I - Estando em causa a impugnação de factualidade cuja análise e apreciação foi submetida a meios de prova sujeitos à livre apreciação da prova – vide prova documental conjugada com depoimentos testemunhais – para que o tribunal de recurso esteja habilitado a formar um juízo autónomo sobre a prova produzida, é imprescindível que lhe estejam acessíveis os mesmos elementos de prova que ao tribunal recorrido foram colocados à sua disposição para análise.
II - Da sua falta, por deficiente gravação da prova resulta a inviabilidade de tal reapreciação.
3ª Secção Cível
Relatora – M. Fátima Andrade
Adjunta - Ana Paula Amorim
Adjunto – Miguel Baldaia Morais
Tribunal de Origem do Recurso – T J Comarca de Porto Este – Jz. Local Cível de Paredes
Apelante / “A.... Lda.”
Sumário (artigo 663º n.º 7 do CPC).
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I- Relatório
“A... Lda.” instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum, contra
“B... Lda.”
E
“C..., Unipessoal, Lda.”,
peticionando pela sua procedência:
“a) Ser a 1.ª Ré condenada no pagamento de pagamento de €39.659,02 (trinta e nove mil, seiscentos e cinquenta e nove e dois cêntimos), ao qual deverão acrescer os juros de mora vencidos até à data no valor de €7.794,6 (sete mil, setecentos e noventa e quatro euros e sessenta cêntimos), e ainda os que se vencerem
Subsidiariamente,
b) Ser a 2.ª Ré condenada, na medida do seu enriquecimento, repor na esfera patrimonial da autora a quantia de €39.659,02 (trinta e nove mil, seiscentos e cinquenta e nove e dois cêntimos) nos termos do artigo 479.º do Código Civil a título de enriquecimento sem causa, acrescidos de juros de mora à taxa legal desde a data em que a Autora entregou a obra até efetivo e integral pagamento.”
Para tanto e em suma alegou ter no exercício da sua atividade comercial celebrado com a 1ª R. um contrato de subempreitada, nos termos do qual se obrigou perante a 1ª R. a prestar os trabalhos que descreveu na p.i..
Trabalhos que executou e foram recebidos pela 1ª R., sem qualquer reclamação.
Estando em dívida o montante peticionado que a 1ª R. não pagou, apesar de as faturas terem sido remetidas oportunamente à 1ª R.
Termos em que peticionou a condenação da 1ª R. ao pagamento do valor em dívida de € 39.659,02 acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Subsidiariamente deduziu a autora pedido condenatório contra a 2ª R., dona da obra onde os seus trabalhos foram realizados e que assim viu o seu património enriquecido na medida do seu valor.
Devidamente citadas, contestou a 2ª R..
Invocou em 1º lugar existir uma coligação ilegal, fundamento de absolvição da instância da R. contestante.
No mais, impugnou a 2ª R. parcialmente o alegado pela autora. Tendo ainda defendido ter sido a 1ª R. quem perante a A. assumiu uma relação contratual. Tendo o contrato eficácia inter partes.
Tendo, ademais, a 1º R. incumprido o contrato celebrado com a 2ª R., motivo porque esta se teve de socorrer dos serviços de terceiros para acabar a obra, despendendo mais que o orçamentado inicialmente, atendendo ainda aos montantes pagos à 1ª R. enquanto empreiteira.
Implicando a inexistência de qualquer enriquecimento sem causa da sua parte.
Não tendo a mesma a obrigação de proceder ao pagamento dos valores que pelo seu empreiteiro ficaram em dívida perante subempreiteiros por aquele contratados.
Termos em que concluiu pela prolação de decisão no sentido de:
“a) Ser a aqui Ré absolvida da instância nos termos do artigo 278.º, n.º 1, alínea e), do C.P.C., por se verificar a exceção dilatória prevista no artigo 577.º, alínea f), do C.P.C.;
b) Caso assim não se entenda, ser a presente ação julgada totalmente improcedente, por não provada, e nessa conformidade ser a Ré absolvida do pedido.”
