PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
Sumário

SUMÁRIO (art. 663º, n.º7, do CPC):
I. Por força do disposto no art. 323º, n.º1, do CC, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
II. O que releva para operar a interrupção da prescrição é que o credor exerça o seu direito ou exprima a intenção de o fazer e que o devedor tenha conhecimento de tal exercício ou da mencionada intenção.
III. A circunstância de a decisão que ordenou a citação mencionada ter sido revogada em sede de recurso, mostrando-se esta, por consequência, indevida (posto que executada em cumprimento da aludida decisão), não compromete o resultado por ela alcançado e, por isso, não obsta a que a interrupção da prescrição tenha operado na data em que a mesma foi efectuada.
IV. Por força do estatuído no art. 327º, n.º1 e 2, do CC, se a interrupção do prazo prescricional resultar de citação, notificação ou acto equiparado (além do mais), o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não transitar (ou passar) em julgado a decisão que puser termo ao processo, no que respeita ao devedor, salvo quando se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta (além de outro circunstancialismo que não releva para a decisão), situações em que o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I.
AA, por requerimento remetido electronicamente a Tribunal em 27-10-2024, intentou, contra Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A., acção, com a forma de processo comum, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 40 000,00, acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento.
Em síntese, alegou que:
- em 14-12-2017, foi interveniente em acidente de viação do qual resultaram danos para si;
- o responsável pelo sinistro é o condutor do veículo automóvel seguro pela ré, pelo que a mesma deve indemnizá-lo pelos danos sofridos decorrente do sinistro nos termos peticionados;
- para ressarcimento dos danos aludidos, previamente ao processo onde foi proferida a decisão impugnada, intentou acção contra “Ageas Portugal Companhia Seguros de Vida SA”, quando deveria ter sido instaurada contra a aqui R. “Ageas Portugal Companhia de Seguros SA”, com o n.º 3449/19.1T8LSB;
- na acção 3449/19.1T8LSB, requereu a intervenção principal provocada da, aqui, ré, “Ageas Portugal Companhia de Seguros SA”, com fundamento nos arts. 316º e 39º do CPC;
- a intervenção da, aqui, ré, foi admitida mediante despacho proferido a 22-05-2019, tendo a mesma sido citada no dia 31-05-2019;
- no dia 21-06-2019, a, aqui, ré, contestou a acção n.º 3449/19.1T8LSB, tendo aí assumido que a responsabilidade do sinistro pertenceu exclusivamente ao veículo por si seguro e que procedeu ao pagamento de algumas quantias pecuniárias para ressarcimento de danos corporais e despesas com deslocações e tratamentos que (o autor) sofreu;
- no processo 3449/19.1T8LSB, a, aqui, ré, interpôs recurso do despacho de admissão da sua intervenção na lide, decidido pelo TRL, em 27-19-2020, no sentido de revogar tal decisão;
- em cumprimento do decidido pelo TRL, na aludida acção, em primeira instância, a 25-11-2021, julgou improcedente a intervenção principal da, aqui, ré, tendo os autos prosseguido apenas contra Ageas Portugal Companhia Seguros de Vida SA, tendo sido proferida sentença que julgou a acção improcedente;
- os factos que alega constituem, pelo menos, um crime de ofensa à integridade física negligente, p. e p. pelo art. 148º, n.º1, do Cód. Penal, em relação ao qual, por força do disposto no art. 118º, n.º1, al. c), do Cód. Penal, corresponde um prazo de prescrição de cinco anos, sendo, por isso, aplicável ao caso dos autos o disposto no art. 498º, n.º3, do CC;
- o prazo de prescrição previsto neste último artigo, de cinco anos, foi interrompido com a citação da, aqui, ré, operada a 31-05-2019, na acção 3449/19.1T8LSB, tendo-se iniciado novo prazo, de igual duração, em 19-10-2023, data do trânsito em julgado da sentença proferida nessa mesma acção, o qual terminou a 18-10-2028;
- mesmo que se considerasse que a contagem do referido prazo prescricional de 5 anos teve o seu reinício com o trânsito em julgado em 10-02-2022 da decisão proferida nos autos n.º 3449/19.1T8LSB datada de 25-11-2021 e notificada a 05-01-2022, que deu cumprimento ao estatuído pelo Tribunal da Relação e determinou a extinção dessa contra a, aqui, ré, então temos que o referido prazo de 5 anos terá o seu terminus em 09.02.2027;
- mas, mesmo que ainda se considerasse que o reinício da contagem do prazo tenha ocorrido logo após o acto interruptivo (citação nos autos 3449/19.1T8LSB), ou seja, no dia 01-06-2019, então o terminus do prazo prescricional de 5 anos tem o seu terminus em 06.11.2024, atendendo ainda a que o prazo prescricional esteve suspenso num total de 159 dias ao abrigo da excecional “legislação Covid- 19”, entre 09-03-2020 e 03-06-2020 (86 dias) e entre 22-01-2021 a 05-04-2021 (73 dias), cfr. art. 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, art. 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, e arts. 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2000 de 29 de Maio; n.º 3 do art. 6.º-B da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, art. 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, e art. 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril;
- do referido resulta que a acção se mostra tempestiva;
- à cautela, atendendo à possibilidade de o prazo prescricional ter o seu fim no dia 06-11-2024, requer, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 561º, n.º1 , do CPC, a citação urgente, com vista à interrupção do referido prazo prescricional.
*
A ré foi citada por carta registada com aviso de recepção, tendo este sido assinado e no mesmo sido inscrita, como data de recebimento, 29-10-2024 (cf. aviso de recepção junto aos autos a 21-11-2024).
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A 29-11-2024, a ré apresentou contestação onde, além de impugnar factualidade alegada pelo autor, invocou a excepção peremptória de prescrição do direito que o autor pretende fazer valer na lide.
