamente organizado, tendo ele ficado incumbido da vinda a Portugal para tratar de toda a operação de recrutamento para a retirada em segurança da cocaína e seu transporte e por outro, porque seria necessário que se demonstrasse um mínimo de contacto entre essa estrutura e o arguido AA, bem como uma qualquer estabilidade ou unidade diferente e transcendente a qualquer um dos arguidos que constitua um “mais” relativamente à coautoria(sic) que entendeu não ter ficado demonstrado;
10. Ou seja e no essencial, pelos mesmos motivos que já anteriormente e na primeira decisão os arguidos vieram a ser absolvidos!
11. Muito embora, atualmente, tivessem e em muito, dado uma serie de novos factos como provados em relação aos arguidos, particularmente em relação ao principal arguido AA;
12. E se, já então, entendíamos que existia prova para as suas condenações, então o que dizer com toda esta nova e reformulada factualidade dada, agora e neste novo julgamento como apurada.
13. Ora, da matéria valorada pelo Tribunal, resulta à abundância, a existência deste crime, verificando-se todos os aspetos que o Tribunal recorrido entendeu não se terem provado, por cuja prática os citados sete arguidos se encontravam pronunciado, tendo existido um grave erro de julgamento de tais factos e de acordo com o que dispõe o artigo 412º nº3, do Código de Processo Penal;
14. Para a ocorrência do crime do artigo 28º do Decreto –Lei nº15/93, de 20 de janeiro, supõe a existência de uma organização com um ou mais dirigentes, uma estrutura de comando e um processo de formação da vontade coletiva; sendo o chefe membro que controla o processo de formação de vontade da associação, de acordo com ac. do STJ de 10-7-996 e de 03-7-2002 e Paulo Pinto de Albuquerque em comentário a tal diploma legal;
15. O bem jurídico protegido é a paz publica, sendo um crime de perigo abstrato, admitindo qualquer modalidade de dolo, consumando-se com a fundação dessa associação e com a finalidade de praticar crimes- sendo que aos associados não fundadores, com posterior adesão-, os agentes são punidos independentemente dos crimes cometidos;
16. Tal como se encontra consagrado na jurisprudência, associação de uma pluralidade de pessoas, com certa duração, com o mínimo de estrutura organizativa e certa estabilidade ou permanência de pessoas, ocorrendo um processo de formação de vontade coletiva, um sentimento comum de ligação entre eles e dirigida à prática de crimes;
17. Sendo certo que, neste contexto de tráfico de estupefacientes previsto na lei especial penal, do artigo 28º do Decreto-Lei nº15/93, de 20 de janeiro, embora com penas aplicáveis mais pesadas, abrange um maior número de situações e traduz uma menor exigência de transpersonalidade fáctica do artigo 299º do C. Penal, ainda que não baste qualquer acordo prévio de conjugação de esforços, mas que a mesma tenha um mínimo de estabilidade e duração (ac. STJ de 27/10/93);
18. Neste acórdão cremos existir uma total oposição às conclusões a motivação fáctica expressa na alínea C) referente à motivação de facto e exame crítico das provas, que aqui se reproduzem, ao terem ponderado as declarações dos arguidos, a prova testemunhal, pericial, documental;
19. Nos termos merecidos, pois a decisão sobre a matéria de facto há-de ser o resultado de todas intelectuais, integradoras de todas as provas oferecidas e que tenham merecido a confiança do juiz, que deve socorrer-se das “regras da experiencia” do artigo 127º do CPP ou máximas da experiencia, em juízos formados na observação do que comummente acontece e que podem ser formados em abstracto por qualquer pessoa da classe media, em substancia nas presunções ditas naturais, simples, ou de experiencia como consequência, assunções de juiz, como homem criterioso, tendendo à ordem natural das coisas, extrai dos factos, ou das circunstancias e nas quais assenta a sua convicção quanto ao facto probando;
20. Daí que nos reste concluir ter existido erro de julgamento, precisamente por não saberem relevar e conjugar todas as provas produzidas em julgamento e algumas delas já devidamente documentadas nos autos;
21. Designadamente, não considerando- como deveria-, ainda que as tivessem valorado, os depoimentos dos Senhores Inspetores policiais, que efetuaram todas as diligências aos arguidos;
22. Para além das próprias declarações dos arguidos, que decidiram agora falar em sede de julgamento e particularmente das suas contradições – aquando dos seus primeiros interrogatórios – especialmente o principal condenado o AA;
23. Das vigilâncias efetuadas pela polícia em solo português e na zona raiana, próxima da Galiza/Espanha, na zona raiana com Espanha, como seja a localidade de Valença e sobretudo do contactos do encontro entre os arguidos espanhóis AA, FF BB, CC e outros indivíduos de nacionalidade espanhola, mas cuja identidade não foi possível apurar- (aspeto este particularmente importante e que levou à absolvição de todos os arguidos da pratica do importante crime de organização ou associação criminosa do artigo 28º nº2, do Decreto-Lei nº15/93, de 20 de janeiro);
24. Designadamente o encontro do dia 1 de julho, no qual o arguido BB referiu que ia ter uma situação muito importante, sessão 12336 do alvo ...40, tendo-se deslocado ao encontro de espanhóis, com o CC, tendo ambos adquirido leitos para o almoço (diligencia de fls.51);
25. Intercetados em escutas, à saída da A7 em ..., onde foram identificadas duas viaturas de matrículas espanholas, com vários indivíduos no seu interior e exterior em espera, entre os quais o AA (representante em Portugal da organização galega, fotos de fls.52);
26. Minutos após chegou a viatura do BB, tendo os espanhóis entrado nas duas viaturas e seguido atrás dele;
27. As quais, foram, pouco depois, localizadas numa morada utilizada pelo arguido BB, em ..., ..., cujo acesso é feito através de um portão e subindo uma rampa (fls.54 e 55);
28. Para além de toda esta prova documental, a testemunhal dos inspetores da PJ, consideradas pelo Tribunal, como a de II, que teve intervenção não só nesta vigilância, como noutras dos dias 14/7/2020, 24/7/2020, 9-10/8/2020e de 11/8/2020; matéria esta provada no item 13 da matéria fáctica!
29. No dia 13 de julho, BB combinou com CC estarem em Valença, às 09h (sessão 14889 do alvo ...40), existindo movimentações dos arguidos e de terceiros de identidade não apurada, conforme registo no auto de diligencia de fls.69 e ss;
30. Tal como o do encontro entre BB e CC com os arguidos AA e FF, que durou cerca de 20 minutos e foi percetível o manuseamento de papeis (foto fls.73), viatura espanhola BMW ..., matrícula ....FPH, apreendida nos autos a FF, tomador de seguro (foto fls.75);
31. Informações transmitidas e obtidas junto das autoridades policiais espanholas, junto a fls.173;
32. Tudo isto referenciado pelo Inspetor-Chefe JJ e relevado pelo Tribunal;
33. Tal como o ilustre Tribunal relevou outros seguimentos e encontros como o do dia 14 de julho de 2020, matéria provada no item 14;
34. Das transcrições de conversas entre os principais arguidos sob escuta;
35. Ao dar como não provado na sua alínea B), parte da acusação pública, o ilustre Tribunal não somente matou a acusação pública, como entrou em contradição entre parte da matéria de facto provada e não provada;
36. Matéria contraditada entre si, que deverá ser conhecida pelo tribunal Superior, porque é de conhecimento oficioso nos termos dos vícios previstos no artigo 410º do Código de Processo Penal;
37. Por motivo presumível de não ser possível estabelecer qualquer contacto identificativo do nosso grupo de arguidos e mais concretamente entre o arguido AA e seus acólitos espanhóis, com o grupo organizado da Galiza;
38. Apesar de ter, agora e neste novo julgamento e consequente acórdão, elencado novos factos que somente se poderão entender como passíveis de poderem ser considerados como uma verdadeira associação de pessoas, com origem no Brasil, mais propriamente do porto de Salvador da Baía, donde proveio esta enorme quantidade de droga, mas com ramificações e cujo destino era o norte da Península Ibérica, com passagem pelo nosso país;
39. Por não se ter descoberto, pois, a identidade do importante e poderoso líder deste grupo organizado na Galiza/Espanha;
40. Grupo este detentor de grande logística em Portugal- não só nesta situação do Porto de Sines, mas também de um outro grupo (UU e seus comparsas) detidos em 06 de agosto de 2020, em Setúbal e numa outra grande apreensão de cocaína;
41. Entendeu o Tribunal que sem se conseguir apurar a identidade do “Mestre Supremo” da organização – o que nunca acontece nestas situações de criminalidade organizada envolvendo milhões de euros e gente rica e poderosa-não se pode condenar os seus membros como aderentes ou colaboradores da mesma!
42. Este grupo organizado já vinha sendo seguido pela nossa PJ em colaboração com a polícia da vizinha região da Galiza, conforme depuseram e consideraram válidos os depoimentos dos nossos Inspetores (JJ e KK), ainda que não se tivesse logrado obter em concreto, a identidade dos seus dirigentes, pois há diligências internacionais em curso;
43. Sendo certo que, logo que foi detido o aqui principal arguido AA, teve como tarefa imediata bloquear o seu telemóvel (encriptando-o);
44. Toda esta organização e logística montada em Portugal da qual sobressai este ultimo AA e seu colaborador galego, arrendatário, amigo e motorista FF, utilizavam automóveis topo de gama e telemóveis altamente avançados e encriptados – como o apreendido aos irmãos ... (EE)-, cujas licenças custam milhares de euros e cujo software ainda é pouco comum entre grupos criminosos, o que revela um especial cuidado por parte dos mesmos arguidos, conforme referiu o Inspetor KK;
45. Só um grupo bem organizado – apesar do seu líder espanhol não identificado-, cujo homem de confiança em Portugal era o AA, onde vinha regularmente e aqui recrutava indivíduos para outras tarefas, visando a retirada da droga do contentor do Porto de Sines, para posterior transporte e distribuição em Espanha (itens 5 e 7);
46. Só depois de vários encontros e da confiança ganha pelo AA junto dos portugueses BB e CC e após várias deslocações e encontros é que aquele lhes remeteu o material fotográfico, onde também constava o selo e o nome do navio;
47. Foi o cidadão espanhol e aqui principal arguido AA, que pagou o alojamento de todos e cujas imagens estão devidamente documentadas, tal como as mensagens e telefonemas;
48. Também foi ele que se deslocou às imediações de Sines (juntamente com o recém-chegado EE);
49. Assim e segundo as regras da experiencia comum, previsto no artigo 127º do CPP., somente uma organização estruturada, com elementos para cada função, com muito dinheiro e capacidade para obter tao grande quantidade de cocaína da Colômbia, vinda do porto de Santos-Baía/Brasil, recrutando quem a introduzisse num navio porta contentores e dentro da carga colocasse um selo intacto, para substituir no terminal português, para além do pagamento de centenas de milhares de euros aos colaboradores portugueses (como o caso do CC e a possibilidade de poder adquirir um mustang);
50. Para além da grande quantidade de droga exportada e seu (elevado) grau de pureza e respetiva distribuição e embalamento, mas, sobretudo a módica ou quase “simbólica” valor da mesma 13 (treze) milhões de euros€;
51. Apenas se poderia ter concluído ser este aqui cabecilha AA, em Portugal, representante de uma organização poderosa, localizada na Galiza, cuja identidade do seu chefe máximo ou fundador não se conseguiu, pois, apurar!
52. Erro esse de julgamento, por não considerarem, também, a forte prova indiciária que deverá estar sempre presente – não só na mente dos doutrinadores-, como nos aplicadores do direito, que ignoraram, não apenas, em relação aos três arguidos/condenados, AA, BB e CC (fruto de prova direta), pela prática do crime de tráfico agravado pelo qual vinham também acusados/pronunciados, mas porque desprezaram toda esta prova, perante toda a organização desta estrutura associativa, cujas ordens ou instruções vinham de fora(estrangeiro)- não apenas destes supra três referidos arguidos-, mas de todos os restantes quatro arguidos FF, DD e EE, GG e HH, pelo cometimento deste crime de associação criminosa da previsão do artigo 28º nº2 do Decreto-Lei nº15/93, de 20 de janeiro;
53. Este conjunto de homens que se associaram ao arguido AA, representante da organização galega no nosso país, é muito mais que um simples bando e muito menos do que meros comparticipantes para o cometimento deste tipo legal de crime, ou seja, tratam-se de aderentes a uma associação criminosa e cuja atuação é da previsão do nº 2 do artigo 28º do Decreto-Lei nº15/93, de 20 de janeiro;
54. Perante a nova matéria dada como provada e reformulada nos itens 1 a 12, permitem-nos concluir que este conjunto de homens se associaram, ao AA, representante da organização da Galiza, no nosso país, para a traficância de material estupefaciente, grupo esse que é muito mais do que um simples bando e muito menos que uma mera comparticipação de três indivíduos para o cometimento deste tipo de crime, ou seja, é uma verdadeira associação criminosa;
55. Tudo isto é bem revelador do manancial de diligencias realizadas pelos espanhóis, em solo nacional, denotando uma forte estrutura montada, mas cuja chefia do grupo na Galiza não foi possível determinar; como sempre acontece nas grandes redes internacionais!
56. Apesar desta absolvição, considerou o Tribunal e motivou em termos fácticos, dando como provadas todas as diversas viagens em solo português e suspeitas movimentações de todos os arguidos (também dos absolvidos), conforme itens 13 a 42;
57. Toda movimentação dos arguidos/condenados dos dias 1de julho de 2020, 14 de julho de 2020, 30 de julho de 2020, 3 de agosto de 2020, 4 de agosto de 2020, 5 de agosto de 2020, 7 de agosto de 2020, 10 e 11 de agosto de 2020, até que se deu a grande apreensão dos cerca de 400kilos de cocaína dentro de um dos contentores do navio porta-contentores “A... Hungary” e que transportava polpa de fruta para o mercado nacional;
58. Retirando, todos os arguidos (condenados e absolvidos) desta associação constituída e à qual os visados e todos os aqui arguidos a ela aderiram- para a recolha e o transporte desta quantidade de droga vinda da América Latina, mais propriamente remetida do Brasil _Salvador da Baía – por via marítima, com uma grande logística;
59. Existiu, pois, em relação à matéria provada e perante toda a prova produzida em julgamento e apresentada com a acusação um errado julgamento da mesma, porquanto os próprios juízes relevaram os depoimentos dos Inspetores da PJ, que estiveram na génese da investigação e participaram nas vigilâncias e ao não considerar a existência de contactos destes arguidos, designadamente, os condenados, com Espanha, como se constata da prova documental como seja uma conversa de whatsapp entre BB e “LL”, utilizador do número espanhol ...40, que se trata do individuo que apresentou o BB a AA (com fotografia enviada por BB da localização da sua casa na ... para o arguido AA aí se deslocar ao seu encontro em abril de 2020);
60. Conteúdo este recolhido e relevado – pelo Tribunal aquando da apreensão e exame do telemóvel ao BB-;
61. Tal como o do contacto “B...”, associado ao nº ...88, número de contacto do ora arguido GG e o do contacto “...”, associado ao nº espanhol ...92, número de contacto do ora arguido HH; Entre outros…matéria provada aquando das buscas às residências daquele arguido e que consta da provada nos itens 46.III, VII e 47;
62. Existiu, uma má apreciação de todo o circunstancialismo fáctico que envolveu a atuação dos visados arguidos, quanto à valoração dada e muito bem, pelas declarações prestadas pelo arguido BB que colaborou com as autoridades e com o Tribunal (outra atitude inteligente não lhe restava), quando o próprio Tribunal a relevou;
63. Ora e conforme concluiu o Tribunal: “O arguido BB foi a Valença e trouxe as fotografias do contentor que transportava a droga (e que viria para Sines) e da localização da droga (e “disso tudo”). O arguido BB tirou estas fotografias com o seu telemóvel de outro telemóvel (do arguido AA), não eram fotografias enviadas por telemóvel”;
64. Ora, todos os encontros em Portugal/Valença, zona fronteiriça e em Valença, de cujos encontros entre os principais arguidos foram fotografados e alguns deles reconhecidos, com alguns seguimentos, não é de todo, por parte dos Juízes, consagrado como matéria que nos permitam afirmar com toda a certeza que estes arguidos mais do que associados tinham aderido a uma não identificada organização espanhola de natureza criminosa;
65. O que mais será preciso para e o que mais poderá ser necessário provar para que se possa integrar toda estas longas condutas dos condenados AA, BB, CC e dos absolvidos arguidos, DD, EE, FF, GG e HH, na prática como aderentes a um grupo organizado e com boa logística na província Galega da previsão e apenas do nº2 do artigo 28º do Decreto-Lei nº15/93, de 20 janeiro;
66. E só assim se compreende a versão do arguido/condenado BB ao dizer em sede de contestação e, em julgamento que teve receio e pretendeu rescindir e desistir da sua conduta;
67. Designadamente na errada interpretação que o douto coletivo fez da prova apresentada, ou insignificante valoração que o douto Tribunal designadamente de natureza documental- das escutas/intercepções telefónicas com mensagens telefónicas-, com a inerente conjugação da prova testemunhal, designadamente dos depoimentos dos senhores agentes policiais(PJ) que até as dissecaram, mas também das próprias declarações do arguido BB e para além das vigilâncias, seguimentos, muitos deles com visionamentos fotográficos (devidamente autorizados), para além das apreensões;
68. Errada interpretação que o douto coletivo fez da prova apresentada, ou insignificante valoração que o douto Tribunal designadamente de natureza documental- das escutas/intercepções telefónicas com mensagens telefónicas-, com a inerente conjugação da prova testemunhal, designadamente dos depoimentos dos senhores agentes policiais(PJ) que até as dissecaram, mas também das próprias declarações do arguido BB e para além das vigilâncias, seguimentos, muitos deles com visionamentos fotográficos (devidamente autorizados), para além das apreensões;
69. Tudo isto, naturalmente perante as regras normais da experiência comum das coisas, que deve impregnar todo o livre critério de apreciação da prova, que enforma o princípio da imediação da prova- de cuja esta nossa primeira instância é mais privilegiada, previsto no artigo 127º do CPP.
70. Apesar da consideração da prova testemunhal, designadamente do Sr. Inspetor-Chefe, valoraram-na, mas não nos seus devidos e compreensíveis termos. Ora, o Inspetor Chefe JJ, nem qualquer outra testemunha não disse, nem tinha que dizer ao Tribunal – apesar de o ter feito -, que o arguido AA faz parte de um grupo de pessoas em Espanha (estruturado e altamente organizado, com muito poder económico, que se dedica à atividade de distribuição e venda de cocaína, a nível internacional), porquanto esse é um trabalho intelectual e conclusivo e de convicção do próprio Tribunal!
71. Não bastou toda a dinâmica do grupo em solo português, dos encontros entre os três principais arguidos condenados, numa moradia de ..., utilizada pelo BB e os encontros do dia 14 de julho entre ambos (provados nos itens 13 e 14);
72. Tal como a prova documental (fls.54 e 55) das viaturas de matrícula espanhola localizadas na mencionada moradia, rodeada de câmaras de vigilância;
73. Para além de ter ignorado todas as informações das autoridades policiais espanholas, em relação ao arguido AA, junta a fls. 1174; toda esta logística, só poderia revelar uma organização bem montada que teve por detrás dela a atuação do arguido AA e do seu amigo/arrendatário, colaborador FF, quando e foi dado como provado no seu item 15, o arguido CC ligou para o seu amigo e companheiro BB, dando-lhe conta que “o nosso amigo de além”, que “o jantar que tínhamos marcado para o dia 18, é para o dia 11”, porque “o restaurante está fechado dia18”;
74. Em linguagem codificada, um atraso ou melhor dizendo, uma retificação do barco e data da chegada ao porto de Sines do navio contentor ”A... Hungary” droga (cocaína) onde a droga vinha escondida na carga de polpa de fruta (item 2 da matéria provada);
75. Os contactos efetuados entre todos os arguidos- privilegiando a rede de comunicação via “WhatsApp”-, mais difícil de captar;
76. Todo o modus operandi que foi relatado, considerado e revelado pelos Inspetores Judiciários em julgamento, ainda que pouco valorado pelo Tribunal, de que toda esta manobra referente ao recebimento da carga da fruta/droga com a substituição do selo original pelo que vinha junto da carga (operação essa denominada de rip-off) implicava uma rede bem estruturada e montada e que não poderia tratar-se, apenas de três pessoas-ora aqui e agora condenadas apenas pelo trafico agravado de estupefacientes -, em comparticipação e comunados entres, apenas, os próprios;
77. Acresce, por outro lado que este indivíduo principal AA, detinha poder económico- de retaguarda e por parte de terceiros de uma rede da Galiza e não identificada, para poder instalar-se num hotel de Cascais (cliente VIP e já conhecido), conforme o Tribunal valorou o depoimento da testemunha MM, rececionista desse hotel e consta da motivação, conforme referiu - ter sido o AA, a reservar os quartos do hotel para os seus amigos, bem como os custos com os mesmos (sic)-;
78. Existiu erro de julgamento na má interpretação que fez ou quis fazer ao não atribuir um papel de colaborador ao FF, também ele galego e como colaborador da organização galega (cujo chefe ou chefes não foram identificados), só porque nas declarações prestadas pelo arguido BB (em parte relevantes), esse arguido não se deslocou às imediações do Porto de Sines com o AA, mas sim, antes, com o arguido EE;
79. Por outro lado, quanto à falta de prova nesta organização criminosa por parte dos irmãos vindos de ..., donde eram naturais, o DD e sobretudo o EE, consideraram e em confronto com as primeiras declarações judiciais ouvidas, agora em sede de audiência-, do primeiro interrogatório judicial deste arguido perante o JIC e porque o mesmo, no final da prova produzida quis falar aos Juízes, que e em relação à pessoa com quem se encontrou no Porto de Sines- a testemunha NN, a quem lhe perguntou se conhecia alguém no porto de Sines, por causa de um contentor, tendo a testemunha respondido que conhecia pessoas no porto de pesca mas não no porto dos contentores(sic);
80. Este encontro até foi confirmado pelo arguido AA mas que o fez a pedido do OO, seu conhecido e hospedado no mesmo hotel e não saber o motivo do mesmo;
81. Porém, no seu primeiro interrogatório inicial e perante o JIC, referiu- no entanto- ter ido com o EE às imediações do porto de Sines no dia 11 para lhe apresentar uma pessoa por causa dos carros;
82. Ora, o Douto Tribunal não relevou- como deveria e se encontra devidamente documentado nos autos-, este encontro, entre e o AA e o EE (que chegou ao local ao volante da sua viatura Renault ... com a matrícula Renault ... e matricula ..-SM-..);
83. Nesse encontro e conforme foi testemunhado pela testemunha policial PP- que seguiu o AA e o EE até Sines e QQ (devidamente referida e valorada na motivação fáctica) -, teve uma durante de cerca de 30 minutos (entre os três intervenientes);
84. Sendo certo que o veículo BMW dos arguidos foi visto a chegar ao hotel C..., em Cascais, onde o grupo se encontrava hospedado e antes deste encontro, nas imediações desse porto, pelas 14 h, o qual foi detetado com ambos os arguidos a arrancar do hotel e feito seguimento ao mesmo- até Sines-, foi pelas 15h30 localizado no parque de estacionamento do hipermercado “...” de Sines;
85. Ora, esta chegada tardia dos irmãos DD e EE ao hotel onde estavam hospedados o AA, FF EE e CC (representante do BB no local), onde já antes se havia aí hospedado o UU (quarto 401) pedido pelo AA, desde o dia 5 de agosto de 2020, vindo aquele a ser detido no dia 6 de agosto no âmbito de outra similar operação de droga (inquérito nº...), no Porto de Setúbal;
86. Devendo, pois e apenas, concluir-se terem estes dois últimos arguidos/absolvidos, de ..., chegado já na parte final desta operação – não consumada-, de recolha de droga, com vista ao seu transporte para Espanha;
87. Enquanto que o arguido BB, ainda em 30 de julho, estava no norte do país, incumbido de conseguir um contacto, no porto de Sines, com vista à retirada do produto; contactos e encontros esses com GG dados como provados, nos itens 11º,17ºe 18º, particularmente o do desse dia pelas 20h20, em ..., reunião essa também com o HH (item 19 da provada matéria);
88. Também nessa altura souberem (telefonema do CC) da antecipação da vinda da droga ao porto de Sines, item 16 da matéria provada;
89. Não existisse uma associação criminosa e o BB poderia ter desistido, mas sobretudo o arguido CC que denotou, perante o seu amigo e aqui testemunha RR, preocupação e receio pela sua família (conforme depoimento deste último e sessões de escuta nºs 234 e 238);
90. Tudo isto, relevado pelo Tribunal, mas não valorado ao não considerarem um grupo criminoso que tinha como cabeça, em Portugal o AA acompanhado pelo seu fiel escudeiro/motorista/arrendatário, o FF;
91. Ora e de acordo com o disposto no nº2 do artigo 28º do Decreto-Lei nº15/93, de 20 de janeiro, não é necessário o lugar que cada um dos colaboradores da associação ocupe (contrariamente à lei penal substantiva do artigo 299º do Código Penal), ou, sequer, um tipo de chefia ou de comando e a forma como é feita a distribuição de lucros;
92. Neste caso existe, efetivamente um chefe, um “senhor do além” da Galiza;
93. Em Portugal o líder AA, acompanhado pelo seu fiel motorista, FF e os portugueses BB, CC e posteriormente os recrutados para o transporte da droga, menos visíveis DD e EE;
94. Todos eles ligados a uma mais complexa organização galega para a recolha da droga no terminal de Sines;
95. Colaboradores esses de associação galega, integradores do crime do arguido 28º nº2 do Decreto-Lei nº15/93, cujos colaboradores podem até mesmo não se conhecerem entre eles, como aconteceu com os arguidos GG e HH, que apenas contactaram o BB;
96. Neste nosso caso acresce o facto de ter sido dado como provado (itens 15º e 26º) os proveitos fortes ligados à atuação do grupo, designadamente dos três aqui condenados que iriam receber (dois dos portugueses) centenas de milhares de euros;
97. Tal como a logística (retificação da data da chegada no navio em que era transportada), só pode significar uma orientação com contrôle à distância por outros elementos- que não apenas estes três arguidos condenados, para além do muito considerável valor económico do produto económico do produto transportado, com o seu grau elevadíssimo de pureza, a sofisticação dos meios (troca de selos, vulgo rip-off), não permitem concluir pela não verificação – como se fez no douto acórdão-, de um interesse superior que ultrapasse os meros interesses pessoais destes sete arguidos, desde a partida da droga do Porto de Salvador da Baia, no Brasil vinda da Colômbia, numa autêntica ação proveniente de cartel, que jamais confiaria o transporte de tão valiosa quantidade de cocaína a pessoas externas à própria organização;
98. Nem se pode falar de uma atuação em bando, pois está muito para além disso, mas, como consagrado na jurisprudência dos Tribunais Superiores, de uma verdadeira organização criminosa!
99. Apenas esta teria o poder de carregar e transportar cocaína num navio porta contentores, no valor de 13 milhões de euros, conforme provado no item 44º;
100.Não um mero conjunto de três bons rapazes, dois deles com problemas financeiros; cite-se um acórdão de um Tribunal Superior em tudo idêntico ao nosso da Relação de Évora de 11-10-2016 e um outro, mais recente, do Tribunal Relação de Lisboa de 16/9/2020; tal como um outro do STJ que muito anterior (12/10/1994), já considerava que nos termos do artigo 28º nº2 do Decreto-Lei nº15/93, de 20/01, não exigia que a associação se situasse em território português. Como, em suma, aconteceu na nossa situação;
101.Daí que enfermou, o nosso douto Tribunal, numa errada subsunção jurídica, interpretando incorretamente os factos e incorrendo em erro de julgamento, toda a prova trazida da acusação e por cuja prática todos os sete arguidos foram pronunciados (dupla valoração judiciária) ao não considerar a forte logística empregue nesta operação de carga no estrageiro, América do Sul-, descarga em Portugal (porto de Sines), todo o envolvimento dos quatro arguidos portugueses com o mandatário e chefe neste nosso país do arguido principal AA, que pagou alojamentos dos seus colaboradores mais diretos, (particularmente do BB e CC), para alem das preciosas colaborações dos dois outros portugueses HH e GG (estes contactados pelo BB);
102.Recrutamento este para a retirada da carga de cocaína desse terminal;
103.Dessa forma, desvalorizaram os Srs. Juízes, todas as vigilâncias e seguimentos na zona raiana de Portugal/Espanha, de Valença e encontros dos arguidos, como depuseram os principais agentes policiais;
104.Cujas viagens e encontros entre Portugal e Espanha estão profusamente documentados em ações de vigilância;
105.Não dando credibilidade e importância que mereciam as mensagens e escutas transcritas entre todos os arguidos e, sobretudo e em suma, sobre a bem estruturada operação montada pela organização com vista à retirada do produto- com êxito do contentor do navio de carga;
106.Ao entenderem que a participação do amigo FF do cabecilha do grupo, os irmãos de ..., DD e EE, este último que chegou a deslocar-se às imediações de Sines, com o líder AA, a um encontro com o pescador SS para tentar, à última da hora, retirar o produto de droga os quais iriam transportá-lo para fora do nosso país;
107.Sendo bem significativo o equipamento de software pelos próprios utilizados, conjugado com as declarações prestadas pelo arguido AA em sede de primeiro interrogatório (em contradição com as prestadas na fase final do julgamento);
108.Tudo isto e em suma, mas designadamente a enorme quantidade de droga remetida da América Latina e os fortes proventos que iriam receber, apenas, poderia significar que somente uma organização como esta tinha capacidade para tal operação logística;
109.Pelo que existindo declarado erro de julgamento, sobre este grupo organizado e sediado na Galiza, atenta a prova material apresentada em Tribunal- como seja, documental (interceções telefónicas, apreensões, material informático e telefónico), testemunhal, com diligencias de vigilância e de seguimentos, declarações dos arguidos entende-se ter o Tribunal violado o disposto no artigo 412º nº3, do CPP;
110.Deveria o douto Tribunal e para além daquela outra matéria assente e segundo as regras normais da experiência comum e de acordo com o que dispõe o artigo 127º do C. P. Penal:
i. O arguido AA faz parte de um grupo de pessoas em Espanha, estruturados e altamente organizados, com muito poder económico, que se dedica à actividade de distribuição e venda de cocaína, a nível internacional, cada um com o seu papel bem definido para as várias etapas da prossecução de tal actividade criminosa.
ii. Obtêm a cocaína na América do Sul, onde têm indivíduos que actuam sob as suas ordens e instruções, que tratam da aquisição da cocaína, e posterior transporte para o país de destino, na maior parte dos casos por via marítima, onde é recepcionada, para ser transportada por outros elementos, pertencentes à organização, para locais pré-determinados, e posteriormente distribuída e vendida, nomeadamente em Espanha e Portugal.
iii. A aquisição da cocaína foi efectuada no âmbito de tal estrutura organizativa e no desenvolvimento da sua actividade e o acondicionamento da cocaína foi feito por pessoas não identificadas pertencentes à estrutura ou por eles recrutados.
iv. O arguido CC iria receber uma quantia em jeito de recompensa e como adesão ao grupo a que o AA era líder em Portugal próxima do montante a receber pelo seu amigo e Colega BB;
v. O arguido AA ficou incumbido de vir a Portugal e concertadamente com o arguido AA, sob as suas ordens e instruções, exercendo, designadamente funções de motorista;
vi. Após o arguido BB ter contactado o arguido GG e, este, por sua vez o HH, o primeiro transmitiu ao AA que estava tudo tratado;
vii. Confiante no sucesso da entrega da cocaína, o arguido AA chamou os arguidos DD e EE, para posteriormente procederem ao transporte do produto, desde Portugal até ao destino, em Espanha, sob as suas ordens e instruções, conforme acordado entre eles previamente.
viii. Os arguidos tinham instruções do arguido AA para comunicarem através de WhatsApp;
ix. Os vários indivíduos que acompanhavam o arguido AA, particularmente, o BB, o CC e o FF, nos dias 1 e 14 de Julho de 2020, pertenciam à organização galega/espanhola, sediada na província da Galiza;
x. O arguido FF hospedou-se no hotel “C...” em Cascais, onde era cliente VIP, com o propósito de controlar todos os pormenores ou dificuldades que surgissem relativos ao sucesso da obtenção da cocaína retirada do contentor, e posterior transporte da mesma para Espanha;
xi. Sendo ele que assumiu o pagamento dos quartos onde estiveram alojados, durante vários dias;
xii. O transporte da cocaína para Espanha seria feito pelos arguidos DD e EE, que só chegaram mais tarde;
xiii. Na noite de 6 para 7 de Agosto de 2020, o arguido CC mostrava-se apreensivo e transmitiu esse receio à testemunha RR;
xiv. O arguido EE disse ao SS que se tratava de um contentor.
xv. Os arguidos AA e EE abandonaram o local, convencidos que não seria necessário fazer intervir mais ninguém, em resultado da conversa mantida;
xvi. O arguido AA actuou na qualidade de mandatário da referida rede espanhola, sabendo que a cocaína era destinada a esta rede.
xvii. Os arguidos DD, EE e FF, pela forma respectivamente descrita, actuaram de comum acordo, em conjugação de esforços, sob a liderança do arguido AA, nessa qualidade mandatado pela referida rede espanhola, conhecendo a natureza e características e quantidade do produto (cocaína) que se encontrava no contentor, e que se lhes destinava, para posterior transporte, distribuição e venda, por forma a obterem avultadas compensações.
xviii. Em Portugal o “líder” da organização espanhola contactou inicialmente o arguido BB e este, por sua vez o arguido seu amigo e com funções de tradutor CC, ambos com dificuldades económico-financeiras, para aderirem a essa mesma organização;
xix. O arguido BB contactou o arguido GG e este por sua vez, o arguido HH, para a tarefa de retirada da droga (cocaína do terminal do Porto de Sines, (matéria provada no item 7 e 15), com notórias compensações económicas;
xx. A cuja organização ambos vieram a aderir, ainda que não obtendo sucesso nessa transferência de produto estupefaciente;
xxi. O arguido AA actuou na qualidade de mandatário da referida rede espanhola, sabendo que a cocaína era destinada a esta rede;
xxii. Os arguidos DD, EE e FF, pela forma respectivamente descrita, actuaram de comum acordo, em conjugação de esforços, sob a liderança do arguido AA, nessa qualidade mandatado pela referida rede espanhola, conhecendo a natureza e características e quantidade do produto (cocaína) que se encontrava no contentor, e que se lhes destinava, para posterior transporte, distribuição e venda, por forma a obterem avultadas compensações;
xxiii. Tal como viria a acontecer com os restantes portugueses, designadamente e numa fase inicial os arguidos BB e seu amigo e companheiro CC e numa fase posterior os dois outros restantes arguidos GG e HH;
xiv. Todos os arguidos sabiam estar inseridos numa rede criminosa de cariz internacional, altamente organizada, com muito poder económico, que utiliza o referido modo de actuação, para introduzir grandes quantidades de cocaína em território europeu, nomeadamente em Espanha e Portugal, para obtenção de lucros na ordem dos milhões de euros, e com as suas condutas de adesão, apoio e colaboração, respectivamente descritas, quiseram participar para mais uma vez concretizarem a importação da cocaína apreendida, para posterior distribuição e venda, pela referida rede;
xxv. Todos os arguidos FF, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH agiram deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade das respectivas condutas;
xxvi. As quantias monetárias apreendidas aos arguidos AA e EE foram obtidas através da actividade de venda de estupefacientes;
xxvii. Os telemóveis apreendidos aos arguidos EE e FF- com equipamento altamente sofisticado estando o telemóvel apreendido ao arguido EE, equipado por um software de encriptação, “SKYECC”, altamente sofisticado e cuja licença fica entre os 600 euros e os 2.200 euros foram adquiridos com dinheiro proveniente da actividade de tráfico e usados para o desenvolvimento de tal actividade;
xxviii. As viaturas apreendidas foram adquiridas com dinheiro proveniente da actividade de tráfico e usados no transporte dos produtos estupefacientes;
xxix. Os arguidos DD, EE e FF actuaram pela forma descrita, de comum acordo, em conjugação de esforços, sob a liderança do arguido AA, conhecendo a natureza e características e quantidade do produto (cocaína) que se encontrava no contentor e sabendo que a distribuição e venda de tal produto (cocaína) provocaria a obtenção de avultada compensação monetária.
xxx. Os arguidos DD, EE e FF agiram deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade das respectivas condutas.
111.Pelo que não poderia deixar das suas condutas serem integradas no crime de associação criminosa da previsão do artigo 28º nº2, do Decreto-Lei nº15/93, quanto aos sete arguidos FF, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH e, da previsão do artigo 28º nº2, por cuja prática os mesmos e todos eles vinham acusados e pronunciados;
112.E daí numa medida abstrata que comporta 5 anos a 15 anos, penas não inferiores a 9 anos para o arguido, representante da organização no nosso país AA e de 7 anos para o seu fiel acompanhante FF e os portugueses BB e CC, GG e HH, bem como de 6 anos para os dois irmãos de ..., DD e EE que tiveram uma ação mais tardia em todo este processo;
113.ii. Outrossim se dirá da nossa discordância e desagrado pelas absolvições de que foram alvo os arguidos DD, EE, FF, da prática de um crime e em coautoria material de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, da previsão dos artigos 21º nº1 e 24º al. c), do Decreto-Lei nº15/93, de 20 de janeiro, igualmente acusados e pronunciados e imputados aos restantes três acima citados arguidos condenados;
114.Na verdade, perante a matéria que deveria ter sido dada como provada e mesmo em comparticipação criminosa e fazendo aqui jus àquilo que esteve na motivação jurídica do Tribunal recorrido em relação aos restantes arguidos aqui condenados e repetindo aqui textualmente diremos que, agora em relação aos três absolvidos arguidos deste tipo legal de crime de tráfico agravado de estupefacientes que:
115.O crime de tráfico de estupefacientes agravado (art. 24º, al. c), do DL nº 15/93, de 22-01), praticado pelos arguidos DD, EE e FF, é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos;
116.Assim e face a toda matéria referenciada na decisão absolutória quanto a estes três arguidos DD EE, Abraldez, EE e FF, tudo o que resulta provado nos itens 53 a 55 da matéria fática e, ainda do item 46 da mesma, à total falta de colaboração com as autoridades e arrependimento ou assunção de responsabilidades, entendem-se como justas, adequadas e proporcionais penas concretas de 7 anos de prisão para o arguido FF e de 6 anos de prisão, para os dois irmãos de ... que vieram para transportar material estupefaciente;
117.Pelo que e quanto ao arguido nos termos do disposto no artigo 77º do Código Penal, perante penas parcelares de 10 anos de prisão aplicada pelo Tribunal recorrido ao arguido AA pelo cometimento do tráfico agravado e de 9 anos (por nós proposta quanto ao crime de associação criminosa), deveria ser-lhe aplicada uma pena única não inferior a 15 anos de prisão;
118.Ao arguido BB, perante parcelares de 8 anos de prisão (para o crime de tráfico agravado) e de 8 anos de prisão (por nós proposto para o crime de associação criminosa), deveria ser-lhe aplicável uma pena única não inferior a 11 anos de prisão;
119.Já quanto ao arguido CC, perante as parcelares penas de 7 e de prisão pelo cometimento do crime de tráfico agravado e de 7 anos de prisão pelo crime de associação criminosa também por nós proposta pelo crime de associação criminosa, deverá ser-lhe aplicada uma pena única não inferior a 11 anos de prisão.
120.Por outro lado e quanto aos restantes três arguidos totalmente absolvidos DD, EE e FF, perante as penas parcelares (por nós propostas) de 6 anos de prisão para os dois irmãos e pelo cometimento de associação criminosa do nº2 do artigo 28º do Decreto-Lei nº15/3, de20 de janeiro e de 7 anos para o FF e de 6 anos para os dois primeiros arguidos/irmãos DD e EE e de 7 anos para o terceiro arguido e pelo cometimento dos crimes de tráfico de estupefacientes da previsão do artigo 24º al. c) do Decreto-Lei nº15/93, de 20 de Janeiro, em relação a todos eles, propomos penas únicas não inferiores a e respetivamente a 10 anos de prisão para os dois primeiros, irmãos entre si e de 13 anos para o FF.
121.iii. Não concordância com a aplicação da pena concreta de prisão, para o principal arguido AA, pelo cometimento de crime de tráfico de estupefacientes agravado, da previsão do artigo 24º al. c) do Decreto-Lei nº15/93, de 20/01;
122.Perante a matéria dada como provada e ainda face à fundamentação de facto e de direito, formulada pelo Tribunal recorrido, designadamente: a intensidade do dolo, elevada, na modalidade de dolo direto; a qualidade da substância – cocaína - que traduzem muito elevada perigosidade social e para a saúde; a quantidade do estupefaciente - 402,45 kg - com forte poder aditivo), revelando também uma ilicitude elevada, mesmo no quadro de um crime de tráfico de estupefacientes agravado; a circunstância de se tratar de uma modalidade de tráfico internacional reveladora também de uma maior ilicitude; a posição de líder dada a sua concreta atividade e extensão – neste aspeto, a conduta substancialmente mais gravosa, inequivocamente a do arguido AA, quem atuou por incumbência do adquirente/ou do seu representante, e quem possuía os elementos relativos à expedição (como o próprio Tribunal assim o entendeu e considerou;
123. Entende-se que a pena concreta de 10 anos de prisão aplicada pelo Tribunal se mostra absolutamente baixa e desproporcional e desadequada, mesmo em relação e comparativamente com as dois outros arguidos e aqui condenados.
124. iv. Não concordância com a declaração de não perdimento e consequente entrega aos arguidos – ora absolvidos-, dos telemóveis, das quantias monetárias que lhes foram apreendidas aquando das suas detenções e dos veículos automóveis pelos mesmos arguidos (inclusive os aqui condenados pelo crime de tráfico de estupefacientes);
125.Assim e em relação aos bens apreendidos e mandados entregar aos seus titulares, não se compreende, nem se aceita tal solução particularmente aqueles bens- como sejam os telemóveis apreendidos aos arguidos e aqui condenados AA e BB (9.2) e CC (9.3), que estavam nas suas posses e em relação àquele outro que foi apreendido aquando na diligencia de busca à sua residência (9.4); bem como as restituições na posse do AA do seu veiculo automóvel de marca BMW e matrícula ....FPH, bem como o veiculo Mercedes –... de marca BMW, de matrícula ..-..7-KX e respetivas chave e documentos, apreendido ao condenado CC, assim como o computador e disco mandado restituir ao arguido BB, porquanto tendo os mesmos arguidos sido condenados pelo cometimento de crime relacionado com o tráfico de droga e estando os mesmo relacionados diretamente com a pratica dessas suas condutas, tais perdimentos deveriam ter sido declaradas nos termos do que dispõe o artigo 35º dessa lei especial –Decreto-Lei nº 93/15, de 20 de janeiro-, sendo de aplicação automática e não sendo exigível os pressupostos da lei geral do Código Penal, que confere outro grau mais exigente para que ocorra tal perdimento de bens;
126.Desta forma, regista-se um afastamento do regime geral do C.P., criando-se um regime próprio, previsto nos arts. 35º a 38º deste diploma, exclusivo para os crimes relacionados com a droga, colocando-se a tónica, numa relação instrumental e causal, ainda que hipotética, entre os crimes aqui tipificados e os bens, que deve ser temperada, de acordo com a jurisprudência corrente, por uma certa proporcionalidade;
127.Assim deveria, pois, serem declarados os perdimentos de tais bens que foram mandados restituir aos condenados;
128.Também e por maioria de razão, peticionando-se a condenação dos restantes arguidos, aqui absolvidos pelo cometimento dos restantes crimes, particularmente o de tráfico de estupefacientes em que estavam pronunciados também os arguidos FF, DD e EE, deverá por maioria de razão, e quanto a eles determinar-se as perdas dos bens que lhes foram apreendidos e quantias monetárias (9.10., 9.11), porque relacionados também com a traficância de droga e dela dependentes e instrumentais (o veiculo Renault ... apreendido ao EE serviria para o transporte da cocaína para Espanha) e de acordo com o artigo 35º do Decreto-Lei nº15/93, de 20 de janeiro.
ASSIM,
129.Ao não considerar, o ilustre Tribunal, a atuação dos sete arguidos AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH, como integrantes e aderentes/associados a um grupo organizado e perigoso de transporte de droga, sediado na Galiza, da previsão do artigo 28º nº2, do Decreto-Lei nº15/93, de 20 de janeiro, por cuja prática, todos eles se achavam, não apenas acusados, mas também pronunciados em sede instrutória;
130.Bem como ao não considerar as atuações dos absolvidos arguidos DD, EE, FF, como integrando a prática do crime de tráfico agravado da previsão do artigo 21º e 24º al. c) do mesmo diploma, por cuja prática os mesmos arguidos se encontravam igualmente acusados e pronunciados,
131.Para além de se considerar a escolha de uma pena concreta para o arguido proeminente nesta associação, AA, de apenas 10 anos de prisão, com violação ao disposto no artigo 71º do Código Penal;
132.Fazendo os Ilustres Juízes tábua razão de toda a inúmera prova direta e indireta junta e apresentada nos autos e apurada em julgamento, de acordo com o preceito legal de apreciação da prova prevista no artigo 127º do CPP, parte dela em contradição entre matéria de facto provada e não provada, nos termos do artigo 410º do CPP, violando o próprio aqui dispositivo processual penal, bem como os artigos 28º nº2 do Decreto-Lei nº15/93, de 20/01, ao artigo 3º nº5 al. a), da Convenção de Nova Iorque, o 24º al. c) do Decreto-Lei nº15/93, de 20/01(quanto aos arguidos absolvidos);
133.Também ao não declarar o perdimento dos referenciados veículos automóveis apreendidos aos principais arguidos, bem como dos telemóveis, computador, o Tribunal violou também a lei especial que determina tal efeito, nos termos do artigo 35º do Decreto-Lei nº15/93, de 20 de janeiro;
134.Devendo esta douta decisão ser revertida, nos nossos propósitos, que humildemente aqui peticionamos;
135. Sob pena de violação do disposto nos artigos 28º, nº2, do Decreto-Lei nº15/93, de 20/01 e artigo 3º nº5, al. a), da Convenção de Nova Iorque, 24 al. c) e 35º, do Decreto-Lei nº15/93, de 20 de janeiro, 71º do Código Penal e artigo 127º do Código de Processo Penal;
136.Devendo condenarem-se os visados arguidos os sete arguidos como aderentes a um grupo/associação criminosa da previsão do artigo 28º nº2, do Decreto-Lei nº15/93 de 20 janeiro e nas aludidas penas parcelares, e quanto aos três aqui absolvidos condenados pelo cometimento de um crime de tráfico de estupefacientes agravado da previsão do artigo 15/93, de 20 de janeiro, nas penas únicas indicadas e no mínimo, as aqui apontadas pelo MP; e,
137.Devendo esta douta decisão ser revertida, nos nossos propósitos, que humildemente aqui peticionamos, junto do Tribunal da Segunda Instância, reformular ao acórdão no nosso sentido e da nossa formulação.
1. Por Acórdão proferido no âmbito do Proc. n.º 2368/20.3JAPRT, pelo Juízo Central Criminal do Porto (...), do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, o Arguido, ora Recorrente, foi condenado em pena de prisão de 10 (dez) anos pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. nos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, al. c), ambos do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro.
2. Sucede que o julgamento repetido, resultou da decisão proferida em anterior acórdão proferido pelo TR Porto, que considerou que o Tribunal à quo teria que, no que ao arguido recorrente respeita responder a questão da relação entre de ligação prévia que o arguido/recorrente tinha com a aquisição da cocaína embarcada em Salvador do Brasil e concretize isso em factos.
3. O que não sucede no Acórdão agora em crise, sendo por isso o acórdão nulo nos termos do disposto nos artigos 379.º n.º 1 alínea c) do C.P.P.
4. Do douto Acórdão resulta, em termos práticos, que as declarações do co-arguido BB prestadas em sede de interrogatório judicial e prestadas em audiência são o único elemento de prova com relevância para o esclarecimento da questão da ligação dos arguidos à cocaína apreendida no Porto de Sines.
5. É certo que as declarações de co-arguido correspondem a um meio de prova que, apesar de não previsto legalmente, é perfeitamente admissível no nosso ordenamento jurídico, sobretudo tendo em contao princípio da legalidadeda prova, previsto no artigo 125.º do C.P.P. onde se destaca que “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.”.
6. Significa isto, portanto, que nada impede que um arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento direto, e tanto sobre factos que só a ele digam respeito, quanto sobre factos que respeitem também a outros co-arguidos.
7. Não obstante, importa frisar que não podemos confundir o problema da sua admissibilidade legal com o problema da sua valoração. São duas questões distintas. O mesmo é dizer que, apesar de estas declarações serem perfeitamente admissíveis enquanto meio de prova, questão diversa prende-se com a possibilidade da sua valoração enquanto tal.
