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INQUÉRITO
PRAZO MÁXIMO DE DURAÇÃO
PRAZO MERAMENTE ORDENADOR
ULTRAPASSAGEM DO PRAZO PARA A DECISÃO
CONSEQUÊNCIAS
AUTORIDADE POLICIAL
PARAGEM DE VEÍCULO
ORDEM LEGÍTIMA
FUGA
DESOBEDIÊNCIA
CONTRAORDENAÇÃO ESTRADAL
CRIME DE CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO
PERDÃO DE COIMAS
PRESSUPOSTOS
Sumário
I – Da letra da lei, doutrina e jurisprudência maioritárias resulta que os prazos máximos de duração do inquérito previstos no artigo 276º do Código de Processo Penal são prazos meramente ordenadores dos actos do processo, sem carácter preclusivo do exercício da acção penal. II – Significa isso que não estamos perante o estabelecimento de um prazo para o exercício de um direito, mas antes, perante o estabelecimento de um prazo para o exercício de um poder-dever vinculado do titular da acção penal, daí podendo retirar-se que estamos perante norma programática que mais não pretende do que fixar ao agente titular desse poder funcional um prazo para o encerramento do inquérito, sob pena de eventual responsabilidade disciplinar. III – Assim, a ultrapassagem do prazo de encerramento do inquérito apenas confere direito de ser requerida a aceleração processual, o apuramento de eventual responsabilidade disciplinar e a cessação do segredo de justiça, pelo que, em consequência, o excesso dos referidos prazos não produz a inexistência, nulidade ou ineficácia dos actos praticados decorrido os prazos do inquérito, sem prejuízo da ocorrência de eventual prescrição, sendo este o único prazo legalmente previsto para o procedimento criminal que importa a extinção do direito do Estado perseguir criminalmente as pessoas, singulares ou colectivas. IV – o Militar da GNR, em ação de fiscalização e de prevenção rodoviária, devidamente uniformizado, deu ordem de paragem através de sinais luminosos e sonoros para o condutor (o aqui recorrente) encostar e imobilizar a viatura à direita da faixa de rodagem, a fim de ser fiscalizado, todavia aquele não obedeceu à ordem de paragem e imprimiu ainda mais velocidade à viatura automóvel que conduzia, pondo-se em fuga, incorre na prática da correspondente contraordenação por desobediência, não tendo aqui aplicação a disposição regulamentar prevista no artigo 103º do Regulamento de Sinalização do Trânsito. V – Para efeitos da aplicação ou exclusão do perdão previsto na Lei 38-A/2023, de 02/08 o que conta é o limite máximo da coima aplicável, que não o da concretamente aplicada. VI – O cometimento de infracções estradais subjacentes à condenação pela prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário não pode ser justificado pela perseguição de que o arguido foi alvo na sequência de ter desobedecido à ordem de paragem por parte dos agentes da autoridade e de se ter posto em fuga.
(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Texto Integral
Processo: 72/22.7GDVFR.P1
Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
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1. Relatório
Após realização da audiência de julgamento no Processo Comum (Tribunal Singular) nº 72/22.7GDVFR do Juízo Local Criminal de ... do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, em 14.01.2025 foi proferida sentença, da qual se transcreve o respetivo:
VIII. Dispositivo
Face ao exposto, por considerar a acusação parcialmente procedente, por parcialmente provada, decide o Tribunal:
a) absolver os arguidos AA e BB da prática de um crime de desobediência qualificada, p. e p., pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, por referência ao artigo 14.º, n.º 2 da Lei n.º 63/2007, de 6/11 (Lei Orgânica da GNR), com a redação dada pela Lei n.º 73/2021, de 12/11;
b) absolver o arguido BB da prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelos artigos 69.º, n.º 1, alínea a) e 291.º, nº 1 alínea b), do Código Penal e das quatro contraordenações graves causais e quatro contraordenações muito graves causais, previstas e puníveis, pelos artigos 145.º, n.º 1, alíneas a), e) e f) e 146.º, alíneas i), l), n) e o) e 147.º, do Código da Estrada, com a redação dada pelo Decreto-lei n.º 46/2022, de 12/07.
c) absolver o arguido AA da prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro.
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d) por convolação da imputação jurídica presente na acusação, considerar que o arguido AA praticou uma contraordenação prevista pelo artº 4º, nºs 1 e 3, do Código Estrada;
e) tendo o arguido AA, após a notificação para o efeito, pago voluntariamente a respetiva coima, prevista pelo artº 4º, nº 3, do Cód. Estrada, pelo valor mínimo, nos termos do disposto no artº 172º, nº 4, do Cód. Estrada determina-se o arquivamento imediato do processo, no que respeita à aplicação da coima;
f) tendo o arguido AA praticado a contraordenação prevista pelo artº 4º, nºs 1 e 3, do Código Estrada (cfr. supra, al. -d)-), condenar o arguido AA na sanção acessória de inibição de condução de veículos a motor, prevista pelos artºs 4º, nº 3, 138º, nº 1, 146º, al. l) e 147º, nºs 1 e 2, do Cód. Estrada, condenando assim o arguido AA na sanção acessória de inibição de condução de veículos a motor pelo período de 4 (quatro) meses;
g) condenar o arguido AA pela prática, em 22/01/2022, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p.p. pelo artº 291.º, nº 1 al. b), do Cód. Penal, na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão;
no entanto, por entender que as necessidades de prevenção ficam devidamente salvaguardadas, nos termos do disposto no artº 43º, nº 1, al. a), do Cód. Penal, determina-se o cumprimento da pena de prisão aplicada em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica,
condenando-se assim o arguido AA na pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, prisão a ser executada em regime de permanência na habitação pelo mesmo período de 1 (um) ano e 10 (dez) meses, com vigilância eletrónica (fiscalização por meios de controlo à distância);
no entanto, nos termos do disposto no artº 43º, nº 3, do Cód. Penal, o Tribunal autoriza que o arguido se ausente da habitação para o exercício efetivo da sua atividade profissional, ou para a frequência de cursos de formação profissional, sendo que o arguido deverá informar e solicitar a autorização do Tribunal de Execução de Penas (TEP) sempre que necessitar de se ausentar da habitação para esse efeito.
A autorização que o TEP conceder deverá definir os horários das ausências e deverá ser apenas concedida para o arguido prestar a sua atividade profissional ou beneficiar de formação profissional.
O trabalho em causa, decorrente da prestação da atividade profissional, deverá ter um horário fixo definido, não ultrapassar nove horas de trabalho diárias, e executar-se, no máximo, durante 5 (cinco) dias por semana.
O arguido não poderá, no entanto, neste âmbito, beneficiar de qualquer autorização que permita que o arguido não regresse a casa diariamente.
h) Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados, prevista pelo artº 69º, nº 1, al. a), do Cód. Penal, pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses (que acresce à sanção acessória de inibição de condução de veículos motorizados supra referida – cumulação material);
i) Por considerar que as quatro contraordenações graves causais e quatro contraordenações muito graves causais, previstas e puníveis, pelos artigos 145.º, n.º 1, alíneas a), e) e f) e 146.º, alíneas i), l), n) e o) e 147.º, do Código da Estrada, com a redação dada pelo Decreto-lei n.º 46/2022, de 12/07, referidas na acusação, estão em, concurso aparente com o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, não condenar, autonomamente, o arguido AA por estas contraordenações.
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j) Condenar o arguido AA nas custas e demais encargos penais, com taxa de justiça que se fixa, pela condenação, em 4 Uc’s, ao abrigo do disposto nos artºs 374º, nº 4; 513º, nº s 1, 2 e 3; 514º, nºs 1 e 2; e 524º, todos do CPP, bem como nos termos dos artºs 1º, nº 1; 2º; 3º, nº 1; 5º, nº 1; 8º, nº 9; e 13º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais (em conjugação com a Tabela III), sem prejuízo do apoio judiciário que possa existir;
Sem custas para o arguido BB, que foi absolvido.
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Considerando que não se sabe se o arguido AA tem, ou não, carta de condução, não se determina a apreensão da carta de condução.
Assim, a sanção de inibição de condução de veículos motorizados, supra indicada em –f)- deverá ser cumprida em primeiro lugar e inicia-se o cumprimento com o trânsito em julgado da sentença.
Enquanto decorrer esse cumprimento da sanção acessória indicada supra em –f)-, não é possível iniciar-se o cumprimento da pena acessória de proibição de condução indicada supra em –h)- (não podem as duas ser cumpridas em simultâneo).
No momento em que o arguido terminar o cumprimento da sanção acessória, poderá então iniciar o cumprimento da pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados.
Se o arguido, nessa altura, estiver autorizado para sair de casa e executar um trabalho, deverá iniciar-se nessa altura, esse cumprimento.
Se o arguido não estiver autorizado para sair da habitação, deverá ter-se em atenção o disposto no artº 69º. nº 6, do Cód. Penal.
Vai o arguido AA advertido de que se conduzir veículos motorizados durante o período da proibição imposta, incorre na prática de um crime p. e p. pelo art.º 353º do C. Penal, a que corresponde pena de prisão até 2 anos.
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Inconformado com a sentença proferida, o arguido AA interpôs recurso para este Tribunal da Relação do Porto, finalizando as respectivas motivações com as seguintes conclusões: (transcrição)
1ª A escalpelização hermenêutica da sentença, ora, recorrida, descortina equívocos ao nível da subsunção jurídica e descobre contradicções fácticas manifestas, postas a nu, quando cotejadas com as regras da lógica, razoabilidade e da experiência comum.
2ª Ressalta à saciedade dos autos, e até com meridiana clareza, que o manadeiro fáctico assente e provado é, completamente, inapto para preencher o Tatbestand constante do libelo público e, pelo qual, foi o arguido condenado.
3ª O presente Inquérito está, inelutavelmente, coberto pelo manto da caducidade, pelo que, a perseguição criminal, através do ius puniendi do Estado, ficou, definitivamente, prejudicada.
Com efeito, e não tendo sido prolatada qualquer decisão de complexidade do Inquérito em curso, o prazo para a sua conclusão, há muito que se encontrava pulverizado, quando a acusação foi bordada pelo Ministério Público.
4ª O prazo de encerramento do Inquérito, plasmado no artigo 276º do CPP é um prazo de caducidade.
5ª O manadeiro fáctico assente na Sentença, jamais, poderá subsumir-se na hipotização do tipo de ilícito contraordenacional estampado no artigo 4º do CE, isto, claro está, enquanto estiver erigido o Estado de Direito.
6ª O militar da GNJR ordenou a imobilização do veículo recorrendo a sinais luminosos e sonoros, presumindo-se, pois, a sentença omite em absoluto tal facto, que o militar estraria dentro de um veículo automóvel caracterizado, e nenhum declaratário normal, conduzindo na via pública um veículo automóvel, pode concluir de forma inequívoca e absoluta, que quem lhe faz sinais de luzes, sejam eles quais forem, e mesmo provindo dum carro caracterizado da GNR, significa, parar de imediato.
7ª Não são quaisquer ordens que dão guarida à hipotização do tipo contraordenacional plasmado no artigo 4º do CE.
A norma exige de forma expressa, no seu n.º 1, que as ordens das autoridades sejam LEGÍTIMAS.
Ora, estar dento dum veículo automóvel e fazer sinais de luzes ao condutor, como fez o militar da GNR, no fito de aquele imobilizar o veículo para ser fiscalizado, não é uma ordem legítima, à luz do nosso Ordenamento-Jurídico.
8ª O Mmº Juiz do Tribunal “a quo”, condenou o arguido na sanção acessória pela norma constante do n.º 3 do artigo 4º do CE, o que carece de total fundamento legal, sendo mesmo descabido juridicamente.
A perfunctoriedade da decisão, deixou a descoberto a falta de rigor pois, postergou, por completo, o que é um sinal regulamentar de paragem.
9ª No seu iter cognitivo e decisório, o Sr. Juiz do Tribunal “a quo” não logrou convocar as normas constantes do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, mormente o artigo 103º, que elenca os Sinais dos Agentes Reguladores do Trânsito, onde não se inscreve, apodicticamente, sinais de luzes dum veículo caracterizado da GNR.
10ª Admitindo-se, por mera necessidade de raciocínio académico, que os sinais de luzes do veículo automóvel caracterizado da GNR constituíam qualquer guisa de ordem legítima de paragem (e não, como vimos, uma ordem regulamentar de paragem punida nos termos do n.º 3 do artigo 4º do CE), com a respectiva infracção punível de forma menos severa pelo
n.º 1 e 2 do artigo 4º do CE, com coima de 120 a 600 €, então, a putativa infracção estradal, rectius, sanção acessória estaria
aboletada pela denominada Lei da Amnistia (Lei 38-A/2023) pelo seu artigo 5º, o que para os devidos, efeitos, aqui, expressamente, se invoca.
Com efeito, o alegado facto foi praticado em data anterior a 19.06.2023, e a sanção acessória é relativaa contraordenação punível com coima máxima inferior a 1.000,00 €, pelo que, a sanção acessória deveria ter sido declarada perdoada, nos termos legais aplicáveis, invocando a predita norma de graça, e que foi postergado pelo Tribunal “a quo”.
11º Está demonstrado às escâncaras que o arguido, antes de protagonizar a fuga, não foi interceptado em qualquer situação, mesmo que resquícia, de flagrante delito de qualquer crime, ou da prática de qualquer contraordenação, ou sequer, suspeito da prática de qualquer contraordenação, pois, como vimos, o militar da GNR não esboçou qualquer sinal válido e regulamentar de paragem.
12ª Neste cenário factual os militares da GNR, não estando em causa qualquer comissão de crime, qualquer comissão de contraordenação estradal, e nem, sequer, suspeitas fundadas das mesmas, tão-só o arguido ter continuado a marcha ignorando os sinais de luzes, ainda, assim, decidiram encetar uma perseguição motorizada, no encalço do arguido.
13ª Cumprindo a lei, os regulamentos, o estatuto da GNR, e os mais elementares deveres de cuidado, zelo, e rigor, os Srs. Militares da GNR, nestas circunstâncias factuais, jamais, teriam encetado a perseguição motorizada, que ipso facto, é ilegal e sem qualquer fundamento válido.
14ª A perseguição motorizada encetada pelos militares da GNR, funcionou como espoleta para a fuga e subsequente condução do veículo pelo arguido em desrespeito pelas normas estradais, tendo este como único foco, não ser capturado pela GNR.
Não tendo havido perseguição, jamais, teria havido infracção às regras da condução.
15ª O arguido antes da perseguição motorizada no seu encalço protagonizada pelos militares da GNR, mantinha uma condução perfeitamente ajustada e cumpridoras das regras estradais.
O arguido não tinha qualquer intenção prévia de conduzir daquela forma, e só o fez, após ser perseguido injustificadamente pela GNR, que foi assim, a causa directa, exclusiva e provocadora da condução temerária encetada pelo arguido.
16ª A provocação consubstancia um constrangimento inadmissível da liberdade do sujeito, e por isso deve ser reconduzida à categoria dos métodos proibidos de prova cabimentados no artigo 126.º, n.º 2 a) do CPP.
