I – Os métodos de pesquisa de álcool no sangue constituem prova técnico-científica, sendo no patamar da prova pericial que tem de enquadrar-se a prova obtida através de alcoolímetro, para o que constitui condição indispensável ter o modelo sido previamente aprovado e sujeito a verificação, nos termos legais.
II – Além da aprovação do modelo de alcoolímetro, a lei estabelece a necessidade da verificação regular da sua aptidão, sendo a primeira verificação e a verificação periódica válidas pelo prazo constante na regulamentação específica aplicável, tal como estabelece o Decreto-Lei n.º 29/2022, de 07-04, concretamente nos seus artigos 5.º, 8.º e 9.º.
III – Essa regulamentação específica consta agora da Portaria n.º 366/2023, de 15-09, que contém em Anexo o Regulamento do Controlo Metrológico Legal dos Alcoolímetros, em vigor deste 16-09-2023 (art. 3.º), a qual dispõe que a verificação periódica “tem uma periodicidade anual e é válida durante um ano após a sua realização” (n.º 1 do art. 8.º).
IV – Com a publicação desta Portaria n.º 366/2023, a qual revogou a Portaria n.º 1556/2007, de 10-12 (art. 2.º), o legislador teve intenção de clarificar a questão da periodicidade da verificação, tornando-a obrigatória a, pelo menos, cada período de um ano (365 dias), por forma a manter a fiabilidade dos resultados obtidos através do alcoolímetro.
V – A mesma periodicidade aplica-se após a primeira verificação, atento o disposto no n.º 1 do artigo 7.º da mesma Portaria n.º 366/2023, especificamente a sua parte final, ao estabelecer que tem “o mesmo prazo de validade”, ou seja, o prazo de validade da inspeção periódica - um ano após a sua realização.
VI – Somente os modelos homologados e os aparelhos que tenham sido sujeitos a verificação, a primeira ou a periódica, nos termos legais, têm aptidão para testar e quantificar a taxa de álcool no sangue, pois se assim não suceder os resultados obtidos não podem ter-se por válidos para fundamentar a convicção probatória do Tribunal.
(Sumário elaborado pelo Relatora)
I
Nos presentes autos de Processo Sumário n.º 31/25.8GAPVZ, do Juízo Local Criminal de Póvoa de Varzim, foi proferida sentença, em 17-02-2025, com o seguinte dispositivo:
“Condena-se o arguido AA pela prática, em autoria material, de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos), num total de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros).
Aplica-se ao arguido AA a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, pelo período de 5 meses, ao abrigo do disposto artigo 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal e do assento n.º 5/99.
Determina-se o desconto de um dia à pena de multa aplicada, nos termos do artigo 80.º do Código Penal, por força da detenção do arguido.
Determina-se a entrega do título de condução, no prazo de 10 dias após o transito em julgado da decisão, [devendo o arguido] proceder à entrega da carta de condução, ou título equivalente que o habilite a conduzir, na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena, de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348º, n.º 1, al. b), do Código Penal – tudo conforme os artigos 69.º, n.º 3, do Código Penal e 500.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Mais fica o arguido advertido de que se conduzir veículo a motor durante o período de cumprimento da sanção acessória ora decretada, poderá incorrer na prática de um crime de violação de proibições e interdições (art.º 353.º do C.P.).
Condenar o arguido AA nas custas criminais do processo, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal – artigos 513.º e 514.º do CPP e artigo 8.º, n.º 9, e Tabela III, do RCP).” (ref.ª 468936057).
“A. Por sentença de 17 de Fevereiro de 2025, decidiu o tribunal a quo condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos), num total de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros), e aplicar-lhe a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, pelo período de 5 meses, ao abrigo do disposto artigo 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal e do assento n.º 5/99.
B. O Recorrente considera que a douta decisão em crise fez uma incorreta valoração da prova produzida, padecendo de erro na aplicação do direito (por não ter aplicado a Portaria 366/2023), entendendo que a matéria de facto foi incorretamente julgada e foi cometido um erro de julgamento por errónea apreciação da prova e por valoração de prova proibida (art. 412.º do CPP).
C. O tribunal a quo deu como provado que o arguido, no dia 27/01/2025, se encontrava a conduzir o veículo automóvel com a matrícula ..-GU-.., na Rua ..., em ..., concelho da Póvoa de Varzim, e após ter sido abordado pela patrulha da GNR, foi submetido ao teste de álcool através do alcoolímetro quantitativo DRAGER ALCOTEST 7510 PT ARSK0243, que terá acusado uma TAS de, pelo menos, 1,397 g/L, correspondente à TAS de 1,47 g/L registada, deduzido o valor de erro máximo admissível.