Alega, em síntese, que:
- o autor vem agora demandar a real seguradora do veículo responsável pelo sinistro, pois anteriormente, nos autos n.º 3449/19.1T8LSB, demandou a Ageas Portugal- Companhia
de Seguros de Vida, SA, onde foi proferida sentença, transitada em julgado, que absolveu a, aí, ré, Ageas Portugal - Companhia de Seguros de Vida, SA. dos pedidos;
- essa decisão surge na sequência de anterior acórdão do TRL que revogando a decisão de admissão do incidente de intervenção provocada da, ora, R., bem como de decisão singular proferida em sede de Supremo Tribunal de Justiça;
- deste modo, o Tribunal, alterando a sua posição anterior, veio a indeferir a intervenção
principal da, ora, ré em despacho de 25-11-2021;
- deste modo, a ora ré deixou de ser parte nesses autos e, assim, indeferida a requerida intervenção, a sua citação deixou de valer para todos os efeitos;
- o sinistro ocorreu em 14-12-2017;
- foi citada para estes autos em 30-10-2024, tendo estes autos dado entrada em
juízo em 27-10-2024;
- decorreram, pois, 6 anos, 9 meses e 13 dias desde a data do sinistro até à sua citação;
- ao contrário do que alega o autor, os seus direitos encontram-se prescritos, ainda que contando com o beneficio do Covid 19, ou seja, com a suspensão do prazo de prescrição durante 159 dias;
- refere o autor que o prazo prescricional foi interrompido com a sua citação no âmbito do incidente de intervenção provocada no processo n.º 3449/19.1T8LSB, o que entende não ter acontecido;
- com efeito, foi citada no aludido processo porquanto a sua intervenção provocada, requerida então pelo ora autor, foi admitida pelo Tribunal;
- só que essa decisão, na sequência das decisões dos tribunais superiores, veio a ser indeferida por despacho de 25-11-2021;
- improcedendo a intervenção principal da R., os seus efeitos retroagem à sua anterior citação que, assim, carece de efeito, nomeadamente no âmbito do instituto da prescrição;
- na verdade, se a citação da então chamada ocorre por força de um despacho que admitiu o incidente deduzido pelo então e agora autor e este despacho é, posteriormente, alterado,
concluindo pela improcedência da requerida intervenção principal, tal citação carece de
relevância de iure;
- a citação é uma acto que decorre de um prévio juízo e apoiado neste, não tendo autonomia, pois jamais haveria lugar à citação da chamada, hoje ré, se inexistisse um acto judicial prévio a admitir o incidente, do qual decorre a citação;
- portanto, se o acto que então permitiu que ocorresse tal citação, é alterado e se declara, como se declarou, a improcedência da requerida intervenção principal, todos os seus efeitos são anulados;
- a decisão consubstanciada na improcedência da requerida intervenção provocada, determina a inexistência da citação anteriormente ordenada, no âmbito de tal incidente, maxime a sua nulidade nos termos do artº 191, nº 1 do CPC;
- assim, a inexistência de qualquer sua citação anterior, face ao seu entendimento, e ainda que descontando os 159 dias, os direitos do autor encontram-se prescritos, seja nos termos do art. 498, nº 1, seja do seu nº 2 ex vi, art. 118, nº 1, c) do C Penal;
- na verdade, descontando os 159 dias aos 6 anos, 9 meses e 13 dias, ainda assim o prazo
prescricional para o A. exercer os seus direitos ocorreu;
- a prescrição constitui excepção peremptória, o que alega nos termos e para os efeitos do
disposto nos arts. 576º, n.º 1 e 3, do CPC, determinando a sua absolvição dos pedidos contra si formulados pelo autor.
*
A 05-03-2025, foi proferido despacho a determinar a notificação do autor para, querendo, se pronunciar sobre a matéria de excepção alegada na contestação, ao abrigo do art. 3º, n.º3, do CPC.
*
O autor respondeu por requerimento junto a 20-03-2025, pugnando pela improcedência da excepção de prescrição.
Em síntese, alegou que:
- o despacho que ordenou a citação da ré nos autos n.º 3449/19.1T8LSB não foi alterado pela posterior decisão de 25-11-2021 proferida no mesmo processo, que recaiu apenas sobre a (i) legitimidade da também aqui ré, em nada beliscando a citação previamente efetuada, que se impunha por forma a que lograsse efetuar a sua defesa;
- a citação existiu e foi validamente efectuada, mantendo-se os seus efeitos;
- a citação nos autos n.º 3449/19.1T8LSB tanto cumpriu os seus objetivos que a aqui ré
contestou-os, interpôs recurso e veio a ser proferida decisão final;
- não podendo assim a ré agora pretender ficcionar que a essa citação é inexistente por
virtude de decisão posterior que nenhuma referência tem com a citação;
- a ratio das invalidades da citação (arts. 188º, 191º e 195º CPC) encontra-se na garantia
dos direitos de defesa do citando;
- não se encontrando assim fundamento a que a citação seja considerada inválida / inexistente por virtude de posterior despacho de ilegitimidade, dando-se, assim, como que sem efeito ou inexistente todo processado no chamamento à demanda da R. nos autos n.º 3449/19.1T8LSB;
- sendo certo que, nos termos do art. 323º, n.º3, do CC “a anulação da citação não impede o efeito interruptivo”;
- o prazo prescricional interrompeu-se com a citação da R. efetuada nos autos n.º 3449/19.1T8LSB, tendo a ré, por essa via, tomado conhecimento da intenção do autor em exercer o seu direito, cfr. art. 323º, n.º1, do CC.
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A 10-04-2025, foi proferida decisão onde, além do mais, se:
- dispensou a realização de audiência prévia;
- fixou o valor da causa em € 40 000,00:
- saneou tabelarmente o processo;
- julgou improcedente a excepção de prescrição deduzida pela ré.
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Inconformada, a ré, a 05-05-2025, interpôs recurso da decisão mencionada, que culminou com as seguintes conclusões (transcrição):
A. Este recurso resulta do Tribunal recorrido, em sede de Despacho Saneador se ter pronunciado pela inexistência de prescrição, como alegado e defendido pela Recorrente, decisão esta de que a Recorrente discorda, porquanto é seu entendimento que a matéria que está alegada pela Recorrida e foi impugnada pela Recorrente, merecia distinta decisão que, a não ser no sentido da existência da alegada prescrição, sempre deveria determinar que a exceção fosse remetida para conhecimento posterior;
B. O sinistro ocorreu em 14.12.2017, sendo a Recorrente citada para estes autos em 30.10.2024, tendo estes autos dado entrada em juízo em 27.10.2024, pelo que decorreram, pois, 6 anos , 9 meses e 13 dias desde a data do sinistro até à citação da R..