Este artigo, ao proteger o direito à liberdade dos cidadãos, não prevê que em nome da eficácia da investigação criminal esta seja manipulada ao ponto da decisão do suspeito se formar através da actuação do órgão de investigação criminal, e que pode ser transposto, mutatis mutandis, para o caso sub judice.
17ª Deparamo-nos, aqui, com uma ofensa à integridade pessoal do indivíduo, moral e física, protegida pelo artigo 25.º, n.º 1 da CRP e cuja violação contempla uma proibição de prova nos termos do artigo 32.º, n.º 8 da CRP.
Este é um direito indisponível e como tal o legislador ordinário consagrou, no artigo 126.º, n.º 2 do CPP, uma proibição de prova absoluta para aqueles métodos que lesem estes direitos, independentemente do consentimento do seu titular, e que para os devidos, aqui, expressamente, se invoca.
18º A actuação ilícita dos militares da GNR, encetando uma perseguição motorizada sem qualquer fundamento, e à margem de qualquer recomendação policial, espoletou, sendo sua causa directa e exclusiva, a auto-incriminação do arguido, pela condução temerária que efectuou, tornando esta prova inquinada, á luz do artigo 126º, n.º 2, alínea a) do CPP, o que para os devidos efeitos aqui, expressamente, se invoca.
A interpretação deste normativo (artigo 126º, n.º2, alínea a) do CPP) no sentido implicitamente acolhido pelo Tribunal “a quo” de não fazer corresponder aos meios enganosos a utilização do agente provocador, viola o artigo 32º, n.º 8 da CRP, imanente do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º da CRP) e ainda, o artigo 6º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e, ainda, postergando a garantia de um due processo of law (processo equitativo), como alicerce estruturante do Direito Democrático.
Inconstitucionalidade que expressamente se invoca, apesar de ser de conhecimento oficioso.
19º Mesmo que assim, não se entendesse, o que não se concede, sempre o elemento subjectivo imputado ao arguido na comissão do Tatbestand a título de dolo, teria de soçobrar.
O arguido não quis aquele resultado, não se conformou com aquele resultado. A actuação do arguido, quando muito, terá sido negligente, pelo que, a punição não deveria galgar os limites desenhados pelo n.º 4 do artigo 291º do CP.
Em todo, o caso, deveria sempre o arguido beneficiar da atenuação especial da pena, conforme hipnotiza o artigo 72º do CP, atentas as circunstâncias anteriores e contemporâneas ao crime, que diminuem de forma acentuada a ilicitude do facto e da culpa do agente, e que foram completamente postergadas pelo Tribunal “a quo”.
20º A pena aplicada de prisão efectiva em regime de permanência na habitação por 01 ano e 10 meses, ofende os mais elementares princípios da razoabilidade, proporcionalidade, cotejados com a culpa imputada ao arguido e as necessidades e fins das penas.
21ª Por ser, manifestamente, exagerada, a pena, concretamente, aplicada viola em si mesma o princípio da culpa e não satisfaz o sentimento de Justiça.
O Tribunal “a quo” decidiu por uma pena privativa da liberdade, sem no entanto, apresentar fundamentação sólida, consistente, adequada e razoável para dar cumprimento ao desiderato plasmado no artigo 70º do CP.
22ª Atenta a culpa e gravidade diminuta dos factos, deveria o Tribunal “a quo” ter elegido uma pena não privativa da liberdade, e tendo optado pela pena de prisão, como fez, não deveria exceder os 6 meses de prisão, suspendendo a sua execução no limiar mínimo desenhado pelo artigo 50º do CP, e não ultrapassar um ano.
23ª O Tribunal “a quo” estribou-se, unicamente, nas necessidades de prevenção geral, para afastar a aplicação da preferência legal pela pena não privativa da liberdade, o que redunda, numa manifesta falta de fundamentação da decisão, que importa a sua Nulidade, que para os devidos efeitos aqui, expressamente, se invoca.
24ª A instrumentalização do condenado ao interesse geral ou à mera estabilização de ansiedades colectivas quanto à segurança, conforme parece pretender a sentença, ofende os artigos 1º e 18º, n.º 2 da CRP, imanentes dos dos princípios da garantia de um due processo of law (processo equitativo), como alicerce estruturante do Estado de Direito democrático; o livre desenvolvimento da personalidade e integridade pessoal como matrizes radiculares da tutela da dignidade da pessoa humana, consagrada no artigo 1º, n.º 1 da CRP.
25ª Violou, assim, a Sentença em análise o plasmado nos artigos 1º, e 18º, n.º 2; 25º, n.º 1, e 32º, n.º 8 todos da CRP; Os artigos 50º, 70º, 72º e 291º/1, alínea b), todos do CP; o artigo 126º, n.º2, alínea a) do CPP; o artigo 5º da lei n.º 38-A/2023; o artigo 103º do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98 e o artigo 6º, n.º 2 da CEDH.
TERMOS EM QUE,
Ex Positis
Nos mais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.ªs deve dar-se provimento ao presente recurso e ipso facto: a) Revogar-se a Sentença recorrida.
Assim, decidindo, farão V.Ex.ªs a costumada e recta J U S T I Ç A
Por despacho proferido em 27.02.2025 foi o recurso regularmente admitido, sendo fixado o regime de subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
O Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta ao interposto recurso, a qual remata com o seguinte quadro conclusivo:
1. Os prazos de duração máxima do inquérito, previstos no artigo 276º do Código de Processo Penal, são prazos meramente ordenadores, sem carácter preclusivo do exercício da acção penal.
2. A previsão normativa do n.º 3, do artigo 4º, do Código da Estrada, não se restringe à desobediência aos sinais dos agentes reguladores de trânsito, devendo entender-se como sinal regulamentar todo aquele que obedeça à sinaléctica de trânsito legalmente prevista e que, dessa forma, possa ser compreendida por todos os utilizadores da via.
3. No caso em apreço, visto que os agentes da autoridade circulavam numa viatura automóvel, ademais caracterizada, a sinaléctica por eles utilizada encontra perfeito enquadramento nos artigos 22º, n.ºs 2 e 3, e 23º, n.º 3, do Código da Estrada,
que regulam os sinais dos condutores, sonoros e luminosos.
4. Não subsistem, pois, quaisquer dúvidas de que a ordem de paragem emitida pelos Militares da GNR, no exercício das suas funções de fiscalização e prevenção rodoviária, devidamente uniformizados e fazendo-se transportar em viatura caracterizada, foi legítima e que a desobediência, deliberada, do arguido relativamente a tal ordem se enquadra na previsão do artigo 4º, n.º 3, do Código da Estrada.
5. Tendo o recorrente sido condenado pela contraordenação prevista no artigo 4º, n.ºs 1 e 3, do Código da Estrada, que é punível com coima de 500 a 2500 euros, a sanção acessória aplicada encontra-se excluída do âmbito de aplicação do perdão previsto no artigo 5º, da Lei 38-A/2023, de 02/08, que abrange unicamente as sanções acessórias relativas a contraordenações cujo limite máximo de coima aplicável não exceda 1000 euros.
6. Conforme anteriormente se referiu, os Militares da GNR actuaram no exercício legítimo das suas funções, inexistindo qualquer actuação provocadora, ou, por qualquer outra forma, violadora dos direitos e garantias constitucionais e legais do recorrente. Situação que este bem representou, tendo agido de forma deliberada, com conhecimento e vontade de realização da conduta típica correspondente ao crime de condução perigosa de veículo rodoviário.
7. Quanto à pena principal em que o recorrente foi condenado pela prática do mencionado crime, inexiste qualquer circunstância concreta que fundamente a atenuação especial da pena, prevista no artigo 72º, n.º 1, do Código Penal, que, de resto, o recorrente também não enuncia.
8. Considerando as elevadas exigências de prevenção especial (ante o extenso passado criminal do recorrente, com cumprimento de penas de prisão efectiva, e a circunstância de os factos terem sido cometidos em período de liberdade condicional), a condenação numa pena não privativa da liberdade nunca daria resposta satisfatória às finalidades da punição, previstas no artigo 40º do Código Penal.
9. Considerando-se que a concreta pena aplicada, fixada em medida ligeiramente acima do meio da moldura abstracta, se revela ajustada e reflecte uma correcta ponderação de todas as circunstâncias no caso relevantes, atinentes à culpa e à prevenção, conforme se dispõe no artigo 71º do Código Penal.
Nestes termos, deve ser negado provimento ao recurso e mantida integralmente a decisão recorrida.
No entanto, V.ªs Ex.ªs Venerandos Desembargadores farão, como sempre, a costumada JUSTIÇA!
Subiram os autos a este Tribunal da Relação, e a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no qual sufraga a posição defendida pelo Ministério Público em 1ª instância, e adere à sua argumentação, nada mais tendo a acrescentar.
Entende que deverá ser negado provimento ao recurso.
O recorrente AA respondeu ao parecer, argumentando em síntese que a sua posição está estampada na sua peça recursiva e do Parecer da Sr.ª Procuradora-geral adjunta não resulta qualquer argumento válido e consistente para bulir o expendido no recurso. Conclui conforme rematado na peça recursiva.
O arguido BB - que não recorreu da sentença - também respondeu ao parecer do Ministério Público e oferece o merecimento dos autos em tudo o que o puder favorecer na defesa dos seus direitos e interesses.
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Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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2. Fundamentação
Conforme jurisprudência constante e assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (art. 412º, nº 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
A formulação de conclusões reveste especial relevância, pois são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e naquelas sumariadas que o tribunal de recurso tem de apreciar (excepcionando, naturalmente, as questões de conhecimento oficioso) – vide Ac. do STJ de 20.12.2006, Processo 06P3661, in www.dgsi.pt.
Tendo em conta este contexto normativo e o teor das conclusões que supra se deixaram transcritas, as questões suscitadas e que cumpre dirimir, são as seguintes:
- Violação do prazo de encerramento do inquérito - nulidade insanável, prevista no artigo 119º, alínea d) do CPP;
- Verificação da contraordenação de desobediência à ordem de paragem;
- Aplicabilidade do perdão previsto no artigo 5º da Lei 38-A/2023, de 02/08;
- Verificação do crime de condução perigosa de veículo rodoviário;
- A escolha e a dosimetria da pena.
Perante as questões suscitadas no recurso e que cumpre apreciar, importa para já conferir a fundamentação de facto da sentença recorrida:
“II. Fundamentação de Facto a) Factos Provados
1. No dia 22/01/2022, pelas 18h50, na Rua ..., na freguesia ..., no concelho ..., o arguido AA conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias da marca Fiat, modelo ..., de cor ... e com a matrícula ..-..-PS.
2. Nesse momento, o arguido AA, transportava o passageiro BB.
3. De imediato, o Militar da GNR, Cabo CC, em ação de fiscalização e de prevenção rodoviária, devidamente uniformizado, deu ordem de paragem através de sinais luminosos e sonoros para o condutor encostar e imobilizar a viatura à direita da faixa de rodagem, a fim de ser fiscalizado.
4. Todavia, o arguido AA não obedeceu à ordem de paragem, e, nessa sequência, o arguido AA e imprimiu ainda mais velocidade à dita viatura automóvel que conduzia, pondo-se em fuga em direção ao centro da freguesia ....
5. Em ato contínuo, os Militares da GNR CC, DD e EE, fazendo-se transportar num carro de patrulha, foram no encalço dos arguidos.
6. Ao circular no centro de ..., o arguido AA obrigou um peão, cuja identidade se desconhece, a ter que fugir para não ser colhido quando atravessava a estrada numa passagem de peões existente na Rua ....
7. De seguida, o arguido AA embateu na viatura automóvel com a matrícula ..-..-SN, conduzida por FF e que circulava naquela artéria e no mesmo sentido ..., causando estragos em ambos os veículos automóveis.
8. Não obstante esse abalroamento e mesmo perante as ordens de paragem, o arguido AA, ao invés de obedecer, imprimiu velocidade ao veículo automóvel de matrícula ..-..-PS, em direção às ..., efetuando ultrapassagens em curvas e em locais com linhas longitudinais contínuas, obrigando outras viaturas a encostar à berma da estrada, de molde a evitar uma eventual colisão.
9. Na intersecção da Rua ... com a Rua ... – ..., o arguido AA desrespeitou a obrigação de parar imposta pelo sinal vertical Stop, obrigando outros veículos automóveis a parar para evitar um eventual abalroamento.
10. Chegados à Rua ..., nas ..., o arguido AA ultrapassou três ciclistas, que fugiram para a berma da via, a fim de evitarem serem colhidos.
11. Durante esta abordagem por parte da autoridade policial, o arguido AA desobedeceu ao sinal vertical de obrigação de contornar a placa, circulando em contramão, o que fez com que uma viatura, que circulava em sentido contrário, se desviasse, de molde a obstar o choque frontal.
12. De seguida, ao saírem da Rua ..., ..., o arguido AA desrespeitou mais uma vez o sinal vertical STOP, obrigando vários veículos que circulavam em ambos sentidos a travar para não serem abalroados, forçando assim os respetivos condutores a cederem-lhe a passagem.
13. De seguida, o arguido AA, imprimindo uma velocidade superior a 150 km/h, percorreu a Estrada Nacional n.º 1, no sentido Norte-Sul, fazendo várias ultrapassagens, não obstante a existência de um duplo traço contínuo e do tráfego intenso, obrigando os condutores dos veículos automóveis que circulavam em ambos os sentidos a encostarem às respetivas bermas.
14. Ao km ... da EN1, o arguido AA perdeu o controlo da viatura automóvel ..-..-PS, despistou-se e embateu nos rails, imobilizando-se e foram os arguidos, desse modo, intercetados pela autoridade policial.
15. Portanto, os Militares da GNR, no exercício das suas funções e devidamente identificados, deram ordem de paragem aos arguidos, utilizando os sinais regulamentares para a paragem de viatura que se encontrava em trânsito na via pública, designadamente sinais luminosos e sonoros para os arguidos encostarem e imobilizarem a viatura à direita da faixa de rodagem a fim de serem fiscalizados.
16. Os arguidos sabiam que estavam obrigados, por lei, a acatar as ordens de paragem, e que as ordens que lhe foram comunicadas para o efeito provinham de autoridade policial competente, neste caso de Militares da GNR devidamente uniformizados e identificados.
17. Não obstante, o arguido AA agiu com o propósito, conseguido, de obstar a sua fiscalização imediata.
18. Porém, não obstante compreenderem perfeitamente as ordens de paragem que lhes foram dadas pelos Militares da GNR,
19. O arguido AA não acatou aquelas ordens e prosseguiu a sua marcha em direção às sobreditas vias públicas, acelerando o veículo e ultrapassando os veículos automóveis que circulavam nas referidas artérias, bem como sem manter a distância regulamentar de segurança dos veículos automóveis que circulavam à sua frente, desrespeitando as passagens para peões, os sinais STOP, as linhas longitudinais contínuas, sempre com uma velocidade superior à legalmente permitida para aqueles locais, tendo inclusive por vezes transitado a uma velocidade superior a 150 km/h naquela Estrada Nacional.