8. Quanto à possibilidade de valorar as declarações de um co-arguido, é assente que as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro são um meio de prova perfeitamente admissível e, por isso, válido, mas não são, nem podem ser, suficientes para, por si só, sustentar uma condenação. Por isso mesmo, e tendo sempre presente o princípio da livre apreciação da prova, deve ter-se sempre um especial cuidado na valoração deste meio de prova pelas especiais cautelas que suscita, devendo sempre procurar-se o máximo de elementos probatórios corroborantes.
9. Desta forma, as declarações de co-arguido só podem fundamentar a prova de um facto penalmente relevante quando exista alguma prova adicional que permita concluir que a narrativa do coarguido é, efetivamente, verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir também com base nas suas declarações.
10. Ora, no caso, é manifesto que os co-arguidos BB e, também, CC, pese embora tenham admitido a sua participação nos factos, procuraram minimizar a sua responsabilidade. Por isso, desde já, as suas declarações não merecem a credibilidade que lhes é atribuída.
11. Para além disso, como indagado anteriormente, as declarações de um arguido, em claro prejuízo de outro, para serem valoradas, têm de ser sustentadas e credíveis quando postas em confronto com a demais prova o que, como veremos, claramente não se verifica.
12. No caso em concreto, no que ao envolvimento e participação do arguido AA nos autos respeita, as declarações do co-arguido BB foram prestadas de forma pouco pormenorizada, confusa, com muitas incongruências, principalmente quando confrontadas com os demais meios de prova juntos aos autos.
13. No ponto 4, pág. 8 do Acórdão, refere-se que “O arguido AA, (…) foi incumbido de diligenciar em Portugal pelo acesso no porto de chegada à cocaína aludida em 3 e do seu transporte para local ou locais não concretamente determinados.”.
14. Ora, o único elemento probatório que nos leva a concluir e que, certamente, levou o Tribunal a dar este facto como provado, prende-se única e exclusivamente com as declarações do co-arguido BB, designadamente em sede de interrogatório judicial, onde o mesmo refere que “para si, relativamente ao de Sines, AA é também um intermediário” – fls. 940 dos autos.
15. No ponto 5, pág. 8, quando se refere que “para o efeito o arguido AA, em data não concretamente determinada, mas, pelo menos, a 1 de julho de 2020 travou conhecimento com o arguido BB e abordou-o no sentido de este providenciar pelo acesso ao contentor referido de 1 a 3, designadamente, através do recrutamento de pessoa ou pessoas capazes de facultar a retirada em segurança do identificado estupefaciente do porto onde chegaria.”.
16. Também aqui o único elemento probatório existente nos autos prende-se com as declarações do arguido BB prestadas em sede de interrogatório judicial. Assim, de acordo com o auto de audição de interrogatório judicial, BB “Julga que em Março de 2020, mais ou menos, o TT apresentou-lhe o AA. Encontraram-se na ..., perto da casa do BB. AA voltou a perguntar ao BB se tinha alguém no Porto de Leixões e BB disse que não mas que ia tentar arranjar. Que ia falar ao GG;” – fls. 937 dos autos.
17. No ponto 10, pág. 8 do Acórdão, “(…) e recebida esta informação este último forneceu aos arguidos BB e CC as informações necessárias: nome do navio, datas de partida e chegada, número do contentor, número de selo, tipo de carga constante do manifesto, nome das firmas exportadora e importadora, quantidade de cocaína.” – o que se relaciona com o conteúdo encontrado no telemóvel apreendido ao co-arguido BB, conforme dispõe o ponto 46 do Acórdão, pág. 14.
18. Uma vez mais, nas declarações que prestou, BB referiu que as imagens extraídas do seu telemóvel com o n.º de selo, referência e respetivo tracking do contentor onde veio a ser apreendida a cocaína lhe tinham sido fornecidas por AA.
19. Sucede que apesar da efetiva existência dessas fotografias no telemóvel apreendido ao co-arguido BB, nenhum elemento probatório, para além das referidas declarações, permite concluir que foi o aqui Recorrente quem lhe forneceu essa mesma informação, em formato de imagem.
20. Para além de tudo o exposto anteriormente e reforçando a ideia de que as declarações do co-arguido BB são incoerentes, inconsistentes e incongruentes e que, por esse exato motivo, não merecem a credibilidade atribuída pelo Exmo. Tribunal, refira-se a evidente situação de não coincidir com a demais prova as declarações do co-arguido BB na parte em que refere que era o arguido AA quem tratava de tudo e de que o próprio suportaria as despesas com o hotel. E isto porque a testemunha MM, rececionista desse mesmo hotel, disse em tribunal que o arguido AA informou que só pagaria o quarto dele, sendo que tal informação consta também do auto de diligência a fls. 183-4.
21. Por outro lado, para além de se basear unicamente (e para o que aqui importa) nas declarações do co-arguido BB, o Tribunal também falha (redondamente, e de forma manifesta) a dar como assente factos que não encontram qualquer suporte probatório nos autos.
22. No ponto 20, pág. 10, “no dia 3 de agosto de 2020, os arguidos AA, FF e CC deslocaram-se para Cascais onde se hospedaram no hotel “C...”, sito na Travessa ..., com o propósito de o arguido AA (…) controlar todos os pormenores ou dificuldades que surgissem para lograr retirar a cocaína do contentor, e o posterior transporte da mesma.”.
23. Ora, ao longo de toda a análise da prova que consta dos autos, conclui-se não ter sido possível provar este último ponto, dado existir uma ausência total de prova quanto a este facto, tal não é possível extrair nem das declarações do co-arguido BB nem de qualquer outro elemento probatório.
24. No ponto 30, pág. 11, “O arguido AA sabia que UU tinha conhecimentos nos portos portugueses.”.
25. Mais uma vez, é uma afirmação dada como provada que não se sustenta em nenhum elemento probatório constante dos autos.
26. No ponto 35, fls. 11, refere o Acórdão que “no dia 07.08.2020, os arguidos AA, FF, BB e CC já sabiam da apreensão da cocaína levada a efeito no porto de Setúbal no interior do navio “...”.”.
27. Em momento algum resulta provado tal conhecimento por parte do arguido AA, entrando, aliás, em contradição, neste caso particular, com as declarações prestadas pelo arguido BB em sede de interrogatório judicial.
28. Apesar de no douto Acórdão, fls. 31, se afirmar que os elementos probatórios basilares que constituem o sustento da factualidade provada são as identificadas vigilâncias, as escutas e os ficheiros contidos (e apreendidos) no telemóvel do arguido BB e ainda que as declarações do arguido BB “só foram valoradas pelo tribunal na estrita medida em que são por aqueles elementos corroboradas”, face a tudo o indagado supra não nos parece corresponder esta afirmação à verdade, porquanto o Tribunal se baseia apenas nas declarações do co-arguido BB para dar factos como provados e, quando não se baseia nelas para dar os factos como assentes, nenhum elemento de prova existe nos autos que permita suportar a veracidade desses factos.
29. Para além disso, AA não é intercetado em nenhuma escuta telefónica com os demais co-arguidos, sendo o único contacto presencial, documentado nos respetivos RVE, através de fotografia.
30. Importa, neste seguimento, destacar que, e como, aliás, se expõe no Acórdão (pág. 32), ao arguido AA não foi apreendido, na sua posse, qualquer elemento probatório direto.
31. Da busca domiciliária, realizada ao quarto de hotel C..., em relação ao arguido AA nenhum objeto apreendido assume relevância para os autos.
32. Quanto à busca e apreensão realizada ao telemóvel apreendido ao co-arguido BB, da respetiva extração, constante a fls. 906 e ss., nenhum elemento de prova resulta, de forma direta, quanto à participação do arguido AA nos factos, pois que apenas resulta provado que o arguido BB continha o contacto do arguido AA (fls. do relatório de extração – 327).
33. Uma vez que toda a acórdão que não seja fundamentada é nula e uma vez que a acórdão ora em análise padece, manifestamente, de uma correta enunciação dos factos considerados provados e não provados por não se basear em nenhuma prova resultante dos autos ou por apenas se basear num meio de prova que carece de corroboração dados todos os riscos inerentes à sua valoração.
34. Desta forma, e face a tudo o enunciado anteriormente, deve o referido acórdão ser considerada nula, por insuficiente fundamentação, ao abrigo do disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º ambos do C.P.P.
35. Veio o referido Acórdão declarar perdido a favor do Estado a quantia monetária mencionada, por, no seu entendimento, ter sido utilizado no tráfico de estupefacientes pelo arguido AA, nos termos do artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
36. Ora, de acordo com o artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, prevê-se que “São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos.”.
37. Para além disso, nos termos do artigo 109.º, n.º 1 do Código Penal (doravante “C.P.”), “São declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática.”.
38. Posto isto, para haver lugar, então, à perda de objetos é necessário existir, em primeiro lugar, um facto anti-jurídico; em segundo lugar, os objetos devem ser produto de um crime (producta sceleris) ou terem sido utilizados ou estarem destinados à sua comissão (instrumenta sceleris) e, em terceiro lugar, os objetos devem, pela sua natureza ou pelas circunstâncias, oferecer sérios riscos de serem utilizados para a prática de crimes ou pôr em perigo a comunidade.
39. No entanto, e com vista a evitar excessos que poderiam decorrer de uma interpretação que conduza a uma aplicação automática do perdimento de objetos, tem vindo a jurisprudência a temperá-la com alguns elementos moderadores, nomeadamente a noção de instrumentalidade, esclarecida pela invocação da causalidade adequada, e o princípio da proporcionalidade (consagrado no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa).
40. Em consonância, vem-se exigindo que da factualidade provada resulte que entre a utilização do objeto e a prática do crime exista um relação de causalidade adequada, por forma a que, sem essa utilização, a infração em concreto não teria sido praticada ou não o teria na forma verificada e que a perda dos instrumentos do crime seja equacionada com o princípio da proporcionalidade entre a gravidade da atividade levada a cabo e a serventia que ao objeto foi dada na sua execução, de forma a não se ultrapassar a “justa medida”.
41. Como é lógico, dos factos dados como provados no Acórdão podemos afirmar com um elevado grau de certeza que o dinheiro apreendido ao arguido AA em nada esteve relacionado com a prática do crime por que o mesmo foi condenado, isto é, por tráfico de estupefacientes.
42. Concluímos, assim, que a quantia monetária apreendida para além de não ser essencial para a prática dos factos pelo qual o arguido veio a ser condenado, em momento algum, se faz referência ao facto de o mesmo ter sido utilizado para a prática do crime.
43. Consequentemente, não pode manter-se o decidido pelo douto Acórdão impondo-se, outrossim, que seja declarado inválido o acórdão recorrido na parte em que decretou a perda do veículo automóvel em causa.
TERMOS EM QUE, ATENTO TUDO O EXPOSTO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA:
A) SER A ACÓRDAO DECLARADO NULO POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO E SER REVOGADA A DECISÃO EM CRISE:
B) SEJA ORDENADA A RESTITUIÇÃO DA QUANTIA MONETÁRIA AO SEU PROPRIETÁRIO, TUDO NOS TERMOS DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 374.º, N.º 2 E 379.º DO C.P.P. E NOS ARTIGOS 109.º DO C.P. E 35.º DO DECRETO-LEI N.º 15/93 DE 22 DE JANEIRO.
1.- O douto acórdão impugnado foi proferido na sequência do douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8 de junho de 2022 que conheceu dos recursos interpostos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO e pelos Arguidos (entre os quais o ora Recorrente), contra o anterior acórdão da 1a Instância lavrado em 5 de novembro de 2021.
2.. Esse primeiro acórdão absolveu o Recorrente do crime de associação criminosa (art° 28°, 2, DL 15/93, de 22 de janeiro) de que estava acusado/pronunciado; e condenou-o na pena de 7 (sete) anos de prisão, pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artos 21°, 1, e 24°, c), do DL 15/93, de 22 de janeiro.
3. Comparando, nesta parte, os dois acórdãos, verifica-se que, mantendo a absolvição do Arguido pelo crime de associação criminosa, o que agora está sob escrutínio agravou de 7 (sete) para 8 (oito) anos a pena que lhe fora aplicada, pelo mesmíssimo crime de tráfico de estupefacientes.
4. Esta agravação viola a proibição da reformatio in pejus estabelecida no art° 409°, CPP, em suma porque o recurso decidido pelo douto acórdão de 8 de junho de 2022 do Tribunal da Relação do Porto foi interposto pelo Arguido ora Recorrente (para obter a sua absolvição ou a redução da pena que lhe fora imposta) e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO unicamente, na parte relevante, para obter a condenação daquele pelo crime de associação criminosa.
5. Nesse recurso o MINISTÉRIO PÚBLICO conformou-se com a condenação e com a pena imposta ao ora Recorrente pelo crime de tráfico de estupefacientes.
6. O reenvio do processo para novo julgamento, ordenado pelo acórdão de 8 de junho de 2002 do Tribunal da Relação do Porto, não se destinava a reapreciar o crime de tráfico de estupefaciente pelo qual o Recorrente foi condenado, nem se destinava, nem obviamente podia destinar-se, a agravar pena que lhe fora imposta por esse crime.
7. O douto acórdão agora em mérito subverte os fundamentos e as razões do reenvio e reapreciou o caso fazendo tábua rasa dos anteriores recursos do Arguido e do MINISTÉRIO PÚBLICO e das limitações que, ao nível da reformatio in pejus, eles implicam.
8. O Tribunal violou o disposto no art° 409°, CPP, pelo que, na hipótese, que não se concede, de vir a manter-se a condenação do ora Recorrente pelo crime de tráfico de estupefacientes, jamais a respetiva pena poderá ser superior à de sete anos que lhe tinha sido imposta.
9. O art° 409°, CPP, é inconstitucional, por violação do art° 32°, 1, CRP, e do direito a um processo justo e equitativo, quando interpretado no sentido de que o Tribunal da 1a Instância pode agravar a pena anteriormente imposta a um Arguido pela prática de um crime concreto, no caso de reenvio do processo para novo julgamento ordenado pelo Tribunal da Relação a final dum recurso interposto pelo Arguido e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, recurso em que este se conformou expressamente com essa condenação e com essa pena e se limitou a impugnar a anterior decisão relativa à absolvição por um outro crime, absolvição que o Tribunal do reenvio reafirmou e confirmou.
10. Por despacho proferido na sessão da audiência de julgamento do dia 18 de janeiro de 2024, o Tribunal procedeu à alteração de vários factos da acusação/pronúncia, ao abrigo do disposto no art° 358°, CPP, e qualificando essa alteração como não substancial.
11. O ora Recorrente opôs-se a essa alteração e ao conhecimento dos novos factos, por considerar que tem a natureza de alteração substancial dos factos.
12. O Tribunal julgou provados esses novos factos - com os quais o Arguido nunca fora confrontado e dos quais, por isso, não se defendeu - e incluiu-os nos n.ºs 5, 8, 9 e 10 do respetivo elenco, com o que considerou demonstrado que a conduta do ora Recorrente integrava a prática do crime, em coautoria, na modalidade de transporte,
13. Esta alteração ofende o disposto nos art.ºs 358° e 359°, CPP, e implica a nulidade do acórdão prevista na al. b) do n° 1 do art° 359°, CPP.
14. Além disso, o douto acórdão, sem ter observado sequer o procedimento previsto no art° 358°, CPP, considerou provado um facto (a coadjuvação do Arguido, descrita no facto provado n° 20) que não constava da acusação/pronúncia, é suscetível de constituir (e foi considerado como preenchendo) um ato de execução do crime de tráfico de estupefacientes, e que assume grande relevo para identificar os atos concretamente imputados ao Arguido e por ele praticados (ou não).
15. Também por isso o douto acórdão incorreu na nulidade prevista na al. b) do n° 1 do art° 379°, CPP.
16. O douto acórdão julgou incorretamente aqueles novos factos que introduziu nos nos 5, 8, 9, 10 e 20 do respetivo elenco por não ter sido produzida quanto a eles a mínima prova, designadamente que permita estabelecer a cronologia que o Tribunal considerou assente, violando, assim, o disposto no art° 127°, CPP.
17. Devem, por isso, ser tais factos considerados não provados, na hipótese de vir a entender-se que não resultam duma alteração substancial dos factos da acusação/pronúncia ou, o último, duma alteração ofensiva do disposto no art° 358°, CPP.
18. Ainda que assim se não entenda, sempre terá de declarar-se que a conduta imputada ao Recorrente e descrita nos factos provados não preenche nenhum dos atos típicos do crime de tráfico de estupefacientes previsto no art° 21°, 1, do DL 13/93, de 22 de janeiro.
19. Constituindo, como constituem meros atos preparatórios, não são puníveis (art° 21°, CP).
20. Ainda que pudessem ser qualificados como preenchendo a tentativa do crime, sempre esta deveria ser qualificada como tentativa impossível dada a manifesta incapacidade dos Arguidos GG e HH para executarem os atos que disseram ao Recorrente que executariam, e que não executaram, pelo que foram absolvidos.
21. Assim sendo, também por isso, o Recorrente deveria ter sido e deve ser absolvido (art° 23°, 3, CP).
22. Mesmo que se considere que não ocorre uma tentativa impossível, sempre teria de considerar-se que o Recorrente desistiu voluntariamente de prosseguir na execução do crime, pelo que deveria ter sido e deve ser absolvido (art° 24°, 1, CP).
23. Quando assim se não entenda, e sem prejuízo do que já ficou alegado nas antecedentes conclusões nos 1 a 9, nunca a pena do Recorrente deveria ser fixada em mais do que cinco anos de prisão, cuja execução deve ser suspensa, considerando, entre outras, a atenuante especial da confissão de grande relevância para o esclarecimento da verdade, e do seu comprovado arrependimento (artos 50°, 72° e 73, CP).
24. Ao decidir diversamente, o douto acórdão recorrido violou os preceitos legais que ficaram mencionados, pelo que deve ser revogado.
Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente e revogando o douto acórdão impugnado.
I.- O ora Recorrente foi condenado, por Acórdão proferido no âmbito dos presentes autos, pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.e p. pelo artigo 21.º n.º 1 do DL 15/93 de 22.01, na pena de 7 (sete) anos de prisão.
Da nulidade por alteração substancial dos factos da acusação/pronúncia,
II. Sendo que o Tribunal “a quo” alterou os pontos descritos como provados nºs 5, 8, 9, 10 e 20, tendo o Tribunal “a quo” indicado datas que permitem limitar, temporalmente, a prática dos atos que, posteriormente, usou como fundamento para a condenação do recorrente, transpondo a atuação do Recorrente para momento anterior ao embarque do produto estupefaciente – uma vez que dá como provado que “a embarcação A... Hungary, que se encontrava no identificado posto de S. Salvador da Baía, Brasil, de onde saiu no dia 14 de julho de 2020”, tornando deste modo possível a sua ligação ao tráfico, dado que preencheria a factualidade típica do mesmo.
III. Não existiu nenhum desalfandegamento do produto estupefaciente, pelo que a conduta do Recorrente não preenche nenhum dos atos típicos: não cultivou, não produziu, não fabricou, não extraiu, não preparou, não ofereceu, não pôs à venda, não vendeu, não distribuiu, não comprou, não cedeu, não recebeu, não proporcionou a outrem, não transportou, não importou, não exportou, não fez transitar, não deteve a cocaína de que se trata (artº 21º, 1, do DL 13/93, de 22 de janeiro.
IV. Não existem quaisquer atos de execução por parte do Recorrente, sobretudo tendo por base a falta de localização temporal da sua intervenção e/ou o poder decisório que detinha.
V. O Recorrente viu-lhe ser imputado um crime do qual não pode apresentar qualquer defesa em sede de audiência de discussão e julgamento e tendo-se oposto a tal alteração, existe violação do artigo 359º do CPP e, consequentemente, o acórdão encontra-se ferido de nulidade, nos termos do artigo 379º nº 1 al. b) do CPP.
Quanto à nulidade por falta de fundamentação,
VI. A condenação do recorrente assentou nos factos dados como provados pelo Tribunal “A Quo”, contudo é entendimento do Recorrente que o Acórdão proferido pelo Tribunal “A Quo”, apesar de extenso, carece de fundamentação, pelo que, não pode conformar- se com tal decisão.
VII. Não sendo possível, pela sua leitura, e dada a sua falta de objetividade e clareza, compreender qual o raciocínio do Tribunal “A Quo”, que levou à condenação do aqui Recorrente.
VIII. Isto porque, da matéria de facto dada como provada, inexiste qualquer atuação concreta do Recorrente, seja por ação ou omissão, nos locais e nos dias dos factos.
Senão, vejamos,
IX. No que respeita à responsabilidade criminal imputada ao Recorrente relativamente aos factos ocorridos, não foi produzida qualquer tipo de prova que permitisse ao Tribunal “A Quo” concluir pela participação do Recorrente, fosse a que título fosse.
X. O que levanta a questão de saber em que ponto, em que momento e com que fundamento é que o Tribunal “A Quo” afirma com a certeza que o Recorrente esteve envolvido na factualidade descrita no acórdão.
XI. Mais acresce que não consta em nenhum dos factos dados como provados qual a sua participação ou o seu grau de participação.
XII. A interpretação que o Recorrente consegue retirar da leitura do extenso Acórdão, é de que foi condenado, apenas por ser amigo do arguido BB.
XIII. Uma vez que, não foi realizada qualquer prova de que o Recorrente tenha assentido num acordo ou plano, nem tão pouco tenha tido conhecimento do alegado plano delineado.
XIV. Pelo que, crê o Recorrente, que dada a falta de provas, diretas ou indiretas, deveria, salvo o devido respeito, o Tribunal “A Quo”, ter exposto as razões pelas quais formou a sua convicção que, apenas por mero conhecedor dos factos, tal como fez com o arguido FF.
XV. Assim, atendendo ao artigo 374º, n.º 2 do Código Penal relativo à fundamentação da sentença e à diversa jurisprudência existente sobre tal tema, incorre o Acórdão Recorrido no vício de falta de fundamentação.
XVI. O que gera a nulidade do mesmo nos termos e para os efeitos da alínea a), do número 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal e a inconstitucionalidade prevista no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa, o que, desde já se argui.
Dos vícios da decisão,
XVII.O Acórdão Recorrido padece do vício da contradição insanável da fundamentação nos termos do artigo 410º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal relativamente ao ponto 16 dos factos dados como provados e alínea d) dos factos dados como não provados e fl. 38 do acórdão recorrido.
XVIII. Deu o Tribunal “a quo” como provado no ponto 16 que a conversa tida entre os arguidos BB e CC se referia à incumbência aludida em 06, ou seja, quanto ao pedido do arguido AA àquele primeiro, no sentido de recrutar pessoa(s) capaz(es) de retirar em segurança o produto estupefaciente do porto onde chegaria.
XIX. No entanto, simultaneamente, considerou que não foi dado como provado a antecipação da data de chegada do navio A... Hungary, do dia 18 para o dia 11, fundamentando que a prova não permitiu aferir com segurança que os arguidos tenham percecionado que teria alegadamente existido uma alteração ou se o dia 18 seria apenas o dia do desalfandegamento propriamente dito.
XX. Não poderia o Tribunal “a quo” considerar como provado que a conversação existente entre os arguidos BB e CC no dia 30 de julho de 2020, versava – com plena certeza – sobre a “incumbência aludida em 6”.
XXI. E, com tal posição assumida pelo Tribunal “a quo”, incorreu o Acórdão Recorrido no vício latente no art. 410.º, n. º2, alínea b) do CPP, sendo certo que tal vicio verifica-se quando haja contradição entre a fundamentação ou ainda entre a fundamentação e a decisão.
XXII. O Acórdão Recorrido padece do da contradição insanável da fundamentação nos termos do artigo 410.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Penal, a folhas 37 e 38 do acórdão recorrido.
XXIII. Indica o Tribunal “a quo”, a fls. 37, que “No que respeita ao facto 35 ou seja, que os arguidos sabiam 7 de agosto de 2020 que o estupefaciente que se encontrava no navio “...” já se encontrava apreendido, sendo certo como evidenciado supra que os arguidos, designadamente, o arguido BB teria participação nesta atividade (…)” e a fls. 38, por sua vez, é referido que “ (…) é que se no dia 7 já todos sabiam da apreensão dificilmente saberiam das detenções ou pelo menos destas não podiam ter a certeza) – o que também corrobora a ligação de BB e CC aos indivíduos detidos.” (negrito nosso)
XXIV. Note-se que o advérbio "designadamente" tem um sentido especificativo e indicativo com que se pretende particularizar algo ou alguém, de entre uma série de elementos indiscriminados de um conjunto, pelo que se depreende, sem margem para dúvidas, que seria tão só e apenas o arguido BB a, alegadamente, teria participado na atividade que envolveu o navio ..., no Porto de Setúbal.
XXV. Não obstante, o Tribunal “a quo”, logo de seguida, na página 38, indica que o facto de os arguidos BB e CC terem mudado de alojamento em 10 de agosto de 2020, demonstra que ambos teriam ligação aos indivíduos detidos.
XXVI. Não se compreende o raciocínio lógico efetuado pelo Tribunal “a quo”, uma vez que, se por um lado indica que o arguido BB estaria envolvido na atividade realizada no porto de Setúbal – não referindo, em momento algum, o CC – por outro lado refere que ambos os arguidos tinham ligações ao tráfico neste porto perpetrado, através dos indivíduos detidos.
XXVII. Não existe, assim, segurança em qual das versões é que o tribunal “a quo” teve por assente o seu julgamento, existindo, assim, contradição absoluta nos termos expostos.
XXVIII. Incorreu o Acórdão Recorrido no vício latente no art. 410.º, n.º 2, alínea b) do CPP, sendo certo que tal vicio verifica-se quando haja contradição entre a fundamentação ou ainda entre a fundamentação e a decisão.
XXIX. Denota-se, ainda, o vício da contradição insanável da fundamentação (art. 410.º, n.º2, b) do CPP) entre o ponto 10 dos factos provados e fl. 33 do acórdão recorrido.
XXX.O Tribunal “A quo”, na sua motivação, indica que fora o próprio arguido BB que assumiu que o arguido AA lhe forneceu os elementos relativos à mercadoria ilícita, não existindo qualquer ligação ao recorrente, arguido CC – algo que é corroborado pela prova documental e testemunhal carreada para os autos, demonstrativo de que nenhum elemento relativo à dita mercadoria foi apreendido na posse deste último – no entanto, em simultâneo, indica que o arguido AA forneceu aos arguidos BB e CC todas as informações relativas ao produto estupefaciente, não explicando qual o raciocínio efetuado para obter tal conclusão.
XXXI. Cumpre-nos ainda arguir o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada – art. 410.º, n.º 2, a) do CPP, em virtude da matéria de facto dada como provada nos pontos 6, 7, 8, 13, 14, 16, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 35, 36 e 37 ser insuficiente para a condenação do Recorrente pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes.
XXXII. Certo será que, face à prova produzida, à factualidade dada como provada em juízo e ao Direito aplicável, se torna incompreensível que o Tribunal a quo apenas tenha valorizado a prova adequada a realizar os fins objetivos da condenação do Recorrente, ignorando evidências que, pela sua importância positiva, originariam uma decisão em moldes bastante distintos.
XXXIII. Numa qualquer decisão judicial, particularmente numa sentença/acórdão, é necessário constar a matéria de facto dada como provada, conforme resulta do art. 374.º, n.º2 do CPP.
XXXIV. E sublinha-se que o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre quando a factualidade dada como provada na sentença é insuficiente para fundamentar a solução de direito alcançada, como é o caso em concreto.
XXXV. Veja-se que, de acordo com a factualidade provada, a intervenção do mesmo apenas é justificada por se considerar que o recorrente era “amigo de confiança e sabedor dos factos descritos de 1 a 6, concordando ambos em conjugar esforços para tudo fazerem para conseguir levar a cabo a tarefa.
XXXVI. O Tribunal “a quo” não explica o porquê de considerar o recorrente um amigo de confiança do coarguido BB e que tal situação impunha, de forma direta, que o mesmo tinha conhecimento do que estaria alegadamente a ocorrer e, pior, que concordou em conjugar esforços para tudo fazerem para conseguirem levar a cabo a tarefa, que foi atribuído ao arguido BB.
XXXVII. Conforme resulta igualmente de toda a factualidade provada – assente nas provas documentais e testemunhais juntas aos autos, bem como o decorrente das declarações dos arguidos nas diversas fases do processo – o coarguido FF
- esteve presente em todos os encontros descritos nos autos e que envolveram o coarguido AA, alguns deles ainda antes do dia 01 de julho (data em que o Recorrente foi apresentado às partes, ou seja, a intervenção do coarguido FF iniciou em momento anterior à do Recorrente) e, sendo que nunca fora efetuada qualquer referência a que existisse algum tipo de afastamento por parte daquele (por exemplo, que este permanecesse no carro enquanto aguardava pela chegada do coarguido AA), forçoso será concluir que, se há pessoa que estava a par de todo o plano criminoso desenvolvido pelo coarguido AA, era o coarguido FF;
- escutou todas as conversas entre os envolvidos (uma vez que, segundo se apurou, o arguido está de perfeita saúde a nível auditivo e, portanto, seria humanamente impossível não ouvir o que fora dito em todos os encontros realizados);
- interagiu com o coarguido AA mais do que qualquer outro coarguido, uma vez que o acompanhava em todos os momentos, tendo, inclusive, ficado hospedado no Hotel C... em Cascais, na data de 03 de agosto, no mesmo quarto que aquele coarguido durante toda a estadia.
XXXVIII. Ambos os arguidos estavam ao corrente dos factos (algo que está mais do que assente), não houve nenhuma reunião em que o Recorrente tivesse estado presente, na qual o coarguido FF não estivesse também(enquanto que o contrário já não se verifica), pelo que, se nessas mesmas reuniões tivesse sido dado algum conhecimento dos pormenores da operação, ambos teriam tido o mesmo conhecimento de causa, nunca tiveram qualquer contato com os coarguidos HH e GG (elos de ligação para a concretização da importação do produto estupefaciente nos portos), não fora produzida prova que demonstre que qualquer dos arguidos tivera alguma interação com o coarguido AA no âmbito do plano criminoso.
XXXIX. Considera-se que não ser possível, em conjugação de todos os elementos probatórios, demonstrar a participação do Recorrente numa escala maior do que aquela que resulta das suas declarações em sede de audiência de julgamento.
XL. Até porque existiram diversos encontros com vista ao planeamento de todo o processo (o que é desde logo invocado de forma clara e objetiva pelo coarguido BB nas suas declarações em sede de julgamento, alegando, inclusive, que efetuou de imediato algumas diligências junto do coarguido GG para aferir da possibilidade de contatos no porto de Leixões), nos quais o Recorrente nunca esteve presente e nunca existiu qualquer contato entre o Recorrente e os restantes coarguidos, nomeadamente com o AA, GG ou HH – os quais estavam diretamente envolvidos no plano de execução quanto à importação do produto estupefaciente – sendo sempre o coarguido BB a transmitir as informações entre todos os intervenientes - pontos 9, 11, 17, 18 e 19, dos factos provados.
XLI. Contrariamente ao vertido no ponto 10 dos factos provados, as informações necessárias acerca do nome do navio, datas de partida e chegada, número do contentor, número do selo, tipo de carga constante do manifesto, nome das firmas exportadora e importadora, e quantidade de cocaína não foram dadas ao Recorrente mas sim ao coarguido BB, o qual obteve diversas fotografias de tais dados e que, posteriormente, foram encontradas no seu telemóvel, tendo sido, inclusive, o próprio a transmitir esses mesmos dados aos coarguidos HH e GG, em momento ulterior.
XLII. Não existe prova carreada para os autos que permitam o Tribunal “a quo” concluir que o arguido AA forneceu aos arguidos BB e CC as ditas informações (conforme ponto 10 dos factos provados).
XLIII. O Tribunal “a quo” que, no ponto 20 dos factos provados indica que “com a coadjuvação do arguido BB, por si e através - e/ou conjuntamente - do arguido CC” – não conseguindo especificar a intervenção de cada um dos coarguidos no alegado esquema criminoso.
XLIV. E na motivação, na página 32, o Tribunal “a quo” indica– referindo-se ao coarguido AA, que “É aquele que fornece, dispõe e faculta ao arguido BB, em primeira linha e consequentemente ao arguido CC os elementos essenciais relativos ao estupefaciente em questão, a forma como os facultou, através de fotografia e consequentemente insuscetível de implicação direta e a encriptação do respetivo aparelho, tudo conjugado a denunciar a maior cautela e sigilo da atuação, em suma o maior profissionalismo e que é determinante na conduta dos demais.”
XLV. Mas não existe explicação ou raciocínio lógico e, uma vez mais, o Tribunal “a quo” claudicou e não conseguiu precisar, de forma objetiva e concreta, qual a intervenção do recorrente, bastando-se com imputações genéricas e ilações de encontros e reuniões existentes entre as partes.
XLVI. Neste sentido, é manifesto que a decisão recorrida sofre de vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, nos termos do art. 410.º, n.º 2, a) do CPP, o qual desde já se argui para os devidos efeitos legais.
XLVII. Padece o douto acórdão recorrido, igualmente, do vício do erro notório da apreciação da prova (art. 410.º, nº 2, al. c) do CPP), pois resulta do texto da decisão que o Tribunal “a quo” retirou dos pontos 5, 6, 7, 8, 11, 12, 13, 14, 16, 20, 21, 23, 24, 26, 27, 28, 35, 37, 47, 48, dados como factos provados, uma conclusão ilógica, arbitrária e notoriamente violadora das regras da experiência comum.
XLVIII.A conduta do Recorrente não integra o ilícito do tráfico de estupefacientes, na medida em que não “executou o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomou parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros” e que tal tenha “determinado outra pessoa à prática do facto”, pelo que, nos termos do artigo 26º do CP, o Recorrente nunca poderá ser considerado coautor dos atos praticados.
XLIX.A fundamentação do acórdão recorrido versar sobretudo em ilações e meras conclusões alicerçadas em imputações genéricas, a verdade é que o próprio Tribunal a quo – perante todas as justificações contraditórias apresentadas – imputou comportamentos ao Recorrente tão só e apenas com base na sua livre convicção, seriamente moldada pela acusação do Ministério Público e olvidando os factos concretos apresentados e não existindo prova que permita aferir que o Recorrente praticou quaisquer atos de execução no âmbito do crime de tráfico de estupefacientes, forçoso será concluir que a convicção obtida pelo Tribunal a quo espelha uma impossibilidade (i)lógica, uma impossibilidade probatória, violadora das regras da experiência comum, utilizando erradamente as presunções do homem médio.
L. Atento o exposto, dúvidas não restam de que, lamentavelmente, o Recorrente viu preteridos os seus direitos, mormente o previsto no n.º 2 do artigo 32.º da CRP, ao serem dados como provados factos sobre os quais existiam dúvidas, vendo o Tribunal “a quo” adotar postura diversa quanto ao arguido FF, em clara desigualdade de tratamento.
Assim, impunha-se ao Tribunal a quo que, produzida e valorada a prova – sendo o resultado da mesma uma dúvida sobre a realidade dos factos, mormente quem os praticou, de que forma, através de que meios, entre outros – decidir a favor do arguido, dando como não provados esses factos e não o contrário, como sucedeu in casu.
Da impugnação ampla da matéria de facto – erro de julgamento nos termos do artigo 412º nº 3 do CPP
LI. Os pontos 1 a 46 são individual e especificadamente impugnados, por tais pontos se encontrarem incorretamente julgados, nos termos dos arts. 412º, nº3, a), b) e c) do CPP, por ter sido produzida prova que sustenta decisão diversa da Recorrida – não olvidando o facto de, em alguns dos pontos supramencionados não ser feita qualquer referência ao recorrente, a verdade é que da prova produzida e vertida nos mesmos, foram retiradas ilações que o implicam no âmbito da atividade criminosa, razão pela qual se efetua a presente abordagem mais abrangente.
LII. Dos pontos 1, 2, 3 e 4 da matéria de facto dada como provada, deu o Tribunal “a quo” como provado que existiu uma saída de um navio em 14 de julho de 2020 com destino ao Porto de Sines, onde chegou no dia 11 de agosto de 2020, tendo o arguido AA sido incumbido para diligenciar, em Portugal, pelo acesso no porto de chegada e do transporte do produto estupefaciente para local ou locais não concretamente determinados.
LIII. Diga-se, desde já, que existe aqui uma imputação genérica, não tendo sido carreada qualquer prova para os autos de quais os intentos criminosos dos arguidos, qual o plano elaborado e, consequentemente, qual a envolvência de cada um para que, com certezas, se pudesse condenar os mesmos por imputação da factualidade descrita.
LIV. Tendo em conta os factos provados nos pontos 7 e 8, existe uma coincidência espácio-temporal de encontros, nomeadamente, quanto aos dias 01 de julho de 2020, 14 de julho de 2020 e entre 7 e 11 de agosto de 2020.
LV. E diz o Tribunal “a quo” que existiu uma concordância entre o arguido BB e o Recorrente em conjugar esforços para conseguirem levar a cabo atarefa e com a promessa de este último ser recompensado pelo primeiro em quantia monetária de montante não concretamente determinado (imputação genérica, uma vez mais).
LVI. Mas esquece-se o Tribunal “a quo” de justificar como alcançou tal raciocínio, dado que, em nenhum momento, é explicado como, quando e em que termos é que o Recorrente terá aderido à tarefa que foi incumbida ao arguido BB.
LVII. Nem tão pouco se explica – no seguimento do já invocado supra – por que razão é que o Recorrente aderiu ao plano criminoso e o arguido FF era apenas mero conhecedor, já que ambos estiveram presentes em TODAS as situações que envolveram os encontros entre as partes, em simultâneo.
LVIII. Vejam-se os pontos dados como provados 7, 13, 14, 23, 35, 37, onde o denominador comum é a presença do Recorrente e do arguido FF.
LIX. Em momento algum, o Tribunal “a quo” se refere ao Recorrente como parte integrante e ativa no esquema criminoso (o encontro com UU fora efetuado apenas com o AA, os contatos com os “...” foram efetuados pelo BB).
LX. Indica o Tribunal “a quo”, para efetuar a distinção entre os dois arguidos, que “Por outro lado, se é certo, reitera-se que nos encontros a que se reporta a referida factualidade entre os arguidos BB e AA estão sempre presentes os arguidos CC e FF e que as circunstâncias daqueles e o convívio entre todos no hotel de Cascais permite aferir, mesmo em relação ao arguido FF, que os dois últimos eram conhecedores da atividade e do que estava em causa – o tráfico de estupefacientes – relativamente ao arguido CC a prova é retumbante quanto à sua participação em conjugação de esforços e vontades com o arguido BB – independentemente de este ser quem lhe ia pagar – isso mesmo resulta do empenho e contato com outras pessoas que os autos indiciam estar à mesma ligadas (cfr. fls. 5 do apenso I); tendo mesmo poder de iniciativa(cfr. conversação do dia 29.07.2020 em que diz ao BB já ter tratado de tudo e estar tudo resolvido) e bem assim da sua presença em Cascais, é ele quem vai em momento anterior e revela estar ao corrente do que aí se passa, sendo quem informa o coarguido BB (cfr. fls. 26 do mesmo apenso em que informa este último arguido de que as coisas vão mudar), tal como da conversação transcrita a fls. 39 proveniente de individuo que se expressa em língua espanhola e que quer falar com o CC ou com o BB – revelador do idêntico desempenho/relevância – e que nada se prendem com uma propalada tarefa de “tradução”.
LXI. Todo o exposto continua a redundar em imputações genéricas e infundadas, dado que não fora carreada qualquer prova evidente para os autos – que permitisse afirmar com certeza jurídica – a intervenção e influência/poder de decisão do recorrente no esquema criminoso.
LXII. Baseando-nos nos pontos 16 a 19 dos factos provados, fora sempre o BB a estabelecer todos os contatos com os envolvidos, sem qualquer intervenção do Recorrente.
LXIII.O Tribunal “a quo” fundamenta os factos provados suprarreferidos do seguinte modo:
“Quanto aos factos 13 a 28 a convicção do tribunal assentou nos supra indicados autos de diligência corroborados pelos inspetores da polícia judiciaria e interceções telefónicas constantes do respetivo anexo I.” mas nem as diligências corroboradas pelos inspetores, nem as interceções telefónicas demonstram a ligação direta do Recorrente a quaisquer diligências com vista à concretização da “tarefa” incumbida ao BB, muito pelo contrário.
LXIV. Naturalmente que o Tribunal “a quo” não foi alheio ao teor dos apensos juntos aos autos, no entanto, em todas essas conversações, a verdade é que por palavras vagas e cifradas se pode indiciar conversas respeitantes a estupefacientes, mas tão só, sendo que as demais se revelam, por si só e desacompanhadas de qualquer outra prova, inócuos para a certeza dos factos acusados.
LXV. Mas cotejando a prova testemunhal, nomeadamente aos depoimentos dos inspectores da PJ, com as escutas transcritas e os autos de diligência/vigilâncias, mesmo tendo em conta as regras da experiência comum e os juízos de normalidade, nada nos permite concluir que o Recorrente estivesse envolvido – muito menos numa posição de domínio do facto – no tráfico de estupefaciente.
LXVI.O tribunal “a quo” limitou-se a dar tais pontos como provados, sem qualquer elemento probatório razoável que sustente a sua convicção, tendo simplesmente narrado os factos da forma como melhor lhe aprouve e por tal motivo impugnam-se os mesmos, por impugnação ampla da matéria de facto, nos termos do art 412º, nº 3 do CPP.
LXVII. Devendo ter sido considerados não provados, entre outros, os pontos 7, 8, 10, 16, 20, 23, 24, 26, 27, 28, 35, 47 e 48, pela falta de prova carreada para os autos que permita aferir os mesmos e pelas consequentes erradas ilações que o Tribunal “a quo” pretendeu retirar através destes.
Da inexistência do crime de tráfico de estupefacientes
LXVIII. Considera-se, salvo o devido respeito, que o Recorrente não praticou nenhum ato de execução do crime de tráfico de estupefaciente e que, inclusive, se encontra no mesmo patamar do arguido FF, nos termos expostos, tendo este último sido absolvido do crime que lhe era imputado.
LXIX.A conduta do recorrente não preenche nenhum dos atos típicos do crime - não cultivou, não produziu, não fabricou, não extraiu, não preparou, não ofereceu, não pôs à venda, não vendeu, não distribuiu, não comprou, não cedeu, não recebeu, não proporcionou, a outrem, não transportou, não importou, não exportou, não fez transitar, não deteve – e tão pouco estabeleceu quaisquer contatos para o efeito.
LXX. Considera-se bastante óbvio que o mesmo não dispunha de qualquer poder decisório, sendo um simples tradutor, o moço de recados do arguido BB (não podendo, no entanto, deixar de se olvidar o invocado pelo arguido BB, quanto à desistência do seu intento na realização da tarefa que a este, e apenas a este, fora incumbida).
I.Efetivamente, condenar o Recorrente por um crime que não praticou, não só se revelou desadequado, desproporcional e desnecessário sob a ótica das exigências da prevenção, como se revelou contraproducente.
II.E, por tudo o que se invocou, deveria o recorrente ter sido absolvido, tendo o acórdão em mérito violado o disposto, entre outros, nos arts 358º, 359, 379º, 1, b), e 409º, CPP, 21º, 23º, 2 e 3, e 24º, 1, CP, pelo que deve ser revogado.
Da coutoria.
III.- Foi o aqui Recorrente condenado como coautor, por ter, alegadamente, participado no projeto decisório que consistiu no tráfico de estupefacientes, no entanto, não foi dado como provado – que se aceite - que o aqui Recorrente tenha tido qualquer intervenção ativa nos factos, qualquer intervenção imediata/direta nos mesmos.
IV.- Inexistem nos presentes autos quaisquer elementos probatórios que demonstrem a existência de um plano previamente gizado entre os arguidos para o tráfico do produto estupefaciente.
V. Veja-se que, se o Recorrente tivesse conhecimento do plano, tivesse acordado no mesmo (expressa ou tacitamente) ou tivesse feito parte do projeto decisório, certamente que existiram provas cabais do seu envolvimento – pessoa sem qualquer antecedente criminal, teria de ter deixado “o gato escondido com o rabo de fora”, sobretudo quando esteve sempre no centro do furacão, conforme o Tribunal “a quo” quer fazer querer parecer.
VI. Não existem ligações do Recorrente com quaisquer terceiros, além dos arguidos BB e AA, na exata medida que fez o arguido FF.
VII. Veja-se que não pode o Tribunal “a quo” precisar a data da primeira intervenção do recorrente no âmbito dos factos expostos, pelo que, tendo sido a mesma posterior à data da saída do navio do Brasil, o ilícito criminal do transporte do estupefaciente (que é vertido no caso concreto) já estava consumado.
VIII. Fazendo o Recorrente parte de um projeto decisório, tomando parte ativa no mesmo, não é razoável que o mesmo não estabeleça quaisquer contatos relevantes e que – através dos meios de prova carreados para os autos – se possa aferir dos mesmos que aquele seria parte ativa e não apenas mero conhecedor da situação em concreto.
IX. Jamais poderia o aqui Recorrente fazer parte de qualquer plano, sendo tão só e apenas conhecedor dos factos, por acompanhar o arguido BB, do mesmo modo que o arguido FF acompanhava o arguido AA.
X.E, nesse conspecto, ser o mesmo condenado como coautor.
XI.E ainda que assim não se entendesse não poderia o recorrente ser condenado como coautor porque encontra-se consagrado no artigo 26.º do Código Penal, que prevê que: “É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.”
XII. A coautoria pressupõe um elemento subjetivo, como seja o acordo, com o sentido de decisão, expressa ou tácita, para a realização de determinada ação típica e um elemento objetivo que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, tomar parte direta na execução, o que não se verifica in casu, não tendo o recorrente tomado parte direta ou indireta na execução.
XIII. Nem tão pouco a sua presença não era de todo indispensável, tanto que as reuniões com terceiros eram sempre sem a sua intervenção.
XIV. Sendo a decisão recorrida totalmente omissa quanto à posição do recorrente e, inclusive, bastante confusa e contraditória, como se justificou supra.
XV. De todo o exposto, resulta que mal andou o Tribunal “a quo” ao considerar o aqui recorrente como coautor da prática do crime de tráfico de estupefacientes, razão pela qual deverá o mesmo ser absolvido.
Da cumplicidade e da dosimetria da pena aplicada
XVI. Entende o Recorrente que o Tribunal a quo efetuou uma má aplicação do direito, uma vez que face ao caso em análise, a sua atuação poderá, no máximo, subsumir-se à comparticipação em cumplicidade, com a consequente atenuação especial da medida abstrata da pena, nos termos do artigo 27º nº 2 do CP.
XVII. Não é o Recorrente autor daquele crime, relativamente ao qual não tem o domínio do facto, nem lhe deu "causa", no sentido de relação entre o evento e o comportamento, ou seja, no sentido de causalidade adequada adoptado no nosso ordenamento jurídico, no artigo 10º do C.P.
XVIII. A pena de 7 anos é manifestamente excessiva, tendo o tribunal “a quo”, lamentavelmente, olvidado o disposto no art. 71.º do Código Penal.
XIX. O recorrente não tem antecedentes criminais, é alguém esforçado e resiliente, trabalhador e honesto que sempre procurou saber mais e manter-se ocupado, está socialmente bem inserido e, atualmente, também profissionalmente, alfo que não foi considerado pelo Tribunal “a quo”.
XX. Deveriam ter sido, então, ponderadas todas as circunstâncias que são a favor do arguido tal como prescreve o artigo 71 ° n.º 2 C. penal e cumpridas como exigências de prevenção especial que constam do artigo 43 °, pois ao lhe ser aplicada a pena que ora se recorre, não lhe foi retribuída a sua atitude de colaboração com a justiça, nem o seu comportamento desde a sua detenção.
Da suspensão da execução da pena,
XXI. Também outras medidas de pena menos gravosas podem adequar-se à situação, na perspectiva da mínima restrição possível (ou da restrição apenas indispensável) dos direitos fundamentais, postulada pelo art. ° 18.º, n.º 2 da C.R.P. 83).
XXII. Uma suspensão da execução da pena se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda de liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos.
XXIII. Neste sentido e sem prescindir do invocado quanto à absolvição, deverá a decisão revidenda ser revogada e substituída por outra que suspenda a pena de prisão a aplicar.
Pelo exposto:
- Arguimos a nulidade por alteração substancial dos factos da acusação/pronúncia;
- Arguimos a nulidade da falta de fundamentação da decisão recorrida por falta de indicação na decisão recorrida dos factos imputados ao Recorrente e das respetivas provas e por violação do art. 71.º do CP;
- Invocamos os vícios da decisão recorrida nos termos do art. 410.º do CPP, designadamente:
- vício da contradição insanável da fundamentação (art. 410.º, n.º2, b) do CPP) quanto ao ponto 16 dos factos dados como provados e alínea d) dos factos dados como não provados e fl. 38 do acórdão recorrido;
- vício da contradição insanável da fundamentação (art. 410.º, n.º2, b) do CPP) a fls. 37 e 38 do acórdão recorrido; - vício da contradição insanável da fundamentação (art. 410.º, n.º2, b) do CPP) entre o ponto 10 dos factos provados e fl. 33 do acórdão recorrido;
- vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada (art. 410.º, n.º2, b) do CPP) em virtude da matéria de facto dada como provada nos pontos 6, 7, 8, 13, 14, 16, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 27, 28, 35, 36 e 37 ser insuficiente para a condenação do Recorrente pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes.
