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CASSAÇÃO DO TÍTULO DE CONDUÇÃO
RECURSO DA DECISÃO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CAUSA AUTÓNOMA DE CASSAÇÃO
PRESCRIÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário
Sumário: I - É admissível recurso de sentença que mantenha a cassação do título de condução imposta pela autoridade administrativa por se tratar de consequência de anteriores condenações em sanções acessórias e constituir a medida mais gravosa prevista no Código da Estrada, proferida em procedimento autónomo que não pode deixar de estar sujeito a controlo judicial. II - Nos termos do n.º 8 do artigo 148.º do Código da Estrada, a falta injustificada a prova teórica do exame de condução constitui causa autónoma de cassação da carta de condução, não assumindo relevância que a ANSR e o IMT tenham procedido às notificações relativas à perda de pontos e à obrigação de realizar exame teórico em datas posteriores às que resultariam da aplicação dos prazos previstos no artigo 8.º do Decreto-Regulamentar n.º 1/-A/2016, de 30 de Maio. III - Como decorre dos n.ºs 6.º, 10 e 11 do artigo 8.º do Decreto-Regulamentar, para efeito da contagem do prazo de prescrição de dois anos, previsto no artigo 188.º, do Código da Estrada o que importa considerar é a data em que a falta a exame teórico de condução foi considerada como injustificada. IV - Na alínea c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal estabelece-se ser nula a sentença por omissão ou por excesso de pronúncia: “Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”.
Texto Integral
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
I. Relatório
1. Por sentença de 11 de Dezembro de 2024 foi julgado improcedente o recurso interposto da decisão da entidade administrativa e mantida a cassação do título de condução de AA.
2. Inconformado, veio este interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões da motivação:
“(…)
A. A Sentença, embora douta, procedeu a errada apreciação e aplicação jurídica, pois, além do mais, não se encontram reunidos e/ou verificados os requisitos legais para a cassação do título de condução, impondo-se o recurso para melhor aplicação do direito.
B. Em sede de impugnação judicial, o Recorrente invocou a nulidade do processo de cassação por preterição de formalidades legalmente impostas pela Autoridade Administrativa, nomeadamente as que resultam dos artigos 8.º n.º 2 e 9.º n.º 2 do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2016, de 30 de Maio.
C. Ora, com a última decisão tornada definitiva, in casu, de 22.07.2020, o Recorrente passou a ter 3 pontos na sua carta de condução, pelo que, nos termos do disposto no artigo 9.º n.º 2 do referido Decreto-Regulamentar, a ANSR, tinha o dever de notificar o Recorrente da obrigatoriedade de realizar exame de condução até 5 dias úteis após essa decisão, porém, apenas o fez em 07.12.2022, decorridos mais de dois anos.
D. Dispõe ainda o n.º 2 do artigo 8.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2016, de 30 de Maio, que “A ANSR notifica o condutor de que é detentor de três ou menos pontos e, em simultâneo, informa o IMT, I. P., para efeitos de marcação da prova teórica de exame de condução, (...)”, porém, in casu, tal ocorreu apenas em 05.01.2023, ouseja, decorridos cerca de 30 dias desde a notificação ao Recorrente.
E. Para sustentar a improcedência das invocadas nulidades, o Tribunal a quo remeteu para excerto de douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que se pronuncia, para o que aqui releva, apenas quanto ao disposto no art.º 9.º do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2016, de 30 de Maio, sem proceder à fundamentação de facto e/ou de direito e não se pronunciando sobre o alegado a respeito da preterição do disposto no n.º 2, do artigo 8.º, do referido Decreto Regulamentar.
F. Com efeito, nos termos do disposto no art.º 379.º n.º 1 al. c) do Código Processo Penal, ex vi artigo 41.º do RGCO, é nula a sentença “Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
G. No que concerne à prescrição do processo de cassação, o Tribunal a quo, considerou que o facto que dá origem ao início de contagem do prazo para efeitos de prescrição é a falta injustificada do Recorrente ao exame teórico agendado para ........2023.
H. Percorrendo a tese do Tribunal a quo, caso não fosse agendada qualquer prova teórica ao Recorrente durante anos, (dado que não há consequência na preterição dos aludidos prazos), sempre ficaria o condutor sujeito à vontade da ANSR e/ou do ... em agendar exame teórico e/ou dar início ao processo de cassação, podendo iniciar-se o prazo de prescrição quando o condutor já tivesse recuperado todos os pontos da sua carta, por força do disposto no n.º 5 do art.º 148.º do Código da Estrada.