D. Para tal, o tribunal a quo considerou que o alcoolímetro utilizado, que tinha sido sujeito a última verificação periódica em 25/01/2024, estava perfeitamente apto, defendendo que a verificação periódica efectuada era válida até 31/12/2025.
E. Entendimento com o qual o ora Recorrente não pode concordar, conforme defendeu na contestação apresentada e reiterou nas suas alegações orais, já que:
F. Nos termos do art. 153.º do Código da Estrada, o exame de pesquisa de álcool é realizado com aparelho aprovado para o efeito.
G. A Lei 18/2007, no seu art. 1.º, estatui que “A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue”, dizendo o seu art. 14.º que estes aparelhos analisadores têm de obedecer às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.”
H. O DL 29/2022, no art. 9.º, estabelece que a verificação periódica dos alcoolímetros é válida pelo prazo constante na regulamentação específica aplicável, a qual deve ser requerida até 30 dias antes do fim da validade da última operação de controlo.
I. A Portaria 366/2023 - que foi ignorada pelo tribunal a quo, e que entrou em vigor em 16/11/2023 -, veio resolver os problemas de interpretação dos prazos da verificação periódica, ao determinar, no seu art. 8.º, que “A verificação periódica tem uma periodicidade anual e é válida durante um ano após a sua realização.”
J. O alcoolímetro utilizado foi sujeito à última verificação periódica em 25/01/2024, pelo que a sua validade terminou em 25/01/2025 (art. 279.º, al. c), do CC), por isso, à data da realização do teste - 27/01/2025 - já se encontrava fora do prazo de validade da última verificação realizada e, por isso, não se encontrava em condições de ser utilizado.
L. Daqui decorre a impossibilidade de ser atribuído qualquer valor provatório ao resultado obtido através do exame de pesquisa de álcool a que o arguido foi submetido, uma vez que o alcoolímetro foi utilizado fora do seu prazo de validade.
K. Na falta de outro exame, designadamente, análise ao sangue, não se pode dar por provada a taxa de álcool que aquele alcoolímetro invalidamente acusou e desconhecendo-se qual a taxa de álcool de que o arguido seria validamente portador – os resultados obtidos pelo alcoolímetro são inválidos - não é possível afirmar que a mesma era igual ou superior a 1,2 g/L, para que a sua conduta pudesse ser considerada crime.
L. No mesmo sentido se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, nos seus acórdãos de 28/02/2024 e de 13/11/2024 (entre outros), disponíveis em www.dgsi.pt.
N. O Tribunal a quo perfilhou um entendimento que se encontra obsoleto e é contrário à letra da lei e que foi resolvido com a publicação da Portaria 366/2023 (art. 8.º). De igual modo, o acórdão citado na decisão em crise quo foi proferido antes da entrada em vigor da Portaria 366/2023 e adopta um entendimento ultrapassado.
O. O Recorrente não pode concordar com o sentido que o tribunal a quo deu as normas jurídicas constantes da Lei n.º 18/2007, do DL n.º 29/2022, do Código da Estrada e aplicou a Portaria n.º 1556/2007, olvidando que esta foi já revogada pela Portaria n.º 366/2023.
P. As divergências que existiam na jurisprudência e na doutrina, quanto à interpretação do prazo de validade das verificações periódicas dos alcoolímetros, foram definitivamente resolvidas com a publicação da citada Portaria 366/2023
Q. A sentença em crise valorou incorrectamente a prova produzida e não aplicou correctamente o direito, já que ignorou a Portaria 366/2023. Atento o disposto no art. 8.º, n.º 1, desta portaria, nunca o tribunal a quo poderia ter defendido que o alcoolímetro utilizado se encontrava perfeitamente válido.
R. Se o tribunal a quo tivesse aplicado correctamente a lei, teria de concluir que o alcoolímetro utilizado nos autos não era válido, e, consequentemente, nunca o tribunal a quo poderia ter dado por provados que o arguido se encontrava a conduzir o veículo automóvel identificado nos autos, com uma TAS de, pelo menos, 1,397 g/L.
S. Assim, a matéria de facto supra identificada, foi incorretamente julgada pelo tribunal a quo e foi cometido um erro de julgamento por errónea apreciação da prova e por valoração de prova proibida (art. 412.º do CPP).
T. Aplicando a Portaria 366/2023, o tribunal a quo deveria ter considerado que o alcoolímetro utilizado não estava apto e, como tal, os resultados obtidos pelo mesmo também não poderiam ser valorados, considerando não ter resultado provado que o arguido conduzia após ter ingerido bebidas alcoólicas, muito menos, que ele se encontrava com uma TAS subsumível ao estatuído no artigo 292.º, n.º 1, do CP e como tal, deveria ter absolvido o arguido, por não estarem verificados os pressupostos do crime.