C. A decisão (reportamo-nos à intervenção provocada requerida pelo Recorrido) ocorrida nos autos nº 3449/19.1T8LSB, na sequência das decisões dos tribunais superiores, veio a ser indeferida por despacho de 25.11.2021.
D. Nesse despacho, junto como doc. 4 à contestação refere-se “A situação descrita parece, antes, apontar de facto, para uma situação de erro sobre a identidade da R., a qual não pode legitimar a aplicação do disposto no artº 39º do CPC. Nesta conformidade teremos de rever o juízo emitido anteriormente, pelo que a decisão recorrida não pode subsistir”.
E. E conclui o Meritíssimo Sr. Juiz nesse seu despacho “em face de todo o exposto, falece razão ao autor, improcedendo a requerida intervenção principal de Ageas Portugal, Companhia de Seguros, SA. Custas do incidente a cargo do autor”.
F. Desta decisão não recorreu o então e agora A e Recorrido, pelo que a mesma transitou em julgado pelo que, improcedendo a intervenção principal da R., os seus efeitos retroagem à sua anterior citação que, assim, carece de efeito, nomeadamente no âmbito do instituto da prescrição.
G. Com efeito, se a citação da então chamada e ora Recorrente ocorre por força de um despacho que admitiu o incidente deduzido pelo Recorrido (doc. 6 junto à contestação) e este despacho é, posteriormente, alterado, concluindo pela improcedência da requerida intervenção principal, tal citação carece de relevância de iure.
H. A citação é um ato que decorre de um prévio juízo e apoiado neste, não tendo autonomia, pois jamais haveria lugar à citação da Chamada, hoje Recorrente, se inexistisse um ato judicial prévio a admitir o incidente, do qual decorre a citação.
I. Assim se o ato que então permitiu que ocorresse tal citação, é alterado e se declara, como se declarou, a improcedência da requerida intervenção principal, todos os seus efeitos são anulados, deixam de produzir efeitos.
J. O tribunal no âmbito do processo nº 3449/19.1T8LSB, decidiu pela improcedência da requerida intervenção provocada porque “…o circunstancialismo evidenciado nos autos e que se descreveu, não pode, na realidade suportar a existência daquela fundada dúvida” (vd. Doc.4), implicou que não foram observadas, antes da prolação do despacho que ordenou a citação da chamada, as formalidades que justificavam adjetivamente o incidente, pois o artº 39 do CPC em que o então A. assentou o requerida era inaplicável”,
K. De facto, o Tribunal nesse processo nº 3449/19.1T8LSB, que decidiu pela improcedência da requerida intervenção provocada defende que “…o circunstancialismo evidenciado nos autos e que se descreveu, não pode, na realidade suportar a existência daquela fundada dúvida”, pois nesses autos e em momento prévio à prolação do despacho que ordenou a citação da chamada, não foram cumpridas as formalidades que justificavam adjetivamente o incidente, pois o artº 39 do CPC em que o então A. e ora Recorrido fundamentou o seu pedido era inaplicável
L. Assim, a decisão consubstanciada na improcedência da requerida intervenção provocada, determina a inexistência da citação anteriormente ordenada, no âmbito de tal incidente, maxime a sua nulidade nos termos do artº 191, nº 1 do CPCivil, sendo esta a PRIMEIRA questão em análise, pois entende-se que o indeferimento da intervenção da Recorrente nesses autos nº 3449/19.1T8LSB em sede de dedução de pedido subsidiário formulado pelo então A. e ora Recorrido, pelos fundamentos invocados, anula os efeitos da citação, assente num despacho prévio que a ordenou, enquanto ato prévio, e que foi anulado.
M. Assim, os efeitos de tal citação, mormente para a interrupção da prescrição, deixam de existir, ao contrário da teses defendida pelo Recorrido e que o tribunal acolheu.
N. Assim, a inexistência de qualquer sua citação anterior, face ao entendimento da Recorrente e ainda que descontando os 159 dias de suspensão do prazo prescricional por força da Legislação “Covid” , os direitos do Recorrido encontram-se prescritos, seja nos termos do artº 498, nº 1 , seja do seu nº 2 ex vi , artº 118, nº 1, c) do CPenal, porque descontando os 159 dias aos 6 anos, 9 meses e 13 dias , o prazo prescricional para o Recorrido exercer os seus direitos ocorreu, tendo em conta que a citação da Recorrente para os autos sub iudice teve lugar em 30 de Outubro de 2024.
O. E, sede de SEGUNDA questão, importa salientar que o Tribunal a quo entende que se aplica aos autos o prazo prescricional de 5 anos por força do disposto nos artºs 118, nº1, do Código Penal e 498, nº 3 do CCivil porque os factos alegados pelo Recorrido são “…passiveis de integrar a pratica de um crime de ofensas à integridade física negligente, nos termos em que se encontra previsto no artº 148, nº 1 do Código Penal, ao qual corresponde uma pena de prisão de até 1 ano”.
P. Ainda que pudesse ser válido este raciocínio, e não o é, o Tribunal a quo não poderia, de imediato, proferir tal decisão que deveria ser relegada para julgamento, como bem decidido foi já por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que no 655/20.5T8SCR-A.L1 , refere em sumário anteriormente citado .
Q. A apreciação do tipo de ilícito cometido pelo Segurado da Recorrente passa pela apreciação da factualidade alegada pelo Recorrido na sua pi e, quanto a isso e no que a esta matéria importa, é referido o veiculo do Recorrido, matrícula ..-..-JH foi embatido na sua traseira pelo veículo ..-TC-.., veiculo este embatido por sua vez pelo veiculo ..-..-VU, seguro na Recorrente, tratando-se de um choque em cadeia como este alega( artº 36 da p.i.).
R. Mas uma coisa é alegar factos suscetíveis de integrar a previsão do ilícito criminal e outra, bem distinta, é prová-los.
S. O tribunal a quo ao decidir, como decidiu, antes do julgamento e produção de prova pela inexistência de prescrição está a aceitar como boa e verdadeira a factualidade alegada pelo Recorrido, sem permitir à Recorrente fazer a contraprova do alegado em sede de p.i., quando a matéria se encontra impugnada, nomeadamente os danos alegados.