A A. foi convidada a exercer o contraditório em relação às exceções invocadas, o que fez, tendo em suma pugnado pela improcedência da invocada coligação ilegal.
Prosseguindo os autos contra a 2ª R..
Neste foi julgada improcedente a arguida exceção de coligação ilegal.
Identificado o objeto do litígio e elencados os temas da prova, não foi apresentada reclamação.
“julgar a ação totalmente improcedente e, em consequência:
-absolve-se a 2ª. Ré do pedido.”
“CONCLUSÕES
(…)
“Conclusões
(…)
Foram colhidos os vistos legais.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelas apelantes serem questões a apreciar:
- se ocorre erro na decisão de facto.
E como questão prévia – consequências da deficiente gravação dos depoimentos gravados.
- se ocorre erro na decisão de direito – como consequência da pugnada alteração da decisão de facto.
III- Fundamentação.
O tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:
“Constantes da petição inicial.
1-A Autora dedica-se à atividade de indústria de construção civil e empreitadas de obras públicas, designadamente obras em edifícios e património construído, vias de comunicação, obras de urbanizações e outras infra estruturas, obras hidráulicas, instalações elétricas e mecânicas, demolições e movimentação de terras, drenagens e tratamento de taludes, túneis e trabalhos de geotecnia, construção de paredes e ancoragens, armaduras para betão armado, cofragens, impermeabilizações e isolamentos, colocação de andaimes e de estruturas provisórias, construção e reparação de caminhos agrícolas e florestais.
2-No exercício da sua atividade a Autora e 1.ª Ré celebraram um contrato de subempreitada, mediante o qual a Autora obrigou-se perante a 1.ª Ré a:
a) Fornecimento e aplicação de guias em betão de 8cm. incluindo todos os trabalhos necessários
b) Fornecimento de tampa rasa em FF de classe C250 com medida 60x60
c) Fornecimento de tampa em FF de classe B215, com medida 50x50
d) Pavimentação em betão e betuminoso
e) Fornecimento e execução de pavimentação em betuminoso, em camada de desgaste de betão betuminoso com 8cm de espessura, devidamente compactada, incluindo rega, preparação de caixa tout-venant com 15 cm de espessura, acerto da base, e assentamento de tampas de caixas fornecidas pelo dono de obra e todos os trabalhos necessários.
f) Fornecimento e execução de pavimento em betão do tipo industrial, em betão para piso de classe c20/25 com 8 cm de espessura, armado em fibras sintéticas e acabamento liso a talocha mecânica, incluindo endurecedor de superfície, juntas por serragem e todos os trabalhos necessários (acesso pedonal)
g) Fornecimento e execução de pavimento em betão do tipo industrial, em betão para piso de classe c20/25 com 7 cm de espessura, armado em fibras sintéticas e acabamento liso a talocha mecânica, incluindo endurecedor de superfície, juntas por serragem e todos os trabalhos necessários sobre o pavimento já existente.
h) Fornecimento e execução de pavimento em betão do tipo industrial, em betão para piso de classe c20/25 com 12 cm de espessura, armado em fibras sintéticas e acabamento liso a talocha mecânica, incluindo endurecedor de superfície, juntas por serragem e todos os trabalhos necessários
i) Execução de bombagem de betão necessária
j) EXTRAS: - Betão aplicado a mais na zona em cima da laje em recarga e fornecimento e execução de pavimento em betão do tipo industrial, em betão para piso de classe c20/25 com 8 cm de espessura, armado em fibras sintéticas e acabamento liso a talocha mecânica, incluindo endurecedor de superfície, juntas por serragem e todos os trabalhos necessários no exterior.
3-A Autora executou os trabalhos no local contratado – Avenida ..., ..., ..., ....
4-Os trabalhos foram recebidos pela 1.ª Ré a 05/05/2020.
5-Não foram reclamados quaisquer defeitos ou vícios da obra.
