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MÚTUO BANCÁRIO
VENCIMENTO ANTECIPADO
PRESCRIÇÃO
AUJ
Sumário
Sumário (elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC): I – Tendo ficado estipulado pelos outorgantes de mútuos bancários que os empréstimos seriam pagos “em prestações mensais, sucessivas e constantes de capital e juros”, conclui-se que os mutuários assumiram prestações periódicas, sendo aplicável, relativamente a cada uma das prestações em dívida, o prazo de prescrição de cinco anos previsto na alínea e) do artigo 310º, CC, dado que ali ficaram acordadas “quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”. II – Idêntico entendimento é aplicável às prestações de mútuo antecipadamente vencidas, ao abrigo do disposto no artigo 781º, CC, dado que, mesmo nessa hipótese, continuam a abranger as quotas de amortização do capital com os juros. III – Tal interpretação, além de se mostrar consentânea com o critério interpretativo da “letra da lei”, é a que melhor se adequa ao propósito legal subjacente à previsão do prazo de prescrição quinquenal de proteção do devedor perante a obrigação de pagamento de montante excessivamente oneroso, suscetível de gerar a sua insolvência. IV – Trata-se, aliás, de interpretação judicialmente consolidada no AUJ nº 6/2022 (Diário da República Série I, de 2022-09-22), que mantém pertinência e atualidade, e que tem vindo a ser aplicada de forma uniforme. V – Se o crédito da exequente, emergente de mútuo bancário antecipadamente vencido, foi admitido e graduado em apenso de reclamação de créditos, por sentença proferida em 28-03-2013, a notificação dos reclamados naquele apenso, em data não apurada mas necessariamente anterior à da sentença, interrompeu o prazo de prescrição de cinco anos que se reiniciou e completou em data anterior à da instauração da execução (19-10-2024). VI – Tendo a exequente exercido os seus direitos enquanto credora reclamante e obtido o pagamento parcial do seu crédito por lhe ter sido reconhecida prioridade sobre o produto da venda do bem penhorado, se optou por não instaurar execução para obter o pagamento do remanescente de tal crédito, apenas a si é imputável a inatividade processual que acabou por não impedir a prescrição.
Texto Integral
Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:
I – RELATÓRIO Da execução:
A exequente “Scalabis, STC SA”, instaurou, em 19-10-2024, no Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada, execução para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, contra os executados A e B, alegando, no essencial:
- Por contrato de cessão de créditos, celebrado em 27 de janeiro de 2021, o Banco BPI, S.A. cedeu à Sociedade “Lx Investment Partners, S.A.R.L”, uma carteira de créditos, bem como todas as garantias a eles inerentes, entre os quais o que detinha sobre os executados;
- Em 19 de abril de 2021, a “Lx Investment Partners, S.A.R.L.”, cedeu à ora Exequente “Scalabis-STC, S.A.”, o crédito que detinha sobre os executados, bem como todas as garantias a ele associadas;
- O cedente Banco BPI S.A., no exercício da sua atividade bancária, havia celebrado, no dia 21-09-2005, com A e B, na qualidade de mutuários, um contrato de mútuo com hipoteca pelo valor de € 126.504,00, com o nº 00.0329979.165.003;
- As obrigações emergentes de tal contrato ficaram garantidas por hipoteca sobre a fração autónoma designada pela letra “B”, do prédio destinado a habitação sito na Rua Maria Luísa Teixeira, nº …, freguesia de Ponta Delgada (São Pedro), concelho de Ponta Delgada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada, sob o n.º … e inscrito na matriz sob o Artigo …;
- Os mutuários utilizaram integralmente a quantia mutuada, mas incumpriram o contrato de mútuo;
- No decurso do processo executivo nº …/10.8TBPDL, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores – Ponta Delgada - Juízo Central Cível e Criminal - Juiz 2, o Banco BPI foi notificado da penhora do imóvel hipotecado para ali reclamar créditos;
- O BPI, na sequência de tal notificação ali reclamou créditos, em 19-03-2012, no valor de € 112.280,59, tendo-lhe sido reconhecida prioridade no pagamento de tal crédito, na qualidade de credor hipotecário;
- O imóvel dado em garantia veio a ser adjudicado ao BPI por € 93.600,00, mantendo-se em dívida quanto a tal contrato a quantia de € 72.452,34;
- Não foram recuperadas judicial ou extrajudicialmente outras quantias para liquidação do contrato de crédito, pelo que se mantém em dívida a referida quantia.
*
Com o requerimento executivo, a exequente juntou cópia dos contratos de cessão de créditos ali referidos, bem como da escritura de mútuo, da petição de reclamação de créditos e da sentença de reclamação de créditos proferida no apenso A da referida execução (nº …/10.8TBPDL).
* Dos embargos de executado
Citados os executados, a executada, em 25-11-2024, deduziu embargos de executado, alegando, no essencial:
- O Banco BPI reclamou créditos na qualidade de credor hipotecário no processo nº .../10.8TBPDL, reclamando a totalidade do crédito emergente do contrato de mútuo em causa, que à data já se encontrava vencido;
- A embargada refere que a embargante entrou em incumprimento em 06-12-2011, data do início do cálculo de juros de mora, ou, caso assim não se entenda, que o incumprimento se reporta a 19-03-2012, data da reclamação de créditos;
- A sentença de graduação de créditos proferida a 11-03-2013, no âmbito do processo .../10.8TBPDL-A transitou a 12-03-2013;
- Por aplicação do prazo de prescrição previsto no artigo 310º, alínea e), CC, o crédito em questão estava prescrito na data da instauração da execução (que a embargante, por manifesto lapso, situa em 12-10-2024, correspondendo à data em que foi assinado eletronicamente o requerimento executivo que foi apresentado em juízo em 19-10-2024) e na data da citação da executada (04-11-2024).
