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CONTRATO DE SEGURO
PLURALIDADE DE SEGUROS
PARTES NO CONTRATO DE SEGURO
Sumário
I. Quando um dado risco, relativo a certo interesse e a determinado período, esteja coberto por vários seguradores em distintos contratos de seguro, estamos perante uma situação de pluralidade de seguros, prevista e regulada no art. 133.º da LCS. II. Verificando-se pluralidade de seguros, o sinistro verificado é indemnizado por qualquer dos seguradores, à escolha do segurado, dentro dos limites da respetiva obrigação e, salvo convenção em contrário, os seguradores envolvidos no ressarcimento do dano coberto respondem entre si na proporção da quantia que cada um teria de pagar se existisse um único contrato de seguro com vários seguradores. III. As partes num contrato de seguro são o segurador e o tomador do seguro. Quem, num dado contrato de seguro, não seja tomador nem segurador é terceiro; os segurados que não sejam simultaneamente tomadores são terceiros. IV. Num dos contratos de seguro em causa nos autos, celebrado entre a seguradora A. e a tomadora B., esta última é simultaneamente segurada, sendo, portanto, é tomadora-segurada; nesse mesmo contrato, os subempreiteiros da obra dele objeto são também segurados, terceiros segurados. O referido seguro é, portanto, também um seguro por conta de outrem, no qual há cossegurados distintos da pessoa do tomador.
Texto Integral
Acordam os abaixo identificados juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
LUSITANIA – Companhia de Seguros, S.A., intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra
FIDELIDADE – Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 49.250,00, acrescida dos juros de mora vincendos, calculados dia a dia, à taxa comercial, desde a data da interposição da desta ação até efetivo e integral pagamento.
Para tanto e em síntese, alegou que:
- No exercício da sua atividade, celebrou com AA, S.A. contrato de seguro do ramo Obras e Montagens, nos termos do qual segurou a cobertura, entre outros, os danos materiais, a responsabilidade civil extracontratual, os riscos greves, assaltos, tumultos e alterações de ordem pública, cabos, tubagens e demais instalações subterrâneas e estruturas existentes, edifícios e terrenos vizinhos, entre outros, da empreitada de construção nova Hotel LS Areeiro – Fase 1;
- Em 7 de janeiro de 2020, o consórcio formado pela Tomadora do Seguro, AA, S.A., e as sociedades Electrofer Engenharia e Construção, S.A. e Survaloros Group, Lda. celebrou com a Teixeira Duarte — Engenharia e Construções, S.A. um contrato de subempreitada de contenção periférica do Hotel LS Areeiro;
- Em 26 de Maio de 2020, ocorreu uma rutura de uma conduta enterrada de saneamento de águas residuais, aquando da execução das pregagens das ancoragens do muro de contenção;
- Tal sinistro foi participado à autora, tendo esta apurado que, no cumprimento das obrigações assumidas pela Teixeira Duarte — Engenharia e Construções, S.A., esta procedeu à elaboração do estudo prévio e projeto de execução da escavação e contenção periférica (a ancoragem é um elemento estrutural instalado em solo ou rocha, que permite transmitir a uma zona interna de terreno uma carga de tração aplicada);
- Para a execução das ancoragens é necessário efetuar a perfuração no angulo pré-definido e de acordo com os requisitos do solo, devendo o primeiro nível das ancoragens ser efetuado a 1,5 metros abaixo da cota do passeio, de modo a evitar tubagens, elétricas e outras, que existem nos passeios, tendo tal sido respeitado aquando da execução dos trabalhos;
- Por seu turno, a inclinação das ancoragens é, normalmente e segundo as boas práticas de construção, de 30°, com um intervalo para ajustes de inclinação de 5°.
- No levantamento da rede enterrada de saneamento, tendo-se verificado que, com uma inclinação de 30°, a intersecção da conduta enterrada era uma ocorrência provável, a segurada da autora solicitou à "Teixeira Duarte" que ajustasse a inclinação das ancoragens do nível superior, de modo a evitar esse risco, pelo que o projeto foi alterado pela Teixeira Duarte em conformidade, designadamente prevendo uma inclinação de 40°;
- Após, procedeu-se à limpeza do furo para se preencher com calda de cimento, colocando-se em seguida a armadura, injetando-se calda de cimento de forma a criar o bolbo de selagem, e entre um a sete dias depois, a ancoragem foi pré-esforçada com apoio de macacos hidráulicos e a cabeça foi colocada;
- Foi na fase de furação que a broca, ao sofrer um desvio por embate numa rocha ou outro elemento, intersectou o coletor, danificando o mesmo;
- A furação, como de resto todos os trabalhos associados à ancoragem, foi realizada pela Teixeira Duarte — Engenharia e Construções, S.A.;
- A aludida rutura deu causa a que cimento jorrasse para o interior do coletor doméstico da Rua Castilho, o que originou o entupimento parcial do coletor, com entupimentos nos edifícios a montante do local da rotura, resultante em inundações em, pelo menos, uma cave de um edifício;
- Os serviços necessários para a reparação dos prejuízos importavam no valor global de €112.284,84, designadamente: aquisição de bomba submersível - € 77,87, mangueira, acessórios e consumíveis - € 285,00, mão de obra para os trabalhos de trasfega água - € 4.320,00, reparação de pavimento betuminoso junto caixa de visita - 1.000,00, inspeções vídeo e desobstrução - €1.845,00, custos de organização, coordenação, planeamento, financeiros e administrativos - € 2.669,75, demolições - C 31.142,02, rede pluvial — € 10.260,00, rede residual - € 9.405,00, caixas de visita - €15.000,00, reposição de pavimento — C 18.430,20, e estaleiro - €17.750,00;
- Após negociação, a entidade reparadora, Armando Cunha e Survaloros, ACE, aceitou o valor global de €106.000,00 como o necessário para a reparação de todos os prejuízos causados pelo evento;
- Nessa sequência, a Autora, por conta das garantias do contrato de seguro, pagou a Armando Cunha e Survaloros, ACE a quantia de € 98.500,00, referente aos prejuízos sofridos, deduzido da franquia aplicável;
- Com esse pagamento, a autora ficou sub-rogada, até à concorrência da quantia indemnizada, em todos os direitos do tomador de seguro;
- No decurso da averiguação, verificou-se que a Teixeira Duarte — Engenharia e Construções, S.A. era titular, à data, de contrato de seguro de responsabilidade civil, razão pela qual assiste à autora o direito ao reembolso das quantias por si despendidas, na proporção de 50%.
