Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
PRODUTOS QUÍMICOS
REGISTO
FICHA DE DADOS DE SEGURANÇA
FORNECEDOR
DESTINATÁRIO
CONTRAORDENAÇÃO MUITO GRAVE
LEGISLAÇÃO EUROPEIA
LEGISLAÇÃO NACIONAL
Sumário
I – Não se olvida que o DL 293/2009 de 13.10, estabeleceu as regras para assegurar a execução, na ordem jurídica nacional, das obrigações decorrentes do Regulamento (CE) n.º 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18.12, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos (REACH) e que procede à criação da Agência Europeia dos Produtos Químicos, e haverá sempre que compatibilizar os normativos de ambos os diplomas, mas é aquele diploma nacional que prevê exclusivamente o tipo contraordenacional. II – E assim sendo, olhando à norma sancionatória, na previsão da alínea j), do nº 1, do art. 11.º do Decreto-Lei 293/2009, de 13 de outubro, atinente ao não cumprimento, pelo fornecedor de substância ou mistura, da obrigação de fornecer a ficha de dados de segurança ao destinatário da substância ou mistura, nos termos do n.º 1 do artigo 31.º do Regulamento (CE) n.º 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro, não pode deixar de concluir-se que aquela apenas tipifica e censura como violação muito grave a falta total daquela ficha, mas já não a sua simples incorrecção ou mero defeito. III - Portanto, não se tipifica sequer como contraordenação a existência de erros ou lapsos na sua elaboração, mas apenas a omissão das menções obrigatórias. IV – Por tal ordem de razão, verificado que esteja que existe e é disponibilizada a ficha de dados de segurança em causa, contendo a indicação de todas as suas menções obrigatórias, sendo apontadas à arguida apenas algumas inexactidões no seu preenchimento, inexiste conduta com relevância contraordenacional face à referenciada norma incriminatória, sequer a título daquela contraordenação grave.
Texto Integral
Processo: 77/25.6T8GDM.P1
Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
*
1. RELATÓRIO
A arguida A..., SA impugnou judicialmente a decisão da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (doravante, IGAMAOT), que, no âmbito de procedimento contraordenacional, lhe aplicou a coima de € 24.000,00, pela violação do disposto no artigo 31º, nº 1 do Regulamento CE do Parlamento Europeu e do Conselho n.º 1907/2006, de 18 de Dezembro (REACH) e artigo 11º, nº 1, j) do DL nº 293/2009 de 13.10, sancionável nos termos do artigo 22º, nº 4, b) da Lei nº 50/2006, de 29 de Agosto (LQCA).
Distribuídos os autos ao Juízo Local Criminal de Gondomar (Juiz 2) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, com o nº 77/25.6T8GDM, o recurso foi admitido por despacho proferido em 16.01.2025, e atenta a oposição da recorrente a que a decisão fosse proferida por despacho, realizou-se audiência de julgamento, e em 24.03.2025 foi prolatada sentença - depositada a 25.03.2025 -, na qual se decidiu julgar procedente o recurso interposto e, consequentemente, revogar decisão administrativa e determinar o arquivamento dos autos.
Inconformado com esta decisão, o Ministério Público interpôs recurso para este Tribunal da Relação do Porto, com os fundamentos sintetizados nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem:
“1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos presentes autos em 25.03.2025, que julgou procedente o recurso interposto pela arguida “A..., S.A.”, e consequentemente revogou a decisão administrativa proferida pela IGAMAOT, que no âmbito de procedimento contraordenacional aplicou à arguida a coima de €24.000,00 acrescida de custas, pela violação do disposto no artigo 31.º/1 do Regulamento 1907/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho (REACH) e artigo 11.º/1, j) do DL 293/2009 de 13.10, sancionável nos termos do artigo 22.º/4, b) da LQCA;
2. Ao contrário da douta sentença recorrida, entendemos que a decisão administrativa integrou correctamente os factos dados como provados como consubstanciadores da prática da descrita contraordenação ambiental muito grave, isto porque uma ficha de dados de segurança que não cumpra os requisitos legais deve ser tida como inexistente.