*
Foram liminarmente admitidos os embargos, por despacho de 07-01-2025, que a embargada contestou, alegando, com relevo para a presente decisão, não ter ocorrido a prescrição da dívida exequenda, tendo por base os seguintes fundamentos:
- Após o incumprimento das operações acionadas, o plano de amortização do capital mutuado ficou sem efeito, deixando de ser exigíveis as quotas de amortização e juros;
- Após a reclamação de créditos verificou-se o incumprimento definitivo do contrato e a obrigação da embargante converteu-se numa obrigação única, não podendo ser equiparada a uma prestação periódica e renovável, recuperando a sua natureza original;
- Na execução a exequente exigiu o pagamento da totalidade da dívida e não o pagamento de prestações avulsas;
- Consequentemente, é aplicável o prazo de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309º, CC;
- Mesmo que assim não se entenda, a aplicação do prazo previsto na alínea e) do artigo 310º, CC apenas poderia ocorrer quanto à parcela de juros devidos e não à totalidade do montante em dívida;
-Se o Banco Cedente foi notificado para reclamar créditos no âmbito do processo judicial n.º .../10.8TBPDL e fê-lo em 19/03/2012 a contagem do prazo dos 20 (vinte) anos de prescrição interromper-se-ia, retomando-se a sua contagem a partir da data de extinção do processo;
- Sempre estaria em causa uma obrigação natural;
- A aplicação do prazo de prescrição de 5 anos implica uma visão simplista de desresponsabilização perante créditos bancários, subvertendo o valor da segurança jurídica;
Concluiu a exequente/embargada que a obrigação exequenda não se encontra prescrita.
*
Foi proferido despacho saneador em 18-03-2025, que afirmou a regularidade da instância.
Colhido o acordo das partes, em 07-04-2025, foi proferida decisão final, que julgou procedente a exceção de prescrição, transcrevendo-se o seu conteúdo, na parte relevante para a apreciação da presente apelação:
“ (…) III - Fundamentação.
A - Factos provados com interesse para a causa:
1. Por contrato de cessão de créditos, em 27 de janeiro de 2021 o BANCO BPI, SA. cedeu à Sociedade LX INVESTMENT PARTNERS III, SARL, uma carteira de créditos, bem como todas as garantias a eles inerentes, conforme contrato de cessão de créditos;
2. Por contrato de cessão de créditos celebrado a 19 de abril de 2021, LX INVESTMENT PARTNERS III, SARL, cedeu à ora Exequente SCALABIS - STC, SA., os créditos que detinha sobre A e B, cessão da qual resultou a transmissão de créditos para a mesma, bem como de todas as garantias a eles associadas;
3. A e B foram notificados da celebração dos contratos referidos em 1. e 2.;
4. O Banco BPI SA., no exercício da sua atividade bancária mutuou no dia 21.9.2005, por escritura, com os mutuários A - NIF ... e B – NIF ... um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca no montante de €126.504,00 (cento e vinte e seis mil quinhentos e quatro euros);
5. Em segurança das obrigações pecuniárias emergentes do empréstimo apontado em 4., AA e B constituíram a favor do então mutuante, hipoteca sobre a fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao PRIMEIRO ANDAR E FALSA, destinado a habitação, do prédio urbano sito na Rua Maria Luísa Teixeira, nº…., freguesia de Ponta Delgada (São Pedro), concelho de Ponta Delgada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada, sob o nº… e inscrito na matriz sob o artigo …;
6. O empréstimo referido em 4., foi integralmente utilizado por A e B, assim se constituindo estes devedores da quantia mutuada, dos juros inerentes, e ainda dos demais encargos como contratualmente previsto do respetivo documento complementar;
7. Sucede que no decurso do processo executivo nº..../10.8TBPDL o Banco BPI, na qualidade de exequente, veio a ser notificado da penhora do imóvel hipotecado e para reclamar créditos no âmbito do processo judicial nº..../10.8TBPDL que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores - Ponta Delgada - Juízo Central Cível e Criminal - Juiz 2, coisa que fez;
8. À data da reclamação de créditos apontada em 7., 19.3.2012, o empréstimo em causa registava incumprimento e a dívida ascendia a €112.280,59, a saber:
. capital: €110.115,24;
. juros de 6.12.2011 a 19.3.2012 à taxa de 6,636% (2,636% de juros remuneratórios e 4% de juros moratórios): €2.082,07;
. imposto de Selo: €83
imposto de Selo: €83,28,
Total: €112.280,59;
9. No âmbito da sentença proferida no apenso A do processo judicial .../10.8TBPDL referente à reclamação de créditos referida em 7. e 8., ficou determinado que o Banco BPI, na qualidade de credor hipotecário, teria prioridade no pagamento proveniente da receita da venda do imóvel apontado em 5. e ali penhorado;
10. O imóvel apontado em 5., veio, no processo referido em 7., a ser adjudicado ao Banco BPI SA. pela quantia de €93.600,00 (noventa e três mil seiscentos euros) em 27.11.2015, montante que, contudo, não foi suficiente para liquidação integral do empréstimo mencionado em 4.; e
11. Após, não foram recuperadas judicial ou extrajudicialmente outras quantias para liquidação dos contratos de crédito, pelo que se mantém, atualmente, quanto ao contrato ...165.001 em dívida a quantia de €72.452,34 (setenta e dois mil quatrocentos e cinquenta e dois euros e trinta e quatro cêntimos), a saber:
. capital: €45.584,07;
. juros de 6.12.2011 até 12.4.2024 à taxa contratual de 6,636% (com contabilização do valor recebido por adjudicação de imóvel, venda datada de 27.11.2015): €26.868,27;
Total: €72.452,34, valor a que acrescem os juros de mora vincendos à taxa legal de 4,00%.
(…)
D - O Direito:
Os embargos são um dos instrumentos jurídicos colocados à disposição do executado, que lhe permitem impedir a produção dos efeitos do título executivo. Podem fundar-se em oposição de mérito sempre que o executado ataca a obrigação exequenda alegando a sua inexistência ou a sua insubsistência…ou pode constituir, doutra banda, uma oposição de forma - alegação da falta de pressuposto processual…fundamentos que é a própria lei a apontar - artºs.728º a 734º, do Código Processo Civil.
Dispõe o artº.10º, nº.5 do Código de Processo Civil, que toda a execução tem na sua base um título (executivo), pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.
A questão do título não sofre controvérsia, o que a embargante diz é que a dívida associada a esse título está prescrita por terem decorrido mais de 5 anos sobre o último ato de cobrança.
A questão nem sempre foi pacífica, contudo, está resolvida pela jurisprudência.