Contestando, a ré excecionou a prescrição, pelo decurso de três anos sobre o facto danoso, ao abrigo do disposto no art. 498.º, n.º 1, do CC, aplicável à responsabilidade civil extracontratual; para o caso de assim não se entender, invocou, ainda e entre outros argumentos, que a situação estaria abrangida por uma causa de exclusão prevista no contrato de seguro que celebrou com a Teixeira Duarte.
Pugnou pela improcedência da ação com a sua consequente absolvição do pedido.
No despacho saneador, a exceção de prescrição foi julgada improcedente.
Procedeu-se a audiência final, após a qual foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, com a consequente absolvição da ré do pedido. A autora não se conforma e recorre, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma:
«i. O presente recurso vem interposto pelo facto da Recorrente não concordar com o teor da sentença do Tribunal a quo na parte em que decide pela absolvição da Ré por entender que, à luz do instituto da pluralidade de seguros, analisando a cláusula de exclusão constante na apólice de seguro celebrada entre a Ré e “Teixeira Duarte – Engenharia e Construções, S.A.”, a primeira se exime de qualquer responsabilidade quando tenha sido celebrado um contrato de seguro (CAR/EAR) que inclua a cobertura da responsabilidade civil para uma determinada obra específica, subscrito pela “Teixeira Duarte” no qual esta figura como entidade segura;
ii. Entende a Recorrente, com o devido respeito, que não foi feita uma correta e atenta análise das apólices em causa e consequente aplicação do regime da pluralidade de seguros, previsto nos termos do artigo 133.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro;
iii. O presente recurso vem interposto da parte da sentença que decidiu que “Entende o Tribunal que não chega a ser necessário analisar a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil na medida em que a “Teixeira Duarte, SA.” não configura como terceiro para efeitos da apólice de seguro celebrado com a Autora. Com efeito, como resultou provado, foi celebrado entre a AA, S.A. e a Teixeira Duarte um contrato de subempreitada e, da cláusula 1.3 da apólice da Autora resulta que os subempreiteiros são considerados, para os devidos efeitos, segurados”,
iv. Bem como “analisada a questão à luz do instituto da pluralidade de seguros, importa atender na cláusula de exclusão constante na apólice de seguro celebrada entre a Ré a Teixeira Duarte, na qual aquela se exime de qualquer responsabilidade quando tenha sido celebrado um contrato de seguro (CAR/EAR) que inclua a cobertura de Responsabilidade Civil para uma determinada obra específica, subscrito pela Teixeira Duarte no qual esta figure como entidade Segura, o que ocorre concretamente”, pelo que “Face ao exposto, terá de improceder a pretensão da Autora”;
v. A decisão encontra-se descontextualizada e aplica o direito de forma errónea, devendo, por essa razão, ser revogada e substituída por outra que condene a Ré no pedido de pagamento das quantias peticionadas pela Recorrente;
vi. Considera a Recorrente, com o devido respeito, que não foi feita uma correta e exímia análise das apólices de seguro em causa, à luz do instituto da pluralidade de seguros;
vii. O Tribunal a quo deu como provado, entre outros, o que consta nos pontos 27, 28 e 29 dos factos relevantes provados, para cujo teor, por brevidade e economia processual se remete;
viii. A Recorrente entende que, analisando as duas apólices, o Tribunal a quo concluiu pela exclusão da aplicação do contrato de seguro celebrado com a Recorrida com base numa premissa errada;
ix. Ao abrigo do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 34.06.00.9129983, a Recorrente assegurou a cobertura, entre outros, dos danos materiais e a responsabilidade civil extracontratual, da empreitada de construção nova – Hotel LA Areeiro – Fase 1: Escavação, Contenção Periférica, Fundações e Estrutura;
x. O aludido contrato de seguro foi celebrado com AA, S.A.”, na qualidade de Tomadora de Seguro, constando como Segurados não só o Consórcio formado por AA, S.A.”, “Electrofer Engenharia e Construções, S.A.” e “SurValoros Group, Lda.”, mas, também, a sociedade “SJLS – Investimentos Imobiliários e Hoteleiros, S.A”, e todos os subempreiteiros, fornecedores, montadores e/ou tarefeiros – onde se inclui a sociedade “Teixeira Duarte - Engenharia e Construções, S.A”;
xi. Sociedade essa que, à data, era titular de um contrato de seguro de responsabilidade civil, titulado pela apólice RC30032260, celebrado com a aqui Recorrida (cfr. ponto 25 dos factos provados);
xii. Atente-se, por isso, no conteúdo das condições particulares da dita apólice, nomeadamente no seu artigo 3.º, alínea a), do documento n.º 2 junto com a contestação, página 6, cujo conteúdo foi acima transcrito e se remete;
xiii. O “Tomador do Seguro” é aquele que contrata o seguro e que, em consequência, deverá cumprir as obrigações resultantes do contrato;
xiv. O “Segurado” é o titular dos direitos emergentes do contrato, isto é, a pessoa, singular ou coletiva, sobre a qual é feito o contrato de seguro;
xv. Os conceitos de “Tomador do Seguro” e “Segurado” não podem ser confundidos, devendo ser utilizados e entendidos de modo uniforme e adequado aos diferentes problemas jurídicos da relação contratual de seguro;
xvi. O Regime do Contrato de Seguro veio cumprir uma função de estabilização terminológica que não poderá ser descurada e ignorada pelo Tribunal a quo;
xvii. De acordo com as condições particulares do contrato do ramo obras e montagens, celebrado com a aqui Recorrente, titulado pela apólice n.º ..., é Tomadora do Seguro, apenas, a sociedade AA, S.A.”;
xviii. A sociedade “Teixeira Duarte – Engenharia e Construções, S.A.” é apenas Segurada no âmbito da referida apólice, e não tomadora ou subscritora do seguro como parece fazer crer o Tribunal a quo;
