I. A decisão de facto é da competência das Instâncias, pelo que, o Supremo Tribunal de Justiça não pode, nem deve, interferir na decisão de facto, somente importando a respetiva intervenção, quando haja erro de direito, isto é, quando o acórdão recorrido viole o direito probatório.
II. Os factos instrumentais, que não preenchem a fatispécie de qualquer norma de direito substantivo que confira um direito ou tutele um interesse das partes, visam auxiliar a demonstração dos factos essenciais, têm uma função probatória, não têm de ser alegados pelas partes, podendo surgir no decorrer da instrução da causa.
III. O contrato de aluguer de cofre-forte é um contrato misto, que combina elementos dos contratos de locação e de depósito, em que o Banco, mediante remuneração, coloca à disposição do cliente um cofre, dentro das suas instalações, destinado à guarda, em segredo, de quaisquer coisas móveis, assumindo a obrigação essencial de zelar pela segurança do cofre e do seu conteúdo.
IV. A obrigação de uma entidade bancária de guardar o cofre de um cliente e o conteúdo nele depositado, garantindo a sua inviolabilidade, implica que aquela adote padrões de segurança elevados, pelo que, em caso de verificação de um assalto, recai sobre a mesma o ónus de provar a ausência de culpa da sua parte, pelo facto de se estar no âmbito da responsabilidade contratual.
V. O padrão de referência para apurar a culpa de uma entidade bancária é um padrão de conduta e de diligência especialmente exigente que está diretamente relacionado com a natureza da atividade desenvolvida, porquanto as instituições de crédito devem assegurar, em todas as atividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência.
7ª Secção (Cível)
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
1. AA e BB intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Caixa Geral de Depósitos, S.A., pedindo se declare:
a) que a ré incumpriu culposamente e de forma grave as obrigações a que estava vinculada por força do contrato de aluguer de cofre-forte de 11-07-2013, com o n.º PT ...67, celebrado com os autores, em especial, a obrigação de agir com o zelo e diligência necessários para garantir a segurança e protecção dos valores depositados e guardados por eles, no cofre individual nº 14, que lhes foi disponibilizado;
b) que tal acção culposa se presume, porquanto havia, para a ré, obrigações especiais de vigilância e de tomar as medidas necessárias para assegurar a salvaguarda do cofre dos autores e dos valores nele depositados;
c) que, em consequência desse incumprimento contratual, a ré Caixa Geral de Depósitos (CGD) deve ser condenada a pagar aos autores o montante total de € 246 000,00 (duzentos e quarenta e seis mil euros) correspondente:
1. A quantia de € 236 000,00€ (duzentos e trinta e seis mil euros) a título de indemnização por danos patrimoniais.
2. A quantia de € 5000,00 (cinco mil euros), a cada um, a título de danos não patrimoniais, totalizando € 10 000,00€ (dez mil euros).
Articularam, com utilidade, que, em 11-07-2013, celebraram com a Ré um contrato de aluguer de cofre-forte, nas instalações da agência da CGD de ..., a qual foi assaltada na madrugada de 05-11-2018, incluindo os cofres dos clientes, e que, aquando desse evento, mantinham depositado no cofre alugado a quantia total de €236.000,00 (duzentos e trinta e seis mil euros), que foi furtada no âmbito daquele assalto.
Alegam ainda que a Ré não tomou as medidas necessárias para assegurar a segurança do cofre e dos valores nele depositados, tendo incorrido a CGD em várias falhas e omissões, incumprindo culposamente a obrigação especial de vigilância, a que estava vinculada no âmbito daquele contrato, de que resultaram os vários danos cujo ressarcimento é peticionado nesta demanda.
2. Regularmente citada, contestou a Ré, impugnando a factualidade alegada pelos Autores e concluindo por pedir a sua absolvição do pedido.
3. Calendarizada a audiência final foi proferida sentença, em cujo dispositivo se consignou: “Julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência, condeno a ré no pagamento aos autores da quantia global de €106.000 (cento e seis mil euros), sendo 10% à autora BB e 90% ao autor AA.
Custas na proporção do vencimento e decaimento.”
4. Inconformadas com a sentença, ambas as partes recorreram, tendo os Autores, na sequência do recurso da Ré, apresentado recurso subordinado ao abrigo do art.º 633º do Código de Processo Civil.
5. O Tribunal a quo conheceu dos interpostos recursos, proferindo acórdão, em cujo dispositivo foi enunciado: “Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação:
1. Em julgar parcialmente procedente a apelação dos autores/recorrentes, e, em consequência, alterar a sentença recorrida, condenando a ré/recorrida ao pagamento adicional de € 30 000,00 (trinta mil euros), a somar à indemnização já fixada na decisão da 1.ª Instância que se confirma no demais.
2. Em julgar integralmente improcedente a apelação da ré/recorrente.
Custas da apelação dos autores pelos recorrentes e pela ré recorrida, na proporção dos seus decaimentos.
Custas da apelação da ré integralmente a seu cargo.”
6. Irresignada, a Ré/Caixa Geral de Depósitos, S.A. interpôs revista, aduzindo as seguintes conclusões (não corrigimos a errada numeração das conclusões):
“1 - O TRC entendeu dar como provado (facto eee) que foi efetuado no dia 08/07/2013, um levantamento de 100.000,00€ da conta bancária nº 1, pela A., depositando-o, nesse mesmo dia, no cofre nº 14, alterando igualmente a alínea bbb) dos factos provados, sendo certo que os AA. sempre alegaram que a conta de onde saia o dinheiro para der depositado no cofre nº 14 era a conta nº 2 e apenas essa;
2 - Nem a conta 3 (que resulta da primitiva redação da alínea eee) dada pela 1ª instância) nem a conta nº 1 foram alguma vez referidas pelos AA. nos articulados como sendo contas bancárias de onde tivessem saído em dinheiro vivo quaisquer quantias para subsequente depósito no cofre nº 14;
3 – Estas alterações às alíneas bbb) e eee) da matéria de facto provada extravasam o âmbito da matéria que foi submetida à apreciação do Tribunal, não se tratando de facto meramente instrumental, que pudesse ser integrado na matéria de facto provada ao abrigo do disposto no art. 5º nº 2 alínea a) e/ou b) do CPC;
4 - Atendendo a que os AA. apenas referiram nos articulados que os levantamentos em dinheiro vivo provinham da conta nº 2 a R. apenas se pronunciou relativamente a esta conta, e não a outras fontes de proveniência dos fundos em dinheiro vivo, e só quanto a ela exerceu contraditório, não lhe podendo ser assacado o ónus de impugnar factos que não foram alegados pelos AA. não podendo daí a Relação extrair consequências, como fez;
5 - Não foi apresentado pelos AA. nenhum articulado superveniente expondo que, na sequência da produção da prova em sede de audiência de julgamento, o dinheiro vivo que alegadamente se encontrava depositado no cofre nº 14 tinha afinal, além da conta nº 2 outra proveniência adicional, a saber a conta nº 1, ou qualquer outra conta;
6 - As instâncias não podiam pronunciar-se nem dar como provada matéria que não foi alegada pelos AA. e que não constitui nem facto instrumental nem mero complemento da matéria articulada;
7 - Entendeu o Tribunal da Relação que existiu “um manifesto lapso de escrita na redação do primeiro parágrafo do art. 66.º da petição inicial”, “manifesto lapso” esse que o próprio Tribunal da Relação decidiu oficiosamente corrigir, sem prévio contraditório – o que constitui decisão surpresa - alterando a matéria de facto provada nas alíneas bbb) e eee) da douta fundamentação de facto;
8 - Todavia, o Tribunal a quo não dispunha de elementos que lhe permitissem concluir que os AA. pretendiam indicar no nº 66 da sua p.i. que a conta sacada era a conta nº 1, e não a conta nº 2;
9 - Nem a R. nem o Tribunal sabem se se tratou de um lapso e se, tratando-se mesmo de um lapso, se o mesmo consistiu em incorreta articulação e identificação do nº da conta – como referiu o TRC - ou se se tratou de outro diferente lapso, por exemplo na alegação de que o dinheiro alegadamente levantado se destinava a ser guardado no cofre nº 14, ou, ainda, se ocorreu um qualquer levantamento;
10 - Com efeito, do cotejo do documento nº 12 com a alegação efetuada no nº 66 da p.i. não se pode concluir que exista lapso, ou que o lapso seja aquele que o TRC indica;
11 - São os AA. quem refere que as quantias que foram guardadas no cofre nº 14 saíram apenas da conta nº 2, conforme se constata (além do alegado no nº 66 da p.i.) também nos nºs 62, 64, 67 e 71 da sua petição inicial, pelo que a tratar-se de “manifesto lapso” então o mesmo teria forçosamente de se verificar não só relativamente ao alegado nº 66º da p.i. mas também a relativamente a todos os outros números da p.i em que apenas vem referida pelos AA. a conta nº 2 como sendo a única conta sacada para efeitos de imediato depósito no cofre nº 14;
15 - Aliás, o Tribunal a quo não explicou como entendeu ser possível que os AA. se tenham equivocado, para além do nº 66 da p.i., também nos nºs 62, 64, 67 e 71 quando neles articulam que os levantamentos para ulterior guarda no cofre ocorriam apenas sobre esta conta;
16 - Tal “manifesto lapso” a existir – o que se contesta – deveria ter sido corrigido à cabeça por iniciativa dos próprios AA., atento o princípio da auto responsabilização das partes, e, a ser por iniciativa do Tribunal, não deveria ocorrer sem prévio contraditório, mas foi o que sucedeu;
17 - Nunca tal “manifesto lapso” até à prolação do douto acórdão do TRC foi objeto de qualquer sugestão/pedido de aperfeiçoamento por parte do Tribunal de primeiro grau, nem objeto de qualquer argumentação em tal sentido, por mínima que fosse, por parte dos AA.;
18 - Inexistem nos autos indícios sólidos que permitissem ao Tribunal a quo concluir com segurança que a invocação dos AA. no nº 66 da p.i. segundo a qual a quantia de 100.000,00 € foi levantada da conta nº 2 se tratou de um “manifesto lapso”;
19 - O contexto da peça processual apresentada, ou seja, a petição inicial nomeadamente nos seus nºs 62, 64, 66, 67 e 71 aponta no sentido de que os AA. pretenderam efetivamente indicar que a conta nº 2 foi a única de onde foram levantadas as quantias em cash para posterior guarda no cofre nº 14, não permitindo concluir – nem sequer do doc. nº 12 – que se tenha verificado divergência entre o que foi escrito pelos AA. e aquilo que se pretenderia ter escrito, ou seja, entre a vontade real e a declarada;
20 - Não resulta do texto nem do contexto da petição inicial que os AA. se tenham equivocado na indicação da conta nº 2 quando no nº 66 se referiram a um levantamento de 100.000,00 € efetuado em 08/07/2013;
21 - O alegado “manifesto lapso” poderia também ser que em 08/07/2013 não houve um levantamento da conta nº 1, ou houve um levantamento, mas não seguido de depósito no cofre nº 14, atendendo a que os AA. em vários nºs da sua p.i. apenas se referem à conta nº 2 como sendo a conta de onde saiu o dinheiro vivo para guarda no cofre, inexistindo evidência que possa com segurança concluir seja pela existência de um lapso manifesto e, havendo, qual tenha sido;
22 - Não se afigura aceitável que o TRC tenha invertido o ónus da correta alegação de factos integradores da causa de pedir fazendo incorrer sobre a R. o ónus de impugnar algo que não foi alegado pelos AA., situação esta que se verifica quando o douto acórdão refere que “não foi impugnada a existência dessa conta bancária pela ré” (conta nº 1), atendendo a que os AA. em lado algum da sua p.i. referem que o dinheiro guardado no cofre nº 14 tenha saído da conta nº 1, não tendo a R. de impugnar o que alegado não foi nem de adivinhar ou pressupor que os AA. se tenham equivocado a identificar as contas de onde saía o dinheiro;
23 - Aliás, mesmo que fosse lícito concluir – e não é - que a R. não tivesse impugnado a existência e titularidade desta conta nº 1 certo é que impugnou (cfr. nº 29 da contestação) que os AA. procedessem à guarda de dinheiro vivo no cofre nº 14, e era esta e não outra a matéria essencial a impugnar;
24 – Assim, afirmar - como o faz o douto acórdão - que “essa conta está perfeitamente identificada no documento em causa – doc. 12 - como pertencendo ao autor e domiciliada na CGD” para daí concluir que os AA. alegaram que da conta nº 1 foram levantados 100.000,00 € para depósito no cofre nº 14 vai um enorme salto de fé não corroborado minimamente pelo alegado pelos AA. nos nºs 62, 64, 66, 67 e 71 da petição inicial;
25 - Pelo que não podia o Tribunal a quo concluir pela existência de um “manifesto lapso”, ainda para mais inexistindo nos autos extratos bancários da conta nº 1 que comprovassem a existência de tal levantamento na data apontada;
26 - O douto acórdão ora sob sindicância além de considerar a existência de um inexistente “manifesto lapso” por parte dos AA. quanto à indicação do nº da conta no ponto 66º da p.i. considerou ainda que a indicação do nº da conta (1) constitui um mero facto instrumental, o que se não verifica;
27 - Com efeito, a alegação de que os levantamentos foram feitos da conta a e não da conta b constitui um facto essencial na exposição da causa de pedir dos AA., e não um facto meramente instrumental, como refere o TRC;
28 - Foram os AA. que se sentiram na necessidade de especificar de que concreta conta provinha o dinheiro vivo que levantavam para alegadamente guardarem a seguir no cofre, sendo certo que podiam ter-se limitado a alegar que levantavam dinheiro vivo das suas contas sem sequer precisar quais, e fizeram-no porque lhes importava demonstrar o iter dos montantes que o A. recebia provenientes do seu trabalho em Angola, e que segundo alegaram, eram depositados na conta nº 2;
29 - A explicação do trajeto percorrido pelo dinheiro desde Angola até ao cofre nº 14 constituiu, portanto, um facto essencial para a tese dos AA. porquanto lhes permitia demonstrar não só a causa, a proveniência, e a existência de dinheiro vivo no cofre nº 14, como também o respetivo quantum;
30 - Assim, ao considerar que foi levantada da conta nº 1 a quantia de 100.000,00 € para guarda no cofre nº 14, o Tribunal a quo não se socorreu de um facto instrumental, mas literalmente “criou” um facto novo no processo, e, depois, qualificou-o como meramente instrumental, isto sem a verificação de qualquer contraditório a tal respeito, alterando ilegalmente a matéria de facto provada nas alíneas bbb) e eee) da fundamentação de facto, ilegalidade esta que é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça em termos de verificar se foram observados os parâmetros formais ou balizadores da respetiva disciplina processual;