6-A Autora emitiu as Faturas n.º FA 2020/41, FA 2020/42 e FA 2020/43 no valor, respetivamente, de €1.128,20 (mil cento e vinte e oito euros e vinte cêntimos), €23.254,50 (vinte e três mil, duzentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta cêntimos) e €15.276,32 (quinze mil, duzentos e setenta e seis euros e trinta e dois cêntimos).
7-As Faturas n.º FA 2020/41 e FA 2020/42 com data de vencimento em 07/05/2020.
8-A Fatura n.º FA 2020/43 com data de vencimento em 11/05/2020.
9-Apesar de as Faturas terem sido oportunamente remetidas à 1.ª Ré e diversas interpelações, as mesmas encontram-se por liquidar até à presente data.
10-Na presente data encontra-se em dívida o valor global constante das Faturas mencionadas no total de €39.659,02 (trinta e nove mil, seiscentos e cinquenta e nove e dois cêntimos).
11-O pavilhão onde foram realizadas as obras é propriedade da 2.ª Ré.
12-A obra não foi contratada entre a Autora e a 2.ª Ré.
13-Estas obras não foram pagas à Autora nem pela 1.ª Ré que contratou, nem pela 2.ª Ré que delas goza.
Constantes da contestação da Ré C..., Unipessoal, Ldª.
14-A Ré C..., Unipessoal, Ldª celebrou com a 1ª Ré B..., Ldª., um contrato de empreitada, na modalidade “chave na mão”, que tinha como objeto a construção de um pavilhão sito na Avenida ..., ..., ..., ... ..., sua atual sede.
15-A 1.ª Ré responsabilizou-se por todo o empreendimento, bem como pela entrega da obra de forma totalmente operacional à 2ª. Ré, e esta obrigou-se ao pagamento do respetivo preço.
16-Aquando da celebração do contrato, a 1.ª Ré apresentou um orçamento com o valor de todos os serviços a prestar de construção civil que consubstanciava um total de € 174.176,00 (cento e setenta e quatro mil, cento e setenta e seis euros), assim como orçamentou a especialidade de serralharia no montante de € 135.749,75 (cento e trinta e cinco mil, setecentos e quarenta e nove euros e setenta e cinco cêntimos), mas apenas lhe foi adjudicada a parte de construção civil.
17-A Ré nunca teve conhecimento de que a 1ª. Ré se tenha socorrido de outros profissionais para levar a cabo as suas obrigações, dado que a 1.ª Ré nunca lhe comunicou nada ou pediu consentimento, apenas teve conhecimento da existência de subcontratados quando o legal representante da ora Ré foi interpelado pelo legal representante da Autora, na sua sede, tendo-lhe sido transmitido que a obra se encontrava totalmente paga, aliás, foi igualmente informado que a Ré teve que se socorrer de terceiros para terminar certas especialidades.
18-Ignorando a aqui Ré se eram os funcionários daquela que efetivamente se encontravam no local ou se eram os funcionários de um qualquer subempreiteiro.
19-Durante a execução do contrato de empreitada, a aqui Ré foi adiantando sempre algum dinheiro à 1.ª Ré, pois, segundo esta, os fornecedores apenas forneciam os materiais se houvesse um pagamento.
20-Tendo-lhe pago até abril de 2020 o montante de € 145.000,00 (cento e quarenta e cinco mil euros), através de transferência bancária, para a conta fornecida pela 1.ª Ré, conforme consta das faturas e respetivos comprovativos de pagamento juntos como Doc. n.º 2.
21-A este valor soma-se ainda o valor de um veículo automóvel, com a matrícula ..-BL-.., de marca “Toyota”, propriedade do representante legal da aqui Ré, que o deu à 1.ª Ré, no valor de € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros).
22-A 1.ª Ré não concluiu os trabalhos acordados com a aqui Ré no contrato de empreitada, tendo abandonado a obra em finais de junho, início de julho, antes de a mesma estar concluída.