xix. Motivo pelo qual a cláusula de exclusão em que o Tribunal se baseou, constante no Contrato de Seguro celebrado entre a “Teixeira Duarte – Engenharia e Construções, S.A.” e a Recorrida, não pode ser alvo de qualquer valoração;
xx. Entende a Recorrente que o douto Tribunal a quo não procedeu a uma correta análise das apólices em causa, parecendo descurar a letra da cláusula de exclusão e, consequentemente, confundindo os mais básicos conceitos da Lei do Contrato de Seguro;
xxi. Resultando provado que entre a Recorrida e a “Teixeira Duarte - Engenharia e Construções, S.A.” vigorava, à data dos factos, o contrato de seguro titulado pela apólice RC 30032260 (cfr. ponto 25 dos factos relevantes provados), é insofismável a existência de pluralidade de seguros relativa a um mesmo risco e interesse,
xxii. Assistindo, consequentemente, à Recorrente o direito ao reembolso de metade do valor por si despendido na regularização do sinistro, correspondente à proporção da quantia que cada um teria de pagar se existisse um único contrato de seguro;
xxiii. Tal como dita a sentença, a sub-rogação, no âmbito do contrato de seguro, funda-se no disposto no artigo 136.º da Lei do Contrato de Seguro;
xxiv. A Recorrente entende que é indiscutível a responsabilidade da “Teixeira Duarte - Engenharia e Construções, S.A.” no sinistro em apreço no autos;
xxv. Para fundamentar o seu pedido de reembolso de metade das quantias por si peticionadas, a ora Recorrente alegou os factos vertidos na Petição Inicial, para cujo teor se remete, por brevidade e economia processual, e efetuou o enquadramento jurídico do seu direito;
xxvi. E se assim não se entender, o que não se concebe e apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona, sempre se dirá que nos termos do artigo 13.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, o regime da pluralidade de seguros apenas poderá ser afastado quando estabelecido um regime mais favorável ao tomador do seguro, ao segurado ou ao beneficiário da prestação de seguro;
xxvii. A Recorrente considera que na análise das apólices, vários “pormenores” foram desvalorizados ou, até mesmo, não ponderados pelo Tribunal, tendo sido negligenciado o conteúdo do artigo 1.º e 48.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, bem como do artigo 133.º do mesmo diploma legal;
xxviii. As conclusões vertidas na sentença, ora colocadas em crise, encontram-se em manifesta contradição com o teor dos contratos de seguro;
xxix. Nesta conformidade, tendo em consideração os fundamentos aduzidos para o presente recurso e que não foram devidamente apreciados pela Meritíssima Juiz a quo, bem como o teor da decisão colocada em crise, deve a mesma, na parte em que julga improcedente a ação, absolvendo a Ré do pedido, ser revogada e, em consequência, substituída por outra que conclua pela condenação da Ré no pagamento à Autora da quantia de € 49.250,00, acrescida dos juros de mora vincendos, calculados dia a dia, à taxa comercial, desde a data de interposição da ação até efetivo e integral pagamento.
Termos em que o presente recurso deve merecer provimento.
Assim se fará, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA!» A ré contra-alegou, concluindo:
«A. Sustenta a Recorrente que, uma vez que a Teixeira Duarte Engenharia e Construções S.A não figura como tomadora do contrato de seguro CAR/AllRisks, mas apenas como segurada, a exclusão da cobertura do contrato invocada pela Recorrida não deveria ter sido valorada,
B. Contudo, desde logo, não tendo sido oportunamente suscitada qualquer oposição quanto à interpretação do contrato de seguro da Recorrida, não poderá nesta fase processual ser admissível a sua discussão, cuja apreciação está por isso vedada a este Venerando Tribunal, pois os recursos visam modificar decisões e não criar decisões sobre matéria nova, devendo por isso entender-se precludido o seu direito de defesa. Em todo o caso, vejamos o seguinte,
C. Na interpretação do clausulado dos contratos de seguro, para além das regras gerais aplicáveis à interpretação das cláusulas deve atender-se em especial ao elemento sistemático do contrato,
D. Assim sendo, deve atender-se ao disposto na alínea c) do ponto 3 (pág.6) do respetivo contrato de seguro que dispõe: “O Segurado obriga-se no prazo máximo de trinta dias a contar da celebração do dito seguro referente a uma obra específica, ou da data do seu conhecimento (sublinhado nosso), a comunicar esse facto ao Segurador, renunciando aos direitos emergente da presente Apólice. A falta desta comunicação não prejudicará a aplicação da exclusão de cobertura desde que se verifiquem os factos que a determinam”.
E. Naturalmente que, a Teixeira Duarte, S.A só teria conhecimento da celebração de um contrato se ela própria não fosse outorgante, mas quando somente figurasse como segurada e fosse alheia à celebração do contrato. Caso contrário a adição “ou a data do seu conhecimento”, era perfeitamente inútil.
F. Ao invés, o declaratário sentiu necessidade de prever a exclusão da cobertura do contrato em duas situações distintas, uma delas quando a Teixeira Duarte, S.A configurasse apenas como segurada, o que precisamente ocorre. Ainda que assim não fosse, no que não se concebe,
G. A responsabilidade da Recorrida sempre se cingiria ao risco por esta assumido no contrato de seguro celebrado com a Teixeira Duarte, S.A.,
H. Ora, a única forma que distinguir o risco assumido por cada uma da seguradora é o limite de capital do seguro.
I. Bem assim, tendo em conta que o limite de capital do contrato em que é seguradora a Recorrente é de €2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros), e em contrapartida o contrato em que é seguradora a ora Recorrida tem um limite de capital de €500.000,00 (quinhentos mil euros) pelo que nunca seria equitativa a divisão idêntica das responsabilidades.