3. O Regulamento REACH, relativo ao Registo, Avaliação, Autorização e Restrição dos produtos químicos, que criou a Agência Europeia dos Produtos Químicos, inter alia com o Decreto-Lei nr.º 293/2009, de 13 de Outubro, tem como objectivo assegurar um elevado nível de protecção da saúde humana e do ambiente, bem como garantir a livre circulação das substâncias (estremes ou contidas em preparações ou em artigos), reforçando simultaneamente a competitividade e a inovação.
4. O não cumprimento, pelo fornecedor de substância ou mistura, da obrigação de fornecer a ficha de dados de segurança ao destinatário da substância ou mistura, nos termos do n.º 1 do artigo 31.º do Regulamento (CE) n.º 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Dezembro, sendo o âmbito de aplicação deste Decreto-Lei a execução na ordem jurídica interna das obrigações decorrentes do Regulamento (CE) n.º 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Dezembro, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos (REACH) e que cria a Agência Europeia dos Produtos Químicos (artigo 1.º).
5. A contraordenação em apreço diz respeito à Ficha de Dados de Segurança a fornecer aos destinatários de substâncias químicas, previstas no regulamento em questão, de forma a garantir a protecção da saúde e do ambiente.
6. Esta Ficha de Dados de Segurança deve respeitar os requisitos previstos no artigo 31.º, nr.º 1, do Regulamento REACH, constituindo infracção contraordenacional, tal como expressamente disciplinado pelo artigo 11.º, nr.º 1, alínea j), do Decreto-Lei nr.º 293/2009, qualquer Ficha de Dados de Segurança que não cumpra os requisitos talqualmente previstos para a sua elaboração e redação, à luz do artigo 31.º, nr.º 1, do Regulamento REACH.
7. Por ser assim, qualquer substância abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento REACH, no que concerne ao seu fornecimento e à relação a ser estabelecida entre fornecedor e destinatário, deve ser acompanhada da respectiva Ficha de Dados de Segurança, a ser elaborada nos precisos termos definidos pelo Regulamento REACH, ou seja, em conformidade com o art. 31.º, n.º 1, e Anexo II.
8. O critério de verificação no que concerne ao elemento objectivo contraordenacional diz unicamente respeito à circunstância de existir ou não existir uma Ficha de Dados de Segurança em conformidade com o Regulamento REACH e tal significa a inexistência, de todo e por completo, de uma Ficha de Dados de Segurança, bem como a existência da mesma sem respeitar os requisitos previstos pelo Regulamento.
9. inexistem dúvidas quanto à leitura das normas em questão, no sentido da determinabilidade do seu elemento objectivo, pelo que o não preenchimento correcto de uma Ficha de Dados de Segurança significa que esta não cumpre os requisitos previstos no Regulamento REAC, o que constitui conduta objecto de contraordenação ambiental muito grave (artigo 11.º, nr.º 1, alínea j, do Decreto-Lei nr.º 293/2009), sendo que o Decreto-Lei n.º 293/2009 visa impor a obrigatoriedade de tais Ficha de Dados de Segurança, nos termos do Regulamento, nos seus exactos e precisos termos, punindo todas as condutas em que tal não se verifique, à luz de um estímulo à obrigatoriedade desta exigência.
10. o Decreto-Lei n.º 293/2009 resulta claro quanto à constituição de contraordenação muito grave relativamente a todas as situações em que, sendo obrigatória uma Ficha de Dados de Segurança, esta não cumpra os requisitos determinados.
11. Pelo expendido, e de acordo com a factualidade dada como provada, e que não foi colocada em crise pela Recorrente, que a admitiu e reconheceu expressamente, verifica-se que da análise do conteúdo das secções 1,2,3,7,9,15 e 16 da FDS para a mistura “Cola ...”, versão 1, com data de 26.10.2015, verifica-se que:
a. Na subsecção “2.1. Classificação da substância ou mistura” da FDS, os códigos das advertências de perigo H361ifd e H373iN não estão corretos. O Código H361fd existe, mas sem o “i”, e o código H373, sem adição de letras. Para a advertência de perigo H336 foi colocada a classe STOT SE (n arcos is):H336, quando devia ter sido colocado STOT SE3:H336;
b. Na subsecção “2.2. Elementos do rótulo” da FDS, não consta a advertência de perigo H336, apesar de constar na subsecção 2.1. a referida advertência e restantes advertências de perigo. Relativamente à indicação da identidade de todas as substâncias contidas na mistura que contribuem para a classificação da mistura, o fornecedor da FDS colocou o tolueno, a metiletilcetona e o hexano, faltando a inclusão da substância, acetato de etilo, que também contribuiu para a classificação da mistura.