U. A motivação da decisão de facto da douta sentença em crise padece de erro na apreciação e valoração da prova.
V. Foi violado o disposto no artigo 8.º da Portaria 366/2023, nos artigos 1.º e 14.º da Lei n.º 18/2007, no artigo 9.º do Decreto-Lei 29/2022 e no artigo 153.º do Código da Estrada.
Termos em que deve dar-se provimento ao recurso, e, consequentemente, o Recorrente deve ser absolvido da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez e da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, com as demais consequências legais,
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!” (ref.ª 41801622).
II
As conclusões da motivação apresentada, acima transcritas, delimitam o objecto do recurso (art. 412.º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso que pudessem suscitar-se, como é o caso dos vícios indicados no n.º 2 do artigo 410.º do mesmo Código, mesmo quando o recurso verse apenas sobre matéria de direito (cfr. Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência n.º 7/95, de 19-10-1995, in DR I, de 28-12-1995).
Não se detectando outras que devam conhecer-se, cumpre apreciar as questões suscitadas pelo recorrente, para o que importa ter presentes os factos dados como provados e não provados pelo Tribunal a quo, os quais são os seguintes (gravação Citius Media Studio):[1]
“1. No dia 27-01-2025, pelas 17:16 horas, o arguido AA conduzia o veículo automóvel ligeiro com a matrícula ..-GU-.. na Rua ..., em ..., concelho da Póvoa de Varzim, e após ter sido abordado pela patrulha da GNR foi submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue através do alcoolímetro quantitativo DRAGER ALCOTEST 7510 PT ARSK0243, tendo acusado uma TAS de, pelo menos, 1,397 g/L, correspondente à TAS de 1,47 g/L registada, deduzido o valor de erro máximo admissível.
2. O arguido agiu com o propósito de conduzir um veículo automóvel na via pública, bem sabendo que tinha consumido voluntariamente bebidas alcoólicas, as quais foram causa necessária da deteção de álcool no sangue, ciente que tal consumo era suscetível de o colocar no estado em que foi encontrado - com uma taxa de álcool no sangue pelo menos superior a 1,2g/l - e que não podia conduzir na via pública após o seu consumo, o que representou e quis.
3. Agiu deliberada livre e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.
4. O arguido não tem antecedentes criminais.
5. Está reformado, antes trabalhava na construção civil, e aufere actualmente a quantia de 740,00€ mensais.
6. Vive com a sua esposa e a sua mãe em casa própria, que se encontra paga.
7. O veículo mencionado nos autos é próprio do arguido e encontra-se pago.
8. Não tem empréstimos.
9. Concluiu o 4.º ano de escolaridade.
10. Tem dois filhos maiores de idade.”
“A convicção da matéria de facto vem ao tribunal por força, desde logo, do auto de notícia de fls. 3, corroborado pelo Sr. agente BB, que se nos afigurou isento, credível, espontâneo, profissional e que relatou aquilo que sucedeu e aquilo que vem vertido também no auto de notícia.
Depois também o talão de fls. 4, que reflete o teste que foi feito ao arguido e que foi também confirmado pelo Sr. Agente e, por fim, o certificado de verificação do alcoolímetro de fls. 6; também o certificado de registo criminal do arguido junto aos autos, concretamente na plataforma citius.
O arguido optou por não prestar declarações, o silêncio, naturalmente, não o desfavorece de forma alguma, no entanto, não ofereceu uma explicação que arredasse aquilo que consta dos autos e a prova aqui produzida e na qual o tribunal acreditou porque não tem motivos para não acreditar.
E, portanto, os factos da acusação vão provados por estes elementos documentais e testemunhais que aqui mencionei.
A ausência de antecedentes criminais pelo certificado do registo criminal do arguido e em relação às condições económico-financeiras por força das declarações que o arguido prestou e que se nos afiguraram sinceras espontâneas e sem qualquer motivo para nele não acreditar”.
“O arguido invoca na sua contestação e em alegações que o aparelho alcoolímetro se encontra sem a revisão periódica regular, uma vez que, de acordo com fls. 6, a primeira verificação foi em 25/01/2024.
Ouvida a Digna Magistrada do Ministério Público, pugnou esta pela obtenção de nova informação junto do órgão de polícia criminal.
No entanto, o tribunal, salvo o devido respeito por opinião diversa, entende que inexiste qualquer diligência a realizar ou qualquer irregularidade do aparelho alcoolímetro em causa nos autos.