20. Os arguidos conheciam as características do veículo referido, bem como as vias de trânsito por onde circularam
21. e bem sabia o arguido AA que ao conduzir da forma descrita desrespeitava as mais elementares regras rodoviárias e comprometia a segurança e a comodidade dos utentes da via, mas não se abstiveram de circular nesses moldes, mesmo sabendo que colocava em perigo a vida e a integridade física de terceiros.
22. Ademais, o arguido AA conhecia as características do veículo referido, bem como as vias de trânsito por onde circulou.
23. Os arguidos agiram de modo livre, consciente e voluntário.
24. E bem sabia o arguido AA que as suas condutas são proibidas e punidas por lei.
*
No que respeita a AA, mais se apurou que:
25. Em Janeiro de 2022, AA fixava residência juntamente com casal amigo (CC e GG), na Rua ..., ... ....
Estes elementos constituíram-se ao longo dos últimos (5) anos, importante suporte financeiro e familiar para o arguido, não lhe imputando qualquer encargo financeiro, estando o arguido à referida data, na condição de beneficiário de RSI.
26. Desde Janeiro de 2024, o arguido reside sozinho na morada constante nos autos – Travessa ..., ..., ... ..., ocupando anexo contíguo à habitação principal (composto por 2 quartos, cozinha e, sala e wc, condições que considera o próprio satisfatórias) propriedade de HH.
27. A residência encontra-se localizada numa zona com características rurais da freguesia ..., concelho ..., não sendo esta associada a problemáticas de marginalidade relevantes.
De duas relações maritais, o arguido tem dois filhos, autonomizados, referindo manter relacionamento/proximidade com os mesmos.
28. O arguido completou o 4º ano de escolaridade aos 11 anos, iniciando atividade profissional em tenra idade (13 anos) na área de jardinagem. Posteriormente, experienciou atividades diversas, como pasteleiro e cozinheiro, sendo esta ultima, a sua área de profissionalização.
29. Na condição de reformado, desde 2023, AA, beneficia de reforma no valor 330€. A este valor vai juntando rendimentos extra que consegue através de pequenos biscates que vai realizando na área de hotelaria. Simultaneamente, dispõe de maquia proveniente de processo de partilhas.
Em termos de despesas fixas mensais mencionou-nos como relevantes, encargo com habitação (150€) e credito automóvel (219€), conseguindo provir a um estilo de vida suficiente face aos compromissos financeiros assumidos.
30. No meio sociocomunitário onde AA reside, não lhe são conhecidas relações relevantes de amizade. Igualmente, não existem referências negativas relativamente ao mesmo, estabelecendo, aparentemente, relações de vizinhança circunscritas ao essencial.
As fontes (sociais) mostram-se surpresas com a existência dos presentes autos, todavia, verbalizam a sua solidariedade e apoio para com o arguido.
O arguido beneficiou de acompanhamento/supervisão por parte da equipa da DGRPS liberdade condicional, determinada no processo nº ... do Juiz 2 do Tribunal de Execução de Penas do Porto entre 27/08/2019 até 14/12/2022. No decurso da Liberdade Condicional, o arguido foi colaborante, disponibilizando informação que lhe era solicitada e necessária à intervenção, tendo cumprido, globalmente, com orientações técnicas.
31. O processo em apreço, não se mostra isolado no contexto vivencial do arguido, tendo este já anteriormente, sido condenado por crimes de distinta natureza ao descrito nos presentes autos, nomeadamente, em penas de prisão efetiva.
Não sendo este o primeiro confronto do arguido com o sistema da justiça penal, o mesmo denota aparente preocupação face à incerteza do desfecho dos presentes autos e das consequências pessoais, que possam daqui advir. Adota discurso de aparente, censurabilidade face ao seu passado e anteriores contactos com o sistema de justiça penal, todavia e de certo modo, acaba por projetar em terceiros a responsabilidade pelos seus atos.
32. O arguido expressa o desejo que, em caso de condenação, o competente Tribunal opte por medida de execução na comunidade, revelando-se recetivo ao cumprimento de obrigações judiciais que nessa hipótese possam ser decretadas.
*
Relativamente ao arguido BB, mais se apurou que:
(…)
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40. O arguido AA tem os seguintes antecedentes criminais:
a) no âmbito do processo Comum Coletivo nº. ... do então Círculo de Santa Maria da Feira, pela prática, em 29.07.1994, de Um Crime de Furto Qualificado, p. e p. pelo art. 297º, nº. 1, al. a) e nº. 2, al. d) do Código Penal então em vigor, na pena de 2 anos e meio de prisão, por Acórdão datado de 10.10.1995;
b) no âmbito do processo Comum Coletivo nº. ... da então 2ª Vara do Tribunal Criminal do Porto, pela prática, em 22.12.1993, de Um Crime de Furto Qualificado, p. e p. pelo art. 297º, nº. 2, als. c) e h) do Código Penal então em vigor, na pena de 1 ano e seis meses de prisão, por Acórdão datado de 11.12.1997;
c) no âmbito do processo Comum Coletivo nº. ... do então Círculo de Santa Maria da Feira, pela prática, em 1993, de Um Crime de Associação Criminosa, Um Crime de Furto Qualificado e Um Crime de Falsificação de Doc., na pena de 14 anos e 3 meses de prisão, por Acórdão datado de 15.10.1998;
d) no âmbito do processo Comum Coletivo nº. ... do então 2º Juízo do Círculo de Santo Tirso, pela prática, em 25.11.1993, de Um Crime de Furto Qualificado, p. e p. pelo art. 204º, nº. 2, als. a) e e) do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão, por Acórdão datado de 25.11.1998;
e) no âmbito do processo Comum Coletivo nº. ... da então 6ª Vara do Tribunal Criminal de Lisboa, pela prática, em 09.01.1991, de Um Crime de Abuso de Confiança e de Um Crime de Uso de Documento Alheio, ps. e ps. pelos arts. 300º, nºs. 1 e 2, al. a) e 235º do Código Penal então em vigor, na pena de 1 ano e 1 mês de prisão, por Acórdão datado de 26.11.1998;
f) no âmbito do processo Comum Singular nº. ... do então 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, pela prática, em 26.06.1992, de Um Crime de Falsificação de Doc., p. e p. pelo art. 256º, nº. 1, als. a) e c) do Código Penal, na pena de meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, por sentença datada de 27.10.1999 e transitada em julgado em 16/11/1999;
g) no âmbito do processo Comum Colectivo nº. ... do então 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Famalicão, pela prática, em 162.12.1993, de Um Crime de Furto Qualificado, p. e p. pelo art. 204º, nº. 2, als. a) e e) do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão, por Acórdão datado de 09.03.00 e transitado em julgado em 24/03/2000;
h) no âmbito do processo Comum Colectivo nº. ... do então 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Famalicão, foi proferido acórdão cumulatório, datado de 14/06/2000 e transitado em julgado em 07/04/2000, que englobou as pensa aplicadas nos processos nºs .../99, .../99 e .../99, .../99, .../99, ../96, .../97, tendo o arguido sido condenado na pena única de 13 anos e 45 dias de prisão;
i) no âmbito do processo Comum Colectivo nº. ... do então 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, pela prática, em 19.03.2002, de Um Crime de Condução sem Habilitação Legal, p. e p. pelo art. 3º do DL nº. 2/98 de 03.01, em pena de multa, por Acórdão datado de 13.05.2003 e transitado em julgado em 17/06/2003;
j) no âmbito do processo Comum Singular nº. ... do então Tribunal Judicial de Valpaços, pela prática, em 27.07.2001, de Um Crime de Emissão de Cheque Sem Provisão, p. e p. pelo art. 11º, nº. 1 do DL nº. 454/91 de 28.12, na pena de 135 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, por sentença datada de 11.07.2003 e transitada em julgado em 25/09/2003;
k) no âmbito do processo Comum Singular nº. ... do então Tribunal Judicial de Montalegre, pela prática, em 11.08.2001, de Um Crime de Emissão de Cheque Sem Provisão, p. e p. pelo art. 11º, nº. 1 do DL nº. 454/91 de 28.12, na pena de 5 meses de prisão, por sentença datada de 25.05.2004 e transitada em julgado em 09/11/2004, pena que foi declarada cumprida por despacho de 31/10/2005;
l) no âmbito do processo Comum Singular nº. ... do então Tribunal Judicial de Chaves, pela prática, em 04.06.2002, de Um Crime de Falsificação de Doc. e de Um Crime de Detenção de Substâncias Explosivas ou Análogas e Armas, ps. e ps. pelos arts. 256º, nº. 1, al. c) e nº. 3 do Código Penal e 275º, nº. 1 do mesmo diploma, na pena única de 2 anos e 5 meses de prisão, por sentença datada de 03.03.2006, transitada em julgado em 22/03/2006, tendo o arguido cumprido a pena e beneficiado de liberdade condicional de 23/07/2019 até 14/12/2022 e sido concedida a liberdade definitiva em 18/01/2023;
m) Por acórdão datado de 18/12/2015, transitado em julgado em 07/07/2016, proferido no âmbito do processo nº ..., foi o arguido condenado pela prática, em 26/05/2008, de 2 crimes de recetação, p.p. pelo artº 231º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efetiva, pena que foi declarada cumprida por despacho de 31/01/2019;
*
41. O arguido BB tem os seguintes antecedentes criminais:
(…)
*
Da contestação de BB
(…)
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b) Factos Não Provados
1. No momento indicado no número 1. dos factos provados:
- o arguido estava habilitado com carta de condução francesa, que o permitia conduzir;
- o arguido não estava habilitado de carta de condução francesa que o permitia conduzir.
2. No momento indicado no número 1. dos factos provados, BB encontrava-se evadido do Estabelecimento Prisional ... desde 29 de Dezembro de 2021.
3. No momento indicado no número 4. dos factos provados, o arguido BB não obedeceu à ordem de paragem, tendo dito a AA para não parar, porque estava evadido do Estabelecimento Prisional.
4. O arguido AA agiu como mencionado no número 4. dos factos provados porque não tinha carta de condução válida e porque BB lhe disse para não parar, porque estava evadido do Estabelecimento Prisional.
5. No momento indicado no número 5. dos factos provados, ambos os arguidos obrigaram um peão, cuja identidade se desconhece, a ter que fugir para não ser colhido quando atravessava a estrada numa passagem de peões existente na Rua ....
6. No momento indicado no número 6. dos factos provados, ambos os arguidos embateram na viatura automóvel com a matrícula ..-..-SN, conduzida por FF e que circulava naquela artéria e no mesmo sentido ..., causando estragos em ambos os veículos automóveis.
7. No momento indicado no número 6. dos factos provados, ambos os arguidos protagonizaram o embate.
8. No momento indicado no número 7. dos factos provados, ambos os arguidos imprimiram velocidade ao veículo automóvel de matrícula ..-..-PS e ambos atuaram.
9. No momento indicado no número 8. dos factos provados, ambos os arguidos desrespeitaram a obrigação de parar imposta pelo sinal vertical Stop, e ambos obrigaram outros veículos automóveis a parar para evitar um eventual abalroamento.
10. No momento indicado nos números 9. e 10. dos factos provados, ambos os arguidos fizeram a ultrapassagem e desobedeceram à sinalização.
11. No momento indicado no número 11. dos factos provados, ambos os arguidos desrespeitaram a sinalização.
12. No momento indicado nos números 12. e 13. dos factos provados, ambos os arguidos atuaram.
13. Não obstante compreender perfeitamente as ordens de paragem que foram dadas pelos Militares da GNR, o arguido BB não as acatou e prosseguiu a sua marcha em direção às sobreditas vias públicas, acelerando o veículo e ultrapassando os veículos automóveis que circulavam nas referidas artérias, bem como sem manter a distância regulamentar de segurança dos veículos automóveis que circulavam à sua frente, desrespeitando as passagens para peões, os sinais STOP, as linhas longitudinais contínuas, sempre com uma velocidade superior à legalmente permitida para aqueles locais, tendo inclusive por vezes transitado a uma velocidade superior a 150 km/h naquela Estrada Nacional.
14. O arguido BB sabia que desrespeitava as mais elementares regras rodoviárias e comprometia a segurança e a comodidade dos utentes da via, mas não se abstive de circular nesses moldes, mesmo sabendo que colocava em perigo a vida e a integridade física de terceiros, bem como punha em perigo bens patrimoniais alheios de valor elevado.
15. O arguido AA bem sabia que não estava em condições de conduzir na via pública, pois não estava habilitado com carta de condução.
16. Ambos os arguidos sabiam que as suas condutas são proibidas e punidas por lei.
17. Bem sabia o arguido AA que, ao conduzir da forma descrita, atingia bens patrimoniais alheios de valor elevado.
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Da contestação de AA
18. O arguido AA é atualmente uma pessoa de bem e já há muitos anos que não tem qualquer problema judicial.
19. A perseguição policial era desnecessária e houve uma atuação policial igual à protagonizada pelo arguido AA.
*
c) Motivação da Matéria de Facto
Os arguidos não prestaram declarações sobre os factos que lhes foram imputados na acusação (AA apenas prestou declarações sobre questões relacionadas com a possibilidade de aplicação de Regime de Permanência na Habitação).
O Tribunal formou a sua convicção a partir da análise crítica dos depoimentos das testemunhas e dos documentos juntos ao processo (e das declarações de AA, a propósito do regime de permanência na habitação).
Mas vejamos mais concretamente.
Assim, os factos presentes nos números 1. a 15. dos factos provados decorrem da análise conjugada dos documentos
- de fls. 4 e 5 (auto de notícia);
- de fls. 13 (trajeto de fuga);
- de fls. 14 a 17 (suporte fotográfico dos locais que o arguido AA transitou);
- de fls. 312 a 315 (participação de acidente de viação).
Igualmente a testemunha CC militar da GNR que elaborou o auto de notícia de fls. 4 e 5 e ainda o expediente de fls. 13 a 17, explicou e confirmou esses mesmos elementos.
Expôs também a testemunha, em termos genéricos:
- como mandaram para o condutor, de forma aleatória, e como este não respeitou, originando a perseguição policial;
- o trajeto que tomaram e as circunstâncias espaciais e temporais da perseguição;
- as velocidades assumidas no trajeto e o embate;
- e o álcool que foi detetado ao arguido.
Este depoimento está em consonância com o depoimento da testemunha DD, militar da GNR que igualmente explicou estes factos, embora de forma um pouco menos pormenorizada, expondo também que foi ele que conduziu o veículo da patrulha que seguiu o arguido, explicando, com segurança, as velocidades assumidas.
Por fim, a testemunha FF, que era o condutor e proprietário da viatura embatida pelo arguido AA na fuga, explicou as circunstâncias do embate, o que, aliás, está em consonância com a participação de fls. 314.
Todos estes depoimentos, alicerçados em documentos, mostram uma coerência total entre eles, formando assim um núcleo probatório muito credível. Credibilidade, aliás, que já adviria destes depoimentos por eles mesmos, pela forma segura, isenta e firme como foram prestados.