31 - A expressa indicação pelos AA. da conta nº 2 como sendo a conta por onde entrava para seguidamente sair dinheiro vivo para o cofre constituiu, assim, parte integrante da exposição dos factos que integram a causa de pedir pelo que jamais poderia ser qualificado como facto instrumental;
32 – O Tribunal a quo violou o princípio dispositivo extravasando os seus poderes de apreciação e de julgamento;
33 - Verificam-se, assim a violação das normas previstas no nº 3 do art. 3º do CPC, 5º nº 2 alínea a) e b) do CPC, 146º do CPC, e a nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do art. 615º do CPC, tendo o Tribunal conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento porque extravasaram os factos alegados pelos AA., bem como a violação do art. 662º nº 1 do CPC, entre outras, com as legais consequências;
34 – O recurso de revista serve, para além do mais, para sindicância da correção da aplicação pelas instâncias de normas substantivas de direito probatório, conforme aliás inequivocamente decorre do art. 674º nºs 2 e 3 do CPC;
35 - Para prova dos alegados levantamentos em dinheiro vivo os AA. juntaram com a respetiva p.i. os documentos nºs 12 a 16, que constituem impressos bancários denominados “Declaração de Justificação”, documentos estes nos quais os AA. apuseram e narraram os motivos que os levaram a proceder aos ocorridos levantamentos em dinheiro vivo, e que não foram impugnados pela R. (a R. apenas impugnou a existência de dinheiro vivo no cofre nº 14 com base em tais documentos);
36 – Ora, constata-se que as declarações justificativas dadas por escrito pelos AA. nesses documentos para procederem aos levantamentos desmentem frontalmente a narrativa segundo a qual tais levantamentos eram imediatamente seguidos de depósito/guarda no cofre nº 14, alugado à CGD;
37- Com efeito, os AA. referem expressamente em tais declarações de justificação que o dinheiro vivo que levantavam se destinava a outras finalidades que não o depósito/guarda no cofre nº 14;
38 - Um documento particular (artigo 363.º, n.º 2, do Código Civil) cuja autoria (assinatura) não se encontra impugnada, tem o valor probatório previsto no artigo 376.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, ou seja, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova a falsidade do documento;
39 - E, o nº 1 do artigo 394º do Código Civil veda a prova testemunhal para demonstração de convenções que contrariem ou ampliem o conteúdo de documentos autênticos ou particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º do C.C.;
40 - Não é, portanto, admissível a prova testemunhal (e, consequentemente, nem a prova por presunção judicial - cfr. artigo 351.º do Código Civil) visando a demonstração da inveracidade da declaração com base em quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento com força probatória plena, sejam as mesmas anteriores ou contemporâneas à formação do contrato (artigos 393.º, n.º 2, e 394.º nº 1, do Código Civil, nem tão pouco a prova por declarações de parte, o que in casu não se verificou, com a inerente violação destas normas legais;
41 - Não obstante a força probatória de um documento particular cuja autoria e assinatura não foi impugnada, vem sendo admitido por alguma Jurisprudência, ao abrigo do artigo 359.º do Código Civil, que a confissão nele exarada possa ser “(…) atacada se, além de não corresponder à verdade, proceder de erro ou de outro vício do consentimento do confitente”, ou seja, “(…) para que a confissão possa ser impugnada, há-de alegar-se e provar-se que, além do facto confessado não corresponder à realidade, o confitente errou acerca dele ou que foi vítima de outra causa de falta ou de vício da vontade”;
42 - Todavia, não foi invocado/alegado pelos AA. que a A. estivesse em erro sobre a declaração justificativa que produziu e assinou, ou que tivesse ocorrido algum vício que inquinasse a respetiva vontade na altura em que produziu tais declarações, pelo que tem de concluir-se que os factos constantes das declarações justificativas não podem ser infirmados por prova testemunhal ou pelas declarações de parte (artº 393º, nº 2, do CC);
43 - Nalguma jurisprudência, fora dos casos dos vícios de vontade, a impugnação por prova testemunhal complementar tem vindo também a ser ou aceite, “se existir um princípio de prova escrita suficientemente verosímil ou quando tenha sido impossível, moral ou materialmente, ao contraente obter uma prova escrita, ou quando se tenha perdido, sem culpa do contraente, o documento que fornecia a prova”, situação esta que também se não verificou in casu;
44 - Os documentos nºs 12 a 16 respeitantes às declarações justificativas dos levantamentos foram juntos pelos AA. sem estes terem suscitado qualquer questão ou invocado qualquer incidente de falsidade quanto à bondade/veracidade das declarações constantes das mesmas;
45 – Os AA. nada invocaram, nada disseram, nada reclamaram, pelo que tudo aceitaram quanto à justificação dada expressamente e assinada pela A. nas declarações justificativas dos levantamentos;
46 - E a A. não podia ignorar o que escreveu nas declarações de levantamento - trata-se de factos pessoais - e também não podia ignorar que o que escreveu nessas declarações não bate certo com a alegação de que os levantamentos eram feitos para serem seguidos de imediatos depósitos no cofre;
47 – Todavia, as instâncias entenderam que estes meios probatórios (declarações de parte e depoimentos testemunhais indiretos) eram aptos e suficientes para contrariar e afastar o teor de documentos revestidos de força probatória plena, ou seja que eram aptos para justificar a flagrante contradição existente entre o que constava das declarações de justificação e os alegados depósitos em cofre, sendo certo e indesmentível que as declarações justificativas dos levantamentos escritas e assinadas pela A. foram-no muito antes de existir um litígio em Tribunal, em altura em que se não antevia sequer a existência de litígio, não podendo aqui deixar de se sublinhar a ironia de que as instâncias aceitaram por boas as declarações de parte dos AA. que desmentiam o que eles próprios afirmavam;
48 - As instâncias não respeitaram o preceituado no art. 376º do C.C. quanto ao valor probatório pleno das declarações justificativas dos levantamentos (documentos particulares não impugnados) e, se o tivessem feito, não teria conferido qualquer valor probatório às declarações de parte dos AA. nem aos depoimentos testemunhais indiretos que ambas as instâncias consideraram ser suficientes para afastar tal valor probatório, o mesmo sucedendo com o preceituado nos artigos 393.º, n.º 2, e 394.º nº 1, do Código Civil;
49 - Foram violadas normas substantivas de direito probatório - artigos 376º, 393.º, n.º 2, e 394.º nº 1, todos do Código Civil - quanto ao valor probatório pleno das declarações justificativas dos levantamentos (documentos particulares não impugnados), pelo que não poderiam as instâncias ter dado como provada a matéria constante dos factos nucleares desta ação que se prendem com a tese alegada pelos AA. tese essa segundo a qual procediam a levantamentos de dinheiro vivo ao balcão seguidos de imediatos depósitos para guarda desse dinheiro no cofre, matéria de facto esta que se encontra em flagrante contradição com as declarações justificativas dos levantamentos;
50 - O douto acórdão recorrido optou por não se pronunciar sobre esta concreta questão constantes das conclusões recursórias da apelante (i.e. a violação dos artigos 376º, 393.º, n.º 2, e 394.º nº 1, todos do Código Civil - quanto ao valor probatório pleno das declarações justificativas dos levantamentos (documentos particulares não impugnados), limitando-se apenas e tão somente a considerar que as declarações de parte, a legislação sobre o branqueamento de capitais e a prova testemunhal indireta produzida demonstram que se verificou o depósito daquelas quantias no cofre nº 14 em acto imediatamente subsequente ao respetivo levantamento;
51 - Verifica-se, portanto, a nulidade do acórdão também por esta razão – cfr. art. 615º nº 1 alínea d) do CPC, omissão de pronúncia – com as legais consequências;
52 - os AA. declararam nesses impressos – declarações justificativas - que constituem os docs. 12 a 16 que o dinheiro que levantaram se destinava a “aquisição de terrenos”, “aquisição de bens”, “compra de imóveis”, “Investimentos Imobiliários” e “para férias – 3 meses”, e não à guarda imediata no cofre, e nunca invocaram a falsidade de tais declarações justificativas nem, tão pouco, que as mesmas tinham sido proferidas sob erro ou coação;
53 - Estamos, assim, no âmbito de aplicação das normas dos artigos 682º nº 2 e no nº 3 do artigo 674.º ambos do CPC, devendo consequentemente ser alterada em conformidade a matéria de facto dada por provada e aplicar-se o direito a esta matéria;
54 - Deverá assim ser revista/alterada em conformidade a matéria de facto dada que se encontra dada como provada nas seguintes alíneas para o seguinte:
bbb) ali depositando valores em dinheiro que levantaram diretamente da conta nº 2, titulada pelo Autor AA, que a Autora, sua irmã, estava autorizada a consultar e movimentar;
eee) Assim:
- e foi efetuado no dia 08/07/2013, levantamento de 100.000,00€ (cem mil euros), da conta bancária nº 3(conta a prazo), pela autora;
- ocorreram ainda os levantamentos da conta nº 2 e sucessivo depósito no cofre nº 14 que se passam a discriminar:
a. No dia 14-08-2015, o autor levantou da conta bancária n.º 2, a quantia, em dinheiro, de € 30.000,00 (trinta mil euros);
b. No dia 10/09/2015, a autora levantou da conta bancária nº 2, a quantia, em dinheiro, de 50.000,00€ (cinquenta mil euros);
c. Por fim, no dia 01/07/2016 (e não 1-09-2016), o autor levantou a quantia monetária de 80.000,00€ (oitenta mil euros);
mmm) À data do assalto achavam-se no cofre nº 14 valores não concretamente apurados.
55 - Atentas as regras do ónus da prova, incide sobre os AA. o ónus de alegar e provar os factos que possam consubstanciar a verificação de um dano na sua esfera jurídico-patrimonial (cfr. art. 342. Nº 1 do C.C.), danos estes que não estão provados, o que implica como consequência a absolvição da R. do pedido de pagamento de qualquer das quantias peticionadas.
Pelo que deve o douto acórdão recorrido ser revogado.
Assim se fará Justiça!”
7. Foram apresentadas contra-alegações, tendo os Recorridos/Autores/AA e BB concluído:
“INADMISSIBILIDADE DO RECURSO
1. O Tribunal da Relação de Coimbra apreciou devidamente o Recurso, tanto no que concerne à matéria de facto, como à aplicação do direito, com base em toda a prova testemunhal e por declarações de parte e na vasta documentação junta aos autos, recolhida em várias sessões de Julgamento, e nas convicções profundas da Meritíssima Juíza da Primeira Instância, que proferiu a Sentença condenatória, condenado a Caixa Geral de Depósitos no pagamento aos Autores da quantia de 106.000,00€;
2. O Tribunal da Relação de Coimbra, após minuciosa apreciação do Recurso da Ré e do Recurso Subordinado interposto pelos Autores, e da Sentença objeto do mesmo, entendeu, e bem, confirmar a decisão da matéria de facto e de direito, que determinou a condenação da Ré no pagamento de 106.000,00€, na Primeira Instância, e aditou a tal condenação a quantia de 30.000,00€, que considerou estar também depositada no cofre dos Autores, agora Recorridos;
3. Nos termos do nº 3 do artigo 671º do Código de Processo Civil, a Revista do Acórdão do Tribunal da Relação, que confirma, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida em Primeira Instância, não é legalmente admissível;
4. Ora, como já foi mencionado, a condenação no valor de 106.000,00€ foi totalmente confirmada pelo Tribunal de Segunda Instância, sem voto de vencido, sem alteração da fundamentação essencial e sem qualquer divergência jurisprudencial relevante, o que confere a tal condenação uma situação de dupla conforme, que é impeditiva de admissibilidade de recurso de revista para o STJ, no que a essa quantia concerne;
5. O acréscimo da condenação em mais 30.000,00€ (trinta mil euros) resulta exclusivamente da procedência parcial do recurso subordinado interposto pelos Autores/Ora Recorridos (artigo 633º do CPC);
6. Em conformidade com a Doutrina e Jurisprudência dominante, o Recurso Subordinado, que foi julgado apenas parcialmente procedente, e numa quantia muito inferior à peticionada, só foi admitido, na sequência do Recurso Principal interposto pela Ré, que pretendia a completa absolvição;
7. Este Recurso subordinado é considerado apenas um mecanismo de resposta processual e não de reabertura plena da instância de Recurso, possuindo natureza acessória e condicionada;
8. Por isso mesmo, o aditamento que foi feito à decisão de Primeira Instância pelo Tribunal da Relação, em virtude do Recurso Subordinado, não pode tornar recorrível a totalidade da decisão anterior que foi confirmada pelo Acórdão proferido, sendo que, só a parte acrescida (os 30.000,00€) é que poderia ser, em tese e sem respeitar os valores da alçada dos Tribunais, objeto de apreciação pelo STJ;
9. De resto, a decisão reportada ao Recurso Subordinado jamais pode retirar a eficácia da dupla conforme, relativamente à parte da Sentença que foi confirmada pela decisão de Segunda Instância;
10.No caso concreto, o valor acrescido aos 106.000,00€, isto é, de 30.000,00€ (o único valor não abrangido pela dupla conforme), não ultrapassa o valor da alçada do Tribunal da Relação, nos termos dos artigos 44º da LOSJ e 629º e 671º do CPC;
11.Assim, dúvidas não restam, que havendo dupla conforme, quanto ao valor de 106.000,00€ e não atingindo, o valor adicionado pelo Tribunal da Relação (na sequência do Recurso Subordinado apresentado pelos Autores) a sua alçada, terá que ser rejeitado liminarmente o Recurso ora interposto pela Ré por inadmissibilidade legal, confirmada pela doutrina e jurisprudência (Acórdão do STJ de 04/06/2015- Proc. 7412/08.0TBCSC.L1.S1; Acórdão do STJ de 12/07/2011- Proc. 203/08.0YYPRT-A.P1.S1; Acórdão do STJ de 11/07/2013 - Proc. 105/08.0TBRSD.P1-A.S1);
12. A jurisprudência e a doutrina têm vindo a relevar a necessidade de restringir o acesso ao STJ aos casos verdadeiramente relevantes do ponto de vista jurídico e que envolvam questões de direito de particular complexidade ou relevância.