Com efeito, decorre das normas conjugadas dos artigos 9.º, n.º 3 e 4, do Decreto-Lei 29/2022, de 7 de abril, que revogou o Decreto-lei n.º 291/90, de 20 de Setembro, e 7.º, n.º 2, do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, concretamente ainda, aprovado pela Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, que a verificação periódica dos aparelhos quantitativos, de alcoolímetros quantitativos, tem de ser feita anualmente, sendo que essa verificação não terá que ser realizada no prazo de um ano desde a última que foi efectuada. Tal menção, como resulta da conjugação das normas que se mencionaram, tem de ser realizada todos os anos civis sim, mas conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03 de julho de 2012, no Processo n.º 396/10.6GAPMS.C1 e agora passo a citar: “Cada verificação periódica é válida até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização (cfr. art.º 4.º, n.º 5, do Dec. Lei n.º 291/90, de 20/09).”
Ora, como se disse, veio o Decreto-Lei n.º 29/2022, de 7 de abril, que revogou aquele outro decreto-lei, mas a jurisprudência manteve-se no mesmo sentido e as normas também. Com efeito, pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21 de junho de 2023, portanto este bastante recente, proferido no âmbito do Processo n.º 16/23.9GBCLD.C1, que e agora cito: “A jurisprudência já se pronunciou abundantemente sobre o termo anual, no sentido de que a expressão verificação periódica anual significa que tem de haver uma verificação em cada ano civil e não que ela tem que ter lugar no prazo de um ano a contar da data da verificação imediatamente anterior. Daqui resulta que o prazo de validade de cada inspecção periódica prolonga-se por todo o ano seguinte ao da sua realização e a nova inspecção periódica deve ser requerida, no limite, até 30 dias antes do termo do ano civil.”
Daqui se retira que a jurisprudência é, portanto, se não unânime, abundante, como se disse ali naquele aresto, no sentido de que a verificação periódica não tem de ser feita no espaço de um ano, mas sim até ao final do ano civil subsequente ao da última verificação periódica.
Retira-se de folhas 6 dos autos que última verificação foi em janeiro de 2024, estamos no ano 2025, que ainda não terminou, o que significa que até final deste ano é possível fazer ainda esta verificação, conquanto a mesma seja requerida pelo órgão competente até 30 dias antes do termo, ou seja, até 30 dias antes do dia 31 de dezembro de 2025.
É, pelo menos este o entendimento, se não uniforme, esmagadoramente maioritário da jurisprudência e também perfilhado por este tribunal e por isso se indefere o requerido e se reconhece a validade da prova que foi junta aos autos e que foi apreciada por este tribunal.” (fim de transcrição).
O recorrente impugna a decisão da matéria de facto, por erro de julgamento, na parte em que se deu como provado que, na referida ocasião, apresentava uma TAS de, pelo menos, 1,397 g/l, correspondente à TAS registada, deduzido o valor de erro máximo admissível, invocando, para tanto, que o alcoolímetro utilizado, o referido DRAGER ALCOTEST 7510 PT ARSK0243, foi sujeito à última verificação periódica em 25-01-2024 (o que resulta dos autos - fls. 6 - e é afirmado pelo Tribunal a quo), sendo que os factos ocorreram no dia 27-01-2025 (como acima se transcreveu), pelo que o mesmo não estava de acordo com a legislação em vigor em termos de periodicidade da sua verificação, em consequência do que a prova pelo mesmo obtida é nula, pugnando pela sua absolvição (págs. 1 a 9 da motivação).
Vejamos.
Como é sabido, o Tribunal da Relação conhece de facto e de direito (art. 428.º do CPP), representando os recursos um meio de impugnação das decisões judiciais, cuja finalidade consiste na eliminação dos erros, defeitos ou lapsos das mesmas através da sua análise por outro órgão jurisdicional, desse modo constituindo um instrumento processual de consagração prática dos princípios constitucionais de acesso ao direito e de garantia do duplo grau de jurisdição (arts. 20.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da CRP).
A decisão do Tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser modificada, além do mais, se a prova tiver sido impugnada pelo recorrente (al. c) do art. 431.º do CPP), sendo que, em tal situação, aquele deve especificar “os concretos pontos de factos que considera incorrectamente julgados” e as “concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida” (als. a) e b) do n.º 3 do dito art. 412.º do CPP).
E acrescenta o seu n.º 4 do mesmo artigo 412.º que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”
Em tais situações, “o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa” (n.º 6 do art. 412.º).