(…)
Aqui chegados, pegando na matéria de facto que temos provada acima, não temos dúvidas que o mútuo foi concedido, usado e era amortizável em prestações que a partir de certa altura não foram pagas, vencendo-se.
Entre várias vicissitudes o credor recebeu, pela última vez e por conta do empréstimo aqui em causa o valor de €93.600,00 em 27.11.2015…coisa que o credor não podia ignorar.
A execução a que estes embargos correm por apenso e por via da qual o credor pretende cobrar o remanescente do crédito deu entrada em juízo no dia 19.10.2024.
Assim…entre a data daquele último ato de cobrança (27.11.2015) e a interposição da execução (19.10.2024) decorreram 8 anos 10 meses e 23 dias.
É, agora, seguro que os mútuos, pagáveis em prestações onde se incluem capital e juros, prescrevem no prazo de 5 anos tal como decorre do artº.310º, al.a) do CC e para isso basta atermo-nos à jurisprudência uniforme do STJ fixada no seu acórdão 6/2022 de 22.9.2022…sendo inexorável que desde o momento em que o credor poderia ter exigido o pagamento, tal como decorre do artº.306º, nº.1 do CC, e o momento em que os embargantes foram executados, sem qualquer interrupção ou suspensão pois no período compreendido entre 27.11.2015 e 19.10.2024 nenhum ato de cobrança foi realizado, decorreram mais do que 5 anos…verificando-se, a prescrição invocada.
Como decorre da jurisprudência acima aponta, que se segue, o vencimento antecipado do crédito não altera a natureza da dívida estando ela prescrita, o que se declara.
Assim, procederão totalmente os embargos.
IV - Decisão.
Em face do exposto, julgo procedentes os embargos à execução deduzidos por B e, em consequência:
. declaro prescrito o crédito subjacente ao título dada à execução, do qual era titular a Scalabis - Stc., SA., declarando, outrossim e em razão disso, prescrita a obrigação da embargante B daí resultante, absolvendo-a do pedido e determinando a extinção da execução.
Custas pela embargada.
Registe e notifique”.
*
Não se conformando com tal despacho, a exequente/embargada do mesmo interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“A. Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu declarar “prescrito o crédito subjacente ao título dada à execução, do qual era titular a Scalabis - Stc., SA., declarando, outrossim e em razão disso, prescrita a obrigação da embargante B daí resultante, absolvendo-a do pedido e determinando a extinção da execução.”
B. A recorrente não se pode conformar com tal sentença.
C. Considerou o Tribunal a quo que os contratos de mútuo, pagáveis em prestações onde se incluem capital e juros, prescrevem no prazo de 5 (cinco) anos tal como decorre do artigo 310º, al. a) do Código Civil (doravante CC) e para isso basta atermo-nos à jurisprudência uniforme do STJ fixada no seu acórdão 6/2022 de 22 de setembro de 2022.
D. Tese esta que não se acolhe, pelas razões já invocadas em sede de contestação.
E. É verdade que a execução a que estes embargos correm por apenso e por via da qual a Exequente pretende cobrar o remanescente do crédito, deu entrada em juízo no dia 19 de outubro de 2024.
F. Facto que leva o tribunal a quo a considerar que decorreram 8 anos 10 meses e 23 dias, desde a última vez que a Exequente recebeu, pela última vez e por conta do empréstimo aqui em causa o valor de €93.600,00 em 27 de novembro de 2015.
G. No entanto, a Exequente reclamou créditos no processo n.º .../10.8TBPDL – processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores - Ponta Delgada - Juízo Central Cível e Criminal - Juiz 2, em 19/03/2012.
H. Nesta data, o prazo de prescrição foi interrompido, conforme alude o n.º 1 do artigo 323º do CC até 27 de novembro de 2015 – data em que a Exequente recebeu o produto da venda do imóvel.
I. A referida execução .../10.8TBPDL só foi extinta em 25/09/2024.
J. Ainda que a aqui Exequente só figure naquela execução como credora, estava a par da mesma e, motivo pelo qual não executou os contratos ali reclamados.
K. Para a Exequente, não fazia sentido estar a executar os mesmos contratos reclamados, quando já existia uma execução em curso, até porque por muito que a Exequente tenha noção que não existe litispendência, certo é que naquele processo verifica-se a mesma identidade quanto aos sujeitos passivos e a causa de pedir (em sede de reclamação de créditos).
L. Deste modo, só após a extinção daquela execução é que deu a Exequente entrada de nova execução para recuperação daqueles contratos.
M. Ou seja, só após a extinção da execução .../10.8TBPDL é que o prazo suspenso voltou a correr.
N. Como dispõe o artigo 327.º, n.ºs 1 e 2, do CC, “1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
2. Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o ato interruptivo.”. (sublinhado nosso).
O. Na opinião da Exequente, o regime deste preceito legal é, como se crê ser pacífico na doutrina e na jurisprudência, aplicável à ação executiva, seja no sentido de se aplicar o efeito duradouro da interrupção da prescrição (nomeadamente por citação ou ato equiparado, incluindo a interrupção prevista no art. 323.º, n.º 2, do CC), seja no sentido de se aplicar a cessação dos efeitos da interrupção, designadamente, pelo trânsito em julgado da decisão que ponha termo à execução.
P. Quanto à decisão transitada em julgado que releva, no quadro do processo executivo, para os efeitos previstos no art. 327.º do CC, inclui-se, não só as decisões judiciais, mas também as decisões de extinção da execução decididas pelo agente de execução, sendo o decurso do prazo de 10 dias após tal decisão, sem reclamação/impugnação (art. 723.º, n.º 1, al. c), do CPC), porque implica a consolidação dessa decisão no processo, equiparável ao “trânsito em julgado” da decisão judicial.
Q. No caso sub judice, o prazo de prescrição esteve interrompido até 25/09/2024 – data em que a ação executiva foi extinta por deserção.
R. Entre 25/09/2024 e 19/10/2024 decorreram 3 (três) semanas.
S. Seguindo a linha de raciocínio da sentença de que se recorre, a solução da Exequente - que se rejeita, seria em alternativa, após a receção do produto da venda do imóvel, dar entrada de uma nova execução, reclamando os mesmos contratos reclamados no processo .../10.8TBPDL, indicando bens aleatórios à penhora – que sabia não existirem, de modo a evitar a prescrição, o que não se vislumbra que se enquadre no espírito do legislador e do instituto da prescrição, que assenta na inércia injustificada do credor.