T. Estes autos não fornecem, neste momento, todos os elementos de facto curiais à apreciação definitiva da prescrição invocada, pois existe matéria controvertida a julgar e decidir como provada ou não provada e dela dependerá, então, a pronúncia sobre a invocada exceção.
U. Neste contexto, sem prejuízo da questão primeira aqui levantada, entende-se que o tribunal recorrido não podia pronunciar-se do mérito da causa, em sede de prescrição, devendo relegar a sua apreciação para final , de acordo com o disposto no artº 595, nº 1, do CPCivil.
V. Ao decidir, como decidiu, a decisão recorrida merece censura, ao violar o disposto nos artsº 191º, nº 1 do CPCivil, 325º , 326º, nº 1, do CCivil e 576º, nºº 3 , 595º, nº 1, B) do CPCivil, pelo que merece censura.
No termo da peça processual em referência conclui-se pela revogação da decisão impugnada, decidindo-se pela procedência da excepção peremptória de prescrição invocada ou, não sendo assim entendido, decidindo-se por relegar a apreciação de tal excepção para momento ulterior, nomeadamente para sentença final, a proferir após produção de prova.
*
Não foi apresentada resposta ao recurso.
*
A 09-06-2024, o recurso foi admitido, como apelação, com subida em separado e efeito meramente suspensivo da decisão recorrida, o que foi alterado neste Tribunal por decisão de 01-07-2025, onde se fixou ao recurso o efeito meramente devolutivo com fundamento no art. 647º, n.º1, do CPC.
*
II.
1.
As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635º, n.º4, 636º e 639º, n.º1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (art. 608º, n.º2, parte final, ex vi do art. 663º, n.º2, parte final, ambos do CPC).
Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Tendo isto presente, no caso, atendendo às conclusões transcritas, a intervenção deste Tribunal de recurso é circunscrita à seguinte questão:
- Saber se a decisão recorrida incorre em erro ao julgar não decorrido o prazo de prescrição do direito a indemnização invocado pelo autor.
*
2.
Tem-se por pertinente, para a economia da presente decisão, a seguinte factualidade, que resulta da tramitação dos autos principais, da dos presentes, da documentação junta aos mesmos, de que as partes têm pleno conhecimento, não a tendo colocado em causa, e do acordo entre as mesmas:
1. O autor, AA, intentou, contra Ageas Portugal – Companhia de Seguros de Vida, S.A., acção, com a forma de processo comum, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 40 000,00, acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento, a que foi atribuído o n.º 3449/19.1T8LSB, no Tribunal da Comarca de Lisboa / Juízo Local Cível de Lisboa / J 24 – cf. certidão junta nos autos principais a 14-01-2025.
2. Na petição inicial apresentada na acção referida no ponto anterior, o autor alegou que:
a. em 14-12-2017, foi interveniente em acidente de viação do qual resultaram danos para si;
b. o responsável pelo sinistro é o condutor do veículo automóvel seguro pela ré, pelo que a mesma deve indemnizá-los pelos danos sofridos nos termos peticionados;
c. para ressarcimento dos danos aludidos, previamente ao processo onde foi proferida a decisão impugnada, intentou acção contra “Ageas Portugal Companhia Seguros de Vida SA”, quando deveria ter sido instaurada contra a aqui R. “Ageas Portugal Companhia de Seguros SA”, com o n.º 3449/19.1T8LSB – cf. certidão junta nos autos principais a 14-01-2025.
3. Na acção n.º 3449/19.1T8LSB, o autor requereu a intervenção principal provocada da, aqui, ré, “Ageas Portugal Companhia de Seguros SA”, com fundamento nos arts. 316º e 39º do CPC, alegando, em síntese, que:
- demandou Ageas Companhia de Seguros Vida, SA., que contestou excepcionando a sua ilegitimidade;
- face ao esclarecimento dado pela demandada, existe a possibilidade de ser Ageas Companhia de Seguros, SA., a entidade que tem interesse directo em contraduzer a sua pretensão, existindo dúvida quanto a tal;
- ao abrigo do princípio da economia processual e do art. 39º do CPC, requer que Ageas Companhia de Seguros, SA., seja chamada como interveniente principal, como co-ré. – cf. certidão junta nos autos principais a 14-01-2025.
4. Na acção n.º 3449/19.1T8LSB, em apreciação do referido no ponto anterior, a 22-05-2019, foi proferida decisão com o seguinte teor:
“Nos termos do disposto no art. 39º do C. Processo Civil, atentas as razões invocadas pelo autor, verifica-se existir dúvida fundada sobre o sujeito da relação controvertida, pelo que se admite a dedução subsidiária do mesmo pedido contra Ageas Portugal, Companhia de Seguros, S.A., NIPC 503454109, com sede na Rua Gonçalo Sampaio, n.º 39, Apart. 4076, 4002-001 Porto.
Cite-se para contestar.
Custas do incidente a cargo da ré que se fixa no mínimo legal – art. 539º, n.º1, in fine, da CPC” – cf. certidão junta nos autos principais a 14-01-2025.
5. Em cumprimento da decisão referida no ponto anterior, a, aqui, ré, Ageas Portugal, Companhia de Seguros, S.A., foi citada, com cópia da petição inicial, para contestar a acção, por carta registada com aviso de recepção, tendo este sido assinado a 31-05-2019 – cf. certidão junta nos autos principais a 14-01-2025.
6. Na acção n.º 3449/19.1T8LSB, a, aqui, ré, Ageas Portugal, Companhia de Seguros, S.A., interpôs recurso da decisão nela proferida a 22-05-2019, que foi julgado parcialmente procedente pelo acórdão desta Relação de 27-10-2020, tendo aí se decidido revogar a decisão recorrida e determinado a sua substituição por outra nos termos assinalados na sua fundamentação – cf. certidão junta nos autos principais a 14-01-2025;
7. Em sede de fundamentação do acórdão referido consta, além do mais, o seguinte:
“O art. 39º do CPC, sob a epígrafe “pluralidade subjectiva subsidiária” dispõe que: “é admitida a dedução subsidiária do mesmo pedido ou a dedução de pedido subsidiário, por A. ou contra R. diverso do que demanda ou é demandado a título principal, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida”.
