INJUNÇÃO
INEPTIDÃO
CAUSA DE PEDIR
REMISSÃO
FACTURAS
Sumário

Sumário: (art.º 663.º n.º 7 do CPC)
1. Não é inepto o requerimento de injunção por falta de causa de pedir quando aí o Requerente alude a um contrato de fornecimento de bens ou serviços celebrado com a Requerida em 23-06-2022; refere que o período a que se reporta o contrato foi de 23-06-2022 a 24-02-2023 e alega que emitiu as faturas que identifica pelo seu número, pela sua data e pelo seu valor, referindo que são faturas relativas a serviços prestados no âmbito de tal contrato e que interpelou a Requerida para o seu pagamento.
2. Embora a Requerente não identifique diretamente e em concreto cada um dos serviços alegadamente prestados à Requerida no âmbito do contrato com ela celebrado, fá-lo de uma forma indireta, por remissão para as faturas que emitiu e que estão caracterizadas, permitindo a esta perceber o que lhe está a ser peticionado, sem prejuízo da Requerente poder ser convidada a complementar ou concretizar a matéria que alegou, através de um convite ao aperfeiçoamento, nos termos previstos no art.º 17.º n.º 3 do art.º 10.º do Anexo que se refere ao Regime dos procedimentos a que alude o art.º 1º do DL 268/98 de 1 de setembro.

Texto Integral

Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
Triângulo do Conhecimento, Ld.ª veio instaurar procedimento de injunção ao abrigo do DL 269/98 de 1 de setembro, contra Mopdernitypower Unipessoal, Ld.ª, requerendo o pagamento do valor total de € 13.788,69, sendo €11.686,69 de capital em dívida, € 2.000,00 a título de outras quantias e € 102,00 € de taxa de justiça paga.
O requerimento de injunção foi preenchido da seguinte forma pela Requerente:
- a seguir à menção “Contrato de”, foi aposto: “Fornecimento de bens ou serviços”
- a seguir à menção “Data do contrato”, foi aposto: “23-06-2022”
- a seguir à menção “Período a que se refere”, foi aposto: “23-06-2022 a 24-02-2023”
- a seguir à menção: “exposição dos factos que fundamentam a pretensão”, foi aposto:
“1- A sociedade requerente emitiu as seguintes facturas relativas a serviços prestados á sociedade requerida:
Fatura M/187 de 23-06-2022 726,94€
Fatura M/188 de 23-06-2022 1.389,00€
Fatura M/192 de 06-09-2022 1.777,00€
Fatura M/199 de 13-12-2022 2.972,88€
Fatura PS/43 de 13-12-2022 446,65€
Fatura PS/44 de 13-12-2022 1.373,50€
Fatura PS/45 de 13-12-2022 998,00€
Fatura PS/52 de 05-02-2023 527,72€
Fatura PS/53 de 05-02-2023 425,00€
Fatura PS/54 de 05-02-2023 1.050,00€
Todas no valor global de €11.686,69€
2- Ao valor indicado em 1), acrescem as despesas relativas à sua cobrança coerciva, no valor de €2.000,00.
3- A requerida foi interpelada extrajudicialmente para o pagamento, que incumpriu, a que não respondeu e não pagou, o que deu causa ao presente procedimento judicial.”
Notificada a Requerida, veio a mesma apresentar oposição, invocando a ineptidão do requerimento injuntivo, alegando que dele não constam os elementos essenciais da causa de pedir, omitindo a Requerente os factos de que decorre a sua pretensão sem os quais não é possível determinar qual o montante que pudesse ser devido, sempre impugnando os factos e as faturas identificadas afirmando que a Requerente está a exigir o pagamento de faturas e valores que não são exigíveis desconhecendo a origem do pretenso crédito da injunção, tal como a base para a cobrança de € 2.000,00.
Remetido o procedimento para o tribunal, foi proferido despacho a determinar a notificação das partes para, ao abrigo do princípio do contraditório e nos termos do art.º 3.º n.º 3 do CPC, se pronunciarem sobre a questão da ineptidão do requerimento de injunção.
As partes nada vieram dizer.
Foi proferido despacho que julgou verificada a exceção de nulidade de todo o processo por ineptidão do requerimento injuntivo, por falta de causa de pedir, absolvendo a R. da instância.