c. Na subsecção “3.2. Misturas” da FDS e relativamente aos componentes da mistura há a referir que para a “metiletilcetona” não foi colocado o número de registo do REACH, para o Hexano consta um número CAS que não é o número identificador do hexano, pois não existe um número CAS para o “hexano” e para o “2,6-ditercbutil-p-cresol” não consta o número de registo do REACH.
d. Não tendo cumprido pelo correto preenchimento da FDS, cumprindo o regulamento REACH, a Recorrente não agiu com a diligência necessária e de que era capaz.
12. Com efeito, não se verificando uma conformidade entre a Ficha de Dados de Segurança elaborada e entregue pela Recorrente, e os requisitos obrigatórios para a sua elaboração, tal como previsto e disciplinado pelo Regulamento REACH, verifica-se preenchido o elemento objectivo no que concerne a esta conduta contraordenacional, punida e prevista pelo artigo 11.º, n.º 1, alínea j, do citado Decreto-Lei n.º 293/2009.
13. Destarte, provados os supra transcritos factos, e não havendo causa de exclusão da culpa ou da ilicitude, não resta senão concluir que estão reunidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo contraordenacional imputado, pelo que deve ser a decisão proferida revogada e substituída por outra que decida pela improcedência do recurso interposto pela arguida “A..., S.A.”, e mantenha a decisão administrativa proferida pela IGAMAOT nos seus precisos termos.
Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso interposto pelo Ministério Público, deverá ser a douta sentença recorrida substituída por outra que mantenha a decisão administrativa proferida pela IGAMAOT nos seus precisos termos.
Assim se fará JUSTIÇA.”
Por despacho proferido em 03.04.2025 foi o recurso admitido para subir nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo, nesta Relação se alterando tal efeito, passando a ser meramente devolutivo.
A arguida A..., SA apresentou resposta ao recurso que rematou com o seguinte quadro conclusivo:
“a) das normas dos n.º 1 e 2 do artigo 11.º do decreto-lei 293/2009, de 13 de outubro, resulta uma distinção evidente e clara entre as situações em que não existe de todo ficha de dados de segurança (tipificada por aquele n.º 1 como contra-ordenação muito grave) e aquela outra em que, simplesmente, existindo a dita ficha, nela não se encontra incluídas todas as suas menções obrigatórias (enquadrada pelo n.º 2 apenas como contraordenação grave).
b) a infracção que é imputada não resulta de se pretender que a recorrida não disponibilizou, em absoluto, aquele documento, mas, outrossim, que, apesar de o fazer, o fez de forma incompleta ou não inteiramente satisfatória e conforme às disposições regulamentares aplicáveis.
c) pensar como defende o ministério público conduziria a penalizar-se um simples lapso de escrita de forma substancialmente mais severa e penosa para o infractor do que a situação em que omita menções obrigatórias, pois que, enquanto que na falta da menção obrigatória a contra-ordenação seria simplesmente grave, mas, em caso de lapso de preenchimento, já subiria de “escalão” sancionatório, passando a ser punida como muito grave, em perfeita equivalência à sua falta absoluta.
d) pelo que, por consequência, inexiste, deste modo, conduta com relevância contraordenacional face à indicada norma incriminatória, bem tendo decidido a douta sentença ora recorida ao revogar a decisão administrativa.
e) de qualquer modo, por simples cautela, não poderá nunca olvidar o que ficou plasmado no facto provado n.º 7.
f) a conduta imputada, ocorrida já em 2019, corresponde à omissão de números de registo do denominado reach, verificada na existência de meros lapsos de escrita, traduzidos na errada inserção de conjuntos alfanuméricos.