I. Pelo que, para efeitos de início de contagem do prazo de prescrição, deve ser considerada a data em que o Recorrente passou a ter 3 pontos, (22.07.2020), pois é desde essa data que deve agir a entidade administrativa.
J. Sem conceder, não se encontram preenchidos os requisitos que determinam a cassação do título de condução do Recorrente.
K. Como resulta do mui douto aresto do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.11.2023, “No processo contraordenacional aberto com vista apenas à verificação de determinados pressupostos atinentes à cassação do título de condução como decorrência de prévias condenações exequíveis, (...). Cabe-lhe apenas, no âmbito do recurso contraordenacional, verificar se estão preenchidos todos os requisitos formais atinentes à cassação do título de condução, no pressuposto da exequibilidade das decisões proferidas nos processos por cujas decisões foram retirados pontos ao título de condução da recorrente.”
L. O sistema de carta de pontos, além de sinalizar situações de perigo, ao retirar pontos, pode também “premiar” os condutores que revelem uma conformação com os valores da segurança rodoviária e duma condução não sinalizada como violadora de tais valores.
M. Destarte, o legislador definiu no n.º 5 do artigo 148.º do Código da Estrada que, “No final de cada período de três anos, sem que exista registo de contraordenações graves ou muito graves ou crimes de natureza rodoviária no registo de infrações, são atribuídos três pontos ao condutor, não podendo ser ultrapassado o limite máximo de quinze pontos, nos termos do n.º 2 do artigo 121.º-A.”
N. A esse respeito, refere a ANSR na fundamentação da cassação que “(...), a atribuição de 3 pontos sempre que decorra um período de 3 anos sem registo de contraordenações graves ou muito graves ou crimes de natureza rodoviária (nos termos do n.º 5 do artº 148º), impede que a pontuação da carta de condução se mantenha inalterada, impedindo deste modo qua a verificação dos pressupostos da cassação se perpetue.”
O. O Recorrente, em 07.12.2022, foi notificado da obrigatoriedade de realizar prova teórica do exame de condução, em virtude de apresentar um total de 3 pontos, na sequência da sua condenação pela prática de infrações estradais, sendo que a última decisão condenatória ocorreu em 22.07.2020.
P. Em ........2023, a ... informou que não considerou como justificada a falta do ora Recorrente à prova teórica que havia sido agendada para ........2023, o que determinou a instauração do processo de cassação do título de condução em ........2024.
Q. Em ........2024, por decisão da ANSR, foi determinada a cassação do título de condução de que é titular o aqui Recorrente, nos termos do disposto no n.º 8 do artigo 148.º, do Código da Estrada conjugado com o n.º 11 do artigo 8.º do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2016, de 30 de maio.
R. À data do último agendamento para realização do exame teórico, em ........2023, bem assim à data da instauração do processo de cassação, ........2024, não se verificavam, como não se verificam, os requisitos legais que determinam a obrigatoriedade da realização de exame teórico e, por conseguinte, da cassação do título de condução, porquanto, em ........2023, por força do disposto no n.º 5 do artigo 148.º do Código da Estrada, o Recorrente adquiriu 3 pontos adicionais, totalizando, desde essa data, 6 pontos.
S. O decurso do tempo faz com que, na eventualidade do condutor beneficiar da obtenção de pontos nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 148.º do Código da Estrada, deixem de se verificar os requisitos para a cassação do título de condução, como sucede in casu.
T. Pese embora o invocado pelo Recorrente a respeito, nomeadamente nos itens 30 a 42 da impugnação judicial, o Tribunal a quo não se pronunciou cabalmente sobre os requisitos da cassação do título de condução, referindo apenas que, não tendo sido considerada justificada a falta do Recorrente à prova agendada para o dia ........2023, encontram-se reunidos os requisitos para a cassação da carta de condução nos termos do disposto no n.º 8 do artigo 148.º do Código da Estrada.
U. Ora, impendia sobre o Tribunal a apreciação factual e jurídica quanto aos requisitos da exequibilidade da cassação do título de condução do Recorrente, o que, s.m.o., não foi devidamente valorado ou apreciado, pelo que a douta decisão é nula nos termos do disposto no artigo 379.º n.º 1 al. c) do Código Processo Penal, por ausência de pronúncia nos termos supramencionados.