13. Permitir o conhecimento do presente Recurso, que visa apenas discutir uma condenação acrescida de 30.000,00€, sem ultrapassar a alçada legal, seria desvirtuar a função uniformizadora do STJ, violar o princípio da economia processual e as normas legais referentes a essa matéria.
14. Considerando tudo o que se expôs, nas conclusões antecedentes, entendem os Autores/Recorridos, que há razões mais do que suficientes, tanto no plano jurídico, como no plano factual, para ser rejeitado liminarmente o Recurso ora apresentado pela Ré/Recorrente nas suas duas vertentes, isto é, na parte em que confirma a decisão de Primeira Instância e na parte em que deu procedência parcial ao Recurso Subordinado interposto pelos Autores;
SEM PRESCINDIR,
II- DA ALEGADA VIOLAÇÃO DE NORMAS PROCESSUAIS E NULIDADE DO ACÓRDÃO
15. Vem a Ré Caixa Geral de Depósitos alegar que o Tribunal da Relação de Coimbra “criou” um facto novo no processo, classificando-o depois como meramente instrumental, no que concerne ao facto dado como provado em eee) de que a quantia de 100.000,00€ foi levantada de uma conta bancária com o nº 1 que, alegadamente, nunca foi mencionada pelos Autores/Recorridos;
16. Tendo o referido Tribunal, considerado, e bem, que existiu um manifesto lapso de escrita na redação do primeiro parágrafo do articulado em 66º da Petição Inicial dos Autores, que foi corrigido através dos documentos juntos com a própria petição inicial (cfr.doc. nº 12), onde é feita clara menção a tal conta que, por sua vez, constitui uma conta a prazo associada à conta à ordem dos Autores referida no articulado em 66º da P.I;
17. Por essa razão, é falso que os Autores/Ora Recorridos não tenham indicado tal conta nos autos, ou que tenham omitido que o levantamento foi efetuado dessa conta a prazo;
18. Há que distinguir o que são factos essenciais e factos instrumentais: factos essenciais são aqueles que constituem a causa de pedir e sem os quais o pedido não subsiste; já os factos instrumentais são os que apenas servem para provar ou tornar verosímeis factos essenciais (nº 2 do artigo 5º do CPC);
19. A indicação do número exato de uma conta a prazo, associada à conta à ordem dos Autores/ Recorridos, quando os movimentos estão devidamente documentados nos autos só pode ser considerado um facto instrumental, porquanto serve apenas para provar o percurso do dinheiro, não alterando a causa de pedir;
20. A titularidade do dinheiro, mesmo com a indicação de um número de conta diverso, não é alterada, nem é posta em causa. O que importa para a causa de pedir é que o dinheiro tenha sido levantado de uma conta titulada pelos Autores (seja com que número for) e que, no mesmo dia, tenha sido depositada no cofre nº 14, também dos Autores;
21. Se a conta em questão se encontrava devidamente indicada nos documentos juntos aos autos pelos Autores e se eles próprios o confirmaram nas suas declarações de parte, então o Tribunal da Relação limitou-se a confirmar e clarificar a realidade já evidenciada nos documentos juntos inicialmente;
22. Tal não constituiu a criação de qualquer novo facto essencial, mas apenas a qualificação ou precisão da prova documental já existente;
23. Os documentos que comprovam a existência da conta corrigida pelo Tribunal da Relação, e a sua titularidade, foram juntos aos autos desde o início, estiveram disponíveis em todas as fases processuais e nunca, nem no próprio Recurso de Apelação, foram postos em causa pela Ré /Recorrente, não existindo aqui qualquer violação do princípio do contraditório;
24. A Ré/Recorrente está a por em causa a forma como o Tribunal da Relação apreciou esta matéria que é, claramente, matéria de facto e tal, não pode ser apreciado pelo douto Tribunal;
25. O STJ não pode reapreciar provas, nem reavaliar factos dados como provados, nem mesmo com base em alegadas violações do princípio do dispositivo;
26. A Ré/Recorrente pretende, de forma dissimulada, tentar reabrir a apreciação da matéria de facto, sob o pretexto de erro de direito, quando, na realidade, está a contestar claramente a valoração da prova documental, testemunhal e declarações credíveis de parte- o que constitui um pedido claro de reapreciação de matéria de facto, inadmissível em sede de revista, nos termos do nº 3 do artigo 674º do CPC;
27. Por tudo o quanto se expôs, terá que se concluir que a Recorrente pretende servir-se de argumentos que não estão contemplados na lei, designadamente, nos artigos que invoca, para tentar que seja declarada a existência de elementos integradores da nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º, procurando desta forma disfarçada, e até imbuída de alguma má-fé, forçar a apreciação pelo Tribunal Superior de uma situação que está devidamente esclarecida e bem decidida, definitivamente pelo Tribunal da Relação.
28. Não se vislumbra, pelo supra exposto, a mais pequena nulidade que possa afetar a decisão tomada pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
III - DA ALEGADA VIOLAÇÃO DE NORMAS SUBSTANTIVAS DE DIREITO PROBATÓRIO
29. As declarações justificativas de levantamento, relativas aos valores levantados, foram preenchidas pelos Autores, porque a Caixa Geral de Depósitos o exigiu, assim como exigiu, que fosse inscrita no referido modelo de Declaração o destino que iria ser dado ao dinheiro levantado;
30. É óbvio, que a justificação escrita no documento de levantamento ao balcão era uma mera formalidade (sugerida, por vezes, até pelo próprio funcionário da CGD), que aliás se pratica em todos os bancos e que é público e notório que a grande maioria das pessoas não verifica;
31. É mais que evidente, que qualquer pessoa que levanta quantias de 30,50, 80 e 100 mil euros, por mais que uma vez, não escreve num papel e entrega a cópia do mesmo ao Banco, disponível a todos os funcionários, para que os mesmos fiquem a saber, que quantias é que estão exatamente guardadas no cofre;
32. Tal só poderia acontecer, num cenário mirabolante e rocambolesco, dos Autores estarem a prever que o assalto iria acontecer, dizendo todas as quantias aos funcionários, e descrevendo-as, para que os mesmos fizessem posterior prova, em Tribunal;
33. O segredo e o silenciamento são mais do que normais, porque ninguém apregoa na praça pública, ou até mesmo em privado, o dinheiro que tem, a quantidade, e onde está guardado;
34. Para além disso, não pode dizer-se que as declarações apostas nos referidos documentos são falsas, pelo contrário, o dinheiro era destinado ao cofre nº 14, para ser guardado num momento de crise e para, posteriormente, ser utilizado para a compra de terrenos e para a edificação da casa do Autor AA, o que veio a acontecer com alguns dos valores que foram levantados e registados do cofre, e que se refletem nas faturas e recibos constantes dos autos, pagas ao empreiteiro, e para férias e aquisição de outros bens que os Autores necessitassem;
35. A Ré/Recorrida, mais uma vez, tenta invocar a força probatória plena das referidas declarações, mas o que pretende verdadeiramente, é questionar a convicção do Tribunal quanto à veracidade do conteúdo das mesmas, que já foi apreciada com base em prova documental, testemunhal e por declarações de parte, pelos Tribunais de 1ª e 2ª Instâncias, tentando confundir o douto Tribunal com a invocação dos artigos 376º e 394º do CC, para que este reaprecie uma matéria que está mais do que assente pelas duas anteriores instâncias;
36. Quanto às declarações de justificação contidas nesses documentos (declarações bancárias), é admissível demonstrar (nomeadamente através de prova testemunhal) que essas declarações, no caso concreto, não correspondem à realidade imediata;
37. As declarações de justificação bancárias assinadas pelos Autores (que são meros documentos administrativos), embora possam ter força probatória quanto à sua existência formal, não o têm quanto ao seu conteúdo, que poderá (como foi) ser complementado com recurso à prova testemunhal, não existindo qualquer nulidade no que a essa questão concerne;
38. A omissão de pronúncia só existiria se o Tribunal deixasse de se pronunciar sobre uma questão que obrigatoriamente devesse conhecer;
39. O Tribunal da Relação apreciou e deu como provada a verdadeira intenção dos Autores (e a lógica do seu comportamento) quanto aos levantamentos e depósitos no cofre, com base na prova documental, declarações de parte e prova testemunhal produzida;
40. Se o Tribunal da primeira Instância e a da Relação valoraram a prova documental e testemunhal e consideraram que os levantamentos se destinavam ao cofre, tal não pode ser revisto pelo STJ, porque constitui, indubitavelmente, matéria de facto.
41. Assim, não existe qualquer nulidade do Acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, que possa pôr em causa o Acórdão do Tribunal da Relação proferido;
IV- DO PEDIDO DE ALTERAÇÃO À MATÉRIA DE FACTO
42. A Ré pretende claramente transformar a sua discordância relativamente à decisão de mérito, num suposto vício processual de omissão de pronúncia, atacando, diretamente, a decisão de facto do Tribunal da Relação, e pedindo a modificação dessa mesma matéria de facto, para concluir, ardilosamente e com alguma má-fé –e surpreendentemente – que os danos não existem!
43. Alegar no ponto II.3 do seu Recurso que os danos não estão provados é, mais uma vez, pôr em questão a factualidade dada como provada nas instâncias inferiores e constitui, até, uma imoralidade face ao que a Ré Instituição Bancária Estatal deveria representar para os seus clientes;
44. A matéria dos danos e da verificação da responsabilidade foi devidamente apreciada, alegada pelos Autores e dada como provada pelo Tribunal de Primeira Instância e pelo Tribunal da Relação de Coimbra;
45. A alegação feita pela Ré/Recorrida de que os Autores não cumpriram o ónus da prova, apenas neste momento processual, só pode tratar-se de um capricho e mera teimosia da mesma, descontente que está com a valoração efetuada pelos ditos Tribunais, que nunca poderá constituir fundamento para a admissibilidade de Recurso para o Tribunal Superior;
46. Pelo exposto, há que concluir, que o Recurso apresentado pela Ré/Recorrente viola os artigos 629º, o nº 3 do artigo 671º e o artigo 674º, todos do CPC e o artigo 44º da LOSJ, entre outros, não se verificando, no Acórdão recorrido, os vícios e ilegalidades, descritos pela Ré/Recorrente, nas suas Alegações, devendo negar-se total provimento ao mesmo, e manter-se a Decisão proferida pela Relação de Coimbra.
TERMOS EM QUE, DEVE SER REJEITADO LIMINARMENTE O PRESENTE RECURSO, POR INADMISSIBILIDADE LEGAL DO MESMO OU, EM ÚLTIMA INSTÂNCIA, NEGAR-SE TOTAL PROVIMENTO AO MESMO, POR NÃO SE VERIFICAREM OS VÍCIOS ASSACADOS PELA RÉ/RECORRIDA AO ACÓRDÃO RECORRIDO, MANTENDO-SE, NA ÍNTEGRA, A DECISÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA,
ASSIM SE FAZENDO, INTEIRA JUSTIÇA!”
8. Foram cumpridos os vistos.
9. Cumpre decidir.
II. 1. As questões a resolver, recortadas das conclusões apresentadas pela Recorrente/Ré/Caixa Geral de Depósitos, S.A. consistem em saber se:
1. O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao decidir de facto, (i) reconhecendo como como provado: (facto eee) que foi efetuado no dia 08/07/2013, um levantamento de 100.000,00€ da conta bancária nº 1, pela A., depositando-o, nesse mesmo dia, no cofre n.º 14; alterando igualmente a alínea bbb) dos factos provados, sendo certo que os AA. sempre alegaram que a conta de onde saia o dinheiro para ser depositado no cofre n.º 14 era a conta nº 2, e apenas essa, decidindo de facto em violação do direito probatório, (ii) a par de ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento porque extravasaram os factos alegados pelos Autores, (iii) outrossim, deixou de se pronunciar sobre concreta questão constante das conclusões recursórias da Ré, apelante, quanto ao valor probatório pleno das declarações justificativas dos levantamentos (documentos particulares não impugnados), (iv) devendo, ser revogado o acórdão recorrido, absolvendo a Ré do pedido de pagamento de qualquer das quantias peticionadas, reconhecendo-se inverificados quaisquer danos na esfera jurídico-patrimonial dos demandantes, na decorrência da alteração da decisão da matéria de facto reclamada pela Ré/Caixa Geral de Depósitos, S.A, nos termos que enuncia:
“bbb) ali depositando valores em dinheiro que levantaram diretamente da conta nº 2, titulada pelo Autor AA, que a Autora, sua irmã, estava autorizada a consultar e movimentar;
eee) Assim:
- e foi efetuado no dia 08/07/2013, levantamento de 100.000,00€ (cem mil euros), da conta bancária nº 3 (conta a prazo), pela autora;
- ocorreram ainda os levantamentos da conta nº 2 e sucessivo depósito no cofre nº 14 que se passam a discriminar:
a. No dia 14-08-2015, o autor levantou da conta bancária n.º 2, a quantia, em dinheiro, de € 30.000,00 (trinta mil euros);
b. No dia 10/09/2015, a autora levantou da conta bancária nº 2, a quantia, em dinheiro, de 50.000,00€ (cinquenta mil euros);
c. Por fim, no dia 01/07/2016 (e não 1-09-2016), o autor levantou a quantia monetária de 80.000,00€ (oitenta mil euros);
mmm) À data do assalto achavam-se no cofre nº 14 valores não concretamente apurados.”?
