CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
Sumário

SUMÁRIO (art. 663º, n.º7, do CPC):
A norma contida no art. 10º, n.º2, al. b), do NRAU, não é suscetível de aplicação extensiva à oposição à renovação que serve de fundamento a acção com a forma de processo comum, como a presente, destinada a conhecer da caducidade do contrato e à restituição do locado, posto que não se justifica a especial proteção do arrendatário que a mesma visa conferir.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO.
AA, Construções, Lda., intentou, contra BB, CC e DD, acção declarativa, com a forma de processo comum, pedindo que:
a) Seja o 1º Réu condenado a reconhecer a cessação do contrato de arrendamento celebrado em 04-11-2010, referente ao 1º andar direito do prédio urbano sito na Azinhaga da Salgada, n.º..., em Lisboa, com efeitos em 30-06-2021, atenta a oposição à renovação do referido contrato de arrendamento que lhe foi comunicada por si nos termos e prazo legais.
b) Seja o 1º Réu condenado a entregar-lhe o identificado locado, livre de pessoas e bens.
c) Sejam os Réus condenados no pagamento solidário a si de uma indemnização pelo atraso na restituição do locado, no montante mensal de € 435,20 (quatrocentos e trinta e cinco euros e vinte cêntimos), equivalente ao dobro do valor da renda estipulada, desde a data da citação até efetiva restituição do locado, devoluto de pessoas e bens.
Em síntese, alegou que:
- é proprietária do prédio urbano composto de loja e um andar, sito no Beato, na Azinhaga da Salgada,..., Freguesia do Beato, Concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 833, inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de Marvila sob o artigo 1206;
- por documento particular datado de 04-11-2010, os anteriores proprietários do referido imóvel, a quem o adquiriram por compra, deram de arrendamento ao 1º Réu o 1º andar direito do identificado prédio;
- o contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo efectivo de 5 (cinco) anos, com início em 01-01-2011 e termo em 31-12-2015, renovando-se nas mesmas condições por períodos sucessivos de 1 (um) ano, salvo denúncia pelas partes;
- os 2º Réus constituíram-se fiadores e principais pagadores das obrigações contratualmente assumidas pelo 1º Réu, renunciando ao benefício da excussão prévia;
- por carta registada com aviso de receção, com registo postal de 06-11-2019, recebida em 11-11-2019, a Autora comunicou ao 1º Réu a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, e que deveria entregar o locado até 31-12-2020;
- o 1º Réu não entregou o locado.
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A 23-05-2023, os réus apresentaram contestação onde, além de impugnarem factualidade alegada na petição inicial, pugnaram pela improcedência da acção.
Em síntese, alegaram que:
- o 1º Réu desconhece a comunicação de oposição à renovação junta aos autos pela Autora, que foi recebida por pessoa diferente do destinatário, que desconhece;
- face ao referido, impunha-se que o senhorio enviasse nova carta registada com aviso de recepção depois de decorridos 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta;
- face ao não envio da segunda carta, a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento não produziu os seus efeitos, pelo que não assiste à Autora o direito a exigir a restituição do locado.
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Por despacho de 21-11-2023, determinou-se a notificação da autora para, querendo, se pronunciar sobre a matéria alegada na contestação.
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A Autora, a 07-12-2023, respondeu, pugnando pela procedência da acção e alegando que a comunicação de oposição à renovação por si efectuada respeitou as exigências previstas no art. 9º do NRAU, tendo operado a cessação do contrato de arrendamento no termo do período em curso, não sendo aplicável ao caso o disposto no art. 10º, n.º2, al. b), e 3 do NRAU, ao invés do defendido pelos réus.
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A 13-03-2023, foi proferida sentença que julgou a acção procedente e decidiu nos seguintes termos, além do mais:
“a) Condenar o 1º Réu a reconhecer a cessação do contrato de arrendamento celebrado em 04/11/2010, referente ao 1º andar direito do prédio urbano sito na Azinhaga da Salgada, n.º..., em Lisboa, com efeitos em 1 de Julho de 2021, por oposição à renovação que lhe foi comunicada pela Autora nos termos e prazo legais.
b) Condenar o 1º Réu a entregar à Autora o identificado locado, livre de pessoas e bens.
c) Condenar os Réus solidariamente no pagamento à Autora de uma indemnização pelo atraso na restituição do locado, no montante mensal de € 435,20 (quatrocentos e trinta e cinco euros e vinte cêntimos), equivalente ao dobro do valor da renda estipulada, desde a data da citação até efetiva restituição do locado, devoluto de pessoas e bens.”