23-As faturas juntas como Doc. n.º 2 foram emitidas em nome da empresa “D... SOCIEDADE UNIPESSOAL LDA”, pois esta era a anterior firma da aqui Ré, tratando-se, no entanto, da mesma pessoa coletiva, com o mesmo NIPC.
24-Como a 1.ª Ré abandonou a obra, não prestando todos os serviços aos quais se obrigou, a aqui Ré teve que se socorrer do serviço de terceiros para a conclusão da referida obra, nomeadamente:
a)Serviços de carpintaria, que acarretaram um custo total de € 2.730,00 (dois mil, setecentos e trinta euros), conforme consta das faturas juntas como Docs. n.ºs 3. - uma vez que o orçamento da 1.ª Ré previa a escadaria do escritório em granito, o que não fez, vendo-se a ora Ré obrigada a colocar flutuante e espelhos colados, assim como o rodapé.
b)Serviços de eletricidade, que acarretaram um custo total de € 25.091,90 (vinte e cinco mil e noventa e um euros e noventa cêntimos), conforme consta das faturas juntas como Docs. n.ºs 4, 5, 6 e 7, sendo que a 1.ª Ré comprometeu-se no orçamento a efetuar a eletricidade como projeto excluindo quadros para o pavilhão e iluminação do pavilhão, mas não colocou absolutamente nada, vendo-se a ora Ré forçada a contratar terceiros e efetuar o correspondente pagamento.
c)Serviços de impermeabilização, que acarretaram um custo total de € 1.311,00 (mil trezentos e onze euros) conforme consta da fatura junta como Doc. n.º 8, uma vez que constava igualmente do orçamento da 1.ª Ré a drenagem dos muros e impermeabilização e a ora Ré teve que contratar terceiros e efetuar o pagamento aos mesmos.
d)Tetos em Pladur no montante de € 2.278,90 (dois mil, duzentos e setenta e oito euros e noventa cêntimos), conforme consta da fatura junta como Doc. n.º 9, uma vez que constava igualmente do orçamento da 1.ª Ré os tetos em pladur e a ora Ré teve que contratar terceiros e efetuar o pagamento aos mesmos.
e)A pintura de todo o pavilhão (interior e exterior) no montante de € 3.949,16 (três mil, novecentos e quarenta e nove euros e dezasseis cêntimos) conforme consta da faturas juntas como Docs. n.ºs 10 e 11, uma vez que constava igualmente do orçamento da 1.ª Ré fazer toda a pintura e a ora Ré teve que contratar terceiros e efetuar o pagamento aos mesmos.
f) Serviços de pichelaria, que acarretaram um custo total de € 18.922,93 (dezoito mil, novecentos e vinte e dois euros e noventa e três cêntimos), conforme consta das faturas juntas como Docs. n.ºs 12, 13, uma vez que constava igualmente do orçamento da 1.ª Ré a pichelaria conforme projeto, as casas de banho com azulejo e tijoleira até 15€/m2 e chão da receção e todo o escritório com acabamento em tijoleira ou madeira até 15€/m2 e a ora Ré teve que contratar terceiros e efetuar o pagamento aos mesmos.
g) Serviços de construção civil, que acarretaram um custo total de € 7.929,63 (sete mil, novecentos e vinte e nove euros e sessenta e três cêntimos), conforme consta das faturas juntas como Docs. n.ºs 14, 15.
25-Estes serviços ascenderam ao valor de € 62.213,52 (sessenta e dois mil, duzentos e treze euros e cinquenta e dois cêntimos) que acresce aos € 150.500,00 (cento e cinquenta mil e quinhentos euros) já pagos à 1.ª Ré, tudo totalizando o valor de € 212.713,52 (duzentos e doze mil setecentos e treze euros e cinquenta e dois cêntimos), valor bastante superior àquele constante do orçamento fornecido pela 1.ª Ré.