II. 2. Da Matéria de Facto
Factos provados:
Atendendo à reapreciação da prova realizada pelo Tribunal da Relação, a matéria de facto provada é a seguinte:
“a) Entre o autor e a ré foi celebrado, em 11 de Junho de 2013, um contrato denominado “contrato de aluguer de cofre PT ...67”. ( cf. doc. 1 da pi).
b) Por força do qual as partes “acordam no aluguer do cofre nº 14, com a capacidade de 20.000 dm3, instalado na agência de 2126-... II” (cfr. cláusula 1ª), mediante o pagamento de uma anuidade de 42,00 € acrescidos de IVA (cfr. cláusula 2ª).(cf. doc. 1 da pi).
c) E que “em cada período anual de vigência do contrato e por cada visita adicional ao cofre a partir da 3ª visita, inclusive, será devida uma comissão no valor de 5,00 € por visita, a qual será cobrada por débito na conta de depósito atrás mencionada,… antes de efetuada referida visita, não podendo a mesma decorrer sem que esteja assegurado o respetivo pagamento” (cfr. cláusula 2ª).(cf. doc. 1 da pi).
c-1) Apesar do teor da cláusula 2.ª, verificaram-se situações em que o gestor de conta dos autores não registava as vistas efectuadas e, por conseguinte, não cobrava a comissão estabelecida na dita cláusula.
d) Ficando estipulado que “o acesso ao cofre terá lugar de acordo com as normas internas da Caixa, nomeadamente quanto ao horário, identificação do utilizador e sua assinatura em registos especiais” (cfr. cláusula 5ª).( cf. doc. 1 da pi).
e) Ficando “vedada ao locatário a guarda no cofre de objetos suscetíveis de causarem danos ou prejuízos materiais, tais como armas de fogo, substância explosivas, tóxicas, nomeadamente estupefacientes e substâncias psicotrópicas, corrosivas ou perigosas” (cfr. cláusula 7ª). (cf. doc. 1 da pi).
f) Não se responsabilizando a Caixa “pela perda, deterioração, furto, ou extravio de bens e valores guardados no cofre, salvo se o facto resultar de dolo ou culpa grave de sua parte” (cfr. cláusula 8ª), e com o demais clausulado constante do doc. 1 junto com a p.i..
g) Conforme cláusula 3.ª, foi entregue aos autores, após a celebração, a chave do referido cofre, chave essa que abria o cofre n.º 14, juntamente com outra que estava na posse da ré.
h) Os autores poderiam aceder ao compartimento onde se encontravam os cofres e, em particular, ao cofre n.º 14, quando queriam, fosse para colocar valores, fosse para examinarem os valores lá guardados.
i) O acesso ao compartimento alugado deveria ser objecto de registo por instruções da ré e só era possível realizar com um funcionário da mesma, detentor dessa outra chave.
j) À data do assalto mencionado, tal contrato mantinha-se em vigor.
k) Na madrugada de 4 para 5 de Novembro (de domingo para segunda-feira), a agência da ré, sita na vila de ..., foi assaltada, sendo que várias pessoas penetraram indevidamente no interior da agência bancária, tendo danificado portas, bens e equipamentos de vigilância e alarme e arrombado os cofres de aluguer, retirando todos os objetos e valores em dinheiro que ali (nos cofres de clientes) se encontravam guardados.
l) Ainda no dia 4 de Novembro de 2018 às 22h37m, a Central de Segurança da ré (doravante apenas CS) recepcionou via aplicação informática GRAI (Gestão e Receção de Alarmes e Imagem) um alarme de “perda de comunicações” referentes à agência bancária de ..., tendo pouco depois (22.50 horas) contactado o posto territorial da Guarda Nacional Republicana (GNR) de ..., solicitando ao guarda/agente principal, Sr. CC que passasse uma brigada pelo local para apurar se se passava algo.
m) A agência tinha alarme com deteção de imagens e, na sequência do pedido da CS da CGD, a brigada da GNR composta por um elemento - guarda DD - deslocou-se à mesma e, às 23,38 horas, o posto comunicou à CS que nada detectou de suspeito, informando igualmente que “o balcão tinha energia” e que “a máquina ATS se encontrava em funcionamento”, não havendo sinais da presença de alguém no interior.
n) A GNR não procedeu a qualquer outra diligência de deslocação à agência em causa, além da referida passagem, limitando-se o referido guarda a observar a entrada da frente das instalações, e aí, a espreitar para o interior, nada tendo detectado de anómalo.
o) A GNR concluiu pela inexistência de qualquer ocorrência anómala, o que comunicou a ré.
p) Os assaltantes conseguiram entrar nas instalações da agência da ré, através do arrombamento da fechadura de uma porta de chapa de ferro de cor verde, muito pouco utilizada, que fica nas traseiras da agência, praticamente na esquina do edifício, onde existe um parque de estacionamento, com reduzida ou nula utilização durante as noites dos fins- de-semana (cfr. docs. 2 e 3 da pi).
q) O acesso de carro e pé às traseiras do edifício é feito pelo lado direito do mesmo, de quem está virado para a fachada principal (cfr. doc. 4) e por sua vez, está separado, através de um muro de vedação, de uma Residência de Estudantes.
r) Uma vez que nessa Residência de Estudantes não reside ninguém ao fim-de-semana, e que aquelas traseiras confinam com terrenos rústicos e com uma casa desabitada, não existem ali quaisquer vizinhos, nem pessoas capazes de se aperceber, ao fim-de-semana, de um assalto ou de qualquer movimento suspeito.
s) A porta verde da traseira, referida, é servida por dois degraus, sendo em ferro, e dá acesso direto a divisão onde estão instaladas as máquinas do ar condicionado da agência da ré – “sala do AVAC” –, situação que os autores, só após as ocorrências descritas, se aperceberam (cfr. docs. 5, 6, 7),
t) divisão essa, com janelas laterais para ventilação e janelas estreitas com grades de ferro, através das quais é possível observar e verificar que, espreitando através dos vidros, no seu interior, existe uma porta normal, de madeira, porta esta, por seu turno que dá acesso directo ao interior da agência (cfr. docs. 8 e 9).
u) Essa porta de madeira, com uma fechadura comum não era blindada, nem tinha qualquer gradeamento, sendo de fácil acesso para qualquer assaltante.
v) Foi através dessa porta, que dá acesso ao bar/cozinha da agência, que os assaltantes acederam ao interior da mesma e no referido bar/cozinha existe ainda uma outra porta que dá acesso a um hall, onde, por sua vez, existem três portas, duas que dão acesso aos wc’s dos homens e das senhoras, e uma porta que dá acesso ao local onde os funcionários da Agência fazem o atendimento ao público.
w) No local onde é realizado o atendimento ao público existem, na traseira, e lateralmente, outras portas.
x) No espaço de atendimento ao público, considerando quem está de costas para a entrada principal, na parede frontal, existem duas portas, uma que dá acesso ao já referido hall e outra que dá acesso ao cofre da Agência da Caixa Geral de Depósitos de ....
y) Já na parede lateral direita, existe uma porta para o arquivo e outra que dá acesso à divisão onde se encontravam os cofres dos clientes.
z) Foi este o percurso efetuado pelos assaltantes, até chegarem aos cofres dos clientes: sala do “AVAC” – cozinha/bar – hall – divisão de atendimento ao público – cofre dos clientes, tudo isto conforme planta junta sob o documento nº 10 (cfr.doc.10).
aa) Na divisão onde se encontrava o “cofre-forte” dos particulares, os assaltantes procederam ao arrombamento do monobloco metálico, com duas portas, que continha cerca de 40 cofres de aluguer, de gaveta, utilizados pelos clientes da ré, tendo levado consigo, entre outros, todo o dinheiro que os autores ali tinham guardado e depositado.
bb) A patrulha da GNR que procedeu a uma inspecção ao exterior do estabelecimento, vistoriou apenas a parte frontal do edifício (onde se localiza a caixa multibanco) e, não tendo vislumbrado qualquer movimento suspeito, retirou-se do local, assim sem um visionamento pleno das instalações exteriores da ré e sem realizar qualquer entrada física na agência para verificação do seu interior, nomeadamente da divisão onde se encontrava o “cofre-forte” dos particulares e a do cofre-forte da Agência.
cc) Durante esse tempo, e tendo em conta que os assaltantes cortaram os circuitos de comunicação do alarme, e não sendo a vigilância subsequente assegurada pela GNR ou por qualquer outra força de segurança privada, a agência da ré ficou totalmente desprotegida, tendo os assaltantes ficado “à vontade”, durante horas seguidas, no interior da agência.
dd) A CS não estabeleceu qualquer contacto com o gerente da agência, nem foi incumbido qualquer outro funcionário, residente na vila de ... ou nas proximidades, que pudesse ser contactado e que tivesse, na sua posse, as chaves da agência.
ee) A ré não tinha contratado qualquer serviço de segurança privado das proximidades para deslocação in loco.
ff) Nem o gerente da agência de ... da ré, nem ninguém a seu mando ou da segurança da CGD se deslocou ao local para, em conjunto com a GNR, proceder à abertura da agência e verificar todo o seu interior.
gg) Apesar de o alarme de falta de comunicações ter disparado, na madrugada daquele dia, nenhum gerente, funcionário ou colaborador da ré se deslocou à agência, para se inteirar do que estava a ocorrer.
hh) – retirado: conclusivo.
ii) As condições de segurança do edifício, na parte traseira da agência, consistiam numa porta de chapa de ferro, munida de fechadura comum, a separar o interior da agência do seu exterior, porta essa cuja fechadura poderia ser (e foi) facilmente arrombada com recurso a ferramentas comuns e rudimentares.
jj) Sabendo que existe um acesso directo à agência, nas traseiras, não tinha a ré portas de segurança, ou portas blindadas, ou de betão armado, com grades a separar todas as suas divisões.
kk) A porta do cofre-forte, onde os autores e outros clientes tinham guardado os seus bens e valores, aparentemente uma porta de madeira comum, possuía, no entanto, uma fechadura electrónica.
ll) Já para o acesso ao cofre da agência da ré, na divisão onde a ré depositava bens e valores que lhe pertenciam, e não aos particulares, após um corredor, com cerca de 2 metros de comprimento, estava implantada uma porta gradada em ferro (com chaves de segurança), com fechadura electrónica.
mm) Mesmo verificando-se, no dia posterior ao furto, claros sinais de tentativa de arrombamento dessa porta, o cofre da agência da ré não foi assaltado, apesar dos assaltantes terem tido mais do que tempo para tal, até porque estiveram, por certo, durante horas, completamente à vontade no interior da agência.
nn) Tendo em conta todo o percurso dos assaltantes e os bens que foram retirados dos cofres alugados pelos clientes, toda a operação levou horas a ser consumada.
oo) Após várias tentativas infrutíferas, o cofre da agência da ré não foi assaltado porque era dotado de padrões de segurança muito mais elevados do que o que acontecia com o cofre dos clientes.
pp) – retirado: conclusivo.
qq) – retirado: conclusivo.
rr) Por força da perda de comunicações os sistemas de segurança (alarmes e vídeo) da agência de ... da CGD ficaram inactivos, pelo que o alarme de intrusão disparou, mas sem comunicação à CS.
ss) Os assaltantes apropriaram-se ainda do videogravador destinado a gravar as imagens no interior da agência, que levaram consigo.
tt) A perda de comunicações foi provocada por corte intencional dos cabos de comunicações existente no exterior da agência.
uu) O corte de comunicações foi efectuado por desconhecidos que, na sequência do mesmo, lograram arrombar com sucesso uma porta situada nas traseiras da agência, tendo para o efeito desmontado o canhão da fechadura.
vv) Os intrusos penetraram no interior da agência precisamente às 00,33 horas do dia 05-11-2018, hora esta que foi possível apurar através da informação que se encontrava registada no equipamento instalado no interior da agência.
ww) O assalto ocorreu, assim, duas horas após a perda do alarme ter sido acionada na CS, e cerca de 1 hora depois de a GNR ter ido ao local.
xx) Já dentro da agência os intrusos procederam ao arrombamento do gradão da casa forte, cortaram os cabos de ligação do contacto magnético e detector sísmico do cofre de numerário da agência, retiraram os detectores de intrusão e a placa de incêndio, e procederam ao arrombamento da zona de acesso ao cofre-forte, e procederam ao arrombamento de vários cofres de aluguer utilizados por clientes da ré, entre os quais o dos ora aqui autores, tendo utilizado os extintores de água aditivada da agência para arrefecimentos dos instrumentos de corte.
yy) Este furto está a ser objecto de acção criminal – Proc.778/18.5... e nele os autores vieram requerer a sua constituição como assistentes, constituição essa, que foi admitida (cfr. doc. 11 da pi).
zz) A situação registada na agência de ... (alarme de perda de comunicações) era compatível com as condições climatéricas que se verificavam (muita chuva e vento), não tendo a GNR reportado a existência de qualquer situação anómala.
Dos danos:
aaa) Após outorgado o contrato, os autores – que são irmãos –, foram depositando e guardando no cofre n.º 14, cuja utilização lhes foi atribuída, em algumas ocasiões, valores em dinheiro, sempre na convicção de que a ré assegurava e acautelava a preservação e integridade dos mesmos, protegendo-os contra furtos e roubos,
bbb) ali depositando valores em dinheiro que levantaram no próprio balcão da agência da Caixa Geral de Depósitos de ..., na sua maioria, directamente da conta n.º 2, titulada pelo Autor AA, que a autora, sua irmã, estava autorizada a consultar e movimentar,
ccc) isto porque, quando decidiram proceder ao aluguer daquele cofre, em pleno período de grave crise financeira e económica, que se vivenciava em Portugal, os autores consideraram que o seu dinheiro estaria mais seguro no referido cofre, do que na sua conta bancária.
ddd) Foram várias as vezes que os autores, se dirigiram à agência da ré, para proceder ao levantamento de valores, diretamente da conta n.º 2 – e numa ocasião, da conta da autora e de sua mãe sob o n.º 3 – e ao depósito dos mesmos, no cofre n.º 14, coincidindo por isso, as datas de levantamento dos referidos valores, com as datas das visitas ao cofre n.º 14, onde os autores procederam ao depósito dos mesmos, conforme decorre das declarações de justificação de levantamento e dos comprovativos de controlo de visitas seguintes (cfr. docs. 12, 13, 15 e 16) e comprovativos de visita que é doc. 1 do reqº . REFª: ...41).
eee) Assim:
– Foi efectuado no dia 08-07-2013, levantamento de € 100 000,00 (cem mil euros), da conta bancária n.º 1, pela autora, depositando-o, nesse mesmo dia, no cofre n.º 14.