Face ao contexto do alegado pelo A. no requerimento em que deduz a intervenção principal provocada da Ageas Comapnhia de Seguros, SA, poder-se-ia pensar ser fundada a dúvida do apelado sobre a identidade da R..
Todavia, o circunstancialismo evidenciado nos autos e que se descreveu, não pode, na realidade, suportar a existência daquela fundada dúvida.
A situação descrita parece, antes, apontar, de facto, para uma situação de erro sobre a identidade da R., a qual não pode legitimar a aplicação do disposto no art. 39º do CPC.
Nesta conformidade, teremos de rever o juízo emitido anteriormente, pelo que a decisão recorrida não pode subsistir.
Diga-se, no entanto, que revogada tal decisão, não poderá ter pleno acolhimento a pretensão da apelante no sentido do indeferimento da requerida intervenção principal provocada da Ageas Portugal Companhia de Seguros SA, visto que a primeira instância, na decisão recorrida não se ocupou desta questão suscitada pelo A..” – cf. certidão junta nos autos principais a 14-01-2025.
8. O autor interpôs recurso do acórdão acima referido para o Supremo Tribunal de Justiça, que não foi admitido por decisão desta Relação, da qual o mesmo apresentou reclamação ao abrigo do art. 643º do CPC, que foi conhecida por decisão de 15-06-2021 no sentido de o Supremo Tribunal de Justiça não conhecer do recurso, a qual transitou em julgado a 28-06-2021 – cf. certidão junta nos autos principais a 14-01-2025.
9. Em 25-11-2021, na acção n.º 3449/19.1T8LSB, foi proferida decisão que julgou improcedente a intervenção principal de Ageas Portugal, Companhia de Seguros, S.A., requerida pelo autor – cf. certidão junta nos autos principais a 14-01-2025.
10. Em 11-09-2023, na acção n.º 3449/19.1T8LSB, foi proferida sentença que julgou a mesma improcedente e absolveu a, aí ré, Ageas Portugal, Companhia de SegurosVida, S.A., do pedido – cf. certidão junta nos autos principais a 14-01-2025.
11. AA, por requerimento remetido electronicamente a Tribunal em 27-10-2024, intentou a presente acção contra Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 40 000,00, acrescida de juros vencidos e vincendos até integral pagamento;
12. Na petição inicial da presente acção, o autor alega que, em 14-12-2017, foi interveniente em acidente de viação do qual resultaram danos para si, sendo seu responsável o condutor do veículo automóvel seguro pela ré, pelo que a mesma deve indemnizá-lo pelos danos sofridos decorrentes do sinistro nos termos peticionados;
13. A ré foi citada por carta registada com aviso de recepção, tendo a mesma sido recebida a 29-10-2024 (cf. aviso de recepção junto aos autos a 21-11-2024).
14. O acidente de viação alegado pelo autor na petição inicial que deu origem ao processo n.º 3449/19.1T8LSB e na petição inicial dos presentes autos ocorreu em 14-12-2017 (matéria alegada nos arts. 1º e 32º da petição inicial destes autos, não impugnada pela ré – cf. art. 574º, n.º2, do CPC);
15. O acidente de viação referido no ponto anterior ocorreu pelas 15H30 (matéria alegada no art. 32º da petição inicial destes autos, não impugnada pela ré – cf. art. 574º, n.º2, do CPC);
16. No dia e hora referidos nos dois pontos anteriores, o autor conduzia o veículo automóvel da marca Citroen, modelo Saxo, com a matrícula ..-..-JH, na Rua José Gomes Ferreira, em Lisboa (matéria alegada no art. 32º da petição inicial destes autos, não impugnada pela ré – cf. art. 574º, n.º2, do CPC);
17. Ao aproximar-se do cruzamento da Rua José Gomes Ferreira com a Rua Ferreira Borges, o autor imobilizou o veículo que conduzia junto ao semáforo aí existente, por o mesmo se encontrar com a luz vermelha ligada para os veículos que circulavam no sentido de marcha do veículo conduzido pelo autor (matéria alegada no art. 33º da petição inicial destes autos, não impugnada pela ré – cf. art. 574º, n.º2, do CPC);
18. Após, o veículo de matrícula ..-..-JH foi embatido na traseira pela viatura da marca Nissan, modelo Qashqai, de matrícula ..-TC-.. (matéria alegada no art. 34º da petição inicial destes autos e reconhecida pela ré no art. 38º da contestação – cf. art. 574º, n.º2, do CPC);
19. O embate referido no ponto anterior ocorreu em consequência de prévio embate do veículo de marca Mercedes, com a matrícula ..-..-VU, na parte traseira da viatura de matrícula ..-TC-.. (matéria alegada no art. 35º da petição inicial destes autos, não impugnada pela ré – cf. art. 574º, n.º2, do CPC);
20. O veículo Mercedes, com a matrícula ..-..-VU era conduzido, na altura dos embates acima referidos, por BB (matéria alegada no art. 37º da petição inicial destes autos, não impugnada pela ré – cf. art. 574º, n.º2, do CPC);
21. No local onde os embates acima referidos ocorreram, a faixa de rodagem para o sentido em que os três veículos referidos circulavam apresenta o traçado em recta (matéria alegada no art. 39º da petição inicial destes autos, não impugnada pela ré – cf. art. 574º, n.º2, do CPC);
22. Em consequência do embate da viatura de matrícula ..-TC-.. no veículo por si conduzido, o autor sofreu danos corporais (matéria alegada no art. 48º da petição inicial e no art. 38º da contestação);
23. O autor, na petição inicial que deu origem ao processo n.º 3449/19.1T8LSB e na petição inicial que deu origem ao presente processo, alega factualidade idêntica, designadamente, no que respeita à acima referida sobre a dinâmica e consequências do sinistro.
*
3.
A recorrente defende que o prazo de prescrição do direito indemnizatório que o autor invoca nos autos decorreu, invocando que a sua citação na acção n.º 3449/19.1T8LSB não importou a sua interrupção e que a sua citação nos autos principais foi realizada após termo do prazo de prescrição de cinco anos previsto no art. 498º, n.º2, do CC.