Por não se conformar com esta decisão veio a A. dela interpor recurso, pedindo a sua revogação e substituição por outra que julgue improcedente a exceção da ineptidão do requerimento inicial e determine o prosseguimento dos autos para realização da audiência de julgamento, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem:
A) Entende a Apelante, não ter razão a Meritíssima Juíza a quo, que julgou incorrectamente os factos face à prova carreada aos autos, e correspondente direito adjetivo aplicado, errando, por conseguinte, na sua decisão tomada.
B) Em 27/02/2023, a recorrente intentou o presente procedimento de injunção no BNI, cumprindo com a simplicidade adjectiva a ele inerente (art. 10.º do DL n.º 269/98, de 01/09);
C) Cabendo-lhe, apenas e tão só, expor sucintamente os factos que fundamentam a sua pretensão, em termos resumidos, sintéticos e breves que integram a causa de pedir, e a prestação de serviços médicos prestados no âmbito da pratica médica por profissionais médicos, através das suas empresas.
D) A recorrente informou o Tribunal a quo, em detalhe, os exactos montantes das obrigações incumpridas, a que juntou cópias discriminadas das onze facturas notificadas e devidamente inscritas na sua contabilidade oficial:
- Fatura M/187 de 23-06-2022 - 726,94€
- Fatura M/188 de 23-06-2022 - 1.389,00€
- Fatura M/192 de 06-09-2022 - 1.777,00€
- Fatura M/199 de 13-12-2022 - 2.972,88€
- Fatura PS/43 de 13-12-2022 - 446,65€
- Fatura PS/44 de 13-12-2022 - 1.373,50€
- Fatura PS/45 de 13-12-2022 - 998,00€
- Fatura PS/52 de 05-02-2023 - 527,72€
- Fatura PS/53 de 05-02-2023 - 425,00€
- Fatura PS/54 de 05-02-2023 - 1.050,00€
Todas no valor global de €11.686,69€
E) A recorrente descreveu e demonstrou ao Tribunal a origem do crédito peticionado relativo aos bens e serviços prestados médicos não pagos, bem como a interpelação à recorrida para os pagamentos incumpridos.
F) A recorrente descreveu e demonstrou ao Tribunal o modo, as datas e os valores que originaram o incumprimento por parte da recorrida.
G) A recorrente cumpriu todos os requisitos imperativamente exigidos pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, aplicável, com excepção da revelação de boletins/fichas clínicas dos pacientes, por ser matéria absolutamente reservada sujeita a segredo profissional médico, conforme os abundantes diplomas legais que descreveu e enumerou nas suas alegações.
H) A decisão recorrida peca por deficiente e infundamentada face á factualidade comprovada supra relatada.
I) A recorrente descreveu tudo podia informar, fornecimento de bens e prestação de serviços médicos e dentários expressos nas 11 facturas discriminativas de que juntou cópias aos autos;
J) A personalização dos tratamentos clínicos de cada caso concreto, apenas e só aos profissionais médicos caberá, bem como aos próprios pacientes em audiência ministrada pelo Tribunal.
K) Em momento algum poderá julgar-se inepto o requerimento inicial da A./recorrente, face ao seu cumprimento de todos os requisitos legais exigidos ínsitos no Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de setembro, aplicável ao procedimento sub judice.
A R. não veio responder ao recurso.
II. Questões a decidir
É apenas uma a questão a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Recorrente nas suas conclusões- art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do CPC - salvo questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine:
- da ineptidão do requerimento de injunção por falta de causa de pedir.
III. Fundamentos de Facto
Os factos provados com interesse para a decisão do recurso são os que constam do relatório elaborado.
IV. Razões de Direito
- da ineptidão do requerimento de injunção por falta de causa de pedir
Alega a Recorrente que cumpriu todos os requisitos do DL 269/98 de 1 de setembro, tendo descrito tudo o que podia informar sobre o fornecimento de bens e prestação de serviços médicos e dentários expressos nas faturas que descriminou e de que juntou cópias aos autos, em razão do sigilo médico que invoca.
A decisão recorrida entendeu que a Requerente não explicitou o acordo das partes, omitindo factos essenciais, faltando o núcleo essencial da causa de pedir, pelo que o requerimento inicial não é sequer suscetível de convite ao aperfeiçoamento.