– Ocorreram, ainda, os levantamentos da conta n.º 2 e sucessivo depósito no cofre n.º 14 que se passam a discriminar:
a. No dia 14-08-2015, o autor levantou da conta bancária n.º 2, a quantia, em dinheiro, de € 30 000,00 (trinta mil euros), que os autores depositaram, nesse mesmo dia, no cofre n.º 14
b. No dia 10-09-2015, a autora levantou da conta bancária n.º 2, a quantia, em dinheiro, de € 50 000,00 (cinquenta mil euros), que também depositou, nesse mesmo dia, no cofre n.º 14;
c. Por fim, no dia 01-07-2016 (e não 01-09-2016), o autor levantou a quantia monetária de € 80 000,00 (oitenta mil euros), que os autores depositaram, nesse mesmo dia, no cofre nº 14.
fff) Quer o gestor anterior da conta dos autores – a testemunha EE –, quer da gestora atual, a testemunha FF – funcionários da Ré, para além de procederem à contagem do dinheiro que era levantado da conta bancária nº 2, e na 1ª ocasião, da conta a prazo 3 procediam, nessas ocasiões logo de seguida, à abertura do cofre nº14, com a chave que estava na posse da ré.
ggg) No mesmo dia em que procederam à outorga do contrato de aluguer do “cofre-forte”, os autores guardaram e depositaram no mesmo, de imediato, a quantia de 1.000,00€ (mil euros).
ggg-1) No mesmo dia em que procederam à outorga do contrato de aluguer do “cofre-forte”, os autores guardaram e depositaram no mesmo, de imediato, a quantia de 25.700,00, em dólares, quantias essas, que os autores mantinham na sua habitação antes da outorga do referido contrato.
hhh) Uma vez que o autor necessitou de alguns dos valores em dinheiro que estavam guardados no “cofre-forte”, para investimentos imobiliários e aquisição de bens, mas essencialmente para pagamento de custos com a construção de uma moradia do autor AA, que se operou durante os anos de 2017 e 2018, retiraram do mesmo- ao menos, as seguintes quantias:
– No dia 01-08-2017, os autores retiraram do cofre nº 14 a quantia de € 63 000,00 (sessenta e três mil euros);
– No dia 10-04-2018, a quantia de € 32 000,00 (trinta e dois mil euros);
– E no dia 24-10-2018, a quantia de € 30 000,00 (trinta mil euros).
iii) Quando os autores contrataram o cofre n.º 14 com a ré, fizeram-no na convicção que estavam a contratar um local seguro para depositar os seus valores, tendo em conta a crise financeira gravíssima instalada no país – visando um único escopo: a segurança de todos os valores ali guardados, confiando plenamente à ré a guarda de tais valores.
jjj) A ré enviou uma comunicação escrita aos autores, a 15-11-2018, na qual informava que o cofre alugado pelos mesmos tinha sido objeto de arrombamento, encontrando-se vazio, e descartava as suas responsabilidades, referindo que “a Caixa foi alheia” à situação (cfr. docs. 20 e 21).
kkk. Os valores em dinheiro, depositados naquele cofre, eram – entre outros valores – resultado de poupanças efectuadas especialmente do autor AA, que há vários anos se encontra fora do país, em Angola, pertencendo à autora na proporção de 10%.
lll) O autor, trabalhando em Angola, como encarregado geral de uma oficina de camiões/empresa de transportes, transferia, mensalmente, para Portugal, desde há cerca de 15 anos, entre € 2500,00 a, pelo menos, € 4000,00 dos valores auferidos no exercício da sua atividade profissional, entre outros valores.
mmm) À data do assalto achava-se no cofre n.º 14 valor não concretamente apurado, mas seguramente não inferior a cerca de € 136 000 (cento e trinta seis mil euros).
nnn) A perda de valores deixou os autores abatidos psicologicamente, passando noites sucessivas sem dormir após o assalto, sofrendo de inquietação e vivenciado períodos de grande ansiedade e angústia, sentimentos esses, que ainda se verificam nos dias de hoje, pois viram-se privados de um rendimento que resultou de muitos sacrifícios e trabalhos suplementares dos mesmos.
ooo) Pela atividade de aluguer de Cofres, a ré obtinha lucro e vantagem económica e financeira (até porque, para além do pagamento dos € 42,00 anuais pelo aluguer do cofre, os depositantes/locatários tinham que ser, obrigatoriamente, titulares de conta naquela Instituição Bancária).
ppp) A agência tinha alarme com detecção de imagens.”
II. 3. Do Direito
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da Recorrente/Ré/Caixa Geral de Depósitos, S.A. não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil, artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código Processo Civil.
II. 3.1. O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao decidir de facto, (i) reconhecendo como como provado: (facto eee) que foi efetuado no dia 08/07/2013, um levantamento de 100.000,00€ da conta bancária nº 1, pela A., depositando-o, nesse mesmo dia, no cofre n.º 14; alterando igualmente a alínea bbb) dos factos provados, sendo certo que os AA. sempre alegaram que a conta de onde saia o dinheiro para ser depositado no cofre n.º 14 era a conta nº 2, e apenas essa, decidindo de facto em violação do direito probatório, (ii) a par de ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento porque extravasaram os factos alegados pelos Autores, (iii) outrossim, deixou de se pronunciar sobre concreta questão constante das conclusões recursórias da Ré, apelante, quanto ao valor probatório pleno das declarações justificativas dos levantamentos (documentos particulares não impugnados), (iv) devendo, ser revogado o acórdão recorrido, absolvendo a Ré do pedido de pagamento de qualquer das quantias peticionadas, reconhecendo-se inverificados quaisquer danos na esfera jurídico-patrimonial dos demandantes, na decorrência da alteração da decisão da matéria de facto reclamada pela Ré/Caixa Geral de Depósitos, S.A, nos termos que enuncia:
“bbb) ali depositando valores em dinheiro que levantaram diretamente da conta nº 2, titulada pelo Autor AA, que a Autora, sua irmã, estava autorizada a consultar e movimentar;
eee) Assim:
- e foi efetuado no dia 08/07/2013, levantamento de 100.000,00€ (cem mil euros), da conta bancária nº 3 (conta a prazo), pela autora;
- ocorreram ainda os levantamentos da conta nº 2 e sucessivo depósito no cofre nº 14 que se passam a discriminar:
a. No dia 14-08-2015, o autor levantou da conta bancária n.º 2, a quantia, em dinheiro, de € 30.000,00 (trinta mil euros);
b. No dia 10/09/2015, a autora levantou da conta bancária nº 2, a quantia, em dinheiro, de 50.000,00€ (cinquenta mil euros);
c. Por fim, no dia 01/07/2016 (e não 1-09-2016), o autor levantou a quantia monetária de 80.000,00€ (oitenta mil euros);
mmm) À data do assalto achavam-se no cofre nº 14 valores não concretamente apurados.”? (1)
Questão prévia
Antes mesmo de conhecer do recurso interposto impõe-se a apreciação da questão preliminar suscitada pelos Recorridos/Autores/AA e BB, atinente à admissibilidade da revista interposta.
Articulam, com utilidade, que nos termos do n.º 3 do art.º 671º do Código de Processo Civil, a revista do acórdão do Tribunal da Relação, que confirma, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida em 1ª Instância, não é legalmente admissível.
No caso presente, a condenação no valor de €106.000,00 foi totalmente confirmada pela Relação, sem voto de vencido, sem alteração da fundamentação essencial e sem qualquer divergência jurisprudencial relevante, o que confere a tal condenação uma situação de dupla conforme, impeditiva de admissibilidade de recurso de revista, no que a essa quantia concerne, sendo que o acréscimo da condenação em mais €30.000,00 resulta, exclusivamente, da procedência parcial do recurso subordinado interposto pelos Autores, enquanto mecanismo de resposta processual e não de reabertura plena da instância de Recurso, possuindo natureza acessória e condicionada.
Concluem, assim, os Recorridos/Autores/AA e BB, que o aditamento que foi feito à decisão de 1ª Instância pelo Tribunal da Relação, em virtude do recurso subordinado, não pode tornar recorrível a totalidade da decisão anterior que foi confirmada pelo Acórdão proferido, sendo que só a parte acrescida poderia ser objeto de revista, no entanto, por não ultrapassar o valor da alçada do Tribunal da Relação, terá que ser rejeitado liminarmente o recurso ora interposto pela Ré/Caixa Geral de Depósitos, S.A., por inadmissibilidade legal.
Cuidemos da questão prévia suscitada pelos Recorridos/Autores/AA e BB no que respeita à admissibilidade do recurso de revista, interposto pela Ré/Caixa Geral de Depósitos, S.A..
A previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental, leva-nos a reconhecer que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática, todavia, já não está impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.
A lei processual civil estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, reconhecendo-se que a admissibilidade dum recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito.
No caso que nos ocupa é pacífica a tempestividade do interposto recurso, outrossim, a legitimidade da Recorrente/Ré/Caixa Geral de Depósitos, S.A. (o acórdão recorrido alterou a sentença proferida em 1ª Instância, consignado no respetivo dispositivo:
“Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação:
1. Em julgar parcialmente procedente a apelação dos autores/recorrentes, e, em consequência, alterar a sentença recorrida, condenando a ré/recorrida ao pagamento adicional de € 30 000,00 (trinta mil euros), a somar à indemnização já fixada na decisão da 1.ª Instância que se confirma no demais.
2. Em julgar integralmente improcedente a apelação da ré/recorrente.
Custas da apelação dos autores pelos recorrentes e pela ré recorrida, na proporção dos seus decaimentos.
Custas da apelação da ré integralmente a seu cargo.”
Encontra-se, pois, a dissensão quanto a ser a decisão proferida recorrível.
Como já adiantamos, os Recorridos/Autores/AA e BB questionam a admissibilidade do recurso de revista sustentando que operou a dupla conforme na decisão vertida pelo Tribunal da Relação, ao confirmar a condenação da Ré no valor de €106.000,00, sem voto de vencido, sem alteração da fundamentação essencial e sem qualquer divergência jurisprudencial relevante, sendo que o acréscimo da condenação em mais €30.000,00 resulta, exclusivamente, da procedência parcial do recurso subordinado interposto pelos Autores, que, por ser inferior à alçada do Tribunal de que se recorre, impede o respetivo conhecimento por parte do Supremo Tribunal de Justiça
A este propósito há que convocar as regras recursivas adjetivas civis, concretamente o art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil, atinente à irrecorribilidade das decisões do Tribunal da Relação em consequência da dupla conforme, nos precisos termos aí concretizados (…não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância …).
Do art.º 671º n.º 3 do Código do Processo Civil condizente ao n.º 3 do art.º 721º do anterior Código do Processo Civil, com a redação do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, decorre, importar, agora, que a decisão da segunda instância não tenha uma fundamentação essencialmente diferente da decisão de primeira instância para que produza a dupla conforme, ao contrário do que acontecia com a alteração adjetiva civil, imposta pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, em que se abstraía da fundamentação do acórdão da segunda instância para que se verificasse a dupla conforme.
Levado a cabo a exegese do consignado normativo adjetivo civil o Supremo Tribunal de Justiça tem perfilhado o entendimento de que somente deixa de atuar a dupla conforme a verificação de uma situação, conquanto o acórdão da Relação, conclua pela confirmação da decisão da 1ª Instância, em que o âmago fundamental do enquadramento jurídico seja diverso do assumido pela 1ª Instância, quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação seja inovatória, esteja ancorada em preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros que fundamentaram a decisão proferida na sentença apelada, sendo irrelevantes discordâncias que não encerrem um enquadramento jurídico alternativo, ou, pura e simplesmente, seja o reforço argumentativo aduzido pela Relação para sustentar a solução alcançada.
Torna-se necessário, pois, para que a dupla conforme deixe de atuar, a aquiescência, pela Relação do enquadramento jurídico sufragado em 1ª Instância, suportada numa solução jurídica inovatória, que aporte preceitos, interpretações normativas ou institutos jurídicos diversos e autónomos daqueloutros enunciados no aresto apelado
No caso sub iudice, confrontadas as decisões proferidas, em 1.ª e 2.ª Instâncias, divisamos, com clareza, que o acórdão da Relação concluiu pela alteração da decisão da 1ª Instância, condenando a Ré/Caixa Geral de Depósitos, S.A. ao pagamento adicional de €30.000,00, a somar à indemnização já fixada na decisão da 1.ª Instância, confirmando no demais.
Temos para nós a irrelevância que esta alteração do decidido em 1ª Instância decorra do recurso independente ou do recurso subordinado. O que é decisivo é o resultado final do dispositivo, qual seja, no caso trazido a Juízo, o agravamento da condenação da Ré/Caixa Geral de Depósitos, S.A., daí que não possamos falar em conformidade de decisões, pois, as Instâncias divergiram nos respetivos dispositivos, sendo ainda mais desfavorável para a Ré/Caixa Geral de Depósitos, S.A., ora Recorrente, não fazendo sentido, por falta de apoio legal, salvo o devido respeito por opinião contrária, a reclamada distinção entre o que decorre do conhecimento do recurso independente e aqueloutra apreciação que versa sobre o recurso subordinado.
Tudo visto, concluímos pela admissibilidade da revista, em razão da desconformidade das decisões das Instâncias, preenchidos que estão todos os requisitos formais e substantivos de que depende a admissão da revista.
Ademais, mesmo concebendo, que não concedendo, a bondade da argumentação esgrimida pelos Recorridos/Autores/AA e BB, importará sublinhar que a Doutrina e Jurisprudência, vem, pacificamente, defendendo que não obstante a dupla conformidade existente entre decisões, essa mesma conformidade deixa de operar quando haja erro de direito na aplicação da lei adjetiva civil, nomeadamente, “se a parte pretender reagir contra o não uso ou o uso deficiente dos poderes da Relação sobre a matéria de facto”, quando se invoca um erro de direito, nomeadamente, entre outras situações, quando “a Relação não tiver controlado a valoração da prova realizada na 1ª instância com o argumento de que a falta de imediação impede essa reapreciação”, neste sentido, GG, in, artigo subordinado à temática da Dupla Conforme e Vícios na Formação do Acórdão da Relação, Instituto Português de Processo Civil, blogippc.blogspot.pt., e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Fevereiro de 2015 (Processo n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1), e de 28 de Janeiro de 2016 (Processo n.º 802/13.8TTVNF.P1.G1-A.S1), in, www.dgsi.pt.
Como defende, António Abrantes Geraldes, in, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª Edição, páginas 319 e seguintes, “Em tais circunstâncias e noutras similares em que seja apontado à Relação erro de aplicação ou interpretação da lei processual e seja invocado no recurso de revista a violação de normas adjectivas relacionadas com a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, não existe dupla conforme” sendo que divisamos, sem dificuldade a razão pela qual a dupla conforme não pode atuar, na medida em que, conquanto os decisões das Instâncias possam ser conforme, mesmo mantendo a decisão de facto, o Supremo Tribunal de Justiça não deixa de ser confrontado com novas questões de natureza adjetiva com direta influência na apreciação da invocada impugnação da decisão de facto.