g) tais codificações serão pouco relevantes, senão totalmente indiferentes, por incompreensíveis e imperceptíveis para o consumidor ou utilizador final, que apreciará os riscos associados à utilização do produto e seus componentes, não a partir desses códigos, mas, outrossim e essencialmente, das menções e sinais que, como demonstrado, constavam da ficha de dados de segurança e que não se mostravam deficientemente inseridas.
h) tais circunstâncias contemporâneas e o tempo decorrido sem outra mácula, sempre constituiriam, pois, motivo bastante para levar em consideração a existência de diminuição acentuada da ilicitude e da necessidade da coima nos termos do artigo 23.º-a, n.º 1 e n.º 2, alínea b) e 23.º-b da dita lei quadro, de modo a ponderar a sua atenuação especial e reduzir os limites mínimo e máximo da coima a aplicar a metade.
Termos em que deve o recurso ser julgado improcedente e integralmente mantida a douta sentença recorrida ou quando assim não se entenda a mesma especialmente atenuada, por só assim se fazer justiça.”
Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta formulou parecer no qual adere à argumentação oferecida que subscreve e dá por transcrita, na motivação e conclusões do recurso.
E conclui que o Recurso interposto pelo Recorrente MºPº deve ser julgado procedente e, consequentemente, deve revogar-se a decisão recorrida.
Não foi produzida resposta ao parecer.
Colhidos os vistos legais foi o processo à conferência.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art. 412.º, n.º 1 e 417º, nº 3, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.
Nessa decorrência, e olhando às sobreditas conclusões apresentadas na motivação do recurso a única questão a dilucidar restringe-se à:
- verificação do elemento objectivo contraordenacional estando assim integrada a prática pela arguida da contraordenação muito grave que lhe fora imputada.
Importa, antes de mais, conferir a fundamentação de facto e de direito da decisão recorrida que se transcreve:
“II - FUNDAMENTAÇÃO A) FACTOS PROVADOS
Resultaram provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
1) No dia 4.7.2019, pelas 10 horas, a IGAMAOT efetuou uma ação de inspeção no estabelecimento denominado “A..., SA”, sito na Rua ..., ..., ..., Gondomar, pertencente à Recorrente, de que AA era Presidente do Conselho de Administração;
2) A arguida exerce a atividade de fabricação de tintas, vernizes, colas, diluentes, produtos de limpeza e conservação, misturas betuminosas, telas asfálticas e seus derivados, e fabrico de embalagens, e estava em laboração à data da ação de inspeção;
3) A arguida coloca no mercado o produto designado por “Cola ...”, em que a quantidade produzida no período de 01/01/2018 a 01/07/2019, foi de 63769 Kg e a quantidade vendida aos vários clientes, no referido período foi de 49177 Kg;
4) A mistura de “Cola ...” tendo em consideração a subsecção 2.1 da FDS, versão 1, de 26.10.2015, é classificada pela arguida nas seguintes classes de perigo, categorias e advertências de perigo:
- Flam. Liq. 2: H225;
- Skin Irrit. 2: H315;
- Eye Irrit 2: H319;
- Repr. 2: H361ifd;
- STOT SE (n arcos is) 3: H336;
- STOT RE 2: H373iN;
- Aquatic Chronic 2: H411;
- EUH066;
5) Da análise do conteúdo das secções 1,2,3,7,9,15 e 16 da FDS para a mistura “Cola ...”, versão 1, com data de 26.10.2015, verifica-se que:
i) Na subsecção “2.1. Classificação da substância ou mistura” da FDS, os códigos das advertências de perigo H361ifd e H373iN não estão corretos. O Código H361fd existe, mas sem o “i”, e o código H373, sem adição de letras.
Para a advertência de perigo H336 foi colocada a classe STOT SE (n arcos is):H336, quando devia ter sido colocado STOT SE3:H336;
ii) Na subsecção “2.2. Elementos do rótulo” da FDS, não consta a advertência de perigo H336, apesar de constar na subsecção 2.1. a referida advertência e restantes advertências de perigo.