T. Não nos parece que seria minimamente razoável admitir a prescrição, uma vez decorrido o prazo após a receção de valores por parte da Exequente, desde logo sob pena de inconstitucionalidade da interpretação do n.º 1 do artigo 327º do CC, a qual coartaria, de forma desproporcionada, os direitos do credor.
U. No entanto, e ainda assim fosse, desde a receção do produto da venda do imóvel em 27 de novembro de 2015 até à entrada da execução em 19/10/2024, não decorreram 20 (vinte) anos – prazo ordinário previsto no artigo 309º do CC.
V. Aqui chegados, claro que se poderá questionar qual seja, então, o prazo máximo de interrupção da prescrição de um crédito que tenha sido dado a uma execução posteriormente extinta.
W. E, de qualquer modo, mesmo do ponto de vista do direito a constituir, não seria desproporcionado/inconstitucional considerar que o prazo máximo dessa interrupção da prescrição, em casos como o dos autos, passasse a ser o prazo ordinário de 20 anos, equiparando-se à situação prevista no art. 311.º do CC, prazo aquele que, no caso, não se mostra decorrido.
X. Aliás essa é a tese defendida pela Exequente em sede de contestação e que aqui se reitera. Desde a data da reclamação de créditos até à entrada da execução 2410/24.9T8PDL, não decorreram 20 (vinte) anos.
Y. No entanto, mesmo se formos seguir a linha de pensamento da sentença de que se recorre, aplicando-se o prazo de 5 (cinco) anos, certo é que não decorreu sequer 1 (um) ano.
Z. É evidente que o crédito exequendo não se encontra prescrito, uma vez que o prazo de prescrição esteve suspenso até à extinção da execução .../10.8TBPDL, ou seja até 25/09/2024.
AA - Face a tudo o exposto, dúvidas não restam que o crédito peticionado na execução de que estes autos são apensos, não se encontra prescrito.” *
A embargante/executada apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos:
“1. O presente recurso é interposto da douta sentença proferida pelo tribunal a quo que decidiu julgar procedentes os embargos à execução e, consequentemente, declarar prescrito o crédito subjacente ao título dado à execução, do qual era titular a ora Recorrente, declarando, outrossim e em razão disso, prescrita a obrigação da Recorrida daí resultante, absolvendo-a do pedido e determinando a extinção da execução.
2. Sucede que a sentença recorrida não merece qualquer cesura.
3. A obrigação exequenda diz respeito a um contrato de mútuo bancário, desdobrado em quotas de amortização de capital, com prestações mensais pagáveis com juros.
4. Tal como referido na douta sentença do tribunal a quo, o credor, ora Recorrente “recebeu pela última vez e por conta do empréstimo aqui em causa o valor de €93.600,00 a 27-11-2015”.
5. A execução apensa a estes autos para cobrança do crédito referido deu entrada a 19-10-2024, data em que interrompe a prescrição, nos termos do artigo 327.º n.º 1 do CC, volvidos mais de 5 anos desde a data em que a Recorrente poderia ter cobrado o seu crédito.
6. Tal como decidido no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2022: “No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”.
7. Pelo que tal como decidido na douta sentença recorrida a obrigação encontra-se prescrita, devendo a execução principal ser extinta.
8. O Recorrente em sede alegações vem invocar um fundamento novo, que não foi alegado em sede de contestação dos embargos.
9. O Recorrente vem agora dizer, que não decorreu o prazo de prescrição da dívida, estatuído no artigo 310.º al. e) do CC, pois a execução n.º .../10.8TBPDL só foi declarada extinta a 25-09-2024, fundamento este, que não foi tido em conta na douta sentença recorrida, nem tão pouco foi objeto de contraditório, nos termos do artigo 3.º n.º 3 do CPC.
10. Nos termos do artigo 608.º n.º 2 do CPC, “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”.
11. O recurso de apelação tem como objetivo a impugnação da sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância, ou seja, permite ao tribunal superior o reexame de uma decisão proferida, com o objetivo de a confirmar, alterar ou revogar estando vedada a apreciação de questões não supervenientes, tal como consta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-10-2020, processo n.º 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1.
12. Assim, não tendo sido levantada a questão do prazo de prescrição só começar a correr após a extinção da execução n.º .../10.8TBPDL, em sede de contestação de embargados, este fundamento não foi apreciado em sede da sentença recorrida, o que significa que não pode ser levantada tal questão em sede de recurso, por ser um fundamento novo.
13. À cautela, mesmo que se considere que tal fundamento novo pode ser suscitado, então o mesmo não pode proceder pois, como refere e bem a Recorrente, aquela não é parte na execução n.º .../10.8TBPDL, apenas foi apresentada uma reclamação de créditos pelo credor hipotecário - Banco BPI, SA, cedente dos créditos reclamados à ora Recorrente.
14. A sentença da referida graduação de créditos foi proferida a 11-03-2013, no âmbito do processo .../10.8TBPDL-A transitou a 12-03-2013, assim, após o trânsito da sentença começou a correr novo prazo de prescrição, nos termos do artigo 327.º do CC.
15. Tendo o requerimento executivo, aqui em causa, dado entrada em 12-10- 2024 e tendo a Embargante sido citada a 04/11/2024, conclui-se sem sombras de dúvidas que o prazo prescricional de cinco anos decorreu há muito tempo.
16. Face ao exposto, o novo fundamento invocado, quanto à extinção da execução para efeitos de contagem de prazo prescricional, não deve ser atendendo pois não foi invocado em primeira instância.
17. Caso assim não se entenda sempre se dirá que, o prazo da prescrição para cobrança de dívida recomeça a contar após o trânsito em julgado da sentença de graduação de créditos, ou seja, a 12-03-2023.
18. Assim, não merece qualquer censura a sentença recorrida e consequentemente, deverá ser considerada prescrita a obrigação da ora Recorrente.”
*
Foi admitido o recurso, como apelação, com subida imediata nos próprios autos de embargos e efeito devolutivo.