Com efeito, o recurso de sentença ou acórdão não representa um novo julgamento, mas somente “uma reapreciação selectiva de decisões em aspectos concretos, invocados pelo recorrente”, sendo, por isso, um “remédio jurídico”.[2]
Ou seja, a modificação da matéria de facto por via da reapreciação da prova, em sede de recurso, depende sempre da indicação, pelo recorrente, dos concretos pontos de facto - ou partes deles - que considera incorrectamente julgados e das concretas provas que impõem, relativamente a cada um desses factos ou partes, uma solução diversa da que foi consagrada na sentença.
Importa, no entanto, ter em conta o estabelecido na lei adjectiva penal quanto à valoração da prova, a qual, salvo disposição legal em sentido diferente, “é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente” (art. 127.º do CPP).
Essa liberdade significa que o julgador não está vinculado a “critérios legais de valoração probatória pré-estabelecidos”. Ou seja, “não vigora o princípio da tipicidade dos meios de prova ou da prova tarifada, antes o princípio da liberdade de prova”, sendo a livre apreciação da prova “uma condictio para bem julgar”. [3]
O que sempre se impõe ao julgador é que explique e fundamente a sua decisão, pois só assim é possível saber se fez a apreciação da prova de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência, em cumprimento dos princípios e normas legais.
No caso presente o recorrente indica o facto que considera incorrectamente julgado (apontada taxa de alcoolemia)[4] e aponta a ausência de prova válida que suporte a sua veracidade, pelo que se mostra cumprido o disposto no citado artigo 412.º, n.º 3, alíneas a) e b), do CPP.
Por outro lado, malgrado o referido princípio da livre apreciação da prova, importa ter presente que quando a percepção ou apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, tem lugar a prova pericial, cujo juízo a ela inerente se “presume subtraído à livre apreciação do julgador” (arts. 151.º e 163.º, n.º 1, do CPP).
Enquanto prova técnico-científica, é neste patamar da prova pericial que tem de enquadrar-se a prova obtida através dos alcoolímetros, desde que os modelos tenham sido previamente homologados e sujeitos a verificação, nos termos legais.
O recorrente sustenta que, de acordo com a legislação então em vigor à data dos factos, já tinha expirado a validade dessa verificação, sendo que a Exm.ª Juíza entendeu que tal só ocorrerá no dia 31-12-2025.
Quis juris?
Dispõe o artigo 153.º, n.º 1, do Código da Estrada que “O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito.”
Por sua vez, o artigo 1.º do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17-05, com a epígrafe “Detecção e quantificação da taxa de álcool”, estabelece o seguinte:
"1 - A presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efetuado em analisador qualitativo.
2 - A quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue.
3 - A análise de sangue é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo.”
Da conjugação destas normas resulta, desde logo, que a prova da presença e quantificação de álcool no sangue é feita, em regra, através de aparelhos analisadores, por teste no ar expirado, aprovados por entidade competente para tal efeito.
Além disso, o artigo 14.º do mesmo Regulamento, com a epígrafe “Aprovação dos equipamentos”, estabelece no seu n.º 1 que “Nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.”
No caso dos autos está precisamente em causa o teste quantitativo de álcool no ar expirado realizado ao arguido através do referido aparelho DRAGER ALCOTEST 7510 PT ARSK0243, sendo que não é questionada a aprovação da utilização deste modelo pela ANSR.
Contudo, além da aprovação dos analisadores, a lei estabelece a necessidade da verificação regular da sua aptidão, dispondo o Decreto-Lei n.º 29/2022, de 07-04, no seu artigo 5.º, n.º 1, que “O controlo metrológico legal dos instrumentos de medição compreende as seguintes operações:
a) Aprovação de modelo;
b) Primeira verificação;
c) Verificação periódica;
d) Verificação extraordinária.”
A respeito da primeira verificação, dispõe o seu artigo 8.º o seguinte (para o que agora releva):
“1 - A primeira verificação compreende o conjunto de operações destinadas a constatar a conformidade da qualidade metrológica dos instrumentos de medição, novos ou reparados, com a dos respectivos modelos aprovados e do as disposições regulamentares aplicáveis, devendo ser requerida, para os instrumentos novos, pelo fabricante ou mandatário, e pelo utilizador, para os instrumentos reparados.
(…)
3 - A primeira verificação é válida pelo prazo constante na regulamentação específica aplicável.”
E a respeito da verificação periódica, dispõe o seu artigo 9.º o seguinte (para o que agora releva):
“1 - A verificação periódica compreende o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro dos erros máximos admissíveis e restantes disposições regulamentares aplicáveis relativamente ao modelo respectivo, devendo ser requerida pelo utilizador do instrumento de medição.
(…)
3 - A verificação periódica é válida pelo prazo constante na regulamentação específica aplicável.
4 – (…).”