Na decisão impugnada, assumiu-se a seguinte fundamentação:
Uma das situações em que a lei prevê um prazo de prescrição de menor duração é o previsto no art. 498.º do Código Civil (doravante, “CC”), onde se prevê que o direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete. Contudo, se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
No caso dos autos, de acordo com o alegado pelo autor, no dia 14/12/2017, foi o mesmo interveniente num acidente de viação na Rua José Gomes Ferreira, freguesia de Santa Isabel, concelho e distrito de Lisboa, no sentido A5 – Amoreiras, tendo desse acidente resultado danos patrimoniais e não patrimoniais. São assim os factos por si alegado passíveis de integrar a prática de um crime de ofensas à integridade física negligente, nos termos em que este se encontra previsto no artigo 148.º, n.º 1 do Código Penal, ao qual corresponde uma pena de prisão de até 1 ano.
Conclui-se, por isso, que o facto ilícito que constitui a causa de pedir destes autos é passível de constituir a prática de um crime, importando verificar se a lei penal estabelece prazo mais longo para a prescrição.
Dispõe o artigo 118.º, n.º 1, al. c) do Código Penal que o procedimento criminal se extingue por efeito de prescrição logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido 5 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo seja igual ou superior a um ano, mas que não exceda 5 anos.
Assim, e nos termos do artigo 498.º, n.º 3 do CC, é 5 anos o prazo de prescrição aplicável.
(…)
No caso dos autos, o autor no Proc. n.º 3449/19.1T8LSB requereu a intervenção principal provocada da ré, tendo o Mmº Juiz admitido tal intervenção por despacho datado de 22/05/2019. Desse despacho foi a ré citada em 31/05/2019. Sucede que foi interposto recurso da presente decisão que admitiu a intervenção da ré nos autos, pelo que em 25/11/2021, pelo Juiz 24 do Juízo Local Cível de Lisboa foi proferido novo despacho, desta vez, de improcedência da requerida intervenção. Cumpre ainda referir que em 11/09/2023 foi proferida sentença.
A prescrição interrompe-se com a citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito. Por sua vez, se a citação ou notificação não se fizer dentro de 5 dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias (cf. art. 323.º, n.ºs 1 e 2 CC).
Ora, antes da instauração da presente ação, o autor propôs uma outra ação contra a Ageas Portugal Companhia Seguros de Vida no ano de 2019 e tendo tomado conhecimento de que a mesma deveria ter sido proposta antes contra Ageas Portugal Companhia de Seguros SA, requereu a sua intervenção principal nos autos.
Constata-se que foi a ora ré citada no âmbito daquele processo em 31/05/2019, vindo a sua intervenção nos autos a ser indeferida por despacho datado de 25/11/2021 e proferida sentença em 11/09/2023. Porquanto a citação se trata de um efeito interruptivo do prazo prescricional (cf. art. 323.º, n.º 1), isso implica a inutilização de todo o tempo que mediou entre 31/05/2019 e 11/09/2023, começando a correr novo prazo de 5 anos a partir do trânsito em julgado de tal sentença, nos termos dos arts. 326.º, n.º 1 e 327.º, n.º 1CC).
Tendo a presente petição inicial sido apresentada em 27/10/2024, e sabendo que o prazo prescricional de 5 anos recomeçou a contar em 11/09/2023, podemos concluir que não se mostra prescrito o direito do autor.
Neste conspecto, dúvidas não restam que o direito do autor não se encontra prescrito, pelo que julgo improcedente a exceção de prescrição deduzida pela Ré.”
Para apreciação da questão acima enunciada, importa reter que, na presente acção, o autor, em sede de petição inicial, alegou factualidade referente à ocorrência de um sinistro de viação, tendo por responsável na sua ocorrência o condutor da viatura segura pela ré, Ageas Portugal Companhia Seguros, SA., em consequência do qual sofreu danos cujo ressarcimento pretende desta, mediante o pagamento da quantia de € 40 000,00, acrescida de juros de mora, que peticiona.
Mostra-se pacífico nos autos, não tendo sido questionado pelas partes, designadamente, pela recorrente, que a factualidade alegada nos presentes autos e o pedido neles formulado corresponde à factualidade que o autor, no processo n.º 3449/19.1T8LSB, em sede de requerimento de intervenção principal provocada, alega e à pretensão que o mesmo aí formula contra a ré, Ageas Portugal Companhia Seguros, SA., onde requereu que esta passasse a intervir em tal processo, como parte principal passiva.
O fundamento da pretensão deduzida pelo autor contra a ré, Ageas Portugal Companhia Seguros, SA., em ambos os processos radica, além do mais, no art. 483º, n.º1, do CC, atinente à responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, segundo o qual aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Releva, também, para a economia da presente decisão que, o nº 1 do art. 498º do CC dispõe que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
E o nº 3 desse mesmo artigo dispõe que, se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
De acordo com o art. 118º, n.º1, al. c), do Cód. Penal, o prazo de prescrição do procedimento criminal para o crime de ofensa à integridade física negligente (que releva para o caso em apreço) é de cinco anos – cf. art. 148º, n.º1, do CP.
Entende-se que, para operar o alargamento do prazo de prescrição a que se alude no n.º 3 do art.º 498 do CPC, é necessário alegar e demonstrar (ainda que por ausência de impugnação) que os factos que são imputados ao responsável civil integram determinado tipo criminal. Vejam-se, no mesmo sentido, os acórdãos do STJ de 02-12-2004, proc. n.º 04B3724, e de 25-03-2009, proc. n.º 08B2415, de 04-07-2023, proc. 14654/21.0T8SNT.L1.S1, o acórdão do TRE de 21-06-2007, proc. n.º 721/07-2, e os acórdãos do TRP de 19-02-2024, proc. n.º 1172/21.6T8PNF-B.P1, e de 10-04-2025, proc. 1890/24.7T8PRD.P1, todos acessíveis em dgsi.pt.
Compulsada a matéria dada como provada, que corresponde à alegada pelo autor no que tange à dinâmica do sinistro e danos corporais que o mesmo sofreu em sua decorrência, entende-se demonstrada a comissão, pelo condutor do veículo de matrícula ..-..-VU, seguro pela ré, do crime de ofensa à integridade física por negligência p. e p. pelo art. 148º, n.º1, do CP.