De salientar que o Tribunal não valora as declarações de qualquer dos arguidos, vertidas no auto de notícia, porque entendemos que as conversas informais, no inquérito, de quem já é considerado suspeito da prática de algum crime e é nesse âmbito que é abordado pelos órgãos de polícia criminal, não são legalmente admissíveis (assim, também acórdão do TRP de 07/02/2024, processo nº 182/22.2GCVFR.P1, integralmente disponível no sítio www.dgsi.pt).
No demais, as perceções do próprio agente da PSP que elabora o auto de fls. 5 (a testemunha CC), e que não se relacionem com conversas, são livremente apreciadas.
E por isso foram estes factos considerados como provados.
Mais espinhosa é a questão relativa aos factos que se consideraram como não provados.
Desde já se diga que o arguido BB não se encontrava evadido de um EP.
Uma pessoa evadida é alguém que praticou um crime de evasão (cfr. artº 352º do Cód. Penal).
Ora, o que sucedeu foi que o arguido BB beneficiou de uma saída precária e não voltou ao EP, quando deveria (cfr. mandado de fls. 18).
O que não constitui evasão, mas apenas uma infração disciplinar.
Pelo que se se consideraram como não provados os factos presentes no número 2. dos factos não provados.
Por outro lado, a razão que levou a que o arguido AA a não cumprir a ordem inicial de paragem, é-nos totalmente desconhecida.
Os arguidos não prestaram declarações em julgamento (AA apenas prestou quanto às questões relativas à possibilidade de aplicação de prisão, em regime de permanência na habitação).
Somos capazes de elencar um conjunto de hipóteses. Pode ser porque o arguido BB lhe disse para não parar, por causa do incumprimento da licença de saída. Ou poderá ter sido porque o arguido AA não tinha consigo uma carta de condução para apresentar. Tal como poderia ter sido porque o arguido AA, que estava em liberdade condicional, julgasse que tinha álcool em excesso (repare-se que foi encontrado quase no limite do permitido).
Ou até outra razão qualquer, que desconhecemos.
Na verdade, não sabemos o que levou o arguido AA a não obedecer à ordem de paragem.
Diga-se, também, que não está minimamente evidenciado que o arguido BB tenha mencionado a AA para este não parar. E, sendo AA o condutor, não se percebe como é que é possível fazer correspondência com qualquer conduta de atuação ao arguido BB, já que ele não só não tinha a direção efetiva do veículo, como não existe prova suficiente de que tenha instruído o arguido AA para agir como agiu.
E por isso se consideraram como não provados os factos presentes no número 3. a 13. dos factos não provados.
Considerando-se estes factos como não provados, teriam de se considerar igualmente como não provados os factos presentes nos números 14. e 16. dos factos não provados.
A questão mais complexa é, afinal, determinar se o arguido AA tem, ou não, carta de condução.
Na sua contestação, o arguido veio alegar que tinha uma carta de condução francesa.
Não há registo de uma carta de condução em Portugal (cfr. fls. 56).
A congénere francesa indicou que não tinha qualquer registo informatizado de uma carta de condução em nome do arguido (cfr. email de 20/11/2024).
Mas refere a possibilidade do arguido AA poder ter em sua posse uma carta antiga, que não esteja informatizada (cfr. expediente de 20/11/2024, email de 18/10/2024 (“Tradução no expediente de 20/11/2024: Pode tratar-se de duas situações: - ou o usuário não tem carta de condução francesa - ou a carta de condução não está informatizada (trata-se do formato de 3 folhas, papelrosa) Pode nos enviar uma cópia (frente e verso) da carta de condução dada no momento da troca bem como o cartão de cidadão.)
Mas em 21/10/2024, a defesa fez chegar um requerimento ao processo com os dizeres “AA, arguido no processo à margem referenciado, tendo tomado conhecimento que inexiste em França o documento digitalizado de título de condução de veículos motorizados francês, vem muito respeitosamente junto de V/ Exª, informar aos autos que ante a possibilidade de se continuar a averiguar dessa existência o título foi adquirido em Versalles – França, em 03/1983”.
Essa informação foi transmitida sucessivas vezes pelo IMT à congénere francesa, para que fosse indagado, nos registos físicos, se o arguido tinha ou não carta de condução, e não foi obtida resposta (cfr. expediente de 20/11/2024).
O Tribunal não pode ficar indefinidamente a aguardar uma resposta.
A verdade é que temos dúvidas sobre se o arguido AA tem, ou não, carta de condução francesa.
É que se for uma carta antiga, emitida antes de 2013 e no formato de papel cor-de-rosa, esta permanece válida até 19 de janeiro de 2033 (cfr. “Arrêté du 20 avril 2012 fixant les conditions d'établissement, de délivrance et de validité du permis de conduire” - consultável em https://www.legifrance.gouv.fr/loda/id/JORFTEXT000025803494/2022-04-08/ ).
Sendo que, como refere o IMT, “As cartas de condução emitidas por países pertencentes ao Espaço Económico Europeu (de que fazem parte Estados-membros da União Europeia, Islândia, Liechtenstein e Noruega) são válidas em Portugal, sendo a sua troca facultativa” (https://www.imt-ip.pt/sites/IMTT/Portugues/PerguntasFrequentes/Condutores/Paginas /Questao14.aspx
Na hipótese, do usuário dizer não ter na sua posse a carta de condução (na sequência de perda ou furto). Com vista a facilitar as pesquisas, agradeço que nos transmita as seguintes informações:
- a data e local de obtenção da carta de condução com uma cópia se possível do titulo e da cópia do seu cartão de
cidadão.
Claro que se pode dizer que é estranho que o arguido AA seja titular de uma carta de condução francesa e, ao mesmo tempo, no âmbito do processo Comum Colectivo nº. ..., em 2003, tenha sido condenado pela prática de um Crime de Condução sem Habilitação Legal (cfr. número 40., al. i), dos factos provados).
Mas desconhece-se em que circunstâncias ocorreu essa condenação. Designadamente, se o arguido foi julgado na ausência. Sendo que a prova de um crime carreada para um processo não pode servir para outro processo.
E em 21/09/2024, o arguido juntou documentos em que é referida uma carta francesa de condução em nome do arguido (cfr. notificação para pagamento de uma coima; e um talão de reserva de um veículo).
Assim, neste caso, o Tribunal só tem dúvidas.
E não pode assegurar que o arguido não tem carta de condução. Tal como não pode assegurar que a tem.
Na dúvida, indicou-se como não provado que tem carta de condução. E como não provado que a não tenha (Sobre esta técnica acertada de seleção da matéria de facto, que não é contraditória, indicando, para os mesmos factos
- não provado que tenham ocorrido
- mas também, não provado que não tenham ocorrido (e assim se extraindo a dúvida do julgador), veja-se a posição do Sr. Desembargador Cruz Bucho, em “Notas sobre o Princípio do In Dúbio Pro Reo”, p. 19 e 20, publicação do Centro de Estudos Judiciários, a propósito da prova de factos por via daquele princípio, onde se lê “O tribunal deverá dar como não provado o facto favorável ao arguido sobre o qual recai a dúvida insanável mas tal procedimento poderá não ser suficiente para que do texto da sentença ou do acordão resulte a existência da dúvida e muito menos para que tudo se passe como se tal facto se tivesse provado. Se tal ocorrer estamos em crer que por vezes, nomeadamente quando estejam em causa factos impeditivos (uma causa de justificação ou de exclusão da culpa), será ainda necessário que o tribunal considere como não provado que tal facto não tenha ocorrido.
E por isso se consideraram como não provados os factos presentes no número 1. dos factos não provados.
E perante esta dúvida, teriam de se considerar como não provados os factos presentes no número 15. dos factos não provados.
Quanto ao conhecimento e vontade dos arguidos (cfr. números 16. a 24. dos factos provados), mostra-se aqui perfeitamente adequado e legítimo o recurso aos critérios de razoabilidade, presunções de normalidade e regras de experiência, devidamente articulados com a restante prova, uma vez são elementos da vida interior de cada um e, por isso mesmo, insuscetíveis de direta apreensão pelos sentidos do julgador, só sendo possível de captar através do preenchimento dos elementos objetivos da infração aliados a presunções de normalidade e regras de experiência.
Ora, neste âmbito, os arguidos atuaram livremente (nenhum estava a ser coagido), voluntariamente (quiseram atuar como atuaram, inclusive BB, que não se prova que tenha viajado no veículo automóvel contra a sua vontade) e conscientemente (ambos sabiam que estavam a viajar no automóvel).
Assim como o arguido AA sabia que não acatava ordens legítimas dos militares da GNR, sabia que estavam devidamente uniformizados, sabia as vias por onde circulava e a velocidade que circulada e bem assim que punha em perigo a vida e a integridade física de terceiros.
E sabia AA, porque qualquer pessoa o saberia nas mesmas circunstâncias, que não poderia atuar como atuou, sabendo que praticava atos ilícitos, o que, evidentemente, representou e quis.
E por isso foram estes factos considerados como provados.
Em contraponto, não sabemos se o arguido AA fez perigar objetos de elevado valor, porque esses valores nem sequer constavam na acusação (que valor tinha a viatura que foi embatida?).
E por isso se consideraram como não provados os factos presentes no número 17. dos factos não provados.
As condições socioeconómicas dos arguidos decorrem dos relatórios sociais de juntos em 21/09/2024 e 23/09/2024 (cfr. números 25. a 39. dos factos provados).
Os antecedentes criminais dos arguidos decorrem dos CRC´s juntos em 11/09/2024 e 13/09/2024) – cfr. números 40. e 41. dos factos provados.
O arguido AA não é uma pessoa de bem. Prova-o o seu passado criminal e a atuação muito gravosa que se provou neste processo.
E não é verdade que não tenha problemas judiciais recentemente: este processo é a prova disso e pode ser verificado que em 2022 estava ainda em liberdade condicional (cfr. número 40., al. l), dos factos provados.
Por outro lado, é absurdo mencionar que a GNR, perante uma ordem de paragem não cumprida, não deveria efetuar uma perseguição. Pelo contrário, a lei e os deveres funcionais impõem-lhe essa atuação.
E por isso se consideraram como não provados os factos presentes nos números 18. e 19. dos factos não provados.
Os factos presentes no número 41A. dos factos provados decorrem do documento junto com a contestação de BB e bem assim do depoimento da testemunha II, que conhece o arguido e que, com isenção e credibilidade, expôs estes factos.
Os factos presentes no número 41B. dos factos provados decorrem dos depósitos efetuados pelo arguido AA em 12/12/2024 e 24/12/2024.
Os factos presentes no número 42. e 44. dos factos provados decorrem das declarações, especificamente para esse efeito, do arguido AA.
Os factos presentes no número 43. dos factos provados decorrem da informação da DGRSP de 16/12/2024.
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Os demais elementos das contestações não forma selecionados por serem irrelevantes, serem meras negações dos factos ou já constarem dos relatórios sociais. (…)”
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Entrando já na apreciação do recurso:
Violação do prazo de encerramento do inquérito - nulidade insanável, prevista no artigo 119º, alínea d) do CPP
Defende o recorrente que o prazo estabelecido pelo art. 276º do CPP é um prazo de caducidade, cujo decurso determinará a preclusão da possibilidade de ser deduzida acusação.
Densifica que não tendo sido prolatada qualquer decisão de complexidade do inquérito, o prazo para a sua conclusão, há muito que se encontrava ultrapassado, quando a acusação foi proferida, pois o inquérito foi autuado em 22.01.2022, e a acusação data de 29.12.2022, e o prazo máximo daquele, in casu, era de oito meses.
É flagrante a insuficiência do inquérito, por estilhaço do seu prazo máximo de encerramento, que equivale à sua falta, consubstanciando uma nulidade insanável, nos termos plasmados no art. 119º, alínea d) do CPP, remata o recorrente.
Vejamos.
Sob a epígrafe “Prazos de duração máxima do inquérito” o art. 276° do CPP determina: 1 - O Ministério Público encerra o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação, nos prazos máximos de seis meses, se houver arguidos presos ou sob obrigação de permanência na habitação, ou de oito meses, se os não houver. 2 - O prazo de seis meses referido no número anterior é elevado: a) Para 8 meses, quando o inquérito tiver por objecto um dos crimes referidos no n.º 2 do artigo 215.º; b) Para 10 meses, quando, independentemente do tipo de crime, o procedimento se revelar de excepcional complexidade, nos termos da parte final do n.º 3 do artigo 215.º; c) Para 12 meses, nos casos referidos no n.º 3 do artigo 215.º 3 - O prazo de oito meses referido no n.º 1 é elevado: a) Para 14 meses, quando o inquérito tiver por objecto um dos crimes referidos no n.º 2 do artigo 215.º; b) Para 16 meses, quando, independentemente do tipo de crime, o procedimento se revelar de excepcional complexidade, nos termos da parte final do n.º 3 do artigo 215.º; c) Para 18 meses, nos casos referidos no n.º 3 do artigo 215.º 4 - Para efeito do disposto nos números anteriores, o prazo conta-se a partir do momento em que o inquérito tiver passado a correr contra pessoa determinada ou em que se tiver verificado a constituição de arguido.
No caso presente, o prazo de duração máxima do inquérito é, assim, de 8 meses — art. 276º n° 1, segunda parte.
Ora, da letra da lei, doutrina e jurisprudência maioritárias resulta que o prazo de encerramento do inquérito previsto no antedito normativo é um prazo meramente ordenador dos actos do processo, sem carácter preclusivo do exercício da acção penal, e assim bem o assinala o Ministério Público na resposta ao recurso.
Exemplificativamente cita o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26.10.2016, proferido no Proc. nº 5/13.1IDCTB-B.C1, onde se considerou que “Ao permitir a aceleração processual, mesmo após se mostrarem excedidos os prazos de duração de cada uma das fases processuais (cfr. art. 108º do CPP), o legislador está a atribuir aos prazos fixados no artigo 276.º, n.ºs 1, 2 e 3, do referido diploma, uma natureza meramente ordenatória, funcional e referencial;consequentemente, não detêm tais prazos qualquer natureza preclusiva do poder-dever consagrado no n.º 1 daquele normativo.”.
Da Relação de Lisboa, pode ler-se no aresto de 26.11.20219 proferido no Proc. 4993/13.0TDLSB-F.L1, ambos acessíveis in www.dgsi.pt. que trata a questão da natureza do prazo de duração do inquérito: “I- Do texto da própria lei, doutrina e jurisprudência maioritárias resulta que o prazo de encerramento do inquérito previsto no artigo 276.° do CPP é um prazo meramente ordenador dos actos do processo. Assim, a ultrapassagem do prazo de encerramento do inquérito apenas confere direito de ser requerida a aceleração processual, o apuramento da responsabilidade disciplinar que, ao caso, couber, e cessação do segredo de justiça, pelo que, em consequência, o excesso dos referidos prazos não produz a inexistência, nulidade ou ineficácia dos actos praticados decorrido os prazos do inquérito. II - O único prazo legalmente previsto para o procedimento criminal que importa a extinção do direito do Estado perseguir criminalmente as pessoas (singular ou colectivas) é o instituto da prescrição previsto no Código Penal.”.