Este Decreto-Lei n.º 29/2022 entrou em vigor em 01-07-2022 (art.º 30.º) e revogou o Decreto-Lei n.º 291/90, de 20-09, alterado pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29-01 (art. 29.º), o qual anteriormente regulava tais matéria.
Por sua vez, a regulamentação específica a que se reporta o n.º 3 desses artigos 8.º e 9.º do dito Decreto-Lei n.º 29/2022, veio a constar de Anexo à Portaria n.º 366/2023, de 15-09 - REGULAMENTO DO CONTROLO METROLÓGICO LEGAL DOS ALCOOLÍMETROS -, o qual no seu artigo 1.º estabelece que esse regulamento “aplica-se aos alcoolímetros evidenciais que são utilizados para fins legais”, os quais são definidos no seu artigo 2.º como os “instrumentos de medição destinados a medir a concentração mássica de álcool (etanol) por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado.”
Relativamente à aprovação dos modelos dispõe o n.º 1 do seu artigo 6.º que “A aprovação de modelo deve obedecer aos requisitos previstos no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 29/2022, de 7 de abril, e ao artigo 2.º do regulamento anexo à Portaria n.º 211/2022, de 23 de agosto.”
E a respeito da verificação periódica estabelece o n.º 1 do artigo 8.º desse Regulamento Anexo à dita Portaria n.º 366/2023 que “A verificação periódica tem uma periodicidade anual e é válida durante um ano após a sua realização.”
Esta Portaria n.º 366/2023 - e Regulamento a ela Anexo – entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (art. 3.º), ou seja, em 16-09-2023, tendo revogado a Portaria n.º 1556/2007, de 10-12 (art. 2.º).
Do exposto resulta que à data dos factos se encontrava em vigor o regime estabelecido pelo dito Decreto-Lei n.º 29/2022 (já desde 01-07-2022) e pela mencionada Portaria n.º 366/2023 (já desde 16-09-2023), não tendo aplicação, por isso, o estabelecido na Portaria n.º 1556/2007, de 10-12, invocada pelo Tribunal a quo.
Houve, pois, uma sucessão de regimes legais, sendo que, ao contrário do que é referido pelo mesmo Tribunal, não pode dizer-se que o sentido das normas se manteve, designadamente no que respeita à validade das verificações periódicas.
Com efeito, enquanto que o n.º 2 do artigo 7.º do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela dita Portaria n.º 1556/2007, a ela anexo (entretanto revogada), estabelecia que “A verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação do modelo”, presentemente o referido n.º 1 do artigo 8.º do Regulamento do Controlo Metrológico Legal dos Alcoolímetros, aprovado pela referida Portaria n.º 366/2023 estabelece que “A verificação periódica tem uma periodicidade anual e é válida durante um ano após a sua realização.” (sublinhado nosso).
Há, pois, que interpretar ambas as normas, para o que importa ter presente disposto no artigo 9.º do Código Civil, segundo o qual:
“1 – A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2 - Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3 - Na fixação do sentido e alcance da norma o intérprete presumirá que o legislador consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
Estes parâmetros por que deve guiar-se a interpretação das leis levam a afirmar que a função do decisor não é puramente mecânica, mas antes deve desenvolver um esforço de interpretação normativa para a sua correcta aplicação ao caso concreto.
A respeito desta disposição do compêndio substantivo civil, referem Pires de Lima e Antunes Varela poder dizer-se que “o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei. Quando, porém, assim não suceda, o Código faz apelo franco, como não poderia deixar de ser, a critérios de carácter objectivo, como são os que constam do n.º 3.”[5]
Efectivamente, se a interpretação das normas legais deve sempre ter em conta o seu teor literal, o intérprete deverá ter presente todos aqueles factores e partir do pressuposto que o legislador consagrou a solução mais acertada.
Ora, se o transcrito n.º 2 do artigo 7.º do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela dita Portaria n.º 1556/2007, a ela anexo, ao dispor que a verificação periódica é anual, permitia considerar que somente era obrigatória uma verificação em cada ano, independentemente do mês ou dia em que tivesse lugar, podendo, por isso, ter lugar até ao dia 31 de Dezembro, já o actual n.º 1 do artigo 8.º do Regulamento do Controlo Metrológico Legal dos Alcoolímetros, aprovado pela dita Portaria n.º 366/2023, além de impor a periodicidade da verificação, que tem de ser anual, estabelece que a validade é de um ano a contar da sua realização.
E isto faz toda a diferença.
Com efeito, e tendo em mente o caso presente, se no regime anterior era sustentável - ainda que não consensual - que a verificação poderia ter lugar até ao dia 31-12-2025, pois que a anterior ocorreu no ano de 2024, já no regime actual essa interpretação não é admissível.