J. Por tudo o exposto, não assiste qualquer razão à Recorrente não merecendo censura a douta sentença recorrida.»
A ré apresentou recurso subordinado, que não foi admitido, por falta de legitimidade (dado a ré ter saído totalmente vencedora, e não vencida, ainda que em parte – cf. art. 633.º do CPC), nem pôde ser aproveitado como ampliação do objeto do recurso por extemporaneidade (foi apresentado depois de decorrido o prazo das contra-alegações – v. art. 636.º do CPC).
Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito. Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as questões de saber:
a. Se a Teixeira Duarte, segurada da ré e tomadora do seguro que com ela celebrou, responde pelo sinistro;
b. Se, por força das condições da apólice do contrato de seguro celebrado entre a ré Fidelidade e a Teixeira Duarte, o sinistro dos autos se mostra excluído da cobertura desse contrato. II. Fundamentação de facto
A 1.ª instância considerou na sua decisão os seguintes factos (que a recorrente não discute):
1- A Autora é uma Sociedade que se dedica à atividade seguradora.
2- No exercício da sua atividade, a Autora celebrou com AA, S.A. o contrato de seguro, do ramo Obras e Montagens, titulado pela apólice n.º ..., nos termos do qual segurou a cobertura, entre outros, os danos materiais, a responsabilidade civil extra contratual, os riscos greves, assaltos, tumultos e alterações de ordem pública, cabos, tubagens e demais instalações subterrâneas e estruturas existentes, edifícios e terrenos vizinhos, entre outros, da empreitada de construção nova — Hotel LS Areeiro — Fase 1: Escavação, Contenção Periférica, Fundações e Estrutura, conforme condições particulares da identificada apólice, juntas aos autos como doc. 1 com a p.i., e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3- A empresa segura, AA, S.A. foi, entre outras, contratada pela SJLS Investimentos Imobiliários e Hoteleiros, S.A. para a construção de um Hotel, sito na Avenida Afonso Costa e Rua Jorge Castilho, em Lisboa.
4- A 7 de Janeiro de 2020, o consórcio formado pela Tomadora do Seguro, AA, S.A., e as sociedades Electrofer Engenharia e Construção, S.A. e Survaloros Group, Lda., celebrou com a Teixeira Duarte — Engenharia e Construções, S.A. um Contrato de Subempreitada de Contenção Periférica do Hotel LS Areeiro, na Avenida Afonso Costa, 16-18 e Rua Jorge Castilho, 26, 1900 Lisboa.
5- Foi contratada à Teixeira Duarte — Engenharia e Construções, S.A. a execução da contenção periférica, incluindo projeto de execução.
6- Em 26 de Maio de 2020 ocorreu uma rotura de uma conduta enterrada de saneamento de águas residuais, aquando da execução das pregagens das ancoragens do muro de contenção.
7- Tal sinistro foi participado à Autora ao abrigo da apólice em causa nos presentes autos.
8- Tendo a Autora encarregado a sociedade Modera Engenharia, Lda. de proceder à averiguação e avaliação dos prejuízos resultantes do mesmo.
9- Da averiguação realizada pela Modera Engenharia verificou-se que, no cumprimento das obrigações assumidas pela Teixeira Duarte — Engenharia e Construções, S.A., esta procedeu à elaboração do Estudo Prévio e Projeto de Execução da Escavação e Contenção Periférica.
10- A ancoragem é um elemento estrutural instalado em solo ou rocha, que permitir transmitir a uma zona interna de terreno uma carga de tração aplicada.
11- Para a execução das ancoragens é necessário efetuar a perfuração no angulo pré-definido e de acordo com os requisitos do solo.
12- Sucede que, de acordo com as boas práticas de construção neste tipo de estruturas, o primeiro nível das ancoragens deverá ser 1,5 metros abaixo da cota do passeio, de modo a evitar tubagens, elétricas e outras, que existem nos passeios.
13- O que, segundo apuraram os serviços da Modera Engenharia, foi respeitado aquando da execução dos trabalhos.
14- Por seu turno, a inclinação das ancoragens é, normalmente e segundo as boas práticas de construção, de 300, com um intervalo para ajustes de inclinação de 50.
15- Atento o levantamento da rede enterrada de saneamento, e tendo-se verificado que, com uma inclinação de 300, a intersecção da conduta enterrada era uma ocorrência provável, a segurada da Autora solicitou à Teixeira Duarte que ajustasse a inclinação das ancoragens do nível superior, de modo a evitar esse risco.
16- Pelo que foi, assim, o projeto alterado pela Teixeira Duarte em conformidade, designadamente prevendo uma inclinação de 400.
17- Após, procedeu-se à limpeza do furo para se preencher com calda de cimento, colocando-se em seguida a armadura e injetando-se calda de cimento de forma a criar o bolbo de selagem.
18- Entre um a sete dias depois, a ancoragem é pré-esforçada com apoio de macacos hidráulicos a cabeça é colocada.
19- Foi na fase de furação que a broca, ao sofrer um desvio por embate numa rocha ou outro elemento, intersectou o coletor, danificando o mesmo.
20- A fase de furação, como de resto todos os trabalhos associados à ancoragem, foi realizada pela Teixeira Duarte — Engenharia e Construções, S.A.
21- A aludida rotura deu causa a que cimento jorrasse para o interior do coletor doméstico da Rua Jorge Castilho, o que originou o entupimento parcial do coletor, com entupimentos nos edifícios a montante do local da rotura, resultante em inundações em, pelo menos, uma cave de um edifício.
22- A empresa responsável pela averiguação das circunstâncias da ocorrência do evento, e, bem assim, pela regulação dos prejuízos procedeu à análise do local e determinou os serviços necessários para a reparação e do custo dos mesmos, no valor global de € 112.284,84, designadamente:
a) aquisição de bomba submersível - € 77,87;
b) mangueira, acessórios e consumíveis - € 285,00;
c) mão de obra para os trabalhos de trasfega água - € 4.320,00;
d) reparação de pavimento betuminoso junto caixa de visita - € 1.000,00;
e) inspeções vídeo e desobstrução - € 1.845,00;
f) custos de organização, coordenação, planeamento, financeiros e administrativos - € 2.669,75;
g) demolições - € 31.142,02;
h) rede pluvial - € 10.260,00;
i) rede residual - € 9.405,00;
j) caixas de visita - € 15.000,00;
k) reposição de pavimento —€ 18.430,20, e
l) estaleiro - € 17.750,00.