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A 26-04-2025, os réus interpuseram recurso da decisão referida, apresentando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
I. Em acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, instaurada pela A. contra a aqui Recorrente, peticionou e foi declarada procedente, condenando o 1º Réu a reconhecer a cessação do contrato de arrendamento celebrado em 04/11/2010, referente ao 1º andar direito do prédio urbano sito na Azinhaga da Salgada, n.º..., em Lisboa, com efeitos em 1 de Julho de 2021, por oposição à renovação que lhe foi comunicada pela Autora nos termos e prazo legais; condenar o 1º Réu a entregar à Autora o identificado locado, livre de pessoas e bens e ainda condenou os Réus solidariamente no pagamento à Autora de uma indemnização pelo atraso na restituição do locado, no montante mensal de € 435,20 (quatrocentos e trinta e cinco euros e vinte cêntimos), equivalente ao dobro do valor da renda estipulada, desde a data da citação até efetiva restituição do locado, devoluto de pessoas e bens.
II. Os Recorrentes discordam da procedência da presente acção e que seja dado como provado o facto 11. que “Por carta registada com aviso de receção, datada de 11/11/2019, mas com registo postal de 06/11/2019, dirigida ao Réu BB e para a morada do locado, cujo aviso de recepção foi assinado em 11/11/2019 por “EE”, a Autora comunicou ao sobredito Réu a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, nos termos do disposto no artigo 1097º do Código Civil, comunicando-lhe ainda que o locado deveria ser entregue, livre e devoluto, até 31/12/2020.”
III. Por consulta da documentação junta pela Recorrida, nomeadamente o documento junto como n.º4, que corresponde a uma carta registada com aviso de recepção, datada de 11/11/2019, com registo postal de 06/11/2019, cujo comunicaria ao Recorrente BB a oposição à renovação do contrato de arrendamento, com efeitos a partir de 31/12/2020, que o Recorrente desconhece na integra tal missiva, nunca lhe tendo sido entregue, tendo, inclusive se deslocado a um posto dos ctt, para saber do destino e paradeiro da referida carta e deram-lhe documento que se juntou na contestação como Doc.1, cujo informa que o registo com código RH.........PT “o objeto não foi encontrado”, pelo que como a Recorrida terá um aviso de recepção assinado em 22/11/2019 por “EE”, que nada mais acresce como elementos identificativos, e o referido nome existirá centenas em Portugal!
IV. Pelo que jamais poder-se-á considerar válida a referida missiva de oposição à renovação do contrato de arrendamento existente entre as partes, sendo que o procedimento carece de pressupostos processuais e de fundamento legal, não tendo o Recorrente BB tomado conhecimento desta.
V. O aviso de recepção da carta enviada pela senhoria, que nem é encontrado pelos ctt, a opor-se à renovação, terá sido assinado por terceiro, não estando mandatado para receber citações ou notificações, ou para a vincular em qualquer acto ou contrato, por acção ou por omissão, pelo que não foram cumpridas as regras previstas nos artigos 9º e 10º do NRAU, que, no presente caso, em que a comunicação foi recebida por pessoa diferente do destinatário, o impunha que o senhorio enviasse nova carta registada com aviso de recepção depois de decorridos 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
VI. Destinando-se as comunicações em causa nos autos a servir de base à oposição à renovação do contrato de arrendamento, é pressuposto da validade e eficácia das comunicações do senhorio o envio de segunda carta para comunicação de não renovação do contrato de arrendamento, quando esta não é recebida por si.
VII. As comunicações entre as partes relativas à cessação do contrato de arrendamento vêm reguladas nos artigos 9º e 10º da Lei 6/2006 de 27/2, resultando dos mesmos que sendo recebida a carta registada com aviso de recepção por pessoa diferente do destinatário, destinando-se a comunicação a servir de base a procedimento especial de despejo e não estando convencionado domicílio, deverá, por força do nº3 do referido artigo 10º, ser enviada nova carta registada com aviso de recepção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta, caso em que, ainda que venha devolvida, a comunicação se considera recebida no 10º dia posterior ao envio e, só então, ocorre a oposição juridicamente válida à renovação do contrato de arrendamento.
VIII. A norma constante do nº3 do artigo 10º do NRAU encontra-se estabelecida a favor do inquilino e, sendo a Lei 6/2006 de 27/2 uma lei especial que prevê um regime específico de comunicações entre o senhorio e o inquilino, não tem cabimento legal o recurso às normas gerais de direito.
IX. Não pode, assim, aplicar-se o regime geral das citações das pessoas colectivas e sociedades previsto no nº3 do artigo 223º do CPC, que prevê a citação na pessoa de qualquer empregado que se encontre na respectiva sede.
X. Também não pode aplicar-se o regime do artigo 224 nº1 do CC, não podendo imputar-se ao Recorrente a culpa pela não recepção da carta, quando existe um regime específico no NRAU que, em benefício do arrendatário, acautela as situações em que a carta não é recebida pelo destinatário;
XI. Assim, ter-se-á que concluir que a carta, datada de 11/11/2019, enviada pela senhoria ao arrendatário, com a comunicação da oposição à renovação do contrato de arrendamento existente entre ambos, não foi recebida pelo arrendatário.