*
Remetidos os autos a este tribunal, inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir.
*
II – QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608º, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC.
A questão a decidir consiste em saber se prescreveu ou não o crédito invocado pela exequente/embargada (ou seja, se se completou ou não o prazo de prescrição do crédito exequendo).
*
III - FUNDAMENTAÇÃO
Na decisão do presente recurso, serão ponderados os factos assentes na decisão recorrida e os que se extraem da consulta da tramitação processual e da documentação junta, que, com relevo para a apreciação da prescrição, se sintetizam nos seguintes termos:
- Entre o BPI SA (mutuante) e os mutuários A e B foi celebrado um contrato de mútuo, em 21-09-2005, garantido por hipoteca, pelo valor de € 126.504,00, montante que foi integralmente utilizado pelos mutuários;
- A hipoteca mencionada no artigo anterior foi constituída em benefício do mutuante sobre a fração autónoma designada pela letra B do prédio urbano sito na Rua Maria Luísa Teixeira, nº…., freguesia de Ponta Delgada (São Pedro), concelho de Ponta Delgada, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada, sob o nº…. e inscrito na matriz sob o artigo …;
- No contrato ficou clausulado que o crédito foi concedido pelo prazo de 360 meses e que seria amortizado empréstimo seria pago “em prestações mensais, sucessivas e constantes de capital e juros(…)” – cfr cláusula terceira do documento complementar ao contrato;
- No decurso do processo executivo nº.../10.8TBPDL, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores - Ponta Delgada - Juízo Central Cível e Criminal - Juiz 2, o Banco BPI foi notificado (em data que não foi possível apurar) da penhora do imóvel hipotecado, para ali reclamar créditos;
- Na sequência de tal notificação, o Banco BPI ali reclamou créditos em 19-03-2012 no valor de € 112.280,59, correspondente ao valor que se encontrava em dívida, à data no contrato de mútuo supra mencionado, tendo-lhe sido reconhecida prioridade de pagamento pelo produto da venda da fração hipotecada, ali penhorada;
- Na reclamação de crédito apresentada, o reclamante alegou: “Atualmente, o empréstimo em causa regista incumprimentos, sendo que, à data de 19/03/2012, a dívida ascende a € 112.280,59”;
- Em 28-03-2013, no apenso da reclamação de créditos daquele processo executivo (nº .../10.8TBPDL-A) foi proferida sentença que graduou os créditos ali reclamados, constando do seu dispositivo: “(…) Em face do exposto e tendo em atenção a prioridade dos créditos e dos registos das penhoras, é a seguinte a graduação de créditos a fazer nestes autos de reclamação de créditos: Quanto ao produto da venda do imóvel da Rua Maria Luísa Teixeira: 1.º - Créditos reclamados pelo BANCO B.P.I. (…)”
- No âmbito do referido processo executivo, tal fração foi adjudicada ao BPI pela quantia de € 93.600,00 (noventa e três mil seiscentos euros) em 27-11-2015;
- Após tal adjudicação, não foram recuperadas judicial ou extrajudicialmente outras quantias para liquidação do contrato de crédito supra mencionado, mantendo-se em dívida a quantia de € 72.452,34 (capital: €45.584,07; juros de 6.12.2011 até 12.4.2024: €26.868,27);
- Por contrato de cessão de créditos, em 27-01-2021 o “Banco BPI, S.A.” cedeu à “LX Investment Partners III, S.A.R.L.”, uma carteira de créditos, bem como todas as garantias a eles inerentes, designadamente os que detinha sobre a executada/embargante;
- Por contrato de cessão de créditos celebrado a 19-04-2021, “LX Investment Partners III, S.A.R.L.” cedeu à exequente “Scalabis – STC, S.A.”, os créditos que detinha sobre a executada/embargante.
Apreciando a questão suscitada, interessa ter presente que a prescrição, consubstanciando uma exceção perentória inominada, desencadeadora da absolvição do réu do pedido (cfr. artigo 576º, nºs 1 e 3, CPC), constitui uma particular forma de extinção dos direitos, mediante o simples decurso de um lapso temporal. Assim, “se o titular de um direito o não exercer durante certo tempo fixado na lei, extingue-se esse direito. Diz-se, nestes casos, que o direito prescreveu (ou caducou)” - Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, pág. 373). Por isso, a prescrição inscreve-se na problemática da repercussão do tempo nas relações jurídicas, devendo ser invocada por aquele a quem aproveita – cfr. artigos 296º e ss e 303º, Código Civil – iniciando o seu curso “quando o direito puder ser exercido; se, porém o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição” – cfr. artigo 306º, nº 1, Código Civil.
Decorre do artigo 304º, nº1, do CC, que uma vez completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito. Por assim ser, não tem qualquer sentido a invocação pelo exequente da figura da obrigação natural, que não assume qualquer virtualidade impeditiva da verificação da prescrição.
Nos presentes autos a principal controvérsia radica no prazo de prescrição a ponderar defendendo a embargante a aplicabilidade do prazo de cinco anos consagrado no artigo 310º, CC, alínea e), por estarem em causa “(…) quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”. Já a embargada defende a aplicação do prazo ordinário de prescrição de 20 anos (artigo 309º, CC).
Tal divergência decorre da apreciação do contrato de mútuo celebrado em 21-09-2005 que, na perspetiva da embargada, a partir do seu incumprimento (que situa na data em que reclamou o crédito na execução .../10.8TBPDL) se converteu numa obrigação única, não podendo desde então “(…) ser equiparada a uma prestação periódica e renovável” – cfr. artigo 3º da contestação de embargos. Assim, na tese da embargada o incumprimento do plano de prestações mensais acordadas: “(…) implica que o plano de pagamentos previsto no momento da contratação do mútuo fique sem efeito, pelo que a obrigação exequenda no caso sub judice, recupera a sua natureza original e é exigível a totalidade do capital (e juros ainda em dívida)” – artigo 5º da contestação de embargos.