- vício do erro notório da apreciação da prova (art. 410.º, nº 2, al. c) do CPP), relativamente aos pontos pois resulta do texto da decisão que o Tribunal “a quo” retirou dos pontos 7, 8, 11, 12, 13, 14, 16, 20, 21, 23, 24, 26, 27, 28, 35, 37, 47, 48, dados como factos provados, uma conclusão ilógica, arbitrária e notoriamente violadora das regras da experiência comum.
- d) Impugnação ampla da matéria de facto – erro de julgamento nos termos do art. 412.º, n.º3 do CPP por se encontrarem os pontos 1 a 46 incorretamente julgados, existindo elementos nos autos que impõe decisão diversa da recorrida;
- Invocamos a inexistência do crime de tráfico de estupefaciente;
- Invocamos a inexistência de coautoria material;
PRINCÍPIOS E NORMAS VIOLADAS OUINCORRETAMENTE APLICADAS
- O Acórdão recorrido violou o princípio do in dubio pro reo, o princípio presunção de inocência previsto no art. 32.º, n.º2, 1ª parte da CRP;
- Violou o princípio da investigação oficiosa, nos termos do art. 340º CPP;
- Violou ainda o princípio da igualdade previsto no art.13.º da CRP;
- Violou o art. 26.º da CRP
- Violou ainda o princípio da livre apreciação da prova previsto no art.127.º do Código de Processo Penal
- Violou os arts. 50º, 70º, 71º e 77º do CP;
- Incorre ainda o mesmo em vício de falta de fundamentação, art. 374º, nº2, 379º, nº1, a) do CPP;
- Padece de inconstitucionalidade por violação do art. 205.º da CRP.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, e em consequência, ser declarada a nulidade do Acórdão Recorrido por falta de fundamentação, nos termos do art. 374º e 379º, ambos do CPP, com as demais consequências legais;
De igual modo, devem os vícios invocados, nos termos do art.410º, nº2, a) e b) do CPP, serem reconhecidos e consequentemente deve o processo ser reenviado para novo julgamento, em virtude de não ser possível corrigir os mesmos, nos termos do art. 426º do CPP.
Sem prescindir, deve a decisão revidenda ser revogada e substituída por outra que:
- Absolva o Recorrente do crime de tráfico de estupefacientes em que foi condenado; ou caso assim não se entenda seja o mesmo condenado por cumplicidade, empena não superior a 5(cinco) anos e suspensa na sua execução.
Os arguidos DD e EE apresentaram a competente resposta onde pugnam de forma fundamentada pela improcedência da pretensão recursiva do Ministério Público.
Também o arguido GG apresentou a competente reposta onde pugna de forma fundamentada pela improcedência da pretensão recursiva do Ministério Público.
O arguido BB apresentou resposta onde pugna pela manutenção da decisão de absolvição do crime de associação criminosa, por falta de factos e, bem assim, na manutenção da decisão de restituição do computador e disco, sendo que diz, que no que respeita o telemóvel que lhe foi apreendido, o MP labora em erro, porquanto o acórdão declarou o telemóvel perdido a favor do Estado, conforme ponto 9.2. do acórdão.
O MP respondeu aos recursos interpostos pelos arguidos onde pugna pela improcedência de todos os recursos e pugna, de novo, pelas suas condenações de forma mais gravosa como apontado em sede do seu recurso.
Nesta Relação, o Excelentíssimo PGA emitiu parecer no sentido de os recursos dos arguidos serem todos julgados improcedentes e o recurso do MP procedente.
Cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, apresentou resposta o arguido/recorrente BB reafirmando tudo quanto alegou na sua motivação e contra motivação ao recurso do MP. Responderam ao parecer os arguidos/recorridos no recurso do MP, EE e DD, impetrando que objetivamente o MP não consegue infirmar a falta de prova que permita a condenação dos mesmos e dão por reproduzida a contestação de 23.06.2021 com a referência Citius 29293971 que, dizem, determinou a absolvição dos arguidos. Respondeu ao parecer também, o arguido/recorrido GG, no essencial, para concluir que no que lhe respeita deve o recurso do MP ser julgado totalmente improcedente e confirmar-se, nessa parte, o acórdão recorrido.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir em conformidade.
1.- Questões a decidir.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Face às conclusões extraídas pelos recorrentes das motivações apresentadas, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
Recurso do Ministério Público.
- Impugnação ampla da matéria de facto.
- Vícios.
- Subsunção dos factos ao crime de associação criminosa do art. 28 do DL n.º 15/93, de 20.01, relativamente a todos os arguidos.
- Subsunção dos factos ao crime de tráfico agravado, relativamente aos arguidos absolvidos.
- Pena de prisão aplicada ao arguido AA é reduzida?
- Perda de objetos não declarados perdidos.
AA
- Nulidade por omissão de pronúncia, art. 379º n.º 1 al. c) do CPP.
- Nulidade por insuficiente fundamentação, ao abrigo do disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º n.º 1alinea a) ambos do C.P.P. Proibição de valoração das declarações de coarguido.
- Perda de bens a favor do Estado
Recurso do recorrente BB.
- Nulidade prevista no art. 379º, n.º 1 b) do CPP, por violação dos artigos 358 e 359 do CPP-alteração substancial e não substancial de factos.
- Incorreto julgamento dos factos provados 5, 8, 9, 10 quanto às datas que ali constam e 20º.
- Atipicidade da conduta e/ou tentativa e desistência.
- Violação do princípio ne bis in idem e da reformatio in pejus, art. 409º do CPP. Inconstitucionalidade do art. 409º por violação do art° 32°, 1, CRP, e do direito a um processo justo e equitativo, na interpretação normativa que descreve.
- Excessividade da pena imposta. Suspensão.
Recurso do arguido CC.
- Nulidade por falta de fundamentação relativamente a factos imputados ao recorrente.
- Nulidade prevista no art. 379º, n.º 1 b) do CPP, por violação dos artigos 358º e 359º do CPP.
- Vícios da contradição insanável da fundamentação, da insuficiência da matéria de facto para a coautoria no crime de tráfico e do erro notório na apreciação da causa.
- Impugnação dos factos provados de 1 a 46.
- Inexistência do crime de tráfico de estupefacientes.
- Cumplicidade.
- Medida da pena e Suspensão da execução da mesma.
«A. Matéria de facto provada
1. No porto de Salvador da Baía, no Brasil, pessoas de identidade não concretamente apurada colocaram quatrocentas embalagens de cocaína, acondicionadas em oitenta caixas, dentro do contentor com a inscrição ...15, com manifesto de carga de polpa de fruta;
2. Após ter sido retirado o selo original voltaram a selá-lo (o contentor) com um outro idêntico, deixando no seu interior outro selo, com o objetivo de no destino, antes da entrega da mercadoria lícita ao importador, depois de retiradas as caixas com a cocaína, poder voltar a ser aposto o selo inviolado com o número ...31, sem levantar suspeitas.
3. Seguidamente, tal contentor com a cocaína dissimulada na carga de polpa de fruta, foi levado para a embarcação “A... Hungary”, que se encontrava no identificado porto de S. Salvador da Baía, Brasil, de onde saiu no dia 14 de julho de 2020 com destino ao porto de Sines, onde chegou no dia 11 de agosto de 2020.
4. O arguido AA, por solicitação de individuo ou indivíduos não concretamente identificados adquirentes (ou destes representantes) do referido produto estupefaciente foi incumbido de diligenciar em Portugal pelo acesso no porto de chegada à cocaína aludida em 3 e do seu transporte para local ou locais não concretamente determinados.
5. Para o efeito o arguido AA, em data não concretamente determinada, mas, pelo menos, a 1 de julho de 2020 travou conhecimento com o arguido BB e abordou-o no sentido de este providenciar pelo acesso ao contentor referido de 1 a 3, designadamente, através do recrutamento de pessoa ou pessoas capazes de facultar a retirada em segurança do identificado estupefaciente do porto onde chegaria.
6. O arguido BB aceitou a solicitação do arguido AA referida em 5. comprometendo-se a contatar pessoas com tal conhecimento e capacidade e a diligenciar junto destas a execução de tal tarefa a troco de recompensa de valor não concretamente determinado, mas correspondente a pelo menos €150 000 (cento e cinquenta mil euros).
7. O arguido AA nos contatos que estabeleceu com os arguidos BB e também com CC, designadamente, em 1 de julho de 2020, 14 de julho de 2020 e entre 3 e 11 de agosto de 2020, fez-se acompanhar do arguido FF, seu amigo, que era conhecedor dos factos referidos de 1 a 6.
8. O arguido BB, por sua vez, em 1 de julho de 2020, 14 de julho de 2020 e entre 7 e 11 de agosto de 2023 fez-se acompanhar do arguido CC, amigo de confiança e sabedor dos factos descritos de 1 a 6, concordando ambos em conjugar esforços para tudo fazerem para conseguir levar a cabo a tarefa, com a promessa de este ser recompensado pelo primeiro arguido (BB) em quantia monetária de montante não concretamente determinado.
9. Em execução do supra acordado, o arguido BB, em data não concretamente determinada, mas seguramente entre 1 de julho de 2020 e 14 de julho de 2020 diligenciou junto do arguido GG, que por sua vez contatou o arguido HH tendo este último assegurado que tinha forma de retirar sigilosamente e em segurança a droga do contentor que viesse a ser indicado e que chegasse aos portos de Sines, Setúbal ou Leixões, a troco de dinheiro para si (arguido HH) e para a pessoa que iria tratar da tarefa.
10. O arguido BB, em data não concretamente determinada, mas seguramente entre 1 de julho de 2020 e 30 de julho de 2023 transmitiu ao arguido AA que estava tudo tratado e recebida esta informação este último forneceu aos arguidos BB e CC as informações necessárias: nome do navio, datas de partida e chegada, número do contentor, número do selo, tipo de carga constante do manifesto, nome das firmas exportadora e importadora, quantidade de cocaína.
11. Na posse de tais elementos, o arguido BB transmitiu-os aos arguidos GG e HH, para este último tratar do solicitado contacto no respetivo porto de chegada e assegurar o sucesso da retirada da cocaína em absoluto sigilo e em segurança.
12. Nos contactos entre si, os arguidos privilegiavam os contactos diretos, e quando tal não era possível, optavam, se viável, por comunicar através de WhatsApp.
Assim,
13. No dia 1 de Julho de 2020, o arguido BB, conduzindo a viatura de marca “Mercedes”, de matrícula ..-TX-.., acompanhado do arguido CC, encontraram-se com o arguido AA, à saída da autoestrada A7 (...), sendo que este estava acompanhado por vários indivíduos, que se faziam transportar nas viaturas da marca “Ford”, de matrícula ..1FXV, e da marca “Mercedes”, de matrícula ....LCR, após o que se deslocaram para uma moradia utilizada pelo arguido BB, situada em ..., ....
14. No dia 14 de julho de 2020, os arguidos, BB e CC deslocaram-se a Valença, na referida viatura “Mercedes”, e pelas 9:52 horas, junto à Pastelaria “...”, encontraram-se com os arguidos AA e FF, que se faziam transportar na viatura da marca “BMW”, de matrícula ....FPH, sentaram-se os quatro na esplanada da referida Pastelaria, onde foram apresentados e visionados vários papéis.
15. O arguido BB tinha decidido adquirir uma viatura no valor de 110 mil euros, para oferecer ao filho, e como não tinha entregue ainda qualquer valor como sinal e princípio de pagamento, no dia 24 de julho de 2020, foi contactado pelo funcionário do “Stand” a tal propósito, garantindo-lhe o arguido que iria pagar, de uma só vez, a partir dos dias 6 e 18 de agosto, antecipando o lucro que iria obter com a atividade aludida no ponto 6.
16. No dia 30 de julho de 2020, o arguido BB foi contactado telefonicamente pelo arguido CC, dizendo-lhe que tinha um recado do «nosso amigo de além», e que «o jantar que tínhamos marcado para o dia 18, é dia 11», porque o «restaurante está fechado dia 18», referindo-se à incumbência aludida em 6.
17. Minutos depois, o arguido BB contactou o arguido GG, dizendo-lhe que o encontro que tinham agendado para as 7 horas, ficava para as 8 horas, e que «aquilo que tínhamos marcado para o dia 18 é no dia 11», obtendo como resposta «melhor», e que falariam presencialmente.
18. Pelas 20:20 horas do mesmo dia, o arguido BB recebeu uma chamada do arguido HH, tendo aquele dito que já tinha chegado e estava no local onde tinha estado no dia anterior, retorquindo este que já estava nas imediações.
19. Tal encontro ocorreu na Zona Industrial ..., sendo que cerca de meia hora depois juntou-se aos arguidos BB e HH o arguido GG, ficando os três a conversar durante cerca de 25 minutos, já sabedores da chegada da cocaína, em contentor, ao porto de Sines, e de todos os dados relativos à operação a desenvolver para a retirada da cocaína de forma sigilosa e em segurança, e das contrapartidas que seriam recebidas.
20. No dia 3 de agosto de 2020, os arguidos AA, FF e CC deslocaram-se para Cascais onde se hospedaram no hotel “C...”, sito na Travessa ... dessa cidade, com o propósito de o arguido AA (com a coadjuvação do arguido BB, por si e através - e/ou conjuntamente - do arguido CC) - controlar todos os pormenores ou dificuldades que surgissem para lograr retirar a cocaína do contentor, e o posterior transporte da mesma.
21. Os arguidos AA e FF ficaram registados no quarto 508 e associados a estes o arguido CC e um cidadão espanhol de nome OO, que ocuparam o quarto 205.
22. Fizeram-se transportar no veículo da marca BMW, ..., com a matrícula ....FPH, e que seria usado para as deslocações nos dias seguintes que fossem necessárias realizar.
23. Os arguidos AA, FF, CC e BB mantiveram-se todos permanentemente em contacto.
24. No dia 4 de agosto de 2020, o arguido CC, quando se encontrava na zona de Cascais, contactou o arguido BB, dizendo para não lhe ligar por WhatsApp, porque tinha pouca rede e não queria registar-se na rede do hotel, porque o obrigaria a ter de deixar o seu endereço de correio eletrónico, retorquindo este que ficava preocupado quando ele não atendia, e que lhe iria transferir dinheiro através do Multibanco.
25. Minutos depois, voltaram a falar, sendo que no decurso da conversa o arguido CC interrompeu o diálogo para falar com alguém que estava junto a si, expressando-se em língua espanhola.
26. Pelas 20h e 34m do mesmo dia, o arguido CC disse ao arguido BB que queria que ele lhe comprasse uma viatura da marca “Mustang” referindo-se com isso à contrapartida que iria receber pela sua participação.
27. Pelas 23h e 53m, o arguido CC disse ao arguido BB que não havia novidades, o que este estranhou, sossegando-o aquele que não para «lhe dar tempo», e que queria falar com ele, mas só os dois.
28.Apercebendo-se que o arguido BB tinha ficado nervoso, o arguido CC disse-lhe que estava tudo tranquilo, mas que havia coisas que iam mudar, rematando que explicaria melhor «pelo outro lado», referindo-se a falarem por WhatsApp.
29. No dia 5 de agosto de 2020, o arguido AA foi à receção do hotel e solicitou um quarto para UU, a quem foi atribuído o quarto 401, o qual ali se deslocou nesse mesmo dia.
30. O arguido AA sabia que UU tinha conhecimentos nos portos portugueses.
31. No dia 6 de agosto de 2020, no âmbito do Inquérito nº ..., a Unidade Nacional de Combate ao Tráfico de Estupefacientes detetou no Porto de Setúbal, um contentor com cerca de 375 Kgs. de cocaína, que vinha dissimulada num contentor de bananas, proveniente de Turbo – Colômbia, transportado pelo navio “...”.
32. No interior do contentor foram encontrados selos suplentes, para retirar o selo e o produto estupefaciente antes da chegada do contentor ao destino final, e voltar a selar, por forma a ser exibido às autoridades um selo inviolado.
33. A PJ deteve o grupo de operacionais constituído pelo acima mencionado UU e ainda por VV, WW e XX, estes dois últimos agentes da PSP.
34. Na noite de 6 para 7 de agosto de 2020 o arguido BB foi para Cascais ao encontro dos demais arguidos que aí se encontravam, alojando-se no mesmo hotel “C...”, no quarto 107, com reserva válida até ao dia 12 de agosto, como as dos restantes arguidos, aguardando a chegada no dia 11, do navio porta-contentores “A... HUNGARY”.
35. No dia 07.08.2020, os arguidos AA, FF, BB e CC já sabiam da apreensão de cocaína levada a efeito no porto de Setúbal no interior do navio “...”.
36. Na noite do dia 10 de agosto de 2020, os arguidos, BB e CC abandonaram o Hotel “C...”, tendo-se alojado no Hotel “D...”, sito no ..., em Lisboa.
37. Na manhã do dia 11 de agosto de 2020, os arguidos AA e FF, acompanhados dos arguidos DD e EE, que, entretanto, chegaram, saíram do hotel e dirigiram-se à zona de ..., onde se encontraram com os arguidos BB e CC, onde estiveram a conversar.
38. No mesmo dia 11 de agosto de 2020, o arguido AA, acompanhado do arguido EE, dirigiram-se para as imediações do Porto de Sines, aí se encontrando com SS.
39. Entretanto, elementos da Polícia Judiciária já se encontravam no Porto de Sines a levar a cabo os mandados de busca, tendo selecionado alguns contentores para serem sujeitos a controlo de scanner, acabando por recair as suspeitas no contentor com o número ...15, ostentando o selo inviolável com o número ...31, transportado pela “A...# (A...), e proveniente de Salvador-Bahia-Brasil.
40. No respetivo documento emitido pela Autoridade Tributária, bem como da A..., constava que tal contentor continha frutas conservadas, e expedidor/exportador a empresa “E..., Lda.”, com sede no Brasil, e destinatário a firma “F..., Lda.”, com sede em ....
41. Pelas 17h e 15m, foi aberto o referido contentor, e escondido sob as caixas contendo embalagens de polpa de frutas conservadas/congeladas, encontravam-se várias caixas de papel cartonado, diferentes daquelas, contendo pacotes/embalagens em formato retangular, algumas com logotipos, acondicionando um produto cujo teste rápido revelou tratar-se de cocaína.
42. Numa das primeiras caixas, encontrava-se embrulhado em plástico transparente um selo idêntico ao acima referido, para ser novamente aposto por quem tinha a missão de retirar a cocaína, antes de ser entregue ao destinatário, e sem levantar suspeitas, por manter-se inviolado o respetivo selo.
43. Submetido o produto apreendido a exame laboratorial, concluiu-se:
-23 (vinte e três) pacotes, contendo um produto sólido, com o peso bruto de 24260 gr. (vinte e quatro mil duzentos e sessenta gramas), e líquido de 23076 gr. (vinte e três mil e setenta e seis gramas), com um grau de pureza de 71,9% (setenta e um vírgula nove por cento), equivalente a 82958 (oitenta e duas mil novecentos e cinquenta e oito) doses, identificado como COCAÍNA (Cloridrato).
-108 (cento e oito) pacotes, contendo um produto sólido, com o peso bruto de 117885 gr. (cento e dezassete mil oitocentos e oitenta e cinco gramas), e líquido de 108656 gr. (cento e oito mil seiscentos e cinquenta e seis gramas), com um grau de pureza de 70,8% (setenta vírgula oito por cento), equivalente a 384642 (trezentas e oitenta e quatro mil seiscentos e quarenta e duas) doses, identificado como COCAÍNA (Cloridrato).
-89 (oitenta e nove) pacotes, contendo um produto sólido, com o peso bruto de 97590 gr. (noventa e sete mil quinhentos e noventa gramas), e líquido de 89803 gr. (oitenta e nove mil oitocentos e três gramas), com um grau de pureza de 65,7% (sessenta e cinco vírgula sete por cento), equivalente a 295002 (duzentas e noventa e cinco mil e duas) doses, identificado como COCAÍNA (Cloridrato).
-180 (cento e oitenta) pacotes, contendo um produto sólido, com o peso bruto de 190755 gr. (cento e noventa setecentos e cinquenta e cinco gramas), e líquido de 180915 gr. (cento e oitenta mil novecentos e quinze gramas), com um grau de pureza de 61,7% (sessenta e um vírgula sete por cento), equivalente a 558122 (quinhentas e cinquenta e oito mil cento e vinte e duas) doses, identificado como COCAÍNA (Cloridrato).
44. Em valores médios do mercado nacional, a totalidade da cocaína apreendida corresponde a um valor de cerca de € 13.000.000,00 (treze milhões de euros).
45. Ao mesmo tempo que decorria a busca, os arguidos eram alvo de vigilâncias por parte de elementos da PJ, e assim que se concretizou a apreensão da cocaína, foram intercetados e detidos, procedendo-se então a buscas, revistas e apreensões, a seguir descritas:
I – Busca ao quarto nº 508 do Hotel “C...”, situado na Travessa ..., nºs 35-35ª, em Cascais:
Ao arguido AA:
-Uma chave de viatura automóvel da marca “BMW”, com a inscrição “...”, da viatura de matrícula ....FPH;
-Um telemóvel da marca “Aple”, de cor cinzenta, e capa de proteção transparente;
-Um telemóvel com o logotipo da “Google” na parte traseira, de cores cinzento e preto, com capa protetora transparente “Procase”;
-A quantia de €3.650,00 (três mil seiscentos e cinquenta euros) em dinheiro do BCE, que estava dentro de uma mochila, no roupeiro.
Ao arguido FF:
- Um telemóvel da marca “Apple”, de cor branca, com capa de proteção de cor castanho claro e aplicação metálica;
-Uma chave de viatura “BMW”, com o número ...85.
Ao arguido EE:
-Um telemóvel da marca “Apple”, de cor cinzento escuro, com capa de proteção cor de laranja da mesma marca;
Um telemóvel da marca “Samsung”, de cor azul;
-Uma chave/comando de viatura da marca “Renault”;
-A quantia de €2.200,00 (dois mil e duzentos euros) em dinheiro do BCE.
Foi ainda apreendido ao arguido EE:
- Veículo automóvel da marca Renault ..., com a matrícula ....JSJ;
II – Apreensões ao arguido AA:
-Veículo automóvel da marca “BMW”, com a matrícula ....FPH;
- Um telemóvel de cor azul, sem marca visível, com indicação na traseira dos IMEI's ...71 e ...89, que se encontrava no porta-luvas daquele veículo.
III – Apreensão ao arguido BB:
-Um telemóvel “IPhone”, com os IMEI's ...38 e ...70, com o código de desbloqueio de ecrã ...21.
IV – Apreensões ao arguido CC:
-Um telemóvel da marca “Samsung”, modelo “A20”, com os IMEI'S ...53/01 e ...55/01, referente ao número ...74, da “NOS”, com o código de ativação e de desbloqueio ...32;
-Três cartões: um cartão de débito do Banco Montepio; um cartão pré-pago do Banco Montepio; e um cartão Visa Mastercard, de cor dourada;
-O veículo automóvel da marca “Mercedes-...”, modelo ..., de matrícula ..-..7-KX, respetiva chave e documentos;
-Um talão de depósito bancário da quantia de 150,00, do Novo Banco;
-Uma folha de caderno do “Grupo G...”, com inscrições manuscritas de quantias e nomes, e de viaturas.
V – Busca à residência do arguido CC, situada na Rua ..., na ...:
-Um telemóvel da marca “XIAOMI”, de cor preta, com os IMEI's ...57 e ...65 (que estava na posse da sua esposa).
VI – Busca à residência do arguido BB, situada na Praça ..., ..., ..., ...:
-Duas munições de uso militar.
VII – Busca à residência do arguido BB, situada na Rua ..., em ...:
-Um telemóvel da marca “Mobiwire”, com cartão SIM da “MEO”, com o número ...46, com os IMEI's ...37 e ...45, e respetivo carregador;
-Um computador da marca “HP”, com o número de série CZ...C1;
-Um disco de armazenamento de dados da marca “WO”, com o número de série ...07 e respetivos cabos de alimentação.
46. Por ocasião da apreensão ao arguido BB do seu telemóvel “Iphone”, foi logo revelado que continha:
-Uma imagem com o selo apreendido no Porto de Sines, no dia 11 de agosto, e respetiva referência de booking do contentor;
-Conversas de redes sociais com indivíduos espanhóis;
-Conversas em espanhol sobre as possibilidades para extração do produto estupefaciente do contentor;
-Imagem com o trakking à rota do navio “...” e ao contentor que veio a ser apreendido no Porto de Setúbal;
-Imagem com o trakking do navio “A...”;
-Registos de contactos estabelecidos entre o CC e o AA;
-Fotos de rotas e percursos de contentores/barcos;
-Foto de papel manuscrito com a designação do contentor apreendido no Porto de Setúbal – ...;
-Foto com o registo das embalagens de estupefaciente apreendidas no Porto de Setúbal com referência aos logotipos “Paris” e “outra marca” e ainda com a indicação: “se todo sale bien tenemos ahi preparados ya 1.000 unidades para hacer la próxima”;
-Fotografias das caixas que transportavam o estupefaciente apreendido no Porto de Sines;
-Booking do porta-contentores “A... Hungary”;
-Foto com o registo das embalagens de estupefaciente apreendidas no Porto de Sines com referência ao número de caixas, de embalagens e o peso total;
-Fotos de caixas de bananas.
47. Os arguidos AA, BB e CC atuaram pela forma descrita, de comum acordo, em conjugação de esforços, conhecendo a natureza, características e quantidade do produto (cocaína) que se encontrava no contentor e sabendo que a distribuição e venda de tal produto (cocaína) provocaria a obtenção de avultada compensação monetária.
48. Os arguidos AA, BB e CC agiram deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade das respetivas condutas.
Dos antecedentes criminais dos arguidos.
49. O arguido AA foi anteriormente condenado em Espanha pela prática de crimes de condução sem habilitação legal; falsificação de documento; fraude com burla; obstrução ou perturbação do exercício da justiça, falsidade de depoimento; tráfico de estupefaciente de menor gravidade (neste último caso na pena de 3 anos de prisão) - tudo conforme certificado de registo criminal que se dá por integralmente reproduzido.
50. O arguido BB já sofreu uma condenação, pelo Tribunal Correcional de Paris, em 22/09/2014, em penas de multa, por prática de factos ligados a trabalho ilegal.
51. O arguido CC não possui antecedentes criminais.
52. O arguido DD não possui antecedentes criminais.
53. O arguido EE não possui antecedentes criminais.
54. O arguido FF não possui antecedentes criminais.
55. O arguido GG não possui antecedentes criminais.
56. O arguido HH já sofreu as seguintes condenações:
- Por sentença proferida em 15/06/1999, transitada em julgado em 30/06/1999, o arguido foi condenado pela prática, em 29/06/1998, de um crime de dano qualificado, na pena de 60 dias de multa, depois convertida em 40 dias de prisão subsidiária e declarada perdoada (Processo nº ... – 3º Juízo Criminal de Matosinhos);
- Por acórdão proferido em 12/05/2004, transitado em julgado em 27/05/2004, o arguido foi condenado pela prática, em 21/10/2001, de um crime de aquisição de moeda falsa para ser posta em circulação e de um crime de detenção ilegal de arma, na pena única de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, julgada extinta (Processo nº ... – 1ª Vara de Competência Mista de Vila Nova de Gaia);
- Por sentença proferida em 17/05/2004, transitada em julgado em 10/10/2006, o arguido foi condenado pela prática, em 15/05/1999, de um crime de burla relativa a seguros, na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, julgada extinta (Processo nº ... – 2º Juízo do Tribunal Judicial de Penafiel);
- Por acórdão proferido em 26/02/2009, transitado em julgado em 18/03/2009, o arguido foi condenado pela prática, em 01/01/2005, de um crime de falsificação de documento e de um crime de burla qualificada, na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por 5 anos, com regime de prova, julgada extinta (Processo nº ... – 3ª Vara Criminal do Porto / Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 5);
- Por acórdão proferido em 07/11/2017, transitado em julgado em 07/12/2017, o arguido foi condenado pela prática, em 2010, de um crime de burla tributária, de um crime de burla qualificada, de um crime de falsificação de documento agravada e de um crime de burla qualificada, na pena única.
Das condições socias, económicas e familiares dos arguidos.
57. O processo de socialização do arguido AA decorreu junto do seu agregado familiar de origem, composto pelos progenitores e um irmão mais novo. A subsistência do agregado era assegurada pela atividade profissional dos progenitores, agentes comerciais de equipamentos de cozinha, providenciando uma situação económica favorável e uma dinâmica familiar funcional.
Aos 6 anos de idade iniciou a trajetória escolar obrigatória, percurso que progrediu até à frequência do ensino superior, onde deu entrada aos 21 anos de idade, no curso superior de Direito. Durante este percurso refere ter registado duas retenções, que justificou com o facto de ter prejudicado as atividades lectivas a favor de horas de trabalho com a progenitora, na realização de demonstrações.
Com a entrada no ensino superior mudou-se para ... onde permaneceu até ao 3º ano do curso que frequentava e do qual veio a desistir por desmotivação e desejo de autonomia, contava então 24 anos de idade.
Iniciou então atividade laboral como agente comercial de máquinas de limpeza a vapor, funções que exerceu durante cerca de 5/6 anos. Posteriormente, foi para empresa do ramo das telecomunicações, onde se manteve até 2002, sensivelmente, área na qual se veio a estabelecer depois por conta própria.
Entretanto, no ano 2000, contraiu matrimónio, do qual resultaram 2 descendentes menores de idade de idade. Esta união terminou em 2010 e, em 2012 contraiu novo matrimónio, também já terminado, e do qual tem mais um descendente, com 7 anos de idade.
O arguido AA em 2018, optou por fixar residência em ..., tendo nessa altura um novo relacionamento com YY, de nacionalidade brasileira e com quem veio a contrair matrimónio a 05/07/2020, não existindo descendentes desta união.
O arguido AA tem mantido um relacionamento próximo com os três descendentes, sendo habitual estes frequentarem a sua habitação e realizarem férias em conjunto, nomeadamente em Lisboa e Cascais.
No ano de 2020 (período a que reportam os factos de que vem acusado no presente processo), o arguido AA mantinha residência em ..., Espanha, com o cônjuge. Este tinha então dois filhos, de 18 e 11 anos de idade, fruto de anterior relacionamento e que já coabitaram com o casal, embora à data se encontrassem no Brasil.
O casal residia numa moradia de tipologia 3, com boas condições de habitabilidade e que lhes foi arrendada pelo coarguido FF, com quem mantinham relação de amizade e proximidade.
O arguido AA estava laboralmente ativo, por conta própria, na montagem de contadores de eletricidade em casas particulares e estabelecimentos comerciais, auferindo, segundo o próprio, um rendimento mensal na ordem dos 7/8 mil euros. O cônjuge trabalhava, tal como atualmente, como empregada de mesa em restaurante, auferindo cerca de 1200€/mês.
Apresentava um quotidiano centrado na sua atividade laboral, sendo os tempos livres passados com o cônjuge e descendentes, num estilo de vida avaliado como confortável.
O arguido AA apresenta um projeto de vida centrado no regresso a Espanha (...), onde pretende retomar a vivência com o cônjuge e o seu anterior estilo de vida.
O arguido AA deu entrada no Estabelecimento Prisional ... (E.P.....) em 14/08/2020, à ordem dos presentes autos. Não lhe são conhecidos outros processos pendentes.
A reclusão do arguido (e os factos indiciários que a ditaram) foi sentida com surpresa pela sua esposa, que continua a manifestar-lhe apoio.
Em meio prisional, o arguido apresentou conduta instável, registando duas sanções disciplinares por posse de telemóvel, cartão de ativação e carregador USB, datadas de Março e Maio de 2021 e pelas quais foi punido com 10 e 14 dias de Permanência Obrigatória no Alojamento, respetivamente. Esteve integrado laboralmente no sector elétrico desde 14/04/2021.
O arguido AA está atualmente detido no estabelecimento de ... à ordem de processo que corre termos em Espanha.
O arguido estudou até ao 6º ano de escolaridade, abandonando o sistema formal de ensino aos 14 anos para se inserir no mercado de trabalho, alegadamente por desinteresse pessoal para as aprendizagens académicas. Após uma primeira experiência como ajudante de serralheiro, foi trabalhar com os pais nas feiras, atividade que manteve até casar, com 22 anos.
Depois de casado, BB emigrou para França, país onde terá começado a trabalhar com têxteis, passando depois para a área da construção civil, inicialmente por conta de outrem e mais tarde constituindo a sua própria empresa. A família manteve residência em Portugal, numa casa propriedade da família da mulher. Em 2005, considerando fixar-se em Portugal, o arguido constituiu uma sociedade para comercialização, reparação de automóveis – “H..., Lda.” – passando mais tarde a sua parte da sociedade para a mulher. Ao longo dos anos, foi abrindo e fechando empresas, sempre na área da construção civil, até constituir a última em 2017, denominada “I..., Lda.”.
À data dos factos subjacentes aos presentes autos, e até ser preso preventivamente, o arguido BB residia com a mulher (ZZ, 44 anos) e os três filhos do casal (AAA, 22 anos; BBB, 20 anos; CCC, 15 anos) num apartamento de tipologia 3+1 adquirido há quase uma década na ..., integrado em zona habitacional de configuração suburbana não conotada com problemáticas sociais específicas. O agregado vem transitando entre a ... e ..., onde o filho mais novo estudou até ao ano letivo transato. Os dois filhos mais velhos estão a estudar no ensino superior, enquanto o mais novo estará inscrito num externato para frequentar o ensino secundário – todos estabelecimentos privados situados no Porto.
O núcleo familiar tem mantido um padrão de vida “bastante acima da média” (sic), suportado pela atividade empresarial do arguido e, residualmente, por uma remuneração na ordem dos 600 euros da mulher, como sócia-gerente da empresa do ramo automóvel. Deste modo, desde que foi preso preventivamente, em 14/08/2020, os rendimentos familiares passaram a ser quase nulos, subsistindo da solidariedade de um sócio e da família da mulher, que têm permitido custear as despesas com educação, alimentação e serviços domésticos –, sendo que estes apoios não poderão ser estendidos por tempo indeterminado.
No estabelecimento prisional, o arguido BB tem recebido visitas regulares da mulher, evitando ser visitado dos outros familiares ou amigos. O seu quotidiano associa-se à frequência das atividades escolares, para certificação do 3º ciclo do ensino básico, e desportivas. O seu padrão comportamental tem sido consonante com as normas institucionais, sem registos disciplinares.
O arguido não sinalizou problemas de saúde, pessoais ou da família direta.
O seu projeto de vida em liberdade passará por recuperar a sua vida pessoal e profissional, tendo a esperança de ainda conseguir reabilitar a empresa, atualmente em processo de insolvência.
A prisão preventiva teve um impacto negativo acentuado nos eixos familiar e profissional.
O processo de crescimento do arguido durante a primeira infância decorreu no agregado que desfrutava de condições adequadas. O arguido, cerca dos 3 anos de idade, acompanhou a progenitora em processo de migração para Londres onde permaneceu até cerca dos 6 anos de idade altura em que regressou a Portugal; tendo, entretanto, sido entregue aos cuidados da avó materna radicada em Trás-os-Montes, tendo esta assumido, em exclusivo, o processo educativo do arguido, que se manteve na zona geográfica mencionada até cerca dos 18 anos de idade.
Os progenitores separaram-se era ainda o arguido criança, tendo ambos organizado vidas familiares autónomas, pelo que este tem ainda duas irmãs consanguíneos de um relacionamento que o progenitor, entretanto, estabeleceu e com quem não mantém contacto.
A gestão educativa do arguido foi assumida essencialmente pela avó materna, com a qual estabeleceu vinculação afectiva privilegiada, registando afastamento relacional com os progenitores. A sua avó assumiu estratégias educativas tradicionais/conservadoras, com a preocupação de transmitir ao arguido regras e valores consonantes com as normas socialmente vigentes.
O arguido integrou o sistema de ensino em idade regulamentar, tendo terminado o 12º ano de escolaridade e posteriormente concluído alguns cursos por via profissionalizante, todos ligados à área informática.
Aos 22/23 anos iniciou atividade laboral, no departamento de informática de uma empresa farmacêutica, onde esteve cerca de um ano. Posteriormente, foi trabalhar para uma empresa de bijuteria e jóias, alegadamente, como diretor de informática, tendo-se deslocado para Espanha onde obteve formação nessa área com o objetivo de fundar o departamento de informática de uma filial em Portugal; no entanto só permaneceu um mês neste projeto. Integrou, entretanto, na área informática, uma empresa de Emprego e Recursos Humanos J..., onde desenvolveu atividade cerca de 7 anos, ascendendo a diretor de informática.
Entre 2003 e 2010, trabalhou no Instituto de Inglês, K..., onde desenvolveu atividade também na área de informática, tendo sido promovido, segundo refere, a diretor nacional. Em paralelo, abriu duas empresas, uma de informática e outra de importação e exportação, mas que acabaram por encerrar, tendo em 2011 fundado uma nova empresa, esta de transitários em sociedade com o atual cônjuge, mas que também não teve sucesso tendo entrado em processo de insolvência ao fim de um ano.
Desde então e apesar de não desenvolver atividade formal, refere que passou a trabalhar como assessor/mediador para uma empresa venezuelana, ligada ao ramo do petróleo, em paralelo afirma que ia desempenhando funções de tradutor. O arguido afirma que não se encontrava coletado, sendo variável o que auferia, todavia, apontando cerca de € 25.000,00 anuais.
Em 2001 contraiu o seu primeiro matrimónio, existindo desta união dois filhos, atualmente com 20 e 17 anos de idade, que vivem com a respetiva progenitora e não mantêm contacto próximo com o arguido, desde a altura do divórcio ocorrido em 2010. Em 2011 estabeleceu novo relacionamento, com a atual esposa.
O arguido CC, à data dos factos, integrava o agregado que constituiu, então composto pelo cônjuge, DDD, 50 anos e dois filhos desta, de 20 e 17 anos de idade.
Após a aplicação da medida de coação de prisão preventiva ao arguido, a esposa arrendou outra habitação, em virtude da incapacidade financeira que não lhe permitia liquidar mensalmente o pagamento da renda da habitação e consequentes despesas inerentes à mesma, razão pela qual foi sujeita a uma acção de despejo.
Assim, atualmente, reside num apartamento de tipologia 3, sito, na Rua ..., ..., ..., Maia, encontrando-se o imóvel inserido em zona residencial peri-urbana, não se destacando problemáticas sociais ou delinquenciais relevantes.
A esposa do arguido encontra-se formalmente desempregada, beneficiando da atribuição do rendimento social de inserção, no valor de 417 euros mensais, a que acresce um valor de cerca de 18 euros semanais pela execução de trabalhos de cariz doméstico para particulares e o abono de família para crianças e jovens, dos descendentes, no valor de 102 euros mensais.
A nível de despesas, a mais relevante será a renda da habitação, no valor de 600 euros mensais. A esposa do arguido tem habitualmente ajuda por parte dos familiares ao nível das restantes despesas, tendo ainda apoio em termos alimentares do Gabinete de Apoio Integrado Local GAIL), situado na freguesia ..., Maia.
A dinâmica familiar foi sempre caracterizada como funcional, não se tendo apercebido a esposa de qualquer tipo de anomalia/fator que conduzisse o arguido à sua actual situação jurídica.
A esposa apoia totalmente o arguido, sendo este apoio extensível aos descendentes, e o arguido tem assegurado enquadramento laboral em Inglaterra, como consultor de uma empresa de construção civil, propriedade de um amigo.
No meio sócio residencial, o arguido é totalmente desconhecido, visto o agregado ter alterado a residência após a aplicação da atual medida de coação.
O arguido CC deu entrada no Estabelecimento Prisional instalado junto à Polícia Judiciária do Porto no dia 14 de agosto de 2020, na situação de prisão preventiva, à ordem do presente processo, adotando em meio prisional uma conduta conforme ao ordenamento normativo vigente.
O atual contacto do arguido com o sistema da justiça tem provocado acentuados constrangimentos, designadamente ao nível familiar e social, apesar existir apoio incondicional da sua família.
O arguido estudou até concluir o 4º ano de escolaridade, abandonando o sistema de ensino para se inserir no mercado de trabalho, alegando um misto de desmotivação e impossibilidade económica dos pais. Com 11 anos, terá iniciado atividade como aprendiz de padeiro, conseguindo funções de crescente responsabilidade na padaria ao longo dos anos. Com 21 anos casou e saiu de casa dos pais, passando a coabitar com a mulher numa casa anexa à dos sogros, em ... (...), onde mais tarde construíram uma moradia. Decorridos poucos anos, mudou de empregador e função, começando a trabalhar como manobrador de máquinas e camionista, passando depois para motorista de longo curso, todos os trabalhos em empresas do concelho. Em 2004, o arguido GG constituiu uma empresa unipessoal denominada “G...”, chegando a abrir cinco estabelecimentos tipo “pão-quente”, acabando por trespassar o negócio, para se lançar na área dos transportes rodoviários de mercadorias nacionais e internacionais. Um pouco mais tarde, passou a acumular esta atividade com a área da construção civil. A partir de 2008, descreveu dificuldades económicas progressivas, na decorrência da falência de empresas a quem prestava serviços, culminando num processo de insolvência. O arguido garante ter sanado a globalidade das dívidas em 2013, continuando a atuar na área dos transportes internacionais, bem como na importação e exportação de máquinas, camiões e reboques – a segunda área passou a ser a principal.
O arguido GG separou-se em 2008, ficando os dois filhos, ainda menores de idade, aos cuidados da figura materna. Pelos três anos seguintes terá residido em ..., iniciando depois coabitação com a atual companheira na casa desta, em ... (...).
À data dos factos subjacentes aos presentes autos, e à semelhança da atualidade, o arguido GG residia com a companheira (EEE, 52 anos, cabeleireira) na morada supra identificada, tratando-se de um apartamento inserido em zona habitacional de configuração suburbana não conotada com problemáticas sociais específicas.
O arguido dedicava-se à gestão do “Grupo G...”, do qual será o único sócio, sendo este grupo constituído por quatro empresas, dedicadas a transportes, importação/exportação de veículos pesados, restauração e construção/imobiliário. Na atualidade, tal como na globalidade da sua vida adulta, GG ocupa a maioria do seu tempo às tarefas de gestão das empresas, referindo que também tem negócios em Espanha, dedicando o curto tempo remanescente a atividades ociosas/descanso.
A loja da empresa tem estado encerrada, aí se deslocando pontualmente o filho do arguido, por períodos curtos, aparentemente para levantar o correio.
O arguido GG tem como único rendimento o proveniente do seu trabalho, que situou na ordem dos 1000 euros mensais. O arguido é proprietário da moradia situada na Rua ... (Porto), desde 2011. Como despesas fixas mensais, sinalizou comparticipações nas despesas domésticas da companheira e nas despesas correntes dos filhos, não tendo dívidas ou créditos ativos. A situação económica atual foi autoavaliada como suficiente.
A situação jurídico-penal atual não surtiu, para já, efeitos constrangedores da normal condução da sua vida diária. No âmbito do Processo n.º ..., o arguido encontra-se acusado de crime de burla qualificada.
O seu processo educativo foi assumido pelos pais, num registo relacional descrito como conservador, constituindo-se o pai como figura de autoridade, enquanto a mãe, em função da sua permanência continuada no espaço habitacional, mantinha uma atitude de maior proximidade afetiva.
O pai era proprietário de uma oficina de reparação automóvel, o que permitia ao agregado uma condição estável de natureza económica.
O arguido HH iniciou o seu percurso escolar em idade própria, tendo concluído o então 3º ano do liceu (2º ciclo do ensino), ainda em Angola. O abandono escolar surgiu associado ao desejo do arguido em trabalhar junto do pai na oficina automóvel, por forma a adquirir competências naquela área profissional, atividade que, no entanto, ia mantendo sensivelmente desde os 11 anos de idade, nas pausas das atividades letivas, revelando desde muito cedo um interesse particular pelo sector automóvel.
Já em Portugal, o arguido manteve o mesmo enquadramento laboral, uma vez que o pai reiniciou neste país atividade por conta própria da área da reparação automóvel. Em 1984, o arguido HH autonomizou-se, criando o seu próprio negócio, também na área da mecânica, reparação e comércio automóvel.
Em outubro de 2001, indiciado pelos crimes de roubo e sequestro, foi colocado em prisão preventiva ao longo de cerca de 14 meses. Durante esse período, por alegado incumprimento no pagamento das rendas, a oficina cessou a sua atividade, tendo o arguido ficado desprovido de enquadramento laboral.
Nesta altura, alterou o seu percurso profissional, passando a dedicar-se à intermediação de negócios de diferentes naturezas, nomeadamente, comercialização de automóveis, produtos alimentares e têxteis e imobiliária, sem qualquer tipo de formalização, o que lhe foi permitindo manter um nível de vida adequado e satisfatório.
O arguido HH contraiu casamento em 1986, do qual resultou o nascimento de uma filha. O divórcio do casal foi decretado em 19.04.2007, por alegadas questões legais, mantendo o casal a sua coabitação.
Ao longo do seu percurso de vida, não é mencionado qualquer envolvimento do arguido com o consumo de estupefacientes ou indicador de problemática aditiva de outra natureza.
O arguido HH é praticante de ... sensivelmente desde os 13 anos de idade, tendo assumido funções de instrutor desta arte marcial em 1979, atividade que tem intersectado o seu percurso de vida, uma vez que sempre frequentou estágios internacionais, com o intuito de aperfeiçoar o seu desempenho desportivo.
Contudo, por força da realização de uma nefrectomia em novembro de 2015 e de tratamentos subsequentes para debelar os seus problemas renais, o arguido viu-se forçado a reduzir significativamente e reformular a sua participação nesta prática, assim como regista o impacto negativo deste quadro de saúde na sua atividade profissional.
À data da ocorrência dos factos que originaram o presente processo, o arguido HH mantinha enquadramento familiar junto da ex-mulher, 58 anos, da filha, 32 anos, companheiro desta, 33 anos e neto, com 6 anos, situação que perspetiva manter no futuro, quando restituído à liberdade.
A morada de família não corresponde à morada constante nos presentes autos, uma vez que esta última é apenas utilizada para receção de correspondência, constituindo-se como uma habitação onde o agregado já terá residido, localizada em ... – ..., mas questões relativas a partilhas, que o arguido não especificou, levou o agregado a fixar-se em ... - ... sensivelmente a partir de 2002.
A habitação que se constitui como morada de família, localiza-se na Rua ..., ... – r/c esq., em ... – ..., correspondendo a um apartamento de tipologia 2+1, adquirida em nome da filha do arguido com recurso a crédito bancário. Dispõe de adequadas condições de habitabilidade, estando inserida em meio com características rurais, ao qual não se encontram associadas problemáticas de exclusão social relevantes.
É descrito um relacionamento conjugal e familiar harmonioso e afetivamente próximo, sendo manifesta a disponibilidade do agregado em receber e apoiar o arguido na sua habitação.
Segundo a ex-mulher, a atual situação do arguido HH é vivenciada com consternação pelo núcleo familiar, sendo o conhecimento da mesma restringido a estes elementos e vedada aos familiares alargados e vizinhança. Segundo a própria, o facto de ser usual a ausência do arguido, quer por motivos laborais, quer por motivos desportivos, auxilia na manutenção deste desconhecimento.
O arguido HH mantinha um quotidiano centrado na atividade laboral, baseada nos contactos de que dispunha, associados a transações comerciais, ainda que tal estivesse fortemente limitado pela conjuntura pandémica e pela sua condição de saúde.
O arguido terá permanecido em ... durante cerca de um ano, onde se terá dedicado à comercialização de produtos financeiros, tendo a pandemia determinado o seu regresso a Portugal.
O arguido não apresentava rendimentos fixos, dedicando-se à comercialização de vários produtos e mediação de negócios, mencionando o envolvimento num projeto de natureza imobiliária, com negociação de maquinaria de terraplanagem, na .... A ex-mulher é proprietária de uma lavandaria, não mencionando igualmente rendimentos fixos. Assim, são apenas mencionadas como despesas da habitação, a prestação bancária no valor aproximado de 270€ mensais, acrescida dos seguros, bem como os consumos domésticos, designadamente o fornecimento de energia elétrica e água, que totalizam um valor médio de cerca de 70€ mensais. Também se constituem como elementos ativos o agregado a filha do arguido, como auxiliar de ação educativa e o respetivo companheiro, como empregado comercial.
O arguido HH encontrava-se em acompanhamento pela Equipa da DGRSP do Porto Penal 5, no âmbito de uma suspensão de execução de pena, sujeita a regime de prova, pelo período de 5 anos, na qual foi condenada por decisão transitada em julgado em 07.12.2017, proferido no Processo nº ..., do Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 24, pela prática dos crimes de burla qualificada, falsificação agravada e burla tributária. O termo desta medida estaria previsto para 07.12.2022. Este acompanhamento decorreu de forma tendencialmente normativa, com exceção para o facto de manifestar dificuldades em reconhecer a responsabilidade criminal face à sua condenação, persistindo num discurso de vitimização.