O procedimento de injunção, corresponde a uma opção do legislador dirigida à simplificação e agilização processual, sendo que o requerimento que lhe dá início, equiparado à petição inicial, corresponde a um impresso padrão aprovado por portaria do Ministério da Justiça que deve ser preenchido pelo Requerente, nos termos do art.º 10.º do Anexo que se refere ao Regime dos procedimentos a que alude o art.º 1º do DL 268/98 de 1 de setembro.
Este art.º 10.º rege sobre o conteúdo e forma do requerimento de injunção, estabelecendo no seu n.º 2:
“2- No requerimento, deve o requerente:
a. Identificar a secretaria do tribunal a que se dirige;
b. Identificar as partes;
c. Indicar o lugar onde deve ser feita a notificação, devendo mencionar se se trata de domicílio convencionado, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º do diploma preambular;
d. Expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão;
e. Formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas;
f. Indicar a taxa de justiça paga;
g. Indicar, quando for caso disso, que se trata de transação comercial abrangida pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, na sua redação atual, ou pelo Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio;
h. Indicar o seu domicílio;
i. Indicar o endereço de correio electrónico, se o requerente pretender receber comunicações ou ser notificado por este meio;
j. Indicar se pretende que o processo seja apresentado à distribuição, no caso de se frustrar a notificação;
l. Indicar o tribunal competente para apreciação dos autos se forem apresentados à distribuição;
m. Indicar se pretende a notificação por solicitador de execução ou mandatário judicial e, em caso afirmativo, indicar o seu nome e o respectivo domicílio profissional;
n. Indicar, tratando-se de contrato celebrado com consumidor, se o mesmo comporta cláusulas contratuais gerais, sob pena de ser considerado litigante de má-fé;
o. Assinar o requerimento.”
Resulta da al. d) do n.º 2, que os factos que fundamentam a pretensão deduzida pelo Requerente, ou seja, a causa de pedir, devem ser por ele sucintamente expostos, sendo que, em conformidade com o disposto no art.º 5.º n.º 1 do CPC, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir.
Diz-nos Salvador da Costa in A Injunção e as Conexas Ação e Execução, pág. 206, em anotação a este art.º 10.º : “Ocorrerá, não raro, manifesta inadequação do impresso referido para integrar o requerimento de injunção quando, por exemplo, os factos integrantes da causa de pedir sejam complexos; mas a lei exclui a formulação de requerimento autónomo com indicação dos factos integrantes da causa de pedir e do respetivo pedido, de modo a imprimir-lhe a necessária e conveniente concretização em termos tão próximos quanto possível da formulação que o requerente devia utilizar se tivesse optado pela ação declarativa de condenação a que se reportam os art.º 1.º a 5.º deste diploma. Todavia, em jeito de contrapartida, na ação declarativa de condenação em que o procedimento de injunção se transmute pode o juiz convidar as partes ao aperfeiçoar das respetivas peças processuais (art.º 7.º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 32/2003 de 17 de fevereiro e 17.º n.º 3 do Anexo).
O art.º 186.º do CPC rege sobre a ineptidão da petição inicial que, a verificar-se, determina a nulidade de todo o processo, nos termos do n.º 1.
Prevê o n.º 2 deste artigo os casos em que a petição inicial é inepta, constando logo na al. a) que tal acontece “quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir.” O n.º 3 deste artigo prevê ainda, que se o réu contestar apesar de arguir a ineptidão com fundamento na al. a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.
Salienta-se que, por referência à causa de pedir, só existe ineptidão da petição inicial quando esta falte ou seja ininteligível, e já não quando a mesma se apresenta como insuficiente ou pouco clara, sendo que neste caso o juiz deve convidar a parte ao seu aperfeiçoamento, como estabelece o art.º 590.º n.º 4 do CPC, designadamente com vista ao suprimento das insuficiências na exposição da matéria de facto alegada, de forma a dar-lhe a possibilidade de completar ou corrigir os factos que invocou.
O art.º 17.º n.º 3 do Anexo já identificado prevê também expressamente esta possibilidade, ao estabelecer que quando o procedimento seja remetido à distribuição, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais.