XII. Ao entender de forma diversa, o Magistrado “a quo” violou o disposto nos artigos 1101.º, c) do CC, na redação da lei n.º 13/2019, de 12/02 e do artigo 9.º, 1 e 2, da Lei n.º 6/2006, na redação dada pela Lei n.º 43/2017, de 14/06.
XIII. Na verdade, a carta de oposição à renovação do contrato de arrendamento, de 11/11/2019, não foi entregue ao Recorrente, em cumprimento do estatuído no n.º 2, do art.º 9, do NRAU, e não alegou o senhorio a efetiva comunicação nem que criou as condições, que cumpriu os deveres necessários ao preenchimento dos requisitos impostos para que a presunção de recebimento da comunicação pudesse funcionar, ónus seu, pois que de factos constitutivos do direito que invoca se trata.
XIV. Neste conspecto, requer-se a procedência das conclusões da presente apelação, por se verificar que a, enviada, declaração de denúncia sequer presumidamente pode ser considerada recebida, tem a decisão recorrida de ser revogada e, improcedendo a ação.
XV. E em consequência deverá ser julgado improcedente o pedido de reconhecimento da cessação do contrato de arrendamento celebrado em 04/11/2010, referente ao 1.º andar direito do prédio urbano sito na Azinhaga da Salgada, n.º..., Lisboa, atendendo que o Arrendatário, aqui R. BB, nunca recebeu missiva de oposição à renovação do contrato.
XVI. Também deverão improceder os restantes pedidos de entrega do locado, livre de pessoas e bens, pois o contrato de arrendamento deverá ser declarado válido.
XVII. Pelo que a sentença objecto de recurso, fez uma errada interpretação da prova constante no processo e na aplicação do direito, pelo que a carta recebida por terceiro não é eficaz, salvo melhor opinião.
XVIII. Assim deverão ser verificadas as excepções, e consequentemente deve ser revogada a douta sentença recorrida, como é de JUSTIÇA!
XIX. Daí impor-se considerar que a sentença objecto de recurso viola os seguintes normativos legais o artigo 1101.º, c) do CC, na redação da lei n.º 13/2019, de 12/02 e do artigo 9.º, 1 e 2, da lei n.º 6/2006, na redação dada pela Lei n.º 43/2017, de 14/06, os artigos 7º, 9º, 10º, 14º e 15º da Lei 6/2006 de 27/2, o artigo 223º nº3 do CPC e 224º do CC, e 33.º, 34º, n.º 1 e 3, 571.º, 576.º, 577.º e 579.º ambos do Código de Processo Civil, arts. 65.º n.º1 e 67.º n.º1, ambos da Constituição da República Portuguesa, e em consequência deverá ser declarada a absolvição da Recorrente da instância Cfr. artigos 576º, n.º 2 e 577º, alínea e) do Código de Processo Civil, disposições aplicáveis, como as demais citadas daquele compêndio normativo.
No termo da peça processual em referência defende-se que, na procedência do recurso, a sentença recorrida seja revogada e substituída por decisão que absolva dos réus dos pedidos.
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A Autora respondeu ao recurso a 28-05-2024, pugnando pela sua improcedência e apresentando as seguintes conclusões:
1.ª A comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento foi endereçada ao arrendatário, foi remetida para a morada do locado mediante carta registada com aviso de receção, a qual deu entrada nos serviços dos CTT, Loja Cidadão – Odivelas, em 06/11/2019, pelas 15:13:55 horas (registo com o nº RH454701651PT), e foi entregue em 11/11/2019 na morada do locado.
2.ª O aviso de receção é o documento que constitui a prova relevante da entrega na morada de destino e não poderá ser infirmado por um mero “print” de uma pesquisa efetuada no sítio dos CTT mais de 3 anos e meio após o envio da carta registada com aviso de receção em causa, bem se sabendo que a “pesquisa de objetos” junto dos CTT só fica disponível durante um curto período de tempo.
3.ª Resulta igualmente do referido aviso de receção que a comunicação em causa foi recebida em 11/11/2019, por terceira pessoa (“EE”), na morada do locado, resultando ainda daquela documentação a data da comunicação, a data em que foi objeto de registo postal, que a mesma foi endereçada ao R. BB, bem como o teor da declaração da A. constante da comunicação em referência.
4.ª Ao considerar provada a matéria constante do ponto 11 da fundamentação de facto, o Mma. Juiz a quo fez uma correta apreciação da prova documental e a sentença não merece censura.
5.ª Resulta da correspondência registada de fls. 10v e 11 e do respetivo comprovativo de entrega (aviso de receção de fls. 11v), que a ora Recorrida deu cumprimento a todos os formalismos prescritos nos nos 1 e 2 do artigo 9º Lei nº 6/2006, de 27 de fevereiro (doravante NRAU), ou seja, remeteu ao arrendatário, para o local arrendado, escrito assinado por quem a vincula comunicando-lhe a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento.