O arguido HH deu entrada no Estabelecimento Prisional ... em 18.11.2020, encontrando-se sujeito a prisão preventiva, à ordem do Processo nº ... do Juízo Central Criminal de Vila do Conde – Juiz 5, no qual se encontra acusado da prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado.
Paralelamente, regista anteriores condenações em medidas não privativas da liberdade.
A nível institucional, o arguido HH apresenta um comportamento de acordo com os normativos institucionais vigentes, porquanto não apresenta registo de sanções. Tem procurado ocupar o tempo de modo útil, pela via laboral, mantendo ocupação laboral como faxina das oficinas desde dezembro de 2020. Em meio prisional acolhe o apoio dos familiares, nomeadamente da ex-mulher e filha, consubstanciado em visitas regulares ao estabelecimento prisional.
a. Sem prejuízo do descrito em 4 dos factos provados o arguido AA faz parte de um grupo de pessoas em Espanha, estruturados e altamente organizados, com muito poder económico, que se dedica à atividade de distribuição e venda de cocaína, a nível internacional, cada um com o seu papel bem definido para as várias etapas da prossecução de tal atividade criminosa;
b. O grupo referido em a. obtém a cocaína na América do Sul, onde têm indivíduos que atuam sob as suas ordens e instruções, que tratam da aquisição da cocaína, e posterior transporte para o país de destino, na maior parte dos casos por via marítima, onde é rececionada, para ser transportada por outros elementos, pertencentes à organização, para locais pré-determinados, e posteriormente distribuída e vendida, nomeadamente em Espanha e Portugal;
c. A aquisição da cocaína aludida em 3. e sem prejuízo do referido em 4 foi efetuada no âmbito de tal estrutura organizativa e no desenvolvimento da sua atividade e o acondicionamento da cocaína foi feito por pessoas não identificadas pertencentes à estrutura ou por eles recrutados, tendo o arguido AA ficado incumbido de vir a Portugal pela referida estrutura.
d. A embarcação “A... Hungary” tinha chegada prevista inicialmente para o dia 18 de Agosto de 2020, mas esta foi depois antecipada para o dia 11 do mesmo mês.
e. O arguido FF era um elemento que agiria conjunta e concertadamente com o arguido AA, sob as suas ordens e instruções, sendo o seu homem de confiança no âmbito da atividade de tráfico desenvolvida.
f. Sem prejuízo do descrito em 6. a recompensa do arguido BB seria de 2,5% (dois vírgula cinco por cento) por cada quilograma da quantidade de produto que se encontrasse no contentor.
g. O arguido CC contatou o arguido GG.
h. O arguido AA chamou os arguidos DD e EE, para estes posteriormente procederem ao transporte do produto, desde Portugal até ao destino, em Espanha, sob as suas ordens e instruções, conforme acordado entre eles previamente;
i. Sendo que o transporte da cocaína para Espanha seria feito pelos arguidos DD e EE, que integravam a “organização” referida em a., que em consequência chegaram mais tarde.
j. O cidadão espanhol OO também pertence à “organização”.
l. O arguido FF hospedou-se no hotel com o propósito de controlar todos os pormenores ou dificuldades que surgissem relativos ao sucesso da obtenção da cocaína retirada do contentor, e posterior transporte da mesma para Espanha.
m. Sem prejuízo da factualidade provada referida em 30 o arguido AA ao reservar o quarto a UU no C... nos termos constantes do ponto 29 dos factos provados queria assegurar-se com mais uma solução, caso algo corresse mal, com os contactos dos arguidos BB e CC.
n. Quando se deslocou para Lisboa ao encontro dos demais arguidos o arguido BB já tinha cessado os contactos com o arguido GG com vista à retirada sigilosa e em segurança da cocaína do contentor que iria chegar ao porto de Sines, devido a desconfiança daquele arguido sobre a idoneidade deste arguido e também sobre a capacidade do mesmo para levar a cabo tal tarefa;
o. E já há dias que o arguido BB apesar de dizer ao arguido AA que estava a realizar diligências e contactos com vista à retirada sigilosa e em segurança da cocaína do contentor que iria chegar ao porto de Sines, na verdade já tinha cessado de realizar qualquer diligência ou contacto.
p. Quando chegou a Cascais, o arguido BB transmitiu ao arguido AA a existência de um problema com retirada sigilosa e em segurança da cocaína do contentor que iria chegar ao porto de Sines, tendo este referido ao arguido BB que deveria continuar a tentar levar a cabo tal tarefa e que ele próprio iria efetuar diligências e contactos com vista a, por outra via, obter sucesso na referida operação.
q. Sem prejuízo da factualidade provada ínsita em 38. o arguido AA questionou NN sobre se conhecia alguém no porto de Sines e, antes que este pudesse responder o primeiro afastou-se para atender uma chamada tendo o arguido EE revelado à testemunha que o assunto relativo ao porto dizia respeito a um contentor, mas não continuou porque o arguido AA e o arguido EE abandonaram o local, convencidos que não seria necessário fazer intervir mais ninguém em resultado da conversa mantida.
r. Caso viesse a ser necessário, o arguido AA tinha ordens da “organização”, para seguir e intercetar a viatura onde o produto importado fosse transportado, para recuperar as caixas contendo a cocaína dissimulada na polpa de frutas conservadas.
s. Sem prejuízo do descrito em 4. o arguido AA atuou na qualidade de mandatário de rede espanhola, sabendo que a cocaína era destinada a esta rede.
t. Sem prejuízo do descrito em 7. E 35. dos factos provados quanto ao arguido FF, este e os arguidos DD, EE, atuaram de comum acordo, em conjugação de esforços, sob a liderança do arguido AA, nessa qualidade mandatado pela referida rede espanhola, conhecendo a natureza e características e quantidade do produto (cocaína) que se encontrava no contentor, e que se lhes destinava, para posterior transporte, distribuição e venda, por forma a obterem avultadas compensações, sendo o primeiro (FF) no âmbito desta atividade o seu homem de confiança.
u. Todos os arguidos sabiam estar inseridos numa rede criminosa de cariz internacional, altamente organizada, com muito poder económico, que utiliza o referido modo de atuação, para introduzir grandes quantidades de cocaína em território europeu, nomeadamente em Espanha e Portugal, para obtenção de lucros na ordem dos milhões de euros, e com as suas condutas de adesão, apoio e colaboração, respetivamente descritas, quiseram participar para mais uma vez concretizarem a importação da cocaína apreendida, para posterior distribuição e venda, pela referida rede.
v. Os arguidos DD, EE, FF, GG e HH agiram deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade das condutas levadas a efeito.
x. As quantias monetárias apreendidas aos arguidos AA e EE foram obtidas através da atividade de venda de estupefacientes.
z. Os telemóveis apreendidos aos arguidos EE e FF foram adquiridos com dinheiro proveniente da atividade de tráfico e usados para o desenvolvimento de tal atividade.
aa. As viaturas apreendidas foram adquiridas com dinheiro proveniente da atividade de tráfico e usados no transporte dos produtos estupefacientes.
Quanto à factualidade provada, o Tribunal formou a sua convicção assente na prova produzida, designadamente,
Nas declarações dos arguidos BB, CC e AA, prestadas em audiência e em sede de interrogatório judicial (reproduzidos neste último caso em audiência).
Na prova testemunhal - depoimentos prestados, quer pelos inspetores da policia judiciária que intervieram na investigação e percecionaram os factos, via interceções, ou por meio de vigilâncias, buscas e apreensões JJ, inspetor-chefe da Polícia Judiciária, na Diretoria do Norte; FFF, inspetora-chefe da Polícia Judiciária, na Diretoria do Norte; KK, inspetor da Polícia Judiciária, na Diretoria do Norte; GGG, inspetor da Polícia Judiciária, na Diretoria do Norte; HHH, inspetor da Polícia Judiciária, na Diretoria do Norte; III, inspetor da Polícia Judiciária, na Diretoria do Norte; PP, inspetora da Polícia Judiciária, na Diretoria do Norte; JJJ, inspetor da Polícia Judiciária, na Diretoria do Norte; QQ, inspetor da Polícia Judiciária, na Diretoria do Norte; KKK, inspetor da Polícia Judiciária, na Diretoria do Norte; II, inspetor da Polícia Judiciária, na Diretoria do Norte – que que de forma objetiva confirmaram as diligências em que participaram e constantes dos respetivos autos de transcrição, vigilância e de busca e apreensão.
Mais foram ponderados os depoimentos prestados pelas testemunhas MM (funcionária da unidade Hoteleira C... Cascais), II (proprietário do estabelecimento destinatário da fruta “F..., Lda.”, com sede em ... em cujo contentor foi apreendido o estupefaciente em causa nestes autos), RR (amigo do arguido CC e de BB e que estava a par das diligências levadas a efeito) e NN (a testemunha com quem os arguidos AA e EE se encontraram nas imediações do Porto de Sines em 11 de agosto de 2020).
E das testemunhas LLL, MMM (amigos do arguido CC) e NNN e OOO (amigos do arguido GG) - no que concerne à condição socioeconómica destes arguidos.
Mais atentou o Tribunal à prova pericial consubstanciada na análise e resultados relativo aos estupefaciente e objetos apreendidos de folhas 615 e 616.
E à prova documental de folhas 51 a 55 (auto de diligência – vigilância – relativo ao dia 1 de julho de 2020); 69 a 75 (auto de diligência – vigilância – relativo ao dia 14 de julho de 2020), 77 a 79 ((auto de diligência – vigilância – relativo ao dia 15 de julho de 2020 em que se contata encontro entre os arguidos BB e CC e também a testemunha RR), fls. 82 a 87 (auto de diligência – vigilância – relativo ao dia 17 de julho de 2020); 107 e 108 (auto de diligência – vigilância – relativo ao dia 30 de julho de 2020 – encontro entre os arguidos BB, GG e HH); 132 a 134 (auto de diligência – vigilância – relativo aos dia 9 e 10 de agosto de 2020 – relativos à deteção dos arguidos no Hotel C..., movimentações destes no dia 10 de agosto de 2020 e determinação do registo dos quartos ocupados, data de entrada e período a reserva e fotografias de suporte), de fls. 136 e 137 (reprodução da notícia publicada no JN do dia 10.08.2020, que publicita na primeira página a detenção de dois agentes da PSP de ... no âmbito de crime de tráfico de estupefacientes e respeitante à apreensão levada a efeito no dia 7.08.2020; assim como do jornal Correio da Manhã relativa à mesma operação), de 183 e 184 (auto de diligência – vigilância – relativa às movimentações dos arguidos e indivíduos que se deslocaram ao C... de Cascais nos dias 3.08 e 05.08, neste ultimo caso UU a quem foi atribuído o quarto 401, reservado pelo arguido AA, quarto esse já vazio no dia 08.08 (o referido UU já fora detido a 07.08) do mesmo auto resultando as circunstâncias do prolongamento dos quartos 508,401 e 107 pelo mesmo AA), de fls. 185 a 190 (prints das reservas realizadas e dos quartos atribuídos no C... cascais, de fls. 188 a 190), de fls. 191 a 203 (informação da detenção de UU, VV, WW e XX e fichas biográficas destes das quais resulta serem os dois últimos agentes da PSP e a exercer funções em ...); de fls. 204 e 205 (auto de diligência – vigilância – relativo ao dia 10.08.2020 e foto de suporte, onde se consta que os arguidos CC e BB estão agora no hotel D...); de fls. 212 a 228 ((auto de diligência – vigilância – relativo ao dia 11 de agosto de 2020 que descreve as movimentações dos arguidos no dia 11 de agosto de 2020 em Lisboa e dos arguidos AA e EE a Sines onde se encontram com a testemunha NN) 239 a 258 (auto de diligência relativo ao dia 11 de agosto de 2020 no porto de Sines onde descreve a apreensão a cocaína objeto dos presentes, documentação ao contentor em causa respeitante suportado nas fotografias da carga); 259 (auto de apreensão das quatrocentas embalagens e dos selos), 299 a 301 (auto de revista e auto de apreensão a arguido BB), 306 a 309 (auto de revista e apreensão ao arguido CC), de fls. 312 a 328 (auto de busca e apreensão dos objectos/documentos contidos na viatura Mercedes ... usada pelos arguido BB e CC; 351 a 375 (auto de Busca e apreensão na habitação de BB e reportagem fotográfica) de fls. 399 (foto das embalagens de cocaína apreendidas de onde se constatam os diferentes designações/logotipos) 408 a 441 (auto de análise preliminar de análise dos ficheiros de telemóvel do arguido BB), fls. 619 a 628 (exames dos telemóveis apreendidos constando-se que não se mostrou viável aceder aos que o foram aos arguidos AA, FF, EE e DD), de fls. 906 a 936 (auto e análise do conteúdo do telemóvel utilizado pelo arguido BB.
Mais foi ponderado o auto de visionamento de registo de imagens do hotel de Cascais (Hotel C...) (fls. 1006 e 1007 dos autos);
- E o apenso de interceções telefónicas e CD onde constam gravadas todas as sessões transcritas referentes aos alvos intercetados nestes autos.
- os relatórios sociais relativos às condições socioeconómicas dos arguidos;
- os Certificados de Registo Criminal de todos os arguidos juntos dos quais decorrem os respetivos antecedentes criminais (e/ou a ausência destes)
Importa ainda destacar (porquanto também revelante - o que oportunamente se explicitará) que é precisamente em sede do identificado inquérito nº... que são detidos a 8 de agosto de 2020 UU, VV, WW e XX– os dois últimos agentes da polícia de segurança pública (fls. 191 a 203) - na posse de 375 Kgs de cocaína proveniente da Colômbia e transportada no navio “...” – navio este relativamente ao qual também foram apreendidos no telemóvel do arguido BB elementos identificativos e fotográficos respeitantes ao estupefaciente neste confiscado – cfr. fls. 421 e ss.
De notar ainda a conversa telefónica intercetada a 13 de julho de 2020 entre os arguidos BB e CC em que o primeiro confidencia com o segundo que um “XX” (não sendo de afastar que possa ser o referido XX) lhe ligou e “tá desconfiado como é que há amizade para isto, percebes”, acrescentando para o caso de o tal XX ligar ao arguido CC este dizer “o BB já esteve a confirmar, os papeis estão todos direitos, percebes?” – tanto mais que já tinha ocorrido no dia 1 de julho o encontro entre estes arguidos e AA e nesta mesma conversa tratam da ida no dia seguinte 14.07.2020, a Valença – o novo encontro com o mesmo AA que veio a ocorrer.
E é precisamente ao arguido BB que é apreendida a informação relevante e que sustenta e corrobora a restante prova produzida. Ou seja, os elementos probatórios basilares que constituem o sustento da factualidade provada são as identificadas vigilâncias, as escutas e os ficheiros contidos (e apreendidos) no telemóvel do arguido BB.
As declarações do arguido BB e do arguido CC - os únicos que assumem – ainda que sempre tentando transmitir a “ingenuidade” da sua participação - a atividade ilícita objeto dos presentes - face aos enunciados elementos objetivos tornaram-se para os próprios necessárias não revelando uma espontânea colaboração, antes uma forma (a única) de alijar a respetiva responsabilidade e só foram valoradas pelo tribunal na estrita medida em que são por aqueles elementos corroboradas.
Aliás, conforme resulta das mais básicas regras da experiência e normalidade sendo passível de ser intuído pelo mais iletrado dos cidadãos, a ninguém é passada a informação que o arguido BB tinha no seu telemóvel (nome do navio, datas de partida e chegada, número do contentor, número do selo, tipo de carga constante do manifesto, nome das firmas exportadora e importadora, relativa a cocaína no valor de milhões de euros e fotos da cocaína aí acondicionada) se este já não estivesse comprometido com o negócio a ponto de beneficiar da “confiança” para esta lhe ser facultada (isto é incontornável e não é naturalmente explicado de modo credível pelo arguido, apesar de instado para o efeito) – atente-se à circunstância e o arguido BB não ter em seu poder apenas informação relativa ao navio em causa, mas também ao “...” cuja chegada a Setúbal ocorreu dia 06.08 (cfr. fls. 416, 423, 440).
O arguido CC, como se concretizará, assume também ele protagonismo na atividade (e está longe de ser o desgraçado que vive da esmola do arguido BB como pretendeu fazer querer) enquanto braço direito (mas com poder de iniciativa como se demonstrará) do arguido BB, traduzindo-se a sua subalternidade exclusivamente na circunstância de ser este último quem lhe paga, o que permite concluir que está num patamar inferior mas que integra o essencial da atividade e nessa medida também a domina.
E é perante a identificada prova conjugada e integrada que se extrai e sustenta com clarividência a atividade de tráfico de estupefacientes nos termos provados, mesmo relativamente ao arguido AA (a quem não foi diretamente apreendido na sua posse qualquer elemento probatório direto e que nega qualquer participação ou comprometimento com os factos) o que ao invés de aliviar a sua responsabilidade permite corroborar que desempenhou conduta grave objetivamente espelhada na factualidade provada. É aquele que fornece, dispõe e faculta ao arguido BB, em primeira linha e consequentemente ao arguido CC os elementos essenciais relativos ao estupefaciente em questão, a forma como os facultou, através de fotografia e consequentemente insuscetível de implicação direta e a encriptação do respetivo aparelho, tudo conjugado a denunciar a maior cautela e sigilo da atuação, em suma o maior profissionalismo e que é determinante na conduta dos demais.
Isto posto e concretizando.
No que concerne aos factos 1 a 3 – dos documentos de expedição, auto de apreensão da cocaína no porto de Sines e suporte fotográfico, tal como da indicada perícia resulta não só o local e data de saída como a inscrição do contentor onde foi acondicionada e dissimulada, as circunstâncias em que o foi, os selos original e falso, com objetivo de proceder à sua troca quando estupefaciente fosse retirado para não levantar suspeitas, quantidade e qualidade, assim como a identificação da embarcação e data da chegada. E tendo sido assim expedida, foi-o por pessoas não concretamente determinadas no local do embarque, ou seja, em São Salvador da Baía, Brasil.
E ponderada a expedição do estupefaciente nos termos expostos, tal só ocorreu porquanto já tinha sido adquirida e estava assegurado o seu levantamento. Na verdade ponderada a quantidade e consequentemente o seu valor (milhões de euros), das diligências que tiveram de ser realizadas para a sua introdução no navio em que foi transportada e até o seu concreto acondicionamento e camuflagem que implicaram riscos e naturalmente remuneração aos operadores/executantes e/ou facilitadores, resulta claro, sem grande esforço e por mero apelo às regras da experiência que a cocaína já tinha destinatário e/ou destinatários, o seu pagamento (ainda que se possa conceber parcial) garantido e de igual modo assegurado (na medida em que pode ser garantida a prática de um ilícito) o seu levantamento no local de chegada. E é no âmbito deste levantamento e consequente transporte que aparece o arguido AA para ele apontando as diligências probatórias que permitem extrair que foi a ele que os adquirentes (ou destes representantes), não identificados, solicitaram que diligenciasse e asseverasse em Portugal pelo acesso à cocaína ao Porto de chegada e o seu posterior transporte para local ou locais não concretamente determinados. – facto 4. Assim o evidenciam os encontros e diligências documentados nos enunciados autos, as interceções telefónicas e os subsequentes e imediatos contatos com o arguido BB e deste com os arguidos GG e HH de onde também resulta a factualidade ínsita sob os pontos 5 a 12 – sendo que nos encontros entre os arguidos BB e AA nas datas aí mencionadas sempre estiveram presentes os arguidos CC e FF.
E é AA (acompanhado do arguido FF) quem aparece nos encontros prévios às diligências levadas a efeito pelo arguido BB na companhia do arguido CC. Encontros esses que precedem o embarque da cocaína objeto destes autos. E é o mesmo arguido AA quem se desloca para Lisboa na companhia dos arguidos FF e CC dias antes da chegada do navio onde o mesmo estupefaciente foi embarcado, e aí se encontra com o dito UU – o que não traduzindo mera coincidência de forma corroborada pelos indicados meios de prova sustenta a este nível a versão do arguido BB quando assume que foi o arguido AA quem lhe forneceu os elementos relativos à “mercadoria” ilícita que ficou incumbido de desalfandegar – só assim se justificando os encontros a Norte do país.
Destaque-se que todos os ficheiros relevantes contidos no telemóvel de BB, designadamente, as conversações, são em língua espanhola, quer aquelas que respeitam a momento anterior ao embarque da cocaína, quer as posteriores – cfr. fls. 437, 438, 439 – desta última se extraindo que terá sido obtido em ..., onde residia o arguido AA, datando as mensagens aí contidas de 17 de junho de 2020 onde claramente se fala em transporte em contentor, em movimentações nos portos e na eventual “maturação” de alguma coisa - e bem assim as constantes de fs. 413, 414, 415 e 418. E mais, desde março que tais contatos ocorrem – cfr. fls. 911 e ss.
E o arguido AA, insiste-se, é único arguido espanhol que aparece identificado nos contactos realizados com o arguido BB e que simultaneamente aparece nos encontros com este (ainda que acompanhado do arguido FF) – cfr. fls. 409, 906 e ss. de onde se extrai ser o número utilizado pelo arguido AA o ...49 (tudo sem prejuízo de outros contatos com indivíduos espanhóis, designadamente, o identificado como “LL” em períodos temporais prévios aos encontros com AA que inclusivamente são reveladores da previa “apresentação” deste (cfr. fls. 911 e ss.).
A aceitação por parte do arguido BB da solicitação levada a efeito pelo arguido AA (facto 6) conforme enunciado resulta não só das diligências que levou efeito e espelhadas nos apontados autos de vigilância– desde logo os respeitantes aos encontros com os arguidos GG e HH - como das interceções telefónicas (cfr. sessões de fls. 5 do apenso I, a que a seguir se regressará; de fls. 16 e 17 (esta última constituída pela conversação com o arguido GG, cujo contato telefónico – ...88 - está gravado nos contatos do telemóvel do arguido BB, como “B...” – cfr. folhas 906 – o que o próprio arguido BB confirma – ou seja o arguido GG estava ligado à atividade de transporte (designadamente internacionais como ressalta do seu relatório social e está plasmado na fundamentação de facto) o que no caso também não constitui puro acaso (não só porque poderia ser necessário o carregamento do contentor na sequência do seu desalfandegamento, mas porque as transportadoras, na sequência da respetiva atividade tem habitualmente contatos próximos com funcionários de portos).
E a concretização temporal da aludida aceitação e execução do acordado (cfr. facto 9 a 12) decorre quer dos contatos, quer da data expedição do estupefaciente a 14.07.2020 de S. Salvador da Baía (porquanto tal como atrás referido impunha-se ter assegurada a sua receção/levantamento).
No que tange à remuneração que o arguido BB iria receber, sendo notório face à respetiva participação numa atividade de tráfico desta envergadura que a iria receber, e face à ausência de quaisquer outros elementos probatórios suscetíveis de o concretizar, o tribunal assentou o valor de pelo menos €150.000 porquanto foi este que o arguido consentiu iria receber.
Por outro lado, se é certo, reitera-se que nos encontros a que se reporta a referida factualidade entre os arguidos BB e AA estão sempre presentes os arguidos CC e FF e que as circunstâncias daqueles e o convívio entre todos no hotel de Cascais permite aferir, mesmo em relação ao arguido FF, que os dois últimos eram conhecedores da atividade e do que estava em causa – o tráfico de estupefacientes – relativamente ao arguido CC a prova é retumbante quanto à sua participação em conjugação de esforços e vontades com o arguido BB – independentemente de este ser quem lhe ia pagar – isso mesmo resulta do empenho e contato com outras pessoas que os autos indiciam estar à mesma ligadas (cfr. fls. 5 do apenso I); tendo mesmo poder de iniciativa (cfr. conversação do dia 29.07.2020 em que diz ao BB já ter tratado de tudo e estar tudo resolvido) e bem assim da sua presença em Cascais, é ele quem vai em momento anterior e revela estar ao corrente do que aí se passa, sendo quem informa o coarguido BB (cfr. fls. 26 do mesmo apenso em que informa este último arguido de que as coisas vão mudar), tal como da conversação transcrita a fls. 39 proveniente de individuo que se expressa em língua espanhola e que quer falar com o CC ou com o BB – revelador do idêntico desempenho/relevância – e que nada se prendem com uma propalada tarefa de “tradução”.
A factualidade relativa à circunstância de ser o arguido BB quem ia pagar a remuneração que o arguido CC ia naturalmente receber pelas já enunciadas razões também aqui aplicáveis resultam evidenciadas nas conversações telefónicas (cfr. fls. 19 em que o arguido BB diz ir enviar dinheiro ao arguido CC para carregar o telemóvel pouquinho….se acontecer qualquer merda para não….) de fls. 22 do mesmo apenso (quando o CC diz ao arguido BB que já sabe qual “e o carro que quer que ele lhe compre “um mustang” – o que não significando que a contrapartida seja uma viatura ou esta viatura, permite reforçar que esta – remuneração - ocorreria).
O facto de os arguidos privilegiarem os contatos diretos está patente no próprio conteúdo relevante dos ficheiros que constituem no essencial fotografias de outros telemóveis não sendo as informações relativas ao objeto dos autos enviadas por mensagem (porquanto poderia permitir a identificação) e quando assim não sucedia era utilizado o WhatsApp o que decorre não só das identificadas mensagens como do conteúdo destas - neste sentido e a título exemplificativo a conversação entre o arguido BB e o arguido CC de fls. 18 do apenso I em que o primeiro se preocupa em enviar dinheiro a este para que carregue os dados móveis (já que o arguido CC não se quer utilizar a rede do hotel porquanto tem de inserir email assim se identificando, o que naturalmente não pretendia).
Importa simultaneamente evidenciar o seguinte - como se começou por referir, o início do presente em final de maio de 2020 teve lugar com a identificação do arguido BB no âmbito do processo nº... em razão da suspeita do seu envolvimento no negócio da importação de cocaína. Nesse mesmo processo vieram a ser detidos os identificados indivíduos, entre os quais UU e dois agentes da PSP (WW e XX). Esta realidade indicia que a ligação do arguido BB é uma ligação a estes ou a pessoas com estes conexionadas. A ida do identificado UU ao C... de Cascais a 5 de agosto de 2020, a reserva por parte do arguido AA de um quarto para este, não configura mera coincidência (e muito menos traduz como pretendeu o arguido AA uma visita de cortesia por parte de um amigo e amigo da família) antes revela que o arguido AA já com este tinha antes por qualquer forma contatado, direta ou indiretamente.
As interceções revelam também que a atividade dos arguidos portugueses é distinta da dos arguidos espanhóis, designadamente, da provada e protagonizada pelo arguido AA. É o caso das conversas entre os arguidos BB e CC no dia 04.08.2020 (fls. 23 do apenso I) em que este último revela perante o primeiro a sua surpresa perante o facto de se ter apercebido que o arguido FF (a que se refere como o “chofer”) ser o dono da casa em que vive o arguido AA, do que lhe dará mais pormenores, rematando “que é para um gajo saber onde é que está situado”. Assim como o revela a conversa posterior, no mesmo dia já depois das 23h00, entre os mesmos arguidos (cfr. fls. 26 do mesmo apenso) em que o arguido CC diz querer falar com o arguido BB (que ainda não foi para Cascais) mas sem eles referindo-se a pessoas que estavam no quarto com ele. Em consequência do que o arguido BB responde exaltado (…) Eu tenho que saber o que se passa aí ao pormenor. Dizendo-lhe o arguido CC “tá tranquilo mas há coisas que vão mudar”. – Não se apresentando despicienda à aventada “mudança” a circunstância de no dia seguinte - 05/08 - UU se ter deslocado ao C.... E o mesmo é ainda corrobora pelo ficheiro encontrado no telemóvel do arguido BB em que pessoa não identificada, mas dirigindo-se-lhe em espanhol, “no se enfade el jefe de paramilitares” indiciando a participação de agentes policiais na atividade.
Irrelevante se mostra para desvirtuar o atrás enunciado a circunstância de os telemóveis que lhe foram apreendidos serem de marca diversa ou de as fotos contendo ficheiros relevantes identificarem locais e datas onde alegadamente o arguido AA diz nunca ter estado na companhia do arguido BB (assim como os elementos juntos pelo arguido AA sob as referências 37208701) porquanto neste âmbito – em que está em causa uma transação de milhões respeitante a importação de cocaína a possibilidade de mudarem de telemóvel ou de disfarçarem a informação é muito mais consentânea com a atuação. Aliás, daqui se alcança a diferença de nível de desempenho do arguido BB que de modo quase “amador” tinha armazenados os indicados e relevantes ficheiros, da protagonizada pelo arguido AA que nem sequer facultou o acesso ao conteúdo do seu telemóvel, nem tal se mostrou viável levar a efeito pelo perito da polícia judiciária. E se é certo que tal por si só nada indicia, a verdade é que se apenas se encontrara com o arguido BB para …. Ou para que este lhe obtivesse a licença de condução e que rumou a Cascais para se divertir e festejar o seu aniversário, como pretendeu justificar, simultaneamente tal motivação teria sido facilmente aferida pelo acesso ao conteúdo daquele (o que naturalmente não deixou porquanto estava amplamente comprometido com a atividade de importação do estupefaciente e posterior transporte como a prova patenteia).
Quanto aos factos 13 a 28 a convicção do tribunal assentou nos supra indicados autos de diligência corroborados pelos inspetores da policia judiciaria e interceções telefónicas constantes do respetivo anexo I.
O facto 29 consubstanciado na reserva por parte do arguido AA no dia 5 de agosto de 2020, de um quarto para UU, tendo-lhe sido atribuído o quarto 401, e a efetiva deslocação deste nesse dia ao C... decorre patenteado nos enunciados prints facultados pela entidade hoteleira e pelo auto de visionamento de imagens de fls. 1006 e 1007, o que o próprio arguido admite (ainda que, reitera-se, o justifique por se tratar de amigo de longa data e que também o eram os respetivos cônjuges). E pelas razões já atrás expostas se impõe concluir que o arguido AA sabia que UU tinha conhecimentos nos portos portugueses – facto 30.
Os factos 31 a 33 decorrem dos já elencados elementos atrás identificados, assim como do depoimento da testemunha JJ.
A deslocação do arguido BB para Cascais de 6 para 7 de agosto de 2020 assentou na conjugação do auto diligência em que é observada a sua presença devidamente conjugado com a interceção telefónica de fls. 27 (onde o arguido CC partilha tal facto com a mulher) e de fls. 29 a 31 – o que o próprio confirma. – facto 34.
No que respeita ao facto 35 ou seja., que os arguidos sabiam 7 de agosto de 2020 que o estupefaciente que se encontrava no navio “...” já se encontrava apreendido, sendo certo como evidenciado supra que os arguidos, designadamente, o arguido BB teria participação nesta atividade, tal é patente da conversa intercetada e transcrita a fls.35 relativa a esse dia, conversa essa entre o arguido CC e a testemunha RR (que tal conversa e bem assim à sua presença constatada pelos aludidos autos de diligência indicia que seria mais do que uma simples testemunha) onde expressamente este pergunta “foi tudo apanhado?” ao que o arguido responde com alguma exasperação face à clareza do discurso. E se este arguido sabia e também o arguido BB (a quem aquele atribui a culpa do sucedido) ponderada a colaboração com o AA e o contato pessoal que ocorreu com o dito UU, também este ficou a saber.
A saída dos arguidos BB e CC do C... e o seu alojamento no Hotel D... no dia 10 de agosto de 2020 – facto 36 - decorre da já indicada vigilância e a tal não terá sido alheio o facto de nesse mesmo dia terem sido publicadas as identificadas notícias no JN e CM que na primeira página identificavam a apreensão da cocaína e a detenção de dois agentes da PSP (é que se no dia 7 já todos sabiam da apreensão dificilmente saberiam das detenções ou pelo menos destas não podiam ter a certeza) – o que também corrobora a ligação de BB e CC aos indivíduos detidos.
A factualidade constante dos pontos 37 e 38 mostram-se espelhadas nos autos de diligência e suporte fotográfico sendo certo que quer a testemunha NN, quer o arguido AA assumem o encontro, embora não a justificação.
Os factos 39 a 46 respeitam à apreensão da cocaína em apreço e bem assim às buscas e apreensões a cada um dos arguidos e estão retratados nos respetivos e já supra descriminados autos. E no que concerne em particular à qualidade e quantidade da cocaína a indicada perícia, sendo o seu valor facilmente aferível por apelo aos valores de tráfico assentando-se no depoimento da testemunha inspetor JJ.
Os factos ínsitos sob os pontos 47 e 48 e que se prendem com a intenção dos arguidos e conhecimento da ilicitude da atividade redunda clarividente do atrás enunciado.
E os factos 49 a 61 sustentaram-se nos certificados de registo criminal e nos relatórios e informações sociais juntos.
Apesar da atividade de tráfico aqui em questão configurar importação/transporte de estupefaciente a concreta atividade apurada e consequente prova não permitiu ir além da contratação quer do AA, quer dos demais para o serviço em causa pelas razões já expostas para o que se remete.
No que concerne à chegada prevista do navio A... Hungary para o dia 18 e posterior antecipação – apenas e apura quando sai e quando chega – como aliás a informação portuária indica. Se foi percecionado pelos arguidos como 18 e depois se verificou que chegaria a 11, ou se o dia 18 se prenderia apenas com o desalfandegamento propriamente dito, a prova não o permite aferir com segurança.
A remuneração do arguido BB apurada é aquela que resultou provada e assim não se logrou provar que seria 2,5% do valor da coacaína.
Nada permite concluir pelo contato direto entre os arguidos CC e GG.
A intervenção apurada e relativa ao arguido FF cinge-se exclusivamente à condução do arguido AA e à perceção do que se passava nos termos expostos. E sendo alegadamente amigo e próximo deste (o que não se provando os elementos probatórios também não o contrariam) é também tal realidade insuficiente para o seu comprometimento com a factualidade que lhe é imputada.
A ida de UU ao hotel ocorreu nas circunstâncias já supra evidenciadas e não para que AA lograsse uma solução diversa daquela que lhe apresentara o arguido BB.
No que respeita a toda a factualidade que se prende com uma eventual desistência por parte do arguido BB do que se tinha proposto perante o arguido AA e do medo que sentia deste (assim como o arguido CC) é frontalmente contrariada pelas conversas entre este e o arguido CC (anexo I) e pela boa disposição que reinou no convívio entre todos – suporte fotográfico de fls. 924 e ss.. configurando a sua permanência em Lisboa e os contatos e insistência destes com GG evidência de que assim não o pretendeu e que permanecia convicto do desfecho positivo do “negócio”. Aliás também não se apresenta irrelevante a circunstância de na “mercedes ...” em que se fez transportar se encontrarem papeis – cfr. fls. 109 - com o logotipo do “grupo G...” precisamente o grupo de empresas de GG (como ressalta da informação social deste e da fundamentação de facto).
A testemunha NN negou ter tido qualquer conversa sobre portos com os arguidos AA e EE.
E a participação de EE e DD cinge-se à estadia no hotel de Cascais nos dias que antecederam a detenção daqui nada se podendo concluir.» [fim de citação];
«-i. Do crime de associação criminosa.
A acusação/pronúncia imputa a todos os arguidos (AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH), a prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 28º, nº 2, do DL nº 15/93, de 22-01 (para a prática de atividades de tráfico de estupefacientes)
Estabelece o art. 28º do Dec.-Lei n.º 15/93 no nº1 - Quem promover, fundar ou financiar grupo, organização ou associação de duas ou mais pessoas que, atuando concertadamente, vise praticar algum dos crimes previstos nos artigos 21º e 22º, é punido com pena de prisão de 10 a 25 anos. E no nº2 - Quem prestar colaboração, direta ou indireta, aderir ou apoiar o grupo, organização ou associação referidos no número anterior é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos. 3 - Incorre na pena de 12 a 25 anos de prisão quem chefiar ou dirigir grupo, organização ou associação referidos no n.º 1 (…)”
Este crime de associação criminosa, previsto no art. 28º do Dec.-Lei n.º 15/93, encontra-se numa relação de especialidade para com o crime de associação criminosa em geral, previsto no art. 299º do Código Penal. O bem jurídico protegido pela norma incriminadora é a paz pública, pela especial perigosidade para a paz social que as organizações que tenham por escopo a prática de crimes significam - constituindo um crime de perigo abstrato. Assim, basta a ameaça da prática de crimes (no caso, o tráfico de estupefacientes) por um grupo de pessoas, em razão do estímulo para a sua concretização gerado pela associação de pessoas/membros com vista à sua prática, para que o crime seja consumado. A “mera existência de associações criminosas, ligada à dinâmica que lhes é inerente, põe em causa o sentimento de paz que a ordem jurídica visa criar nos seus destinatários e a crença na manutenção daquela paz a que os cidadãos têm direito, substituindo-os por um nocivo sentimento de receio generalizado e de medo do crime (…)especial perigosidade do crime que se prende com as transformações da personalidade individual no seio da organização, derivada do seu particular poder de ameaça e dos mútuos estímulos e contraestímulos de natureza criminosa que aquela cria nos seus membros (cf., neste sentido, Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, II, pág. 1156 e ss.).
Assim, a associação, grupo, ou organização, pressupõe uma entidade prévia à prática do crime que constitui o seu objetivo, colocando-se num estádio anterior, numa congregação de vontades, na criação de uma entidade preordenada ao cometimento de crimes (cf. Ac. do STJ de 27.5.2010, relatado pelo Cons. Raúl Borges e de 14.07.2021 relatado pela Cons. Teresa Féria ambos em www.dgsi.pt.
A generalidade da doutrina e jurisprudência enuncia os seguintes elementos do tipo legal de crime de associação criminosa: i. uma pluralidade de pessoas (duas ou mais) – pressupondo um encontro de vontades dos participantes; ii. uma certa duração ou permanência do grupo, organização ou associação – não carecendo de ser determinada ou duradoura, exigindo-se que exista o tempo suficiente para a realização do fim criminoso; um mínimo de estrutura organizatória que sirva de substrato material à existência de algo que supere os agentes – não se exigindo uma estrutura do tipo societária, mas requerendo uma certa estabilidade ou permanência das pessoas que compõem a organização; uma qualquer formação de vontade coletiva – independentemente do princípio a que obedeça, nomeadamente autocrático ou democrático; interessa para não confundir uma vontade coletiva com a expressão da vontade individual de um chefe que atua em nome e em seu proveito exclusivos, caso em que se estaria perante um bando; e iv.um sentimento de ligação por parte dos membros da associação – não apenas ao seu chefe, mas entre os vários membros, como algo que os transcende e se apresenta como uma unidade diferente de qualquer um dos elementos que a compõem.
Naturalmente que a associação tem de preexistir aos crimes praticados, como um fator que os originou e deu impulso inicial à atividade criminosa. Acresce que o facto de prosseguir um escopo criminoso não significa que os crimes tenham de ser praticados por membros da associação, sendo suficiente que esta ofereça um apoio essencial à sua prática, mesmo que por pessoas ou organizações que lhe sejam estranhas.
O tipo subjetivo admite qualquer modalidade de dolo (o agente deve saber e reconhecer que existe uma organização / associação que se destina à prática de atividades ilícitas e voluntariamente querer e conseguir participar nos seus fins).
O crime de associação criminosa consuma-se com a fundação da associação, com a finalidade de praticar crimes, ou – relativamente a associados não fundadores – com a adesão ulterior, sendo o agente punido independentemente dos crimes cometidos pelos associados e em concurso real com estes.
O crime de associação criminosa (para a prática de atividades de tráfico de droga) é autónomo do próprio crime de tráfico de droga e poderá estar com ele em concurso real (não sendo necessário existir, sequer, uma concreta condenação pelo crime de tráfico). O que é necessário para a condenação pelo crime de associação criminosa é a prova do substrato organizacional e da intenção de o pôr ao serviço de um fim criminoso.
Ora não tendo resultado provada nos termos expostos a factualidade essencial (ainda que genérica (se não conclusiva) a este nível enunciada na acusação/pronúncia, a assente não permite integrar os seus elementos objetivos.
Relativamente ao arguido AA apenas foi possível determinar que lhe foi solicitado pelos adquirentes da cocaína ou destes representantes que em Portugal diligenciasse por lograr desalfandegar o estupefaciente em questão e pelo seu posterior transporte. Esta foi a única factualidade provada que permitiu “ligar” a atuação deste arguido ao embarque da cocaína.
Por outro lado, e quanto aos arguidos BB e CC estes foram os contatados por aqueles para providenciar pelo acesso ao Porto onde o estupefaciente chegaria e bem assim pela sua retirada.
Já relativamente ao arguido FF apenas podemos concluir que sabia de tudo, sem descortinar qualquer outra atividade concreta que não fosse conduzir habitualmente o arguido AA.
Quantos aos arguidos GG e HH, sabemos que foram pelo arguido BB contatados para a retirada do estupefaciente do porto.
E quanto aos irmãos ... assente resulta que se hospedaram no hoel em Cascais nas apontadas datas e que EE acompanhou AA a Sines onde o primeiro abordou a testemunha NN.
No que concerne ao arguido AA, por um lado, e aos arguidos BB e CC por outro, porquanto foram eles quem foram surpreendidos no terreno e quem levou a cabo as operações próximas do objeto do ilícito não eram naturalmente os donos da cocaína – e isto decorre das mais primárias regras da experiência no que tange ao tipo de ilícito em questão quando é certo que está em causa uma grande quantidade de estupefaciente e por mero apelo ao seu valor estimado.
E se é certo que uma operação como a dos autos importa organização (humana e material), mas não perdendo de vista que estamos em pleno séc. XXI, num mundo profundamente globalizado, em que a forma de “ligar” continentes e colher colaboradores entre locais distantes está amplamente facilitada a enunciada factualidade revela-se insuficiente para o efeito – precisamente porque não permite (mesmo por apelo às regras da experiência) descortinar uma qualquer estabilidade ou unidade diferente e transcendente a qualquer um dos arguidos que constitua um “mais” relativamente à coautoria.
Pelo que se impõe a absolvição de todos os arguidos (AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH) da prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 28º, nº 2, do DL nº 15/93, de 22-01.
Nos termos do art. 21º, nº 1, do Dec. Lei 15/93, de 22/01, pratica o crime de tráfico de estupefaciente, nomeadamente, “quem (...) oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver” substância compreendida nas tabelas I a III ”.
Tal preceito consubstancia um tipo legal estruturado como crime de perigo abstrato. Dada a intrínseca vocação da droga para ser traficada, o legislador entendeu que todas as atividades com ela relacionadas, desde a produção à distribuição, representam um perigo para o bem comum, nomeadamente a saúde e a tranquilidade públicas, e daí que todas as condutas descritas no tipo sejam punidas como tráfico independentemente da prova de que os estupefacientes se destinam a ser transacionados, ou seja, sem necessidade de verificação do perigo para o bem jurídico protegido com a norma em cada concreta violação.
À sua consumação é-lhe indiferente a intenção lucrativa, ou o destino do produto estupefaciente, desde que não para consumo, sendo, porém, relevante, a quantidade total do produto integrante da ação proibida. O crime de tráfico como crime de perigo abstrato, centraliza-se na perigosidade da ação, uma vez que o perigo, não sendo elemento do tipo, se apresenta como “motivo da proibição”, sem que disso resulte qualquer violação do princípio constitucional da presunção de inocência – (cfr. AC Tribunal Constitucional de 02-04-1992, “in” BMJ 411, p. 56). Dada a intrínseca vocação da droga para ser traficada, o legislador entendeu que todas as atividades com ela relacionadas, desde a produção à distribuição, representam um perigo para o bem comum, nomeadamente a saúde e a tranquilidade públicas, e daí que todas as condutas descritas no tipo sejam punidas como tráfico independentemente da prova de que os estupefacientes se destinam a ser transacionados, ou seja, sem necessidade de verificação do perigo para o bem jurídico protegido com a norma em cada concreta violação.
A infração em apreço constitui o que a doutrina tem apelidado de crime “exaurido”, “excutido” ou “de empreendimento”, em que o resultado típico se alcança logo com aquilo que surge, por regra, como realização inicial do iter criminis, tendo em conta um processo normal de atuação, envolvendo droga que se não destine exclusivamente a consumo, reitera-se. A previsão molda-se, na verdade, em termos de uma certa progressividade, no conjunto dos diferentes comportamentos contemplados, os quais podem ir de uma mera detenção à venda propriamente dita, por exemplo. Aceita-se que a natureza do crime do art. 21.º citado, de perigo abstrato (e não de perigo concreto ou de dano), se traduza numa antecipação da tutela penal, independentemente da efetiva lesão do bem jurídico em causa, a saúde pública, antecipação cifrada na punição dos primeiros atos de execução do agente. E de facto, para preenchimento do tipo, não se exige o desenvolvimento da ação projetada por esse mesmo agente. Por outro lado, só pode considerar-se o crime consumado tendo ocorrido o preenchimento do tipo, numa das suas modalidades, não bastando que o agente tenha iniciado um qualquer processo executivo para cometimento do crime, mas inócuo do ponto de vista daquele preenchimento do tipo. A consumação exige, pois, que se dê por provada, pelo menos uma das ocorrências ali referidas: “Cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar, ou ilicitamente detiver” produto estupefaciente.
No caso, tendo em conta as condutas apuradas, a quantidade e qualidade dos produtos transacionados e a configuração da respetiva atuação, verifica-se que a conduta dos arguidos AA, BB, e CC preenche sem qualquer margem para dúvida o tipo legal de tráfico de estupefacientes p.e p. pelo citado art. 21º, estando em causa a substância que integra a tabela I-A I-B (cocaína) anexa ao Dec. Lei 15/93, de 22/01, na forma consumada.
Na verdade, como já se evidenciou em sede de motivação, e por mero apelo às regras da experiência, uma vez expedida a cocaína nos termos em que o foi já tinha sido adquirida e assegurado estava o seu levantamento. Na verdade ponderada a qualidade, quantidade e consequentemente o seu valor (milhões de euros) tal não foi deixado ao acaso. E dai os encontros e diligências antes do embarque entre o arguido AA, BB e CC se revelaram essenciais à expedição e consequentemente à importação da cocaína apreendida, determinando que o vendedor – ao combinar um determinado local de desembarque da droga vendida – a conduzi-la até si, fazendo-a assim “transitar”. Tanto basta, em nosso entender, para a consumação do crime pelos identificados arguidos, já que conforme também resulta da factualidade provada a atuação dos arguidos AA, BB e CC preencheu simultaneamente o elemento subjetivo do crime se mostra preenchido, existindo o dolo (mostram-se preenchidos os seus elementos intelectual e volitivo) e na modalidade de dolo direto, nos termos do disposto no artigo 14º, nº 1 do C.P.: age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, atua com intenção de o realizar, e que as condutas dos arguidos são culposas, ou seja, estes são imputáveis e atuaram com consciência da ilicitude.
Já no que respeita aos arguidos FF e DD e EE, não resultou provada a pertinente a factualidade impondo-se a sua absolvição.
Da agravação.
Os arguidos, conforme aludido supra acusados/pronunciados da prática do indicado crime nas formas agravadas previstas nas enunciadas alíneas.