26-Tais faturas encontram-se emitidas em nome de uma outra empresa pertencente ao representante legal da aqui Ré, tendo também sido liquidadas através de transferências bancárias provenientes da conta dessa empresa, devido a dificuldades de tesouraria da aqui Ré, tendo-se posteriormente feito o encontro de contas.
27-A 1.ª Ré encontra-se insolvente, por sentença proferida em 11.10.2021, no âmbito do processo n.º 1154/21.8T8AMT, que correu termos no Juízo de Comércio de Amarante – Juiz 1, no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este.
28-Aquando da declaração de insolvência a aqui Autora tinha um direito de crédito sobre esta, que não foi reclamar ao processo.
29-A massa da Insolvente encontra-se sem bens.”
“Não se provaram os seguintes factos:
1-A 1ª. Ré apenas prestou serviço no valor de € 111.962,48 (cento e onze mil, novecentos e sessenta e dois euros e quarenta e oito cêntimos).”
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A) do erro na decisão de facto.
Cumpre em primeiro lugar aferir se a decisão de facto padece de erro de julgamento – tendo a recorrente pugnado pela introdução nos factos não provados dos factos provados 14 a 26 – vide conclusão HH).
A regularidade da impugnação da decisão de facto, depende da verificação dos seguintes pressupostos:
- obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):
“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
- no caso de prova gravada, incumbindo ainda ao(s) recorrente(s) [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Sendo ainda ónus do(s) mesmo(s) apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede(m) a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.
Pelo que das conclusões é exigível que conste, no mínimo, de forma clara quais os pontos de facto que o(s) recorrente(s) considera(m) incorretamente julgados, sob pena de rejeição do objeto do recurso nessa parte.
Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório.
Das conclusões de recurso acima reproduzidas é possível aferir quais são os pontos da matéria de facto alvo de recurso, alinhados pela recorrente.
Bem como qual o sentido decisório pretendido.
Ainda, da análise conjugada das alegações de recurso com as conclusões de recurso, é possível extrair os meios de prova indicados como fundamento para a alteração pretendida. Bem como a observância do disposto no artigo 640º nº 2 al. a) do CPC (sem prejuízo das observações que infra se deixam).
Assim e numa primeira linha de análise, é possível afirmar que foram observados os ónus de impugnação e especificação sobre a recorrente incidentes, a determinar a reapreciação da decisão de facto.
No seguimento desta conclusão iniciou-se a audição dos depoimentos gravados.
Destes verificou-se que os depoimentos prestados no 1º dia se encontram percetíveis. Então foram prestados os depoimentos das testemunhas arroladas pela autora e que em suma confirmaram a versão desta que permitiu julgar provados os factos relativos aos serviços prestados pela autora, no âmbito do contrato de subempreitada celebrado entre A. e a sociedade “B.... Lda.” (B...). Serviços estes prestados e realizados, sem reclamação, em obra da 2ª R. e não pagos pela sociedade “B...” (vide factos provados 1 a 13 que se encontram definitivamente assentes entre as partes por não impugnados).
Foi ainda prestado no 1º dia o depoimento da testemunha da 2ª R., AA, o qual em suma confirmou ter prestado serviços a pedido do legal representante da 2ª R. o Sr. BB numa fábrica. Tendo-lhe sido dito que quem lá andava não tinha terminado os trabalhos para que fora contratado. Assim justificando a sua contratação – para trabalhos de pladur. Mais confirmando que na mesma altura andavam lá outras especialidades.
No segundo dia – 28/06/2024 prestaram depoimento CC, que foi legal representante da inicialmente 1ª R. “B...”; bem como a testemunha DD, irmão do legal representante da 2ª R.
Finalmente foi realizada uma acareação entre a testemunha da autora EE e o legal representante da R., BB.
Ora as gravações deste segundo dia estão na sua quase totalidade inaudíveis/impercetíveis.
É impossível a este tribunal ouvir e perceber com um mínimo de clareza o teor dos depoimentos.