Neste sentido, veja-se a comunicação efetuada em 6 de Julho de 2015, pelo Juiz Conselheiro Alves Velho, aquando do Colóquio sobre o Novo Código de Processo Civil, cujo texto está publicado in www.stj.pt., reforçado no Acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 14 de Maio de 2015.
Ora no caso que nos ocupa, a Recorrente/Ré/Caixa Geral de Depósitos, S.A. insurge-se contra o acórdão recorrido que apreciou a impugnação da decisão da matéria de facto fixada em 1ª Instância, invocando a violação do direito probatório, reclamando a alteração da decisão da matéria de facto constante das alíneas bbb), eee) e mmm), a par de imputar ao Tribunal recorrido ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento porque extravasaram os factos alegados pelos Autores, outrossim, deixou de se pronunciar sobre concreta questão constante das conclusões recursórias da Ré/Caixa Geral de Depósitos, S.A., ali apelante, quanto ao valor probatório pleno das declarações justificativas dos levantamentos (documentos particulares não impugnados), descaracterizando, assim, concebida que não concedida, dupla conformidade .
Na decorrência do reconhecimento da bondade do formulado pedido de alteração da decisão da matéria de facto que enuncia, pede a Recorrente/Ré/Caixa Geral de Depósitos, S.A. a revogação do acórdão recorrido, absolvendo-a do pedido.
Tudo visto, reconhecida a admissibilidade de recurso de revista, impõe-se conhecer das questões, objeto da presente revista, a relembrar:
O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao decidir de facto, (i) reconhecendo como como provadas as alíneas bbb), eee) e mmm), em violação do direito probatório, (ii) a par de ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento porque extravasaram os factos alegados pelos Autores, (iii) outrossim, deixou de se pronunciar sobre concreta questão constante das conclusões recursórias da Ré, apelante, quanto ao valor probatório pleno das declarações justificativas dos levantamentos (documentos particulares não impugnados), e (iv) sentenciamento no sentido da absolvição da demandada no pagamento de qualquer das quantias peticionadas, reconhecendo-se inverificados quaisquer danos na esfera jurídico-patrimonial dos demandantes.
(i) Os poderes do Tribunal da Relação quanto à modificabilidade da decisão de facto estão enunciados no art.º 662º do Código de Processo Civil, sendo que este Tribunal não está dispensado do ónus de fundamentação da matéria de facto, mormente a aditada ou a modificada, tal como imposto pelo n.º 4 do art.º 607º do Código de Processo Civil, na medida em que, a fundamentação da decisão, maxime, a de facto, para além de ser decorrência do art.º 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, consubstancia causa de legitimidade e legitimação das decisões dos Tribunais, porquanto permite ao destinatário da decisão compreender os fundamentos da decisão e os meios de prova em que eles de alicerçam.
Problematiza-se o conhecimento, por parte da Relação, da impugnação da decisão de facto, cumprindo decidir se o Tribunal a quo violou as normas processuais relativas à modificabilidade da decisão de facto.
Como sabemos, o Supremo Tribunal de Justiça, no que respeita às decisões da Relação sobre a matéria de facto, não pode alterar tais decisões, sendo estas decisões de facto, em regra, irrecorríveis.
A este propósito, estatui o art.º 662º n.º 4 do Código Processo Civil que “das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” estabelecendo, por seu turno, o art.º 674º n.º 3 do Código Processo Civil “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”, de igual modo, prescreve o art.º 682º n.º 2 do Código Processo Civil que a “decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 674º”, donde se colhe, com meridiana clareza, que o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, acentuando-se, que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode intervir nos casos em que seja invocado, e reconhecido, erro de direito, por violação de lei adjetiva civil ou a ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova, ou que fixe a força de determinado meio de prova, com força probatória plena.
A decisão de facto é, pois, da competência das Instâncias, pelo que, o Supremo Tribunal de Justiça não pode, nem deve, interferir na decisão de facto, somente importando a respetiva intervenção, quando haja erro de direito, isto é, quando o acórdão recorrido viole o direito probatório, afrontando disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, nomeadamente, a prova documental ou por confissão, ou que fixe a força de determinado meio de prova, por exemplo, acordo das partes, confissão, documento, com força probatória plena.
No caso trazido a Juízo, uma vez cotejadas as conclusões apresentadas pela Recorrente/Ré/Caixa Geral de Depósitos, S.A., reconhecemos, com facilidade, que a impugnação da decisão de facto, contende com a circunstância de, em sua opinião, o Tribunal recorrido ter deixado de valorar corretamente os meios de prova oferecidos (concretamente, os depoimentos de parte dos Autores, prova testemunhal indicada e prova documental apresentadas) para formar a sua convicção, considerando como demonstradas as alíneas bbb), eee) e mmm), desvalorizando, indevidamente, as declarações justificativas dos levantamentos (documentos particulares não impugnados).
O Tribunal recorrido para alterar a decisão de facto da 1ª Instância, sustentou, com utilidade:
“I. Do recurso da ré:
(a) Impugnação da matéria de facto: (a-1) – Matéria conclusiva: alíneas ff), hh), ii), pp) e qq); (a-2) – Alteração da redacção dos factos: alíneas aaa), bbb), ddd), eee), fff), ggg), kkk) e mmm).
(…)
Avancemos, pois, para a análise conjunta da questão nodal submetida ao juízo de avaliação deste Tribunal da Relação,
– Impugnação da Matéria de Facto
(…)
I (a2) / II (a1) Indagar se deve ser alterada a redacção dos factos vertidos nas alíneas aaa), bbb), ddd), eee), fff), ggg), kkk) e mmm) [recurso da ré] e nas alíneas c), xx), zz), eee) e mmm) [recurso dos autores].
(…)
– Alíneas aaa), bbb), ddd), eee), fff), ggg), kkk) e mmm).
Estas alíneas prendem-se, de modo inequívoco, com a matéria de facto que constitui o âmago da acção: apurar se os autores “depositavam” o dinheiro que levantavam da(s) conta(s) bancária(s) do autor, existente(s) na CGD, no cofre que alugaram na agência de ... e, na afirmativa, quais os montantes aí existentes à data do furto.
A respeito desta questão – nuclear para a decisão do processo – o tribunal a quo considerou que ficou provada a matéria que se passa a enumerar:
(…)
bbb) ali depositando valores em dinheiro que levantaram no próprio balcão da agência da Caixa Geral de Depósitos de ..., na sua maioria, diretamente da conta nº 2, titulada pelo Autor AA, que a Autora, sua irmã, estava autorizada a consultar e movimentar, na sua maioria,
(…)
eee) Assim:
- e foi efectuado no dia 08/07/2013, levantamento de 100.000,00€ (cem mil euros), da conta bancária nº 3 (conta a prazo), pela autora, depositando-o, nesse mesmo dia, no cofre nº 14;
- ocorreram ainda os levantamentos da conta nº 2 e sucessivo depósito no cofre nº 14 que se passam a discriminar:
a. No dia 10/09/2015, a autora levantou da conta bancária nº 2, a quantia, em dinheiro, de 50.000,00€ (cinquenta mil euros), que também depositou nesse mesmo dia, no cofre nº 14;
b. Por fim, no dia 01/07/2016 (e não 1-09-2016), o autor levantou a quantia monetária de 80.000,00€ (oitenta mil euros), depositando-a, nesse mesmo dia, no cofre nº 14.
(…)
mmm) À data do assalto achava-se no cofre nº 14 valor não concretamente apurado, mas seguramente não inferior a cerca de € 106 000. (cem e seis mil euros).
A ré discorda, na globalidade, do modo como o tribunal a quo avaliou a prova para dar como provada a factualidade supra descrita, criticando extensivamente o exame crítico da prova que foi realizado na 1.ª instância:
(i) quer para justificar o aluguer do cofre,
(ii) quer para justificar os invocados levantamentos e os alegados “depósitos” no cofre,
(iii) quer, ainda, para justificar a quantia em dinheiro vivo existente no cofre na data do assalto à agência – cf. conclusões 2 a 61.
Considera a recorrente principal, em síntese, que “as explicações que os AA. avançaram para explicar as razões de alegadamente levantarem dinheiro vivo da sua conta para imediatamente o depositarem no cofre, e que foram aceites pelo Tribunal não resistem ao senso comum e às chamadas regras da experiência, nomeadamente àquela que determina não meter os ovos todos no mesmo cesto” e que “a narrativa que os AA. escolheram para justificar a alegada guarda em cofre de dinheiro vivo não colhe face às regras da experiência, ao senso comum”, acrescentando, depois, que “[o] aligeiramento na exigência da prova de que o Tribunal se socorreu não podia ser levado ao extremo de tolerar e aceitar com base em depoimentos testemunhais de “ouvir dizer” cuja fonte eram os próprios AA. e com base nas declarações de parte destes” a prova dos factos essenciais da causa.
Relata, em especial, que o tribunal a quo não valorou devidamente a prova documental que consta do processo – mormente, os documentos juntos pela ré em 13-12-2022 e os documentos juntos pelos autores, sob os n.ºs 12 a 16 da petição inicial; com o requerimento de 17-03-2021; e, por fim, as cópias da(s) caderneta(s) junta(s) em 30-11-2022 – aduzindo, entre o mais, que “[o] Tribunal entendeu que as declarações de parte da A. prestadas em julgamento eram suficientes para justificar a flagrante contradição existente entre o que constava das declarações e os alegados depósitos em cofre (…)”, sendo certo que os documentos comprovativos das visitas ao cofre, juntos pelos autores, não coincidem com as datas constantes das declarações de justificação dos levantamentos, nem com os valores alegadamente por eles levantados.
Seguidamente, expõe a recorrente que “(…) [o] Tribunal, para decidir sobre a verificação e quantum dos alegados depósitos no cofre nº 14 se fundou basicamente nas declarações de parte dos AA., sendo que as demais provas de que se socorreu nada demonstram quanto à efetivação dos alegados depósitos no cofre”; que, “[c]om exceção da mãe dos AA. que referiu ter presenciado apenas um depósito no cofre (não se lembrando, todavia nem quando foi nem do montante que terá então sido depositado) rigorosamente mais ninguém testemunhou que esteve presente no momento da efetivação dos alegados depósitos no cofre (…)”; e que “[a] restante prova – vencimentos do A., despesas com a construção da moradia do A., registos das visitas ao cofre, declarações de justificação dos levantamentos – não demonstram/provam o facto essencial, isto é, quanto dinheiro estava ou não estava no cofre à data do verificado assalto à agência de ...”.
Paralelamente os autores, no recurso subordinado, também pugnam que o tribunal a quo avaliou indevidamente os factos que constam das alíneas eee) e mmm), requerendo a sua prova total, isto é, no sentido de que, além das quantias indicadas, deverão ser acrescentados os valores de € 100 000,00 e € 30 000,00, respectivamente, perfazendo o quantitativo total de € 236 000,00.
Por necessária, façamos uma breve explanação sobre a problemática da apreciação da prova, a valoração das declarações de parte e a valoração dos designados depoimentos testemunhais indirectos.
(…)
Deste modo, é de admitir que o tribunal ao julgar os factos da causa, mesmo os essenciais, como aconteceu no caso sub judice – mormente para dar como provadas as quantias levantadas pelos autores na CGD e colocadas subsequentemente no cofre que alugaram –, possa fundar a sua convicção, quanto a essa factualidade, nas declarações de parte e/ou nos depoimentos de testemunhas indirectas.
(…)
Posto o que cumpre apreciar, especificamente, os factos impugnados acima indicados – alíneas aaa), bbb), ddd), eee), fff), ggg), kkk) e mmm).
(…)
Na alínea bbb) o tribunal a quo deu como provado que: ali depositando valores em dinheiro que levantaram no próprio balcão da agência da Caixa Geral de Depósitos de ..., na sua maioria, diretamente da conta nº 2, titulada pelo Autor AA, que a Autora, sua irmã, estava autorizada a consultar e movimentar, na sua maioria,
A recorrente/ré pretende que este facto, directamente relacionado com o anterior, tenha como redacção: “Ali depositando valores cujo montante e proveniência se desconhece”.
A recorrente pretende com as redacções propostas afastar, por completo, a prova de que os autores foram guardando no cofre n.º 14, cuja utilização lhes foi atribuída, em algumas ocasiões, valores em dinheiro, que levantaram no próprio balcão da agência da Caixa Geral de Depósitos de ..., na sua maioria, directamente da conta n.º 2, titulada pelo Autor AA, tal como o tribunal a quo deu como provado. Aduz, ainda, que como na petição inicial os autores sempre se referiram àquela conta, o tribunal não se podia pronunciar, nem dar como provada, matéria que não foi alegada.
Salvo o devido respeito, sem razão.
As declarações de parte dos autores AA e BB foram absolutamente claras a respeito do aluguer do cofre e das deslocações que fizeram à agência da CGD de ... para aí colocarem dinheiro vivo, que, na sua grande maioria, provinha da conta do autor n.º 2.
A conta que está indicada no documento n.º 12 da petição inicial é, na verdade, uma outra conta bancária do autor, domiciliada na CGD, existindo um manifesto lapso de escrita na redacção do primeiro parágrafo do art. 66.º da petição inicial.
Todavia, certo é que essa conta está perfeitamente identificada no documento em causa, como pertencendo ao autor e domiciliada na CGD, com o n.º 1, não tendo sido impugnada a existência dessa conta bancária pela ré – cf. o teor da impugnação constante do art. 30.º da contestação –, revestindo, no contexto da causa, a natureza de facto instrumental (art. 5.º, n.º 2, al. a), do CPC).
O autor AA disse concretamente (…).
(…)
A explicação não se nos afigura inverosímil ou fantasiosa (…).
(…)
Trata-se de um depoimento consistente, espontâneo, sem indícios de pré-elaboração discursiva ou sinais de ensaio prévio.
Por sua vez, a autora BB explicou (…)
(…)
A par das declarações de parte, as respostas das testemunhas a seguir indicadas também corroboraram o conhecimento, naturalmente indirecto (…)
(…)
– HH (…)
– II (…)
– JJ (…)
– KK (…).
(…) Sem necessidade de maiores tergiversações, mantêm-se, assim, as redacções das alíneas (…) bbb).