De acordo com o disposto no art.º 24.º do Dec- Lei n.º 15/93, a pena prevista no art.º 21.º é aumentada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, pela verificação de alguma das circunstâncias ali descritas. Não constitui um tipo autónomo, é circunscrito por circunstâncias especiais (agravantes) modificativas da pena, mas a sua aplicação não resulta obrigatoriamente da sua verificação, ou seja, a sua aplicação não deve ter-se por automática – cfr: o elucidativo acórdão do STJ de 11 de março 1998 CJSTJ. - Acs. do STJ, 1998, T. I, p. 228) as circunstâncias previstas no art.º 24.º referido apenas operam se em concreto revelarem uma agravação acentuada – considerável – da ilicitude ou da culpa do agente, em comparação com a subjacente para o crime principal do art.º 21.º, o que implica a ponderação em termos globais do facto e do seu agente. O art. 24º al. c) do DL nº 15/93 refere-se à circunstância de o agente obter ou procurar obter avultada compensação remuneratória, não é a diminuição do património do adquirente que está em causa, mas uma particular censura do espírito de lucro ou de ganho, que não recua perante as nefastas consequências para eminentes bens ou interesses jurídicos, pessoais, coletivos lesados pelo tráfico legal. Não ocorrendo, para o efeito, chamar à colação os valores que a lei penal considera para os crimes patrimoniais, dado se tratarem de situações diferentes em que nenhuma analogia é razoável. Após decisão isolada, o Supremo Tribunal de Justiça, na definição do conceito de avultada compensação remuneratória previsto no art. 24.º, al. c), do DL 15/93, de 22-01, aquele alto tribunal já abandonou o recurso à fórmula usada no art. 202.º, al. b), do CPP [valor consideravelmente elevado é o que excede 200 unidades de conta], que apenas tem relevância para os crimes contra o património. Está-se aqui face a um índice de maior censurabilidade em atividade de acentuado perigo abstrato de ofensa de importantes bens jurídicos plúrimos sintetizados no bem jurídico da "saúde pública". A justificar opções de política criminal ainda mais rigorosas do que relativamente aos valores considerados para efeitos dos crimes patrimoniais podendo, em conformidade, essa "avultada" compensação considerar-se integrada por valores inferiores aos indicados na al. b) do citado art. 202.º do C. Penal. Como se diz no Ac. do S.T.J. de 13/03/2008, publicado em www.dgsi.pt/jstj, com o nº de processo 07P4086 “Ao indicar-se que a agravação do tráfico para aquele que procura obter avultada compensação remuneratória, está exatamente a pensar-se nos casos em que, mesmo que não se apure qual a efetiva remuneração do traficante, seja fácil concluir pela qualidade da droga, pela sua quantidade e pela posição que o agente ocupa no negócio (não sendo mero “correio” ou “vendedor de rua”) que o mesmo iria obter uma larguíssima vantagem económica caso concluísse a “transação”. E como bem se realça no acórdão de 4.5.2005, Proc. n.º 1263-05, da 3.ª Secção (Henriques Gaspar - relator, Antunes Grancho, Silva Flor e Soreto de Barros), publicado nos Sumários de Acórdãos do STJ, n.º 91, p. 122, (…) – ainda actual, dizemos nós - a agravação supõe, pois, uma exasperação do grau de ilicitude já definido e delimitado na muito ampla dimensão dos tipos base - os artigos 21º, 22º e 23º do referido Decreto-Lei, e consequentemente, uma dimensão que, moldada pelos elementos específicos da descrição das circunstâncias, revele um quid específico que introduza uma medida especialmente forte do grau de ilicitude que ultrapasse consideravelmente o círculo base das descrições-tipo. A forma agravada há-de ter, assim, uma dimensão que, segundo considerações objectivas, extravase o modelo, o espaço e o grau de ilicitude própria dos tipos base. (…) O crime base do artigo 21º está projectado para assumir a função típica de acolhimento dos casos de tráfico de média e grande dimensão, tanto pela larga descrição das variadas acções típicas, como pela amplitude dos limites da moldura penal, que indiciam a susceptibilidade de aplicação a todas as situações, graves e mesmo muito graves, de crimes de tráfico. As circunstâncias – e especificamente, no caso, a da alínea c) do artigo 24º – não podem deixar de ser integradas, especialmente nos espaços de indeterminação, por considerações de gravidade exponencial de condutas que traduzam marcadamente um plus de ilicitude. Mas, nesta perspetiva, a «elevada compensação remuneratória» que o agente obteve ou procurava obter, tem de se revelar da ordem de grandeza que se afaste, manifestamente e segundo parâmetros objetivos, das projeções do crime base, uma vez que em todos os tráficos – é da ordem das verificações empíricas e da sociologia ambiencial da atividade – os agentes procuram obter os ganhos (compensações remuneratórias) que a atividade lhes possa proporcionar - e, por isso, também já a previsão de acentuada gravidade da moldura do artigo 21º. A elevada compensação remuneratória, como circunstância que exaspera a ilicitude, tem de apresentar uma projeção de especial saliência, avaliada por elementos objetivos que revertem, necessariamente, à intensidade (mais que à duração) da atividade, conjugada com as quantidades de produto e montantes envolvidos nos "negócios" – o que aponta para operações ou "negócios" de grande tráfico, longe, por regra, das configurações da escala de base típicas ou do médio tráfico de distribuição intermédia. Têm de estar em causa ordens de valoração económica próprias dos grandes tráficos, das redes de importação e comercialização e da grande distribuição, ou alguma intervenção que, mesmo ocasional, mas diretamente conformadora ou decisivamente relevante, seja determinada a obter ou produza uma compensação muito relevante, mas em que, pela ocasionalidade da intervenção, os riscos de deteção são menores, com a consequente maior saliência da ilicitude. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça como salienta o citado acórdão tem-se efetivamente pronunciado no sentido de que a avultada compensação remuneratória que se obteve ou se procurava obter pode não resultar diretamente da prova do efetivo lucro conseguido ou a conseguir, mas de certos factos provados (como a quantidade de estupefaciente envolvida e as quantias monetárias implicadas pela transação), combinados com as regras da experiência comum, não dependendo de uma análise contabilística de lucros/encargos, irrealizável, pelas características clandestinas da atividade, fatores indiciários, de índole objetiva, que forneçam uma imagem aproximada, com o rigor possível, da compensação auferida ou procurada pelo agente, a saber: a qualidade e quantidade dos estupefacientes traficados, o volume de vendas, a duração da atividade, o seu nível de organização e de logística, e ainda o grau de inserção do agente na rede clandestina, são fatores que, valorados globalmente, darão uma imagem objetiva e aproximada da remuneração obtida ou tentada. “Avultada” será, assim, a remuneração que, avaliada nesses termos, se mostre claramente acima da obtida no vulgar tráfico de estupefacientes, revelando uma atividade em que a ilicitude assuma uma dimensão invulgar, assim justificando a agravação da pena abstrata em um quarto, nos seus limites máximo e mínimo.
Não produzindo as circunstâncias previstas no artigo 24° um efeito automático, insiste-se, não pode assim deixar-se de atentar às modalidades concretas da ação, por forma a aquilatar se a mesma justifica o apelo ao especial agravamento da punição.
No caso concreto o desenrolar da atuação dos arguidos, as informações de que dispunham, a atividade propriamente dita de importação e transporte em que participaram, a qualidade e quantidade do estupefaciente em causa e respetivo valor (quase quatrocentos quilogramas de cocaína com o valor de pelo menos treze milhões de dólares) evidencia à saciedade uma carga de ilicitude substancialmente elevada que conduz ao inequívoco enquadramento na qualificativa da alínea c) do artigo 24°.
Pelo que no confronto com a matéria factual assente a conduta dos arguidos AA, BB e CC integra o crime e tráfico de estupefacientes agravado consumado, nos termos em que vinham acusados/pronunciados.
Da coautoria: Decorre do disposto no art. 26º do C. Penal que é coautor da prática de um facto ilícito quem tomar parte na sua execução, por acordo ou conjuntamente com outros. Na comparticipação criminosa sob a forma de coautoria, porém, este acordo não pressupõe a participação de todos na elaboração do plano comum de execução do facto, que não tem de ser expresso, através de qualquer comportamento concludente, e que não tem de ser prévio ao início da prestação do contributo do respetivo coautor. Essencial à coautoria é um acordo, expresso ou tácito, este assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz das regras de experiência comum, bem como a intervenção, maior ou menor, dos coautores na fase executiva do facto, em realização de um plano comum, não sendo senão esse o sentido da locução «tomar parte na sua execução, por acordo ou conjuntamente com outros», em uso no art. 26.º do CP. Esse acordo de execução tanto pode ser extremamente simples como complexo, mas abrange sempre uma divisão de tarefas; através desse acordo os coautores atribuem-se e aceitam prestar, reciprocamente, as tarefas que lhes estão confiadas, destinadas ao plano comum a concretizar; trata-se de um encontro de vontades dos coautores acerca do plano de execução e repartição de funções a ele inerente - Eduardo Correia, Direito Criminal, 1953, pág. 253 - Cfr acórdão do STJ de 19-3-09, dgsi.
No caso em apreço e atenta a factualidade provada e as circunstâncias da atuação de cada arguido resulta inequívoca a prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado, em coautoria.
III. Da escolha e medida da pena.
O crime de tráfico de estupefacientes agravado (arts. 21º, nº 1 e 24º, al. c), do DL nº 15/93, de 22-01), praticado pelos arguidos AA, BB e CC, é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.
A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita, de acordo com o disposto no artº 71º do CP, em função da culpa e das exigências de prevenção, devendo atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, circunstâncias essas de que ali se faz uma enumeração exemplificativa e podem relevar pela via da culpa ou da prevenção.
À questão de saber de que modo e em que termos atuam a culpa e a prevenção responde o artº 40º, ao estabelecer, no nº 1, que «a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» e, no nº 2, que «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».
Assim, a finalidade primária da pena é a de tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, de reinserção do agente na comunidade. À culpa cabe a função de estabelecer um limite que não pode ser ultrapassado. A aplicação de uma pena visa acima de tudo o restabelecimento da paz jurídica abalada pelo crime. E tal finalidade identifica-se com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração e dá conteúdo ao princípio da necessidade da pena que o art. 18º, nº 2, da CRP consagra de forma paradigmática. Há uma medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar, mas que não fornece ao juiz um quantum exato de pena, pois abaixo desse ponto ótimo ideal outros existirão em que aquela tutela é ainda efetiva e consistente e onde portanto a pena concreta aplicada se pode ainda situar sem perda da sua função primordial. Dentro desta moldura de prevenção geral, ou seja, entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos (ou de defesa do ordenamento jurídico) atuam considerações de prevenção especial, que, em última instância, determinam a medida da pena. A medida da necessidade de socialização do agente é, em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial, mas, se o agente não se revelar carente de socialização, tudo se resumirá, em termos de prevenção especial, em conferir à pena uma função de suficiente advertência – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2007, pg. 79 a 82).
Vejamos, então, quais as circunstâncias a relevar em sede de determinação da medida concreta das penas (art. 71º, nº 2 do C.P.).
- a intensidade do dolo, elevada, pois existiu na modalidade de dolo direto no que respeita a todos os arguidos;
- a qualidade da substância – cocaína - que traduzem muito elevada perigosidade social e para a saúde;
- a quantidade do estupefaciente - 402,45 kg - com forte poder aditivo), revelando também uma ilicitude elevada, mesmo no quadro de um crime de tráfico de estupefacientes agravado;
- a circunstância de se tratar de uma modalidade de tráfico internacional reveladora também de uma maior ilicitude;
- as concretas atividades em causa, relativamente a cada um dos arguidos, duração e as diferentes atuações concretas, designadamente, posição na cadeia de tráfico, quantidades e qualidade de estupefaciente transacionado e extensão – neste aspeto, a conduta substancialmente mais gravosa, inequivocamente a do arguido AA, quem atuou por incumbência do adquirente/ou do seu representante, e quem possuía os elementos relativos à expedição; seguida da atuação do arguido BB a quem cabia proceder ao seu desalfandegamento (por si ou por intermédio de outrem) e a quem ia ser pago pelo menos 150.000€ e por último o arguido CC que atuando em comunhão e conjugação de esforços com os demais, iria ser pago pelo arguido BB;
- por outro lado, há que ter em conta, que não pode o tribunal dissociar-se da situação pessoal em que cada um deles vivia à data dos factos, conforme relatado nos respetivos relatórios sociais e como consta da matéria de facto;
- e as diferentes e atuais situações pessoais, familiares e profissionais de cada um dos arguidos, também relatados nos relatórios sociais e na matéria de facto;
- a ausência de antecedentes criminais do arguido CC;
-os antecedentes criminais dos demais;
- As também elevadas exigências de prevenção não só pela amplitude do bem jurídico violado e consequentemente da sua extensão, mas também porque a respetiva prática acelera desmedidamente o aumento da criminalidade e põe em causa, perigosamente, a segurança e estabilidade social.
Assim, tendo em conta as diferentes situações concretas de cada um dos arguidos, afiguram-se adequadas e proporcionais as seguintes penas concretas:
- Para o arguido AA, a pena de 10 anos de prisão;
- Para o arguido BB, a pena de 8 anos de prisão;
- Para o arguido CC, a pena de 7 anos de prisão.
Dos objetos apreendidos.
O Ministério Público requereu a perda a favor do Estado dos objectos / bens apreendidos aos arguidos, que identificou (quantias em dinheiro, telemóveis, veículos automóveis e amostra-cofre da cocaína apreendida), nos termos do disposto nos artigos 35º e 36º do DL nº 15/93, de 22-01.
De acordo com o disposto no art. 109º, nº 1, do Código Penal, são declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estiverem destinados a servir para a sua prática.
Por seu turno, dispõe o art. 35º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22-01, que são declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infração prevista no mencionado diploma ou que por esta tiverem sido produzidos.
Dispõe o nº 2 do mesmo artigo que as plantas, substâncias e preparações incluídas nas tabelas I a IV são sempre declaradas perdidas a favor do Estado.
O art. 36º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22-01, estabelece que toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de uma infracção prevista no presente diploma, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado.
Dispõe o nº 2 do mesmo artigo que são também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos de terceiro de boa fé, os objetos, direitos e vantagens que, através da infração, tiverem sido diretamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem.
O disposto no art. 109º do Código Penal exige para a declaração de perda dos bens a favor do Estado, que os instrumentos ou produtos do crime, pela sua natureza ou circunstâncias do caso ponham em perigo a segurança das pessoas ou a ordem pública, ou ofereçam sério risco de virem a ser utilizados para o cometimento de novos crimes e esta era a redação inicial dos preceitos então correspondentes aos supra indicados.
O art. 110º, nº1, al. b) do mesmo diploma legal determina que são declarados perdidos a favor do Estado (para o que aqui interessa) as vantagens do facto ilícito típico considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.
Dispõe o n.º 1 do artigo 35.º, nº1, do D. L. 15/93 de 22 de janeiro que são declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infração prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos. E nº2 – as plantas, substâncias e preparações incluídas nas tabelas I a IV, são sempre declaradas perdidas a favor do Estado. E preceitua o n.º 2 do artigo 36.º, nº2 que – São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos de terceiro de boa fé, os objetos, direitos e vantagens que, através da infração, tiverem sido diretamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem.
No caso dos enunciados arts. 35º e 36º, atual redação, estamos perante normas especiais que em obediência a um desígnio de reforço da reação penal relativa ao tráfico de estupefacientes, se sobrepõe ao art. 109º do C. Penal – cfr. neste sentido Ac. do STJ de 28 de Janeiro de 1998, BMJ, nº473, p. 166 e de 11 de Fevereiro de 2003, www. dgsi.pt
Todavia, como evidencia o Ac. da Relação do Porto de 5 de Novembro de 2008, www.dgsi.pt., a privação automática de direitos independentemente da formulação de um concreto juízo jurisdicional de ponderação de circunstâncias do caso e das características do objeto em causa, seria inconstitucional. Daí que a jurisprudência vem limitando o alcance das normas em apreço, apelando a critérios de causalidade e proporcionalidade, sendo necessário que o crime não tivesse sido praticado, ou o tivesse sido de forma diferente, sem tal diferença penalmente relevante, sem o objeto em causa. Apresentando-se também necessário, para alguma jurisprudência que o mal da perda represente uma medida justa e proporcional à gravidade do crime- - Cfr. quanto à concretização dos critérios, entre outros, Acórdãos do STJ de 21 de Março de 1996, 26 de Fevereiro de 2004 e de 22 de Março de 2007, www.dgsi.pt; Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 17 de Janeiro de 2003, CJ, Tomo 4, p. 291.
PEDRO PATTO, in Comentário das Leis Penais Extravagantes, Volume 2, Universidade Católica de Lisboa, Lisboa, 2011, p. 532 a 533, aponta alguns critérios uteis. Sobre a essencialidade do objeto impõe-se procurar apurar da diferença entre a forma como o crime é praticado com ou sem o objeto, designadamente, se a droga poderia ser, sem particular esforço ser transportada ou distribuída sem aquele não se justifica a perda, já assim não sendo se se demonstra o contrário. Importa ainda distinguir a utilização episódica da regular. Se a dimensão do estupefaciente exigir o transporte já este se reportará de essencial. Nunca deixando de fazer apelo à proporcionalidade, não podendo as consequências da perda superar a gravidade do crime.
No caso dos autos, importa declarar perdidos a favor do Estado o produto estupefaciente [cocaína] (e os objetos que o acondicionavam) apreendido.
No que respeita aos telemóveis e em face dos factos dados como provados e não provados, designadamente os apreendidos aos arguidos AA, BB, todos eles, e CC (com exceção do telemóvel apreendido na sua residência, visto resultar dos autos que foi apreendido ao seu então cônjuge), devem ser declarados perdidos a favor do Estado.
Os telemóveis apreendidos aos arguidos FF e EE, em face dos factos provados e, principalmente, dos não provados, e da decisão de absolvição destes arguidos da prática dos crimes de que estava acusados/pronunciados, não podem tais objetos ser declarados perdidos a favor do Estado, impondo-se a sua devolução aos seus proprietários (os referidos arguidos).
No que respeita às quantias monetárias apreendidas nos autos quanto à quantia (€ 3.650,00) encontrada na posse do arguido AA, tendo presente o que resulta dos factos provados nomeadamente que este se encontrava em Lisboa no âmbito das diligências de desalfandegamento e transporte de cocaína e que a esta atividade está inerente a necessidade de levar a efeito pagamentos não detetáveis aliada à circunstância de nos dias de hoje face à panóplia de meios e pagamento eletrónico existentes a quantia em causa não se compagina ou traduz “dinheiro de bolso” tem de concluir-se configurar dinheiro destinado à prática dos factos determina-se a sua perda a favor do Estado.
Quanto à quantia (€ 2.200,00) encontrada na posse do arguido EE, em face dos factos dados como provados e, principalmente, em face dos factos dados como não provados, não pode a mesma ser declarada perdida a favor do Estado e será devolvida ao arguido).
No que respeita aos veículos automóveis apreendidos nos autos o automóvel da marca BMW, com a matrícula ....FPH, apreendido ao arguido AA, e o veículo Mercedes-..., de matrícula ..-..7-KX (e respectiva chave e documentos), apreendido ao arguido CC, tendo sido usados na prática do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual aqueles arguidos são condenados nos presentes autos (sem que tenham servido para transportar a cocaína, mas apenas para a deslocação dos arguidos), contudo o seu uso não se revelou essencial para a prática da atividade delituosa imputada aos arguidos (e provada nos autos), pelo que tais veículos não serão declarados perdidos a favor do Estado, e antes evolvidos aos seus proprietários / possuidores (os referidos arguidos).
Quanto ao veículo automóvel da marca Renault ..., com a matrícula ....JSJ, apreendido ao arguido EE (era este arguido o possuidor da chave da viatura), em face da absolvição deste arguido da prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado de que estava acusado (e também do crime de associação criminosa), impõe-se que tal veículo não seja declarado perdido a favor do Estado, sendo devolvido ao seu proprietário / possuidor (o referido arguido).
De igual modo, as chaves de veículos automóveis, apreendidas aos arguidos AA, FF e EE, não devem ser declaradas perdidas a favor do Estado, sendo devolvidas aos seus proprietários / possuidores (os referidos arguidos).
Quanto aos cartões (de débito, pré-pago e visa) e ao talão de depósito bancário, apreendidos ao arguido CC, impõe-se que tais objectos não sejam declarados perdidos a favor do Estado, sendo devolvidos ao seu proprietário / possuidor (o referido arguido).
Quanto à folha de caderno do “Grupo G...” (com inscrições manuscritas de quantias e nomes, e de viaturas), apreendidos ao arguido CC, impõe-se que tal documento permaneça nos autos, por poder constituir meio de prova (não sendo assim declarado perdido a favor do Estado, nem devolvido ao referido arguido).
Quanto às munições de uso militar, apreendidos ao arguido BB, em face da natureza e perigosidade de tais objetos, devem os mesmos ser declarados perdidos a favor do Estado.
Quanto ao computador e disco de armazenamento, apreendidos ao arguido BB, pelas enunciadas razões e porque não se mostram verificados os respetivos pressupostos não serão declarados perdidos a favor do Estado, determinando-se antes sejam devolvidos ao seu proprietário / possuidor (o referido arguido).»
3.1. Nulidades.
As nulidades da sentença como decorre do artigo 379º do CPP foram autonomizadas do regime regra das nulidades por força da importância deste ato processual que “conhece a final do objeto do processo” [art. 97º, n.º 1 al. a) do CPP], tem uma estrutura complexa e inúmeros requisitos fixados na lei [artigo 374º do CPP].
Resulta prevenido no art. 379º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, que é nula a sentença nos casos de: a). que não contiver as menções referidas nos n.ºs 2 e 3 b), do art. 374º; b). que condenar por factos diversos dos descritos na acusação (ou pronúncia, se a houver), fora dos casos e das condições (previsão) dos arts. 358º e 359º; e, c). Omissão- o tribunal deixa de pronunciar-se sobre questões que tinha o dever de apreciar - ou excesso de pronúncia – o tribunal aprecia questões de que não podia tomar conhecimento –.
Relativamente à primeira das nulidades enunciadas.
As decisões finais ou despachos que não sejam de mero expediente só se legitimam com a respetiva fundamentação. Por isso se diz que o dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático.
A imposição do dever de fundamentação tem assento constitucional, art. 205º n.º 1 da Constituição, devendo ser levado a cabo «na forma prevista na lei», estabelecendo o art. 97º, n.º 5 do Código de Processo Penal, que os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
Sobre os requisitos da sentença dispõe o n.º 2, do artigo 374.º, que: «Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
Assim, a fundamentação de sentenças ou acórdãos consta, necessariamente, da:
- Enumeração dos factos provados e não provados;
- Exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão;
- Indicação das provas que sustentam a convicção; e
- Exame crítico do acervo probatório.
Só a fundamentação possibilita o exercício de um efetivo direito de recurso, constitucionalmente garantido pelo art. 32º n.º 1, da nossa Lei Fundamental e torna funcional a relação entre o primeiro e o segundo graus de jurisdição.
Ou seja, é a motivação que permite às partes a necessidade e oportunidade da impugnação e a expressão dos seus argumentos por contraposição aos da decisão que impugnam.
E é também a motivação que fornece ao juiz de recurso os mecanismos – argumentação de facto e de direito - que o tornarão apto a julgar o recurso com propriedade por conhecer as razões a favor (do tribunal) e contra (do recorrente) a decisão impugnada.
A fundamentação decisória visa também potenciar – pela compreensibilidade - a adesão dos destinatários e comunidade em geral ao respetivo teor.
A obrigação de enumeração da matéria de facto provada e não provada – restrita à factualidade relevante para a qualificação do crime e graduação da responsabilidade do arguido - tem a sua origem na garantia de que o Tribunal contemplou, para além de qualquer dúvida, todos os factos submetidos à sua apreciação.
Por seu turno, a indicação e exame crítico das provas ou os “motivos de facto que fundamentam a decisão” consubstanciam-se nos elementos que em razão das regras da ciência, da experiência ou da lógica constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma as diversas provas produzidas em audiência.
Ou, dito de outro modo, a motivação consubstancia-se na justificação racional da decisão, no “raciocínio justificativo mediante o qual o juiz mostra que a decisão se funda em bases racionais idóneas para a tornarem aceitável”[2], sabido que é que na busca da verdade material, princípio que enforma de sobremaneira o processual penal português, a decisão tomada não tem de ser a única decisão possível, desde que tenha utilizado os parâmetros de referência da lógica e da metodologia das ciências, não perdendo de vista que o raciocínio jurídico se caracteriza, ao nível da determinação dos factos, pela sua natureza indutiva.
Assim, é certo que o art. 374º, n.º 2, do Código Processo Penal não se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, exigindo também o exame crítico das provas, pois vigorando no sistema processual penal a livre apreciação da prova, art. 127º do CPP, só um tal exame segundo as regras científicas, da experiência e da lógica, devidamente explicitado na decisão, permite avaliar e escrutinar as razões que a justificam.
Porém, tal imposição legal de referenciar e explicitar as provas não se confunde com a exposição exaustiva de todo e qualquer detalhe, nem obriga ao relato e transcrição do conteúdo dos meios de prova atendidos, como uma nova espécie de documentação, ainda que de natureza reduzida.
Assim, pretende-se apenas que o tribunal e o comum dos cidadãos possam compreender com clareza a razão da decisão à luz das regras da experiência, normalidade do acontecer, razoabilidade e bom senso, bem como das normas científicas.
Por usa vez, a segunda nulidade no elenco das nulidades da sentença, a constante do citado art. 379º n.º 1 b), encontra o seu fundamento na estrutura acusatória do processo pois que, por força da natureza acusatória do processo, o objeto do processo penal é fixado na acusação e visa impedir que alguém seja condenado por factos ou incriminações com que não podia razoavelmente contar e dos quais não teve oportunidade de se defender.[3]
Finalmente a, última, hipótese da al. c) do artigo 379º, acautela as situações em que o tribunal viola os seus poderes de cognição, quer quando omite a pronúncia quer quando a excede, visto que a decisão do tribunal deve apreciar todas as matérias a que está obrigado a tomar posição expressa, seja porque submetidas à sua apreciação pelos sujeitos processuais interessados seja porque de conhecimento oficioso, e digam respeito quer à relação material, quer à relação processual, bem como as situações inversas, ou seja aquelas em que o tribunal excede o thema decidendum conhecendo questões que lhe estavam vedadas por não integrarem o objeto do processo e não se reportarem a matéria de conhecimento oficioso.
No presente recurso os recorrentes invocam, entre todos, a existência de todas as referidas nulidades da decisão.
Assim, feito o enquadramento geral das referidas nulidades, vejamos se lhes assiste razão.
§ 1º
Nulidade do acórdão sob recurso por insuficiente fundamentação, ao abrigo do disposto nos artigos 374º, n.º 2 e 379º, n.º 1 al. a) ambos do CPP, invocada pelo recorrente AA.
Esta nulidade foi invocada pelo recorrente numa construção onde esgrime a valia do depoimento do coarguido e considerações sobre outros meios de prova que corroboram ou não aquele, segundo a sua perspetiva, concluindo do seguinte modo: “Uma vez que todo o acórdão que não seja fundamentado é nulo e uma vez que o acórdão ora em análise padece, manifestamente, de uma correta enunciação dos factos considerados provados e não provados por não se basear em nenhuma prova resultante dos autos ou por apenas se basear num meio de prova que carece de corroboração dados todos os riscos inerentes à sua valoração.... deve o referido acórdão ser considerada nula, por insuficiente fundamentação, ao abrigo do disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º ambos do C.P.P.»
Vejamos.
Como vimos da fundamentação de sentenças ou acórdãos consta necessariamente: 1) a enumeração dos factos provados e não provados; 2) exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão; 3) a indicação das provas que sustentam a convicção; e 4) exame crítico do acervo probatório.
Compulsando o acórdão em recurso não há dúvidas que do mesmo constam enunciados os factos provados e não provados, a exposição dos motivos ou fundamentos de facto e de direito que fundamentam a decisão, a indicação das provas que sustentam a convicção e um exame crítico do acervo provatório.
Do referido exame crítico decorre, ao contrário do argumentado pelo recorrente, que os factos provados se baseiam em provas por declarações, testemunhais, por documentos ou resultante de interceções telefónicas, dados de comunicações, vigilâncias, buscas e apreensões e pericial, ou indiretas, indiciárias, que concatenados umas com as outras e com as regras da normalidade do acontecer e das regras da experiência conduziram o tribunal a quo à convicção probatória de que dá conta na sua motivação.
Quanto à prova por declarações do arguido BB, nesse exame crítico afirma-se: “As declarações do arguido BB e do arguido CC - os únicos que assumem – ainda que sempre tentando transmitir a “ingenuidade” da sua participação - a atividade ilícita objeto dos presentes - face aos enunciados elementos objetivos tornaram-se para os próprios necessárias não revelando uma espontânea colaboração, antes uma forma (a única) de alijar a respetiva responsabilidade e só foram valoradas pelo tribunal na estrita medida em que são por aqueles elementos corroboradas.”
Aparentemente o recorrente entende que a prova por declarações, nomeadamente do co-arguido BB só podia ser valorada na medida da sua corroboração por outro meio de prova.
Em primeiro lugar não foi isso que o Tribunal de julgamento quis dizer. Antes pretendeu dizer que nem todas as declarações deste arguido, foram levadas em conta, já que as declarações prestadas foram um meio de tentar alijar a respetiva responsabilidade e, por isso, “só foram valoradas pelo tribunal na estrita medida em que são por aqueles elementos corroboradas”, querendo com isto referir-se aos “elementos probatórios basilares que constituem o sustento da factualidade provada ... as identificadas vigilâncias, as escutas e os ficheiros contidos (e apreendidos) no telemóvel do arguido BB.”
O Tribunal dá assim conta das cautelas que teve na apreciação das referidas declarações para efeitos de formação da sua convicção.
Em segundo lugar, o recorrente coloca a questão da proibição de valoração das declarações de co-arguido e, se bem que aceite que as declarações de coarguido correspondem a um meio de prova admissível atento o disposto no artigo 125º do CPP, argumenta que não se pode confundir o problema da sua admissibilidade legal com o problema da sua valoração.
E argumenta quanto à possibilidade da sua valoração, que se uma parte da doutrina entende que podem ser admitidas e valoradas em consonância com o princípio da livre apreciação da prova, todavia, exigindo-se um particular cuidado atendendo à relação do arguido com o processo em si e, também, pelo facto de o arguido não prestar juramento e, dessa forma, ter a possibilidade de não dizer a verdade sem incorrer em responsabilidade criminal. Argumenta ainda que outra parte da doutrina considera que tais declarações apenas poderão fundar a condenação de outro co-arguido se existirem elementos que o corroborem e no mesmo sentido, invocou jurisprudência que sufraga essa posição doutrinária.
Para concluir que as declarações de co-arguido só podem fundamentar a prova de um facto penalmente relevante quando exista alguma prova adicional que permita concluir que a narrativa do coarguido é, efetivamente, verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir também com base nas suas declarações. E que, no caso, é manifesto que os co-arguidos BB e, também, CC, pese embora tenham admitido a sua participação nos factos, procuraram minimizar a sua responsabilidade. Por isso, desde já, as suas declarações não merecem a credibilidade que lhes é atribuída. Apoda-as de confusas, pouco pormenorizadas, com muitas incongruências e passa analisar a motivação do tribunal relativamente as um sem número de factos dados como provados no acórdão que, segundo o que argumenta, se baseiam exclusivamente nas declarações do co-arguido BB.
Analisando.
Considerando que não estavam especificamente previstas no CPP as declarações do coarguido como meio de prova gerou-se em tempo[4] discussão em torno da admissibilidade e valor das declarações incriminatórias de coarguido em prejuízo de outro arguido, entre teses que recusavam valor probatório, uma tese intermédia que reconhecia esse valor desde que existissem elementos corroboratórios da versão incriminatória e a tese que admitia sem limitações o seu valor probatório[5].
Entretanto, vem sendo reconhecido, após a alteração do n.º 4 do artigo 345º do CPP, pela lei 48/2007 de 29 de Agosto, que o valor probatório das declarações do co-arguido apenas é negado quando este se recusar a responder às perguntas formuladas em contrainterrogatório, no seguimento do acórdão Tribunal Constitucional n.º 524/97, de 14.7.1997[6], que julgou inconstitucional, “por violação do artigo 32º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, a norma extraída com referência aos artigos 133º, 343º e 345º (na redação anterior), do Código de Processo Penal, no sentido em que confere valor de prova às declarações proferidas por um coarguido, em prejuízo de outro coarguido quando, a instâncias destoutro coarguido, o primeiro de recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio”.
Atualmente em face do disposto no artigo 345º n.º 4, do CPP as teses que continuam a defender a inadmissibilidade probatória das declarações de coarguido não são legalmente sustentáveis, pelo que vem sendo jurisprudencialmente sufragado que as declarações do coarguido, em face do artigo 125º, do CPP, são admissíveis e valoráveis desde que o coarguido, atento o n.º 4, do artigo 345º, do CPP, se não exima ao contraditório[7], assim se inteirando o contraditório do coarguido como a única condição legal de admissibilidade das declarações desse coarguido como meio de prova contra outro coarguido.
Nada foi dito pelo recorrente sobre a impossibilidade de contraditar as declarações do coarguido BB, quer relativamente às declarações prestadas em audiência quer relativamente as prestadas durante o inquérito, pelo que pressupomos de acordo com as atas respetivas que contraditou ou, melhor, teve possibilidade de contraditar tudo o que aquele declarou.
O acórdão sob recurso nem sequer, como já dissemos, perfilhou um entendimento onde tenha abraçado sem cautelas as declarações do coarguido, pois entendeu valorar as declarações do arguido em conjugação com outros elementos que, mesmo que não versando diretamente sobre os factos narrados pelo coarguido, conferiam credibilidade a essa narrativa.
Por outro lado, já atendendo ao que em concreto se passou em audiência, onde o recorrente AA não prestou declarações, como também foi entendido perlo tribunal Constitucional, agora no acórdão n.º 133/2010[8], esse facto não fere a proibição do n.º 4 do artigo 145º do CPP, pois a circunstância de um arguido exercer o seu direito ao silêncio não pode ser obstáculo a que contra si seja produzida prova, nomeadamente a que aqui está em análise. Como se escreve no referido Ac. do TC “O arguido tem o direito a não se auto-incriminar; não a que não seja produzida prova contra si ou que os demais arguidos conjuguem com a sua a estratégia de defesa deles.
Entendemos curial ainda atenta a extensa argumentação concreta do recorrente, dar nota que se era sua intenção impugnar a matéria de facto no âmbito desta questão não o fez da forma legalmente prevista e obedecendo aos ónus impostos pela lei, como sejam identificar os factos que considera erradamente julgados, a razão desse erro e a apresentação de prova que impusesse decisão diversa em relação a cada facto, como decorre do art. 412º, n.º 3 do CPP. Com efeito, limitou-se a discutir a convicção do tribunal a quo, apodando-a de insuficientemente fundamentada, no âmbito de um entendimento de que as declarações do coarguido só podiam ser valoradas quando e onde fossem corroboradas. Sobre a prova do coarguido já nos pronunciamos com entendimento diverso, sendo certo que do mero compulsar da decisão, que transcrevemos, se vê como foi escalpelizado um variadíssimo número de elementos de prova diferentes das declarações dos coarguidos e que corroboraram aquelas especialmente no que tange às declarações do arguido BB.
Pelo exposto, considerando a motivação que deixamos reproduzida, o raciocínio do tribunal sobre a forma como construiu a sua convicção relativamente aos factos provados, mostra-se lógica, obedecendo às regras da experiência comum e da normalidade do acontecer e dela emerge que atendeu a uma panóplia de elementos probatórios existentes no processo e dos quais retirou as ilações probatórias que enunciou. Tudo sem prejuízo do que viermos a dizer em relação a uma parte da motivação que a seu tempo analisaremos.
Em conclusão, não se verifica a invocada nulidade do acórdão em recurso por falta ou insuficiência de fundamentação, pelo que esta questão é claramente improcedente.
Nulidade por omissão de pronúncia invocada pelo recorrente AA
O recorrente AA argumenta que o julgamento repetido, resultou da decisão proferida em anterior acórdão proferido pelo TR Porto, que considerou que o Tribunal a quo teria que, no que ao arguido recorrente respeita, responder à questão da ligação prévia que o arguido/recorrente tinha com a aquisição da cocaína embarcada em Salvador do Brasil e que concretizasse isso em factos. Entende que tal não sucede no Acórdão agora em crise, entendendo que por isso o acórdão é nulo nos termos do disposto nos artigos 379.º n.º 1 alínea c) do C.P.P.
Vejamos.
Efetivamente no ac. do TRP de 08 de junho de 2022 fundamentou-se, para além do mais e para abreviar razões, no seguinte:
«... se o tribunal dá como provado, no seguimento do alegado na acusação/pronúncia que o AA se deslocou a Portugal “para tratar da operação de retirada em segurança da cocaína e posterior transporte da mesma, atuando nos termos a seguir expostos”. E, se de acordo com a matéria de facto provada os contactos para essa operação começam pelos menos no dia 01.07.2020, e se a cocaína saiu do Brasil no dia 14.07.2022, como decorre da motivação, começando os contactos pelo menos 14 dias antes do embarque da cocaína no Porto de Salvador da Baía, então será forçoso concluir que o arguido AA tem uma ligação prévia à cocaína a importar que não se prende só com o que se passará no porto de Sines e do porto de Sines para a frente.
A ligação do AA à cocaína é, segundo as regras da experiência comum, prévia ao seu embarque, pois, de outro modo não se deslocaria a Portugal visando aqueles objectivos de “tratar da operação de retirada em segurança da cocaína e posterior transporte da mesma, atuando nos termos a seguir expostos”, muito tempo antes do embarque da cocaína.
Por isso, quando o Tribunal a quo dá simplesmente como não provada a matéria de facto referente aos parágrafos 1º a 3º da acusação/pronúncia incorre num erro notório na apreciação da prova. Pois, a prova do facto constante do ponto 3º da matéria de facto do acórdão exige que o tribunal averigue a ligação prévia que o concreto arguido AA tem à aquisição da cocaína embarcada em Salvador do Brasil e concretize isso em factos.” (...)
“O tribunal a quo, caso deixe cair os factos da associação criminosa, tinha/tem de pronunciar-se sobre os factos alegados na acusação/pronúncia que caraterizam a ligação prévia do arguido AA à aquisição da cocaína embarcada no porto de Salvador da Baía, pois se trata de um facto absolutamente essencial para caracterizar a forma de crime a imputar ao concreto arguido AA e tem de dizer se imperam as regras da experiência ou se há outra prova no mesmo sentido ou em sentido diverso.
O Tribunal a quo ao não se pronunciar sobre a ligação do arguido AA à aquisição da cocaína embarcada no Porto de Salvador da Baia, incorreu ao mesmo tempo no vício do erro notório na apreciação da prova, porque as regras da experiência comum exigem que, atento o provado no ponto 3º dos factos provados, haja uma ligação anterior do concreto arguido AA à aquisição da cocaína, e no vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, porquanto sem essa pronúncia e averiguação [da ligação do arguido AA à aquisição da cocaína embarcada no porto de Salvador da Baía] e com o facto provado em 3º da matéria de facto provada, a decisão não pode ser tomada em segurança, nomeadamente no que tange à prática pelo arguido AA de um crime de tráfico de estupefacientes consumado ou meramente tentado.»
Compulsado o acórdão em recurso proferido pela primeira instância verifica-se que:
Consta no ponto 3 e 4 dos factos provados:
«3. Seguidamente, tal contentor com a cocaína dissimulada na carga de polpa de fruta, foi levado para a embarcação “A... Hungary”, que se encontrava no identificado porto de S. Salvador da Baía, Brasil, de onde saiu no dia 14 de julho de 2020 com destino ao porto de Sines, onde chegou no dia 11 de agosto de 2020.
4. O arguido AA, por solicitação de individuo ou indivíduos não concretamente identificados adquirentes (ou destes representantes) do referido produto estupefaciente foi incumbido de diligenciar em Portugal pelo acesso no porto de chegada à cocaína aludida em 3 e do seu transporte para local ou locais não concretamente determinados.»
E na fundamentação da decisão de facto consta:
«E ponderada a expedição do estupefaciente nos termos expostos, tal só ocorreu porquanto já tinha sido adquirida e estava assegurado o seu levantamento. Na verdade ponderada a quantidade e consequentemente o seu valor (milhões de euros), das diligências que tiveram de ser realizadas para a sua introdução no navio em que foi transportada e até o seu concreto acondicionamento e camuflagem que implicaram riscos e naturalmente remuneração aos operadores/executantes e/ou facilitadores, resulta claro, sem grande esforço e por mero apelo às regras da experiência que a cocaína já tinha destinatário e/ou destinatários, o seu pagamento (ainda que se possa conceber parcial) garantido e de igual modo assegurado (na medida em que pode ser garantida a prática de um ilícito) o seu levantamento no local de chegada. E é no âmbito deste levantamento e consequente transporte que aparece o arguido AA para ele apontando as diligências probatórias que permitem extrair que foi a ele que os adquirentes (ou destes representantes), não identificados, solicitaram que diligenciasse e asseverasse em Portugal pelo acesso à cocaína ao Porto de chegada e o seu posterior transporte para local ou locais não concretamente determinados. – facto 4. Assim o evidenciam os encontros e diligências documentados nos enunciados autos, as interceções telefónicas e os subsequentes e imediatos contatos com o arguido BB e deste com os arguidos GG e HH...»
Nestes termos, que entendemos bastantes, o tribunal a quo cumpriu o que lhe foi determinado no anterior Acórdão do TRP, de apurar a ligação prévia do arguido AA à importação da cocaína comprada na América do Sul. Com efeito, ao tribunal de primeira instância apenas se pode impor que averigue dentro do respeito pelo que a prova é capaz de dilucidar; dito de outro modo o limite de conhecimento revelado pela prova é o limite de averiguação do tribunal de julgamento, pelo que é assim descabida a afirmação de que o acórdão em recurso padece de nulidade por omissão de pronúncia.
Improcede, assim, a invocada nulidade por omissão de pronúncia.
- Nulidade por falta de fundamentação da decisão recorrida dos factos imputados ao recorrente e respetivas provas e por violação do artigo 71º do CP, invocada pelo recorrente CC.
O recorrente CC defende a nulidade do Acórdão por falta de fundamentação, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 374º do CPP e 205º da CRP.
Para tanto argumenta:
- que pese embora o Tribunal “a quo” no acórdão recorrido tenha apresentado uma relevante motivação, a verdade é que da leitura da mesma denota-se uma manifesta falta de fundamentação, desprovida de qualquer explicação que possibilite ao ora recorrente compreender quais os elementos probatórios que objetivamente conduziram à condenação e aplicação de uma pena excessiva e infundada de 7 (sete) anos de prisão efetiva;
- que a falta de objetividade e clareza do acórdão não permite compreender o raciocínio do tribunal a quo para a decisão proferida e essa ausência de objetividade deixa ao critério do recorrente – faltará aqui uma palavra, seria dilucidar– os motivos pelos quais o condenou numa pena de prisão;
- além de não ter especificado os motivos pelo quais condenou o Arguido, também se olvidou de especificar o raciocínio percorrido para imputar a prática dos factos ao mesmo;
- da matéria dada como provada e da sua motivação, inexiste qualquer atuação concreta do Recorrente, seja por ação ou por omissão, nos locais e nos dias dos factos, que possa subsumir-se na prática do crime;
- dos factos dados como provados não consta qual a participação ou grau de participação do ora recorrente, no ilícito em que foi condenado, inexistindo qualquer concretização quanto ao alegado comportamento e conduta efetivamente perpetrada pelo Arguido;
- é totalmente desprovido de sentido e inexiste qualquer fundamentação no acórdão recorrido, uma vez que a condenação do Arguido se baseou única e exclusivamente no facto de o mesmo se encontrar no mesmo local que outros arguidos e que por tal motivo é penalmente responsável pelo ilícito criminal, ainda que, não conste dos factos provados qualquer conduta efetivamente perpetrada pelo mesmo;
- não foi realizada qualquer prova de que o arguido, ora recorrente, tenha tido sequer uma decisão, um acordo, tenha aderido a um plano, o que per si suscita sérias e pertinentes dúvidas quanto à imputação dessa decisão/acordo, como aduzido pelo Tribunal a quo;
- considera que, no caso dos presentes autos, o tribunal “a quo” foi omisso para a determinação da pena pois, no que tange à alegada intervenção de cada um dos arguidos na “cadeia do tráfico”, ao apenas invocar “(…) e por último o arguido CC que atuando em comunhão e conjugação de esforços com os demais, iria ser pago pelo arguido BB”, não é por si bastante e esclarecedor para o efeito.
E conclui que existe violação do artigo 71 nº 3 do Código Penal, o que acarreta a nulidade da decisão recorrida, por falta de fundamentação, nos termos da conjugação dos artigos 374, n.º 2, 379. n.º 1, a) do CPP e 71.º, n.º 3 do CP e que também padece de falta de fundamentação nos termos do nº 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, o que gera a nulidade do Acórdão Recorrido nos termos do disposto 379º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal.
Vejamos.
Parece-nos claro que, a decisão sob escrutínio quer na parte em que se elucida o percurso lógico de formação da convicção da decisão factual, quer na parte atinente à subsunção dos factos ao direito e á determinação das medidas das penas tem uma fundamentação suficiente, como aliás já referimos para idêntica questão colocada pelo Arguido AA no que concerne à matéria de facto e também existe essa fundamentação nas demais situações aqui questionadas. Questão diversa é a de o recorrente não concordar com a fundamentação nem com a decisão ou saber se essa é a melhor fundamentação em face do crime em questão, mas isso são já questões não de forma, mas de substância e que serão avaliadas nas questões seguintes.
Nesta singela questão o recorrente coloca toda a sua discordância relativamente ao acórdão; não concorda com a matéria de facto, não concorda com a qualificação jurídica, não concorda com a coautoria, não concorda com a pena. São questões substanciais que serão oportunamente apreciadas, se for caso disso, dada a sua prevalência umas em relação às outras.
Claramente, do mero compulsar da fundamentação do tribunal em todas as questões em causa se verifica que a fundamentação é suficiente, independentemente de o recorrente estar de acordo com ela e independentemente de este Tribunal vir a acolhê-la na íntegra.
Improcede, portanto, a questão posta.
Nulidades previstas no artigo 379º, n.º1 b) por violação dos artigos 358º e 359º do CPP, invocadas pelos arguidos BB e CC.
O Recorrente CC.
O Recorrente CC veio defender a verificação da nulidade do acórdão nos termos da al. b) do artigo 379º do CPP, por entender que houve uma alteração substancial dos factos da acusação/pronúncia.
Para tanto, argumenta:
- que o Tribunal a quo em 18 de janeiro de 2024 comunicou uma alteração não substancial de factos que efetivamente se consubstancia numa alteração substancial de factos.
-que o tribunal a quo deu como provados nos pontos n.ºs 5, 8, 9, 10 e 20 datas que permitem limitar temporalmente a prática de atos que posteriormente usou como fundamento para a condenação do recorrente.
- factos que na realidade transpunham a atuação do recorrente para momento anterior ao embarque do produto estupefaciente, uma vez que dá como provado que “a embarcação A... Hungary, que se encontrava no identificado posto de S. Salvador da Baía, Brasil, de onde saiu no dia 14 de julho de 2020”, tornando deste modo possível a sua ligação ao tráfico, dado que preencheria a factualidade típica do mesmo.
- transcreve os pontos 5, 8, 9, 10 e 20 dos factos provados, para ilustrar o seu ponto de vista.
- a coadjuvação do arguido BB e, consequentemente, a do arguido CC, não estavam previstas na acusação.
- não estando concretizada a intervenção dos arguidos no esquema criminoso, nem se sabendo quando a mesma teve início, se foi antes ou após o transporte do produto estupefaciente do Brasil para Portugal (altura que o crime de tráfico já estaria consumado), teria de o Recorrente ser absolvido com base no princípio in dubio pro reo.
- não existiu nenhum desalfandegamento do produto estupefaciente, pelo que a conduta do Recorrente não preenche nenhum dos atos típicos: não cultivou, não produziu, não fabricou, não extraiu, não preparou, não ofereceu, não pôs à venda, não vendeu, não distribuiu, não comprou, não cedeu, não recebeu, não proporcionou a outrem, não transportou, não importou, não exportou, não fez transitar, não deteve a cocaína de que se trata.
- não existem quaisquer atos de execução por parte do Recorrente, sobretudo tendo por base a falta de localização temporal da sua intervenção e/ou o poder decisório que detinha, conforme se verá infra.
E conclui que, de todo o modo dúvidas não restam de que o Recorrente viu-lhe ser imputado um crime do qual não pode apresentar qualquer defesa em sede de audiência de discussão e julgamento. E tendo o Recorrente apresentado a sua oposição a tal alteração, verifica-se que existiu violação do disposto no artigo 359º do Código de Processo Penal. E consequentemente, o acórdão recorrido encontra-se ferido de nulidade, prevista no artigo 379º nº 1, al. b), do CPP.
O recorrente BB.
Movendo-se em âmbito idêntico diz este recorrente:
- Por despacho proferido na sessão da audiência de julgamento do dia 18 de janeiro de 2024, o Tribunal procedeu à alteração de vários factos da acusação/pronúncia, ao abrigo do disposto no art. 358°, CPP, e qualificando essa alteração como não substancial.
- O Recorrente opôs-se a essa alteração e ao conhecimento dos novos factos, por considerar que tem a natureza de alteração substancial dos factos.
- O Tribunal julgou provados esses novos factos - com os quais o Arguido nunca fora confrontado e dos quais, por isso, não se defendeu - e incluiu-os nos n.ºs 5, 8, 9 e 10 do respetivo elenco, com o que considerou demonstrado que a conduta do ora recorrente integrava a prática do crime, em coautoria, na modalidade de transporte.
- Esta alteração ofende o disposto nos artos 358° e 359, CPP, e implica a nulidade do acórdão prevista na al. b) do n° 1 do art. 359°, CPP.
- Além disso, o douto acórdão, sem ter observado sequer o procedimento previsto no art. 358°, CPP, considerou provado um facto (a coadjuvação do Arguido, descrita no facto provado n° 20) que não constava da acusação/pronúncia, é suscetível de constituir (e foi considerado como preenchendo) um ato de execução do crime de tráfico de estupefacientes, e que assume grande relevo para identificar os atos concretamente imputados ao Arguido e por ele praticados (ou não).
E conclui que, por isso, o acórdão incorreu na nulidade prevista na al. b) do n° 1 do art° 379°, CPP.
Vejamos.
«A vinculação temática ao objeto da acusação constitui uma garantia de defesa, impedindo alterações do objeto do processo que inviabilizem ou prejudiquem de modo desrazoável a defesa do arguido; o objeto da acusação deve, por isso, manter-se essencialmente idêntico até à decisão final para assegurar as garantias de defesa do arguido, que não deve ser surpreendido por factos ou circunstâncias novos, diferentes dos que constam da acusação, e que não tenha podido considerar na preparação e organização da sua defesa.» [9]
Em consequência o Código de Processo Penal definiu no artigo 1º, n.º 1 al. f) do CPP como alteração substancial dos factos “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”[10].