V. Do exposto decorre que o Tribunal a quo violou, entre outros, os artigos 148.º, 132.º e 188.º do Código da Estrada, os artigos 1.º, 8.º e 9.º do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2016, de 30 de Maio, os artigos 5.º, 27.º, 28.º e 41.º do Regime Geral das Contra Ordenações e Coimas, bem assim o disposto no artigo 374.º n.º 2 do Código Processo Penal.
(…).”
3. O Ministério Público respondeu ao recurso defendendo, em síntese, que o mesmo deve ser rejeitado por inadmissível e, assim não se entendendo, que deve ser julgado improcedente.
4. A Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal da Relação de Lisboa concluiu do mesmo modo pela improcedência do recurso.
II. Âmbito do recurso e identificação das questões a decidir
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões apresentadas, nas quais, de forma sintética e por referência à motivação do recorrente, são expostas as razões da discordância face à decisão recorrida. Ao tribunal de recurso cabe ainda apreciar de eventuais questões de conhecimento oficioso.
No caso, e como questão prévia, importa apreciar da admissibilidade do recurso. E, na afirmativa, importa apreciar da prescrição do procedimento contra-ordenacional, da nulidade da sentença e da verificação dos requisitos da cassação da carta de condução.
III. Fundamentação
Invocou o arguido a inexistência de unanimidade na jurisprudência quanto ao termo inicial da contagem do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional defendendo que o recurso é necessário “à promoção da uniformidade da jurisprudência ou, caso assim não se entenda, à melhor aplicação do direito” (artigo 73.º, n.º 2 do Regime Geral das Contra-ordenações).
Na resposta ao recurso veio o Ministério Público defender a irrecorribilidade da sentença por esta ter confirmado a decisão da entidade administrativa de cassação do título de condução, argumentando não estar em causa sanção acessória e, por isso, não se verificar a excepção prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 73.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, aplicável ex vi do disposto no artigo 186.º do Código da Estrada1.
No citado artigo 73.º do RGCO estabelece-se que,
“(…) 1 - Pode recorrer-se para a Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 64.º quando: a) For aplicada ao arguido uma coima superior a (euro) 249,40; b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias; c) O arguido for absolvido ou o processo for arquivado em casos em que a autoridade administrativa tenha aplicado uma coima superior a (euro) 249,40 ou em que tal coima tenha sido reclamada pelo Ministério Público; d) A impugnação judicial for rejeitada; e) O tribunal decidir através de despacho não obstante o recorrente se ter oposto a tal. 2 - Para além dos casos enunciados no número anterior, poderá a relação, a requerimento do arguido ou do Ministério Público, aceitar o recurso da sentença quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
(…).”
Quanto à admissibilidade de recurso de sentença que mantenha a cassação do título de condução imposta pela autoridade administrativa, perfilam-se na jurisprudência duas posições: a que afasta a possibilidade de recurso por não estar em causa sanção acessória2; e, a que sufragamos, no sentido da sua admissibilidade por a cassação do título de condução ser consequência da condenação em anteriores sanções acessórias e constituir a medida mais gravosa prevista no Código da Estrada3.
A este respeito, e no sentido da admissibilidade do recurso, remetemos para o já referido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 425/2019, de 10 de Julho de 2019. Aí se refere que “(…) a única interpretação possível do referido normativo é, precisamente, aquela que permite o recurso para o Tribunal da Relação da decisão de primeira instância que confirma a decisão administrativa que decreta a cassação do título de condução, a qual consubstancia, sem qualquer dúvida, a medida mais severa prevista em todo o Código da Estrada. Com efeito, mal se compreenderia que se admitisse recurso de uma decisão judicial que confirma a condenação de uma sanção acessória de inibição de condução pelo período de um mês e não se admitisse o recurso de uma decisão judicial que confirma a cassação do título de condução, determinando a perda definitiva do título de condução de que o infrator é titular, bem como a interdição, pelo período de 2 anos, da faculdade de obtenção de novo título de condução de veículos a motor de qualquer categoria. Esta é, também, a única interpretação conforme com a Constituição - designadamente com o princípio da tutela jurisdicional efetiva -, que constitui um dos critérios fundamentais ao nível da determinação do sentido da letra da lei. Com efeito, «se uma interpretação, que não contradiz os princípios da Constituição, é possível segundo os demais critérios de interpretação, há de preferir-se a qualquer outra em que a disposição viesse a ser inconstitucional. (…).”