Na verdade, do elenco factual provado emerge que o condutor do veículo mencionado, actuando no perfeito domínio da sua vontade, violando os deveres de cuidado consagrados nas regras de condução rodoviária previstas nos arts. 18º, n.º1, e 24º, n.º1, do Cód. da Estrada, que estava em condições de cumprir, atentas as características da faixa e rodagem, deu causa ao sinistro em referência dos autos e a danos na integridade física do autor.
Entende-se, face ao referido, que ao caso em apreço se mostra aplicável o disposto no art. 498º, n.º3, do CC, relevando o prazo de cinco anos acima mencionado como prazo de prescrição do direito invocado pelo autor, conforme assumido na decisão impugnada.
Considerando o caso dos autos, o prazo de prescrição previsto no art. 498º do CC inicia-se na data em que o sinistro ocorreu, posto que a partir de então o autor passou a ter conhecimento do direito ao ressarcimento dos danos que sofreu em consequência do mesmo – cfr., a propósito, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. I, 4ª ed., p. 503, nota 1.
O sinistro em apreço nos autos ocorreu no dia 14-12-2017, sendo essa a data a considerar para o início do prazo de prescrição do direito que o autor neles exerce.
O instituto da prescrição tem por fundamento específico a negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica (dormientibus non succurrit ius).
Outras razões, porém, se costumam invocar, num plano secundário, para justificação do instituto prescricional: uma consideração de certeza ou segurança jurídica, a qual exige que as situações de facto que se constituíram e prolongaram por muito tempo, sobre a base delas se criando expectativas, se mantenham, não podendo ser atacadas por anti-jurídicas; a necessidade de obviar, em face do decurso do tempo, à dificuldade de prova por parte do sujeito passivo da relação jurídica; e ainda uma razão de pressão ou estímulo educativo exercido sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando não queiram abdicar deles (cfr. Manuel de Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, 1987, pag. 445 e ss.).
A prescrição, sendo uma excepção peremptória, desencadeadora da absolvição do réu do pedido (cfr. artigo 576º, n.º 1 e 3, do CPC), constitui uma particular forma de extinção dos direitos, mediante o simples decurso de um lapso temporal. Assim, “se o titular de um direito o não exercer durante certo tempo fixado na lei, extingue-se esse direito. Diz-se, nestes casos, que o direito prescreveu (ou caducou)” - Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, pág. 373).
A prescrição deve ser invocada por aquele a quem aproveita – art. 303º do CC – iniciando o seu curso “quando o direito puder ser exercido; se, porém o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição” – cf. artigo 306º, nº 1, CC.
De acordo com o disposto no art. 304º, n.º1, do CC, completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
Por força do disposto no art. 323º, n.º1, do CC, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo da prescrição referido, atento o disposto no número 3 do mesmo artigo.
É equiparado à citação ou notificação, para os efeitos de interrupção da prescrição, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido, atento o estatuído no art. 323º, n.º4, do CC.
Decorre dos preceitos mencionados que a interrupção do prazo de prescrição ocorre quando o credor, por meio judicial, exerça ou dê a conhecer ao devedor a intenção de exercer o seu direito.
Como refere F. A. Cunha de Sá (Modo de Extinção das Obrigações – Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Teles, vol. I, 2002, Coimbra, Livraria Almedina, p. 255-256), a ideia subjacente à causa interruptiva da prescrição mencionada é dupla: por um lado, o credor exercer o seu direito ou exprimir a intenção de o fazer; por outro lado, ter o devedor conhecimento do exercício daquele direito ou desta intenção.
Na esteira do afirmado pelo aludido autor, o referido explica o motivo que levou o Legislador a optar pela interrupção da prescrição em referência apenas por actos de carácter judicial, que conferem maior segurança ao devedor na tomada de conhecimento da intenção do credor, e que aceite a prescrição como interrompida com independência do processo a que o acto pertence, da competência ou incompetência do tribunal e até mesmo da validade ou invalidade do meio judicial de que o credor lançou mão. O que releva para operar a interrupção da prescrição é que o credor exerça o seu direito ou exprima a intenção de o fazer e que o devedor tenha conhecimento de tal exercício ou da mencionada intenção.
Atendendo ao acima referido, considerando o caso dos autos, resulta demonstrado que o autor, na acção n.º 3449/19.1T8LSB deduziu incidente de intervenção principal provocada de Ageas Portugal Companhia Seguros, SA., tendo, no requerimento em que o fez, formulado, contra a mesma, pretensão de condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 40 000,00 a título de indemnização pelos danos que sofreu em consequência do acidente de viação que aí identificou, com fundamento, além do mais, no art. 483º, n.º1, do CC. Trata-se de claro exercício do direito de indemnização consagrado em tal preceito.
Por outro lado, está igualmente demonstrado que a ré, Ageas Portugal Companhia Seguros, SA, na aludida acção n.º 3449/19.1T8LSB, em cumprimento de decisão proferida a 22-05-2019, foi citada para contestar a pretensão contra si formulada pelo autor no requerimento onde deduziu o aludido incidente de intervenção principal provocada, tendo tal citação sido efectuada a 31-05-2019 (data em que o aviso de recepção foi assinado, como decorre dos arts. 230º, n.º1, e 246º, n.º1, do CPC).
Em tal data, a ré tomou conhecimento do exercício, contra si, pelo autor, do direito de indemnização que este invoca quer no aludido processo n.º 3449/19.1T8LSB quer nos presentes autos.
Do circunstancialismo mencionado evidencia-se que a materialidade subjacente à causa interruptiva da prescrição consagrada no art. 323º, n.º1, do CC, foi alcançada: o autor exerceu o seu direito contra a ré; esta tomou conhecimento desse exercício contra si.
Ao invés do defendido pela recorrente, entende-se que circunstância de a decisão que ordenou a citação mencionada ter sido revogada em sede de recurso, mostrando-se esta, por consequência, indevida (posto que executada em cumprimento da aludida decisão), não compromete o resultado por ela alcançado e, por isso, não obsta a que a interrupção da prescrição tenha operado na data em que a mesma foi efectuada, ou seja, a 31-05-2019, por força do disposto no art. 323º, n.º1, do CC.