“A Alteração substancial dos factos pressupõe uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refere aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.[11]”
“Alteração substancial dos factos”, para o entendimento jurisprudencial dominante «significa uma modificação estrutural dos factos descritos na acusação, de modo que a matéria de facto provada seja diversa, com elementos essenciais de divergência que agravem a posição processual do arguido, ou a tornem não sustentável, fazendo integrar consequências que se não continham na descrição da acusação, constituindo uma surpresa com a qual o arguido não poderia contar, e relativamente à qual não pode preparar a sua defesa.»[12]
O que seja alteração não substancial de factos ou alteração sem qualquer relevo em face da acusação está sempre balizada por esta definição paradigma.
Toda a alteração dos factos descritos na acusação que, sendo relevante, não produza nenhum daqueles efeitos mencionados na referida alínea do art. 1º, deve ser considerada como não substancial.[13]
Com estes considerandos passemos ao caso concreto.
Em causa estão os factos vertidos nos pontos 5, 8, 9 e 10 dos factos provados, no que tange à limitação temporal aí introduzida e o ponto 20 dos factos provados do acórdão, no que tange ao segmento: “(com a coadjuvação do arguido BB, por si e através - e/ou conjuntamente - do arguido CC)”.
A redação dos referidos pontos que constam do acórdão, com os factos que os precedem em letra mínima, a fim de se integrarem no contexto, que como se sabe é essencial para o discernimento, entendimento e interpretação necessários:
«1. No porto de Salvador da Baía, no Brasil, pessoas de identidade não concretamente apurada colocaram quatrocentas embalagens de cocaína, acondicionadas em oitenta caixas, dentro do contentor com a inscrição ...15, com manifesto de carga de polpa de fruta;
2. Após ter sido retirado o selo original voltaram a selá-lo (o contentor) com um outro idêntico, deixando no seu interior outro selo, com o objetivo de no destino, antes da entrega da mercadoria lícita ao importador, depois de retiradas as caixas com a cocaína, poder voltar a ser aposto o selo inviolado com o número ...31, sem levantar suspeitas.
3. Seguidamente, tal contentor com a cocaína dissimulada na carga de polpa de fruta, foi levado para a embarcação “A... Hungary”, que se encontrava no identificado porto de S. Salvador da Baía, Brasil, de onde saiu no dia 14 de julho de 2020 com destino ao porto de Sines, onde chegou no dia 11 de agosto de 2020.
4. O arguido AA, por solicitação de individuo ou indivíduos não concretamente identificados adquirentes (ou destes representantes) do referido produto estupefaciente foi incumbido de diligenciar em Portugal pelo acesso no porto de chegada à cocaína aludida em 3 e do seu transporte para local ou locais não concretamente determinados.
5. Para o efeito o arguido AA, em data não concretamente determinada, mas, pelo menos, a 1 de julho de 2020 travou conhecimento com o arguido BB e abordou-o no sentido de este providenciar pelo acesso ao contentor referido de 1 a 3, designadamente, através do recrutamento de pessoa ou pessoas capazes de facultar a retirada em segurança do identificado estupefaciente do porto onde chegaria.
6. O arguido BB aceitou a solicitação do arguido AA referida em 5. comprometendo-se a contatar pessoas com tal conhecimento e capacidade e a diligenciar junto destas a execução de tal tarefa a troco de recompensa de valor não concretamente determinado, mas correspondente a pelo menos €150 000 (cento e cinquenta mil euros).
7. O arguido AA nos contatos que estabeleceu com os arguidos BB e também com CC, designadamente, em 1 de julho de 2020, 14 de julho de 2020 e entre 3 e 11 de agosto de 2020, fez-se acompanhar do arguido FF, seu amigo, que era conhecedor dos factos referidos de 1 a 6.
8. O arguido BB, por sua vez, em 1 de julho de 2020, 14 de julho de 2020 e entre 7 e 11 de agosto de 2023 fez-se acompanhar do arguido CC, amigo de confiança e sabedor dos factos descritos de 1 a 6, concordando ambos em conjugar esforços para tudo fazerem para conseguir levar a cabo a tarefa, com a promessa de este ser recompensado pelo primeiro arguido (BB) em quantia monetária de montante não concretamente determinado.
9. Em execução do supra acordado, o arguido BB, em data não concretamente determinada, mas seguramente entre 1 de julho de 2020 e 14 de julho de 2020 diligenciou junto do arguido GG, que por sua vez contatou o arguido HH tendo este último assegurado que tinha forma de retirar sigilosamente e em segurança a droga do contentor que viesse a ser indicado e que chegasse aos portos de Sines, Setúbal ou Leixões, a troco de dinheiro para si (arguido HH) e para a pessoa que iria tratar da tarefa.
10. O arguido BB, em data não concretamente determinada, mas seguramente entre 1 de julho de 2020 e 30 de julho de 2023 transmitiu ao arguido AA que estava tudo tratado e recebida esta informação este último forneceu aos arguidos BB e CC as informações necessárias: nome do navio, datas de partida e chegada, número do contentor, número do selo, tipo de carga constante do manifesto, nome das firmas exportadora e importadora, quantidade de cocaína.
11. Na posse de tais elementos, o arguido BB transmitiu-os aos arguidos GG e HH, para este último tratar do solicitado contacto no respetivo porto de chegada e assegurar o sucesso da retirada da cocaína em absoluto sigilo e em segurança.
12. Nos contactos entre si, os arguidos privilegiavam os contactos diretos, e quando tal não era possível, optavam, se viável, por comunicar através de WhatsApp.
13. No dia 1 de Julho de 2020, o arguido BB, conduzindo a viatura de marca “Mercedes”, de matrícula ..-TX-.., acompanhado do arguido CC, encontraram-se com o arguido AA, à saída da autoestrada A7 (...), sendo que este estava acompanhado por vários indivíduos, que se faziam transportar nas viaturas da marca “Ford”, de matrícula ..1FXV, e da marca “Mercedes”, de matrícula ....LCR, após o que se deslocaram para uma moradia utilizada pelo arguido BB, situada em ..., ....
14. No dia 14 de julho de 2020, os arguidos, BB e CC deslocaram-se a Valença, na referida viatura “Mercedes”, e pelas 9:52 horas, junto à Pastelaria “...”, encontraram-se com os arguidos AA e FF, que se faziam transportar na viatura da marca “BMW”, de matrícula ....FPH, sentaram-se os quatro na esplanada da referida Pastelaria, onde foram apresentados e visionados vários papéis.
15. O arguido BB tinha decidido adquirir uma viatura no valor de 110 mil euros, para oferecer ao filho, e como não tinha entregue ainda qualquer valor como sinal e princípio de pagamento, no dia 24 de julho de 2020, foi contactado pelo funcionário do “Stand” a tal propósito, garantindo-lhe o arguido que iria pagar, de uma só vez, a partir dos dias 6 e 18 de agosto, antecipando o lucro que iria obter com a atividade aludida no ponto 6.
16. No dia 30 de julho de 2020, o arguido BB foi contactado telefonicamente pelo arguido CC, dizendo-lhe que tinha um recado do «nosso amigo de além», e que «o jantar que tínhamos marcado para o dia 18, é dia 11», porque o «restaurante está fechado dia 18», referindo-se à incumbência aludida em 6.
17. Minutos depois, o arguido BB contactou o arguido GG, dizendo-lhe que o encontro que tinham agendado para as 7 horas, ficava para as 8 horas, e que «aquilo que tínhamos marcado para o dia 18 é no dia 11», obtendo como resposta «melhor», e que falariam presencialmente.
18. Pelas 20:20 horas do mesmo dia, o arguido BB recebeu uma chamada do arguido HH, tendo aquele dito que já tinha chegado e estava no local onde tinha estado no dia anterior, retorquindo este que já estava nas imediações.
19. Tal encontro ocorreu na Zona Industrial ..., sendo que cerca de meia hora depois juntou-se aos arguidos BB e HH o arguido GG, ficando os três a conversar durante cerca de 25 minutos, já sabedores da chegada da cocaína, em contentor, ao porto de Sines, e de todos os dados relativos à operação a desenvolver para a retirada da cocaína de forma sigilosa e em segurança, e das contrapartidas que seriam recebidas.
20. No dia 3 de agosto de 2020, os arguidos AA, FF e CC deslocaram-se para Cascais onde se hospedaram no hotel “C...”, sito na Travessa ... dessa cidade, com o propósito de o arguido AA (com a coadjuvação do arguido BB, por si e através - e/ou conjuntamente - do arguido CC) - controlar todos os pormenores ou dificuldades que surgissem para lograr retirar a cocaína do contentor, e o posterior transporte da mesma.
Tais factos provêm, grosso modo, dos seguintes factos contidos na acusação que enunciaremos por parágrafos, com enumeração nossa:
- O facto contido em 5º da matéria de facto provada, reporta-se ao § 8º da acusação [O arguido AA contactou o arguido BB para tratar de conseguir contactos que permitissem retirar de forma segura a Cocaína do contentor, a troco da recompensa de receber 2,5% (dois vírgula cinco por cento) por cada quilograma da quantidade de produto que lá se encontrasse, que aceitou a tarefa.] e tem como data aquela balizadora que consta do ponto 13º, que corresponde ao “primeiro encontro” pessoal provado dos arguidos AA BB e CC.
- O facto provado em 8º da matéria de facto provada, reporta-se ao § 9º da acusação [Então, o arguido BB, que tinha a máxima no arguido CC, contou-lhe o que se tinha passado, e concordaram em conjugar esforços para tudo fazerem para conseguir levar a cabo a tarefa, com a promessa de este ser recompensado dinheiro.] tendo como datas balizadoras aquelas que constam dos autos documentadas, e descritas nos factos provados, nomeadamente nos pontos 13º, 14º, 34º a 38º que correspondem a datas de encontros comprovados nos autos.
- O facto contido em 9º dos factos provados, reporta-se ao § 10º da acusação [Em execução do acordo, os arguidos BB e CC contactaram o arguido GG, que por sua vez contactou o arguido HH, e estes garantiram-lhes que tinham pessoas de confiança nos Portos de Sines, Setúbal e Leixões, que tratariam da retirar sigilosamente e em segurança a droga do contentor que viesse a ser indicado, a troco de dinheiro para eles e para a pessoa que iria tratar da tarefa.] tendo como datas balizadoras aquela primeira data em que há prova primeiro encontro pessoal do BB e CC com o AA visando, necessariamente, a tarefa e a data constante do ponto 14º da matéria de facto provada em que os arguidos BB e CC se deslocam a Valença e visionam papeis.
O facto contido em 10º dos factos provados, reporta-se ao § 11º da acusação [Convencido que estava tudo assegurado para o sucesso da operação, o arguido BB transmitiu ao arguido AA que estava tudo tratado, e que não iria haver problemas no sucesso da mesma, tendo sido celebrado acordo para o efeito.] tendo como datas balizadoras aquela primeira data em que há prova do encontro pessoal do BB e CC com o AA visando a tarefa e a data – 30 de julho - constante do ponto 16º da matéria de facto provada (ver também factos provados sobre 17º a 19) é aquela data em que há prova nos autos do conhecimento de que o navio Hungary chegaria a 11.
O facto contido em 20º dos factos provados, reposta-se ao § 23º da acusação [No dia 3 de agosto de 2020, os arguidos AA, FF e CC hospedaram-se no hotel “C...”, sito na Travessa ..., em Cascais, com o propósito de controlar todos os pormenores ou dificuldades que surgissem relativos ao sucesso da obtenção da Cocaína retirada do contentor, e posterior transporte da mesma para Espanha, pelos arguidos DD e EE, que só chegariam mais tarde.] tendo sido interposta a frase (com a coadjuvação do arguido BB, por si e através - e/ou conjuntamente - do arguido CC).
Analisemos, então.
Após várias leituras atentas do acórdão com análise da sua densidade e analisados os ataques dos Recorrentes ao mesmo verificamos que dele consta o seguinte na motivação e na subsunção dos factos, asserções que verdadeiramente afligem os arguidos, por na sua perspetiva, terem transformado uma acusação com factos atípicos numa acusação que permitiu a condenação pelo crime de tráfico de droga.
Com efeito, consta:
Da motivação:
«Aliás, conforme resulta das mais básicas regras da experiência e normalidade sendo passível de ser intuído pelo mais iletrado dos cidadãos, a ninguém é passada a informação que o arguido BB tinha no seu telemóvel (nome do navio, datas de partida e chegada, número do contentor, número do selo, tipo de carga constante do manifesto, nome das firmas exportadora e importadora, relativa a cocaína no valor de milhões de euros e fotos da cocaína aí acondicionada) se este já não estivesse comprometido com o negócio a ponto de beneficiar da “confiança” para esta lhe ser facultada (isto é incontornável e não é naturalmente explicado de modo credível pelo arguido, apesar de instado para o efeito) – atente-se à circunstância e o arguido BB não ter em seu poder apenas informação relativa ao navio em causa, mas também ao “...” cuja chegada a Setúbal ocorreu dia 06.08 (cfr. fls. 416, 423, 440).
Da subsunção.
«Na verdade, como já se evidenciou em sede de motivação, e por mero apelo às regras da experiência, uma vez expedida a cocaína nos termos em que o foi já tinha sido adquirida e assegurado estava o seu levantamento. Na verdade ponderada a qualidade, quantidade e consequentemente o seu valor (milhões de euros) tal não foi deixado ao acaso. E dai os encontros e diligências antes do embarque entre o arguido AA, BB e CC se revelaram essenciais à expedição e consequentemente à importação da cocaína apreendida, determinando que o vendedor – ao combinar um determinado local de desembarque da droga vendida – a conduzi-la até si, fazendo-a assim “transitar”. Tanto basta, em nosso entender, para a consumação do crime pelos identificados arguidos, já que conforme também resulta da factualidade provada a atuação dos arguidos AA, BB e CC preencheu simultaneamente o elemento subjetivo do crime se mostra preenchido, existindo o dolo (mostram-se preenchidos os seus elementos intelectual e volitivo) e na modalidade de dolo direto, nos termos do disposto no artigo 14º, nº 1 do C.P.: age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, atua com intenção de o realizar, e que as condutas dos arguidos são culposas, ou seja, estes são imputáveis e atuaram com consciência da ilicitude.»
O acórdão tem efetivamente aqueles parágrafos na convicção e na subsunção.
Quanto ao primeiro parágrafo, constante da motivação, interpretamos a expressão “comprometido com o negócio” como o compromisso com a tarefa pedida e contratada, e sempre e variadíssimas vezes repisada nos factos, a retirada da cocaína do Porto de Sines em Segurança.
Com efeito a obtenção das informações constantes do telemóvel do arguido BB (nome do navio, datas de partida e chegada, número do contentor, número do selo, tipo de carga constante do manifesto, nome das firmas exportadora e importadora, relativa a cocaína no valor de milhões de euros e fotos da cocaína aí acondicionada), por referência ao vertido no facto 10 só se pode ter como certa em 30 de julho de 2020, quando é certo que o navio Hungary saiu de Salvador da Baía em 14.07.2020.
Quanto ao parágrafo contido na subsunção dos factos trata-se de uma conclusão, não de um facto. E tratando-se de uma conclusão tirada em sede de subsunção será na qualificação jurídica dos factos que sobre ela nos debruçaremos.
Os factos indicados e, nomeadamente, a aposição das datas que deles agora constam, tem como limite, como já deixamos antever, as datas que já constavam da acusação e que constam de outros factos provados, nomeadamente nos factos 13º, 14º, 16, 17 a 19, 20, 34 a 38, pelo que independentemente do que este tribunal vier a decidir sobre essas datas não há qualquer alteração substancial de factos.
Portanto e em conclusão não se verifica nenhuma “alteração substancial dos factos”, pois não há qualquer modificação estrutural dos factos descritos na acusação, de modo que a matéria de facto provada seja diversa, com elementos essenciais de divergência que agravem ou tornem não sustentável a posição processual dos arguidos, nem a nova redação constitui uma surpresa com a qual não poderiam honestamente contar. Não há assim, qualquer facto que se inteire como uma alteração substancial, porquanto a nova redação emerge cristalina dos factos acusados.
As diferenças entre o alegado e o provado não encerram uma alteração substancial, porquanto a redação atual cabe no texto da acusação/pronúncia.
Impõe-se agora a análise da aposição no facto 20 da frase que dele consta, nomeadamente: “(com a coadjuvação do arguido BB, por si e através - e/ou conjuntamente - do arguido CC)”.
O facto contido em 20º dos factos provados, reposta-se ao § 23º da acusação. O § 23 da acusação tinha a seguinte redação:
«No dia 3 de agosto de 2020, os arguidos AA, FF e CC hospedaram-se no hotel “C...”, sito na Travessa ..., em Cascais, com o propósito de controlar todos os pormenores ou dificuldades que surgissem relativos ao sucesso da obtenção da Cocaína retirada do contentor, e posterior transporte da mesma para Espanha, pelos arguidos DD e EE, que só chegariam mais tarde.»
O facto 20º da matéria de facto provada tem a seguinte redação:
« No dia 3 de agosto de 2020, os arguidos AA, FF e CC deslocaram-se para Cascais onde se hospedaram no hotel “C...”, sito na Travessa ... dessa cidade, com o propósito de o arguido AA (com a coadjuvação do arguido BB, por si e através - e/ou conjuntamente - do arguido CC) - controlar todos os pormenores ou dificuldades que surgissem para lograr retirar a cocaína do contentor, e o posterior transporte da mesma.»
Verificamos, assim, do compulsar dos dois factos que a interposição da referida frase decorre de o facto 20º do acórdão ter sido centrado não nos arguidos, AA, FF e CC, como vinha na acusação, mas no arguido AA, da retirada do FF do controlo, e do vincar que o BB coadjuvava no referido controlo por si e através e/ou conjuntamente com o CC. O facto é mais restritivo relativamente ao CC e explicativo relativamente ao BB. Sendo que esta explicação relativamente ao arguido BB decorria quer dos factos posteriores quer dos anteriores nomeadamente os constantes dos parágrafos 9º, 10º, 26º a 30º da acusação, pois, como provado seria o arguido BB quem pagaria ao arguido CC e foi com este que fez o acordo de tudo fazerem para a retirada da cocaína em segurança do porto de chegada.
A mudança na redação do ponto 20º dos factos provados e, nomeadamente, a frase aí inserida entre parêntesis, está contida nos factos a que já fizemos referência, nomeadamente nos §§ 9º, 10º, 26º a 30º da acusação. A nova redação nada acrescenta ao que podia com segurança concluir-se dos factos acusados é, portanto, irrelevante, para efeitos de defesa, apenas tem o mérito de ordenar os factos e de concretizar e lembrar o acordo entre eles também neste facto.
Tanto basta para que se tenha a contestada nova redação por descrição da mesma realidade fática de maneira diferente, sem qualquer relevância para efeitos de defesa.
Assim não se impunha ao tribunal a comunicação a que se faz referência no artigo 358º do CPP, relativamente ao ponto 20º dos factos provados.
Em sede de qualificação jurídica trataremos de averiguar da legitimidade da conclusão retirada pelo Tribunal coletivo em sede de subsunção.
Improcedem as invocadas nulidades, em qualquer das modalidades.
O MP e o arguido/recorrente imputam ao acórdão vários vícios da decisão.
Vejamos.
É consabido que os vícios da decisão são uma das vias de impugnação da matéria de facto, podendo determinar a modificação da factualidade provada e não provada pelo tribunal ad quem ou, em caso de impossibilidade, o reenvio dos autos ao tribunal a quo para novo julgamento [total ou restrito a determinadas questões concretamente identificadas], como decorre da previsão dos arts. 426º e 431º, do citado diploma legal.
De acordo com o disposto no artigo 410º, n.º 2, do CPP, os vícios que podem afetar a decisão são:
a). Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
b). A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.
c). O erro notório na apreciação da prova.
- Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando esta se mostra exígua para fundamentar a solução de direito encontrada, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição. Ou, quando, após o julgamento, os factos colhidos não consentem, quer na sua objetividade, quer na sua subjetividade, dar o ilícito como provado; ou ainda, numa carência de factos que permitam suportar uma decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis e que impede que sobre a matéria de facto seja proferida uma decisão de direito segura.[14]
Há contradição insanável da fundamentação quando, através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável entre os factos provados, entre estes e os não provados, ou entre a fundamentação probatória da matéria de facto. A contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, por sua vez, ocorre quando, também através de um raciocínio lógico, se conclua pela existência de oposição insanável entre os meios de prova indicados na fundamentação como base dos factos provados ou entre a fundamentação e o dispositivo da decisão.[15]
A contradição insanável de fundamentação é um vício ao nível das premissas, determinando a formação defeituosa da conclusão; se as premissas se contradizem, a conclusão logicamente correta é impossível, não passa de mera falácia. Este vício pode ocorrer por contradição entre factos provados, contradição entre factos provados e não provados, contradição entre factos provados e motivos de facto, contradição entre a indicação das provas e os factos provados e contradição entre a indicação das provas e os factos não provados.[16]
Verifica-se o erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta evidente uma conclusão sobre o significado da prova contrária aquela a que o tribunal chegou a respeito de factos relevantes para a decisão de direito[17].
O erro notório é um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura da decisão; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica ou excluindo dela algum facto essencial[18].
Estão em causa, nesta sede, incoerências da própria decisão recorrida e evidenciadas no texto respetivo, por si só, eventualmente com recurso às regras de experiência comum, mas sem recurso a quaisquer elementos estranhos à decisão, circunstância que justifica o seu conhecimento e declaração oficiosos, ainda que o recurso verse unicamente matéria de direito. Pois que também se vem entendendo que a indagação e deteção de tais vícios é exclusivamente matéria de direito, já não assim a sua eventual correção, que implica uma decisão sobre matéria de facto.
Posta a resenha teórica, veremos o que cada recorrente alega em relação a cada um dos vícios e de imediato deliberaremos sobre a sua verificação.
§ 1º. Recorrente MP
O MP imputa à decisão o vicio da contradição entre a matéria provada e respetiva fundamentação e a decisão absolutória (artigo 410ºnº2 al. b), do Código de Processo Penal).
Para tanto argumenta: O tribunal ao manter a posição de considerar por um lado, que o arguido AA faz parte de um grupo de pessoas em Espanha, estruturado e altamente organizado, tendo ele ficado incumbido da vinda a Portugal para tratar de toda a operação de recrutamento para a retirada em segurança da cocaína e seu transporte, mas, por outro lado, como entenderam que, perante tal situação, seria necessário que se demonstrasse um mínimo de contacto entre essa estrutura e o arguido AA, bem como uma qualquer estabilidade ou unidade diferente e transcendente a qualquer um dos arguidos que constitua um “mais” relativamente à coautoria(sic) que entendeu não ter ficado demonstrado, viriam a absolvê-los, incorreu no referido vício.
Vejamos.
O Tribunal, como resulta da matéria de facto provada, não deu como provado qualquer facto no sentido de que o arguido AA “faz parte de um grupo de pessoas em Espanha, estruturado e altamente organizado tendo ficado incumbido ...”
O que está provado é um ponto de facto muito diferente e com implicações substanciais muito distintas: «4. O arguido AA, por solicitação de individuo ou indivíduos não concretamente identificados adquirentes (ou destes representantes) do referido produto estupefaciente foi incumbido de diligenciar em Portugal pelo acesso, no porto de chegada, à cocaína aludida em 3 e do seu transporte para local ou locais não concretamente determinados.»
Basta esta singela compaginação entre o facto que o MP almejaria provado e o facto efetivamente provado para se concluir de imediato que não há qualquer contradição entre a matéria de facto provada, entre esta e a fundamentação ou entre ambas e a decisão, sendo certo que no tempo oportuno trataremos da qualificação jurídica relativamente ao crime de associação criminosa que é a questão que verdadeiramente emerge com relevância.
Improcede nesta parte o vício imputado pelo MP à decisão.
O recorrente CC imputa à decisão vários vícios.
1º. Em primeiro lugar, defende a verificação do vício da contradição insanável da fundamentação – artigo 410º, n.º 2 al. b) - relativamente ao ponto 16 dos factos provados, alínea d) dos factos não provados e fls. 38 do acórdão recorrido.
E argumenta:
- o acórdão recorrido no ponto 16 dos factos provados indica que: “No dia 30 de julho de 2020, o arguido BB foi contactado telefonicamente pelo arguido CC, dizendo-lhe que tinha um recado do «nosso amigo de além», e que «o jantar que tínhamos marcado para o dia 18, é dia 11», porque o «restaurante está fechado dia 18», referindo-se à incumbência aludida em 6.”
- na alínea d) dos factos não provados é indicado que “A embarcação “A... Hungary” tinha chegada prevista inicialmente para o dia 18 de Agosto de 2020, mas esta foi depois antecipada para o dia 11 do mesmo mês.”
- por sua vez, na fundamentação, página 38, é referido que “No que concerne à chegada prevista do navio A... Hungary para o dia 18 e posterior antecipação – apenas e apura quando sai e quando chega – como aliás a informação portuária indica. Se foi percecionado pelos arguidos como 18 e depois se verificou que chegaria a 11, ou se o dia 18 se prenderia apenas com o desalfandegamento propriamente dito, a prova não o permite aferir com segurança.”
E conclui: «simultaneamente, considerou que não foi dado como provado a antecipação da data de chegada do navio A... Hungary, do dia 18 para o dia 11, fundamentando que a prova não permitiu aferir com segurança que os arguidos tenham percecionado que teria alegadamente existido uma alteração ou se o dia 18 seria apenas o dia do desalfandegamento propriamente dito. E questiona, então, como pode o Tribunal “a quo” considerar como provado que a conversação existente entre os arguidos BB e CC no dia 30 de julho de 2020, versava –com plena certeza – sobre a “incumbência aludida em 6”».
Vejamos
Os factos e a motivação.
16. No dia 30 de julho de 2020, o arguido BB foi contactado telefonicamente pelo arguido CC, dizendo-lhe que tinha um recado do «nosso amigo de além», e que «o jantar que tínhamos marcado para o dia 18, é dia 11», porque o «restaurante está fechado dia 18», referindo-se à incumbência aludida em 6.
A alínea d) dos factos não provados: d). A embarcação “A... Hungary” tinha chegada prevista inicialmente para o dia 18 de Agosto de 2020, mas esta foi depois antecipada para o dia 11 do mesmo mês.
A parte da motivação relativamente ao facto não provado: No que concerne à chegada prevista do navio A... Hungary para o dia 18 e posterior antecipação – apenas e apura quando sai e quando chega – como aliás a informação portuária indica. Se foi percecionado pelos arguidos como 18 e depois se verificou que chegaria a 11, ou se o dia 18 se prenderia apenas com o desalfandegamento propriamente dito, a prova não o permite aferir com segurança.
Acontece que o Tribunal deu conta de uma convicção positiva relativamente ao facto provado sob 16, quando explica: Quanto aos factos 13 a 28 a convicção do tribunal assentou nos supra indicados autos de diligência corroborados pelos inspetores da polícia judiciaria e interceções telefónicas constantes do respetivo anexo I.
Como é bom de ver não há qualquer contradição e, ao contrário do que argumenta o recorrente, o que não se apura é se a chegada do navio A... Hungary esteve prevista para o dia 18 e posteriormente foi antecipada. A parte da motivação exposta pelo recorrente diz o que não se apura e enuncia hipóteses para o facto de se mencionar, naquela interceção retratada no facto 16º, a mudança de 18 para 11, sendo que na realidade o navio chegou a 11 e baseado naquela conversa reproduzida em 16 e como decorre do facto 17 «Minutos depois, o arguido BB contactou o arguido GG, dizendo-lhe que o encontro que tinham agendado para as 7 horas, ficava para as 8 horas, e que «aquilo que tínhamos marcado para o dia 18 é no dia 11», obtendo como resposta «melhor», e que falariam presencialmente.». Portanto, pelo menos, uma diferente data terá sido comunicada aos arguidos BB e CC, sem que se saiba quais os propósitos e se os houve.
Não há qualquer contradição entre factos ou entre estes e a motivação.
Improcede, nesta parte o vício arguido.
Para tanto:
- Extrata partes da motivação respeitante ao facto 35, dizendo que consta a fls. 37, e parte da motivação a fls. 38.
Argumenta:
- que o advérbio "designadamente" tem um sentido especificativo e indicativo com que se pretende particularizar algo ou alguém, de entre uma série de elementos indiscriminados de um conjunto, pelo que se depreende, sem margem para dúvidas, que seria tão só e apenas o arguido BB a, alegadamente, teria participado na atividade que envolveu o navio ..., no Porto de Setúbal.
- não obstante, o Tribunal “a quo”, logo de seguida, na página 38, indica que o facto de os arguidos BB e CC terem mudado de alojamento em10 de agosto de 2020, demonstra que ambos teriam ligação aos indivíduos detidos.
- Concluindo que tal é contraditório.
Vejamos.
Os factos em questão:
35. No dia 07.08.2020, os arguidos AA, FF, BB e CC já sabiam da apreensão de cocaína levada a efeito no porto de Setúbal no interior do navio “...”.
36. Na noite do dia 10 de agosto de 2020, os arguidos, BB e CC abandonaram o Hotel “C...”, tendo-se alojado no Hotel “D...”, sito no ..., em Lisboa.
Consta do acórdão, na parte da motivação, enunciada pelo recorrente: No que respeita ao facto 35 ou seja., que os arguidos sabiam 7 de agosto de 2020 que o estupefaciente que se encontrava no navio “...” já se encontrava apreendido, sendo certo como evidenciado supra que os arguidos, designadamente, o arguido BB teria participação nesta atividade, tal é patente da conversa intercetada e transcrita a fls. 35 relativa a esse dia, conversa essa entre o arguido CC e a testemunha RR (que tal conversa e bem assim à sua presença constatada pelos aludidos autos de diligência indicia que seria mais do que uma simples testemunha) onde expressamente este pergunta “foi tudo apanhado?” ao que o arguido responde com alguma exasperação face à clareza do discurso. E se este arguido sabia e também o arguido BB (a quem aquele atribui a culpa do sucedido) ponderada a colaboração com o AA e o contato pessoal que ocorreu com o dito UU, também este ficou a saber.
Consta da mesma motivação, na parte enunciada pelo recorrente: A saída dos arguidos BB e CC do C... e o seu alojamento no Hotel D... no dia 10 de agosto de 2020 – facto 36 - decorre da já indicada vigilância e a tal não terá sido alheio o facto de nesse mesmo dia terem sido publicadas as identificadas notícias no JN e CM que na primeira página identificavam a apreensão da cocaína e a detenção de dois agentes da PSP (é que se no dia 7 já todos sabiam da apreensão dificilmente saberiam das detenções ou pelo menos destas não podiam ter a certeza) – o que também corrobora a ligação de BB e CC aos indivíduos detidos.
Posto isto e analisando.
Atentos os factos e a motivação não se verifica objetivamente qualquer contradição, porquanto o advérbio usado particularizando, embora, o arguido BB por ter sido o que prestou declarações não exclui os restantes. Não sendo de perder de vista que o que ocorreu no navio “...” não estava imputado a estes arguidos, o conhecimento do que aí se passou afigura-se inequívoco, sendo que eles sempre podiam ter acedido a esse conhecimento por meios diferentes da participação do arguido BB e CC, nomeadamente, diretamente ou indiretamente, através da pessoa do UU que esteve hospedado no mesmo hotel no dia 05 de Agosto de 2020 e que conforme os factos 29 a 31 tinha ligações ao arguido AA e também veio a ser detido no âmbito da operação ocorrida no navio “...”.
Acresce que essa parte da motivação não se reflete na matéria de facto provada, é uma excrescência, porquanto uma coisa é saber da apreensão de cocaína levada a efeito no porto de Setúbal, o que está provado, outra bem diferente, fazer parte do referido grupo o que não está em causa nestes autos, nem há prova sobre tal facto, o tribunal expressou uma suspeita. E é dessa conclusão que o recorrente discorda, mas ela não interfere com a matéria factual e sua convicção.
Essa aparente maior amplitude da convicção do tribunal como também aconteceu com a expressão usada “comprometimento com o negócio” a que já fizemos referência na decisão da questão das nulidades § 4º, que interpretamos como deixamos ali exposto, e com a conclusão tirada pelo tribunal em sede de Subsunção dos factos sobre o “fazer transitar”, que vem a reconduzir-se sempre e em último lugar à questão da qualificação jurídica, remetemos para essa mesma questão porquanto nela nos debruçaremos sobre as conclusões do tribunal contestadas pelos recorrentes.
Uma última nota para vincar que o arguido que ficou exasperado com a pergunta da testemunha RR foi o recorrente CC, pelo que o seu conhecimento de outros factos é patente perante a conversa ouvida na interceção e reproduzida na motivação pelo medo que emerge da conversa que a sua atuação pudesse de algum modo ser “colada” ao acontecido naquele navio.
Improcede, assim, o invocado vício.
Reproduz o ponto 10 dos factos provados e argumenta de seguida:
- na página 33 do acórdão recorrido, é indicado que “a versão do arguido BB quando assume que foi o arguido AA quem lhe forneceu os elementos relativos à “mercadoria” ilícita que ficou incumbido de desalfandegar – só assim se justificando os encontros a Norte do país. Destaque-se que todos os ficheiros relevantes contidos no telemóvel de BB, designadamente, as conversações, são em língua espanhola, quer aquelas que respeitam a momento anterior ao embarque da cocaína, quer as posteriores – cfr. fls. 437, 438, 439 – desta última se extraindo que terá sido obtido em ..., onde residia o arguido AA, datando as mensagens aí contidas de 17 de junho de 2020 onde claramente se fala em transporte em contentor, em movimentações nos portos e na eventual “maturação” de alguma coisa - e bem assim as constantes de fs. 413, 414, 415 e 418. E mais, desde março que tais contatos ocorrem –cfr. fls. 911 e ss.”
- O tribunal na sua motivação, indica que fora o próprio arguido BB que assumiu que o arguido AA lhe forneceu os elementos relativos à mercadoria ilícita, não existindo qualquer ligação ao recorrente, arguido CC – algo que é corroborado pela prova documental e testemunhal carreada para os autos, demonstrativo de que nenhum elemento relativo à dita mercadoria foi apreendido na posse deste último – no entanto, em simultâneo, indica que o arguido AA forneceu aos arguidos BB e CC todas as informações relativas ao produto estupefaciente, não explicando qual o raciocínio efetuado para obter tal conclusão.
Vejamos.
Não há objetivamente qualquer contradição entre o facto provado e o motivado na sua totalidade, pois como decorre da restante motivação do tribunal uma coisa é o que o próprio arguido BB assumiu e outra mais alargada - aliás como o próprio tribunal teve ensejo de dizer, ao falar em alijar responsabilidades - o que decorre das suas declarações conjugadas com os restantes elementos de prova anteriormente carreados para os autos, como sejam as interceções transcritas, as vigilâncias, as fotos, das quais resulta, não se pode escamotear, que o recorrente CC dá mostra de estar ao corrente do que se passa, pelo menos do dia 1 de Julho de 2020 em diante. O arguido CC ao participar, no dia 1 de Julho, numa casa de que o BB tinha a disponibilidade, numa tão importante reunião pessoal visando o acesso à cocaína, claramente segundo as regras da experiência comum, atento até o tabu e sigilo que rodeia tudo o que se relaciona com o tráfico de droga nas suas diversificadas etapas, comprometeu-se com a tarefa em causa quer perante o BB, quer perante o AA, o que também resulta dos posteriores encontros e reuniões em que o CC participa com o BB.
Não se verifica, portanto, o apontado vício.
Neste item o recorrente defende que a matéria de facto dada como provada nos pontos 6, 7, 8, 13, 14, 16, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 35, 36 e 37 é insuficiente para a condenação do Recorrente pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes.
Argumenta:
- numa qualquer decisão judicial da matéria de facto deverão constar todos os factos que permitem preencher (no caso disso) os elementos objetivos e subjetivos do tipo incriminador. E sublinha-se que o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre quando a factualidade dada como provada na sentença é insuficiente para fundamentar a solução de direito alcançada, como é o caso em concreto.
- transcreve os pontos da matéria de facto 6, 7, 8, 13, 14, 16, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 35, 36 e 37;
- analisando a pormenorizadamente, os factos provados supramencionados, facilmente se verifica que a ausência de atuação do Recorrente é evidente;
- não se compreende a razão que levou o Tribunal “a quo” a indicar a intervenção do recorrente é de maior relevo do que aquela que teve o arguido FF quando em todas as situações referidas nos factos provados, respeitantes a encontros entre aquele primeiro e o arguido AA (que detinha, segundo o acórdão recorrido, a posição de maior destaque na “cadeia do tráfico”), também o FF esteve presente;
- continua na comparação entre si e o arguido absolvido FF para dizer que ambos tinham o mesmo conhecimento dos factos e atuaram com a mesma subordinação e defender que nenhum praticou atos de execução da tarefa;
- e continua a argumentar, mas agora já colocando em causa ou a insuficiência de motivação ou a falta de prova dos factos provados.
Vejamos.
A acusação, mal ou bem, definiu o objeto do processo. O Tribunal moveu-se dentro dela, como pôde e motivou a decisão com todas as provas reunidas no inquérito que, digamos, são escassas, e fê-lo dentro do que lhe foi proposto, fez a averiguação possível e disso deu conta, nomeadamente com uma extensa alteração não substancial de factos. A questão que o recorrente traz aqui ao tribunal de recurso desdobra-se em duas, uma delas já analisada a alegada insuficiência de fundamentação, não verificada, pois o recorrente vê apenas o que quer ver e descarta o que não quer ver. A outra, a falta de elementos para a sua condenação, que se reconduz ao problema da qualificação jurídica, onde desembocam praticamente todas as questões dos recorrentes BB e CC, que muito brevemente analisaremos.
O Tribunal não deixou matéria inserida no objeto do processo por averiguar, nem o recorrente invoca qualquer facto em falta e cuja averiguação derivasse ou do alegado pela defesa ou acusação ou emergisse da discussão da causa e que importasse para uma solução de direito segura.
Não se verifica o apontado vício.
Argumenta que o tribunal retirou dos pontos 5, 6, 7, 8, 11, 12, 13, 14, 16, 20, 21, 23, 24, 26, 27, 28, 35, 37, 47, 48, dados como factos provados, uma conclusão ilógica, arbitrária e notoriamente violadora das regras da experiência comum, nomeadamente a sua coautoria num crime de tráfico, para concluir que a decisão padece do apontado vício, pois a conduta do recorrente não é punível.
Vejamos.
Mais uma vez, o recorrente reconduz o invocado vicio à questão sempre presente da qualificação jurídica.
Improcede a questão.
§ 1ºConsiderações sobre as condicionantes da apreciação da impugnação da matéria de facto.
Para aferir do mérito da impugnação da decisão da matéria de facto interessa recordar os critérios legais de apreciação da prova e as regras que condicionam a impugnação das decisões em matéria de facto, tendo por base um alegado erro de julgamento.
Decorre do disposto no artigo 428.º, n.º 1, do Código Processo Penal, que as Relações conhecem de facto e de direito, acrescentando-se no artigo 431.º que “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou …”
Como decorre da atas da audiência de julgamento, a prova produzida foi documentada em obediência ao disposto no art. 363º do Código Processo Penal. O poder de cognição deste Tribunal está confinado aos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, com as especificações estatuídas no art. 412º n.º 3 e 4 do CPP.
Dispõe o art. 412º n.º 3, do Código Processo Penal, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
E o n.º 4: quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, (…) devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.
Daqui decorre que para proceder à revisão da factualidade apurada em julgamento, deve o recorrente indicar os factos impugnados, a prova de que se pretende fazer valer, nos termos do n.º 4 do artigo 412º do CPP identificando ainda o vício revelado pelo julgador aquando da sua motivação na livre apreciação da prova.
Por outro lado, “o reexame da matéria de facto pelo tribunal de recurso não constitui, salvo os casos de renovação da prova (art. 430.º do CPP) uma nova ou suplementar audiência, de e para produção e apreciação de prova, sendo antes uma atividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida sobre a matéria de facto, rigorosamente delimitada pela lei aos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e ao reexame das provas que sustentam esse entendimento – art. 412.º, n.º 3, als. a) e b), do CPP. O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2.ª instância, dirigindo-se somente ao reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos em recurso e às provas que impõem decisão diversa, indicadas pelo recorrente, e não a todas as provas produzidas na audiência.[19]”[20]
Portanto, não há dúvidas que o referido reexame está sujeito aos ónus de impugnação que consistem na indicação dos pontos de facto que o recorrente entende erradamente julgados e na indicação de provas que sustentem esse entendimento e que imponham uma diversa decisão.
Por isso também se vem entendendo que esta possibilidade de sindicância de matéria de facto sofre quatro tipo de limitações:
«- uma limitação decorrente da necessidade de observância por parte do recorrente de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta delimitação precisa e concretizada dos pontos da matéria de facto controvertidos, que o recorrente considera incorretamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorretamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignada na ata, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso;
- a nível do poder cognitivo do tribunal de recurso, temos a limitação decorrente da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, a não vivência do julgamento, sede do contraditório, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;
- há limites à pretendida reponderação de facto, já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento integral, mas antes um reexame necessariamente segmentado, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo;
- e a reapreciação só pode determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam uma outra decisão.[21]»
Com efeito, e de encontro às referidas limitações, muito embora, de harmonia com o disposto no artigo 127.º, o tribunal seja livre na formação da sua convicção, esta liberdade de apreciação das provas não tem carácter arbitrário, pois está vinculada às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado, estando ainda sujeito aos princípios estruturantes do processo penal, como o da legalidade das provas e do in dubio pro reo.
Deste último, enquanto emanação da injunção constitucional da presunção da inocência do arguido, na vertente de prova (32.º, n.º 2, da Constituição), decorre que o ónus probatório cabe a quem acusa e que em caso de dúvida, séria, razoável, objetiva e insanável, relativamente aos factos que consubstanciam a prática de um crime pelo arguido, deve tal dúvida ser resolvida a favor deste.
Assim e para além da violação das provas subtraídas à livre apreciação do julgador, ou da violação dos referidos princípios, o juízo decisório da matéria de facto só é suscetível de ser alterado, em sede de recurso, quando a racionalidade do julgamento da matéria de facto corresponda, de um modo objetivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida.
Um entendimento diferente deste obrigaria este tribunal de recurso a ouvir toda a prova gravada relativamente aos depoimentos e declarações mencionados sem balizamento fornecido pelo recorrente, para aquilatar da pretensão do recorrente e da razoabilidade do decidido, o que é frontalmente vedado pelas disposições que estabelecem os ónus de impugnação e que têm na sua base razões de economia de meios e de tempo e razões que se prendem com o facto de o tribunal de recurso não ter realizado o julgamento e lhe faltarem, como se escreveu no citado acórdão do STJ de 25.03.2010, a oralidade e a imediação com as provas produzidas em audiência, a não vivência do julgamento, sede do contraditório.
Seria[22] pretensão do M.P. Impugnar a matéria de facto não provada.
Provavelmente, é o que se deduz da matéria de facto que pretende ver provada, 30 pontos descritos do seu recurso, vide por facilidade a conclusão 110, e que se inteiram em quase todos os pontos da matéria de facto não provada e outros de matéria que não estava alegada na acusação, ou que não estava alegada daquela forma, com aditamento de outros factos, servem de exemplo os pontos iv., v., ix., xi, xviii., xx., xxi., xxii., xxiv., xxvii., do seu recurso e que pretende ver provados.
Para tanto, no essencial defende que o Tribunal cometeu um erro de julgamento precisamente por não saber relevar e conjugar todas as provas produzidas em julgamento.
E “designadamente não considerou- como deveria – ainda que as tivesse valorado, os depoimentos dos Senhores Inspetores policias que efetuaram todas as diligências aos arguidos atinentes”.
Para além das próprias declarações dos arguidos e particularmente das contradições dos mesmos que decidiram falar em sede de julgamento e de primeiro interrogatório, principalmente o arguido AA.
Das vigilâncias efetuadas pela polícia em solo português e na zona raiana, próxima da Galiza/Espanha, na zona raiana com Espanha, como seja a localidade de Valença e sobretudo do encontro entre os arguidos espanhóis AA, FF BB, CC e outros indivíduos de nacionalidade espanhola...
Menciona o referenciado pelo Inspetor-Chefe JJ sem que diga o dia e minuto da gravação relevante para qualquer efeito.
Alega uma contradição entre matéria de facto provada e não provada.
Enumera as vigilâncias efetuadas e algumas provas obtidas pela PJ durante o período curto da investigação e faz considerações genéricas sem rumo ou alvo certo, sobre a prova ou sobre o tribunal, como aliás decorre das conclusões.
Vejamos.
1.-
Posto isto, a falta de cumprimento dos ónus[23] oneravam o MP, na veste do Recorrente é manifesta.
Concretizando. Em virtude do que anteriormente referimos e dado que o, ora, recorrente MP mistura factos não provados com outros factos não alegados ou parcialmente não alegados que gostaria de ver provados para servir o propósito da acusação, entendemos que o MP não cumpriu o ónus de indicar “os concretos pontos de facto que considera erradamente julgados”.
E se isto é assim para a indicação dos pontos que pretenderia impugnar, mais clamorosa é a ainda a ineptidão do recurso - quer nas conclusões quer na motivação - relativamente à indicação das provas que impõem decisão diversa.
Com efeito, além de generalidades sobre regras da experiência e associações criminosas e vigilâncias da PJ e outras provas reunidas que traduzem suspeitas e indícios, não só não indicou qualquer segmento - nos termos legalmente previstos do artigo 412º, n.º4, do CPP - das declarações dos arguidos ou dos depoimento dos inspetores da PJ, como fez apreciações meramente genéricas sem indexar qualquer prova a qualquer ponto de facto dos pretendidos impugnar e sem indicar a razão pela qual o tribunal errou em termos factuais e a razão pela qual as provas impõem decisão diversa.
Impõe-se referir que o Tribunal Constitucional ao procurar analisar os vários preceitos legais que consagram ónus processuais, quer se a consagração desses ónus se reveste de alguma utilidade, não redundando em mero formalismo, quer se, por outro lado, o cumprimento de tais ónus se não reveste de excessiva dificuldade para as partes, concluiu que a consagração desses ónus se reveste de utilidade, não meramente formal, e que o cumprimento de tais ónus se não reveste de excessiva dificuldade, entendendo consequentemente, aquele tribunal, que não resulta violado o direito de acesso aos tribunais ou o princípio da proporcionalidade.
No caso concreto, esta conclusão do TC é ainda mais relevante, porquanto o MP assistiu aos dois julgamentos que foram realizados e ser-lhe-ia de certa maneira leve e fácil, por ter a prova fresca e vista, cumprir tais ónus.
As conclusões de uma alegação de recurso mais não são – mais não devem ser – que uma colaboração do recorrente na melhor formulação do problema jurídico, assegurando em última instância, a defesa de direitos e a objetividade da sua realização[24].
As menções a que aludem as alíneas a), b) e c) do n.º 3 e o n.º 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal não traduzem um ónus de natureza puramente secundária ou formal que sobre o recorrente impende, antes em íntima conexão com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. É o próprio ónus de impugnação da decisão da matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de uma forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão proferida sobre a matéria de facto.
O Tribunal Constitucional – Acórdão do TC nº 140/2004, de 04.03.2004, aqui seguido de perto - vem referindo repetidamente que os princípios constitucionais do acesso ao direito e do direito ao recurso não implicam que aos recorrentes deva ser facultada oportunidade para aperfeiçoar, em termos substanciais, a própria motivação do recurso deduzido quanto à matéria de facto, quando seja manifesto, pelo teor da motivação apresentada, que a impugnação deduzida não se mostra fundamentada, sendo manifestamente inviável. Por outro lado, também vem entendendo aquele tribunal que do artigo 20º, nº 1, da Constituição não decorre, um genérico direito à obtenção de um despacho/convite de aperfeiçoamento.
2.-
Acresce ainda o seguinte sobre os erros imputados ao acórdão, pelo MP.
Ao contrário do que o recorrente MP pretende o Tribunal a quo não provou os factos relativos à associação criminosa “só porque não foi descoberto, em Espanha Galiza, a identidade do seu ou dos seus chefes!”; nem só, nem também, pois o tribunal escreveu expressamente na motivação da sua decisão:
«No que respeita à factualidade não provada esta não colhe junto da prova produzida, vigilância externas, interceções telefónicas ou, testemunhas, suficiente sustentação.
Apesar da atividade de tráfico aqui em questão configurar importação/transporte de estupefaciente a concreta atividade apurada e consequente prova não permitiu ir além da contratação quer do AA, quer dos demais para o serviço em causa pelas razões já expostas para o que se remete.
No que concerne à chegada prevista do navio A... Hungary para o dia 18 e posterior antecipação – apenas e apura quando sai e quando chega – como aliás a informação portuária indica. Se foi percecionado pelos arguidos como 18 e depois se verificou que chegaria a 11, ou se o dia 18 se prenderia apenas com o desalfandegamento propriamente dito, a prova não o permite aferir com segurança.