Ainda que nos processos de contra-ordenação a regra seja a da irrecorribilidade das sentenças que conheçam da impugnação judicial, não se pode desconsiderar que a cassação do título de condução constitui, como referido, a medida mais gravosa prevista no Código da Estrada. E, ainda que esta seja consequência automática da perda da totalidade dos pontos, sem qualquer ponderação de outros fatores, é a mesma proferida em procedimento autónomo que não pode deixar de estar sujeito a controlo judicial, impondo-se apreciar das questões que sejam de conhecimento oficioso e das que tenham sido suscitadas e digam respeito à regularidade do procedimento.
Assim, sendo admissível o recurso, impõe-se conhecer do seu objecto.
*
Vejamos os factos assentes com relevo para a apreciação do recurso.
“(…)
A. Da prática pelo recorrente AA das contra- ordenacções em causa nos processos n.º ..., ..., ... e ..., foram subtraídos 14 pontos à carta de condução Br-....
B. Do total de 15 pontos atribuídos ao condutor AA foram subtraídos 12 pontos, ficando o condutor com 3 pontos.
C. Em ... foi o condutor AA notificado pessoalmente da obrigatoriedade de realizar prova teórica de exame de condução a que alude o artigo 148.º, n.º 4, alínea b), do Código da Estrada.
D. Foram agendadas três datas para provas teóricas de exame de condução a AA, tendo o mesmo faltado a todas, apresentando requerimento para justificação.
E. Para a prova agendada para ... de ... de 2023 AA apresentou um documento intitulado “Declaração comprovativa de comparência” com o texto “Para os devidos efeitos declara-se que o (a) cidadão (ã) AA de nacionalidade portuguesa nascido a ...-...-1976, esteve presente nesta ... entre as 13:30 e 15:30 para tratar de assuntos relacionados com a ... em Portugal. ..., ... de ... de 2023”.
F. A ... não considerou justificada a falta de AA à prova teórica de exame de condução agendada para ... de ... de 2023, pelas 11H, do que notificou o recorrente.
(…).”
Da prescrição do procedimento de contra-ordenação.
A respeito da prescrição, tida como não verificada pelo Tribunal a quo, consta da sentença recorrida o seguinte,
“(…) Ainda que seja discutível, ao nível da nossa jurisprudência, se o procedimento administrativo de cassação de licença de condução a que alude no artigo 148.º, do Código da Estrada, está sujeito ao prazo de prescrição previsto no artigo 188.º, do Código da Estrada (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15/12/2022, Processo n.º 194/22.4T8CBA.E1 e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/02/2024, Processo n.º 1143/23.8T8LRS.L2-5, ambos disponíveis inwww.dgsi.pt), sempre terá que se considerar, considerando que in casu a cassação do título decorreu da não realização de exame teórico ao abrigo do disposto no artigo 148.º, n.º 4, alínea b),e n.º 8, do Código da Estrada, que o prazo de prescrição se conta a partir da falta à ultima data agendada para a realização do exame teórico e que foi considerada injustificada. Tal prova teórica a que o arguido não compareceu estava designada para o dia ... de ... de 2023 (cfr. fls. 58 verso). Estatui o artigo 27.º, do Regime Geral das Contra-ordenações, que “O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contraordenação hajam decorrido os seguintes prazos: a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49879,79; b) Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2493,99 e inferior a (euro) 49879,79; c) Um ano, nos restantes casos.” A prescrição do procedimento suspende-se nas situações previstas no artigo 27.º-A, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas e interrompe-se nos casos estatuídos no artigo 28.º, do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas, e bem assim no artigo 188.º, n.º 2, do Código da Estrada. A suspensão distingue-se da interrupção porquanto nesta última “o prazo de prescrição volta a correr de novo cada vez que for interrompido, inutilizando-se o tempo até aí decorrido”4. Diversamente, naquela “apenas não se aproveita o período de tempo por que se mantiver a causa”5suspensiva, pelo que uma vez cessada esta, o remanescente do prazo de prescrição volta a correr. A contagem do prazo inicia-se, de acordo com o disposto no artigo 27.º, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, na data da prática dos factos. Ao abrigo do disposto no artigo 5.º, do Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas, “O facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido.” Os factos em causa nos autos datam de ... de ... de 2023. Atendendo às causas de suspensão e de interrupção da prescrição e que não decorreram ainda dois anos sobre a data da falta ao exame que determinou a cassação do título, mesmo que se considere ter aplicação do prazo de prescrição a que alude o artigo 188.°, do Código da Estrada, ainda tal prazo não decorreu, pelo que não se mostra prescrito o procedimento.