23- Após negociação, a entidade reparadora, Armando Cunha e Survaloros, ACE aceitou o valor global de € 106.000,00 como o necessário para a reparação de todos os prejuízos causados pelo evento.
24- Nessa sequência, a Autora, por conta das garantias do contrato de seguro, pagou a Armando Cunha e Survaloros, ACE a quantia de € 98.500,00, referente aos prejuízos sofridos, deduzido da franquia aplicável, conforme consta do documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
25- Entre a Ré e a Teixeira Duarte Engenharia e Construções, S.A., vigorava à data dos factos titulado pela apólice RC 30032260.
26- Nos termos do art. 2.º e 3.º das condições gerais “O presente contrato de seguro garante a responsabilidade extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao Segurado, no exercício da atividade ou na qualidade expressamente referida nas condições especiais ou particulares da apólice.” “Garante até ao limite do valor seguro constante nas condições Particulares, o pagamento de indemnizações que sejam legalmente exigíveis ao Segurado por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais, causados a terceiros em consequência de atos ou omissões do Segurado, bem como dos seus empregados, assalariados ou mandatários, no exercício da atividade ou na qualidade expressamente referida nas Condições especiais ou particulares da apólice” .
27- Do texto das Condições Particulares doseguro de responsabilidade civil / exploração, apólice RC30032260, em que é seguradora a ré Fidelidade e tomadora do seguro e segurada a Teixeira Duarte Engenharia e Construções, S.A., consta do Artº 2.2 Doc. 2, pág. 5: «2. EXCLUSÕES Para além das exclusões constantes das Condições Gerais da Apólice que não forem contrariadas pelas presentes Condições Particulares ao Segurador não responde por: 2.2 Danos causados aos trabalhos propriamente ditos que o Tomador do Seguro execute no âmbito da sua atividade. Igualmente estão excluídos danos a bens e instalações contíguas aos ditos trabalhos propriedade do Dono da Obra onde execute trabalhos, quando o Segurado tiver subscrito para essa obra uma Apólice de Seguro de Obra que inclua o risco de responsabilidade civil a terceiros, e danos a bens existentes acima identificados.»
28- As mesmas condições particulares do mesmo contrato de seguro expressamente preveem a hipótese de SEGUNDO SEGURO, Artº 3 a), Doc. 2 pág. 6, caso em que “Fica desde já expressamente convencionado que o presente contrato de seguro não cobrirá os danos causados a terceiros, quando tenha sido celebrado um contrato de seguro (CAR/EAR) que inclua a cobertura de Responsabilidade Civil para uma determinada obra específica, subscrito pela Teixeira Duarte no qual esta figure como entidade Segura.”
29- Da Cláusula 1.3 das Condições Particulares do contrato de seguro do ramo “obras e montagens”, apólice 34.06.00 9129983, em que é seguradora a autora Lusitania e tomadora do seguro AA, S.A., consta que são segurados, entre outros ali especificados, “todos os subempreiteiros, fornecedores, montadores e/ou tarefeiros (…).”
*
Nesta Relação, introduzimos pequenos acrescentos ou retificações nos factos 2, 27, 28 e 29, tornando mais rigorosos os extratos das condições particulares das duas apólices em causa nos autos, para melhor identificar as relações contratuais a que se reportam e para uma melhor compreensão dos conteúdos das mesmas. As alterações introduzidas estão identificadas a itálico e negrito, tendo sido omitidas partes de frases provindas da sentença que, por força das retificações introduzidas, são supérfluas. III. Apreciação do mérito do recurso
Os factos não são objeto de disputa e conduzem necessariamente à procedência da ação.
Vejamo-los de forma mais ordenada e sistematizada: Contrato de empreitada geral entre AA, S.A., em consórcio com outras, e SJLS, S.A. (dona da obra) – facto 3
AA, S.A. (de ora em diante AA, S.A.), em consórcio com outras, foi contratada pela SJLS - Investimentos Imobiliários e Hoteleiros, S.A. (dona da obra) para construir um hotel na Avenida Afonso Costa e Rua Jorge Castilho, em Lisboa. Contrato de seguro entre AA, S.A. e Lusitania (autora nesta ação) – factos 2 e 29
AA, S.A. celebrou com a seguradora Lusitania (de ora em diante A.) um contrato de seguro do ramo “obras e montagens”, com a apólice 34.06.00 9129983, tendo por objeto (cl. 2. das condições particulares) a empreitada de construção nova — Hotel LS Areeiro — Fase 1: Escavação, Contenção Periférica, Fundações e Estrutura (de ora em diante designada por “obra X”), incluindo na cobertura (cl. 5. das condições particulares) “danos materiais” (incluindo deslizamento e aluimento de terras e danos por água) e “responsabilidade civil extracontratual”, garantindo o pagamento das indemnizações por prejuízos ou danos causados a terceiros diretamente relacionados com os trabalhos seguros, ocorridos no local da sua execução ou na vizinhança imediata.