Na verdade, tendo a anterior verificação (no caso a primeira) ocorrido em 25-01-2024, a mesma somente tinha validade até 25-01-2025, ou seja, um ano a contar daquela data, tendo em conta as regras aplicáveis ao cômputo do termo constantes da alínea c) do artigo 379.º do Código Civil, como alega o recorrente.
O raciocínio do Tribunal a quo poderia estar conforme à lei e também a boa parte da jurisprudência, que até cita, mas com referência à legislação pretérita, entretanto revogada, pelo que não pode acompanhar-se.
A jurisprudência indicada, incluindo pela Exm.ª Magistrada do Ministério Público na resposta ao recurso, é referente ao anterior regime legal, pelo que não pode seguir-se, sendo certo que a recente jurisprudência dos Tribunais Superiores, designadamente perante o disposto no transcrito no n.º 1 do artigo 8.º da Portaria n.º 366/2023, vem já sustentando que a verificação tem somente validade durante um ano a contar da sua realização.[6]
Cremos que com a publicação da dita Portaria n.º 366/2023 o legislador teve intenção de clarificar essa situação da periodicidade da verificação, tornando-a obrigatória a, pelo menos, cada período de um ano, por forma a manter a fiabilidade dos resultados obtidos através dos alcoolímetros.
Refere a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta no seu Parecer que o referido n.º 1 do artigo 8.º da Portaria n.º 366/2023 não releva para o caso presente na medida em que tal alcoolímetro apenas havia sido, à data dos factos, objecto de uma verificação, a primeira, realizada em 25-01-2024, conforme resulta do respectivo certificado de verificação, pelo que é aplicável a norma constante do n.º 1 do artigo 7.º da mesma Portaria (pág. 2 do Parecer).
Efectivamente, resulta dos autos que o aparelho utlizado (“Drager”, modelo “Alcoytest 7510 PT”, n.º “ARSK-0243”) foi sujeito a primeira verificação em 25-01-2024 (ref.ª 41409366 – pág. 7).
Mas não cremos que tal facto altere os dados enunciados.
Com efeito, dispõe esse n.º 1 do artigo 7.º da Portaria n.º 366/2023 que “A primeira verificação é efectuada antes da colocação do alcoolímetro em serviço, ou após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano, tendo o mesmo prazo de validade.” (sublinhado nosso).
Respeitando o entendimento expresso no Parecer, não concordamos que somente releve para este caso tal normativo legal e não também o estabelecido no n.º 1 do referido artigo 8.º, pois que os mesmos têm de ser interpretados e aplicados conjugadamente.
Na verdade, resultando da primeira dessas normas (n.º 1 do art. 7.º) que a primeira verificação é efectuada antes da colocação do alcoolímetro em serviço, com dispensa da verificação periódica nesse ano, é ressalvado que tem “o mesmo prazo de validade”, ou seja, o prazo de validade da inspecção periódica - um ano após a sua realização.
É razoável que não se exija uma (nova) verificação periódica no ano da colocação do alcoolímetro em serviço, pois que o mesmo foi previamente verificado (pela primeira vez).
Mas daí não pode extrair-se que, dispensando-se a verificação periódica nesse ano da colocação em serviço, ou seja, até 31 de Dezembro do ano em causa (precisamente porque acabou de ser verificado), o alcoolímetro esteja legal durante mais um ano após o termo do ano da verificação inicial, o mesmo é dizer até 31 de Dezembro do ano seguinte, como parece ser o entendimento subjacente ao sustentado no Parecer.
Se assim fosse poderia haver um período sem verificação superior a um ano (porventura perto de dois anos), o que contrariaria a imposição do prazo de validade anual, que resulta dos referidos n.º 1 do artigo 7.º (“tendo o mesmo prazo de validade”) e n.º 1 do artigo 8.º, além de que sendo os ensaios da verificação periódica “iguais aos estabelecidos para a primeira verificação” (n.º 2 do artigo 8.º), não se vê nenhuma razão para a validade da primeira verificação ser superior à da verificação periódica.
Neste contexto, julgamos que a melhor interpretação das normas em causa, tendo em conta os critérios legais a atender nessa tarefa (art. 9.º do C. Civil) é a de que a verificação dos alcoolímetros, seja ela a primeira ou a periódica, tem a validade de um ano após a sua realização, sendo que a realização da primeira verificação, tendo esse prazo de validade, dispensa a verificação periódica no ano em que foi levada a cabo.