Sobre esta questão da falta de causa de pedir geradora da ineptidão da petição inicial, em confronto com a situação em que esta se apresenta apenas como insuficiente, por razões de simplificação e uma vez que corresponde a exposição na qual nos revemos, remete-se aqui para o Acórdão deste TRL de 01-07-2021 no proc. 87222/19.5YIPRT.L1 relatado pelo aqui 2.º adjunto e que a relatora também subscreveu como adjunta, onde de forma sintética, mas amplamente fundamentada, se refere:
Factos principais (essenciais numa acepção ampla) e factos essenciais numa acepção estrita – falta de causa de pedir e causa de pedir insuficiente
Passa a seguir-se, de perto, aquilo que já foi dito nos acórdãos do TRP de 09/07/2014, proc. 16/13.7TBMSF.P1, e de 24/09/2015, proc. 87345/14.7YIPRT, e no ac. do TRL de 03/12/2020, proc. 98964/18.2YIPRT.L2-2, com base na lição de Lebre de Freitas:
Nos termos do art. 552/1d) do CPC, “Na petição, com que propõe a acção, deve o autor […] expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir”, isto é, nos termos do art. 581/4 do CPC, o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida, ou de modo mais preciso, o conjunto dos factos constitutivos da situação jurídica que o autor quer fazer valer (os que integram a previsão da norma ou das normas materiais que estatuem o efeito pretendido: arts. 552/1d, 5/1, 574/1 e 581/4, todos do CPC).
Todos estes factos são factos principais (os essenciais do art. 5/1 do CPC, entendidos numa acepção ampla) e todos eles integram a causa de pedir; todos eles servem uma função fundamentadora do pedido; a falta de alegação de qualquer deles, se entretanto não for corrigida, dá lugar à absolvição do pedido da parte contrária, por insuficiência da fundamentação de facto do pedido, isto é, por insuficiência duma causa de pedir que se deixou incompleta.
Mas alguns destes factos principais são factos essenciais (agora numa acepção estrita), isto é, são factos que cumprem a função individualizadora da causa de pedir, são eles que individualizam a pretensão do autor (a causa de pedir é, enquanto cumpre a sua função individualizadora, o núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido – Lebre de Freitas, A acção declarativa, pág. 41; Introdução ao processo civil…, 3ª edição, Coimbra Editora, 2013, págs. 64/72). Se estes factos essenciais estiverem alegados, a causa de pedir está identificada e a petição não pode ser inepta por falta de causa de pedir, embora esta possa estar incompleta se faltarem alguns dos outros factos principais.
Se faltarem factos essenciais (na acepção estrita), a petição inicial é inepta (art. 186/2a do CPC) e os réus devem ser absolvidos da instância [arts. 278/1b, 577/b) e 595/1a), todos do CPC]. Se faltarem outros factos principais, a petição inicial não é inepta, mas a causa de pedir é insuficiente ou está insuficientemente concretizada; neste caso ela pode e deve ser alvo de um despacho de aperfeiçoamento (art. 590, nºs. 2b e 4 do CPC) destinado a completar a causa de pedir, com a alegação de factos que vão complementar ou concretizar os factos alegados na causa de pedir, ou pode a parte salvar a petição, completando ou concretizando a causa de pedir, por exemplo, manifestando a vontade de se aproveitar do aparecimento, durante a instrução do processo, desses factos (art. 5/2b do CPC).
Assim, em suma, como diz Lebre de Freitas (Introdução, 2013, págs. 70/71), a função individualizadora da causa de pedir permite verificar se a petição é apta (ou inepta) para suportar o pedido formulado e se há ou não repetição da causa para efeito de caso julgado. Mas não é suficiente para que se tenha por realizada uma outra função da causa de pedir, que é a de fundar o pedido, possibilitando a procedência da acção (o autor desenvolve a questão ainda nas págs. 41/44, 47/48, 143/146, 157, 173, 183, 189 e 308/309 d’ Acção, e nas págs. 48/50, 56, 64/72, 165/169, l82/183 da Introdução; e, antes, também no artigo, mais antigo, Sobre o novo CPC (uma visão de fora), publicado na ROA, 2013/I, principalmente no ponto 5; no mesmo sentido, no essencial, vai a posição de Mariana França Gouveia, no artigo publicado sob o título O Principio do Dispositivo e a Alegação de Factos em Processo Civil, na ROA 2013/II/III, que continua a identificar os factos essenciais com os factos principais, reconduzindo a estes os factos complementares ou concretizadores – principalmente no ponto 5 e nos três primeiros parágrafos do ponto 6; a revista da OA é acessível no sítio da respectiva ordem).