No descrito contrato de seguro é seguradora a A. e tomadora AA, S.A., e são segurados, além do consórcio empreiteiro constituído por AA, S.A. e outras (cl. 1.1. das condições particulares), a SJLS, S.A., dona da obra (cl. 1.2. das condições particulares), e todos os subempreiteiros, fornecedores, montadores e/ou tarefeiros (cl. 1.3. das condições particulares), que participem na execução material da “obra X”. Contrato de subempreitada entre AA, S.A., consorciada com outras, e Teixeira Duarte – factos 4 e 5
Entre AA, S.A., consorciada com outras, e Teixeira Duarte, S.A. (de ora em diante Teixeira Duarte), foi celebrado um contrato de subempreitada, pelo qual a segunda se obrigou a realizar para a primeira a projeção e execução da contenção periférica que faz parte da “obra X” (de ora em diante “obra y”) – factos 4 e 5; Contrato de seguro entre Teixeira Duarte e Fidelidade (ré nesta ação) – factos 25 e 28
Entre a seguradora Fidelidade (de ora em diante R.) e a Teixeira Duarte foi celebrado um contrato de seguro titulado pela apólice RC 30032260, no qual a segunda é simultaneamente tomadora do seguro e segurada, destinado a cobrir a responsabilidade extracontratual imputável ao segurado, no exercício da atividade, garantindo o pagamento de indemnizações que sejam legalmente exigíveis ao segurado por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais, causados a terceiros em consequência de atos ou omissões do segurado, bem como dos seus empregados, assalariados ou mandatários, no exercício da atividade ou na qualidade expressamente referida nas Condições especiais ou particulares da apólice. Sinistro – factos 6 e 8 a 21
Em 26 de maio de 2020, ocorreu a rutura de uma conduta enterrada de saneamento de águas residuais, aquando da execução das pregagens das ancoragens do muro de contenção efetuadas pela Teixeira Duarte; foi no cumprimento das obrigações assumidas pela Teixeira Duarte, no âmbito da “obra y”, que esta, ao efetuar uma furação, a broca sofreu um desvio por embate numa rocha ou outro elemento, intersetou o coletor e danificou-o; a aludida rotura deu causa a que cimento jorrasse para o interior do coletor doméstico da Rua Jorge Castilho, o que originou o entupimento parcial do coletor, com entupimentos nos edifícios a montante do local da rutura, resultante em inundações em, pelo menos, uma cave de um edifício. Regularização do sinistro pela A. – factos 7 e 22 a 24
O sinistro foi participado à A. ao abrigo da apólice 34.06.00 9129983.
Os serviços necessários para a reparação e o custo dos mesmos importava no valor global de € 112.284,84.
Após negociação, a entidade reparadora aceitou o valor global de € 106.000,00 como o necessário para a reparação de todos os prejuízos causados pelo evento.
Nessa sequência, a Autora, por conta das garantias do contrato de seguro, pagou a Armando Cunha e Survaloros, ACE a quantia de € 98.500, referente aos prejuízos sofridos, deduzido da franquia aplicável.
Na sequência destes factos, a A. pede a condenação da R. a pagar-lhe € 49.250, que correspondem a metade do valor que despendeu na indemnização do sinistro.
Este pedido tem os seguintes fundamentos:
1.º Ao regularizar o sinistro, a A. ficou sub-rogada nos direitos da segurada contra o terceiro responsável pelo sinistro (art. 136.º da Lei do Contrato de Seguro – DL 72/2008, de 16 de abril, que estabelece o regime jurídico do contrato de seguro, alterado pelas Leis 147/2015, de 9 de setembro, 75/2021, de 18 de novembro, e 82/2023, de 29 de dezembro, de ora em diante LCS);
2.º Havendo dois contratos de seguro a cobrir o mesmo sinistro as seguradoras envolvidas no ressarcimento do dano coberto pelos contratos respondem entre si na proporção da quantia que cada uma teria de pagar se existisse um único contrato de seguro (art. 133.º da LCS), leia-se, um único contrato de seguro com duas seguradoras.
A A. tem razão:
Ambas as sociedades – AA, S.A. (empreiteira geral, consorciada com outras), e Teixeira Duarte (subempreiteira) – celebraram com diferentes seguradoras (ora partes nesta ação) contratos de seguro que cobrem o sinistro causado pela Teixeira Duarte na execução da “obra y”.
Como vimos, a AA, S.A. celebrou com a A. um contrato de seguro do ramo “obras e montagens”, com a apólice 34.06.00 9129983, tendo por objeto a empreitada de construção nova a que chamámos “obra X”, incluindo na cobertura danos causados a terceiros diretamente relacionados com os trabalhos seguros, ocorridos no local da sua execução ou na vizinhança imediata. No descrito contrato de seguro é seguradora a A. e tomadora AA, S.A., sendo segurados, além do consórcio empreiteiro constituído por AA, S.A. e outras, a dona da obra, e todos os subempreiteiros, fornecedores, montadores e/ou tarefeiros, que participem na execução material da “obra X”.
Por seu turno, a Teixeira Duarte celebrou com a R. contrato de seguro titulado pela apólice RC 30032260, no qual a primeira é simultaneamente tomadora do seguro e segurada, destinado a cobrir a responsabilidade extracontratual imputável ao segurado, no exercício da atividade, garantindo o pagamento de indemnizações que sejam legalmente exigíveis ao segurado por danos patrimoniais e/ou não patrimoniais, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais, causados a terceiros em consequência de atos ou omissões do segurado, bem como dos seus empregados, assalariados ou mandatários, no exercício da atividade ou na qualidade expressamente referida nas Condições especiais ou particulares da apólice.
Ou seja, como começámos por afirmar, há dois contratos de seguro que cobrem o sinistro dos autos, o que se reconduz à situação que a LCS designa por “pluralidade de seguros”. No contrato entre a R. e Teixeira Duarte, esta é tomadora e segurada. No contrato entre a A. e AA, S.A., esta é tomadora e segurada, sendo que neste contrato as subempreiteiras da obra dele objeto também são seguradas, logo, a Teixeira Duarte, na execução da contratada obra, também é segurada neste contrato de seguro entre a A. e a AA, S.A..
Nos termos do disposto no art. 133.º da LCS, quando um mesmo risco relativo ao mesmo interesse e por idêntico período esteja seguro por vários seguradores, o sinistro verificado é indemnizado por qualquer dos seguradores, à escolha do segurado, dentro dos limites da respetiva obrigação (n.ºs 1 e 3). Salvo convenção em contrário, os seguradores envolvidos no ressarcimento do dano coberto pelos contratos referidos respondem entre si na proporção da quantia que cada um teria de pagar se existisse um único contrato de seguro (n.º 4).