Ou seja, não estamos perante o estabelecimento de um prazo para o exercício de um direito, mas antes, perante o estabelecimento de um prazo para o exercício de um poder-dever vinculado do titular da acção penal.
Daí, poder retirar-se que estamos perante norma programática que mais não pretende do que fixar ao agente titular desse poder funcional um prazo para o encerramento do inquérito, sob pena de eventual responsabilidade disciplinar. Como diz Maia Gonçalves, em anotação a este artigo do CPP, “os prazos máximos de duração do inquérito não são peremptórios, pois não é possível demarcar o tempo e uma investigação. As diligências praticadas para além desses prazos são válidas. Porém, um excesso para além do que é razoável pode desencadear responsabilidade disciplinar e um incidente de aceleração processual.”.
Assim, a ultrapassagem do prazo de encerramento do inquérito apenas confere direito de ser requerida a aceleração processual, prevista no art. 108º do CPP, o apuramento da responsabilidade disciplinar que, ao caso, couber, e cessação do segredo de justiça, nos termos dos nºs 6 a 8 do art. 276º e art. 89º, nº 6, ambos do CPP, pelo que, em consequência, o excesso dos referidos prazos não produz a inexistência, nulidade ou ineficácia dos actos praticados decorrido os prazos do inquérito, como sustenta o recorrente.
O único prazo legalmente previsto para o procedimento criminal que importa a extinção do direito do Estado perseguir criminalmente as pessoas (singular ou colectivas) é o instituto da prescrição previsto no Código Penal.
Já o Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 294/2008, publicado no DR nº 125/2008, Série II, de 2008.07.01, pronunciou-se sobre a questão aqui discutida, nos seguintes termos: O artigo 276º do CPP determina, na verdade, a fixação de prazos de duração máxima do inquérito, de acordo com a situação do arguido, o tipo legal de crime e a complexidade da respectiva investigação, podendo o Procurador-Geral da República determinar, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, a aplicação do regime de aceleração processual, nos termos do artigo 109°, quando tenham sido ultrapassados esses prazos. Todavia, a única consequência que decorre do incumprimento desses prazos, ou daqueles que forem fixados em aplicação do mecanismo previsto no artigo 109°, é a agora estabelecida no artigo 89°, n.° 6, do CPP, na redacção da Lei n.° 47/2007, de 27 de Agosto (que se entende ser imediatamente aplicável), que se traduz na possibilidade de levantamento do segredo de justiça, a requerimento do arguido, do assistente ou do ofendido.”.
Assim, e sem necessidade de nos alongarmos mais no tema, e porque não há incerteza que não detêm tais prazos qualquer natureza preclusiva, soçobra a pretensão recursiva.
Verificação da contraordenação de desobediência à ordem de paragem
Como decorre do supra exposto, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 172º, nº 1, do Código da Estrada, foi concedido prazo ao arguido AA para, querendo, pagar a coima voluntariamente, pelo valor mínimo.
E, o arguido AA pagou a coima prevista pelo art. 4º, nº 3, do Código da Estrada, pelo valor mínimo de €500,00. (Ponto 41B. dos Factos Provados).
Porém, vem em recurso, insurgir-se quanto à aplicação da sanção acessória de 4 (quatro) meses reportada à prática da dita contraordenação de desobediência à ordem de paragem, prevista e punível pelo artigo 4º, nºs 1 e 3, do Código Estrada.
Para tanto, alega que o manadeiro fáctico assente na sentença, jamais, poderá subsumir-se na hipotização do tipo de ilícito contraordenacional e tece um conjunto de considerações acerca da sinalização efetuada – que a sentença omite em absoluto tal facto, que o militar estraria dentro de um veículo automóvel caracterizado; nenhum declaratário normal, conduzindo na via pública um veículo automóvel, pode concluir de forma inequívoca e absoluta, que quem lhe faz sinais de luzes, sejam eles quais forem, e mesmo provindo dum carro caracterizado da GNR, significa, parar de imediato; A GNR ou qualquer outra força policial, não dá ordens por sinais de luzes, resvalando, até o facto para o domínio da caricatura; E porque não sinais de fumo, ou pirotecnia, levando o exemplo ao esdrúxulo – tudo para concluir que não são quaisquer ordens que dão guarida à hipotização do tipo contraordenacional plasmado no artigo 4º do CE, pois a norma exige de forma expressa, no seu n.º 1, que as ordens das autoridades sejam legítimas.
Socorre-se ainda das normas constantes do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98 de 1/10, mormente o art. 103º, para justificar o seu desacordo em relação ao decidido, já que os sinais de luzes não constam do elenco legal dos sinais regulamentares de paragem.
Pelo que a condenação em causa carece de total fundamento legal.
Prosseguindo.
A tal propósito, na sentença, pode ler-se: “a) Crime de desobediência qualificada
Estipula o artº 14º, nºs 1 e 2, da Lei n.º 63/2007, de 06 de Novembro, que aprovou a Lei orgânica da GNR que:
“1 - No âmbito das suas atribuições, a Guarda utiliza as medidas de polícia legalmente previstas e nas condições e termos da Constituição e da lei de segurança interna, não podendo impor restrições ou fazer uso dos meios de coerção para além do estritamente necessário.
2 - Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade de polícia ou agente de autoridade da Guarda, é punido com a pena legalmente prevista para a desobediência qualificada”.
Por sua vez, decorre do artº 3º, nº 1, al. f), do mesmo diploma que “constituem atribuições da Guarda:
f) Velar pelo cumprimento das leis e regulamentos relativos à viação terrestre e aos transportes rodoviários, e promover e garantir a segurança rodoviária, designadamente, através da fiscalização, do ordenamento e da disciplina do trânsito”.
Por sua vez, decorre do artº 348º, nºs 1 e 2, do Cód. Penal que:
1 - Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se:
a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples; ou
b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação.
2 - A pena é de prisão até 2 anos ou de multa até 240 dias nos casos em que uma disposição legal cominar a punição da desobediência qualificada”.
Pois bem.
Provou-se, neste processo, que (cfr. números 1. a 4. dos factos provados):
- no dia 22/01/2022, pelas 18h50, na Rua ..., na freguesia ..., no concelho ..., o arguido AA conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias da marca Fiat, modelo ..., de cor ... e com a matrícula ..-..-PS;
- nesse momento, o arguido AA, transportava o passageiro BB;
- de imediato, o Militar da GNR, Cabo CC, em ação de fiscalização e de prevenção rodoviária, devidamente uniformizado, deu ordem de paragem través de sinais luminosos e sonoros para o condutor encostar e imobilizar a viatura à direita da faixa de rodagem, a fim de ser fiscalizado;
- todavia, o arguido AA não obedeceu à ordem de paragem, e, nessa sequência, o arguido AA e imprimiu ainda mais velocidade à dita viatura automóvel que conduzia, pondo-se em fuga em direção ao centro da freguesia ...”.
É verdade, portanto, que o arguido AA não respeitou a ordem de paragem da GNR.
Contudo, ainda assim, entendemos que a incriminação prevista no artº 14º, nºs 1 e 2, da Lei n.º 63/2007, de 06 de Novembro não é aplicável a este caso.
Na verdade, nos termos da interpretação legal, a lei especial prevalece sobre a lei geral.
Ora, a este propósito, estipula o artº 4º do Cód. Estrada, que:
“1 - O utente deve obedecer às ordens legítimas das autoridades com competência para regular e fiscalizar o trânsito, ou dos seus agentes, desde que devidamente identificados como tal.
2 - Quem infringir o disposto no número anterior é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 - Quem desobedecer ao sinal regulamentar de paragem das autoridades referidas no n.º 1 é sancionado com coima de(euro) 500 a (euro) 2500, se sanção mais grave não for aplicável por força de outra disposição legal”.
Significa que, para a desobediência de ordens paragem, em situações de ordem de paragem de viaturas (situações de trânsito), o legislador regulou especialmente essa situação no artº 4º do Cód. Estrada. Esta legislação especial prevalece sobre a regulamentação geral, de desobediências a ordens da GNR em geral.
E por isso, logo à partida, são os arguidos absolvidos da prática de um crime de desobediência qualificada, p. e p., pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, por referência ao artigo 14.º, n.º 2 da Lei n.º 63/2007, de 6/11 (Lei Orgânica da GNR), com a redação dada pela Lei n.º 73/2021, de 12/11 (Com uma situação similar, e com a mesma imputação, veja-se o acórdão do TRP de 02/10/2024, processo nº 172/24.9GAVFR.P1, integralmente disponível no sítio www.dgsi.pt.)
Mas provou-se que o arguido AA sabia que estava obrigado, por lei, a acatar as ordens de paragem, e que as ordens que lhe foram comunicadas para o efeito provinham de autoridade policial competente, neste caso de Militares da GNR devidamente uniformizados e identificados (cfr. número 16. dos factos provados).
Significa que o arguido AA praticou a contraordenação prevista pelo artº 4º, nº 3, do Cód. Estrada.
Decorre, no entanto, do artº 172º, nºs, 1, 3 e 4, do Cód. Estrada, que:
“1 - É admitido o pagamento voluntário da coima, pelo mínimo, nos termos e com os efeitos estabelecidos nos números seguintes.
(…)
3 - Em qualquer altura do processo, mas sempre antes da decisão, pode ainda o arguido optar pelo pagamento voluntário da coima, a qual, neste caso, é liquidada pelo mínimo, sem prejuízo das custas que forem devidas.
4 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o pagamento voluntário da coima determina o arquivamento do processo, salvo se à contraordenação for aplicável sanção acessória, caso em que prossegue restrito à aplicação da mesma, ou se fora presentada defesa”.
O arguido AA pagou a coima regulada na previsão do artº 4º, nº 3, do Cód. Estrada, pelo valor mínimo – cfr. número 41B. dos factos provados.
Por conseguinte, no que respeita à coima, determina-se o arquivamento imediato do processo.
Mas a desobediência à ordem de paragem constitui uma contraordenação muito grave – cfr. artº 146º, al. l), do Cód. Estrada.
A que corresponde uma sanção acessória de inibição de condução, nos termos do artº 138º, nº 1 e 147º, nºs 1 e 2, do Cód. Estrada.
Quanto ao arguido BB, não se provou qualquer participação nestes factos.
No que respeita ao arguido AA, inexistem causas de exclusão da ilicitude, culpa ou punibilidade.
O arguido AA praticou, assim, uma contraordenação muito grave, prevista pelo artº 4º, nºs 1 e 3, 138º, nº 1, e 147º, nºs 1 e 2, do Cód. Estrada (tal como decorria da alteração da qualificação jurídica que, oportunamente, lhe foi comunicada).”
A título prévio, importa observar que o arguido não anuncia, no recurso, pretender impugnar a matéria de facto considerada provada pelo tribunal de primeira instância.
O que quer dizer que a factualidade apurada e dada como assente na sentença proferida em primeira instância tem de considerar-se fixada.
Nessa medida, as considerações feitas pelo recorrente acerca do que alegadamente se provou e não se provou, sobre a viatura da GNR são absolutamente inócuas, pois neste momento a matéria de facto mostra-se intangível.
Mas, indiscutivelmente tratava-se de um carro patrulha – cfr. ponto 5. dos factos provados.
Por seu turno, o arguido AA pagou a coima regulada na previsão do art. 4º, nº 3, do Código da Estrada, pelo valor mínimo, com vista ao arquivamento do processo, em relação à dita contraordenção.
E se o pagamento voluntário não faz nascer qualquer presunção de comissão indiscutível da materialidade da infracção, mas antes, deixar apenas tal questão arrumada sobre a coima, é certo que permite discutir a infracção no que toca à gravidade da mesma, e quanto à sanção de inibição de conduzir, em toda a sua extensão, incluindo sobre a existência ou não da infracção.
Sucede que, no caso em apreço, como se destacou, a matéria de facto é intocável, e, nessa decorrência, o tribunal a quo deu como provado que o Militar da GNR, em ação de fiscalização e de prevenção rodoviária, devidamente uniformizado, deu ordem de paragem através de sinais luminosos e sonoros para o condutor (o aqui recorrente) encostar e imobilizar a viatura à direita da faixa de rodagem, a fim de ser fiscalizado, todavia aquele não obedeceu à ordem de paragem e imprimiu ainda mais velocidade à viatura automóvel que conduzia, pondo-se em fuga.
Da factualidade provada no ponto 5., extrai-se, ainda, tal como já se enfatizou, que os militares se faziam transportar num carro patrulha, portanto, numa viatura caracterizada.
Perante o descrito contexto fáctico, não se alcança como pode o recorrente questionar a legitimidade a ordem de paragem, já que se trata de uma ordem comunicada por um Militar da GNR no exercício das suas funções de fiscalização e prevenção rodoviária.
Inexiste qualquer possibilidade de falta de representação deste cenário por parte do arguido, visto que o militar se fazia transportar em viatura caracterizada e, nessas circunstâncias, accionou todo o tipo de sinaléctica ao seu dispor, concretamente, sinais sonoros e luminosos.
De resto, a disposição regulamentar invocada pelo recorrente – art. 103º do Regulamento de Sinalização do Trânsito – não é aplicável ao caso concreto, tal como acentua o Ministério Público na resposta.
É que a sinaléctica aí prevista, sob a epígrafe “Sinais dos agentes reguladores de trânsito” Os sinais dos agentes reguladores do trânsito são os seguintes:
a) Paragem do trânsito que venha de frente - braço levantado verticalmente, com a palma da mão para a frente;
b) Paragem do trânsito que venha da retaguarda - braço estendido horizontalmente do lado do trânsito a que o sinal se destina, com a palma da mão para a frente;
c) Paragem do trânsito que venha da frente e da retaguarda - realização simultânea dos sinais referidos nas alíneas a) e b);
d) Sinal para fazer avançar o trânsito da frente - braço levantado, com movimento de antebraço da frente para a retaguarda e a palma da mão voltada para trás;
e) Sinal para fazer avançar o trânsito da direita - braço direito levantado, com movimento de antebraço da direita para a esquerda e a palma da mão voltada para a esquerda;
f) Sinal para fazer avançar o trânsito da esquerda - braço esquerdo levantado, com movimento do antebraço da esquerda para a direita e a palma da mão voltada para a direita.
refere-se a isso mesmo, a sinaléctica a adoptar nas situações em que a regulação do trânsito é feita por um agente da autoridade. Na situação em apreço, os agentes que tripulavam o carro patrulha não se encontravam a regular o trânsito no local, mas apenas e tão só abordaram o arguido, condutor, no sentido de proceder à respectiva fiscalização.
Posto isto, não se vê que o nº 3, do art. 4º, restrinja a sua previsão à desobediência aos sinais dos agentes reguladores de trânsito, pois tal não decorre do texto da norma.
Sinal regulamentar é por isso todo aquele que obedece à sinaléctica de trânsito legalmente prevista e que, dessa forma, possa ser compreendida por todos os utilizadores da via. Neste seguimento, e tendo por certo que os agentes da autoridade circulavam numa viatura automóvel, a sinaléctica por si utilizada encontra perfeito enquadramento nos arts. 22º, nºs 2 e 3, e 23º, nº 3, do Código da Estrada, que regulam os sinais dos condutores, sonoros e luminosos.