Perspectiva diferente tem Miguel Teixeira de Sousa que defende que a causa de pedir se limita aos factos essenciais na acepção estrita, correspondente, segundo este professor, aos factos essenciais referidos no art. 5/1 do CPC, pelo que, por outro lado, para este professor não há causas de pedir insuficientes, mas sim articulados deficientes, que têm de ser completados ou concretizados; os factos complementares ou concretizadores posteriormente introduzidos não fazem parte da causa de pedir, pois que esta, para este autor, não é constituída por todos os factos de que pode depender a procedência da acção, mas apenas por aqueles que são necessários para individualizar a pretensão material que o autor quer defender em juízo (Ónus de alegação e de impugnação em processo civil, Scientia Ivridica, nº. 332, págs. 396/397, e também nas entradas no blogo do IPPC de 19/07/2014, sob Factos complementares e causa de pedir, de 21/07/2014, sob Factos complementares e função da causa de pedir, de 14/08/2014, sob O regime da alegação dos factos complementares no nCPC; e de 11/03/2015, sob Jurisprudência (92)).”
Avaliando o caso em presença à luz do que se expôs, verifica-se que a Requerente no requerimento de injunção não deixa de identificar a causa de pedir, ao aludir a um contrato de fornecimento de bens ou serviços celebrado com a Requerida, na data de 23-06-2022; referindo o período a que se reporta o contrato e os serviços prestados de 23-06-2022 a 24-02-2023 e quando na exposição dos factos que fundamentam a pretensão, alega que emitiu as faturas que identifica, pelo seu número, pela sua data e pelo seu valor, referindo que são faturas relativas aos serviços prestados à Requerida, mais dizendo que a mesma foi interpelada para o pagamento que incumpriu.
Não pode por isso concordar-se com a decisão recorrida quando diz que a Requerente apenas invoca conclusiva e normativamente um negócio jurídico e limita-se a apresentar uma listagem de faturas.
Os factos a que se fez menção constituem os factos essenciais que se apresentam como suscetíveis de suportar o pedido que a Requerente formula, de pagamento do valor relativo aos serviços contratados a 23-06-2022 e por ela prestados no período que indica, a que se reportam as faturas que emitiu e que identifica em diversos parâmetros, afirmando que interpelou a Requerida para as pagar, apresentando-se como bastantes para que a Requerida possa compreender e identificar o que lhe está a ser peticionado, ainda que possam/devam ser complementados ou concretizados.
É certo que a Requerente não identifica diretamente e em concreto de cada um dos serviços alegadamente prestados à Requerida no âmbito do contrato com ela celebrado e que não foram pagos, mas fá-lo de uma forma indireta, por remissão para as faturas que emitiu, cujo pagamento reclama e alega ter interpelado a Requerida para pagar, fazendo menção ao número da fatura, à sua data e ao seu valor, pelo que estamos perante matéria que é suscetível de vir a ser complementado ou concretizado, afigurando-se que o núcleo essencial dos factos que suportam o pedido está identificado, não podendo por isso falar-se em falta de causa de pedir.
Salienta-se que, não obstante a Recorrente refira agora em sede de recurso que juntou as mencionadas faturas ao processo, a verdade é que não se encontram no processo eletrónico, mas tal não significa que não possam/devam ainda ser juntas aos autos, da mesma forma que a existência de sigilo médico que também agora e apenas em sede de recurso vem invocar, nunca pode constituir obstáculo à concretização dos serviços médicos que alega ter prestado, na medida em que tal pode ser feito, naturalmente, sem a identificação do paciente a quem o sigilo protege.
Em conclusão, não pode dizer-se que falta a causa de pedir no requerimento de injunção apresentado, suscetível de determinar a sua ineptidão de acordo com o art.º 186.º n.º 1 e n.º 2 al. a) do CPC, devendo o processo prosseguir os seus termos, podendo/devendo ser complementados os factos alegados com a concretização do serviços alegadamente prestados constantes das faturas identificadas cujo pagamento é reclamado, que também podem/devem ser juntas aos autos, nos termos do disposto no art.º 17.º n.º 3 do regime Anexo ao DL 269/98.

V. Decisão:
Em face do exposto, julga-se procedente a apelação e em consequência revoga-se a decisão proferida, determinando-se o prosseguimento dos autos.
Custas pela Recorrida – art.º 527.º n.º 1 e 2 do CPC.
Notifique.
*
Lisboa, 10 de julho de 2025
Inês Moura
Fernando Caetano Besteiro
Pedro Martins