O regime da pluralidade de seguros, por força do disposto no art. 13.º, é imperativo. Por isso a A. pede da R. apenas metade do valor despendido e não a totalidade que lhe assistiria por estar sub-rogada nos direitos da sua segurada AA, S.A. contra o responsável pelo sinistro, a Teixeira Duarte (que, no mesmo contrato, e em execução da obra, também é segurada por ser subempreiteira) – cfr. n.º 1 do art. 136.º da LCS).
A fundamentação de direito da sentença para negar o direito da autora foi, ipsis verbis, a seguinte:
«Constitui objeto do presente litígio apurar se assiste à Autora o direito a ser ressarcida, pela Ré, do montante por si liquidado, no âmbito da apólice de seguro respetiva, pelos danos decorrentes do sinistro descrito nos autos.
Resultou provado que o dano em causa nos autos ocorreu devido a um comportamento levado a cabo pela Teixeira Duarte.
Ora, a sub-rogação no âmbito do contrato de seguro funda-se no disposto no mencionado artigo 136.º da Lei do Contrato de Seguro, cujo n.º 1 dispõe que “o segurador que tiver pago a indemnização fica sub-rogado, na medida do montante pago, nos direitos do segurado contra o terceiro responsável pelo sinistro”.
Por via da sub-rogação do segurador no mesmo crédito do segurado, incumbe-lhe a prova e delimitação da responsabilidade do terceiro responsável.
Apontam-se como pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, nos termos do disposto no art. 483.º do Código Civil:
➢ um facto voluntário do agente;
➢ a ilicitude do facto;
➢ a culpa ou imputação do facto ao agente;
➢ o dano;
➢ o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Atentemos ao caso sub judice. Entende o Tribunal que não chega a ser necessário analisar a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil na medida em quea “Teixeira Duarte, SA.” não configura como terceiro para efeitos da apólice de seguro celebrado com a Autora. Com efeito, como resultou provado, foi celebrado entre a AA, S.A. e a Teixeira Duarte um contrato de subempreitada e, da cláusula 1.3 da apólice da Autora resulta que os subempreiteiros são considerados, para os devidos efeitos, segurados. Por outro lado, analisada a questão à luz do instituto da pluralidade de seguros, importa atender na cláusula de exclusão constante na apólice de seguro celebrada entre a Ré a Teixeira Duarte, na qual aquela se exime de qualquer responsabilidade quando tenha sido celebrado um contrato de seguro (CAR/EAR) que inclua a cobertura de Responsabilidade Civil para uma determinada obra específica, subscrito pela Teixeira Duarte no qual esta figure como entidade Segura, o que ocorre concretamente.
Face ao exposto, terá de improceder a pretensão da Autora.»
A justificação do tribunal a quo para negar a pretensão da A. encontra-se no penúltimo e no antepenúltimo parágrafos, acima enfatizados com itálico, ambos com asserções que não acompanhamos.
No antepenúltimo afirma-se que a Teixeira Duarte não tem a qualidade de terceiro para efeitos do contrato de seguro celebrado entre A. e AA, S.A., uma vez que neste contrato (apólice 34.06.00 9129983) os subempreiteiros da “obra X”, como é o caso da Teixeira Duarte são segurados. Ora, esta afirmação parte do errado pressuposto de um segurado ser necessariamente parte num contrato de seguro. As partes num contrato de seguro são: o segurador e o tomador do seguro. Quem não seja tomador ou segurador num dado contrato de seguro é terceiro. São terceiros todos os segurados num contrato de seguro que não sejam simultaneamente tomadores desse contrato.
As noções de segurador, tomador do seguro, segurado, pessoa segura, beneficiário, contrato, contrato de seguro e por aí fora, são conceitos basilares do direito dos seguros, e não só, que pressupomos adquiridos neste aresto. Ainda assim, remetemos para a obra de Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Estudo de Direito Civil, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2010, maxime pp. 41-61, da qual extratamos as seguintes ilustrativas passagens:
«Na terminologia adotada, às duas partes necessariamente presentes no contrato de seguro – poderá haver outras – chamo o “segurador” e o “tomador do seguro”. Estas figuras são de designação relativamente pacífica em língua portuguesa. As diferenças são mínimas e sem consequências teóricas ou práticas: encontramos atualmente referências, por um lado, a “tomador do seguro” e a “tomador de seguro”, por outro lado, a “segurador” ou “seguradora” e a “empresa de seguros”. (…) A divergência terminológica é mais profunda quanto aos demais sujeitos relacionados com um contrato de seguro: os terceiros. Note-se que este termo comporta vários sentidos, mesmo que nos limitemos a observar o uso que dele é feito em direito. Julgo, todavia, poder concluir pela existência de um sentido dominante do termo no campo, mais restrito, do direito dos contratos. Neste campo, serão “terceiros” todas as “não partes”. É uma divisão que se pretende (i) relativa; (ii) negativa; e (iii) dicotómica ou omnicompreensiva. Relativa, porque “não pode dizer-se que alguém é, simplesmente, terceiro”. Em direito dos contratos, apenas se é terceiro em face de um dado contrato. Negativa, porque os terceiros se definem por aquilo que não são: partes. Dicotómica ou omnicompreensiva, porque, opondo-se uma definição negativa – de não-parte – à correspondente definição positiva – de parte – todos nós caímos numa das duas categorias. Em face de um dado contrato, ou somos parte, ou somos terceiro. (…) “Partes, no contrato, são os contratantes, aqueles que contrataram – emitiram as respetivas declarações negociais –, por si mesmos ou através de representante, voluntário ou legal” e que, “no momento considerado, continuem a ocupar essa posição ou aqueles que, por transmissão ou sucessão, inter vivos ou mortis causa, vieram a adquirir ou a ocupar a posição dos contratantes originários ou de quem, entretanto, haja passado a ocupar a posição destes”. Adoto esta definição. (…) Enquanto o segurador e o tomador do seguro assumem, por definição, a posição de partes num contrato de seguro, alguns dos demais sujeitos analisados podem ocupar as posições de parte ou de terceiro num contrato de seguro. Entre estes sobressai a figura do “segurado”: o sujeito que se situa dentro da esfera de proteção direta, e não meramente reflexa, do seguro, de quem pode afirmar-se, em suma, que está “coberto” pelo seguro. Por outras palavras, utilizando uma terminologia muito cara ao direito contratual dos seguros, e que mais adiante procurarei concretizar, o segurado é aquele por conta de quem o tomador celebra o seguro. Nos casos subjetivamente mais simples, o segurado será o próprio tomador do seguro, que sempre que necessário se designará “tomador-segurado”. Nos demais casos, estaremos perante um ou mais “terceiros segurados”» (pp. 42-46).