Perante o vindo de referir, não subsistem quaisquer dúvidas, em primeiro lugar, que a ordem de paragem foi legítima, e, em segundo, que a desobediência do arguido relativamente a tal ordem se enquadra na previsão do aludido art. 4º, nº 3, do Código da Estrada.
Improcede, deste modo, tal fundamento de recurso.
Aplicabilidade do perdão previsto no artigo 5º da Lei 38-A/2023, de 02/08
O recorrente vem depois sustentar que, de todo o modo, a sanção acessória em que foi condenado deveria ter sido perdoada, nos termos do artigo 5º, da Lei 38-A/2023, de 02/08, visto que o facto foi praticado em data anterior a 19.06.2023 e a sanção acessória é relativa a contraordenação punível com coima máxima inferior a 1.000,00 €, o que foi postergado pelo tribunal a quo.
Mas é evidente que não tem razão.
É que o recorrente sustenta a sua pretensão no pressuposto de que o mesmo tenha sido condenado pela contraordenação prevista no artigo 4º, n.ºs 1 e 2, do Código da Estrada, o que não sucedeu.
AA foi condenado pela contraordenação prevista no artigo 4º, n.ºs 1 e 3, do Código da Estrada, que é punível com coima de 500 a 2500 euros.
Logo, encontra-se excluído do âmbito de aplicação do perdão previsto no mencionado artigo 5º, da Lei 38-A/2023, de 02/08, onde se dispõe que “São perdoadas as sanções acessórias relativas a contraordenações cujo limite máximo de coima aplicável não exceda 1000 (euro).”, o que manifestamente não ocorre na vertente situação.
Razão pela qual, soçobra a pretensão recursiva.
Verificação do crime de condução perigosa de veículo rodoviário
No que respeita ao cometimento das infracções estradais subjacentes à sua condenação pela prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, alega o recorrente que a sua conduta foi provocada pela “perseguição” de que foi alvo por parte dos agentes da autoridade, admitindo, quando muito, uma actuação negligente.
Nesse sentido tece uma narrativa, sem qualquer sustentação legal adiante-se, segundo a qual, antes de protagonizar a fuga, de nada sendo suspeito, tão-só tendo continuado a marcha ignorando os sinais de luzes, ainda, assim, foi alvo de uma perseguição motorizada, “a qual foi motivada por qualquer birra dos agentes da autoridade, ou despeito, ou falta de zelo e cuidado, ou manifestação pífia de autoridade bacoca e vácua, pois, de legítima e legal, esta perseguição motorizada não tinha nada.” E acrescenta que “se cumprissem a lei, os regulamentos, o estatuto da GNR, e os mais elementares deveres de cuidado, zelo, e rigor, os Srs. Militares da GNR, nestas circunstâncias factuais, jamais, teriam encetado a perseguição motorizada.”
Continua o recorrente num exacerbado ritmo narrativo a descrever a actuação dos agentes das Forças de Segurança como violadora de princípios éticos e deontológicos decorrentes da assimilação dos Direitos, Valores e Liberdades Fundamentais, tais como princípio da legalidade, princípio da igualdade, princípio da proporcionalidade, princípio da justiça, princípio da imparcialidade, princípio da boa-fé, e princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos. E tenta ainda apontar limites legais ou princípios enformadores da perseguição a suspeitos pelas autoridades policiais.
Tudo para concluir que que esta perseguição motorizada encetada pelos militares da GNR não tinha qualquer fundamento ou amparo legal e/ou factual e pode ou não consubstanciar o conceito de agente provocador, sobre o qual se alonga em considerações teóricas, para concluir que “a actuação ilícita dos militares da GNR, encetando uma perseguição motorizada sem qualquer fundamento, e à margem de qualquer recomendação policial, espoletou, sendo sua causa directa e exclusiva, a auto-incriminação do arguido, pela condução temerária que efectuou, tornando esta prova inquinada, á luz do artigo 126º, n.º 2, alínea a) do CPP”.
Ora, como o próprio o admite e refere, do que se trata na apreciação do recurso “não é, obviamente, sindicar a legalidade deste acto de polícia em concreto”. E sim da apreciação da actuação do recorrente, com vista à subsunção dos factos praticados ao crime de condução perigosa de veículo rodoviário que indiscutivelmente se mostra verificado.
A este respeito, teceu o tribunal recorrido a seguinte fundamentação na sentença: b) Crime de Condução Perigosa de Veículo Rodoviário
Estipula o artº 291º, nº 1, al. b), do Cód. Penal que “Quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada (…) b) Violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita;
e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
Trata-se de um crime de perigo concreto, que pressupõe a violação grosseira de regras circulação.
Por violação grosseira, entende-se aquela que é realizada com desrespeito pela norma e pelo dever de cuidado que impende sobre todos os condutores, ou seja, “uma condução temerária, totalmente avessa ao dever de cuidado” (Assim Francisco Marques Vieira, Direito Penal Rodoviário, Publicações Universidade Católica, Porto, 2007, p. 118.)
Neste processo provou-se que:
- No dia 22/01/2022, e após não respeitar uma ordem de paragem emanada das autoridades competentes, o arguido imprimiu velocidade à viatura que conduzia (cfr. números 1., 3. e 4. dos factos provados);
- Ao circular no centro de ..., o arguido AA obrigou um peão, cuja identidade se desconhece, a ter que fugir para não ser colhido quando atravessava a estrada numa passagem de peões existente na Rua ... (cfr. número 6. dos factos provados);
- De seguida, o arguido AA embateu na viatura automóvel com a matrícula ..-..-SN, conduzida por FF e que circulava naquela artéria e no mesmo sentido ..., causando estragos em ambos os veículos automóveis (cfr. número 7. dos factos provados);
- Não obstante esse abalroamento e mesmo perante as ordens de paragem, o arguido AA, ao invés de obedecer, imprimiu velocidade ao veículo automóvel de matrícula ..-..-PS, em direção às ..., efetuando ultrapassagens em curvas e em locais com linhas longitudinais contínuas, obrigando outras viaturas a encostar à berma da estrada, de molde a evitar uma eventual colisão (cfr. número 8. dos factos provados);
- Na intersecção da Rua ... com a Rua ... – ..., o arguido AA desrespeitou a obrigação de parar imposta pelo sinal vertical Stop, obrigando outros veículos automóveis a parar para evitar um eventual abalroamento (cfr. número 9. dos factos provados);
- Chegados à Rua ..., nas ..., o arguido AA ultrapassou três ciclistas, que fugiram para a berma da via, a fim de evitarem serem colhidos (cfr. número 10. dos factos provados);
- Durante esta abordagem por parte da autoridade policial, o arguido AA desobedeceu ao sinal vertical de obrigação de contornar a placa, circulando em contramão, o que fez com que uma viatura, que circulava em sentido contrário, se desviasse, de molde a obstar o choque frontal (cfr. número 11. dos factos provados);
- De seguida, ao saírem da Rua ..., ..., o arguido AA desrespeitou mais uma vez o sinal vertical STOP, obrigando vários veículos que circulavam em ambos sentidos a travar para não serem abalroados, forçando assim os respetivos condutores a cederem-lhe a passagem (cfr. número 12. dos factos provados);
- De seguida, o arguido AA, imprimindo uma velocidade superior a 150 km/h, percorreu a Estrada Nacional n.º 1, no sentido Norte-Sul, fazendo várias ultrapassagens, não obstante a existência de um duplo traço contínuo e do tráfego intenso, obrigando os condutores dos veículos automóveis que circulavam em ambos os sentidos a
encostarem às respetivas bermas (cfr. número 13. dos factos provados);
- Ao km ... da EN1, o arguido AA perdeu o controlo da viatura automóvel ..-..-PS, despistou-se e embateu nos rails, imobilizando-se e foram os arguidos, desse modo, intercetados pela autoridade policial (cfr. número 14. dos factos provados).
Neste caso, provou-se, assim, que o arguido AA:
- violou, grosseiramente os limites de velocidade (cfr. artº 27º, nº 2, a), 1º, do Cód. Estrada);
- desrespeitou a obrigação de paragem de um sinal de stop (cfr. artº 21º, B2, do Decreto Regulamentar nº 22-A/98, de 01/10 – Regulamento de Sinalização do Trânsito);
- desrespeitou a obrigação de paragem da passadeira (cfr. artº 103º do Cód. Estrada).
Com estas condutas, provocou perigo concreto a saúde e a integridade física de peões, automobilistas e até ciclistas.
Está assim preenchido o elemento objetivo do tipo legal imputado, no que se refere a AA.
Já no que se refere a BB, não se provou qualquer intervenção nestes factos.
Pelo que é o mesmo BB absolvido da prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelos artigos 69.º, n.º 1, alínea a) e 291.º, nº 1 alínea b), do Código Penal.
Mais se provou que:
- os arguidos conheciam as características do veículo referido, bem como as vias de trânsito por onde circularam;
- e bem sabia o arguido AA que ao conduzir da forma descrita desrespeitava as mais elementares regras rodoviárias e comprometia a segurança e a comodidade dos utentes da via, mas não se abstiveram de circular nesses moldes, mesmo sabendo que colocava em perigo a vida e a integridade física de terceiros;
- Ademais, o arguido AA conhecia as características do veículo referido, bem como as vias de trânsito por onde circulou;
- os arguidos agiram de modo livre, consciente e voluntário;
- E bem sabia o arguido AA que as suas condutas são proibidas e punidas por lei.
Está assim preenchido o elemento subjetivo do tipo de condução perigosa de veículo rodoviário, p.p. pelo artº 291.º, nº 1 al. b), do Cód. Penal, tendo o arguido AA atuado com dolo direto – cfr. artº 14º, nº 1, do Cód. Penal.
Inexistem causas de exclusão da ilicitude, culpa ou punibilidade.
O arguido AA praticou, assim, um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p.p. pelo artº 291.º, nº 1 al. b), do Cód. Penal.
Ao ter praticado este crime, praticou igualmente a pena acessória prevista pelo artº 69º, nº 1, al. a), do Cód. Penal.
As quatro contraordenações graves causais e quatro contraordenações muito graves causais, previstas e puníveis, pelos artigos 145.º, n.º 1, alíneas a), e) e f) e 146.º, alíneas i), l), n) e o) e 147.º, do Código da Estrada, com a redação dada pelo Decreto-lei n.º 46/2022, de 12/07, estão em concurso aparente com o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, não sendo, por isso, puníveis autonomamente.”
Ora desde logo, perante a afirmação do recorrente de que não tivesse havido perseguição, jamais, teria havido infracção às regras da condução, contrapomos nós, que se tivesse respeitado o recorrente a ordem de paragem, não existiria perseguição.
Adiante.
No fundo, quer fazer crer o arguido recorrente que não tinha qualquer intenção prévia de conduzir daquela forma, e só o fez, após ser perseguido injustificadamente pela GNR, que foi assim, a causa directa, exclusiva e provocadora da condução temerária encetada pelo arguido. Ou seja, a actuação dos agentes da GNR com aquela perseguição motorizada foi verdadeiramente formadora dos factos que levaram à prática do ilícito.
No seguimento de tal leitura, sublinhe-se, enviesada e mesmo desfasada dos factos, defende terem sido utilizados métodos proibidos de prova, em violação do artigo 126.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Penal, artigos 25º, n.º 1 e 32º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa e artigo 6º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Porém, a argumentação do recorrente não consegue desmontar a realidade traduzida nos factos dados como provados e que nem sequer quis discutir em recurso, posto que não os impugnou, e o que dos mesmos resulta, é que arguido AA foi legítima e validamente abordado por uma patrulha da GNR, que seguia em veículo caracterizado, no exercício das suas funções.
E tal realidade foi por si bem representada e tal dimana dos factos.
Nessa decorrência, de forma deliberada, decidiu furtar-se à fiscalização dos militares, por razões não apuradas, mas aventando-se como hipóteses não ser portador de título de condução, ou por transportar BB, que se encontrava ausente, de forma não autorizada, do Estabelecimento Prisional ..., onde cumpria, sucessiva e ininterruptamente, o somatório de duas penas de prisão num total de 13 anos e deveria ter regressado no dia 29-12-2021, após termo de licença de saída jurisdicional (que se iniciou no dia 22.12.2021).
E, com o intuito de lograr a fuga, praticou contraordenações estradais causais graves e muito graves - violou, grosseiramente os limites de velocidade (cfr. artº 27º, nº 2, a), 1º, do Cód. Estrada); desrespeitou a obrigação de paragem de um sinal de stop (cfr. artº 21º, B2, do Decreto Regulamentar nº 22-A/98, de 01/10 – Regulamento de Sinalização do Trânsito); desrespeitou a obrigação de paragem da passadeira (cfr. artº 103º do Cód. Estrada). Com estas condutas, provocou perigo concreto a saúde e a integridade física de peões, automobilistas e até ciclistas.
Por seu turno, está demonstrado que os militares da GNR actuaram no exercício legítimo das suas funções, inexistindo qualquer actuação provocadora, ou, por qualquer outra forma, violadora dos direitos e garantias constitucionais e legais do recorrente, sequer se tendo apurado factualidade que sustente tal afirmação e tão pouco o recorrente se socorreu de factos para sustentar as suas conclusões, antes se limitando a efabular uma perseguição policial ilegal justificativa da sua actuação.
Aliás a referência a métodos de proibição de prova, mormente o agente provocador, é absolutamente fantasiosa se olharmos à factualidade tida como definitivamente assente.
Não se desconhece que o agente provocador convence outrem à prática do crime, determina-lhe a vontade para o acto ilícito, constituindo um “meio enganoso” de obtenção de prova, tratando-se, por isso, de um método proibido de prova (cfr. art.º 126º, n.º 2, al. a), do CPP).
Na distinção entre agente provocador e agente infiltrado, Benjamim Silva Rodrigues in Da Prova em Processo Penal - Tomo II, pág. 106, refere que ambos «de forma ocultada ou disfarçada, assumem as vestes (semelhantes às) dos criminosos que se pretendem investigar», sendo que “o agente provocador convence outrem ao crime, determina a vontade para o acto ilícito”.
Nas palavras de Germano Marques da Silva in Bufos, Infiltrados, Provocadores e Arrependidos in Direito e Justiça, FDU Católica, Vol. VIII, Tomo 2, 1994, pág. 29 apud Acórdão da Relação de Lisboa de 29-11-2006, disponível in www.dgsi.pt, o agente provocador é aquele que “cria o próprio crime e o próprio criminoso”.
Porém, pergunta-se, de onde se retira dos factos esse convencimento por parte dos agentes ao arguido ao cometimento do descrito facto ilícito? Efetivamente a versão fáctica apresentada pelo recorrente não está assente nos autos, pois não estão verificadas as características básicas associadas à actuação do agente provocador, não havendo aqui qualquer comprovada coacção. É que o arguido sabia que estava na presença de agentes da autoridade, mais concretamente de militares da GNR, que se faziam transportar num carro patrulha, portanto, numa viatura caracterizada, bem sabendo que sobre os mesmos impende uma obrigação legal de agir quando constatam qualquer ilegalidade.