6.ª Pese embora a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento tenha sido recebida por terceiro, a verdade é que tal comunicação, enviada nos termos do artigo 9º do NRAU, sempre se terá de considerar realizada, em conformidade com o estabelecido no artigo 10º, nº 1, alínea b) do NRAU, tendo determinado a cessação do contrato de arrendamento no termo do período contratual em curso à data daquela comunicação de oposição à renovação.
7.ª À conclusão precedente não obsta o estabelecido nos nos 2, alínea b), e 3 do artigo 10º do NRAU, que prescrevem a obrigatoriedade do remetente enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta, quando estejam em causa cartas que integrem título que possa servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15º do NRAU.
8.ª Isto porque o que resulta do nº 2 do artigo 10º do NRAU é que, nas situações elencadas nas suas alíneas, designadamente na prevista na alínea b), e nos casos em que o aviso de receção referente à primeira carta tenha sido assinado por terceiro, o não envio da nova carta a que alude o nº 3 apenas impede a formação de título que possa servir de base ao procedimento especial de despejo previsto nos artigos 14.º-A e 15º do NRAU.
9.ª Não obstando, portanto, a que tal comunicação de oposição à renovação do contrato, enviada nos termos do artigo 9º do NRAU, se considere realizada, em conformidade com o estabelecido no artigo 10º, nº 1, alínea b) do NRAU, determinando a cessação do contrato de arrendamento no termo do período contratual respetivo, permitindo ao senhorio lançar mão dos meios processuais comuns (mas não assim do procedimento especial de despejo previsto no NRAU).
10.ª Tendo a Recorrida lançado mão dos meios processuais comuns e não do procedimento especial de despejo previsto no NRAU, deve entender-se que a comunicação enviada produziu efeitos na data da assinatura do aviso de receção, ainda que por pessoa diferente do destinatário, não estando dependente da remessa de uma nova carta registada com aviso de receção com comunicação idêntica à primeira, porquanto não se destina a mesma a servir de base a procedimento especial de despejo.
11.ª “O artigo 10º, nº 2, al. b) refere-se expressamente à comunicação que possa servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, devendo entender-se que a referida exigência formal não é suscetível de aplicação extensiva à oposição à renovação que serve de fundamento deduzido em ação declarativa destinada a conhecer da caducidade do contrato e à restituição do locado, como é a presente, dado que não se justifica especial proteção do arrendatário. A imposição daquela formalidade, destinada a uma maior garantia na receção da comunicação pelo arrendatário, não encontra na ação declarativa qualquer suporte, pois não se está perante mecanismo de simplificação (e aceleração) do regime de efetivação da cessação do contrato que, no PED, o legislador entendeu disciplinar de molde a estabelecer maior equilíbrio nos interesses das partes, com vista à proteção do arrendatário.” (cfr. Acórdão do TRL de 29/11/2022, proc. 25240/19.5T8LSB.L1-8, disponível em www.dgsi.pt).
12.ª Pelo exposto, terá de se concluir que a carta remetida pela Recorrida ao Recorrente, ainda que recebida por terceiro em 11/11/2019, produziu todos os seus efeitos e a sentença proferida não violou qualquer disposição legal, devendo ser integralmente confirmada.
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A 14-10-2024, foi proferido despacho a determinar a suspensão da instância com fundamento no óbito da ré DD e no art. 270º, n.º1, do CPC.
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Na sequência de requerimento junto pela Autora a 24-10-2024, onde declarou que desistia do pedido contra a ré falecida, pediu que se julgue a instância extinta quanto à mesma e se ordene o prosseguimento dos autos, a 11-11-2024 foi proferido despacho onde se determinou que o processo aguardasse pela decisão do incidente de habilitação dos sucessores da aludida ré, nos termos do disposto no art. 281º, n.º1, do CPC.
Foi interposto recurso da decisão proferida a 11-11-2024, que foi apreciado por esta Relação na decisão de 09-04-2025, no sentido da sua procedência, tendo-se aí se:
a. Revogado a decisão recorrida;
b. Homologado a desistência do pedido apresentada pela Autora;
c. Julgado a instância parcialmente extinta, relativamente ao pedido formulado contra a ré DD;
d. Declarado cessada a suspensão da restante instância e determinado que os autos prosseguissem os seus termos perante o Tribunal a quo.
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A 26-05-2025, o recurso interposto a 26-04-2025, pelos Réus, foi admitido, com subida nos autos e com efeito suspensivo, o que não foi alterado neste Tribunal.
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II.
1.
As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635º, n.º4, 636º e 639º, n.º1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (art. 608º, n.º2, parte final, ex vi do art. 663º, n.º2, parte final, ambos do CPC).
Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Tendo isto presente, no caso, atendendo às conclusões transcritas, a intervenção deste Tribunal de recurso é circunscrita às seguintes questões, considerando a sua dependência:
- Saber se a decisão impugnada incorre em erro de direito ao julgar procedente o pedido formulado pela Autora, por força do reconhecimento de que a comunicação mencionada no ponto 11 da matéria de facto provada constituiu oposição válida à renovação do contrato de arrendamento em referência no processo.
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2.
A factualidade dada como provada na sentença recorrida é a seguinte:
1. A Autora é dona e legítima proprietária do prédio urbano composto de loja e um andar, sito no Beato, na Azinhaga da Salgada,..., Freguesia do Beato, Concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 833, inscrito na matriz predial urbana da Freguesia de Marvila sob o artigo 1206, por o haver adquirido por permuta.
2. Aquando da aquisição do referido imóvel pela Autora, por escritura pública outorgada no dia 25-02-2019 no Cartório Notarial de Odivelas, levada a registo através da apresentação n.º 3502 de 20-03-2019, o 1º andar direito do n.º FFdo identificado prédio já se encontrava arrendado pelos anteriores proprietários ao 1º Réu.
3. Por documento particular datado de 04-11-2010, os anteriores proprietários do referido imóvel deram de arrendamento ao 1º Réu e este tomou de arrendamento o 1º andar direito do prédio em causa.
4. O contrato de arrendamento foi celebrado pelo prazo efectivo de 5 (cinco) anos, com início em 01-01-2011 e termo em 31-12-2015, renovando-se nas mesmas condições por períodos sucessivos de 1 (um) ano, salvo denúncia pelas partes.
5. Nos termos do disposto na cláusula 10ª, o locado destina-se exclusivamente a habitação do 1º Réu, não podendo este dar-lhe outro destino, salvo com autorização prévia por escrito da senhoria, não podendo também o Réu exercer ali qualquer tipo de indústria.
6. O valor da renda mensal acordada foi de € 200,00 (duzentos euros).
7. O valor da renda sofreu as actualizações legal e contratualmente previstas, tendo o valor actualizado da renda sido comunicado ao 1º Réu através de carta registada datada de 11/10/2018.
8. O valor da renda mensal para o ano civil de 2019 passou a ser de € 217,60 (duzentos e dezassete euros e sessenta cêntimos).
9. As rendas venciam-se no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que diziam respeito, devendo ser pagas na casa do senhorio ou no local e a quem o mesmo indicar.
10. Os 2º Réus constituíram-se fiadores e principais pagadores das obrigações contratualmente assumidas pelo 1º Réu, renunciando ao benefício da excussão prévia, assumindo solidariamente com o 1º Réu “a obrigação do fiel cumprimento de todas as cláusulas deste contrato, seus aditamentos legais e suas renovações até à efectiva restituição do local livre, devoluto e nas condições estipuladas” e declararam ainda que “a fiança que acabam de prestar subsistirá ainda que haja alteração da renda ou alterações ao contrato e mesmo depois de decorrido o prazo de cinco anos a que alude o n.º 2 do artigo 655º do Código Civil em vigor.”
11. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 11-11-2019, mas com registo postal de 06-11-2019, dirigida ao Réu BB e para a morada do locado, cujo aviso de recepção foi assinado em 11-11-2019 por “EE”, a Autora comunicou ao sobredito Réu a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, nos termos do disposto no artigo 1097º do Código Civil, comunicando-lhe ainda que o locado deveria ser entregue, livre e devoluto, até 31-12-2020.
12. Até ao presente o 1º Réu não entregou o locado.
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3.
Antes do conhecimento da questão enunciada, importa reter que, não obstante os Recorrentes, designadamente no ponto II das conclusões apresentadas no recurso, declararem a sua discordância com a sentença recorrida no segmento em que deu como provada a factualidade vertida no ponto 11, afere-se do teor das restantes conclusões que os mesmos não colocam em causa a ocorrência de tal factualidade, antes a reconhecem e defendem que a mesma não tem o efeito jurídico que lhe foi reconhecido na sentença, no sentido de importar a cessação do contrato de arrendamento em referência nos autos.
O objecto do presente recurso não versa, pois, sobre impugnação de matéria de facto (art. 640º do CPC), antes se reconduz à subsunção jurídica da factualidade dada como provada operada na sentença impugnada.
Ainda que se perfilhasse entendimento diverso, no sentido de os recorrentes apresentarem impugnação da decisão sobre a matéria de facto no segmento constante do ponto 11 do acervo provado, haveria que atentar em que os mesmos, nem em sede de alegações, nem em sede de conclusões, referem a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre tal matéria de facto, em claro desrespeito pelo disposto no art. 640º, n.º1, al. c), do CPC, sendo certo que a alegação da discordância sobre o sentido da decisão sobre o enunciado de facto não cumpre tal desiderato.