Relativamente à indicação da identidade de todas as substâncias contidas na mistura que contribuem para a classificação da mistura, o fornecedor da FDS colocou o tolueno, a metiletilcetona e o hexano, faltando a inclusão da substância, acetato de etilo, que também contribuiu para a classificação da mistura.
iii) Na subsecção “3.2. Misturas” da FDS e relativamente aos componentes da mistura há a referir que para a “metiletilcetona” não foi colocado o número de registo do REACH, para o Hexano consta um número CAS que não é o número identificador do hexano, pois não existe um número CAS para o “hexano” e para o “2,6-di-tercbutil-p-cresol” não consta o número de registo do REACH.
6) Não tendo cumprido pelo correto preenchimento da FDS, cumprindo o regulamento REACH, a Recorrente não agiu com a diligência necessária e de que era capaz;
7) Os lapsos referidos em 5) não alteraram a classificação do produto, nem os pictogramas, nem a palavra-sinal e informações a constar do rótulo, nem pontos relativos a primeiros socorros.
*
B) FACTOS NÃO PROVADOS
Não resultaram provados quaisquer outros factos com interesse para a causa.
*
*
D) DO DIREITO
Dispõe o Regulamento (CE) n.º 1907/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 18 de Dezembro de 2006 relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição de substâncias químicas (REACH), que cria a Agência Europeia das Substâncias Químicas, no seu Artigo 31.º sob a epígrafe “Requisitos aplicáveis às fichas de dados de segurança” que: «1. O fornecedor de uma substância ou preparação deve fornecer ao destinatário da substância ou preparação uma ficha de dados de segurança elaborada em conformidade com o Anexo II se: a) A substância ou preparação em causa cumprir os critérios para a sua classificação como perigosa nos termos das Directivas 67/548/CEE ou 1999/45/CE; ou b) A substância em causa for persistente, bioacumulável e tóxica ou muito persistente e muito bioacumulável de acordo com os critérios estabelecidos no Anexo XIII; ou c) A substância estiver incluída na lista estabelecida nos termos do n.º 1 do artigo 59.º, por outros motivos que não os invocados nas alíneas a) e b). (…) 4. O fornecimento da ficha de dados de segurança não é obrigatório quando as substâncias ou preparações perigosas sejam disponibilizadas ou vendidas ao público acompanhadas de informações suficientes para que os utilizadores possam tomar as medidas necessárias em matéria de segurança e de protecção da saúde humana e do ambiente, a menos que um utilizador a jusante ou distribuidor o solicite. 5. A ficha de dados de segurança deve ser fornecida nas línguas oficiais do(s) Estado(s) – Membro(s) interessados onde a substância ou preparação é colocada no mercado, salvo disposição em contrário desse(s) Estado(s) –Membro(s). 6. A ficha de dados de segurança deve ser datada e conter as seguintes rubricas: 1. Identificação da substância/preparação e da sociedade/empresa; 2. Identificação dos perigos; 3. Composição/informação sobre os componentes; 4. Primeiros socorros; 5. Medidas de combate a incêndios; 6. Medidas a tomar em caso de fugas acidentais; 7. Manuseamento e armazenagem; 8. Controlo da exposição/protecção indivvidual; 9. Propriedades físicas e químicas; 10. Estabilidade e reactividade; 11. Informação toxicológica; 12. Informação ecológica; 13. Considerações relativas à eliminação; 14. Informações relativas ao transporte; (…)».
Por seu turno, o DL 293/2009 de 13.10, estabeleceu as regras para assegurar a execução, na ordem jurídica nacional, das obrigações decorrentes do Regulamento (CE) n.º 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Dezembro, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos (REACH) e que procede à criação da Agência Europeia dos Produtos Químicos, sendo que no seu artigo 11.º dispõe que: «1 - Constitui contra-ordenação ambiental muito grave, punível nos termos da lei quadro das contra-ordenações ambientais, aprovada pela Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, a prática dos seguintes actos: (…) j) O não cumprimento, pelo fornecedor de substância ou mistura, da obrigação de fornecer a ficha de dados de segurança ao destinatário da substância ou mistura, nos termos do n.º 1 do artigo 31.º do Regulamento (CE) n.º 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Dezembro; (…) 2. Constitui contra-ordenação ambiental grave, punível nos termos da lei quadro das contra-ordenações ambientais, aprovada pela Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, a prática dos seguintes actos: (…) o) O não cumprimento da obrigação de incluir, na ficha de dados de segurança, as menções obrigatórias nos termos dos n.os 6 e 7 do artigo 31.º do Regulamento (CE) n.º 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Dezembro;». Ora, não podem os referidos artigos deixar de ser interpretados conjugadamente.