A remuneração do arguido BB apurada é aquela que resultou provada e assim não se logrou provar que seria 2,5% do valor da cocaína.
Nada permite concluir pelo contato direto entre os arguidos CC e GG.
A intervenção apurada e relativa ao arguido FF cinge-se exclusivamente à condução do arguido AA e à perceção do que se passava nos termos expostos. E sendo alegadamente amigo e próximo deste (o que não se provando os elementos probatórios também não o contrariam) é também tal realidade insuficiente para o seu comprometimento com a factualidade que lhe é imputada.
A ida de UU ao hotel ocorreu nas circunstâncias já supra evidenciadas e não para que AA lograsse uma solução diversa daquela que lhe apresentara o arguido BB.
(...)
A testemunha NN negou ter tido qualquer conversa sobre portos com os arguidos AA e EE.
E a participação de EE e DD cinge-se à estadia no hotel de Cascais nos dias que antecederam a detenção daqui nada se podendo concluir.»
E escreve na subsunção, com relevância para esta questão:
«Ora não tendo resultado provada nos termos expostos a factualidade essencial (ainda que genérica (se não conclusiva)) a este nível enunciada na acusação/pronúncia, a assente não permite integrar os seus elementos objetivos.
Relativamente ao arguido AA apenas foi possível determinar que lhe foi solicitado pelos adquirentes da cocaína ou destes representantes que em Portugal diligenciasse por lograr desalfandegar o estupefaciente em questão e pelo seu posterior transporte. Esta foi a única factualidade provada que permitiu “ligar” a atuação deste arguido ao embarque da cocaína.
Por outro lado, e quanto aos arguidos BB e CC estes foram os contatados por aqueles para providenciar pelo acesso ao Porto onde o estupefaciente chegaria e bem assim pela sua retirada.
Já relativamente ao arguido FF apenas podemos concluir que sabia de tudo, sem descortinar qualquer outra atividade concreta que não fosse conduzir habitualmente o arguido AA.
Quantos aos arguidos GG e HH, sabemos que foram pelo arguido BB contatados para a retirada do estupefaciente do porto.
E quanto aos irmãos ... assente resulta que se hospedaram no hoel em Cascais nas apontadas datas e que EE acompanhou AA a Sines onde o primeiro abordou a testemunha NN.
No que concerne ao arguido AA, por um lado, e aos arguidos BB e CC por outro, porquanto foram eles quem foram surpreendidos no terreno e quem levou a cabo as operações próximas do objeto do ilícito não eram naturalmente os donos da cocaína – e isto decorre das mais primárias regras da experiência no que tange ao tipo de ilícito em questão quando é certo que está em causa uma grande quantidade de estupefaciente e por mero apelo ao seu valor estimado.
E se é certo que uma operação como a dos autos importa organização (humana e material), mas não perdendo de vista que estamos em pleno séc. XXI, num mundo profundamente globalizado, em que a forma de “ligar” continentes e colher colaboradores entre locais distantes está amplamente facilitada a enunciada factualidade revela-se insuficiente para o efeito – precisamente porque não permite (mesmo por apelo às regras da experiência) descortinar uma qualquer estabilidade ou unidade diferente e transcendente a qualquer um dos arguidos que constitua um “mais” relativamente à coautoria.»
Por mais que o recorrente MP esgrima toda a prova constante do inquérito, que tivemos oportunidade de ler na íntegra, o certo é que a mesma não demonstra nada mais do que o tribunal demonstra nas asserções que antecedem.
As movimentações espelhadas nas várias diligências do inquérito estão espelhadas nos factos provados e claramente não permitem ir além do que o tribunal refere.
E o MP conformou-se, tanto quanto conseguimos interpretar da confusa motivação que apresenta, com o provado sob 4, que tem o seguinte teor: «4. O arguido AA, por solicitação de individuo ou indivíduos não concretamente identificados adquirentes (ou destes representantes) do referido produto estupefaciente foi incumbido de diligenciar em Portugal pelo acesso no porto de chegada à cocaína aludida em 3 e do seu transporte para local ou locais não concretamente determinados.» pelo que esta conformação é um sintoma da confusão reinante na motivação.
No que concerne à propalada logística o MP não a discrimina no respeitante aos arguidos em julgamento. Os factos de Setúbal do dia 06.08.2020, não estão aqui em julgamento, portanto de nada servem para o efeito, embora, aparentemente, dadas as escutas, o conteúdo do telemóvel do arguido BB e a estada do UU no Hotel em Cascais [quarto 401, fls. 184], aquela operação não fosse estranha aos arguidos destes autos.
Por outro lado, ainda quanto à “Grande logística” e alegada retificação da data de chegada do navio porta-contentores - que já nem sequer consta da matéria de facto provada, veja-se a redação do ponto 3 dos factos provados - de modo algum pode ser identificada com os factos subjacentes ao Acórdão do TRL esgrimido na motivação do tribunal, pois o argumento do MP na sua motivação de que “A apurada (logística e retificação da data da chegada) do navio porta contentores, … significa uma orientação e controle a distância por outros” é de todo desprovido de realidade, dado que nem sequer está em causa qualquer retificação de chegada do navio [veja-se o facto não provado sob o ponto d)], sendo certo que a cocaína que transitou no navio e que foi apreendida pela PJ no Porto de Sines, viajou em navio comercial, por isso não se compreende o que o recorrente, MP, pretende dizer com a ação típica de “Cartel, que nuca confiaria o transporte de tão valiosa quantidade de cocaína a pessoas “externas à associação, num outsourcing - que poderia permitir o roubo do produtos por um “Cartel rival, - a qualquer pessoa que não fizesse parte integrante da associação…”.
Os acórdãos do STJ e do TRL citados, que disso tratam que também vimos e analisamos têm factos muitos diversos dos que estão em julgamento, com uma atuação dos arguidos bem delineada e descrita a permitir aquelas conclusões[25].
A acusação entendia na sua visão necessariamente limitada pelas provas existentes até então que, a já ultrapassada mas ainda propalada alteração da data de chegada de cocaína, era congruente com uma alteração na data de chegada do navio que trazia o respetivo contentor, mas depois de obtidos a pedido dos arguido AA, sem oposição dos restantes arguidos, os documentos de fls. 1709 a 1729, veio a apurar-se que assim não era, visto que o navio A... Hungary saiu do Porto de Salvador da Baía no dia 14.07.2020 e sendo atualmente anunciado pelo armador um tempo de trânsito de aproximadamente 27 dias o navio chegou um dia depois, do tempo de trânsito informado.
A imagem com o tracking do navio “A... Hungary” que constava do telemóvel apreendido ao arguido BB – fls. 445v e fls. 437 - não permite a ideia de controlo da viagem da cocaína, atento o conteúdo lícito do mesmo contentor. Com efeito, como é do conhecimento generalizado atual e hodierno, o facto de o telemóvel do recorrente BB possuir o tracking à rota do navio, significa ou pode significar o interesse na informação da progressão da viagem do navio, mas não significa que o BB pudesse interferir, ou mesmo que os mandantes pudessem interferir, na viagem; apenas que o BB poderia, quando muito, como acontece com a normalidade das pessoas quando faz uma encomenda via internet, informar-se sobre a progressão da viagem, onde se encontra “a encomenda” e a data provável da entrega. O rastreamento da viagem do navio Hungary, através do tracking, no entanto, aparentemente[26], terá sido feita por alguém diferente do BB, visto que ele através do CC, recebe recado do nosso amigo de além, a 30 de julho, a dizer, em linguagem cifrada, que o agendado para 18 fica para 11.
Também não corresponde à realidade o que consta da conclusão 43 do recurso do MP, nomeadamente que “logo que foi detido o aqui principal arguido AA teve como tarefa imediata bloquear o seu telemóvel (encriptando-o)”, pois o que decorre, nomeadamente de fls. 627, 627 vº e 628 é que não foi possível aceder ao conteúdo dos três telemóveis apreendidos ao AA por estes se encontrarem protegidos por código de bloqueio de ecrã. E segundo fls. 1035 “não foi possível aceder ao telemóvel do AA e …, por o aparelho estar bloqueado e, ao contrário dos arguidos portugueses, aquele(s) arguido(s) não forneceu(ram) à polícia o respetivo código de bloqueio.”.
O telemóvel do AA estava tão bloqueado como estaria qualquer outro desta geração, por se encontrar protegido por código de bloqueio do ecrã, segundo as imagens de fls. 627v., igual ao de muitos outros cidadãos na atualidade ou por exigir um deslizar do dedo do seu usuário para cima, atenta a foto de fls. 627. Coisa diversa é a sua estrutura e conteúdo encriptado e a impossibilidade de acesso ao mesmo por peritos em tal matéria, que do compulsar da motivação ocorreria e foi levado em conta pelo tribunal do julgamento.
O MP, na veste de recorrente, não conecta nenhuma prova angariada nos autos, que pudesse conceber como indiciária relativamente aos factos que pretende ver provados, com algum deles em concreto. E claramente confunde suspeitas com provas.
Consequentemente além de o Recorrente MP não ter cumprido os ónus que lhe são legalmente impostos para a impugnação da matéria de facto, como já referimos, também as suas notas mais enfatizastes em termos de prova documental não têm qualquer consistência real e as restantes não permitem que se saia do caldeirão onde se mete a comparticipação, sendo certo que a esmagadora parte da prova mencionada já se encontra devidamente escalpelizada na matéria de facto, nos pontos que tratam dos diversos encontros, das diversas deslocações e das diversas conversas havidas entre os arguidos e do conteúdo das vigilâncias efetuadas e desses factos não se pode retirar que os arguidos acordaram aderir a uma associação criminosa e muito menos fundar uma.
Conclusão, esta questão é clara e manifestamente improcedente, relativamente ao recurso do MP.
§ 3º Erro de julgamento invocado pelo Recorrente BB relativamente aos factos provados sob os pontos 5, 8, 9 10 quanto às datas que ali constam e 20.
Argumenta o recorrente nos seguintes moldes:
- não foi produzida qualquer prova que sustente que, o facto provado n° 5 ocorreu no dia 1 de julho de 2020; que o facto provado n° 8 ocorreu em 1 e 14 de julho de 2020 e entre 7 e 11 de agosto de 2020; que o facto provado no n° 9 ocorreu entre 1 de julho e 14 de julho de 2020; que o facto provado n° 10 ocorreu entre 1 de julho e 30 de julho de 2020; e que o Recorrente tenha coadjuvado o Arguido AA, conforme consta do facto provado n° 20.
- facto provado n° 8 contém uma contradição manifesta e mostra-se profundamente ilógico. O Arguido não impugna o facto em si, que sempre confessou: "ambos concordaram em conjugar esforços para tudo fazerem para conseguir levar a cabo a tarefa" do desalfandegamento da droga. Mas é um contrassenso que esse acordo tenha ocorrido no dia 1 de julho, e mais uma vez no dia 14 de julho e mais não se saiba quantas vezes entre os dias 7 e 11 de agosto de 2020.
- A concretização destas datas só pode ter como explicação uma colagem aos dias em que estão comprovados nos autos contactos entre os arguidos. Como nada se provou acerca do conteúdo desses contactos, optou-se por ficcionar que se destinaram a concretizar aquele acordo. O que, sendo ilógico, alcança o absurdo de os Arguidos terem reunido "para conjugar esforços" para desalfandegar a droga num dia (11 de agosto) em que esta já estava apreendida e os arguidos foram presos!
- Nenhum dos elementos de prova invocados pelo acórdão recorrido permite localizar no tempo os factos a que se alude, muito menos datá-los de antes do dia da partida do barco que transportava a droga (14 de julho de 2020).
- E não se diga que a fotografia de fls 437 o permite fazer. Essa fotografia, onde se vê a inscrição "Cascais 7 de julho" reproduz a imagem da mesma ficha contida na fotografia de fls 432, onde se vê a inscrição “... 22 de julho". A admitir-se que o Arguido tenha fotografado, naqueles dois dias (7 e 22 de julho) a imagem daquela ficha contida num telemóvel pertencente a alguém não identificado, fica demonstrado que, no dia 7 de julho a droga, dissimulada na fruta que viria a ser apreendida, já estava acondicionada no contentor aí identificado e que já estava entregue, com indicação expressa do navio que a iria transportar e da respetiva viagem.
- Como consta daquela ficha, o navio seria o HUNGARY e a viagem seria a .... Precisamente o navio e a viagem do transporte da droga, conforme se pode verificar, por exemplo, no "bill of landing” copiado a fls. 257 dos autos.
- a única prova que permite concluir que o Recorrente tinha conhecimento do navio que transportava a droga (a receção"' daquela ficha nos dias 7 e 22 de julho) demonstra que essa informação lhe foi transmitida quando o transporte estava decidido e em curso.
- Não demonstra, de modo algum, que, antes dessa data o Arguido já tivesse acordado o que se descreve no facto provado n° 8.
- Nem, muito menos, que já tivesse desenvolvido as diligências descritas no facto provado n° 9.
- E fica sempre por explicar por que razão, no dia 22 de julho - ou seja, sete dias depois de o navio HUNGARY ter iniciado a viagem ... o Arguido teria colhido, uma vez mais, uma fotografia de que já dispunha desde o anterior dia 7 de julho.
- Ao inserir as datas que inseriu nos factos provados nos 5, 8, 9 e 10 sem qualquer elemento de prova que permita estabelecer a respetiva cronologia, o Tribunal julgou incorretamente tais factos, que devem ser julgados não provados.
Vejamos.
Damos aqui por reproduzidas as considerações efetuadas no parágrafo 1º desta questão global da impugnação da matéria de facto.
Quanto ao facto 5º com a seguinte redação: «Para o efeito o arguido AA, em data não concretamente determinada, mas, pelo menos, a 1 de julho de 2020 travou conhecimento com o arguido BB e abordou-o no sentido de este providenciar pelo acesso ao contentor referido de 1 a 3, designadamente, através do recrutamento de pessoa ou pessoas capazes de facultar a retirada em segurança do identificado estupefaciente do porto onde chegaria.
Perante a prova que consta a fls. 50 a 55 dos autos, a data aposta neste ponto da matéria de facto não oferece dúvidas, porquanto foi nesse dia, como decorre do ponto 13º da matéria de facto provada que ocorreu o 1ª encontro pessoal provado entre os arguidos AA BB e CC, o que conjugado com as regras da experiência é prudente e razoável que se dê por provado, sendo certo que de acordo com elementos dos autos haveria já contactos de outra índole não pessoais, desde datas anteriores.
Não há qualquer prova que imponha decisão diversa em relação a este ponto 5º.
Quanto aos factos 8º, 9º e 10º têm eles a seguinte redação:
8º «O arguido BB, por sua vez, em 1 de julho de 2020, 14 de julho de 2020 e entre 7 e 11 de agosto de 2023 fez-se acompanhar do arguido CC, amigo de confiança e sabedor dos factos descritos de 1 a 6, concordando ambos em conjugar esforços para tudo fazerem para conseguir levar a cabo a tarefa, com a promessa de este ser recompensado pelo primeiro arguido (BB) em quantia monetária de montante não concretamente determinado.»
9º «Em execução do supra acordado, o arguido BB, em data não concretamente determinada, mas seguramente entre 1 de julho de 2020 e 14 de julho de 2020 diligenciou junto do arguido GG, que por sua vez contatou o arguido HH tendo este último assegurado que tinha forma de retirar sigilosamente e em segurança a droga do contentor que viesse a ser indicado e que chegasse aos portos de Sines, Setúbal ou Leixões, a troco de dinheiro para si (arguido HH) e para a pessoa que iria tratar da tarefa.»
10º «O arguido BB, em data não concretamente determinada, mas seguramente entre 1 de julho de 2020 e 30 de julho de 2020 transmitiu ao arguido AA que estava tudo tratado e recebida esta informação este último forneceu aos arguidos BB e CC as informações necessárias: nome do navio, datas de partida e chegada, número do contentor, número do selo, tipo de carga constante do manifesto, nome das firmas exportadora e importadora, quantidade de cocaína.
Quanto ao ponto 8º. Como diz o recorrente o âmago do ponto 8º da matéria de facto é por si confessado e as datas que aí constam estão nos autos documentadas como datas de encontros descritos nos factos provados, nomeadamente nos pontos 13º, 14º, 34º a 38º que não foram impugnados e a não ser que os factos aqui em causa tivessem ocorrido antes de 1 de Julho que é o de que realmente não temos prova, todos eles ocorreram entre 01 de Julho e 30 de Julho, atento o que está provado em 16 a 19 e a lógica da sequência de factos e a normalidade do acontecer.
O que sabemos sobre o acordo para a conjugação de esforços entre o BB e o CC no sentido de tudo fazerem para conseguir levar a cabo a tarefa, com a promessa de o arguido CC ser recompensado pelo primeiro, arguido (BB) em quantia monetária de montante não concretamente determinado, ocorreu segundo a normalidade das coisas, pelo menos na primeira data em que se encontram pessoalmente com o AA e outros indivíduos, como decorre das fotos do encontro, pois se o CC não se tivesse já comprometido com a tarefa não teria sido chamado ao encontro, para mais numa moradia utilizada pelo arguido BB onde se discutiam questões do foro criminal e sigilosas quando, como se sabe, em Portugal e, ao que cremos, no resto do mundo, tudo o que diga respeito ao tráfico de droga é “tabu”. O mesmo raciocínio se aplica ao BB relativamente ao AA e à tarefa de retirar em segurança a cocaína do Porto de Sines.
Quanto ao facto 9º. O compromisso do arguido BB com a tarefa proposta - que seria sempre e só a tarefa, porque de mais nada há prova de aceitação pela banda dos arguidos – implicava também que ele diligenciasse junto de alguém [que veio a ser o arguido GG que por sua vez contactou o HH] para que de forma sigilosa e em segurança fosse retirada a cocaína do contentor que viesse a ser indicado do porto onde viesse a chegar, Sines Setúbal ou Leixões, tudo a troco de dinheiro. Ora, segundo o raciocínio que o tribunal do julgamento fez, e que está certo, tal diligência e asseguramento de que havia maneira de retirar de forma sigilosa e em segurança a droga do contentor, no porto de chegada, tinha de ocorrer, manifestamente e segundo as regras da experiência comum, antes da partida do navio Hungary do Porto de Salvador da Baía a 14 de julho de 2020, por outro compromisso não fazer sentido na economia da operação para os seus mandantes que estariam direta ou indiretamente em contacto com arguido/recorrente AA, pelo que se manterá a redação do ponto 9º.
Quanto ao facto 10º, aplicando o mesmo raciocínio, as mesmas regras da experiência e a mesma economia da operação para os mandantes que referimos anteriormente relativamente aos dois factos, não faz sentido, e seria até contraditório com o que anteriormente dissemos e provamos, que o BB só viesse a transmitir ao AA que estava tudo tratado numa data não concretamente determinada entre 1 de julho de 2020 e 30 de Julho de 2020, quando o navio saiu a 14 de julho, portanto a comunicação do BB ao AA que estava tudo tratado tinha também de ocorrer o mais tardar até este dia 14 de Julho de 2020.
Com efeito, como consta da motivação, e da prova, «a conversa telefónica intercetada a 13 de julho de 2020 entre os arguidos BB e CC em que o primeiro confidencia com o segundo que um “XX” (não sendo de afastar que possa ser o referido XX) lhe ligou e “tá desconfiado como é que há amizade para isto, percebes”, acrescentando para o caso de o tal XX ligar ao arguido CC este dizer “o BB já esteve a confirmar, os papeis estão todos direitos, percebes?”».
Ora já nessa altura tinha ocorrido a 1 de julho o encontro pessoal entre estes arguidos e AA e nesta mesma conversa de 13 de julho tratam da ida a Valença no dia seguinte 14.07.2020 onde se encontrarão de novo com o AA, sendo que o dia 14 de Julho é também a data de saída do navio contendor com a cocaína do Porto de Salvador da Baía.
Em 30 de julho consoante a matéria de facto provada constante do ponto 16º há prova nos autos do conhecimento nesse dia 30 de Julho de que o navio Hungary chegaria a 11.08.2020, estando os arguidos BB e CC já perfeitamente cientes de que o navio estava em viagem, atento o modo como o comunicaram, e, mais, como o BB seguidamente contacta o GG e lhe comunica esse facto: “aquilo que tínhamos marcado para o dia 18 é no dia 11”, ver factos 17 a 19. Portanto há que escalonar as datas de acordo com o que o tribunal encetou e a progressividade da chegada aos Portugueses da informação que daqui se retira. E nesse sentido é absolutamente esclarecedor o que consta a fls. 437 dos autos.
Acresce que os documentos esgrimidos pelo recorrente não impõem qualquer alteração no sentido do propugnado pelo recorrente, sendo que o tribunal do julgamento na sua motivação diz: “Destaque-se que todos os ficheiros relevantes contidos no telemóvel de BB, designadamente, as conversações, são em língua espanhola, quer aquelas que respeitam a momento anterior ao embarque da cocaína, quer as posteriores – cfr. fls. 437, 438, 439 – desta última se extraindo que terá sido obtido em ..., onde residia o arguido AA, datando as mensagens aí contidas de 17 de junho de 2020 onde claramente se fala em transporte em contentor, em movimentações nos portos e na eventual “maturação” de alguma coisa - e bem assim as constantes de fs. 413, 414, 415 e 418. E mais, desde março que tais contatos ocorrem – cfr. fls. 911 e ss.”. E de acordo com as buscas e apreensões efetuadas nos autos, é ao BB que é apreendida a informação relevante e, muito especialmente, o que consta do ponto da matéria de facto provada 46, III e, especialmente, VII, que sustenta e corrobora a restante prova produzida.
Por outro lado,
Como é consabido, os limites da liberdade de valoração da prova no âmbito penal são os da lógica e da razão, as regras da experiência e os conhecimentos técnicos e científicos.
Por tudo isto, atentos os já referidos factos não impugnados e as regas da experiência impõe-se-nos, que se dê por provado datas em harmonia umas com as outras, atentas as regras da experiência humana comum e a normalidade do acontecer, a lógica da sucessão dos factos, de acordo com as regas da experiência que o próprio tribunal esgrimiu, assim, os pontos 8º e 10º da matéria de facto provada passarão a ter a seguinte redação:
Facto 8º nova redação: « O arguido BB, por sua vez, em 1 de julho de 2020, 14 de julho de 2020 e entre 7 e 11 de agosto de 2020 fez-se acompanhar do arguido CC, amigo de confiança e sabedor dos factos descritos de 1 a 6, sendo que em data não concretamente determinada mas seguramente em 1 de julho de 2020, concordaram ambos em conjugar esforços no sentido de tudo fazerem para conseguir levar a cabo a tarefa, com a promessa de este ser recompensado pelo primeiro arguido (BB) em quantia monetária de montante não concretamente determinado.»
Facto 9º redação mantida: «9. Em execução do supra acordado, o arguido BB, em data não concretamente determinada, mas seguramente entre 1 de julho de 2020 e 14 de julho de 2020, diligenciou junto do arguido GG, que por sua vez contatou o arguido HH tendo este último assegurado que tinha forma de retirar sigilosamente e em segurança a droga do contentor que viesse a ser indicado e que chegasse aos portos de Sines, Setúbal ou Leixões, a troco de dinheiro para si (arguido HH) e para a pessoa que iria tratar da tarefa.»
Facto 10º nova redação: 10. O arguido BB, em data não concretamente determinada, mas seguramente entre 1 de julho de 2020 e nunca depois de 14 de julho transmitiu ao arguido AA que estava tudo tratado e recebida esta informação este último forneceu aos arguidos BB e CC, pelo menos entre o dia 14 de Julho e 30 de julho de 2020, as informações necessárias: nome do navio, datas de partida e chegada, número do contentor, número do selo, tipo de carga constante do manifesto, nome das firmas exportadora e importadora, quantidade de cocaína.
A alteração que operamos na redação dos factos 8º e 10º está contida dentro das datas que já vinham apuradas da primeira instância e sobre as quais já havia sido cumprido o artigo 358º do CPP, são alteradas na sequência do invocado pelo arguido/recorrente e, portanto, da sua defesa e são mera concretização mais específica por factos, contidos dentro do mesmo facto, e dentro das mesmas datas, do que já lá constava. Assim, não há que fazer qualquer comunicação ao abrigo do art. 424º, n.º 3 do CPP.
Quanto ao ponto 20 da matéria de facto provada, tem ele a seguinte redação: 20. No dia 3 de agosto de 2020, os arguidos AA, FF e CC deslocaram-se para Cascais onde se hospedaram no hotel “C...”, sito na Travessa ... dessa cidade, com o propósito de o arguido AA (com a coadjuvação do arguido BB, por si e através - e/ou conjuntamente - do arguido CC) - controlar todos os pormenores ou dificuldades que surgissem para lograr retirar a cocaína do contentor, e o posterior transporte da mesma.
Relativamente a este ponto da matéria de facto nada foi argumentado, sendo certo que da questão da revelia ao artigo 358º do CPP, já nos pronunciamos na pertinente questão, para cuja argumentação, que então desenvolvemos, agora remetemos.
Não há qualquer prova que imponha decisão diversa relativamente a este último ponto.
Esta questão procede, parcialmente com a alteração de redação da matéria de facto como deixamos exposto relativamente aos pontos 8º e 10º da matéria de facto provada.
Argumenta o recorrente nos seguintes moldes:
- Os pontos 1 a 46 são individual e especificadamente impugnados por se encontrarem incorretamente julgados, nos termos dos arts. 412º, nº3, a), b) e c) do CPP, por ter sido produzida prova que sustenta decisão diversa da Recorrida – não olvidando o facto de em alguns dos pontos supramencionados não ser feita qualquer referência ao recorrente, a verdade é que da prova produzida e vertida nos mesmos foram retiradas ilações que o implicam no âmbito da atividade criminosa, razão pela qual se efetua a presente abordagem mais abrangente.
- Da prova produzida não é possível atestar que o recorrente esteve envolvido a título de coautoria no crime que lhe é imputado, uma vez que inexistem elementos probatórios capazes de demonstrar que o mesmo praticou os factos descritos no acórdão recorrido.
-Transcreve ou faz referência a alguns dos pontos de facto que diz impugnar, onde argumenta que parte deles só têm imputações genéricas, ou menciona o sempre presente e flutuante tratamento diversificado e desigual em relação ao arguido FF, fala de novo na falta de justificação do tribunal para dar como provada alguma matéria de facto, menciona a forma de valorar a prova proveniente das escutas telefónicas...
E acaba a concluir que: «Assim, cotejando a prova testemunhal, nomeadamente aos depoimentos dos inspetores da PJ, com as escutas transcritas e os autos de diligência/vigilâncias, mesmo tendo em conta as regras da experiência comum e os juízos de normalidade, nada nos permite concluir que o Recorrente estivesse envolvido – muito menos numa posição de domínio do facto – no tráfico de estupefaciente». Que tais factos se encontram incorretamente julgados por existirem elementos probatórios nos autos que impõem decisão diversa da recorrida. O tribunal “a quo” limitou-se a dar tais pontos como provados sem qualquer elemento probatório razoável que sustente a sua convicção, tendo simplesmente narrado os factos da forma como melhor lhe aprouve.
Vejamos.
Como é bom de ver o recorrente não cumpriu os ónus que lhe são impostos pelo artigo 412º, n.º 3 do CPP, e ao não o fazer, tendo em atenção o que deixamos dito no parágrafo 1º da questão da impugnação ampla da matéria de facto, que tem aqui plena aplicação e para o qual se remete, só podemos concluir, como concluímos em relação ao recurso do MP, que a falta de cumprimento dos ónus que oneravam o Recorrente é manifesta, que essa falta de cumprimento ocorre na motivação e nas conclusões e que, por isso, atenta a jurisprudência do Tribunal Constitucional, nomeadamente no Acórdão do TC nº 140/2004, de 04.03.2004, que vem referindo repetidamente que os princípios constitucionais do acesso ao direito e do direito ao recurso não implicam que ao recorrente devesse ser facultada oportunidade para aperfeiçoar, em termos substanciais, a própria motivação do recurso deduzido quanto à matéria de facto, quando seja manifesto, pelo teor da motivação apresentada, que a impugnação deduzida não se mostra fundamentada, sendo manifestamente inviável, como é o caso. Por outro lado, também vem entendendo aquele tribunal que do artigo 20º, nº 1, da Constituição não decorre, um genérico direito à obtenção de um despacho/convite de aperfeiçoamento.
Pelo exposto esta questão do recurso do recorrente CC é de forma clara para rejeitar.
§ 1º do Crime de Associação criminosa.
O MP, na veste de recorrente, defende, embora misturando as suas considerações de direito com os factos extensos que pretenderia ver provados nesta instância, que todos os arguidos – incluindo os absolvidos - deviam ser condenados pelo crime de associação criminosa.
O Tribunal a quo fundamentou a não integração dos factos ao crime de associação criminosa do seguinte modo:
«Do crime de associação criminosa.
A acusação/pronúncia imputa a todos os arguidos (AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH), a prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 28º, nº 2, do DL nº 15/93, de 22-01 (para a prática de atividades de tráfico de estupefacientes).
Estabelece o art. 28º do Dec.-Lei n.º 15/93 no nº1 - Quem promover, fundar ou financiar grupo, organização ou associação de duas ou mais pessoas que, atuando concertadamente, vise praticar algum dos crimes previstos nos artigos 21º e 22º, é punido com pena de prisão de 10 a 25 anos. E no nº2 - Quem prestar colaboração, direta ou indireta, aderir ou apoiar o grupo, organização ou associação referidos no número anterior é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos. 3 - Incorre na pena de 12 a 25 anos de prisão quem chefiar ou dirigir grupo, organização ou associação referidos no n.º 1 (…)”
Este crime de associação criminosa, previsto no art. 28º do Dec.-Lei n.º 15/93, encontra-se numa relação de especialidade para com o crime de associação criminosa em geral, previsto no art. 299º do Código Penal. O bem jurídico protegido pela norma incriminadora é a paz pública, pela especial perigosidade para a paz social que as organizações que tenham por escopo a prática de crimes significam - constituindo um crime de perigo abstrato. Assim, basta a ameaça da prática de crimes (no caso, o tráfico de estupefacientes) por um grupo de pessoas, em razão do estímulo para a sua concretização gerado pela associação de pessoas/membros com vista à sua prática, para que o crime seja consumado. A “mera existência de associações criminosas, ligada à dinâmica que lhes é inerente, põe em causa o sentimento de paz que a ordem jurídica visa criar nos seus destinatários e a crença na manutenção daquela paz a que os cidadãos têm direito, substituindo-os por um nocivo sentimento de receio generalizado e de medo do crime (…)especial perigosidade do crime que se prende com as transformações da personalidade individual no seio da organização, derivada do seu particular poder de ameaça e dos mútuos estímulos e contraestímulos de natureza criminosa que aquela cria nos seus membros (cf., neste sentido, Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, II, pág. 1156 e ss.).
Assim, a associação, grupo, ou organização, pressupõe uma entidade prévia à prática do crime que constitui o seu objetivo, colocando-se num estádio anterior, numa congregação de vontades, na criação de uma entidade preordenada ao cometimento de crimes (cf. Ac. do STJ de 27.5.2010, relatado pelo Cons. Raúl Borges e de 14.07.2021 relatado pela Cons. Teresa Féria ambos em www.dgsi.pt.
A generalidade da doutrina e jurisprudência enuncia os seguintes elementos do tipo legal de crime de associação criminosa: i. uma pluralidade de pessoas (duas ou mais) – pressupondo um encontro de vontades dos participantes; ii. uma certa duração ou permanência do grupo, organização ou associação – não carecendo de ser determinada ou duradoura, exigindo-se que exista o tempo suficiente para a realização do fim criminoso; um mínimo de estrutura organizatória que sirva de substrato material à existência de algo que supere os agentes – não se exigindo uma estrutura do tipo societária, mas requerendo uma certa estabilidade ou permanência das pessoas que compõem a organização; uma qualquer formação de vontade coletiva – independentemente do princípio a que obedeça, nomeadamente autocrático ou democrático; interessa para não confundir uma vontade coletiva com a expressão da vontade individual de um chefe que atua em nome e em seu proveito exclusivos, caso em que se estaria perante um bando; e iv.um sentimento de ligação por parte dos membros da associação – não apenas ao seu chefe, mas entre os vários membros, como algo que os transcende e se apresenta como uma unidade diferente de qualquer um dos elementos que a compõem.
Naturalmente que a associação tem de preexistir aos crimes praticados, como um fator que os originou e deu impulso inicial à atividade criminosa. Acresce que o facto de prosseguir um escopo criminoso não significa que os crimes tenham de ser praticados por membros da associação, sendo suficiente que esta ofereça um apoio essencial à sua prática, mesmo que por pessoas ou organizações que lhe sejam estranhas.
O tipo subjetivo admite qualquer modalidade de dolo (o agente deve saber e reconhecer que existe uma organização/associação que se destina à prática de atividades ilícitas e voluntariamente querer e conseguir participar nos seus fins).
O crime de associação criminosa consuma-se com a fundação da associação, com a finalidade de praticar crimes, ou – relativamente a associados não fundadores – com a adesão ulterior, sendo o agente punido independentemente dos crimes cometidos pelos associados e em concurso real com estes.
O crime de associação criminosa (para a prática de atividades de tráfico de droga) é autónomo do próprio crime de tráfico de droga e poderá estar com ele em concurso real (não sendo necessário existir, sequer, uma concreta condenação pelo crime de tráfico). O que é necessário para a condenação pelo crime de associação criminosa é a prova do substrato organizacional e da intenção de o pôr ao serviço de um fim criminoso.
Ora não tendo resultado provada nos termos expostos a factualidade essencial (ainda que genérica (se não conclusiva) a este nível enunciada na acusação/pronúncia, a assente não permite integrar os seus elementos objetivos.
Relativamente ao arguido AA apenas foi possível determinar que lhe foi solicitado pelos adquirentes da cocaína ou destes representantes que em Portugal diligenciasse por lograr desalfandegar o estupefaciente em questão e pelo seu posterior transporte. Esta foi a única factualidade provada que permitiu “ligar” a atuação deste arguido ao embarque da cocaína.
Por outro lado, e quanto aos arguidos BB e CC estes foram os contatados por aqueles para providenciar pelo acesso ao Porto onde o estupefaciente chegaria e bem assim pela sua retirada.
Já relativamente ao arguido FF apenas podemos concluir que sabia de tudo, sem descortinar qualquer outra atividade concreta que não fosse conduzir habitualmente o arguido AA.
Quantos aos arguidos GG e HH, sabemos que foram pelo arguido BB contatados para a retirada do estupefaciente do porto.
E quanto aos irmãos ... assente resulta que se hospedaram no hotel em Cascais nas apontadas datas e que EE acompanhou AA a Sines onde o primeiro abordou a testemunha NN.
No que concerne ao arguido AA, por um lado, e aos arguidos BB e CC por outro, porquanto foram eles quem foram surpreendidos no terreno e quem levou a cabo as operações próximas do objeto do ilícito não eram naturalmente os donos da cocaína – e isto decorre das mais primárias regras da experiência no que tange ao tipo de ilícito em questão quando é certo que está em causa uma grande quantidade de estupefaciente e por mero apelo ao seu valor estimado.
E se é certo que uma operação como a dos autos importa organização (humana e material), mas não perdendo de vista que estamos em pleno séc. XXI, num mundo profundamente globalizado, em que a forma de “ligar” continentes e colher colaboradores entre locais distantes está amplamente facilitada a enunciada factualidade revela-se insuficiente para o efeito – precisamente porque não permite (mesmo por apelo às regras da experiência) descortinar uma qualquer estabilidade ou unidade diferente e transcendente a qualquer um dos arguidos que constitua um “mais” relativamente à coautoria.
Pelo que se impõe a absolvição de todos os arguidos (AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH) da prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 28º, nº 2, do DL nº 15/93, de 22-01.» [fim de citação]
Concordamos com a fundamentação do tribunal, porque suficiente, clara e objetiva e atendendo em concreto á posição de cada um dos arguidos em julgamento.
Dispõe-se no art.º 28.º, do Dec. Lei n.º 15/93, de 15 de janeiro, sob epígrafe de associações criminosas, que:
1 - Quem promover, fundar ou financiar grupo, organização ou associação de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, vise praticar algum dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º é punido com pena de prisão de 10 a 25 anos.
2 - Quem prestar colaboração, directa ou indirecta, aderir ou apoiar o grupo, organização ou associação referidos no número anterior é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.
3 - Incorre na pena de 12 a 25 anos de prisão quem chefiar ou dirigir grupo, organização ou associação referidos no n.º 1.
4 - Se o grupo, organização ou associação tiver como finalidade ou actividade a conversão, transferência, dissimulação ou receptação de bens ou produtos dos crimes previstos nos artigos 21.º e 22.º, o agente é punido:
a) Nos casos dos n.os 1 e 3, com pena de prisão de 2 a 10 anos;
b) No caso do n.º 2, com pena de prisão de um a oito anos.
O crime de associação criminosa, previsto no art. 28º do Dec.-Lei n.º 15/93, encontra-se numa relação de especialidade relativamente ao crime de associação criminosa em geral, previsto no art. 299º do Código Penal.
O bem jurídico protegido pelo tipo de crime de associação criminosa é a paz pública no sentido das expectativas socias de uma vida comunitária livre da especial perigosidade de organizações que tenham por escopo o cometimento de crimes e também a ordem e tranquilidade públicas[27].
No que respeita ao grau de lesão do bem jurídico, o crime de associação criminosa está estruturado como um crime de perigo abstrato. Trata-se de intervir num estádio prévio, quando a segurança e a tranquilidade públicas não foram ainda necessariamente perturbadas, mas se criou já um especial perigo de perturbação que só por si viola a paz pública[28].
O crime de associação criminosa, previsto no art. 28º do Dec.-Lei n.º 15/93, encontra-se numa relação de especialidade relativamente ao crime de associação criminosa em geral, previsto no art. 299º do Código Penal. E neste âmbito escreve o Desembargador Pedro Vaz Pato “Valem, pois para este crime, as considerações que vê, sendo tecidas pela doutrina e jurisprudência a respeito do crime de associação criminosa previsto no artigo 299º”[29].
O tipo objetivo especial consiste na promoção, fundação, ou financiamento de grupo, organização ou associação de duas ou mais pessoas[30] visando a prática de crimes do artigo 21º ou 22º.
Ou na prestação de colaboração, direta ou indireta, adesão ou apoio a grupo organização ou associação referidos no número anterior.
O Prof. Figueiredo Dias em estudo publicado na Coletânea de Jurisprudência[31], elaborado à luz do art. 287º do CP de 1982[32] depois de referir que os termos grupo, organização e associação usados na descrição típica são, do ponto de vista normativo, sinónimos, e de destacar a importância do elemento histórico na interpretação do preceito, escreveu sobre a matéria:
«(...) quando se trata de fixar o conteúdo e a extensão deste conceito de associação (criminosa), constata-se uma singular convergência entre os autores. Reconhece-se com efeito, una voce, que só pode falar-se de associação criminosa quando o encontro de vontades dos participantes dê origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros. Quando, noutros termos, no plano das realidades psicológicas e sociológicas (…), emerja um centro autónomo de imputação fáctica das ações prosseguidas em nome e no interesse da associação. (…) do que não pode prescindir-se é de que a associação surja, nas representações dos seus membros, nas suas experiências individuais ou de interação, como um centro autónomo de imputação e motivação, como uma entidade englobante, com metas e objetivos próprios. Objetivos a que devem subordinar-se - pelo menos até à medida da sua integração na associação - os objetivos pessoais dos seus membros singulares".
Portanto, os requisitos da associação criminosa têm de estar presentes.
São eles, de acordo com Figueiredo Dias [33]: “para que se preencha o tipo objetivo, é necessário que se esteja perante uma associação, grupo ou organização, para o que se torna indispensável:
a). que exista uma pluralidade de pessoas[34];[35];
b). que a organização tenha uma certa duração;
c). um mínimo de estrutura organizativa[36];
d) um processo de formação da vontade coletiva;
e) um sentimento comum de ligação a algo que transcende esses agentes.
A atividade da associação seja dirigida à prática de crimes face á lei portuguesa, naturalmente, nisto consistindo o seu escopo.
A atividade dos agentes pode revestir várias modalidades, desde a figura destacada do promotor ou fundador, até á do membro, apoiante, chefe ou dirigente.
Iremos apenas fazer uma abordagem mínima da figura do membro e do apoiante, para se perceber a razão da decisão.
Fazer parte da associação significa ser membro dela. Está nesta situação aquele que se encontrar incorporado na organização, subordinando-se à vontade coletiva e desenvolvendo uma qualquer atividade, principal ou acessória, para prosseguimento do escopo criminoso. A entrada formal ou puramente passiva para a organização – mesmo que com pagamento de uma quota – não será bastante para a integração do tipo; um trabalho efetivo para a realização do escopo e mesmo a participação sistemática nos concretos crimes cometidos não bastará para caracterizar a situação de “parte” ou “membro” se o indivíduo não pertencer à associação. Para a afirmação de uma tal pertinência é indispensável que o agente se subordine à vontade coletiva e ao fim comum da associação; e que seja reconhecido como fazendo parte da associação pelos restantes membros, pelos que lhe estão mais próximos ou aos quais compete exprimir a vontade coletiva.
Quanto à atividade a desenvolver pelo membro não será de exigir nem a concreta participação nos crimes de associação criminosa, nem sequer o concreto conhecimento dos crimes planeados. Será, no entanto, indispensável que o agente, conhecendo e aceitando o fim criminoso da associação desempenhe tarefas gerais no seu seio e em prol da mesma, qualquer que seja o carácter da atividade ou tarefa (operacional, logístico, ideológico, etc.).
Os apoiantes, ainda de acordo com Figueiredo Dias[37] e fazendo apelo ao n.º 2 do artigo 299 do CP, são de dois tipos: aa) aqueles cujas atividades de suporte da organização são descritas na lei de modo meramente exemplificativo “... nomeadamente fornecendo armas, munições, instrumentos de crime, guarda ou locais para as reuniões...”; e aqueles bb) cujo comportamento consista em “qualquer auxílio para que se recrutem novos elementos”.
aa) No primeiro grupo outras análogas modalidades de ação, além das constante exemplificativamente, poderão integrar o conceito de apoio, como sejam, o fabrico ou fornecimento de documentos de identidade falsos destinados aos membros da organização, a propiciar meios financeiros para suporte da associação ou para permitir a realização das suas atividades. Apoiada deverá ser a organização, não um ou alguns dos seus membros individualmente considerados. Basta, no entanto, que o apoio seja em abstrato proveitoso para aquela [a participação em concretos crimes da organização só tornará o agente em apoiante quando aqueles forem essenciais ao prosseguimento da finalidade associativa ou assumirem relevante importância para a sua realização].
bb) o outro grupo típico de apoiantes – angariadores – parece dever receber um entendimento tão amplo que abranja qualquer espécie de auxílio ao recrutamento m que embora possa ser de qualquer espécie não pode ser “um qualquer auxílio”, mas tem de em abstrato e objetivamente revelar-se proveitoso para a associação, no sentido de idóneo á captação de novos membros por parte de um não membro.
O tipo subjetivo deste crime é doloso, compreendendo o elemento intelectual e o elemento volitivo.
Relativamente ao primeiro – elemento intelectual - é essencial que o agente conheça todos os elementos constitutivos do tipo: que existe uma organização, que ele fundou ou promoveu, da qual é membro, apoiante, chefe ou dirigente, e que esta se dirige à prática de crimes.
Relativamente ao segundo – elemento volitivo – o tipo preenche-se com o dolo, admitido em qualquer uma das suas modalidades. Bastando, assim, que o agente, ao fornecer auxílio a um membro da organização, se represente a possibilidade de estar simultaneamente a favorecer a organização criminosa e se conforme com essa possibilidade.
Finalmente, o crime de associação criminosa é um crime de comparticipação necessária, para que a organização exista indispensável se torna a comparticipação de vários agentes. Esta circunstância aliada à minúcia da previsão legal em matéria de modalidades da ação [promotor ou fundador; membro; apoiante; chefe ou dirigente] simplifica ou elimina muitos problemas que poderiam suscitar-se em tema de autoria. A co-autoria está implícita na modalidade da ação conformada nos factos[38].
Ora, tendo por base estes ensinamentos, e tendo em atenção os factos provados e não provados, que deixamos reproduzidos e dispensamos de elencar de novo, para não dificultar a leitura e compreensão, é manifesto que não se verifica, no caso, a existência deste ilícito. Na verdade, não se descortinou a existência de qualquer uma pluralidade de pessoas, com uma certa duração, e um mínimo de estrutura organizativa que servisse de substrato material à existência de algo que superasse os simples agentes, um qualquer processo de formação da vontade coletiva e um sentimento de ligação que transcendesse esses agentes. E muito especialmente não se prova que qualquer dos arguidos aqui em causa tenha aderido a uma qualquer organização ou associação que visasse os fins mencionados no artigo 28ºdo DL 15/9, como membro ou sequer apoiante.
Com efeito, o que se prova é que todos têm um objetivo comum, retirar a droga do Porto de chegada da cocaína, para o que foram incumbidos, tendo como objetivo a obtenção de um pagamento que lhes foi prometido e não qualquer sentimento de pertença a uma entidade superior que os impulsionasse a agir.
Pegamos na jurisprudência citada pelo MP a favor da sua tese, nomeadamente, o sumário do ac. do TRE de 11.10.2016[39]:
“I. Para a existência do crime de associação criminosa para a prática de actividades de tráfico de droga, devem existir uma pluralidade de indivíduos, com o mínimo de estrutura organizatória e com um sentimento comum de ligação dos seus membros a um qualquer processo de formação da vontade coletiva;
II. Assim, verifica-se este crime quando duas ou mais pessoas decidiram criar uma estrutura de carácter permanente, organizada e estável, com vista a dedicar-se ao crime de tráfico de droga ou para a prática de branqueamento de bens e capitais provenientes do tráfico, e a existência de um qualquer processo de formação de vontade colectiva;
III. Tal não ocorre se entre os arguidos existia uma conjugação de esforços e vontades, com vista à prossecução de um fim comum - o transporte e desembarque de droga visando a obtenção de proventos económicos - que não ultrapassa a noção de comparticipação criminosa, em que cada um dos co-arguidos actuou, tendo em vista o seu próprio e exclusivo benefício, o lucro pessoal que esperavam obter – e não um interesse superior que, de certa forma, os ultrapassasse –, sabendo que para atingirem tal desiderato necessitavam da colaboração e da intervenção de outros indivíduos”.
Lido quer o sumário quer o restante acórdão logo verificamos que nem o simples sumário deste Acórdão favorece a posição defendida pelo MP, muito pelo contrário, pois vai de encontro ao que o tribunal a quo entendeu e que efetivamente os factos retratam, a adesão à execução de uma tarefa visando o seu próprio e exclusivo benefício, o lucro pessoal que esperavam obter. Tudo isto independentemente de poder haver na retaguarda escondida uma associação criminosa, que provavelmente haveria, que agiu na sombra, sabendo que para levar a cabo a execução da tarefa de desembarque e transporte da cocaína que comprara e fizera transitar, ou encetara o trânsito, ou estava em vias de fazer transitar, necessitava da colaboração e da intervenção de outros indivíduos, indivíduos estes que até podiam desconfiar da sua existência, mas não tiveram, de acordo com o provado, qualquer ato de aceitação de adesão à mesma e aos mencionados fins supra individuais que, aliás, nunca, atentos os factos, foi proposta.
Tanto basta, para que não se mostrem verificados os pressupostos do crime de associação criminosa em relação a nenhum dos arguidos/recorrentes ou não.
O artigo 21º do DL 15/93 de 12.01, dispõe:
1 - Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.
O artigo 24º “Agravação”
As penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se: (...)
c) O agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória;
Por sua vez, dispõe o artigo 26º do CP com a epígrafe “Autoria”
“É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”.
Do que decorre deste disposição normativa coautor é aquele que toma parte direta na execução de um facto, por acordo ou juntamente com outro ou outros.
A co-autoria, como tal referida na tipologia das formas de autoria (3.ª alternativa), configura uma forma de participação em que o co autor domina o facto em conjunto com outros, tratando-se de um domínio, agora, “coletivo”, ou de um condomínio do facto, na expressão de Figueiredo Dias[40].
Continua o mesmo Prof. na mesma Obra a pág. 791 a 796, apresentando-se cada coautor como tomando parte na execução do plano comum, sendo a sua tarefa funcionalmente significativa para a realização típica. A atuação de cada coautor, no papel que lhe é destinado, constitui a realização da tarefa que lhe cabe na “divisão de trabalho” que representa a essência desta forma de autoria.
A coautoria implica uma decisão conjunta e uma execução conjunta do facto, o que implica uma participação direta na execução.
De acordo com o critério central do domínio do facto, é indispensável que do contributo objetivo do agente dependa o se e o como da realização típica e não apenas que o agente se limite a oferecer ou pôs á disposição os meios de realização. O contributo do coautor, segundo o plano conjunto, diz F. Dias citando Roxin, “põe no estádio da execução, um pressuposto indispensável à realização do evento almejado”, é tão importante que, também em função dele, “todo o empreendimento ou resulta ou falha”.