(…).”
Defendeu o arguido que o prazo da prescrição se iniciou no momento em que ficou com 3 pontos na carta de condução (... de ... de 2020) e não a partir da data agendada para realização do exame teórico (... de ... de 2023) e à qual faltou, falta essa considerada injustificada (... de ... de 2023).
No artigo 148.º do Código da Estrada, com a epígrafe “Sistema de pontos e cassação do título de condução”, prevê-se que a subtração de pontos determina a obrigação de frequência de acção de formação de segurança rodoviária, quando o condutor tenha 5 ou menos pontos, e a obrigação de realização a prova teórica do exame de condução, quando tenha 3 ou menos pontos. Subtraídos todos os pontos segue-se a cassação do título de condução.
No n.º 8 do mesmo artigo 148.º prevêem-se, como causas autónomas da cassação da carta, a falta não justificada à acção de formação de segurança rodoviária ou à prova teórica do exame de condução.
No caso, a cassação do título de condução do recorrente não foi resultado da total perda de pontos, mas sim da falta injustificada ao exame teórico de condução, irrelevando discorrer sobre o concreto número de pontos subtraídos e sobre os que entretanto possam ter sido adicionados em virtude do decurso do tempo sem novos registos de contra-ordenações ou de crimes rodoviários.
Tratando-se de causa autónoma da cassação do título de condução, também não assume relevância que a ANSR e o IMT tenham procedido às notificações relativas à perda de pontos e à obrigação de realizar exame teórico em datas posteriores às que resultariam da aplicação dos prazos previstos no artigo 8.º do Decreto-Regulamentar n.º 1/-A/2016, de 30 de Maio, inexistindo qualquer nulidade do procedimento.
Para o efeito, o que importa considerar não é o momento em que, face à sucessão de infracções estradais, o condutor já só tem 3 pontos no título de condução, mas sim o momento em que recebeu a notificação da ANSR dando-lhe conta da obrigação de realizar exame teórico e de que lhe foi concedido prazo para o efeito. E, em caso de falta ao referido exame, a data em que a mesma foi considerada como injustificada, já que só a falta injustificada tem como consequência a cassação do título de condução. Isso mesmo decorre de forma clara dos n.ºs 6.º, 10 e 11 do artigo 8.º do citado Decreto-Regulamentar que dispõem:
“(…) 6 - Independentemente do número de reagendamentos, a prova teórica referida no n.º 1, deve ser concluída no prazo máximo de 90 dias a contar da data da receção da notificação de que tem três ou menos pontos.
(…) 10 - A não realização da prova teórica referida no n.º 1, no prazo de 90 dias a contar da data da receção da notificação de que tem três ou menos pontos, é considerada falta não justificada. 11 - A falta não justificada à prova teórica referida no n.º 1 ou a sua reprovação tem o efeito previsto no n.º 8 do artigo 148.º do Código da Estrada.
(…).”
Assim, nenhuma censura importa fazer à sentença recorrida quando considerou que o procedimento não se encontrava prescrito, sendo certo que, tendo em conta as datas referidas supra, também não se mostra prescrito na presente data.
Quanto à suscitada nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos da alínea c) artigo 379º do Código de Processo Penal6 e quanto à falta de fundamentação, invocou o recorrente que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o “alegado a respeito da preterição do disposto no n.º 2 do artigo 8.º do referido Decreto-Regulamentar.”
Como resulta do seguinte segmento da sentença, a questão foi apreciada e decidida, apenas não o foi no sentido pretendido pelo recorrente.