Ora só a total percetibilidade destes depoimentos que pelo tribunal a quo foram convocados, nos permitiria apreciar se a decisão recorrida merece a crítica apontada pela recorrente aos pontos impugnados, pela essencialidade dos mesmos para, no mesmo plano do tribunal a quo e com recurso aos mesmos elementos probatórios, aferirmos do erro de julgamento que é imputado à decisão recorrida.
A relevância destes depoimentos resulta desde logo da fundamentação da decisão recorrida na parte que ora aqui se deixa reproduzida:
“As testemunhas arroladas pela 2ª. Ré – AA – referiu que é empresário e que a empresa da qual é legal representante efetuou vários trabalhos no âmbito da obra aqui em causa, em Julho e Agosto de 2020, tendo “acabado os trabalhos que não estavam acabados”, tendo sido o Sr. BB quem o contratou “porque quem lá estava não lhe dava satisfações e era preciso acabar os trabalhos” referiu que também andavam em obra os eletricistas e os carpinteiros.
Referiu que o Sr. BB foi quem lhe pagou os serviços realizados. Referiu que “o Sr. CC não acabou os trabalhos”.
A testemunha CC, legal representante da 1ª. Ré, atualmente declarada insolvente, assumiu a divida da quantia aqui peticionada pela Autora. Referiu que a 2ª. Ré lhe pagou tudo e ele não procedeu ao pagamento à Autora de cerca de € 40.000,00. Referiu que o Sr. EE lhe chegou a pedir o dinheiro e ele disse que não podia pagar. Referiu que contratou com a Autora em finais de 2019, inícios de 2020, tendo o Sr. EE fornecido, primeiro, um orçamento oralmente e depois facultou-lhe com as faturas. Referiu que em 2018 tinha fornecido um orçamento à 2ª. Ré para a obra aqui em causa – doc. nº1 junto com a contestação. Diz que foi recebendo o dinheiro correspondente ao preço acordado em tranches “o Sr. BB ia dando dinheiro, eu estava à rasca”. Referiu que não fez a obra até ao fim nos termos contratados, não tendo acabado a parte dos escritórios, faltava acabar os dois andares dos escritórios, todas as especialidades, referindo que em Agosto/Setembro de 2020 saiu de obra. Disse que “o Sr. BB só falava comigo, eu é que era o empreiteiro da obra”. “O Sr. EE foi cinco estrelas e eu fiquei muito triste por não poder cumprir com ele”. Referiu que após sair da obra o Sr. EE foi a casa da sua filha e ele disse-lhe que não podia pagar. Reconheceu que o que recebeu da 2ª. Ré “foi a mais do que tinha feito”. Por fim, referiu que não conseguiu pagar ao Sr. EE, ao picheleiro e ao eletricista.
A testemunha DD – irmão do legal representante da 2ª. Ré, arquiteto, foi quem fez o projeto das instalações e das especialidades da obra do pavilhão aqui em causa. Referiu que o empreiteiro contratado para a obra foi o “Sr. CC”, “chave na mão”, mas a certa altura o Sr. CC “desapareceu” da obra, faltando vários acabamentos e especialidades, sendo que a empresa da qual o irmão é legal representante, antes denominada “D...” teve de contratar vários outros trabalhadores, acabando “o irmão por pagar mais do que devia “o irmão estava aflito para abrir a fábrica e teve de aceitar os orçamentos que entretanto lhe deram”.