Já a embargante defende que nos mútuos em causa foi convencionada a amortização das correspetivas dívidas em prestações periódicas de capital, integrando os respetivos juros. Acresce que, na sua perspetiva, a “(…) embargante entrou em incumprimento em 06/12/2011, data do início do cálculo dos juros de mora, ou caso assim não se entenda, que o incumprimento se reporta a 19/03/2012, data da reclamação de créditos”, sendo manifesto que “(…) foi reclamada a totalidade da dívida referente ao contrato” – artigos 7º e 8º da petição de embargos. Assim, impõe-se a aplicação do prazo de prescrição de cinco anos – cfr. artigo 310º, alínea e), CC.
Apreciando a questão suscitada, importa ter presente que o contrato que deu origem à dívida exequenda, sendo de mútuo, concretizou-se no empréstimo da apurada quantia em dinheiro, obrigando os mutuários à restituição “do mesmo género e qualidade” – cfr. artigo 1142º, CC. Tal contrato deve ser caraterizado como mútuo oneroso, dada a apurada convenção de pagamento de juros – cfr. 1145º, CC. Por assumir uma natureza real quod constitutionem, o mútuo que está na origem da quantia exequenda completou-se no momento da entrega da “coisa mutuada”, ou seja, do capital.
Por outro lado, atenta a qualidade de instituição de crédito do mutuante, está em causa um mútuo “bancário”, que pode apresentar diversas modalidades, quer no que se reporta à entrega e ao pagamento do capital (por uma só vez ou em prestações) ou ao modo de pagamento dos juros (desconto no capital, prestações periódicas ou a final) – neste sentido, Fernando Baptista de Oliveira, Contratos Privados, Vol. III, 2014. Pág. 111.
As prestações duradouras, prolongando-se no tempo, podem ser periódicas ou fracionadas – cfr. Rui de Alarcão, Direito das Obrigações, Coimbra 1983, texto elaborado com base nas suas lições pelos Srs. Drs. J. Sousa Ribeiro, J. Sinde Monteiro, Almeno de Sá e J. C. Proença, páginas 47 a 51.
As primeiras formam-se com certa periodicidade, renovando-se, constituindo um bom exemplo as obrigações do locatário. Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-02-2009 (proferido no processo nº 08A3952, disponível em www.dgsi.pt), citando abundante doutrina: “A prestação de obrigação periódica, quer na formação, quer na determinação do respetivo objeto, anda ligada ao fator tempo, de que depende. (cfr., sobre o ponto, VAZ SERRA, BMJ-74º-39; A. VARELA, “Das Obrigações em Geral”, I, 9ª ed., 94 e ss.; MENEZES CORDEIRO, “Direito das Obrigações”, I, 357; GALVÃO TELLES, “Direito das Obrigações”, 4.ª ed., 31”.
As prestações fracionadas caraterizam-se por a sua liquidação ocorrer de forma repartida ao longo do tempo
No caso em análise, interessa ter presente que no contrato de mútuo ficou acordado que a quantia mutuada seria paga “em prestações mensais e sucessivas de capital e juros”. Julgamos que tal facto, evidenciando a fixação, a cargo dos mutuários, de prestações periódicas, inscreve o litígio, relativamente a cada uma das prestações em dívida, no prazo de prescrição de cinco anos previsto na alínea e) do artigo 310º, CC, dado que ali ficaram acordadas “quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”.
Tal prazo de prescrição de cinco anos, sendo curto, visa evitar que “o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor” – Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, 4ª edição, Vol. I; Manuel de Andrade, Teoria Geral II, 1955, pág. 452.
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-03-2024 (proferido no processo nº 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt):
“se é certo que a disciplina legal estatuída na alínea e) do art. 310º do C.Civil se não estenderá aos casos em que se verifica “uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo”, o certo é que a realidade circunstancial que envolve o relacionamento contratual estabelecido entre o exequente e os executados se não propaga nesta realidade jurídico-substancial. Convenhamos que das considerações, difundidas por Ana Filipa Morais Antunes, insertas nos “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia; volume III; página 47” se retira lição diferente daquela que o recorrente pretende divulgar. Como nelas se contêm “…na situação prevista no artigo 310º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respetiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fracionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objeto a totalidade do montante em dívida (sublinhado nosso). Prosseguindo nesta análise, completa este estudo que constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas frações: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra”.
Conclui-se, pois, de harmonia com o entendimento jurisprudencial supra exposto – e consolidado -, que relativamente a cada uma das prestações em dívida é de aplicar o prazo de prescrição de cinco anos previsto na alínea e) do artigo 310º, CC – cfr. a título meramente exemplificativo, Acórdão da Relação de Lisboa de 15-12-2020 (proferido no processo nº 142434/17.7YIPRT.L1-7, disponível em www.dgsi.pt); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-07-2021 (proferido no processo nº 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt);), referindo-se no seu sumário: “I.— Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fraciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fraciona é uma quota de amortização. II. — Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil”.
Interessa agora determinar se o mesmo raciocínio é aplicável ao vencimento antecipado do crédito emergente de mútuo oneroso. Designadamente se o vencimento das prestações gera uma obrigação única, à qual se aplique o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309º, CC, ou se tal exigibilidade imediata não altera o escalonamento inicial relativo à devolução do capital e juros em quotas, impondo-se o prazo prescricional de 5 anos previsto no artigo 310º, alínea e), CC para as quotas de amortização.
Sobre esta questão pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça mediante acórdão que deu origem ao AUJ nº 6/2022, de 22 de setembro (Publicado do Diário da República Série I, de 2022-09-22), fixando a seguinte jurisprudência:
“I - No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação." "II - Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo 'a quo' na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas."