De facto, é de atentar que o artigo 11.º, 1, j) reporta-se à contra-ordenação decorrente de não fornecer a ficha de dados de segurança, nos termos do artigo 31.º, 1.
Retendo, por seu turno que, por exemplo, o n.º 2 do mesmo artigo prevê como contra-ordenação grave e não muito grave, como no n.º 1, a falta de alguma das menções obrigatórias na ficha, é de concluir, recorrendo às regras de interpretação enunciativa, designadamente ad maior ad minus, ou seja, que se a falta de uma das menções na ficha é contra-ordenação grave, então a existência de ficha, com todas as menções, mas lapsos, não pode integrar a previsão do n.º 2, sendo mais grave que a falta de preenchimento de uma das menções, prevista no n.º 2.
Além do mais, o que resulta da interpretação literal do normativo citado (n..º1), é que a contra-ordenação muito grave resulta da falta de ficha, o que não ocorreu.
Assim, e conforme resulta do alegado pela Recorrente, a situação dos autos não integra a prática de contra-ordenação conforme lhe é imputada, nem sequer a do n.º 2, dado que o preenchimento do tipo contra-ordenacional não pode ser feito por analogia, pelo que deve a decisão administrativa ser revogada.
Pelo exposto, sem necessidade de mais considerações, deve a decisão administrativa ser revogada.”
Progredindo para a apreciação do recurso. Da análise dos fundamentos do recurso:
No caso, este tribunal ad quem conhece apenas de direito (art. 75.º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, que aprovou o Regime Geral das Contraordenações, sem prejuízo do conhecimento de certos vícios ou nulidades ainda que não invocados pelos sujeitos processuais (art. 410º, nºs 2 e 3, do CPP).
Isto significa que este Tribunal, apenas poderá tomar em consideração a matéria de facto tida como provada pelo Tribunal recorrido, que se mostra intangível.
Dito isto, importa dilucidar se deve ser revogada a decisão que absolveu a arguida A..., SA da prática de uma contraordenação ambiental muito grave, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 31.º, n.º 1, do Regulamento CE do Parlamento Europeu e do Conselho n.º 1907/2006, de 18 de Dezembro, e art. 11.º, n.º 1, al. j), do Decreto-Lei n.º 293/2009, de 13 de Outubro, e 22.º, n.º 4, al. b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, que lhe havia sido imputada pela IGAMAOT (no pressuposto que uma ficha de dados de segurança que não cumpra os requisitos legais deve ser tida como inexistente), a título de negligência.
Cumpre, pois, determinar se os factos dados como provados, preenchem os elementos objetivos da sobredita contraordenação como defende o recorrente Ministério Público.
Revertendo à factualidade cujo apuramento se logrou patenteia-se, e nisso os sujeitos processuais estão de acordo, que a concreta Ficha de Dados de Segurança existe e é disponibilizada, pelo que a discordância reside unicamente no seu teor, isto é, se a mesma não tendo sido elaborada nos precisos termos definidos pelo Regulamento REACH, ou seja, em conformidade com o art. 31º, n.º 1 do Regulamento REACH é suficiente para se ter como preenchido o elemento objectivo contraordenacional em causa.
Não repisaremos a legislação aplicável ao caso vertente já devidamente dissecada na decisão recorrida, e da leitura das normas em questão, temos para nós que o tipo contraordenacional, tal como definido pela alínea j), do nº 1, do art. 11.º do Decreto-Lei 293/2009, de 13 de outubro é este: O não cumprimento, pelo fornecedor de substância ou mistura, da obrigação de fornecer a ficha de dados de segurança ao destinatário da substância ou mistura, nos termos do n.º 1 do artigo 31.º do Regulamento (CE) n.º 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro.