As supra referidas testemunhas demonstraram conhecimento direto e pessoal dos factos sobre os quais versou o seu depoimento, tendo prestado depoimentos que se nos afiguraram sérios e objetivos. De realçar apenas, relativamente ao depoimento da testemunha EE, que o Tribunal não considerou provado que a quantia aqui reclamada tenha a ver com trabalhos extra pedidos diretamente pelo legal representante da 2ª. Ré à Autora, primeiro porque tal facto foi negado quer por este último (em sede de acareação) bem como pela testemunha CC que referiu que os trabalhos de exterior estavam contemplados já no orçamento por si fornecido ao legal representante da 2ª. Ré e contratados entre ambos, não sendo trabalhos extra. Acresce que, do teor do referido orçamento – cfr. fls.28 vº dos autos, “in fine”, consta “Piso betuminoso exterior”. Ademais, também vemos que nas faturas emitidas pela Autora à 1ª. Ré consta faturado o serviço pavimentação em betão e betuminoso (extraindo-se do teor do descritivo das faturas que se trata tanto de interior como de exterior), concluindo-se que tal fora contratado entre Autora e 1ª. Ré, não havendo qualquer necessidade de trabalhos extra.
Dúvidas não temos pois, que de toda a prova produzida emerge a versão fáctica que se deixou supra exarada.”
Estando em causa a impugnação de factualidade cuja análise e apreciação foi submetida a meios de prova sujeitos à livre apreciação da prova – vide prova documental conjugada com depoimentos testemunhais – para que o tribunal de recurso esteja habilitado a formar um juízo autónomo sobre a prova produzida, é imprescindível que lhe estejam acessíveis os mesmos elementos de prova que ao tribunal recorrido foram colocados à sua disposição para análise.
Da sua falta, por deficiente gravação da prova, resulta a inviabilidade de tal reapreciação.
A autonomia decisória e formação da sua própria convicção que ao tribunal de recurso foram conferidos com a redação do artigo 662º do CPC pressupõem a possibilidade de reanalisar todos os meios probatórios que estiveram acessíveis ao tribunal a quo.
Os depoimentos das duas testemunhas acima identificadas e mesmo o resultado da acareação são, como a fundamentação do tribunal a quo acima reproduzida o evidencia, essenciais à análise da prova no seu conjunto.
Os elementos documentais ponderados pelo tribunal a quo e convocados pela recorrente, só por si, não são suscetíveis de afastar a convicção formada pelo tribunal a quo que procedeu a uma análise conjugada de toda a prova produzida.
Consequentemente e porquanto sequer foi tempestivamente arguida a nulidade da deficiente gravação[1] para que pudesse ser conhecida, resta-nos concluir pela improcedência da impugnação aduzida à decisão de facto, mantendo-se o nesta sede decidido.
***
Tendo presente a total manutenção da decisão de facto que veio decidida pelo tribunal a quo, resulta evidente a improcedência do recurso interposto.
Na verdade e tal qual resulta das conclusões de recurso, visava a recorrente por via da alteração da decisão de facto ver julgada não provada a factualidade da qual o tribunal a quo inferiu inexistir enriquecimento sem causa por parte da recorrida 2ª R.
Enriquecimento sem causa que foi o fundamento da demanda desta 2ª R. pela autora.
Por tal e sem necessidade de outros considerandos, resulta de forma evidente improcedente o recurso interposto, com a consequente manutenção do decidido.
IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, com a consequente manutenção do decidido.
Custas do recurso pela recorrente.
Porto, 2025-06-26
(M. Fátima Andrade)
(Ana Paula Amorim)
(Miguel Baldaia Morais)
____________________________________
[1] Tal como pela Relatora já decidido em outros arestos, vide nomeadamente Ac. TRP de 05/06/2023, nº de processo 634/17.4T8FLG-C.P1 in www.dgsi.pt
“A arguição de nulidade da gravação (artigo 155º nº 4 do CPC) deve ser feita perante o tribunal a quo e no prazo de dez dias a contar da disponibilização às partes daquela.
II - Disponibilização que deve ocorrer no prazo máximo de dois dias a contar do ato em causa, para que desde logo e sendo verificada, possa ser sanada mesmo antes de serem os autos remetidos em recurso.
III - Esta disponibilização não envolve a realização de qualquer notificação às partes, antes sobre as mesmas recaindo um dever de diligência pela rápida obtenção das gravações a contar do ato, com vista a aquilatar de eventuais vícios das gravações e sendo o caso, arguir a pertinente nulidade.”