Neste acórdão foi ponderada situação similar à que está em debate nos presentes autos, com o incumprimento, por parte dos executados (mutuários), de prestações emergentes de contrato de mútuo, com o vencimento antecipado da totalidade da dívida. A propósito da norma que prevê o vencimento de todas as prestações em caso de incumprimento de uma delas (artigo 781º, CC), ali se refere: “(…) este preceito legal não prevê um vencimento imediato, apelidado por alguns "em sentido forte", das prestações previstas para liquidação da obrigação, designadamente da obrigação de restituição inerente a um contrato de mútuo com hipoteca, acrescido de um outro contrato de mútuo, como no caso dos autos - constitui antes um benefício que a lei concede ao credor, que não prescinde da interpelação, na pessoa do devedor, para que cumpra de imediato toda a obrigação, em consequência manifestando o credor a vontade de aproveitar o benefício que a lei lhe atribui - assim Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, II, 7.ª ed., 1997, pg.54, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª ed., 2009, pgs. 1017 a 1019, Pessoa Jorge, Lições de Direito das Obrigações, I (75/76), pg. 317, e Menezes Cordeiro, Tratado, Direito das Obrigações, IV (2010), pg. 39. A obrigação fica assim apenas exigível, ou, como alguns entendem, exigível "em sentido fraco". Note-se que a norma do artigo 781.º do Código Civil não se constitui como norma imperativa, mas existindo, como existe, nos contratos de mútuo dos autos uma cláusula no sentido de que à credora fica reconhecido o direito de "considerar o empréstimo vencido se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato", concedia-se à mutuante a possibilidade de atuar o vencimento do direito à totalidade das prestações convencionadas pelo simples facto de intentar ação executiva contra os mutuários, como intentou. Não existe, desta forma, nos contratos dos autos, qualquer cláusula de vencimento automático, apenas a reprodução do esquema de vencimento das prestações que a doutrina associa ao disposto no artigo 781.º do Código Civil”.
Consequentemente, no referido AUJ decidiu-se que o vencimento imediato das prestações não altera a natureza das obrigações inicialmente assumidas “(…), isto é, se altera o momento da exigibilidade das quotas, não altera o acordo inicial, o escalonamento inicial, relativo à devolução do capital e juros em quotas de capital e juros”. E ainda: “A considerar-se, como em diversas decisões das Relações (…), que o vencimento imediato das prestações convencionadas origina a sujeição do devedor a uma obrigação única, exigível no prazo de prescrição ordinário de 20 anos (artigo 309.º do Código Civil), não se atende ao escopo legal de evitar a insolvência do devedor pela exigência da dívida, transformada toda ela agora em dívida de capital, de um só golpe, ao cabo de um número demasiado de anos (por todos, e de novo, cf. Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, Bol.107/285, citando Planiol, Ripert e Radouant).”
Tal entendimento, que já era maioritário, tem vindo a ser seguido sem divergências, designadamente nos acórdãos que se passam a citar, todos consultados em www.dgsi.pt: Acórdãos da Relação de Lisboa de 21-01-2025 (proferido no processo n º 788/24.3T8ALM-A.L1-7); 05-12-2024 (proferido no processo 4929/22.7T8LSB.L1-2); de 19-11-2024 (proferido no processo nº 1921/21.3T8PTM.L1-7); Acórdãos da Relação de Coimbra de 12-11-2024 (proferido no processo 2068/22.0T8ANS-A.C1); de 12-04-2023 (proferido no processo nº 2065/21.2 T8SRE-A.C1); de 28-02-2023 (proferido no processo nº 812/16.3 T8PBL-B.C1); Acórdãos da Relação do Porto de 08-05-2025 (proferido no processo nº 827/24.8T8LOU-A.P1); de 10-04-2025 (proferido no processo nº 2676/23.1T8LOU-A.P1); de 08-04-2025 (proferido no processo nº 2638/23.9T8LOU-A.P1), referindo-se no seu sumário: “A jurisprudência consolidada tem preconizado que o vencimento antecipado da totalidade da dívida emergente de um contrato de mútuo não impede a aplicação do prazo prescricional de cinco anos, aludido art. 310.º, alínea e), do CC, no que concerne às quotas de amortização do capital e aos juros remuneratórios”.
Ora, os acórdãos invocados pela recorrente na contestação, a cuja consulta se procedeu em www.dgsi.pt, reportam-se a período anterior ao do referido AUJ, constituindo exemplos da divergência até aí existente, nesta matéria, não tanto ao nível do Supremo Tribunal de Justiça, mas dos Tribunais da Relação. Efetivamente, em tais acórdãos considerou-se que o crédito globalmente vencido já não poderia ser configurado como “quotas de amortização”, impondo-se a consideração do prazo de prescrição de 20 anos, consagrado no artigo 309º, CC. Porém, trata-se de entendimento jurisprudencial que nunca foi consensual e que se mostra ultrapassado, como se extrai do seguinte segmento do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que deu origem ao AUJ 13/2024, de 15 de outubro (Diário da República nº 200/2024, Série I de 2024-10-15):
“De tal sorte que a jurisprudência deste Supremo vem aplicando, sem divergências, o curto prazo de prescrição do art. 310.º/e) do C. Civil às prestações de reembolso de contratos de mútuo, prestações essas em que os juros estão integrados; aplicação essa extensiva ao caso das prestações serem declaradas antecipadamente vencidas, nos termos do art. 781.º do C. Civil (aqui, após alguma divergência, foi uniformizado tal entendimento pelo AUJ 6/2022, proferido no processo n.º 1736/19.8T8AGD-B.P1.S1, publicado no DR 1.ª série de 22.09.2022) e ao caso do crédito resultar da resolução do contrato de mútuo (cf. Ac. STJ de 23.01.2020, proferido no processo n.º 4518.17.8T8LOU-A.P1.S1; Ac STJ de 11/03/2020, proferido no processo 8563/15.0T8STB-A.E1.S1; e Ac. STJ 07/06/2021, proferido no processo 6261/19.4T8ALM-A.L1.S1”
Afigura-se que tal entendimento se mostra consentâneo com a “letra da lei” porquanto as prestações do mútuo, ainda que antecipadamente vencidas, abrangem todas as quotas de amortização do capital com os juros. Acresce que tal interpretação é a que melhor se adequa ao propósito assumido pelo legislador com a previsão do prazo de prescrição quinquenal de proteção do devedor perante a obrigação de pagamento de montante excessivamente oneroso, evitando que “(…) pela acumulação de prestações periódicas, se produza a ruína do devedor ( …)” – Vaz Serra, “Estudos” – Trabalhos Preparatórios do Código Civil, BMJ 106º-119.
Embora não obrigatório, qualquer acórdão de uniformização de jurisprudência visa evitar que decisões judiciais que envolvam a mesma lei e a análise da mesma questão de direito obtenham resposta judicial diversa, contribuindo para os valores da certeza do direito e da igualdade, assumindo caráter orientador e persuasivo.