A LCS evidencia preocupação com o rigor terminológico , lendo-se no n.º IV do Preâmbulo que se usa «tão-só “segurador” (em vez de “seguradora” ou “empresa de seguros”), contrapõe-se o tomador do seguro ao segurado e não se faz referência aos ramos de seguros. Pretendeu-se, nomeadamente, que os conceitos de tomador do seguro, segurado, pessoa segura e beneficiário fossem utilizados de modo uniforme e adequado aos diferentes problemas jurídicos da relação contratual de seguro». Congruentemente, no art. 1.º, que descreve o conteúdo típico do contrato de seguro, lê-se: «Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente». Nesta noção está claro que as partes no contrato são o segurador e o tomador; e que a prestação do segurador é cobrir um risco do tomador (tomador-segurado) ou de outrem (terceiro segurado).
Estes e outros conceitos estão habitualmente definidos nas condições gerais dos contratos de seguro, como sucede nas Condições Gerais do Seguro de Responsabilidade Civil Geral da ré Fidelidade, juntas aos autos, nas quais se define tomador do seguro como «a pessoa, singular ou coletiva, que contrata com o segurador, sendo responsável pelo pagamento dos prémios», e segurado como «a pessoa ou entidade cuja responsabilidade civil extracontratual se garanta nos termos do presente contrato e que se encontra identificada nas condições particulares».
No contrato de seguro entre a A. e AA, S.A. (apólice 34.06.00 9129983), esta última é, como vimos, simultaneamente tomadora do seguro e segurada, é tomadora-segurada; nesse mesmo contrato os subempreiteiros da obra dele objeto são apenas segurados, terceiros segurados. O referido seguro é, portanto, também um seguro por conta de outrem: um «seguro em que há, ou se admite que haja, pelo menos um segurado – ou cossegurado – distinto da pessoa do tomador. Ou seja, é um seguro que conta, no mínimo, com três intervenientes: o segurador, o tomador do seguro e o terceiro-segurado» - V. Margarida Lima Rego, ob. cit., pp. 688-777, e, da mesma autora, «O seguro por conta de outrem em Portugal, Angola e Moçambique», inEstudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles, II, Almedina, 2012, pp. 747-765.
Contratos há em que se pode justificar aplicar o regime de parte tomadora do seguro a segurados. Isso pode acontecer em certos seguros coletivos contributivos, nos quais os segurados pagam os prémios de seguro. Tais situações nada têm de semelhante com a dos autos. Reafirmamos: no contrato de seguro entre a A. e AA, S.A., os subempreiteiros da obra dele objeto, como é o caso da Teixeira Duarte, são terceiros segurados.
Concluindo: a primeira razão invocada na sentença recorrida para negar a pretensão da A. – a de que a Teixeira Duarte não teria a qualidade de terceiro no contrato de seguro celebrado entre A. e AA, S.A., por ter ali a qualidade de segurada – é uma razão falsa. No contrato de seguro entre a A. e AA, S.A., a Teixeira Duarte, enquanto subempreiteira da obra objeto desse contrato, é terceira segurada.
A segunda razão pela qual o tribunal a quo julgou improcedente a ação foi por ter entendido que o sinistro estaria excluído do contrato de seguro celebrado entre a R. e a Teixeira Duarte, por via das cláusulas descritas nos factos 27 e 28, das quais consta: i. Estarem excluídos desse seguro, em que é seguradora a R. e tomadora e segurada a Teixeira Duarte (apólice RC30032260), os danos causados aos trabalhos propriamente ditos que a tomadora do seguro execute no âmbito da sua atividade, bem como os danos a bens e instalações contíguas aos ditos trabalhos propriedade da dono da obra onde execute trabalhos, quando o segurado tiver subscrito para essa obra uma apólice de seguro de obra que inclua o risco de responsabilidade civil a terceiros – diga-se já que não há notícia nos autos de que tal tenha acontecido, ou seja, de que a segurada neste contrato de seguro, a Teixeira Duarte, tenha celebrado um contrato de seguro específico para esta obra; ii. Estarem excluídos os danos causados a terceiros, quando tenha sido celebrado um contrato de seguro CAR ou EAR – siglas correspondentes a Contractors All Risks/Erection All Risks – que inclua a cobertura de responsabilidade civil para uma determinada obra específica, subscrito pela Teixeira Duarte no qual esta figure como entidade segura – também esta exclusão não se verifica, pois não se verifica nos autos que a Teixeira Duarte tenha celebrado qualquer contrato de seguro CAR ou EAR para a obra dos autos.
Como fomos adiantando, não se verifica in casu nenhuma das referidas exclusões, que têm como pressuposto que a Teixeira Duarte, tomadora e segurada no contrato de seguro com a apólice RC30032260, tenha celebrado um contrato de seguro específico para esta “obra Y” ou um contrato de seguro CAR ou EAR que inclua a cobertura de responsabilidade civil para a mesma obra, subscrito pela Teixeira Duarte no qual esta figure como entidade segura. Tal não sucedeu, pelo que não se verificam os pressupostos das referidos exclusões.
Porquanto exposto, concluímos, como acima, pela procedência do recurso e da ação.
IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, revogando a sentença recorrida, condenam a ré (Fidelidade) a pagar à autora (Lusitania) a quantia de € 49.250,00, acrescida dos peticionados juros de mora, calculados às taxas comerciais em vigor, desde a interposição da presente ação até efetivo e integral pagamento.
Custas pela ré.
Lisboa, 10/07/2025
Higina Castelo
Inês Moura
Fernando Alberto Caetano Besteiro