Assim, sempre a impugnação da matéria de facto haveria de ser rejeitada, por força do estatuído no art. 640º, n.º1, al. c), do CPC (nesse sentido, veja-se: Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª edição, 2022, Coimbra, Almedina, p. 201; Acórdãos do STJ de 25-03-2021, processo n.º 756/14.3TBPTM.L1.S1, de 16-11-2023, p. 505/22.2T8PNF.P1.S1, acessíveis em dgsi.pt).
Nessa perspectiva, importa referir que foi assumido na sentença impugnada que a situação dos autos está sujeita ao Novo Regime de Arrendamento Urbano aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27-02, de ora em diante denominado NRAU, por força do disposto no seu art.º 59º, n.º1.
Na mesma decisão, foi, igualmente, reconhecido que, por força do contrato de arrendamento, titulado por documento escrito, celebrado entre os réus e o anterior proprietário, o primeiro réu tomou de arrendamento, para sua habitação, o 1ª andar direito do prédio urbano situado na Azinhaga da Salgada, n.º..., Freguesia do Beato, Concelho de Lisboa, melhor identificado no ponto 1 da matéria de facto provada, com início em 01-01-2011 e termo a 31-12-2015, renovável por períodos sucessivos de um ano, salvo denúncia das partes, tendo o réu CC, além da ré falecida, assumido a posição de fiador e principal pagador das obrigações contratuais assumidas pelo réu inquilino, renunciando ao benefício da excussão prévia.
Está, ainda, considerado que a autora, porque adquiriu o locado após a celebração do contrato de arrendamento mencionado, assumiu a posição de senhorio dele emergente, o que se coaduna com o art. 1057º do Cód. Civil.
A matéria referida nos três parágrafos anteriores mostra-se pacífica nos autos, evidenciado as partes concordância com a mesma, não sendo objeto do presente recurso.
Na decisão impugnada, considerou-se que, com a comunicação realizada pela autora, dirigida ao primeiro réu, inquilino, remetida por carta registada com aviso de recepção, recebida por terceira pessoa, a que respeita o ponto 11 da matéria de facto provada, operou-se a caducidade do aludido contrato de arrendamento, com efeitos a partir de 01-07-2021.
Na aludida decisão refere-se, a propósito do mencionado no parágrafo anterior, o seguinte:
Por carta registada com aviso de receção, datada de 11/11/2019, mas com registo postal de 06/11/2019, dirigida ao Réu BB e para a morada do locado, cujo aviso de recepção foi assinado em 11/11/2019 por “EE”, a Autora comunicou ao sobredito Réu a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, nos termos do disposto no artigo 1097º do Código Civil, comunicando-lhe ainda que o locado deveria ser entregue, livre e devoluto, até 31/12/2020.
Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração (artigo 1096º, n.º 1 do Código Civil).
No caso é incontroverso que as partes outorgantes estipularam que o contrato de arrendamento se renovaria nas mesmas condições por períodos sucessivos de 1 (um) ano, salvo denúncia pelas partes.
E que à data da comunicação da oposição à renovação já havia decorrido o prazo de duração inicial do contrato (de cinco anos) e já tinham ocorrido várias renovações de um ano.
Prescreve o artigo 1096º, n.º 3 do Código Civil que qualquer das partes pode opor-se à renovação, nos termos dos artigos seguintes.
Por seu turno, dispõe o artigo 1097º do Código Civil:
1 - O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:
a) 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis anos;
b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
c) 60 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a seis meses e inferior a um ano;
d) Um terço do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação, tratando-se de prazo inferior a seis meses.
2 - A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.
3 - A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
4 - Excetua-se do número anterior a necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 1102.º e nos n.os 1, 5 e 9 do artigo 1103.º.
Resulta assente que por carta registada com aviso de receção, datada de 11/11/2019, mas com registo postal de 06/11/2019, dirigida ao Réu BB e para a morada do locado, cujo aviso de recepção foi assinado em 11/11/2019 por “EE”, a Autora comunicou ao sobredito Réu a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, nos termos do disposto no artigo 1097º do Código Civil, comunicando-lhe ainda que o locado deveria ser entregue, livre e devoluto, até 31/12/2020.
A comunicação em causa foi enviada com observância da forma exigida (artigo 9º, n.º 1 do NRAU), com a antecedência legal (de um ano) imposta pelo contrato, e o respectivo aviso de recepção foi assinado por pessoa diferente do destinatário (como se mostra autorizado pelo artigo 10º, n.º 1, b) do NRAU).
Refere o 1º Réu desconhecer a comunicação de oposição à renovação junta aos autos pela Autora, que foi recebida por pessoa diferente do destinatário, e defende que se impunha que a senhoria enviasse nova carta registada com aviso de recepção depois de decorridos 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
Porém, não lhe assiste razão.