No caso, concluindo-se que o entendimento fixado pelo AUJ nº 6/2022 mantém pertinência e atualidade, impõe-se a aplicação do prazo de prescrição de cinco anos, consagrado no artigo 309º, alínea e) do Código Civil.
Confirmando-se a ponderação do prazo prescricional de cinco anos ao crédito emergente de mútuo bancário antecipadamente vencido, interessa agora prosseguir na análise do regime da prescrição por forma a aferir se a mesma se verificou.
Não foi apurada a data em que os executados foram notificados da reclamação de créditos apresentada pelo mutuante em 19-03-2012 na execução .../10.8TBPDL. Essa notificação importa a interrupção do prazo prescricional que na altura estava já em curso, por aplicação do artigo 323º, nº 1, do Código Civil (“A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”).
Porém, poderemos considerar a data em que ali foi proferida sentença que admitiu e graduou tal crédito - 28-03-2013 –, por ser seguro que nessa data já a notificação dos reclamados havia ocorrido.
Acresce que resulta dos próprios termos da reclamação que foi alegado o incumprimento definitivo do mútuo, ali tendo sido liquidado e reclamado o capital integral em dívida, juros e imposto de selo. Daí se conclui que, por aplicação da norma consagrada no artigo 781º CC, a falta de realização de uma das prestações de ambos os mútuos, importou o vencimento das demais. Julgamos, pois, ser de considerar que pelo menos na data da reclamação do crédito já havia ocorrido o incumprimento do mútuo em causa nos autos.
Desconhecendo-se a data da notificação, centremo-nos na data da sentença proferida na reclamação de créditos apresentada pelo credor (mutuante) na execução .../19.8TBPDL, ou seja, em 28-03-2013.
Como se referiu, nessa data temos como certo que as diversas prestações se haviam já vencido (o crédito na sua totalidade), e que o prazo de prescrição em curso se interrompeu (na data da notificação ao devedor/reclamado da reclamação de créditos).
Ora, o Recorrente invoca a seu favor a disciplina do artigo 327º, nº 1, CC: “(…) o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo”.
Como estamos a ponderar um apenso de reclamação de créditos enxertado numa ação executiva (nº .../10.8TBPDL), temos, no fundo, dois processos em tese a considerar. Porém, como veremos, a solução final será idêntica.
É que, por um lado, a decisão final no apenso de reclamação de créditos havia sido proferida, e transitado em julgado, há mais de 5 anos na data em que a execução dos quais estes embargos são dependentes foi instaurada. Na verdade, embora não saibamos a data do trânsito em julgado da sentença de reclamação de créditos, é certo que na data da adjudicação do prédio hipotecado ao credor reclamante aqui exequente - 27-11-2015 - tal facto já havia sucedido. Como a execução da qual estes embargos são dependentes foi instaurada no dia 19 de outubro de 2024, é indiscutível que, nessa data. já havia decorrido integralmente o prazo de prescrição de 5 anos após a interrupção.
Por outro lado, se considerarmos o processo de execução (processo principal da referida reclamação de créditos), a respetiva instância veio a ser julgada deserta, pelo que se aplica aqui a norma do artigo 327º, nº 2, do Código Civil: “Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o ato interruptivo”. Deste modo, como a instância dessa execução foi julgada deserta, o prazo prescricional retomou o seu curso em data anterior à da referida sentença de reclamação de créditos. E assim sendo, também se deverá concluir que na data da instauração da execução dos quais estes embargos são dependentes (19 de outubro de 2024) já havia decorrido integralmente o prazo de prescrição de 5 anos.
Importa referir que a consideração do regime do artigo 327º, nº 1 e 2, do CC, contrariamente ao que sustenta a embargante, não constitui novo fundamento impeditivo dos embargos, mas apenas discussão jurídica da exceção de prescrição invocada. De todo o modo, como se referiu, não se verifica o invocado impedimento.
O crédito exequendo nestes autos encontra-se, portanto, prescrito.
Todavia, a recorrente, referindo-se à pendência da ação .../10.8TBPDL, afirma: “13. Para a Exequente, não fazia sentido estar a executar os mesmos contratos reclamados, quando já existia uma execução em curso. (…) 15. Deste modo, só após a extinção daquela execução é que deu a Exequente entrada de nova execução para recuperação daqueles contratos.”
Porém, a exequente não tinha que esperar pelo decurso daquela execução porque ali já exercera os seus direitos enquanto credora reclamante, tendo-lhe sido reconhecida prioridade quanto ao produto da venda do bem penhorado, o qual até lhe fora adjudicado. Ou seja, optou por não instaurar execução para obter o pagamento do remanescente do crédito que ainda subsistia na sua titularidade jurídica, quando nada mais podia esperar daquela execução pois já ali exercera os seus direitos. Conclui-se que apenas à exequente pode ser imputável a sua inatividade processual, por não ter instaurado execução antes do decurso do prazo de prescrição.
E contrariamente ao que refere, não foi após a extinção da execução da .../10-8TBPDL que o prazo suspenso voltou a correr, dado que tal vicissitude processual não configura causa de suspensão da prescrição (cfr- artigos 318º a 322º, CC).
Consequentemente, manifestamente volvidos 5 anos sobre a data da notificação do reclamado na referida execução nº .../10.8TBPDL, extinguiu-se, por prescrição, o crédito exequendo.
Por fim, constata-se que a recorrente considera inconstitucional a interpretação do n.º 1 do artigo 327º do CC, a qual coartaria, de forma desproporcionada, os direitos do credor. Contudo, não fundamenta a recorrente minimamente a inconstitucionalidade que invoca, nem se vislumbra que a interpretação da norma acima realizada ofenda qualquer preceito constitucional.
Assim, conclui-se pela improcedência do recurso, devendo ser confirmada a decisão da primeira instância.
A exequente/recorrente suportará as custas do recurso, por lhes ter dado causa – cfr. artigo 527º, nº 1, CPC.
*
IV– DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 2ª secção cível em julgar improcedente o recurso interposto pela exequente/embargada, confirmando a decisão recorrida que determinou a extinção da execução por procedência da exceção de prescrição deduzida pela executada B em embargos.
Custas do recurso pela recorrente – cfr. artigos 527º e 529º, CPC.
D.N.
Lisboa, 10 de julho de 2025
Rute Sobral
Arlindo Crua
Inês Moura