Importa ter presente que a interrupção do prazo prescricional só se verifica quando o mesmo ainda não decorreu por completo (cf. o acórdão do TRE de 27-06-2019, processo n.º 2383/18.7T8STR, acessível em dgsi.pt) e que, considerando que teve início a 14-12-2017, na data da citação referida (31-05-2019), ainda não se mostrava alcançado o termo do prazo de prescrição de cinco anos, previsto nos arts. 498º, n.º3, do CC, e 118º, n.º1, al. c), do Cód. Penal.
Considerando o disposto no art. 326º, n.º1 e 2, do CC, a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto no art. 327º, n.º1 e 3, do CC, sendo que a nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo situação prevista no art. 311º do mesmo código, que não releva para o caso em apreço.
Por força do estatuído no art. 327º, n.º1 e 2, do CC, se a interrupção do prazo prescricional resultar de citação, notificação ou acto equiparado (além do mais que não releva para a economia da presente decisão), o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não transitar (ou passar) em julgado a decisão que puser termo ao processo, no que respeita ao devedor, salvo quando se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta (além de outro circunstancialismo que não releva para a decisão), situações em que o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo.
Considerando, por hipótese, a aplicação ao caso dos autos da norma consagrada no art. 327º, n.º2, do CC, mais favorável à posição da ré do que a norma constante do número 1 do mesmo artigo, o prazo de prescrição começou a correr novamente no dia 31-05-2019, data em que a citação na primeira acção foi realizada, tendo operado a interrupção do prazo prescricional.
Importa, por ora, ter presente que a situação epidemiológica provocada pelo SARS-CoV 2 e pela doença de COVID-19 deu origem à aprovação e à vigência de várias leis, sucessivas, que visaram pôr em prática medidas excecionais para fazer face à pandemia e ao impacto generalizado que produziu na vida económica e social do país.
Foi nesse contexto que o artigo 7º, n.º 1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, estabeleceu que: “1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, aos actos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos, que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, aplica-se o regime das férias judiciais até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, conforme determinada pela autoridade nacional de saúde pública.”.
No n.º 3 desse mesmo artigo estabeleceu-se que: “3 - A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.
Por fim, do nº 4 do artigo aludido resulta: “4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.”
Regime similar emergiu da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, estabelecendo o seu artigo 6º-B, sob a epígrafe: “Prazos e diligências”:
1 - São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de actos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes. (…)
3 - São igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1.
4 - O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão
.”
Os diplomas referidos estabeleceram regimes excepcionais de suspensão dos prazos de prescrição em curso por forma a fazer face à situação pandémica, atenuando o seu impacto na efectivação da tutela jurisdicional.
Tais regimes vigoraram entre o dia 9 de Março de 2020 e o dia 3 de Junho de 2020, no total de 87 dias (como resulta da conjugação das normas citadas como os artigos 5º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, e artigos 8º e 10º da Lei n.º 16/2000 de 29 de Maio), e entre o dia 22 de Janeiro de 2021 e o dia 5 de abril de 2021, num total de 74 dias (cfr. artigos 4ºB, 5º, 6º-B, nº 3 da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro).
As normas mencionadas aplicam-se a processos não instaurados à data da sua vigência e a prazos de prescrição em decurso na mesma – cf.: Menezes Leitão, Os prazos em tempo de pandemia Covid-19, in Estado de Emergência – Covid – 19 – Implicações na Justiça, 2.ª Ed., Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, Junho 2020, p. 72-73, disponível em cej.justiça.gov.pt; Marco Carvalho Gonçalves, Actos Processuais e Prazos no Âmbito da Pandemia de Doença Covid, p. 11, disponível em https://repositorium.sdum.uminho.pt; acórdãos do TRP de 25-01-2024, processo n.º 21006/22.3T8PRT.P1, do TRE de 09-05-2024, processo n.º 665/21.0T8PTG-B.E1, e desta Secção de 27-03-2025, processo n.º 867/22.1T8ACB-F.L1-2, disponíveis em dgsi.pt.
Em decorrência do referido, somando os dois períodos de suspensão do prazo em questão, encontra-se um total de 161 dias, que deverão ser acrescentados ao termo do prazo de prescrição previsto no art. 498º, n.º1, do CC, que ocorreria normalmente, ou seja, a 31-05-2024.
A citação na presente acção foi efectuada a 29-10-2024, sendo essa a data que releva para ponderar a ocorrência de nova interrupção do prazo de prescrição do direito que o autor pretende fazer valer na lide, posto que anterior ao termo do prazo de cinco dias previsto no art. 323º, n.º2, do CC.
A citação mencionada ocorreu antes do termo do prazo de prescrição referido acima acrescido dos dois períodos de suspensão, no tal de 161 dias, a que se aludiu.
Com a citação referida, no dia 29-10-2024, operou-se nova interrupção do prazo mencionado, por força do estatuído no art. 323º, n.º1, do CC, encontrando-se o mesmo suspenso, atento o disposto no art. 327º, n.º1, do mesmo código.
Conclui-se, assim, ponderando o prazo previsto nos arts. 498º, n.º3, do CC, e 118º, n.º1, al. c) ,do Cód. Penal, que o direito que o autor pretende fazer valer na presente lide não se mostra prescrito, mesmo considerando a possibilidade de adopção da solução mais favorável à posição da ré, no sentido da aplicação da norma constante do art. 327º, n.º2, do CC.
Decorre do exposto que a argumentação expendida pela recorrente, no sentido da insuficiência da matéria de facto provada para a apreciação da excepção de prescrição, se mostra improcedente. Na verdade, a factualidade demonstrada nos autos permite o conhecimento seguro de tal excepção.
A decisão impugnada deve, pelo exposto, ser mantida.
Conclui-se, assim, pela improcedência do recurso.
*
4.
Considerando a improcedência da apelação, a recorrente deverá suportar as custas do recurso (art. 527º, n.º1 e 2 do CPC).
*
III.
Em face do exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o Colectivo desta 2ª Secção em julgar o recurso interposto pela ré improcedente e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrente.
Notifique.
*
Lisboa, 10 de Julho de 2025.
Os Juízes Desembargadores,
Fernando Caetano Besteiro
Susana Gonçalves
Laurinda Gemas