É expresso o n.º 2 do artigo 10º do NRAU ao prescrever que o disposto no número anterior não se aplica às cartas que:
a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e atualização da renda, nos termos dos artigos 30.º e 50.º;
b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14.º-A e 15.º, respetivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do n.º 7 do artigo anterior.
c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.
Sendo que (apenas) nas situações expressamente previstas no número anterior, o remetente deve enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta (artigo 10º, n.º 3 do NRAU).
Flui do exposto que apenas nas situações previstas nas três alíneas do n.º 2 da norma o senhorio deve remeter uma segunda carta registada, com A.R., com idêntica comunicação à primeira, a qual deve ser expedida entre os 30 a 60 dias a contar da data do envio da primeira carta.
Diferentemente, no caso da comunicação dos autos esta considera-se realizada quando o aviso de recepção foi assinado por pessoa diferente do destinatário, não havendo lugar ao envio de segunda carta.
Com efeito, nos termos do artigo 10º, n.º 1, alínea b do NRAU considera-se que a carta a comunicar a intenção de oposição à renovação do contrato se considera recebida ainda que o aviso de recepção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário.
Apenas as cartas (ao que ora interessa) que integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo (o que não é o caso), determinam que a comunicação prevista no n.º 1 da norma não se considere realizada com a assinatura do aviso de recepção por pessoa diferente do destinatário, impondo ainda o envio de uma segunda carta registada, com A.R.
Na hipótese sub judice a Autora intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, não recorreu ao procedimento especial de despejo.
Pelo que, é manifesto que não há lugar ao envio de segunda carta.
Resta, pois, concluir que a carta enviada pela Autora, dirigida ao 1º Réu, para a morada do locado e assinada por terceira pessoa, preenche os requisitos legais de oposição válida à renovação do contrato.”
Os recorrentes discordam do entendimento perfilhado na sentença recorrida, defendendo que a comunicação referida no ponto 11 do acervo factual provado não constitui oposição válida à renovação do contrato do arrendamento, uma vez que não respeita o estatuído no art. 10º, n.º3, do NRAU.
Alegam os Recorrentes que, atento o preceito mencionado, face à recepção da aludida comunicação por pessoa distinta do destinatário, o réu inquilino, a autora deveria ter enviado nova carta registada com aviso de recepção decorridos que fossem 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta, caso em que, ainda que viesse a ser devolvida, a comunicação se consideraria recebida no 10º dia posterior ao envio e, só então, ocorreria a oposição juridicamente válida à renovação do contrato de arrendamento em referência nos autos.
Importa reter que, como referido na sentença impugnada, por força do disposto no art. 1096º, n.º1, do Cód. Civil, o contrato de arrendamento em referência nos autos, porque celebrado com prazo certo, se renova automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, de um ano, salvo denúncia das partes, a operar nos termos do art. 1096º, n.º3, do mesmo código.
Por força do disposto no art. 1097º, n.º1, do mesmo código, a autora, titular da posição de senhoria, pode impedir a renovação automática do contrato mencionado mediante comunicação ao réu inquilino.
Estando em causa uma comunicação legalmente exigível entre as partes relativa à cessação do contrato de arrendamento, a referida no art. 1097º, n.º1, do Cód. Civil, deve ser realizada por escrito assinado pelo declarante, neste caso, a autora, e remetida ao destinatário, o réu inquilino, por carta registada com aviso de recepção, por força do disposto no art. 9º, n.º1, do RAU.
Na falta de indicação por escrito do destinatário em contrário, a carta que titula a comunicação mencionada deve ser remetida para a morada do locado sempre que exista contrato escrito, como se verifica no caso em apreço, por força do estatuído no número 2 do art. 9º do RAU, sem prejuízo da situação prevista no número 6 do mesmo artigo, que não releva para a economia da presente decisão.
Por força do estatuído no art. 10º, n.º1, al. b), do NRAU, a comunicação de impedimento da renovação automática do contrato de arrendamento realizada nos termos acima referidos considera-se realizada ainda que o aviso de recepção tenha sido assinado por pessoa diversa do destinatário, ou seja, o réu inquilino, como sucedeu no caso dos autos.
Ao invés do defendido pelos Recorrentes, a norma constante do art. 10º, n.º2, al. b), do NRAU, não se mostra aplicável ao caso dos autos.
Tal norma obsta a que se considere realizada a comunicação mencionada nas situações em que a mesma integre título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possa servir de fundamento ao procedimento especial de despejo, nos termos dos arts. 14º-A e 15º do NRAU, sendo esse o seu âmbito de previsão, sem prejuízo de outras situações que não se mostram relevantes para a economia da presente decisão.
Nas situações referidas, o senhorio deve enviar nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta e se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do n.º 1 e da alínea c) do n.º 2, considera-se a comunicação recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio, por força do disposto nos números 3 e 4 do aludido art. 10º do NRAU.