Vejamos, então, o crime de tráfico. Como vem sendo entendido e resulta da lei - nomeadamente da construção do trafico de menor gravidade, artigo 25º, quer pelo modo que como se previu a agravação, por referência ao artigo 21º e 22º - o artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93 contém a descrição fundamental/matricial - o tipo essencial - relativa à previsão e ao tratamento penal das atividades de tráfico de estupefacientes[41].
Será sobre este tipo que nos debruçaremos, até porque só depois da sua integração podemos partir para a verificação da agravação imputada aos arguidos.
Trata-se, então, de um tipo de crime com um bem jurídico plural, como a vida, a integridade física, e liberdade dos virtuais consumidores, afeta a vida em sociedade, que podem ser aglutinados num bem abrangente: a saúde pública em geral[42].
Como esclarece o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 430/83, ao citar um relatório da Organização das Nações Unidas: “A luta contra o abuso de drogas é antes de mais e sobretudo um combate contra a degradação e destruição de seres humanos. A toxicomania priva ainda a sociedade do contributo que os consumidores de drogas poderiam trazer à comunidade de que fazem parte. O custo social e económico do abuso das drogas é, pois, exorbitante, em particular se se atentar nos crimes e violências que origina e na erosão de valores que provoca.”.
Assim, tendo em conta todas as modalidades de cometimento previstas no n.º 1 do artigo 21, do Decreto-lei 15/93 de 22.01, que de forma exaustiva foram descritas pelo legislador, em observância do princípio da legalidade, podemos considerar o crime de tráfico, como vem sendo considerado, um crime de perigo. Com efeito o legislador não exige para a respetiva consumação a efetiva lesão dos bens jurídicos tutelados.
Assume a natureza de crime de perigo abstrato, por o perigo ou dano não fazerem parte do tipo, constituindo apenas motivação do legislador[43].
Portanto, a lei basta-se com a aptidão genérica de determinadas condutas para constituírem um perigo que atinja determinados bens e valores, não pressupõe nem o dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação, mas apenas a perigosidade da ação para as espécies de bens jurídicos protegidos, abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para causar um perigo para um desses bens jurídicos[44].
E também é considerado um crime de perigo comum, porque se pretende proteger uma multiplicidade de bens jurídicos como vimos ao considerar o bem jurídico protegido plural mas aglutinado num bem jurídico mais abrangente.
O recuo ou antecipação que a lei faz visando abarcar todos os momentos em que a perigosidade da ação se manifesta, os chamados momentos congemináveis em que o perigo para determinados bens e valores ocorre, conduz também a que este crime seja considerado um crime “exaurido”, “excutido” ou de “empreendimento”, pois que o crime se consuma com a realização de qualquer uma das ações descritas no artigo 21º do referido Decreto-lei.
Segundo a expressão do Ac. do STJ de 15.12.2004[45], a descrição do crime base de tráfico de estupefacientes, constante do artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei no 15/93, apresenta grande amplitude, tem uma configuração típica de largo espectro, por compreender uma série de atos ou atividades em que, qualquer deles, basta para a integração do crime.
“A previsão molda-se, na verdade, em termos de uma certa progressividade, no conjunto dos diferentes comportamentos contemplados, que podem ir de uma mera detenção à venda propriamente dita. Com tal progressividade pretende-se abarcar a multiplicidade de condutas em que se pode desdobrar a atividade ilícita relacionada com o tráfico de droga”[46].
“Os crimes de empreendimento (classificação usada no sistema alemão) também designados por crimes de atentado no sistema italiano, são caracterizados pelo facto de os atos que noutros casos seriam classificados como de tentativa são aqui tidos como atos de consumação do próprio crime. (...) Tratando-se de casos onde ocorre uma equiparação entre a tentativa e a consumação, verifica-se não só uma antecipação da tutela penal, mas também uma punição mais grave do que aquela que ocorreria se aqueles mesmos atos fossem punidos segundo as regras da tentativa (uma vez que não há lugar à atenuação da pena como ocorre nos casos de tentativa; cf. art. 23.º, n.º 2, do CP)”[47].
“A antecipação da tutela é feita pelo legislador no próprio tipo do artigo 21º, com a previsão típica «assumidamente compreensiva e de largo espectro»(...) que abrange todo o caminho percorrido pelo produto estupefaciente desde a plantação ou produção até à detenção e a efetiva entrega aos consumidores, sendo aí enumeradas de forma exaustiva e praticamente esgotante as condutas congemináveis que, diga-se, vão muito para além do tráfico stricto sensu considerado como a efetiva colocação da droga ao alcance dos consumidores”[48].
Uma última nota se impõe, no já mencionado Acórdão do TC n.º 426/91 assume-se e justifica-se estar aqui em causa um “direito penal [que] sancion[a] a violação de uma regra de comportamento que proíbe qualquer dos actos que podem estar ligados ao tráfico de estupefacientes”.
De qualquer dos modos a «consumação exige ... que se dê por provada, pelo menos uma das ocorrências ali referidas. “Cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qual quer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar, ou ilicitamente detiver” produto estupefaciente não bastando o início de um qualquer processo executivo para se verificar a consumação.[49]»
Impõe-se, então, ver se as condutas em concreto imputadas aos três arguidos condenados, ainda que só dois deles tenham recorrido neste específico ponto da qualificação jurídica dos factos[50], sabido que é que o AUJ n.º 4/95 fixou jurisprudência obrigatória no sentido de que o tribunal superior pode em recurso alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efetuada pelo tribunal recorrido.
Com efeito, o que resulta dos factos provados é que os arguidos, onde se inclui em primeiro lugar, o arguido AA:
«por solicitação de individuo ou indivíduos não concretamente identificados adquirentes (ou destes representantes) do referido produto estupefaciente foi incumbido de diligenciar em Portugal pelo acesso no porto de chegada à cocaína aludida em 3 e do seu transporte para local ou locais não concretamente determinados; (...) o arguido AA, em data não concretamente determinada, mas, pelo menos, a 1 de julho de 2020 travou conhecimento com o arguido BB e abordou-o no sentido de este providenciar pelo acesso ao contentor referido de 1 a 3, designadamente, através do recrutamento de pessoa ou pessoas capazes de facultar a retirada em segurança do identificado estupefaciente do porto onde chegaria; O arguido BB aceitou a solicitação do arguido AA referida em 5. comprometendo-se a contatar pessoas com tal conhecimento e capacidade e a diligenciar junto destas a execução de tal tarefa a troco de recompensa de valor não concretamente determinado, mas correspondente a pelo menos €150 000 (cento e cinquenta mil euros); O arguido BB, por sua vez, em 1 de julho de 2020, 14 de julho de 2020 e entre 7 e 11 de agosto de 2020 fez-se acompanhar do arguido CC, amigo de confiança e sabedor dos factos descritos de 1 a 6, sendo que em data não concretamente determinada mas seguramente em 1 de julho de 2020, concordaram ambos em conjugar esforços no sentido de tudo fazerem para conseguir levar a cabo a tarefa, com a promessa de este ser recompensado pelo primeiro arguido (BB) em quantia monetária de montante não concretamente determinado.»; « Em execução do supra acordado, o arguido BB, em data não concretamente determinada, mas seguramente entre 1 de julho de 2020 e 14 de julho de 2020, diligenciou junto do arguido GG, que por sua vez contatou o arguido HH tendo este último assegurado que tinha forma de retirar sigilosamente e em segurança a droga do contentor que viesse a ser indicado e que chegasse aos portos de Sines, Setúbal ou Leixões, a troco de dinheiro para si (arguido HH) e para a pessoa que iria tratar da tarefa.»
10)O arguido BB, em data não concretamente determinada, mas seguramente entre 1 de julho de 2020 e nunca depois de 14 de Julho transmitiu ao arguido AA que estava tudo tratado e recebida esta informação este último forneceu aos arguidos BB e CC, pelo menos entre o dia 14 de Julho e 30 de julho de 2020, as informações necessárias: nome do navio, datas de partida e chegada, número do contentor, número do selo, tipo de carga constante do manifesto, nome das firmas exportadora e importadora, quantidade de cocaína. 11) Na posse de tais elementos, o arguido BB transmitiu-os aos arguidos GG e HH, para este último tratar do solicitado contacto no respetivo porto de chegada e assegurar o sucesso da retirada da cocaína em absoluto sigilo e em segurança; 16) a 19) No encontro ocorrido em 30 de julho de 2020, na Zona Industrial ..., sendo que cerca de meia hora depois juntou-se aos arguidos BB e HH o arguido GG, ficando os três a conversar durante cerca de 25 minutos, já sabedores da chegada da cocaína, em contentor, ao porto de Sines, e de todos os dados relativos à operação a desenvolver para a retirada da cocaína de forma sigilosa e em segurança, e das contrapartidas que seriam recebidas.
20) No dia 3 de agosto de 2020, os arguidos AA, FF e CC deslocaram-se para Cascais onde se hospedaram no hotel “C...”, sito na Travessa ... dessa cidade, com o propósito de o arguido AA (com a coadjuvação do arguido BB, por si e através - e/ou conjuntamente - do arguido CC) - controlar todos os pormenores ou dificuldades que surgissem para lograr retirar a cocaína do contentor, e o posterior transporte da mesma.23). Os arguidos AA, FF, CC e BB mantiveram-se todos permanentemente em contacto.34) Na noite de 6 para 7 de agosto de 2020 o arguido BB foi para Cascais ao encontro dos demais arguidos que aí se encontravam, alojando-se no mesmo hotel “C...”, no quarto 107, com reserva válida até ao dia 12 de agosto, como as dos restantes arguidos, aguardando a chegada no dia 11, do navio porta-contentores “A... HUNGARY”. 36). Na noite do dia 10 de agosto de 2020, os arguidos, BB e CC abandonaram o Hotel “C...”, tendo-se alojado no Hotel “D...”, sito no ..., em Lisboa.37) Na manhã do dia 11 de agosto de 2020, os arguidos AA e FF, acompanhados dos arguidos DD e EE, que, entretanto, chegaram, saíram do hotel e dirigiram-se à zona de ..., onde se encontraram com os arguidos BB e CC, onde estiveram a conversar.38. No mesmo dia 11 de agosto de 2020, o arguido AA, acompanhado do arguido EE, dirigiram-se para as imediações do Porto de Sines, aí se encontrando com SS. 39. Entretanto, elementos da Polícia Judiciária já se encontravam no Porto de Sines a levar a cabo os mandados de busca, tendo selecionado alguns contentores para serem sujeitos a controlo de scanner, acabando por recair as suspeitas no contentor com o número ...15, ostentando o selo inviolável com o número ...31, transportado pela “A...” (A...), e proveniente de Salvador-Bahia-Brasil.40. No respetivo documento emitido pela Autoridade Tributária, bem como da A..., constava que tal contentor continha frutas conservadas, e expedidor/exportador a empresa “E..., Lda.”, com sede no Brasil, e destinatário a firma “F..., Lda.”, com sede em ....41. Pelas 17h e 15m, foi aberto o referido contentor, e escondido sob as caixas contendo embalagens de polpa de frutas conservadas/congeladas, encontravam-se várias caixas de papel cartonado, diferentes daquelas, contendo pacotes/embalagens em formato retangular, algumas com logotipos, acondicionando um produto cujo teste rápido revelou tratar-se de cocaína.42. Numa das primeiras caixas, encontrava-se embrulhado em plástico transparente um selo idêntico ao acima referido, para ser novamente aposto por quem tinha a missão de retirar a cocaína, antes de ser entregue ao destinatário, e sem levantar suspeitas, por manter-se inviolado o respetivo selo.
Submetido a exame laboratorial o produto apreendido conclui tratar-se de COCAÍNA (Cloridrato). Sendo que considerando os valores médios do mercado nacional a totalidade da cocaína apreendida corresponde a um valor de cerca de € 13.000.000,00 (treze milhões de euros).
47. Os arguidos AA, BB e CC atuaram pela forma descrita, de comum acordo, em conjugação de esforços, conhecendo a natureza, características e quantidade do produto (cocaína) que se encontrava no contentor e sabendo que a distribuição e venda de tal produto (cocaína) provocaria a obtenção de avultada compensação monetária. 48. Os arguidos AA, BB e CC agiram deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade das respetivas condutas.»
Essa tarefa implicava que no porto de destino fosse retirada a cocaína do contentor onde era transportado de forma sigilosa e clandestina, à margem do procedimento normal e depois dessa retirada clandestina, se colocasse no mesmo contentor agora já só com a mercadoria lícita o selo inviolado com o número ...31, que aí fora aposto por quem colocou a droga, também clandestinamente no contentor, no Porto de Salvador da Baía, com procedimento idêntico, mas de sinal contrário.
Este era o procedimento de rip-off de que fala o MP, que mais não era do que enganar/ludibriar as autoridades portuguesas sobre o realmente acontecido e transportado.
Nada disto foi conseguido. Não foi conseguido retirar a droga, que foi apreendida pela PJ, não foi colocado o selo que também foi apreendido pela PJ e, mais, os arguidos não foram apanhados pela PJ em plena execução desses atos, muito pelo contrário, os arguidos BB e CC estavam em Lisboa, o arguido AA, acompanhado do EE, eventualmente, mas não comprovadamente, contratado para fazer o transporte de Sines para local incerto, dirigiram-se para as imediações do Porto de Sines onde se encontraram com SS, que foi testemunha em julgamento desse encontro e do que pretendia o AA, não estando dilucidado no provado a que horas do dia 11 de agosto de 2020 isso aconteceu, enquanto todos estavam a ser alvo de vigilâncias da PJ. Um pormenor salta desde logo á vista, as pessoas contactadas com vista a retirar a droga do Porto de Sines, os identificados ... HH e GG ou alguém a seu mando, não consta dos factos provados que se encontrassem no dia 11 de Agosto, no Porto de Sines.
Importação é na definição do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, Verbo, a “Atividade económica que consiste na compra e receção por parte de um [país] de mercadorias estrangeiras”.
Daqui podemos apenas retirar que a importação ou o ato de importar é um processo com vários atos concatenados que consiste na compra de um produto num país estrangeiro, no transporte do produto de um país para outro, descarregamento e, sendo caso disso, desalfandegamento com procedimentos burocráticos e fiscais na alfandega durante o descarregamento e, posterior entrega.
Como se escreveu, bem, no Ac. do TRL de 28.07.1982[51] sobre a importação de estupefacientes, fora dos casos previstos na lei, “em relação a um determinado território, a importação... de produtos ou mercadorias consiste essencialmente na sua entrada nele ..., o que sobremodo releva quando a respetiva circulação seja legalmente condicionada (direitos aduaneiros, outras imposições e formalismos) ou mesmo proibida”, exemplo o contrabando previsto no art. 93º do RGIT, enquanto crime aduaneiro que envolve a importação ou exportação de mercadorias proibidas.
No caso, a droga comprada, exportada, feita transitar pelos não identificados mandantes da Galiza, haveria de ser retirada em Portugal pelos arguidos, com um procedimento clandestino, que daria a aparência às autoridades nacionais de nada ter sido trazido no navio além da carga lícita. Droga, que seria depois encaminhada para o seu destino, pelos arguidos sozinhos ou com outrem. Os arguidos tinham, em suma, a missão de retirar a droga antes de a inspeção alfandegária portuguesa passar o sistema se scanner na mercadoria lícita para averiguar se escondia mercadoria ilícita. Nada disto foi conseguido executar. Os arguidos não conseguiram retirar e receber a cocaína e, por isso, não conseguiram importá-la. Nem os arguidos condenados nem os arguidos absolvidos.
No entanto, o Tribunal a quo contornou esta realidade com a seguinte frase, pomo da discórdia entre os Recorrentes:
«Na verdade, como já se evidenciou em sede de motivação, e por mero apelo às regras da experiência, uma vez expedida a cocaína nos termos em que o foi já tinha sido adquirida e assegurado estava o seu levantamento. Na verdade ponderada a qualidade, quantidade e consequentemente o seu valor (milhões de euros) tal não foi deixado ao acaso. E dai os encontros e diligências antes do embarque entre o arguido AA, BB e CC se revelaram essenciais à expedição e consequentemente à importação da cocaína apreendida, determinando que o vendedor – ao combinar um determinado local de desembarque da droga vendida – a conduzi-la até si, fazendo-a assim “transitar”. Tanto basta, em nosso entender, para a consumação do crime pelos identificados arguidos, já que conforme também resulta da factualidade provada a atuação dos arguidos AA, BB e CC preencheu simultaneamente o elemento subjetivo do crime se mostra preenchido, existindo o dolo (mostram-se preenchidos os seus elementos intelectual e volitivo) e na modalidade de dolo direto, nos termos do disposto no artigo 14º, nº 1 do C.P.: age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, atua com intenção de o realizar, e que as condutas dos arguidos são culposas, ou seja, estes são imputáveis e atuaram com consciência da ilicitude.
Entendemos que esta conclusão do Tribunal a quo não pode ser retirada dos factos provados, especialmente no que tange à imputada coautoria. Com efeito o compromisso provado dos arguidos foi o de diligenciar em Portugal pelo acesso no porto de chegada à cocaína referida em 3 e do seu transporte para local ou locais não concretamente determinados, o que implicava os atos que referimos em parágrafos recentes, como decorre do provado em 2 e 42.
Nos factos provados não consta qualquer facto que nos permita dizer ou concluir que os arguidos se comprometeram em executar atos de compra ou exportação da cocaína ou de trânsito da cocaína. Com efeito, dos factos enunciados em 5 a 10, pode seguir-se toda a sucessão de contactos escalonados entre alguém da Galiza com o AA e deste com os arguidos BB e CC e destes com os ... GG e HH, sendo que os arguidos BB e CC só vêm a ter conhecimento de todas as informações relacionadas com a cocaína e o navio, entre o dia 14 de julho e 30 de julho de 2020.
Podemos perguntar-nos, quem teve o domínio do “trânsito” do navio da cocaína de Salvador da Baía para Sines?
Não há qualquer prova nos autos que nos permita concluir que qualquer pessoa presente nos presentes autos, que são pessoas diferente dos mandantes diretos ou indiretos do AA, teve o domínio do trânsito do navio. Não há prova de que os arguidos escolheram o Porto de embarque, as datas de partida ou chegada da cocaína, o contentor, o navio, que fizeram, ou controlaram, ou escolheram, ou aceitaram o procedimento de retirar o selo no Porto de Salvador e o que haveria de ser feito em Sines, ou a quantidade da droga.
Mas, os factos elucidam-nos.
O navio era um vulgar navio Comercial que trazia escondida numa carga lícita uma carga ilícita. E de acordo com o apurado, o nome do navio, as datas de partida e chegada, número do contentor, número do selo, tipo de carga constante do manifesto, nome das firmas exportadora e importadora, quantidade de cocaína, tudo foi informado aos arguidos pelo arguido AA, que primeiramente se terá encontrado com alguém da Galiza, pois vem a disponibilizar essa informação aos arguidos/recorrentes BB e CC entre 14 de julho e 30 de julho de 2020.
Do exposto resulta que a conclusão, contestada pelos arguidos/recorrentes, constante do acórdão da primeira instância não se alicerça em qualquer acervo factual provado, não pode ser mantida por não estar factualmente documentada[52].
Assim, impõe-se aos factos provados e ainda à consideração de o tipo em causa antecipar e proibir qualquer dos atos que podem estar ligados ao tráfico de estupefacientes e, como vimos, os atos típicos que noutros casos seriam classificados como de tentativa são aqui tidos como atos de consumação do próprio crime, não tendo os arguidos conseguido executar qualquer ato típico descrito no tipo. Acrescendo que o tipo, como elucidamos, tem previsão assumidamente compreensiva e de largo espectro abrangendo todo o caminho percorrido pelo produto estupefaciente desde a detenção, plantação ou produção até à efetiva entrega aos consumidores, neles sendo enumeradas de forma exaustiva e praticamente esgotante as condutas congemináveis que vão muito além do tráfico stricto sensu considerado como a efetiva colocação da droga ao alcance dos consumidores[53]. Por isso, as condutas que os arguidos levaram a cabo cabem na definição de atos preparatórios[54], porque são inidóneos para a concretização da tarefa com que se comprometeram e de acordo com a definição do Prof. Germano são equívocos e ambíguos, consubstanciando-se em atos externos que preparam ou facilitam a execução, sem que sejam já atos de execução.
Atos preparatórios, são atos que se realizam antes do início da execução do crime. Em regra, não representam um perigo concreto para o bem jurídico tutelado, são disso exemplos o planeamento do crime.
Os atos de execução contêm já, eles próprios, um momento de ilicitude, pois ainda que não produzam a lesão do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora do crime consumado, produzem já uma situação de perigo para esse bem[55].
Como resulta da lei, nomeadamente do artigo 21º do CP, os atos preparatórios não são puníveis. Como anteriormente deixamos expresso, e resulta dos factos provados, os arguidos não foram apanhados pela PJ em plena execução de qualquer dos atos necessários à receção da Cocaína em Portugal e à entrada na sua posse, para posterior transporte. Não foram apanhados eles nessas circunstâncias, nem ninguém por si.
Com o exposto os dizeres relativamente ao elemento subjetivo que foi dado como provado fica esvaziado de sentido/conteúdo, face à constatação de que não há suporte factual típico objetivo impondo-se, pois, a absolvição dos arguidos/recorrentes e dos restantes arguidos como coautores do crime de tráfico de estupefacientes que lhes vinha imputado.
Absolvição que, diga-se, também aconteceu nos dois julgamentos da 1ª instância em relação aos restantes arguidos, sendo que dois deles o GG e o HH, não obstante este último, no início dos contactos ter assegurado que tinha forma de retirar sigilosamente e em segurança a droga do contentor que viesse a ser indicado e que chegasse aos portos de Sines, Setúbal ou Leixões, até foram não pronunciados pelo crime de tráfico de estupefacientes, na decisão instrutória.
É claro que não se podendo concluir pela verificação da prática de um crime de tráfico de droga a título de coautoria, prejudicada fica a questão de qualquer eventual desistência como pretendia em alternativa o recorrente BB.
Defende o recorrente CC que a sua atuação poderá, quando muito, subsumir-se à comparticipação em cumplicidade.
Para tanto argumenta:
- O alegado plano criminoso – a existir – fora orquestrado pelo coarguido AA e aceite pelo coarguido BB, sendo que o recorrente (e também o arguido FF) eram meros acompanhantes, conhecedores dos factos mas sem qualquer poder decisório, nem tendo praticados quaisquer atos de execução.
- o crime podia ter sido cometido sem a participação do Recorrente e não se provou que este tivesse acordado previamente e concertado esforços para a importação de estupefacientes com os demais coarguidos.
-não é o Recorrente autor daquele crime, relativamente ao qual não tem o domínio do facto, nem lhe deu "causa", no sentido de relação entre o evento e o comportamento, ou seja, no sentido de causalidade adequada adotado no nosso ordenamento jurídico, no artigo 10º do C.P.
- Entende o Recorrente que o Tribunal a quo fez uma má aplicação do direito, uma vez deveria ter sido absolvido ou, sem prescindir, ser condenado a título de comparticipação em cumplicidade, com a consequente atenuação especial da medida abstrata da pena, nos termos do artigo 27º do CP.
Vejamos.
Parece-nos claro que qualquer cumplicidade relativamente á tarefa contratada não existe, porquanto inexiste a prova de um facto doloso, na pessoa do BB, com quem o CC admitiu que poderia ter agido em cumplicidade e a mesma coisa de ambos em relação ao AA, como vimos.
Avaliemos, no entanto, noutra perspetiva.
Na definição legal constante do artigo 27.º do Código Penal, “é punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso”.
A cumplicidade constitui uma forma de comparticipação que se distingue da autoria pela inexistência de domínio funcional na realização do ilícito típico e pressupõe necessariamente um comportamento doloso, não essencial, de quem facilita ou possibilita a realização por outrem de um crime, também doloso.
A cumplicidade pode traduzir-se em duas espécies submetidas ao mesmo regime unitário que resulta da exigência da prestação pelo cúmplice de um contributo efetivo para o facto do autor. São elas a cumplicidade material e a cumplicidade moral.
A primeira, também chamada de auxílio material, tem de favorecer a prática do facto do autor, que não precisa de ser causal para o resultado, bastando que aumente as hipóteses de realização típica pelo autor.
A cumplicidade moral, ou auxílio moral, significa auxílio psíquico, favorecimento ou fortalecimento do autor na sua decisão. A medida mínima do favorecimento alcança-se com a hipótese de aconselhamento técnico e com a transmissão de informação relevante para o facto do autor, aqui se inclui o proporcionar de um sentimento de segurança ao autor que serve para dissipar as dúvidas do autor quanto ao cometimento do facto, mas já não o revelar compreensão ou mesmo “aceitação” face às confidencias do autor sobre aquilo que se propõe fazer[56].
A cumplicidade está assim necessariamente subordinada ao princípio da acessoriedade e só existe se executada de forma dolosa.
Uma nota interessante é adicionada pelo Prof. Germano Marques da Silva[57], ao considerar, e tornar expresso, que tal como no código de 1886, deve exigir-se, atualmente, que o cúmplice aconselhe diretamente o autor ou autores, dizendo que não há cumplicidade de cumplicidade.
Como escreve, novamente, o Prof. Figueiredo Dias, “o dolo do cúmplice tem, no entanto, de possuir uma dupla referência (...): ele tem de referir-se à prestação de auxílio, por um lado, e, por outro, à própria ação dolosa do autor. (...) Naturalmente que não pode deixar de exigir-se que o cúmplice conheça a dimensão essencial do ilícito-típico a praticar pelo autor (…) mas a cumplicidade deverá será admitida ainda quando o cúmplice desconheça, ou não conheça exatamente as circunstâncias concretas em que vai desenvolver-se o ilícito típico do autor (…)[58].
Em face disto, afigura-se-nos desde logo não ser possível considerar que qualquer dos arguidos prestou auxílio moral direto àquele ou àqueles que dominaram o trânsito da cocaína do Porto de Salvador da Baía para o Porto de Sines, no sentido de estes, autores daquele facto, terem sido fortalecidos na sua decisão de fazer transitar a cocaína nos termos em que transitou, dado o compromisso dos três recorrentes com a tarefa e atenta a forma como está redigido o ponto 4º[59] dos factos provados.
A tudo acresce a falta do elemento subjetivo devidamente descrito para o auxílio moral àquele trânsito da cocaína do Porto de Salvador da Baía para o Porto Sines, pois o que se encontra descrito nos autos visa descrever o conhecimento e a vontade de realização do tipo objetivo de ilícito relativo a uma coautoria[60] na tarefa, para que foram contratados e não descrever o conhecimento e a vontade de prestar colaboração ou auxílio a um facto doloso do autor [leia-se os mandantes da Galiza], que seria o trânsito da cocaína, com o conteúdo e sentido exigido por F. Dias e que a jurisprudência vem acolhendo[61].
Portanto e em suma, não podemos afirmar perante o provado que os três arguidos, aqui recorrentes, e naturalmente os demais foram cúmplices do trânsito da cocaína do Porto de Salvador da Baía para Sines.
Impõe-se também neste segmento a absolvição de todos os arguidos.
Os arguidos foram absolvidos do crime de tráfico de estupefacientes.
O Tribunal havia determinado perda de bens com os seguintes fundamentos:
«Dos objetos apreendidos.
O Ministério Público requereu a perda a favor do Estado dos objectos/bens apreendidos aos arguidos, que identificou (quantias em dinheiro, telemóveis, veículos automóveis e amostra-cofre da cocaína apreendida), nos termos do disposto nos artigos 35º e 36º do DL nº 15/93, de 22-01.
De acordo com o disposto no art. 109º, nº 1, do Código Penal, são declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estiverem destinados a servir para a sua prática.
Por seu turno, dispõe o art. 35º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22-01, que são declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infração prevista no mencionado diploma ou que por esta tiverem sido produzidos.
Dispõe o nº 2 do mesmo artigo que as plantas, substâncias e preparações incluídas nas tabelas I a IV são sempre declaradas perdidas a favor do Estado.
O art. 36º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22-01, estabelece que toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de uma infracção prevista no presente diploma, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado.
Dispõe o nº 2 do mesmo artigo que são também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos de terceiro de boa fé, os objetos, direitos e vantagens que, através da infração, tiverem sido diretamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem.
O disposto no art. 109º do Código Penal exige para a declaração de perda dos bens a favor do Estado, que os instrumentos ou produtos do crime, pela sua natureza ou circunstâncias do caso ponham em perigo a segurança das pessoas ou a ordem pública, ou ofereçam sério risco de virem a ser utilizados para o cometimento de novos crimes e esta era a redação inicial dos preceitos então correspondentes aos supra indicados.
O art. 110º, nº1, al. b) do mesmo diploma legal determina que são declarados perdidos a favor do Estado (para o que aqui interessa) as vantagens do facto ilícito típico considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.
Dispõe o n.º 1 do artigo 35.º, nº1, do D. L. 15/93 de 22 de janeiro que são declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infração prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos. E nº2 – as plantas, substâncias e preparações incluídas nas tabelas I a IV, são sempre declaradas perdidas a favor do Estado. E preceitua o n.º 2 do artigo 36.º, nº2 que – São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos de terceiro de boa fé, os objetos, direitos e vantagens que, através da infração, tiverem sido diretamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem.
No caso dos enunciados arts. 35º e 36º, atual redação, estamos perante normas especiais que em obediência a um desígnio de reforço da reação penal relativa ao tráfico de estupefacientes, se sobrepõe ao art. 109º do C. Penal – cfr. neste sentido Ac. do STJ de 28 de Janeiro de 1998, BMJ, nº473, p. 166 e de 11 de Fevereiro de 2003, www. dgsi.pt
Todavia, como evidencia o Ac. da Relação do Porto de 5 de Novembro de 2008, www.dgsi.pt., a privação automática de direitos independentemente da formulação de um concreto juízo jurisdicional de ponderação de circunstâncias do caso e das características do objeto em causa, seria inconstitucional. Daí que a jurisprudência vem limitando o alcance das normas em apreço, apelando a critérios de causalidade e proporcionalidade, sendo necessário que o crime não tivesse sido praticado, ou o tivesse sido de forma diferente, sem tal diferença penalmente relevante, sem o objeto em causa. Apresentando-se também necessário, para alguma jurisprudência que o mal da perda represente uma medida justa e proporcional à gravidade do crime- - Cfr. quanto à concretização dos critérios, entre outros, Acórdãos do STJ de 21 de Março de 1996, 26 de Fevereiro de 2004 e de 22 de Março de 2007, www.dgsi.pt; Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 17 de Janeiro de 2003, CJ, Tomo 4, p. 291.
PEDRO PATTO, in Comentário das Leis Penais Extravagantes, Volume 2, Universidade Católica de Lisboa, Lisboa, 2011, p. 532 a 533, aponta alguns critérios uteis. Sobre a essencialidade do objeto impõe-se procurar apurar da diferença entre a forma como o crime é praticado com ou sem o objeto, designadamente, se a droga poderia ser, sem particular esforço ser transportada ou distribuída sem aquele não se justifica a perda, já assim não sendo se se demonstra o contrário. Importa ainda distinguir a utilização episódica da regular. Se a dimensão do estupefaciente exigir o transporte já este se reportará de essencial. Nunca deixando de fazer apelo à proporcionalidade, não podendo as consequências da perda superar a gravidade do crime.
No caso dos autos, importa declarar perdidos a favor do Estado o produto estupefaciente [cocaína] (e os objetos que o acondicionavam) apreendido.
No que respeita aos telemóveis e em face dos factos dados como provados e não provados, designadamente os apreendidos aos arguidos AA, BB, todos eles, e CC (com exceção do telemóvel apreendido na sua residência, visto resultar dos autos que foi apreendido ao seu então cônjuge), devem ser declarados perdidos a favor do Estado.
Os telemóveis apreendidos aos arguidos FF e EE, em face dos factos provados e, principalmente, dos não provados, e da decisão de absolvição destes arguidos da prática dos crimes de que estava acusados/pronunciados, não podem tais objetos ser declarados perdidos a favor do Estado, impondo-se a sua devolução aos seus proprietários (os referidos arguidos).
No que respeita às quantias monetárias apreendidas nos autos quanto à quantia (€ 3.650,00) encontrada na posse do arguido AA, tendo presente o que resulta dos factos provados nomeadamente que este se encontrava em Lisboa no âmbito das diligências de desalfandegamento e transporte de cocaína e que a esta atividade está inerente a necessidade de levar a efeito pagamentos não detetáveis aliada à circunstância de nos dias de hoje face à panóplia de meios e pagamento eletrónico existentes a quantia em causa não se compagina ou traduz “dinheiro de bolso” tem de concluir-se configurar dinheiro destinado à prática dos factos determina-se a sua perda a favor do Estado.
Quanto à quantia (€ 2.200,00) encontrada na posse do arguido EE, em face dos factos dados como provados e, principalmente, em face dos factos dados como não provados, não pode a mesma ser declarada perdida a favor do Estado e será devolvida ao arguido).
No que respeita aos veículos automóveis apreendidos nos autos o automóvel da marca BMW, com a matrícula ....FPH, apreendido ao arguido AA, e o veículo Mercedes-..., de matrícula ..-..7-KX (e respectiva chave e documentos), apreendido ao arguido CC, tendo sido usados na prática do crime de tráfico de estupefacientes pelo qual aqueles arguidos são condenados nos presentes autos (sem que tenham servido para transportar a cocaína, mas apenas para a deslocação dos arguidos), contudo o seu uso não se revelou essencial para a prática da atividade delituosa imputada aos arguidos (e provada nos autos), pelo que tais veículos não serão declarados perdidos a favor do Estado, e antes evolvidos aos seus proprietários / possuidores (os referidos arguidos).
Quanto ao veículo automóvel da marca Renault ..., com a matrícula ....JSJ, apreendido ao arguido EE (era este arguido o possuidor da chave da viatura), em face da absolvição deste arguido da prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado de que estava acusado (e também do crime de associação criminosa), impõe-se que tal veículo não seja declarado perdido a favor do Estado, sendo devolvido ao seu proprietário / possuidor (o referido arguido).
De igual modo, as chaves de veículos automóveis, apreendidas aos arguidos AA, FF e EE, não devem ser declaradas perdidas a favor do Estado, sendo devolvidas aos seus proprietários / possuidores (os referidos arguidos).
Quanto aos cartões (de débito, pré-pago e visa) e ao talão de depósito bancário, apreendidos ao arguido CC, impõe-se que tais objectos não sejam declarados perdidos a favor do Estado, sendo devolvidos ao seu proprietário / possuidor (o referido arguido).
Quanto à folha de caderno do “Grupo G...” (com inscrições manuscritas de quantias e nomes, e de viaturas), apreendidos ao arguido CC, impõe-se que tal documento permaneça nos autos, por poder constituir meio de prova (não sendo assim declarado perdido a favor do Estado, nem devolvido ao referido arguido).
Quanto às munições de uso militar, apreendidos ao arguido BB, em face da natureza e perigosidade de tais objetos, devem os mesmos ser declarados perdidos a favor do Estado.
Quanto ao computador e disco de armazenamento, apreendidos ao arguido BB, pelas enunciadas razões e porque não se mostram verificados os respetivos pressupostos não serão declarados perdidos a favor do Estado, determinando-se antes sejam devolvidos ao seu proprietário / possuidor (o referido arguido).»
Posta a posição do tribunal de julgamento e a atual absolvição impõe-se ordenar a entrega de todos os bens e dinheiros, aos respetivos arguidos, com as seguintes exceções:
- a droga e os objetos que a acondicionavam que sofre o destino que lhe foi dado pelo tribunal a quo;
- a folha de caderno do “Grupo G...” (com inscrições manuscritas de quantias e nomes, e de viaturas), apreendidos ao arguido CC tal documento permaneça nos autos, por poder constituir meio de prova (não sendo assim declarado perdido a favor do Estado, nem devolvido ao referido arguido);
- as munições de uso militar, apreendidos ao arguido BB, em face da natureza e perigosidade de tais objetos, devem os mesmos ser declarados perdidos a favor do Estado.
Fica prejudicado o conhecimento das restantes questões postas.
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso do MP e conceder provimento ao recurso dos recorrentes Arguidos nos seguintes termos:
- Alterar os pontos 8º e 10º da matéria de facto provada como deixamos exposto.
- Alterar a decisão da primeira instância, absolvendo os arguidos AA, BB e CC da prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado (arts. 21º, nº 1, e 24º, al. c), do DL nº 15/93, de 22-01, com referência à Tabela I-B).
- Manter a decisão da primeira instância relativamente às demais absolvições.
- Declarar perdidos a favor do Estado, a droga e os objetos que a acondicionavam, sofrendo, portanto, o destino que lhe foi dado pelo tribunal a quo; e, bem assim, as munições de uso militar, apreendidos ao arguido BB, em face da natureza e perigosidade de tais objetos.
-A folha de caderno do “Grupo G...” (com inscrições manuscritas de quantias e nomes, e de viaturas), apreendidos ao arguido CC tal documento permanecerá nos autos, por poder constituir meio de prova (não sendo assim declarado perdido a favor do Estado, nem devolvido ao referido arguido).
- Ordenar a entrega de todos os bens e dinheiros, aos respetivos arguidos, com exceção dos que acima declaramos perdidos.
______________________________
[1] Onde se decidiu, além do mais que ora não releva: « Acordam os juízes subscritores, pelas razões enumeradas e visto os vícios do erro notório na apreciação da prova- art. 410, n.º 2 al. c) -, da contradição insanável – art. 410º, n.º 2 al. b) - e da insuficiência para a decisão de direito da matéria de facto – art. 410º, n.º 2 al. a) - e ainda as nulidades demonstradas, determinar o reenvio do processo para novo julgamento total a realizar por outro Tribunal Coletivo – que tenha em atenção o que aqui se decidiu não obstante o reenvio total – e, consequentemente, ordena-se a baixa do processo para que se proceda à realização de novo julgamento.»
[2] vide Taruffo, La prueba de los hechos, trad. Española, Editorial Trotta, 2002, pag. 435, citado por Maria Clara Calheiros de Carvalho, «A base argumentativa da decisão judicial», Revista Julgar n.º 6, pág. 73
[3] Garante dos direitos de defesa e contraditório inerentes ao Estado de Direito que, assentando no princípio da Dignidade Humana, deve assegurar um processo justo e equitativo).
[4] Antes da entrada em vigor do atual artigo 345º, n.º 4 do CPP.
[5] Cfr. MEDINA DE SEIÇA “O Conhecimento Probatório do Co-arguido”, Coimbra Editora, 1999.
[6] Acessível em: https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19970524.html
[7] Cfr. PAULO DÁ MESQUITA, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, Almedina, Setembro de 2022, p. 479, § 4.
[8] Acessível em: https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20100133.htm
[9] vide Henriques Gaspar em anotação ao artigo 1º al. f) do CPP, pág. 16, do CPP Comentado. 2014.
[10] Art.1º, nº 1, alínea f) do Código de Processo Penal.
[11] vide Henriques Gaspar em anotação ao artigo 359º, do CPP, pág. 1131, do CPP Comentado, Almedina, 2014.
[12] Cf. Acórdão do STJ de 21.03.2007, Conselheiro Henriques Gaspar.
[13] Maia Gonçalves, Código de Processo Penal - Anotado, Almedina, 2009, 17ª edição, página 814 e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade católica Editora, 2009, 4ª edição atualizada, página 44.
[14] Cf. Ac. do STJ de 05.12.2007, acedido aqui: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/854DFD19BD3F78B3802573E000363505
[15] Cf. Acórdão do STJ de 24.02.2016, acedido aqui: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/4E6C6B2EAB45FC9D80257F6400361D3A
[16] Cf. Acórdão do STJ de 12.02.1997, acedido aqui: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/a920a9da9974938d802568fc003b7b89?OpenDocument
[17] Cf. Acórdão do STJ de 30.01.2002, acedido aqui: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/170d1c843dacbf3780256d18003a6bfe?OpenDocument
[18] Vide acórdão do STJ de 12.02.1997, anteriormente citado.
[19] CF. Acórdão do STJ de 28.02.2007, acedido aqui: https://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=24761&codarea=2
[20] O poder de cognição do Tribunal da Relação, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento, mas constitui apenas remédio para os vícios do julgamento em 1.ª instância – vide Germano Marques da Silva, Forum Iustitiae, Ano I, n.º 0, de Maio de 1999. No mesmo sentido se pronuncia Damião Cunha - O Caso Julgado parcial, 2002, pág. 37 -, ao afirmar que os recursos são entendidos como juízos de censura crítica – e não como “novos julgamentos”.
[21] Cf. Acórdão do STJ de 25.03.2010, acedido aqui: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4fac1f2fe11ef86b80257706002ffe50?OpenDocument
[22] Dizemos “seria intenção” em virtude da mistura de considerações de direito, com partes da motivação do tribunal e argumentação que repete os relatórios da PJ durante o inquérito.
[23] Quer na motivação quer nas conclusões, razão de se não ter endereçado qualquer convite à correção das conclusões.
[24] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 715/96, de 22 de Maio, acedido aqui: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19960715.html
[25] Cf. o Ac. do STJ de 11.07.2013, relatado pelo Conselheiro Arménio Sottomayor, acessível em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/109eabb6b897226c80257cae0033bba0?OpenDocument;
[26] E dizemos aparentemente, por não se excluir a hipótese de os arguidos deste lado da fronteira terem sido deliberadamente enganados na data de chegada do navio até 30 de julho.
[27]Cf. Pedro Pato, Comentário das Leis Penais Extravagantes, Org. Paulo Pinto de Albuquerque e Pedro Branco, Vol. II, UCE, pág. 522,
[28] CF. Figueiredo Dias, in «Comentário Conimbricense do Código Penal», Tomo II, pág. 1157.
[29] CF. Comentário das Leis Penais Extravagantes, Org. Paulo Pinto de Albuquerque e Pedro Branco, Vol. II, UCE, pág. 522,
[30] Ver nota seguinte.
[31] Ano X, Tomo 4, páginas 14 e 15.
[32] Correspondente ao art. 299º na versão do DL nº 48/95.
[33] , in “Comentário Conimbricense…”, Coimbra Editora, 1999, pág. 160 e segs.
[34] O que supõe que do encontro de vontades tenha resultado um centro autónomo de imputação fáctica das ações prosseguidas ou a prosseguir em nome e no interesse do conjunto. CF. Figueiredo Dias Ob. Cit. pág. 1160.
[35] A lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, introduziu um n.º 5 ao artigo 299 do Código Penal, com o seguinte texto: Para os efeitos do presente artigo, considera-se que existe grupo, organização ou associação quando esteja em causa um conjunto de, pelo menos, três pessoas, actuando concertadamente durante um certo período de tempo. A mencionada alteração traduz-se, para efeitos do crime em análise, em só poder falar-se de grupo, organização ou associação se estiver em causa um conjunto de, pelo menos, 3 pessoas – vide ac. do STJ de 10.09.2014, Rel. Conselheiro Manuel Braz - que entende, também, que a supra mencionada alteração, exigência de um conjunto de, pelo menos, 3 pessoas, é aplicável no âmbito dos crimes tributários por força do artigo 3º, al. a) do RGIT, e aos factos ocorridos anteriormente, na medida em que sendo mais exigente na verificação de um elemento da factualidade típica, é descriminalizadora nos casos em que esse elemento não apresente o conteúdo agora exigido.
[36] Deste ponto de vista deverá requerer-se uma certa estabilidade ou permanência das pessoas que compõem a organização. Cf. Autor e Ob. Cit. pág. 1162.
[37] Págs. 1167 e 1168, da OB. cit. que vimos seguindo.
[38] Seguimos Ob Cit. de págs. 1166 a 1172.
[39] Acessível em:https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/7ac4e10e78ab4dd080258059003528de?OpenDocument
[40] Cf. Figueiredo Dias, “Direito Penal, Parte Geral”, I, 2.ª ed., reimp., Coimbra Editora, pág. 791.
[41] CF. ac. do STJ de 01.10.2003, acessível em: https://jurisprudencia.pt/acordao/140810/
[42] Cf. Ac. do TC n.º 426/91, de 06.11.1919, acessível em: https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19910426.html
[43] Cf. Maia Costa, "O crime de tráfico de estupefacientes: o direito penal em todo o seu esplendor", in Revista do Ministério Público, Abril-Junho de 2003, p. 94.
[44] Cf. Ac. do TC citado.
[45] Cf. Ac. Acessível em: https://jurisprudencia.pt/acordao/139174/
[46] Cf. AC. do STJ de 03.09.2008, Conselheiro Santos Cabral, acessível em:
https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c87d62c80813c2e6802574f7003909c2?OpenDocument
[47] Cf. Helena Moniz, Crime de trato sucessivo, Julgar Online, Abril de 2008, pág.. 5, acessível em https://julgar.pt/wp-content/uploads/2018/04/20180411-ARTIGO-JULGAR-Crimes-de-trato-sucessivo-Helena-Moniz.pdf; doutrina que foi acolhida no AUJ n.º 9/2023,de 29.06.2023, acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/4ec54d8f4b607f1a802589ec003d6d44?OpenDocument; publicado DRE N.º 184/2023, I SÉRIE DE 21-09-2023, P. 25-53, acessível aqui: https://files.diariodarepublica.pt/1s/2023/09/18400/0002500053.pdf
[48] Cf. o AUJ citado na anterior no
ta de rodapé.
[49] Cf. o ac. do STJ de 03.09.2008, do Conselheiro Santos Cabral, já citado.
[50] Visto ser ponto assente na jurisprudência que juiz pode e deve qualificar os factos de acordo com o que entende ser a interpretação correta da lei, mesmo que as partes não o tenham feito ou tenham feito de forma incorreta.
[51] Cf. Ac. citado in CJ, 1982, Ano VII, tomo 4.
[52] Não está aqui em causa qualquer operação em que se possa afirmar que os arguidos estiveram envolvidos nos dois lados do Atlântico e/ou também no trânsito de droga de Salvador da Baía para Sines, por isso a importância da acusação por associação criminosa; portanto longe da situação de que fala A.G. Lourenço Martins, Droga e Direito, Aequitas, 1994, pág. 128, a propósito do caso conhecido como “French Connection”; ou mesmo de operação como a tratada no Ac. do STJ de 11.07.2013, acessível em: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/109eabb6b897226c80257cae0033bba0?OpenDocument; e nem sequer com os contornos fácticos idênticos ou assimiláveis ao que consta do Ac. do STJ de 13.11.2014, acessível em: : http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e8cf0b89a0dd2dd880257d9300518bf9?OpenDocument
[53] Cf. o AUJ citado.
[54] Cf. Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português Parte Geral, Tomo II, 2ª edição revista e atualizada, 2005, Verbo, pág. 249: “o critério legal para a distinção entre actos preparatórios e actos de execução é um critério objectivo; os actos de execução hão-de conter já, eles próprios, um momento de ilicitude, pois ainda que não produzam a lesão do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora do crime consumado, produzem já uma situação de perigo para esse bem. Acto executivo, portanto, é o acto dotado de idoneidade (capacidade potencial de produção do evento) plus inequivocidade. E acto preparatório é o acto que, além de inidóneo, deverá apresentar-se como equívoco, isto é, ambíguo.” Também nos informa aquele Professor, no mesmo local, que os actos preparatórios “são já actos externos que preparam ou facilitam a execução, mas não são ainda actos de execução”
[55] Cf- Ac. do TRE de 17.03.2015, acedido aqui: https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/eda54efb5a3fd9d180257e2e003edcee?OpenDocument
[56] Cf. F. Dias, Direito penal, Parte Geral, Tomo I, pags. 834 a 836, que vimos seguindo.
[57] Cf. Germano M.S, Direito Penal Português, Parte Geral II, Teoria do crime, pag. 318.
[58] Cf. Figueiredo Dias, Direito Penal, parte geral, I, 2ª, p. 834.
[59] 4. O arguido AA, por solicitação de individuo ou indivíduos não concretamente identificados adquirentes (ou destes representantes) do referido produto estupefaciente foi incumbido de diligenciar em Portugal pelo acesso no porto de chegada à cocaína aludida em 3 e do seu transporte para local ou locais não concretamente determinados.
[60] Cf. Os pontos 47 e 48 dos factos provados com a seguinte redação: 47. Os arguidos AA, BB e CC atuaram pela forma descrita, de comum acordo, em conjugação de esforços, conhecendo a natureza, características e quantidade do produto (cocaína) que se encontrava no contentor e sabendo que a distribuição e venda de tal produto (cocaína) provocaria a obtenção de avultada compensação monetária. 48. Os arguidos AA, BB e CC agiram deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade das respetivas condutas.
[61] Cfr. o Ac. do TRE de 06.11.2012; acessível em :https://jurisprudencia.pt/acordao/53365/: o Ac. do TRG de 25.01.2016, acessível em: https://jurisprudencia.pt/acordao/1953/; Cfr. Ac. do TRE de 05.06.2012, acessível em: https://jurisprudencia.pt/acordao/53640/; Cf. Ac. do TRP de 08.11.2017, acessível em https://jurisprudencia.pt/acordao/7315/