Pelo que, não faz qualquer sentido falar-se em prova ilícita por recurso à figura do agente provocador, e por inerência a métodos proibidos de prova.
Mais decorre dos factos que o arguido agiu de forma dolosa, com conhecimento e vontade de realização da conduta típica. Destarte não pode ser acolhida a sua pretendida actuação negligente
Conclui-se assim pelo demérito dos argumentos aduzidos pelo recorrente.
Insiste-se, as criticas dirigidas à decisão, neste particular, não encontram eco nos factos, e mais não revelam do que uma desconsideração total dos mesmos, resvalando o recorrente para um cenário fantasioso, inconciliável com a realidade traduzida dos factos provados.
Pelo que, também por este prisma decai o analisado fundamento do recurso.
A escolha e a dosimetria da pena
Por fim, o recorrente argumenta por um lado, que sempre deveria beneficiar da atenuação especial da pena, conforme hipnotiza o artigo 72º do CP, atentas as circunstâncias anteriores e contemporâneas ao crime, que diminuem de forma acentuada a ilicitude do facto e da culpa do agente, e que foram completamente postergadas pelo Tribunal “a quo”.
Sem prescindir entende que a pena imposta é excessiva, concretamente que a pena aplicada de prisão em regime de permanência na habitação por 01 ano e 10 meses, ofende os mais elementares princípios da razoabilidade, proporcionalidade, cotejados com a culpa imputada ao arguido e as necessidades e fins das penas.
Mais alega que o Tribunal “a quo” decidiu por uma pena privativa da liberdade, sem, no entanto, apresentar fundamentação sólida, consistente, adequada e razoável para dar cumprimento ao desiderato plasmado no artigo 70º do CP. Em bom rigor, estribou-se, unicamente, nas necessidades de prevenção geral, para afastar a aplicação da preferência legal pela pena não privativa da liberdade, o que redunda, numa manifesta falta de fundamentação da decisão, que importa a sua nulidade. De todo o modo considera que é inaceitável a aplicação da pena de prisão, pois as penas primacialmente retributivas ou preventivas-gerais são inconstitucionais.
E, escudado apenas em doutrina que cita, conclui que a motivação vazada na sentença recorrida, está eivada de preocupações preventivas gerais, para sustentar a aplicação da pena de prisão, e atenta a culpa e gravidade diminuta dos factos, deveria o Tribunal “a quo” ter elegido uma pena não privativa da liberdade, e tendo optado pela pena de prisão, como fez, não deveria exceder os 6 meses de prisão, suspendendo a sua execução no limiar mínimo desenhado pelo artigo 50º do CP, e não ultrapassar um ano.
Vejamos.
O tribunal a quo dedica à escolha e medida da pena a seguinte fundamentação:
“IV. Da Natureza e Medida da Pena e da Sanção Acessória
Feito o enquadramento jurídico, cumpre efetuar a escolha da pena e da sanção acessória a aplicar ao arguido AA.
Vejamos cada uma delas, autonomamente.
*
Sanção acessória de inibição de condução
(…)
*
b) Crime de condução perigosa de veículo rodoviário
O crime de condução perigosa de um veículo rodoviário, p.p. pelo artº 291º, nº 1, al. b), é punido com pena de prisão de 1 mês a 3 anos ou com pena de multa de 10 a 360 dias –cfr. artº 291º, nº 1; 41º, nº 1 e 47º, nº 1, todos do Cód. Penal.
No que respeita à modalidade da pena, de acordo com o disposto no artº 70º do Cód. Penal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, deve o Tribunal dar preferência à segunda, sempre que esta se mostre suficiente para satisfazer as finalidades da punição, ou seja, de forma a garantir as exigências de prevenção do crime e ainda de promover a reinserção social do mesmo (nos termos do artº 40º, nº 1, do Cód. Penal).
No caso concreto entende-se que a pena de multa não é suficiente para satisfazer as finalidades da punição.
Com efeito, os antecedentes criminais do arguido AA (cfr. número 40. Dos factos provados), com vários períodos de prisão, fazem com que consideremos que a este arguido a pena de multa nunca seria suficiente para o inibir de voltar a praticar este ou qualquer outro crime.
Entende, assim, o Tribunal que a pena de multa não é suficiente para acautelar as exigências de prevenção geral e especial.
Opta-se, portanto, pela pena de prisão.
*
Nos termos do disposto no artº 40º, nº 1, do Cód. Penal, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (cfr. artº 40º, nº 2, do Cód. Penal), pois esta, exprimindo a responsabilidade individual do agente pelo facto,
constitui o fundamento ético daquela.
Por sua vez, estabelece o artº 71º, nº 1 do Cód. Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Deste modo, prevenção geral e especial e culpa são os tópicos a ter em conta na aplicação da pena e determinação da sua medida. A primeira reflete a necessidade comunitária da punição do caso concreto, constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite inultrapassável da pena.
Pode, assim, dize -se que, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa.
O critério legal da determinação da medida da pena encontra-se previsto no art. 71º do C. Penal. Nos termos do disposto nos seus nºs 1 e 2, a determinação de tal medida é feita, tendo em conta a moldura penal abstrata aplicável, através da ponderando das exigências de prevenção geral e especial, da medida da culpa do arguido e de todas as circunstâncias que,
não sendo típicas, militem contra e a seu favor designadamente, as enunciadas naquele nº 2.
Vejamos agora a pena concreta a aplicar ao arguido.
*
Neste caso, o grau de ilicitude do facto é elevado, atendendo a que o arguido viria a provocar, efetivamente, um embate numa viatura ..-..-SN, conduzida por FF, provocando, assim, quanto a este, efetivo perigo para a sua integridade física e provocando estragos (cfr. número 7. dos factos provados).
A intensidade do dolo é elevada, tendo o arguido atuado com dolo direto, o que se valora contra este.
Valora-se contra o arguido o facto deste transportar passageiros no momento em que agiu.
O arguido encontra-se com uma inserção social regular (cfr. números 28. e 29. Dos factos provados), o que se valora a seu favor.
As exigências de prevenção especial são muito elevadas, atendendo aos antecedentes criminais do arguido.
Este tem já condenações anteriores pela prática de crimes de furto, recetação, associação criminosa, falsificação de documentos, emissão de cheque sem provisão e detenção de armas e até condução sem habilitação legal – cfr. número 40. dos factos provados.
As exigências de prevenção geral são relevantes, pelo impacto que este crime tem no sentimento de segurança de quem transita nas estradas.
Tudo visto, julga-se justo, por adequado fixar a pena em 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão.
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Não se substitui a pena de prisão aplicada por trabalho a favor da comunidade (cfr. artº 58º, nº 1, do Cód. Penal), por o Tribunal entender que esta pena de substituição não acautela de forma suficiente as exigências de prevenção e as finalidades de punição.
Isto porque, o trabalho a favor da comunidade tem um nível de ressocialização similar à multa, sendo que, já o Tribunal demonstrou que uma multa nunca seria suficiente para inibir este arguido de praticar novamente este ou qualquer outro crime.
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A pena substitutiva prevista no artº 46º do Cód. Penal não tem aplicação a este processo, já que o crime não foi praticado no exercício de uma função.
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O artº 50º do Cód. Penal, determina que “O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Entende o Tribunal que a execução da pena de prisão aplicada no presente processo não deverá ser suspensa.
Efetivamente, o arguido tem já um passado criminal muito grave, com várias condenações em penas efetivas de prisão (cfr. número 40. dos factos provados).
A última das quais, por acórdão datado de 18/12/2015, transitado em julgado em 07/07/2016, proferido no âmbito do processo nº ..., foi o arguido condenado pela prática, em 26/05/2008, de 2 crimes de recetação, p.p. pelo artº 231º, nº 1, do Cód. Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão efetiva, pena que foi declarada cumprida por despacho de 31/01/2019 (cfr. número 40., al. m), dos factos provados).
Sucede que, à data da prática destes factos (22/01/2022), estava o arguido em pleno período de liberdade condicional (decorrente do cumprimento sucessivo de penas), período que vigorou que de 23/07/2019 até 14/12/2022 e sido concedida a liberdade definitiva em 18/01/2023 – cfr. número 40., al. l), dos factos provados.
Entendemos, por isso, que as exigências de prevenção especial e geral não permitem concluir que a simples ameaça de prisão, suspensa na execução, iria inibir este arguido de voltar a praticar este ou qualquer outro crime, pois que nem o facto de estar em período de liberdade condicional o conseguiu inibir.
E por isso não se suspende a execução da pena de prisão aplicada.
*
Decorre do artº 43º, nº 1, do Cód. Penal que “1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos”.
Neste caso, entende o Tribunal que a pena de prisão aplicada ao arguido deve ser cumprida em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios de controlo à distância.
Por um lado, o arguido assim o consentiu – cfr. número 42. dos factos provados.
Por outro lado, no que respeita às questões formais e físicas, estão reunidas as condições (cfr. número 43. dos factos provados).
Entende o Tribunal que o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação será o aconselhado neste caso. Isto porque, desde logo, inculca uma ideia de reclusão, que satisfaz as exigências de prevenção geral, inibindo a sociedade em geral da prática destes factos. Mas também ao próprio arguido, que, poderá ressocializar-se pessoal e profissionalmente.
Provou-se também que o arguido AA pretende iniciar um trabalho de restauração na cidade ..., necessitando de 45 minutos para chegar ao trabalho e 45 minutos para voltar do trabalho – cfr. número 44. dos factos provados.
Assim, para este o efeito, nos termos do disposto no artº 43º, nº 3, do Cód. Penal, o Tribunal autoriza que o arguido se ausente da habitação para o exercício efetivo da sua atividade profissional ou para a frequência de cursos de formação profissional, sendo que o arguido deverá informar e solicitar a autorização do TEP, sempre que necessitar de se ausentar da habitação.
A autorização que o TEP (com base em informações que entenda por pertinentes, recorrendo, se necessário, a informações da DGRSP) conceder deverá definir os horários das ausências e deverá ser apenas concedida para o arguido prestar a sua atividade profissional ou beneficiar de formação profissional.
O arguido não poderá, no entanto, neste âmbito, beneficiar de qualquer autorização que permita que o arguido não regresse a casa diariamente (ex: aceitar um trabalho no estrangeiro ou aceitar um trabalho que implique que o arguido não regresse diariamente à sua casa).
Por outro lado, o trabalho em causa deverá ter um horário fixo definido, não ultrapassar nove horas de trabalho diárias, e executar-se durante, no máximo, 5 (cinco) dias por semana.
Assim, o Tribunal, nos termos do aludido artº 43º, nº 1, al. a), do Cód. Penal, decide que a prisão determinada será executada em regime de permanência na habitação, nestes termos.
Qualquer outra autorização para ausência, terá de ser requerida e apreciada pelo TEP, que, nos termos legais, acompanhará a execução da pena.”.
Analisemos então.
Começando pela questão da pretendida atenuação especial da pena, prevista no art. 72º do Código Penal, o recorrente não adiciona qualquer argumento para o efeito, para além de remeter para o teor do normativo em causa, ou seja, atentas as circunstâncias anteriores e contemporâneas ao crime, que diminuem de forma acentuada a ilicitude do facto e da culpa do agente.
Já se vê por isso, que não aduz qualquer contributo, não convocando qualquer circunstância factual em abono da sua pretensão e que permitam concluir pela diminuição acentuada da ilicitude e culpa, mas ainda assim, aclaremos.
Dispõe o nº 1 do art. 72º do CP que “O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”, exemplificando-se, no seu n.º 2, circunstâncias que são susceptíveis de relevar para esse efeito. 2 - Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes: a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência; b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida; c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados; d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.
Conforme Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, pág. 305, princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especialé a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção.
Trata-se, assim, da consagração de circunstâncias excepcionais, que funcionam como “válvula de segurança” perante a multiplicidade e a diversidade de situações que a vida real revela e a que o legislador, apesar da preocupação de abarcá-las quanto possível, não consegue dar resposta suficientemente justa, mediante a previsão abstracta das medidas das penas.
Visa, então, casos que revestem uma fisionomia particularmente pouco acentuada em termos de gravidade da infracção, seja por via da culpa/ilicitude, seja por via da necessidade da pena.
“Critério decisivo é que as circunstâncias concorrentes, pela sua especial intensidade, configurem um caso de gravidade, tão acentuadamente diminuída, seja ao nível da ilicitude ou da culpa, seja ao nível da necessidade da pena, que escapa à previsão do que o legislador definiu e que, por isso, seria injusto punir dentro da respetiva moldura penal, já prevenidamente muito ampla.” – vide Ac. do STJ de 10.06.2021 proferido no Proc. nº 401/20.8PAVNF.S1 acessível in www.dgsi.pt.
Em suma, a atenuação especial da pena está reservada para os casos extraordinários ou excecionais. Para a generalidade dos casos a pena determina-se dentro da moldura penal do tipo de ilícito cometido pelo agente. Ou, por outras palavras, quando o caso não é o “caso normal” suposto pelo legislador, quando estatuiu os limites da moldura correspondente ao tipo de facto descrito na lei e antes, reclama, manifestamente, uma pena inferior, o que se impõe em nome dos valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade.
O seu carácter eminentemente excepcional não pode ser esquecido, sob pena das finalidades da punição se verem postergadas, pelo que não é suficiente um quadro em que as atenuantes sejam importantes, mas sim que estas sejam de molde a concluir-se que, só através da “correcção” à medida da pena, se obtém uma solução justa, sempre, contudo, sujeita à acentuada diminuição da ilicitude do facto e da culpa e das necessidades punitivas.
De volta ao caso que temos em mãos, é manifesto que é de rejeitar que o recorrente usufrua dessa atenuação especial, uma vez que não se mostra preenchida condição alguma que se apresente como tendente a diminuição, e acentuada como seria necessário, da ilicitude e/ou culpa, prevista no nº 2 do art. 72º ou outra qualquer. De resto, o recorrente, como supra se anotou, limita-se a invocar a aplicação desta norma, sem especificar qualquer circunstância concreta que permita configurar os respectivos pressupostos.
Não pode haver, pois, lugar a atenuação especial da pena.
E assim, sem necessidade de mais considerações, a decisão recorrida, por esse prisma, não é passível de qualquer censura, sendo por isso de manter.
*
Perante a fundamentação vertida na sentença e vinda de transcrever, verifica-se que é perfeitamente descabida a afirmação do recorrente de que a sentença enferma de nulidade por manifesta falta de fundamentação da decisão, no cumprimento do desiderato plasmado no artigo 70º do CP.
Alega aquele que o tribunal se estribou unicamente nas necessidades de prevenção geral, para afastar a aplicação da preferência legal pela pena não privativa da liberdade.
No entanto não lhe assiste razão.
Com efeito, na fundamentação, o tribunal alude não só a exigências de prevenção geral como especial, entendendo que a pena de multa não é suficiente para as acautelar.