Depois, no que concerne aos requisitos/especificidades da ficha de dados de segurança, dispõe o n.º 1 do art. 31º do Regulamento (CE) n.º 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro, que aquela deve ser elaborada em conformidade com o Anexo II, nos moldes supra consignados.
Donde, não podemos deixar de acompanhar o raciocínio do tribunal recorrido, ao entender que a norma incriminatória é, absolutamente cristalina, e sem deixar margem para dúvidas, ao definir que apenas a falta absoluta e completa de fornecimento daquela ficha de dados de segurança, entendida no sentido de sua disponibilização ou entrega, dá lugar à verificação da prática da contraordenação muito grave que vinha imputada à recorrida, tal como resulta claramente do seu elemento literal.
Há, por isso, que reter, que a dita norma (nacional) não estabelece que o comportamento censurável e com relevância contraordenacional ocorre, quando a ficha de dados de segurança não cumpra rigorosamente todos aqueles requisitos, mas apenas e tão só quando em absoluto não exista ou não seja efectivamente disponibilizada. Pois caso contrário, e numa matéria tão crucial o legislador não deixaria de o dizer.
Com efeito, não se olvida que o referido DL 293/2009 de 13.10, estabeleceu as regras para assegurar a execução, na ordem jurídica nacional, das obrigações decorrentes do Regulamento (CE) n.º 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18.12, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos (REACH) e que procede à criação da Agência Europeia dos Produtos Químicos, e haverá sempre que compatibilizar os normativos de ambos os diplomas, mas é aquele diploma nacional que prevê exclusivamente o tipo contraordenacional.
E assim sendo, olhando à norma sancionatória, não podemos deixar de concluir que aquela apenas tipifica e censura como violação muito grave a falta total daquela ficha, mas já não a sua simples incorrecção ou mero defeito, com sustenta o tribunal recorrido.
Aliás, é o próprio tribunal a quo, a constatar que, por exemplo, o n.º 2 al. o) do mesmo artigo (o) O não cumprimento da obrigação de incluir, na ficha de dados de segurança, as menções obrigatórias nos termos dos n.os 6 e 7 do artigo 31.º do Regulamento (CE) n.º 1907/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Dezembro;) prevê como contraordenação grave, a falta de alguma das menções obrigatórias na ficha, para assim concluir, recorrendo às regras de interpretação enunciativa, designadamente ad maior ad minus, ou seja, que se a falta de uma das menções na ficha é contraordenação grave, então a existência de ficha, com todas as menções, mas lapsos, não pode integrar a previsão do n.º 1, sendo mais grave que a falta de preenchimento de uma das menções, prevista no n.º 2.
E, portanto, não se tipifica sequer como contraordenação a existência de erros ou lapsos na sua elaboração, apenas a omissão das menções obrigatórias.
Tal como justamente observa a arguida na resposta, porque haveria o legislador de ter feito a separação entre duas diferentes condutas omissivas (uma a da falta de ficha, outra a de falta de menções obrigatórias), sancionando-as de forma distinta (no primeiro caso, como contraordenação muito grave, no segundo, apenas como contraordenação grave), se, como agora pretende o Ministério Público, a simples imprecisão correspondesse a falta absoluta de ficha, por esta ser incorrecta.
Em nosso entender, a tese carreada pelo Ministério Público não pode ser acolhida, posto que a lei não lhe dá abrigo. Caso contrário, seria penalizado um simples lapso de escrita de forma substancialmente mais severa e penosa, do que a situação em que são omitidas menções obrigatórias.
Por tal ordem de razão, verificado que está no caso concreto que existe e é disponibilizada a ficha de dados de segurança em causa, contendo a indicação de todas as suas menções obrigatórias, sendo apontadas à arguida apenas algumas inexactidões no seu preenchimento, inexiste, conduta com relevância contraordenacional face à referenciada norma incriminatória, sequer a título daquela contraordenação grave.
Destarte, o recurso do Ministério Público, por falta de sustentação legal, não poderá deixar de improceder.
3. DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes desta Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, confirmando, na sua plenitude, a decisão impugnada.
Sem tributação.
Notifique.
(Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º, nº 2, do CPP – e assinado digitalmente).
Porto, 18 de junho de 2025
Cláudia Rodrigues
William Themudo Gilman
Paula Pires