“(…) Estatui o artigo 8.º, n.º 2, do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2016, de 30 de Maio, que “2 - A ANSR notifica o condutor de que é detentor de três ou menos pontos e, em simultâneo, informa o IMT, I. P., para efeitos de marcação da prova teórica de exame de condução, remetendo a este organismo toda a informação necessária para o efeito, por meio eletrónico.” Determina o artigo 9.º, n.º 2, do Decreto Regulamentar 1-A/2016, de 30 de Maio, que “2 - As notificações para os efeitos constantes no n.º 4 do artigo 148.º do Código da Estrada são efetuadas até 5 dias úteis após a definitividade da decisão administrativa condenatória ou do trânsito em julgado da sentença.”. Resulta do teor de fls. 23 (carta datada de ... de ... de 2022) que a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária notificou o condutor nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 8.º, n.º 2 e 9.º, ambos do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2016, de 30 de Maio. Quanto à alegada inobservância do prazo previsto no artigo 9.º, n.º 2, do Decreto Regulamentar n.º 1-A/2016, de 30 de Maio, sempre se dirá que, conforme se entendeu no Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa de 22/02/2023, proferido no processo n.º 543/22.5Y4LSB.L1-3, disponível inwww.dgsi.pt“A falta de notificação nos termos do artigo 9.º, do Decreto-Regulamentar n.º 1-A/2016, de 30 de Maio não tem consequências no procedimento de contra-ordenação para cassação de licença de condução.”. Forçoso é pois concluir-se que as notificações observaram os procedimentos legalmente previstos no Código da Estrada, não se verificando qualquer nulidade das mesmas.
(…).”
Ora, não obstante tenha suscitado a nulidade da sentença por omissão de pronúncia e feito referência ao disposto no artigo 379º do Código de Processo Penal, em termos substanciais o arguido limitou-se a exprimir a sua divergência quanto ao decidido, sendo que a sentença também se mostra suficientemente fundamentada, nada obstando a que se explicitem as razões da decisão aderindo a argumentação expendida a esse respeito em acórdão que já apreciou a questão.
As consequências da perda de pontos são gradativas prevendo-se a existência de acções de formação ou a sujeição a exame (consoante o número de pontos perdidos) com o objectivo de evitar o cometimento de novas infracções estradais e a total perda de pontos com a consequente cassação do título de condução. Nessa medida exige-se a intervenção tempestiva da ANSR e do IMT para informar o condutor do saldo da sua carta de condução e facilitar a actuação necessária a evitar o desfecho indesejado da cassação do título.
No entanto, a omissão ou cumprimento tardio das obrigações informativas da ANSR não obsta à cassação da carta de condução, seja em caso da subsequente perda da totalidade dos pontos, seja em caso de falta injustificada a acção de formação ou a exame teórico de condução, não tendo qualquer efeito na contagem do prazo da prescrição do procedimento respectivo.
Assim, improcede a suscitada nulidade da sentença.
Também não tem razão o recorrente no que respeita aos requisitos da cassação do título.
Como referido supra, o n.º 8 do artigo 148.º do Código da Estrada prevê causas autónomas da cassação do título de condução, entre elas a falta não justificada à prova teórica do exame de condução que opera sem qualquer ponderação concreta das necessidades de prevenção e sem ter em linha de conta o saldo de pontos existente no momento em que se decreta a cassação.
No caso, é inequívoco e incontroverso que o recorrente faltou à prova teórica e que essa falta foi considerada injustificada, mostrando-se reunidos todos os requisitos da cassação do título de condução.
Assim, é de improceder na íntegra o recurso.
IV. Dispositivo
Por tudo o exposto, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso, confirmando na íntegra a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UC’s - artigo 515º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal.
Notifique e comunique nos termos do artigo 70.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10.
(Acórdão elaborado pela relatora em suporte informático e revisto pelos signatários - artigo 94º, n.º 2 do Código de Processo Penal).
Lisboa, 10 de Julho de 2025.
(assinaturas electrónicas)
Rosa Vasconcelos
Rui Teixeira
Cristina Almeida e Sousa
_______________________________________________
1. Dispõe este artigo 186.º que «[a]s decisões judiciais proferidas em sede de impugnação de decisões administrativas admitem recurso nos termos da lei geral aplicável às contraordenações».
2. V.g. Ac.TRE de Évora de 7 de Novembro de 2023 proferido no processo n.º 124/22.3T8SSB.E1. AC. TRL de 10 de Outubro de 2024, proferido no processo n.º 9366/22.0T8LRS.L1-9
3. V.g. Ac. TRC de 12 de Março de 2025, proferido no processo n.º 5394/23.7T9CBR.C1.
4. BEÇA PEREIRA, António, Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas anotado, Almedina, 2009, pág. 89.
5. Ob. Cit..
6.Na alínea c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal estabelece-se ser nula a sentença por omissão ou por excesso de pronúncia: “Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”.