Nessa medida, o tribunal a quo enfatizou “Com efeito, os antecedentes criminais do arguido AA (cfr. número 40. Dos factos provados), com vários períodos de prisão, fazem com que consideremos que a este arguido a pena de multa nunca seria suficiente para o inibir de voltar a praticar este ou qualquer outro crime.”.
É que, e no que respeita à escolha da espécie das penas alternativas abstractas previstas para o crime em questão (alternativa da pena de prisão ou da pena de multa), o tribunal apenas pode utilizar o critério da prevenção, como determina o art. 70º do CP: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Donde, no momento da escolha da pena alternativa são alheias considerações relativas à culpa.
Ou seja, o antedito normativo obriga o tribunal a dar preferência à sanção não privativa da liberdade “sempre que esta realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, quais sejam, “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.” – vide art. 40º, nº 1 do CP.
Ora, reitera-se, o tribunal a quo, fundadamente entendeu necessária para garantir as finalidades da punição, a aplicação da pena de prisão em detrimento da multa (enquanto pena principal).
E em relação ao presente caso e a este arguido, ora recorrente, entendeu que não estão tais finalidades garantidas e desde logo por força dos vastos antecedentes criminais que o mesmo regista (desde 1994).
A decisão não padece pois de nulidade por falta de fundamentação neste domínio, ainda que o recorrente sequer faça menção ao respetivo regime legal.
Com efeito, exige a lei – no art. 374º do CPP – que a sentença contenha relatório, fundamentação e dispositivo.
A fundamentação, que se segue ao relatório, há-de conter a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal – n.º 2 do art. 374º referido.
Esta norma corporiza exigência consagrada no art. 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa – dever de fundamentação das decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente.
Dever de fundamentação que, reportado à sentença, abrange a matéria de facto e a matéria de direito, para que tal peça processual contenha os elementos que, por via das regras da experiência ou de critérios lógicos, conduziram o Tribunal a proferir aquela decisão e não outra.
A finalidade da fundamentação dos atos decisórios [consagrada no artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal] e da sentença encontra-se, nas palavras de Germano Marques da Silva, In “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo 2008, 4ª Edição Revista e atualizada, II Volume, páginas 153 e 154, em “lograr obter uma maior confiança do cidadão na Justiça, no autocontrolo das autoridades judiciárias e no direito de defesa a exercer através dos recursos.” E “assume no processo penal uma função estruturante das garantias de defesa do arguido, na medida em que assegura o conhecimento das razões de facto e de direito por que foi tomada uma decisão e não outra, de modo a facultar a opção reativa (impugnatória ou não) adequada à defesa dos seus direitos, revelando-se, assim, essencial para o exercício do direito ao recurso.” – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 147/00, de 21 de março de 2000, acessível em www.tribunalconstitucional.pt.
A lei impõe, pois, que o tribunal não só dê a conhecer os factos provados e os não provados, para o que os deve enumerar, mas também que explicite expressamente o porquê da opção (decisão) tomada, o que se alcança através da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, impondo, ainda, obviamente, o tratamento jurídico dos factos apurados, com subsunção dos mesmos ao direito aplicável, sendo que em caso de condenação está o tribunal obrigado, como não podia deixar de ser, à determinação motivada da pena ou sanção a cominar, posto o que deve proceder à indicação expressa da decisão final, com indicação das normas que lhe subjazem.
Certo é que relativamente à escolha e à medida da pena ou sanção, o art. 375º, nº 1 do CP, (pormenorizando e acentuando o disposto no art. 374º), impõe um especial cuidado ao tribunal, estabelecendo, de forma expressa, que a sentença condenatória deve especificar os fundamentos que à escolha e à medida da pena ou sanção presidiram, e indicar, sendo caso disso, o início e o regime de cumprimento da sanção, outros deveres que ao condenado sejam impostos e a sua duração, bem como o plano individual de readaptação social.
Sendo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 379º do CPP, é nula a sentença que não contiver as menções referidas no nº 2 do art. 374.º, o mesmo é dizer que a falta de fundamentação acarreta a nulidade da sentença.
A sentença também padece de nulidade, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Feito este enquadramento e perante o que ficou dito, não há incerteza que o tribunal recorrido fundamentou satisfatoriamente na sentença, como se disse, as razões pelas quais optou pela aplicação da pena de prisão em detrimento da pena de multa, tendo entendido, com assertividade, que esta forma de cumprimento da pena não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Razão pela qual, e, por essa via, a decisão não é merecedora de censura.
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Já no que concerne à medida da pena concreta aplicada, 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, entende o recorrente que aquela não deveria ter excedido os 6 (seis) meses, porém revisitado o teor da sentença recorrida neste segmento, não se detecta qualquer desconformidade, que imponha intervenção corretiva deste tribunal de recurso.
Sumariamente, “A pena visa finalidades exclusivamente preventivas (de prevenção geral e especial), constituindo a culpa pressuposto e limite inultrapassável da pena” - cfr. Jorge Figueiredo Dias, in “Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, 2004, pág. 75 e seguintes.
Deste modo, através das exigências de prevenção, dá-se satisfação à necessidade comunitária de reafirmação da confiança geral na validade da norma violada, bem como ao objectivo de reinserção social do delinquente e, por esta via, à realização dos fins das penas no caso concreto - art. 40º, nº 1 do Código Penal.
Ou seja, a prevenção geral positiva ou de integração erigida como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, de acordo com as orientações prevalecentes a nível de política criminal, constitui o objectivo de tutela dos bens jurídicos, mas igualmente importante se revela a prevenção especial ou de socialização que opera dentro da moldura fornecida pela prevenção geral e indica a medida da pena. Por seu lado, a culpa, enquanto vertente pessoal do crime e da personalidade do agente, actua como limite inultrapassável das exigências de prevenção, mormente da prevenção geral, de modo a garantir que o condenado não possa servir de instrumento de tais exigências (cf. art. 40º, nº 2, do Código Penal).
Com efeito, a consideração da culpa do agente liga-se à vertente pessoal do crime e decorre do incondicional respeito pela dignidade da pessoa humana - a culpa é entendida como um “princípio liberal, limitador do poder punitivo do Estado” (na expressão de Claus Roxin), e estabelece um limite inultrapassável às exigências de prevenção – nº 2 do citado art. 40º.
Necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade e adequação são nesta decorrência os princípios orientadores que devem presidir à determinação da medida da pena.
E para a determinação da medida concreta da pena há que atender aos factores elencados no art. 71º do CP e que, fundamentalmente, se relacionam quer com o facto típico praticado, quer com a personalidade do agente neles documentada - vide Anabela Miranda Rodrigues, in “A determinação da medida da pena privativa de liberdade”, 1995, pág. 658 e seguintes -, podendo tais factores ser valorados, simultaneamente, por via da culpa e da prevenção.
Assim, o nº 2 do citado art. 71º, manda atender, no caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente: “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”.
Aqui chegados, e revertendo ao nosso caso, perante uma moldura penal abstrata de pena de prisão de 1 mês a 3 anos, decidiu o Tribunal fixar a pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses e, podemos já assinalar que, tendo presentes os assinalados princípios que imperam neste domínio, e que de resto o tribunal recorrido explanou em termos proficientes, não se reconhece fundamento para a pretendida redução da pena de prisão.
De resto, se bem atentamos no recurso, o recorrente não adianta quaisquer factores não ponderados pelo tribunal recorrido, antes se limita a genericamente a argumentar que “Atenta a culpa e gravidade diminuta dos factos, deveria o Tribunal “a quo” ter elegido uma pena não privativa da liberdade, e tendo optado pela pena de prisão, como fez, não deveria exceder os 6 meses de prisão, suspendendo a sua execução no limiar mínimo desenhado pelo artigo 50º do CP, e não ultrapassar um ano.”.
Certamente olvidou o seu extenso passado criminal, com condenações, por crimes de diversa natureza, com vários períodos de prisão, que não o demoveram de voltar a cometer crimes, e tal como já se enfatizou supra, elevam as exigências de prevenção especial.
Por seu turno, o tribunal pôs ainda em evidência o grau elevado de ilicitude do facto, atendendo às consequências advenientes do crime, posto que o arguido provocou um embate numa viatura ..-..-SN, conduzida por FF, provocando, assim, quanto a este, efetivo perigo para a sua integridade física e provocando estragos (cfr. número 7. dos factos provados).
Contra o mesmo foi ainda valorada a intensidade do dolo, elevada, tendo o arguido atuado com dolo direto, para além de transportar passageiros na viatura no momento em que agiu.
As exigências de prevenção geral são relevantes, pelo impacto que este crime tem no sentimento de segurança de quem transita nas estradas.
Há ainda a considerar que os factos em apreciação nestes autos foram cometidos no decurso do período de liberdade condicional (entre 23.07.2019 e 14.12.2022 – proc. nº ... e proc. nº ... do TEP).
Nessa decorrência, e perscrutada a fundamentação da decisão recorrida quanto à determinação da sobredita pena, são perfeitamente inteligíveis os factores atendidos e de resto relevantes em sede de determinação da medida concreta da pena de prisão.
Perante o cenário vindo de descrever, não merece censura a opção do tribunal a quo, ao fixar a pena em 1 ano e 10 meses de prisão, em face das circunstâncias apuradas, na esmagadora maioria desfavoráveis.
Não vislumbramos por isso qualquer excesso, a necessitar de intervenção corretiva deste tribunal. Antes, e com base nos aludidos elementos, consideramos a antedita pena de prisão adequada.
Assim, porque não ocorreu qualquer desrespeito pelos princípios e normas legais pertinentes e face a todos os elementos de facto apurados nos autos, mostra-se a referida pena fixada com respeito pelos parâmetros legais que supra anotamos, inexistindo motivo para que deva ser alterada por este Tribunal de recurso.
Relembra-se que nesta matéria existe sempre alguma margem de subjetividade do julgador, pelo que as penas só poderão ser alteradas nos casos em que, apesar de respeitados os subjacentes critérios legais, é ostensivo o seu exagero ou desproporção, tal como decorre do elucidativo Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto, cujo entendimento sufragamos, datado de 02.06.2010 proferido no Proc. nº 60/09.9 GNPRT.P1, acessível em www.dgsi.pt, onde se sustentou que “Observados que se mostrem os critérios de dosimetria concreta da pena, sobra uma margem de atuação do julgador dificilmente sindicável”, desrespeito que aqui não sucedeu.
Nesta medida, mantém-se inalterada a pena cominada.
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Por fim, e no tocante à pugnada suspensão da execução da pena de prisão em detrimento do seu cumprimento em regime de permanência na habitação.
Desde já se diga que, mais uma vez, nada de preponderante foi acarretado para os autos que motive alteração da decisão tomada e viabilize a pretendida suspensão da execução da pena de prisão imposta.
Com efeito, não foram pelo recorrente adiantadas as condições que eventualmente se mostrassem reunidas para suspender na sua execução a pena pela qual foi condenado.
Mas escalpelizemos.
De harmonia com o disposto no art. 50º, nº 1, do Código Penal, “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Como se sabe, são finalidades de prevenção especial de socialização que estão na base da suspensão da execução da pena de prisão, designadamente, o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer correção. Decisivo é aqui o conteúdo mínimo da ideia de socialização, traduzida na prevenção da reincidência - cfr. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português - As consequências jurídicas do Crime, pág. 343.
A suspensão da pena é, sem incerteza, uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado - vide entre outros o Acórdão do STJ de 18.10.2007, proferido no proc. n.º 07P2311, disponível em www.dgsi.pt.
Significando a prognose social favorável ao arguido, a esperança fundada de que a socialização em liberdade será possível, que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência solene e que, em função desta, não sucumbirá, não cometerá outro crime no futuro, que saberá compreender, e aceitará, a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido da fidelização ao direito.
Também do STJ, confira-se o Ac. de 14/5/2009, disponível in www.dgsi.pt. extrai-se “Para aplicação da pena em causa necessário se torna que o julgador se convença de que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de condutas delitivas e ainda que a pena de substituição não coloca em causa de forma irremediável a necessária tutela de bens jurídicos”.
Parte-se, em resumo, de um juízo de prognose social favorável ao agente, pela fundada expectativa de que o mesmo, considerado merecedor de confiança, há-de sentir a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir, através de uma vida futura ordenada e conforme ao Direito e aos valores socialmente erigidos. A finalidade do instituto é, pois, a de afastar o delinquente da criminalidade. Todavia, ainda que em tal sentido apontem as considerações retiradas da prevenção especial de socialização, a suspensão não deverá ser decretada se com ela se postergarem as necessidades de reprovação e de prevenção do crime: encontram-se aqui em causa não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa da ordem jurídica.
Alinhados estes princípios, e olhando aos factos assentes, foram pelo tribunal recorrido sopesados os vastíssimos antecedentes criminais registados pelo recorrente, com várias condenação em penas efetivas de prisão, a ponderação da natureza dos ilícitos conjugadamente com as suas condições pessoais actuais, e a postura por si assumida, sem sentido critico, tudo a apontar no sentido da existência de acentuadas necessidades de prevenção especial, mas que desaconselham ou mesmo se opõem à suspensão da execução da pena de prisão propugnada pelo recorrente.
Com especial relevância considerou o tribunal a quo queà data da prática dos factos em apreço (22/01/2022), estava o arguido em pleno período de liberdade condicional (decorrente do cumprimento sucessivo de penas), período que vigorou que de 23/07/2019 até 14/12/2022, o que sequer o demoveu de empreender novamente conduta delituosa. Daí que, e em conclusão, rematou “que as exigências de prevenção especial e geral não permitem concluir que a simples ameaça de prisão, suspensa na execução, iria inibir este arguido de voltar a praticar este ou qualquer outro crime, pois que nem o facto de estar em período de liberdade condicional o conseguiu inibir.”
E no que às exigências de prevenção geral tange, são assaz elevadas, recordando-se os elevadíssimos índices de sinistralidade rodoviária com que se defronta o nosso país, e o sentimento de insegurança de quem transita nas estradas, e como de resto frisou o tribunal recorrido.
Não oferece dúvida que o recorrente não aproveitou devidamente em termos de integração social e em termos jurídico-penais as oportunidades que lhe foram dadas ao longo do tempo, revelando, antes, indiferença perante as condenações sofridas supra discriminadas, que não tiveram a virtualidade de o consciencializar para o mal cometido, mesmo após a condenação em penas de multa e de prisão suspensas na sua execução ou substituídas, e de chamá-lo a adoptar um comportamento conforme com o direito.
Razão pela qual, também neste segmento, a decisão recorrida não é merecedora de censura, pelo que a pena aplicada de 1 ano e 10 meses de prisão será cumprida em regime de permanência na habitação, conforme ali determinado.
Nestes termos, improcede totalmente o recurso.
3. DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando na integra a sentença recorrida.
Face à improcedência do recurso, condena-se o recorrente no pagamento das custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs.
Notifique.
(Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente).
Porto, 18 de junho de 2025
Relatora: Juíza Desembargadora: Cláudia Sofia Maia Rodrigues
1ª Adjunta: Juíza Desembargadora: Isabel Namora
2ª Adjunta: Juíza Desembargador Liliana Páris Dias