A verificação a cada, pelo menos, 365 dias poderá causar dificuldade de resposta das entidades responsáveis e também ao nível, mas essa foi uma opção do legislador, que quis clarificar com o novo regime consagrado pela dita Portaria n.º 366/2023.
A verdade é que somente os modelos homologados e os aparelhos que tenham sido sujeitos a verificação, a primeira ou a periódica, nos termos legais, têm aptidão para testar e quantificar a taxa de álcool no sangue. Se assim não suceder, os resultados obtidos não podem ter-se como fiável para fundamentar a convicção probatória do Tribunal.
Nessa medida, a validade ou invalidade dos resultados obtidos nos testes de pesquisa de álcool no sangue realizados dependerá da validade ou não dos próprios aparelhos utilizados, pelo que, estando estes fora das condições legais, designadamente por falta de verificação periódica, inválidos serão tais resultados, não podendo ser utilizados e valorados pelo julgador como prova, sendo que somente por esse método técnico-científico ou pela análise de sangue, se aquele não puder ser realizado, se obterá a prova da taxa de álcool, para efeitos de verificação dos elementos do tipo de crime aqui em causa (art. 292.º, n.º 1, do C. Penal), precisamente porque essa prova está subtraída à livre apreciação do Juiz.
Em face do que se deixa dito, com especial ênfase no teor do n.º 1 do artigo 14.º do dito Regulamento, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17-05, que limita a utilização aos aparelhos que obedeçam à regulamentação vigente – “só podem ser utilizados” -, e também no disposto nos citados n.º 1 do artigo 7.º e n.º 1 do artigo 8.º do Regulamento Anexo à dita Portaria n.º 366/2023, acima transcritos, dúvidas não restam que o aparelho em que foi realizado o teste quantitativo ao arguido não cumpria tais requisitos, pois que a sua verificação havia sido realizada em 25-01-2024, a qual tinha a validade de um ano, e os factos ocorreram em 27-01-2025, razão essa porque o resultado (TAS) obtido através do mesmo é inválido e não pode servir como prova, estando a Exm.ª Juíza impedida de a valorar para formar a sua convicção, porque proibido por lei (art. 125.º do CPP).
Assim, impõe-se dar como não provada a TAS que foi imputada ao arguido, bem como os factos subsequentes com ela relacionados e que a pressupunham, passando a constar somente como provados os factos seguintes:
1. No dia 27-01-2025, pelas 17:16 horas, o arguido AA conduzia o veículo automóvel ligeiro com a matrícula ..-GU-.. na Rua ..., em ..., concelho da Póvoa de Varzim, e após ter sido abordado pela patrulha da GNR foi submetido ao teste de pesquisa de álcool no sangue através do alcoolímetro quantitativo DRAGER ALCOTEST 7510 PT ARSK0243.
2. O arguido não tem antecedentes criminais.
3. Está reformado, antes trabalhava na construção civil, e aufere actualmente a quantia de 740,00€ mensais.
4. Vive com a sua esposa e a sua mãe em casa própria, que se encontra paga.
5. O veículo mencionado nos autos é próprio do arguido e encontra-se pago.
6. Não tem empréstimos.
7. Concluiu o 4.º ano de escolaridade.
8. Tem dois filhos maiores de idade.
Por seu lado, passam a constar como não provados os factos seguintes:
a) Que na altura e circunstâncias descritas em 1. o arguido tenha acusado uma TAS de, pelo menos, 1,397 g/L, correspondente à TAS de 1,47 g/L registada, deduzido o valor de erro máximo admissível.
b) Que o arguido agiu com o propósito de conduzir um veículo automóvel na via pública, bem sabendo que tinha consumido voluntariamente bebidas alcoólicas, as quais foram causa necessária da deteção de álcool no sangue, ciente que tal consumo era suscetível de o colocar no estado em que foi encontrado - com uma taxa de álcool no sangue pelo menos superior a 1,2g/l - e que não podia conduzir na via pública após o seu consumo, o que representou e quis.
c) Que o mesmo agiu deliberada livre e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.
Perante a alteração da matéria de facto determinada, desconhecendo-se qual a taxa de álcool de que o arguido seria portador, impossível se torna afirmar que a mesma era igual ou superior a 1,2 g/l, para que a sua conduta pudesse ser considerada crime, sendo, por isso, manifesto que os factos dados como provados não preenchem os elementos típicos do ilícito previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, o que impõe a absolvição do arguido.
Assim, tem de proceder o recurso interposto.
III
Pelo exposto, decide-se julgar procedente o recurso interposto pelo arguido AA, revogando-se a sentença recorrida e absolvendo-se o mesmo do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, que lhe foi imputado.
Sem custas (art. 513.º, n.º 1, do CPP, à contrário).