(…)
E na alínea eee) o tribunal a quo deu como provado que:
Assim:
- e foi efectuado no dia 08/07/2013, levantamento de 100.000,00€ (cem mil euros), da conta bancária nº 3 (conta a prazo), pela autora, depositando-o, nesse mesmo dia, no cofre nº 14;
- ocorreram ainda os levantamentos da conta nº 2 e sucessivo depósito no cofre nº 14 que se passam a discriminar:
a. No dia 10/09/2015, a autora levantou da conta bancária nº 2, a quantia, em dinheiro, de 50.000,00€ (cinquenta mil euros), que também depositou nesse mesmo dia, no cofre nº 14;
b. Por fim, no dia 01/07/2016 (e não 1-09-2016), o autor levantou a quantia monetária de 80.000,00€ (oitenta mil euros), depositando-a, nesse mesmo dia, no cofre nº 14.
Trata-se, como é evidente, de mais um dos factos nucleares desta acção, dissentindo ambas as partes do aí vertido.
A ré refere, a este propósito, na conclusão 28, que “O Tribunal entendeu dar como provado (facto eee) que foi efetuado no dia 08/07/2013, um levantamento de 100.000,00€, da conta bancária nº 3, pela A., depositando-o, nesse mesmo dia no cofre, mas sem qualquer outra evidência documental da ocorrência de tal levantamento que não seja o doc. 12 que mais não é que uma mera declaração de justificação de levantamento da conta nº 1, sendo ademais certo que os AA. sempre disseram que a conta de onde saia o dinheiro para der depositado no cofre era a conta nº 2, e sendo certo que tal declaração de justificação não é documento apto a só por si comprovar a existência de um levantamento, e muito menos de um depósito em cofre dessa quantia, haverá que concluir que esta matéria não deveria ter sido considerada provada, atendendo a que não estão juntos aos autos extratos ou cópias de caderneta desta conta nº 1, pelo que o Tribunal não teve base documental para poder sequer dar como efetivado este levantamento (e muito menos o depósito em cofre como provado).
(…)
Vejamos.
Lendo a petição inicial, regista-se que a tese dos autores passou por fazer demonstrar que, com excepção da primeira entrada de dinheiro, na data de abertura do cofre, as verbas em dinheiro ali “depositadas”/colocadas, em 5 actos temporalmente separados, tiveram origem em levantamentos processados, nesses mesmos dias, em conta do autor AA titulada na CGD.
Analisemos a documentação anexa pelos autores à petição inicial:
– Doc. n.º 12, é um documento bancário da Caixa Geral de Depósitos, intitulado “Declaração de Justificação”, indicando “Tipo de Operação: Levantamento”, datado de 08-07-2013, preenchido antes de se proceder a um alegado levantamento, no qual a autora, BB, na qualidade de signatária, declarou que pretendia realizar um levantamento no valor de € 100 000,00, da conta n.º 1, de AA, para “Aquisição de terrenos”, dele constando a indicação de que tendo a CGD solicitado a documentação justificativa da operação a cliente, “não entregou”;
– Doc. n.º 13, é um documento bancário da Caixa Geral de Depósitos, intitulado “Declaração de Justificação”, indicando “Tipo de Operação: Levantamento”, datado de 03-02-2015, preenchido antes de se proceder a um alegado levantamento, no qual a autora, BB, na qualidade de signatária, declarou que pretendia realizar um levantamento no valor de € 100 000,00, da conta n.º 2, de AA, para “Para aquisição de bens”;
– Doc. n.º 14, é um documento bancário da Caixa Geral de Depósitos, comprovativo do levantamento da quantia de € 30 000,00, da conta n.º 2, de AA, realizado pelo próprio autor, em 14-08-2015, no qual consta “Justificação do Destino dos Fundos”: “Para compra de imóveis”, e que “Solicitada a documentação, o interveniente Não facultou”;
– Doc. n.º 15, é um documento bancário da Caixa Geral de Depósitos, intitulado “Declaração de Justificação”, indicando “Tipo de Operação: Levantamento”, datado de 10-09-2015, no qual a autora, BB, na qualidade de signatária, declarou que pretendia realizar um levantamento no valor de € 50 000,00, da conta n.º 2, de AA, para “Investimentos Imobiliários”, dele constando a indicação de que tendo a CGD solicitado a documentação justificativa da operação a cliente, “não entregou”;
– Doc. n.º 16, é um documento bancário da Caixa Geral de Depósitos, intitulado “Declaração de Justificação”, indicando “Tipo de Operação: Levantamento”, datado de 01-07-2016, no qual o autor, AA, na qualidade de signatário, declarou que pretendia realizar um levantamento da sua conta n.º 2, mas sem qualquer indicação do respectivo valor monetário, justificando a operação com a declaração “Para férias – 3 meses”.
A ré enfatizou que destes 5 documentos apenas o documento n.º 14 constitui um comprovativo documental de um efectivo levantamento do valor de € 30 000,00, não demonstrando esses documentos, por si só, a subsequente realização de depósito/colocação de qualquer quantia no cofre (aliás, relativamente a 14-08-2018 não existe, inclusive, qualquer documento de justificação).
Os restantes documentos (n.ºs 12, 13, 15 e 16) constituem simples declarações de justificação de levantamentos, as quais, estando reconhecidamente assinadas pelos funcionários da CGD, correspondem, no confronto com as cópias das cadernetas – e valores aí apostos –, como bem salientado na sentença recorrida, a levantamentos realizados.
De facto e argutamente lavrado na sentença, não é plausível que nenhuma das testemunhas que exercia funções de gestor de cliente, i.e., EE (até Junho de 2016) e FF (desde aquela data até Julho de 2020), não revelassem, caso tal tivesse sucedido, “qualquer situação de arrependimento, após tal preenchimento, não sendo crível que tais documentos ficassem na mão dos clientes, numa situação em que o levantamento não chegasse a ocorrer (…)” (sic).
A ré considera, porém, que no seu exame crítico da prova o tribunal a quo não valorou em termos probatórios de forma correcta os documentos n.ºs 12 a 16 juntos pelos próprios autores com a petição inicial, que são documentos particulares não impugnados, e, se o tivesse feito não poderia ter concluído que estas justificações “não são de surpreender – é compreensível o sigilo, pretendendo obviar ao controlo da legislação de branqueamento de capitais”, conclusão esta que não tem qualquer arrimo na prova, concretamente nas declarações de parte dos autores, não se percebendo porque é não revelavam nessas declarações que as quantias levantadas eram para depositar no cofre.
Uma vez mais discorda-se da recorrente.
O facto da autora e do autor, este numa ocasião, terem consignado como motivo justificativo dos levantamentos “Aquisição de terrenos”, “Para aquisição de bens”, “Para compra de imóveis”, “Investimentos Imobiliários” e “Para férias – 3 meses” não afasta que os levantamentos de dinheiro vivo se destinavam a realizar, logo de seguida, o seu “depósito” no cofre (…)
(…)
Do exposto decorre que, não obstante constarem dos documentos juntos à petição inicial, sob os n.ºs 12 a 16, as justificações aí narradas, tal não afasta que tais verbas não tivessem sido colocadas no cofre.
(…)
Prosseguindo.
O documento n.º 17 comprova que a autora BB solicitou à CGD, cópia dos registos de visitas efectuadas ao cofre, desde a data de início do contrato, 11-06-2023, apenas tendo obtido esses registos, no decurso da acção, relativamente às visitas de 08-07-2013, 01-08-2017, 11-04-2018 e 24-10-2018. Como bem assinala o tribunal a quo é relevante que assim tenha sucedido pois os autores não detinham o controlo de tais elementos documentais, que se encontravam na posse da ré, tendo esta, por sua vez, o perfeito conhecimento dos valores levantados da(s) conta(s) do autor AA e dos registos das visitas realizadas ao cofre, por se tratar da instituição bancária onde o autor é cliente, não sendo crível que os autores inventassem “levantamentos” programados, mas não efectivamente realizados.
Por sua vez, os documentos n.ºs 18 e 19 juntos com a petição inicial constituem meros documentos particulares, alegadamente elaborados pela autora, mas não servem por si só de demonstração/prova de qualquer levantamento, ou depósito, ou de guarda de valores no cofre, tendo sido impugnados pela ré.
Segundo o registo constante do doc. n.º 18, para além de colocações de notas no cofre, alegadamente em 11-06-2013 (€ 1000,00 / $ 25 700,00 dólares), 08-07-2013 (€ 100 000,00), 03-02-2015 (€ 100 000,00), 14-08-2015 (€ 30 000,00), 10-09-2015 (€ 50 000,00) e 01-07-2016 (€ 80 000,00), houve retiradas de notas em 06-01-2015 ($ 25 700,00 dólares), 01-08-2017 (€ 63 000,00), 10-04-2018 (€ 32 000,00) e 24-10-2018 (€ 30 000,00).
Tais documentos, como anotado na sentença em crise, não invalidam a dúvida quanto à data em que os mesmos foram elaborados, designadamente se a autora BB, logo após depositar ou levantar valores do cofre, procedia, de facto, ao registo informático dos montantes indicados, com a discriminação dos valores e das notas depositadas.
Em todo o caso, como salienta a sentença, já se nos afigura credível que nas visitas ao cofre a autora procedesse à contagem e registo das notas para um controlo de valores, mas não para controlo de notas saídas de circulação, sendo que a explicação que a autora aventou a tal propósito nos pareceu demasiado forçada – “…eu gostava de saber o que é que lá tinha, que era para quando o meu irmão viesse, fazermos os mapas e sabermos o que é que lá estava. E depois havia outra preocupação que era… pronto, tenho lá as notas. Imaginem, por exemplo, que as notas saem de circulação. Não é? Depois falou-se naquelas de 10,00€”, “Não foram retirados de circulação, mas foram… substituída a imagem. As de 20 também. Depois, mais tarde, falou-se nas de 500,00€ que podiam ser retiradas ou que se entrassem no banco, já não saía. E eu disse: eu tenho que ter uma noção do que é que lá tenho, porque se há… houver uma substituição, ou se elas forem retiradas, eu tenho que lá ir buscá-las, entregá-las no Caixa para o Caixa ou me dar em dinheiro ou então fica a entrar na conta novamente. Não é? Portanto e essa era a maior preocupação, era se houvesse algum problema cá fora eu poder”.
Nessa senda, a explicação aventada pelo tribunal recorrido para dar como provados os montantes que considerou terem sido colocados no cofre é, a nosso ver, consistente, atendendo ao perfil social, familiar e psicológico dos autores, pessoas de ascendência modesta, trabalhadores, denotando preocupações de poupança e de aplicação dessa poupança, designadamente para edificação da casa do autor.
Por outro lado, o modus operandi da autora BB ao gerir os dinheiros do seu irmão, com rigoroso controlo das quantias levantadas e colocadas no cofre, a par da sua concatenação com a documentação inserta no processo e da confissão de retirada de valores elevados da cofre, é de molde a corroborar a convicção de que os valores levantados nos dias 08-07-2013, 10-09-2015 e 01-07-2016 – ou seja, € 100 000, € 50 000 e € 80 000 –, foram, de facto, colocados no cofre, conforme alegado pelos autores.
Todavia, contrariamente ao decidido na 1.ª instância, entendemos que, sem embargo destes quantitativos, há que considerar que também foi produzida prova suficiente do levantamento e colocação no cofre de € 30 000,00, em 14-08-2015, tal como sustentado no recurso dos autores/recorrentes (conclusões 41-44).
Com efeito, diversamente do que se exarou na sentença recorrida, além do autor ter declarado, depois de perguntado pela Mm.ª Juiz: “Não. Fui sempre com a minha irmã”, “Nunca fui sozinho. Fui sempre com ela por uma questão de confiança nela. E eu sei que ela que é muito mesquinha nos pormenores”, resultou das declarações de parte da autora BB, até com um grau de pormenor bastante detalhado, que foi a mesma, com o irmão, quem realizou tal operação em concreto e conjuntamente:
(…)
Aliás, o levantamento da quantia de € 30 000,00, está discriminado na caderneta da conta n.º 2 – cf. p. 350 do suporte físico do processo –, além de que o documento n.º 14 confirma esse levantamento pelo autor, que, contrariamente ao referido pelo tribunal a quo, terá acompanhado a visita ao cofre.
Destarte, deduzindo ao montante de € 261 000,00 os valores confessadamente retirados a 01-08-2017, de € 63 000,00 a 10-04-018, de € 32 000,00 e a 24-20-2018, de € 30 000,00 leva-nos à conclusão de que havia no cofre, na data do assalto, € 136 000,00 (ou seja, € 135 000,00 acrescidos dos € 1000 colocados na data de abertura do cofre alugado).
(…)
Em face de todo o exposto, e vista a prova analisada nesta sede recursiva, considera-se que existe suficiente evidência da colocação dos valores de € 1000,00 euros na abertura do cofre (a par de $ 25 700 dólares americanos, posteriormente levantados) + € 100 000,00, a 08-07-2013 + € 30 000,00, a 14-08-2015 + € 50 000,00 a 10-09-2015; e, finalmente, + € 80 000, a 01-07-2016.
Em consonância, mantém-se a redacção da alínea ddd) e a alínea eee) passa a ter a seguinte redacção:
eee) Assim:
– Foi efectuado no dia 08-07-2013, levantamento de € 100 000,00 (cem mil euros), da conta bancária n.º 1, pela autora, depositando-os, nesse mesmo dia, no cofre n.º 14.
– Ocorreram, ainda, os levantamentos da conta n.º 2 e sucessivo depósito no cofre n.º 14 que se passam a discriminar:
a. No dia 14-08-2015, o autor levantou da conta bancária n.º 2, a quantia, em dinheiro, de € 30 000,00 (trinta mil euros), que os autores depositaram, nesse mesmo dia, no cofre n.º 14
b. No dia 10-09-2015, a autora levantou da conta bancária n.º 2, a quantia, em dinheiro, de € 50 000,00 (cinquenta mil euros), que também depositou, nesse mesmo dia, no cofre n.º 14;
c. Por fim, no dia 01-07-2016 (e não 01-09-2016), o autor levantou a quantia monetária de € 80 000,00 (oitenta mil euros), que os autores depositaram, nesse mesmo dia, no cofre nº 14.
(…)
Na alínea mmm) o tribunal a quo deu como provado que: À data do assalto achava-se no cofre nº 14 valor não concretamente apurado, mas seguramente não inferior a cerca de € 106 000. (cem e seis mil euros).
Em relação a esta alínea – estritamente ligada, em especial, à factualidade constante das alíneas ddd), eee), fff), ggg) e hhh) – quer a ré, quer os autores, discordam do aí vertido.