A norma mencionada tem por finalidade conferir maior garantia na recepção da comunicação pelo arrendatário, perante a utilização, pelo senhorio, de um mecanismo de simplificação e aceleração do regime de efectivação da cessação do contrato de arrendamento, previsto nos arts. 14º-A e 15º do NRAU, promovendo o equilíbrio entre os interesses das partes, com maior protecção do arrendatário, como se refere no acórdão desta Relação de 29-11-2022, processo n.º 25240/19.5T8LSB.L1-8, e no acórdão do TRG de 31-01-2019, processo n.º 103/18.5T8AMR.G1, ambos referidos pela Recorrida (na resposta à matéria alegada na contestação e nas alegações do recurso) e acessíveis em dgsi.pt.
No caso dos autos, como se salienta na sentença impugnada, não se verifica nenhuma das situações previstas no art. 10º, n.º2, al. b), do NRAU, posto que a autora não deitou mão das faculdades processuais consagradas nos arts. 14º-A e 15º do mesmo regime, tendo interposto a presente acção, com a forma de processo comum.
Na esteira do referido no primeiro acórdão mencionado, entende-se que a norma contida no art. 10º, n.º2, al. b), do NRAU, não é suscetível de aplicação extensiva à oposição à renovação que serve de fundamento a acção com a forma de processo comum, como a presente, destinada a conhecer da caducidade do contrato e à restituição do locado, posto que não se justifica a especial proteção do arrendatário que a mesma visa conferir.
Não sendo a norma consagrada no referido art. 10º, n.º2, al. b), do NRAU, aplicável aos presentes autos, entende-se inexistir obstáculo a que a comunicação realizada pela autora referida no ponto 11 da matéria de facto provada tenha impedido a renovação automática do contrato de arrendamento em referência nos autos, operando o termo da sua vigência a 01-07-2021, por força do disposto no art. 8º da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, na versão resultante da Lei n.º 75-A/2020, de 30-12, como assumido na sentença impugnada.
Por via do referido, também se entende, em concordância com a sentença recorrida, que, face à cessação, no dia 01-07-2021, do contrato de arrendamento em referência nos autos, o réu inquilino ficou obrigado, desde essa data, a restituir o locado, livre de pessoas e bens, à autora, senhoria, atento o disposto no art. 1038º, al. i), do Cód. Civil.
Está demonstrado nos autos que o locado não foi entregue à autora, como se afere do ponto 12 do acervo provado.
Não tendo cumprido a prestação de entrega do locado no tempo devido, ou seja, em 01-07-2021, presumindo-se a sua culpa em tal, atento o disposto no art. 799º do Cód. Civil, o réu inquilino constituiu-se em mora, por força do estatuído nos arts. 804º, n.º2, e 805º, n.º2, al. a), do mesmo código.
Em consequência do art. 1045º, n.º 1 e 2, do Cód. Civil, está o réu inquilino obrigado a pagar à autora, senhoria, a título de indemnização, até ao momento da entrega do locado, livre e devoluto, valor correspondente ao do dobro das rendas, correspondente a € 435,10, tal como referido na sentença impugnada.
O réu CC, que assumiu a posição de fiador e principal pagador das obrigações contratuais assumidas pelo réu inquilino, renunciando ao benefício da exclusão prévia, está obrigado, em regime de solidariedade com o réu inquilino, a pagar à autora os valores que sejam por este devidos nos termos acima referidos, por força do disposto nos arts. 627º, n.º1e 2, 634º, 640º, al. a), do Cód. Civil, em sintonia com o decidido na sentença impugnada.
Resta referir que a alegação de que a decisão recorrida é violadora dos arts. 65.º n.º1 e 67.º n.º1, da CRP (conclusão XIX), assenta num equívoco: as decisões judiciais não são inconstitucionais; as normas legais nelas aplicadas é que o podem ser. E, no caso, não foi minimamente concretizado em que termos as normas legais convocadas para a decisão da questão infringem normas e princípios constitucionais, nem estes foram identificados com o mínimo rigor (apenas mediante a referência genérica a artigos da CRP), o que sempre obstaria a que este Tribunal pudesse formular o seu juízo.
Conclui-se, face ao referido, pela resposta negativa à questão cima enunciada.
A decisão impugnada deve ser mantida, mostrando-se o recurso improcedente.
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4.
Os recorrentes deverão suportar as custas do recurso, face à sua improcedência (art. 527º, n.º1, do CPC).
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III.
Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o Colectivo desta 2ª Secção em julgar o recurso improcedente e, em consequência, mantêm a sentença recorrida.
Custas do recurso pelos recorrentes.
Notifique.
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Lisboa, 10 de Julho de 2025.
Os Juízes Desembargadores,
Fernando Caetano Besteiro
Higina Castelo
António Moreira