A ré/recorrente considera que esta alínea deve ter a seguinte redacção: “À data do assalto achavam-se no cofre valores não concretamente apurados”.
Os autores/recorrentes entendem, diversamente, que esta alínea deve ficar com a seguinte redacção: “À data do assalto os Autores mantinham no cofre n.º 14 o valor total de € 236 000,00”.
Tendo em atenção a valoração da prova realizada nesta sede recursiva, com a apreciação conjunta de ambas as apelações – designadamente, a audição integral dos depoimentos das testemunhas que a ré/recorrente indicou nas suas conclusões 37, 51, 59 e 60, e que os autores/recorrentes indicaram nos trechos insertos nas conclusões 28 (JJ), 29 (HH), 31 (KK), 32 (II), 33/34 (LL) –, é ostensivo, como já se deixou antes consignado, que a prova rainha desta acção repousou, em grande medida, nas declarações de parte dos próprios autores e na sua concatenação com a prova documental, dando-se aqui por reproduzida toda a fundamentação de facto já antes apresentada.
Nesta medida, em face da factualidade provada, a alínea mmm) ficará com a seguinte redacção:
“À data do assalto achava-se no cofre nº 14 valor não concretamente apurado, mas seguramente não inferior a cerca de € 136 000 (cento e trinta seis mil euros).”
Assim sendo, e revertendo ao caso trazido a Juízo, importa dizer que ao cotejarmos a apreciação da impugnação da decisão de facto por parte da Relação, distinguimos que o Tribunal recorrido, ao decidir sobre a impugnação da decisão de facto, sindicou a decisão de facto levada a cabo na 1ª Instância, ancorado em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, conforme decorre do respetivo enquadramento jurídico que profusa e detalhadamente analisa a facticidade adquirida processualmente.
Da exposição decisória do acórdão recorrido resulta, inequivocamente, que o processo cognitivo percorrido pelo Tribunal a quo teve em devida atenção, para confirmar a decisão de facto, apenas e só, meios de prova, sujeitos à livre apreciação, evidenciando não estar violada quaisquer regras de direito probatório, fundamentando, devida e criticamente, a decisão tomada.
Assim, não cuidando, enquanto Tribunal de revista, de tecer juízos de valor acerca da valoração da prova, da competência das Instâncias, reconhecemos, por um lado, que este Tribunal de recurso não está confrontado com qualquer erro de direito na apreciação da decisão de facto, afirmando-se que as estatuídas regras de direito probatório, reconhecidas na arquitetura da tramitação recursiva, atinente à impugnação da decisão de facto foram cumpridas, acentuando-se, por outro lado, estar-lhe vedado conhecer da bondade da decisão sobre a impugnação da decisão de facto, uma vez que a mesma está, como já adiantamos e aqui sublinhamos mais uma vez, sustentada nos poderes de livre convicção da Relação, concorrendo com os assinalados elementos probatórios.
Como sobejamos já discreteamos, o Supremo Tribunal de Justiça não pode controlar a prudência ou a imprudência da convicção das Instâncias sobre a prova produzida sempre que se trate de provas submetidas ao princípio da liberdade de apreciação, ou seja, que assenta na prudente convicção que o Tribunal recorrido tenha adquirido das provas produzidas, apenas dispondo de competência decisória para controlar a atuação da Relação nos casos de prova vinculada ou tarifada, ou seja, quando está em causa um erro de direito.
(ii) Ademais, não colhe sustentação a invocação de que o Tribunal a quo conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento porque extravasaram os factos alegados pelos Autores.
Invoca a Recorrente/Ré/Caixa Geral de Depósitos, S.A. que o Tribunal recorrido criou um facto novo no processo, classificando-o depois como meramente instrumental, no que concerne ao facto dado como provado em eee) de que a quantia de 100.000,00€ foi levantada de uma conta bancária com o nº 1 que, alegadamente, nunca foi mencionada pelos demandantes.
Impõe-se, desde já, afirmar, como decorre da apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, que o Tribunal a quo reconheceu existir um manifesto lapso de escrita na redação do primeiro parágrafo do art.º 66º da apresentada petição inicial, que foi corrigido através dos documentos juntos com a própria petição inicial (cfr.doc. nº 12), onde é feita clara menção a tal conta que, por sua vez, constitui uma conta a prazo associada à conta à ordem dos demandantes referida naquele art.º 66º da petição inicial.
A este propósito importa considerar o preceituado nos artºs. 5º e 662º, ambos do Código de Processo Civil.
Textua o enunciado art.º 5º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal”:
“1. Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.
2. Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
(…).”
Por sua vez, o art.º 662º n.º 1 do Código de Processo Civil, estatuindo sobre os poderes da Relação em matéria de facto, preceitua: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
O art.º 5º do Código de Processo Civil distingue os factos entre essenciais, instrumentais e complementares.
Os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções (isto é, todos aqueles de que depende o reconhecimento das pretensões deduzidas), devem ser vertidos nos articulados pelas partes, a isso respeitando o ónus de alegação imposto pelo n.º 1 do aludido art.º 5º do Código de Processo Civil.
Além destes factos, que podemos designar como factos essenciais nucleares, são ainda essenciais os factos que sejam deles complemento ou concretização (nos termos do art.º 5º n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil), embora não façam parte do núcleo essencial da situação jurídica alegada pelo Autor. Estes, os chamados factos complementares, que se “tornem patentes na instrução da causa” podem ser considerados oficiosamente desde que as partes tenham tido a oportunidade de sobre eles se pronunciarem (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in, Código de Processo Civil Anotado, I, 3º edição, página16).
Os factos instrumentais, que não preenchem a fatispécie de qualquer norma de direito substantivo que confira um direito ou tutele um interesse das partes, visam auxiliar a demonstração dos factos essenciais, têm uma função probatória, não têm de ser alegados pelas partes, podendo surgir no decorrer da instrução da causa.
O facto em causa, a conta sacada era a conta nº 1, e não a conta nº 2, não é um facto essencial uma vez que não integra a causa de pedir, pois, como bem referem os Recorridos/Autores/AA e BB, e aqui acompanhamos: “os factos instrumentais são os que apenas servem para provar ou tornar verosímeis factos essenciais (nº 2 do artigo 5º do CPC); A indicação do número exato de uma conta a prazo, associada à conta à ordem dos Autores/ Recorridos, quando os movimentos estão devidamente documentados nos autos só pode ser considerado um facto instrumental, porquanto serve apenas para provar o percurso do dinheiro, não alterando a causa de pedir; A titularidade do dinheiro, mesmo com a indicação de um número de conta diverso, não é alterada, nem é posta em causa.
O que importa para a causa de pedir é que o dinheiro tenha sido levantado de uma conta titulada pelos Autores (seja com que número for) e que, no mesmo dia, tenha sido depositada no cofre nº 14, também dos Autores; Se a conta em questão se encontrava devidamente indicada nos documentos juntos aos autos pelos Autores e se eles próprios o confirmaram nas suas declarações de parte, então o Tribunal da Relação limitou-se a confirmar e clarificar a realidade já evidenciada nos documentos juntos inicialmente; Tal não constituiu a criação de qualquer novo facto essencial, mas apenas a qualificação ou precisão da prova documental já existente;”
Tudo visto, reiteramos que a alteração da decisão de facto nos termos enunciados e criticados pela Recorrente/Ré/Caixa Geral de Depósitos, S.A. está no âmbito dos poderes da Relação em matéria de facto, nos termos acabados de discretear.
(iii) Outrossim, sustenta a Recorrente/Ré/Caixa Geral de Depósitos, S.A. que o Tribunal recorrido deixou de se pronunciar sobre concreta questão constante das conclusões recursórias da Ré, ali apelante, quanto ao valor probatório pleno das declarações justificativas dos levantamentos (documentos particulares não impugnados).
Cotejada, novamente, a apreciação da impugnação da decisão de facto por parte da Relação, chegamos à conclusão de que a invocada omissão de pronuncia também não se verifica, permitindo-nos, neste particular, sublinhar o consignado aquando do conhecimento da apelação:
“A ré considera, porém, que no seu exame crítico da prova o tribunal a quo não valorou em termos probatórios de forma correcta os documentos n.ºs 12 a 16 juntos pelos próprios autores com a petição inicial, que são documentos particulares não impugnados, e, se o tivesse feito não poderia ter concluído que estas justificações “não são de surpreender – é compreensível o sigilo, pretendendo obviar ao controlo da legislação de branqueamento de capitais”, conclusão esta que não tem qualquer arrimo na prova, concretamente nas declarações de parte dos autores, não se percebendo porque é não revelavam nessas declarações que as quantias levantadas eram para depositar no cofre.
Uma vez mais discorda-se da recorrente.
O facto da autora e do autor, este numa ocasião, terem consignado como motivo justificativo dos levantamentos “Aquisição de terrenos”, “Para aquisição de bens”, “Para compra de imóveis”, “Investimentos Imobiliários” e “Para férias – 3 meses” não afasta que os levantamentos de dinheiro vivo se destinavam a realizar, logo de seguida, o seu “depósito” no cofre, embora seja de realçar que a autora BB, nesta parte das declarações, respondeu sempre de modo titubeante.
Todavia, a interpretação dada pelo tribunal a quo para a apresentação daquelas justificações não é destituída de sentido e afigura-se perfeitamente plausível e amparada à luz da legislação de branqueamento de capitais.
Ou seja, os autores limitaram-se a dar explicações genéricas, desconformes à realidade, nunca tendo apresentado qualquer documento que as sustentasse, apenas para cumprir um formalismo legal, não pretendendo revelar que aquele dinheiro era para ser colocado no cofre.
Ademais, a própria testemunha FF, gestora de conta dos autores, após Julho de 2016, acabou por “minimizar” a relevância de tal documentação.
(…)
Do exposto decorre que, não obstante constarem dos documentos juntos à petição inicial, sob os n.ºs 12 a 16, as justificações aí narradas, tal não afasta que tais verbas não tivessem sido colocadas no cofre.”
Conquanto se reafirme que o Supremo Tribunal de Justiça não pode controlar a prudência ou a imprudência da convicção das Instâncias sobre a prova produzida sempre que se trate de provas submetidas ao princípio da liberdade de apreciação, ou seja, que assenta na prudente convicção que o Tribunal recorrido tenha adquirido das provas produzidas, como é o caso em apreço, pois, estão em causa documentos particulares juntos aos autos, declarações de parte e prova testemunhal, certo é que este Supremo Tribunal de Justiça pode asseverar que a Relação não deixou de se pronunciar quanto ao valor probatório das declarações justificativas dos levantamentos (documentos particulares não impugnados).
(iv) Inalterada a factualidade adquirida processualmente, também inalterada fica a solução jurídica dada ao caso, permitindo-nos, a propósito, sublinhar a orientação perfilhada pela Relação com vista à solução do caso trazido a Juízo, sustentada, em termos breves, que enuncia, no reconhecimento de que o contrato de aluguer de cofre-forte é um contrato misto, que combina elementos dos contratos de locação e de depósito, em que o Banco, mediante remuneração, coloca à disposição do cliente um cofre, dentro das suas instalações, destinado à guarda, em segredo, de quaisquer coisas móveis, assumindo a obrigação essencial de zelar pela segurança do cofre e do seu conteúdo.
Para que o Tribunal possa apreciar a validade de uma cláusula contratual onde se exarou que a entidade bancária “não se responsabiliza pela perda, deterioração, furto ou extravio dos bens e valores guardados no cofre, salvo se o facto resultar de dolo ou culpa grave de sua parte”, à luz da LCCG, é necessário que a parte interessada invoque, previamente, que subscreveu/aderiu a essa cláusula sem que ela tivesse sido objeto de negociação e sem que ela lhe tivesse sido comunicada, nos termos legais, pelo proponente.
A obrigação de uma entidade bancária de guardar o cofre de um cliente e o conteúdo nele depositado, garantindo a sua inviolabilidade, implica que aquela adote padrões de segurança elevados, pelo que, em caso de verificação de um assalto, recai sobre a mesma o ónus de provar a ausência de culpa da sua parte, pelo facto de se estar no âmbito da responsabilidade contratual.
O padrão de referência para apurar a culpa de uma entidade bancária é um padrão de conduta e de diligência especialmente exigente que está diretamente relacionado com a natureza da atividade desenvolvida, porquanto as instituições de crédito devem assegurar, em todas as atividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência.
Adquirindo-se processualmente, como se colhe dos autos, além de outra factualidade relevante, que uma agência bancária tinha nas suas traseiras uma porta metálica que apenas dispunha de uma fechadura comum, que permitiu o acesso dos assaltantes, e que na noite do assalto se registou uma anomalia do alarme, não se tendo deslocado nenhuma empresa de segurança ou funcionário do Banco ao interior da agência, é de concluir que as condições de segurança não só eram deficitárias como foram omitidos os mais básicos deveres de zelo e vigilância, ocorrendo culpa grave do Banco e o seu dever de indemnizar os danos patrimoniais sofridos pelos clientes em virtude do furto do conteúdo do seu cofre-forte.
Outrossim, se o abatimento psicológico e as noites mal dormidas são fruto da inquietação, ansiedade e angústia provocadas aos clientes, aqui demandantes, pela perda do dinheiro no assalto, essas circunstâncias estão indelevelmente relacionadas com a atividade criminosa do grupo de assaltantes, não tendo por fonte qualquer atuação culposa do Banco, pelo que este não tem a obrigação de indemnizar os reclamados danos não patrimoniais.
Pelo exposto, tendo em devida atenção o enquadramento jurídico consignado, retirado do acórdão recorrido, que aqui sufragamos e acompanhamos, temos de reconhecer que o aresto em escrutínio não merece censura, e, assim, na improcedência das conclusões retiradas das alegações trazidas à discussão pela Recorrente/Ré/Caixa Geral de Depósitos, S.A., não reconhecemos às mesmas virtualidades no sentido de alterar o destino da demanda, traçado no Tribunal recorrido.
III. DECISÃO
Pelo exposto, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam improcedente o recurso interposto pela Recorrente/Ré/Caixa Geral de Depósitos, S.A., negando a revista, mantendo o acórdão recorrido.
Custas pela Recorrente/Ré/Caixa Geral de Depósitos, S.A.
Notifique.
Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 3 de julho de 2025
Oliveira Abreu (Relator)
Arlindo Oliveira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura