Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
FALTA DA CAUSA DE PEDIR
CONTRADITÓRIO
Sumário
I - Uma petição diz-se inepta quando, pura e simplesmente, faltar o pedido e a causa de pedir, mas também quando esta ou aquele forem ininteligíveis. II - Nos casos de falta da causa do pedir, se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com tal fundamento, não se julgará procedente a arguição quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial. III - De igual modo, no caso dos autos, em que as Rés nem sequer invocam na oposição a falta da causa de pedir e se conclui que compreenderam o alegado no requerimento de injunção, percebendo perfeitamente o pagamento que lhes estava a ser pedido pelo Autor e a que serviços prestados se refere, os quais aliás, nem colocaram em causa, também não é de julgar verificada a exceção de ineptidão. IV - Ainda que fosse de concluir, no caso concreto, pela violação do principio do contraditório, a determinação em sede de recurso da prévia audição do Recorrente sobre a exceção de ineptidão configuraria a prática de um ato inútil, não só porque constituiria uma simples repetição do contraditório, já exercido com as alegações de recurso, mas também porque o Recorrente vê proceder a sua pretensão com a determinação do prosseguimento dos autos.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório AA, advogado, instaurou procedimento de injunção, que posteriormente veio a correr como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, contra BB e CC, pedindo o pagamento da quantia de €9.185,10, sendo que €9.040,50 se referem a capital inicial, €42,60 a juros de mora e €102,00 de taxa de justiça paga.
Alegou para tanto e em síntese que exerce a atividade de advogado, enquanto profissional liberal, fazendo-o de modo contínuo e lucrativo nos auditórios da comarca de Braga e que, no âmbito da sua atividade, foram-lhe conferidos mandatos forenses pelas Rés, através das competentes procurações com mandato, para efeitos de representação no Processo-crime n.º 1175/18.8T9BRG, do Juízo Local Criminal de Braga – Juiz 4, e seus apensos e recursos.
Mais alega que as Rés, apesar de devidamente notificadas dos serviços realizados através do envio das referidas faturas, não procederam ao pagamento das despesas e honorários em divida, conforme fatura e nota discriminativa de honorários que lhes remeteu.
As Rés vieram contestar invocando a exceção do erro na forma do processo, por entenderem que para conhecer da ação de honorários é competente o tribunal da causa onde foi prestado o serviço, o que origina incompetência do tribunal a quo para conhecer a presente causa, bem como a nulidade de todo o processo, nos termos do disposto no artigo 193º, n.º 2 do Código de Processo Civil (de ora em diante designado apenas por CPC), uma vez que o Autor, ao lançar mão dos autos de injunção, com vista ao pagamento dos honorários de serviços prestados no âmbito da atividade de Advocacia, não usou o processo adequado.
As Rés, contudo, aceitam que se vincularam contratualmente ao Autor para a prestação de serviços jurídicos no contexto do mandato outorgado no âmbito do Processo n.º 1175/18.8T9BRG, que teve lugar no Juízo Criminal de Braga e que a respetiva Nota de Despesas e Honorários lhes foi remetida pelo Autor em 6 de fevereiro de 2025, conforme documento que juntam, tendo respondido através de carta datada de 11 de fevereiro de 2025, devolvendo a fatura que lhes havia sido remetida.
Alegam ainda que efetuaram diversos pagamentos ao Autor, que não se encontram refletidos na referida nota discriminativa de despesas e honorários, os quais ascendem ao valor total de €3.692,00 e que o valor peticionado pelo Autor se revela manifestamente excessivo, sobretudo se ponderado o resultado efetivamente alcançado no processo, designadamente no que respeita à condenação proferida e à pena aplicada às Rés.
Remetido o procedimento para distribuição, foi de imediato proferido despacho pelo Tribunal a quo considerando que o requerimento inicial é inepto, nos termos previstos no artigo 186º, n.º 2, alínea a) do CPC, o que gera a nulidade de todo o processado por omissão dos factos constitutivos da causa de pedir, absolvendo as Rés da instância e julgando prejudicado o conhecimento da questão do erro na forma do processo.
Inconformado, veio o Autor recorrer, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“I. O Recorrente apresentou Procedimento de Injunção alegando e fundamentando, que o Requerente exerce a atividade de Advogado, enquanto profissional Liberal, fazendo de modo contínuo e lucrativo nos auditórios da comarca de Braga,
II. Que o âmbito da sua atividade, foi-lhe conferido mandatos forenses solidariamente pelas Recorridas, através das competentes procurações com mandato para efeitos de representação do Processo-crime, assim se descriminando, PROC. N. º 1175/18.8T9BRG – Juízo Local Criminal de Braga – Juiz 4 e seus apensos e recursos;
III. Sucede que, ao Recorrente terminou os respetivos serviços, e as referidas Mandantes apesar de devidamente notificado dos serviços realizados através do envio das referidas faturas, não procederam ao pagamento das despesas e honorários em divida pelo trabalho jurídico, conforme se menciona nas faturas que lhe foi remetida e da nota discriminativa honorários;
IV. O Requerente enviou a respetivas faturas e notas de Despesas e honorários por conta do cliente, supra referidas, tendo conhecimento dela, sem contudo obter resposta por parte da mesma, para o pagamento dos montantes em divida relativo à notas de despesas e honorários remetidos e para além, de lhe dar conhecimento formal das notas de honorários e despesas;
V. E para que se pudesse contar como data de interpelação e feitos da contagem dos Juros devidos, a data que lhe havia de ser oposta na referida notificação, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos;
VI. Nesta conformidade, foram as Requeridas devidamente notificada e informadas pelo Requerente para pagamento das notas de honorários e despesas por conta do cliente em referência, ficando nessa data a Requerida ciente da divida relativa aos serviços prestados, conforme consta do comprovativo de envio e das respetivas faturas;
VII. Assim, as Requeridas encontram-se solidariamente em divida do montante global de 9.040,50€, (nove mil e quarenta euros e cinquenta cêntimos), o que inclui IVA á taxa legal em vigor;
VIII. A qual consta juros de mora vencidos desde a data cessação mandatos e da notificação pelo Requerente em 06/02/2025, para pagamento, á taxa legal em vigor até á apresentação do presente requerimento de Injunção, e que importa já em 42,60€ (quarenta e dois euros e sessenta cêntimos), acrescido ainda, juros legais vincendos desde a apresentação do presente Requerimento de Injunção até ao integral e efetivo pagamento da quantia peticionada;
IX. Bem como, custas de parte e despesas inerentes á apresentação do presente requerimento de injunção, e nomeadamente taxa de justiça, no valor de 102,00€ (cento e dois euros),
X. O requerimento de injunção satisfaz, a exigência legal de afirmação dos factos consubstanciadores da causa de pedir, a utilização da expressão «fornecimento de bens ou serviços», a referência a inicio e fim temporal em que decorreu a prestação de serviços, quer as datas do concreto fornecimento dos bens e serviços, identificando o processo onde decorreu essa prestação, bem como o valor faturado e remetido às recorridas para pagamento;
XI. As Recorridas foram notificadas e deduziram as Oposições, contudo, o Recorrente ainda não foi notificado dessa Oposição, nos termos e com os fundamentos previstos do n.º 4 do art. 1º do Dcl. 269/98 de 1 de Setembro, onde refere que o duplicado da contestação será remetido ao autor simultaneamente com a notificação da data da audiência de julgamento;
XII. Assim, não existiu por parte do M.º Juiz “ a quo” nos termos do n.º 3 do art. 17º Dcl. 269/98 de 1 de Setembro, o convite ás partes a aperfeiçoar as peças processuais, em consequência e por aplicação do disposto do n.º 3 do art.º 3 do CPC, onde, o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem;
XIII. Ora tendo sido deduzidas na Oposição pelas Recorridas exceções dilatórias de ineptidão da petição inicial, e erro na forma de processo, entende o Recorrente, salvo o devido respeito, que deveria ser notificado da Oposição e para se prenunciar quanto ás exceções invocadas e querendo aperfeiçoar a sua peça processual, o que não sucedeu, violando desta forma os n.º 3 do art. 17º Dcl. 269/98 de 01 de Setembro e o n.º 3 do art.º 3 do CPC;
XIV. Veio decidir o M.º Juiz “a quo” no âmbito das ações tramitadas segundo o Dcl. 269/98 de 01 de Setembro, decidir por despacho de saneador sentença, que “quanto a exceção de ineptidão da p.i: art 186º, n.º2, al.a) do Cód de Proc Civil, O autor iniciou um requerimento de injunção peticionando a condenação das rés a pagar-lhe a quantia de €9.083,10 a título de honorários pela prestação de serviços de Advocacia. Em primeiro lugar, conforme decorre o acórdão do TRC de 13/06/2023 (869/22.8T8CBR.C1), a petição será inepta por falta de causa pedir, quando ocorre uma omissão do seu núcleo essencial, ou seja, quando não tenham sido indicados os factos que constituem o núcleo essencial dos factos integrantes da previsão das normas de direito substantivo que justificam a concessão do direito em causa; haverá ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade de causa de pedir, quando a exposição dos factos é feita de modo confuso, ambíguo ou ininteligível, de tal forma que não seja possível apreender com segurança a causa de pedir; por outro lado, o convite ao aperfeiçoamento só se justifica para completar o que é insuficiente ou corrigir o que é impreciso, na certeza de que a causa de pedir existe (na petição) e é percetível (inteligível);
XV. A fundamentação da decisão do M. Juiz “a quo” fundou-se e teve por base para ter decidido os presentes autos, o acórdão do TRC de 13/06/2023 (869/22.8T8CBR.C1), que respeita a uma decisão proferida pelo tribunal da Relação de Coimbra, referente a uma ação comum de indemnização por danos de correntes do erro, e que, se fundamentou nessa contestação, falta de alegação dos factos que constituem e que caracterizam o erro manifesto e/ou um erro grosseiro e falta de alegação de factos que demonstrem que a interpretação feita pelo Tribunal configura um erro manifesto ou grosseiro à luz do direito comunitário, e que nada tem a ver com os presentes autos, dai o presente recurso,
XVI. Estamos perante um processo especial simplificado, de natureza declarativa, a ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais [AECOPs] com origem em procedimento de injunção, regulada tanto pelas disposições que lhe são próprias, como, subsidiariamente, pelas disposições gerais e comuns do processo civil disciplinador do processo declarativo comum - art.º 549.º, n.º 1, do CPC,;
XVII. Dispõe o art.º 10.º, n.º 2, al. d), do anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 1 de Set., que no requerimento injuntivo «deve o requerente (...) expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão» e esses factos reconduzem-se, naturalmente, à causa de pedir, tal como a define o art.º 581.º, n.º 4, do CPC.;
XVIII. Por sua vez, no n.º 3 do artigo 10.º do anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Set., estabelece-se que «Durante o procedimento de injunção não é permitida a alteração dos elementos constantes do requerimento, designadamente o pedido formulado»;
XIX. Ora, o facto que serve de fundamento da injunção que constitui a sua causa de pedir, consubstancia-se na alegação do não pagamento, por parte das Rés, do valor de 9.040,50€, (nove mil e quarenta euros e cinquenta cêntimos), o que inclui IVA á taxa legal em vigor, e do envio da referida fatura relativo à notas de despesas e honorários remetidos, não procederam ao pagamento das despesas e honorários em divida pelo trabalho jurídico prestado, conforme se menciona na fatura que lhe foi remetida e da nota discriminativa honorários, e que esses serviços respeitante ao serviço prestado no PROC. N. º 1175/18.8T9BRG – Juízo Local Criminal de Braga – Juiz 4 e seus apensos e recursos;
XX. Mais a legou e fundamentou o Recorrente no seu requerimento de injunção, enviou a respetivas faturas e notas de Despesas e honorários por conta do cliente, supra referidas, tendo conhecimento dela, sem contudo obter resposta por parte da mesma, para o pagamento dos montantes em divida relativo à notas de despesas e honorários remetidos;
XXI. A exigência de fatura, como condição/pressuposto do recurso aos referidos procedimentos especiais de injunção/AECOPS destinados a obter o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, também resulta, claramente, dos artigos 2.º, 4.º, n.º 3, alíneas a), b), c) e d) e para transações entre empresas privadas e entre estas e profissionais liberais e do artigo 5.º, n.ºs 1, alíneas a) e b) e 4, do Dec.-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio e para transações entre empresas públicas e entidades privadas;
XXII. Sendo certo que no âmbito dos procedimento de injunção não é permitido a junção de documentos ou elementos probatórios, que serão apresentado em sede de audiência e julgamento;
XXIII. Assim, A lei não exige a pormenorizada alegação de facto, certo que se basta com a alegação sucinta dos factos, ou seja, em termos de brevidade e concisos, contudo o autor não deixou de concretizar a factualidade que deriva da relação jurídica, em crise, do negocio celebrado, nomeadamente conforme dispõe no requerimento injunção, identificou o petitório baseado numa fatura, e encomenda a que respeita inicialmente, os trabalhos realizados e fornecimento de bens, assim como a data de emissão e data de vencimento, o seu montante bem como identificar o contrato celebrado, entre as partes, constando a alegação dos factos necessários à sustentação do pedido deduzido, não se verifica assim qualquer ineptidão do requerimento injuntivo;
XXIV. Há que ajuizar, nos termos do art. 3º n.º 1 do DL. n.º 269/98 de 01/09, do cotejo do requerimento inicial, resulta que o Recorrente exerce a atividade de Advogado, enquanto profissional Liberal, fazendo de modo contínuo e lucrativo nos auditórios da comarca de Braga, e que no âmbito da sua atividade, foi-lhe conferido mandatos forenses solidariamente pelas Recorridas, para o processo PROC. N. º 1175/18.8T9BRG – Juízo Local Criminal de Braga – Juiz 4 e seus apensos e recursos, que foram devidamente notificados dos serviços realizados através do envio das referidas faturas, não procederam ao pagamento das despesas e honorários em divida pelo trabalho jurídico, conforme se menciona nas faturas que lhe foi remetida e da nota discriminativa honorários, ficaram as Recorridas ciente da divida relativa aos serviços prestados, conforme consta do comprovativo de envio e das respetivas faturas;
XXV. Ente o Recorrente, que desde logo, que não lobrigamos motivo para qualificar de inepto o requerimento, tendo presente que nos movemos em ação especial em que até, como é bem de ver, o articulado inicial – não sendo inocente o facto de não ser denominado petição - obedece a um formulário;
XXVI. Bem diversamente, os moldes em que a ação vem delineada, tendo como ponto de partida os requisitos postulados pelo art. 1 do Preâmbulo do DL. n.º 269/98 de 01/09, na redacção introduzida pelo DL. n.º 107/05 de 01/07, são os únicos possíveis, pois na verdade, a obediência ao formalismo legal apenas exige a aposição dos valores de capital, juros e despesas e a identificação das tarefas e valor em dívida, o que a autora fez por reporte à fatura enviada ás Recorridas;
XXVII. A figura da ineptidão da petição inicial distingue-se da mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspeto em que se funda a pretensão deduzida sendo que quando se trate de afirmações mais ou menos vagas e abstratas – o que resulta da fundamentação da sentença recorrida “o requerente se limita a uma alegação muito genérica de ter prestado serviços...” - o que existe será uma insuficiência de concretização e não uma situação de insuficiência de factos, sendo que esta última sim é determinante da ineptidão da petição;
XXVIII. Assim como, resulta da fundamentação da sentença recorrida proferida pelo M.º Juiz “a quo” que,..”não discrimina e que terão justificado a emissão da fatura, sendo esta inclusivamente omissa…”…tendo inclusive o Recorrente justificado e indicado que os honorários e serviços prestado no âmbito do processo PROC. N. º 1175/18.8T9BRG – Juízo Local Criminal de Braga – Juiz 4 e seus apensos e recursos;
XXIX. Entendendo-se que deve haver um mínimo de concretização, no requerimento de injunção, dos factos que subjazem ao pedido, a causa de pedir está suficientemente concretizada e não será o requerimento injuntivo inepto, ao contrário daquilo que poderia ser exigível no âmbito de uma ação declarativa intentada de raiz, devendo assim a aqui Recorrente, ser convidada a aperfeiçoar o seu articulado, o que não aconteceu;
XXX. O requerimento de injunção satisfaz, a exigência legal de afirmação dos factos consubstanciadores da causa de pedir, a utilização da expressão «fornecimento de bens ou serviços», a referência a inicio e fim temporal em que decorreu a prestação de serviços, quer as datas do concreto fornecimento dos bens e serviços, identificando o processo onde decorreu essa prestação, bem como o valor faturado e remetido às recorridas para pagamento,
XXXI. Encontra-se assim violado, as disposições do do n.º 3 do art. 17º Dcl. 269/98 de 1 de Setembro, o disposto do n.º 3 do art.º 3 do CPC, art.º 10.º, n.º 2, al. d), do anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, de 1 de Set.”
Pugna o Recorrente pela procedência do recurso e pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que determine a notificação do Recorrente para se prenunciar quanto às exceções deduzidas.
As Rés apresentaram contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II. Delimitação do Objeto do Recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).
A questão a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelo Recorrente é apenas a de saber se a petição inicial é inepta por falta de causa de pedir.
***
III. Fundamentação
Inconformado com a decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou verificada a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, veio o Autor interpor o presente recurso sustentando que a petição inicial não é inepta pois o requerimento de injunção por si apresentado satisfaz a exigência legal de afirmação dos factos consubstanciadores da causa de pedir: a utilização da expressão “fornecimento de bens ou serviços”, a referência a inicio e fim temporal em que decorreu a prestação de serviços, a indicação das datas do concreto fornecimento dos bens e serviços, identificando o processo onde decorreu essa prestação, bem como o valor faturado e remetido às Rés para pagamento.
A questão que importa apreciar e decidir é, por isso, a de saber se se verifica a ineptidão da petição inicial.
Para o efeito, as incidências fáctico-processuais a considerar são as descritas no relatório e no despacho recorrido.
Relembramos o teor deste último, que transcrevemos na parte que aqui releva: “Sobre a excepção de ineptidão da p.i: art 186º, n.º2, al.a) do Cód de Proc Civil, O autor iniciou um requerimento de injunção peticionando a condenação das rés a pagar-lhe a quantia de €9083,10 a título de honorários pela prestação de serviços de Advocacia. (…) Passando para o caso subjudice, retira-se da p.i que a requerente se limita a uma alegação muito genérica de ter prestado serviços de Advocacia que não discrimina e que terão justificado a emissão da factura, sendo esta inclusivamente omissa quanto aos serviços concretamente prestados, pelo que o Tribunal não pode fazer o enquadramento dos mesmos ao abrigo do disposto nos arts 1158º, n.º 2 do Cód Civil e 100º, n.º 2 e n.º 3 do EOA. Por outro lado, nos termos dos acórdãos referidos nos parágrafos anteriores, não existe lugar ao convite ao aperfeiçoamento, na medida em que não se trata de precisar os serviços prestados; trata-se de apresentar uma p.i completamente nova onde sejam discriminados os serviços, os processos e em que termos foram favoráveis ao requerente. Como tal, na medida em que o requerente não indicou os factos consubstanciadores da causa de pedir, entendemos que o requerimento inicial será inepto, nos termos previstos no art 186º, n.º 2, al.a) do Cód de Proc Civil. Em consequência, tal gera a nulidade de todo o processado por ineptidão da p.i, por omissão dos factos constitutivos da causa de pedir (art 186º, n.º 2, al.a) e 577º, al.b) do Cód de Proc Civil)”. Vejamos então se assiste razão ao Recorrente.
Dispõe o artigo 186º n.º 1 do CPC que é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial.
Nos termos do n.º 2 deste preceito diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis”.
Por outro lado, se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial (n.º 3 do mesmo preceito).
No caso em análise as Rés não invocaram tal exceção, a qual foi conhecida oficiosamente pelo tribunal a quo que entendeu ser inepto o requerimento inicial nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do referido artigo 186º.
Vejamos.
Uma petição diz-se inepta quando, pura e simplesmente, faltar o pedido e a causa de pedir, mas também quando esta ou aquele forem ininteligíveis, correspondendo a ininteligibilidade à falta daqueles.
Como ensinava já o Prof. Alberto dos Reis (Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 2º, Almedina, 1945, p. 359 e sgs.) uma petição é ininteligível quando não pode saber-se, nem depreender-se, qual o pedido ou a causa de pedir.
No que toca à causa de pedir, impõe-se que os factos essenciais sejam apresentados com clareza e concisão.
A causa de pedir traduz-se no facto jurídico material, concreto, em que se baseia a pretensão deduzida em juízo (cfr. artigo 581º n.º 4 do CPC), consistindo a falta de causa de pedir na omissão dos factos essenciais que servem de fundamento ao efeito jurídico pretendido.
Da petição inepta deve, contudo, distinguir-se a petição deficiente; neste caso, apesar do pedido e da causa de pedir serem compreensíveis, a petição apresenta-se incompleta, ou com imprecisões e insuficiências na exposição e concretização da matéria de facto.
Não se verificando a ineptidão, mas apresentando-se a petição deficiente, deve ser proferido despacho pré-saneador convidando o autor a aperfeiçoar o seu articulado (cfr. artigo 590º n.º 2 alínea b) do CPC).
Quanto à petição inepta, nos termos referidos, não pode ser objeto de convite ao aperfeiçoamento uma vez que careceria de qualquer sentido determinar o seu aperfeiçoamento quando não existe de todo (falta) ou é ininteligível o pedido ou a causa de pedir.
No caso dos autos temos ainda de considerar que a presente ação se iniciou como procedimento de injunção.
Estabelece o artigo 10º, n.º 1, alínea d) do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01/09 que no requerimento de injunção deve o requerente, entre outros elementos, “expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão”; está aqui em causa, no fundo, a causa de pedir prevista na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 552º, suscetível de vir a ser apreciada jurisdicionalmente no caso de o procedimento de injunção se transmutar em ação declarativa.
Não obstante toda a simplicidade inerente ao procedimento de injunção, e a menção a uma exposição sucinta, entendemos que não foi (e nem pode ter sido) intenção do legislador subverter os princípios gerais do processo civil relativos ao pedido e à causa de pedir, tanto mais que sendo deduzida oposição o processo é remetido à distribuição e à apreciação jurisdicional subsequente (como ocorre no caso concreto).
O legislador não dispensou o requerente de invocar ab initio, e no requerimento próprio, os factos jurídicos concretos que integram a respetiva causa de pedir, apenas veio permitir a sua narração em termos sucintos, sintéticos e breves.
Afigura-se-nos, por isso, inquestionável, que o requerente do procedimento de injunção tem de concretizar minimamente os factos que integram a causa de pedir, designadamente indicando a causa do direito de crédito, o contrato e os factos reveladores do seu incumprimento por parte do requerido.
Neste sentido, do modelo do requerimento de injunção constam as seguintes menções: “Contrato de:”, “Data do contrato:”, “Período a que se refere:” e “Exposição dos factos que fundamentam a pretensão:”.
Analisemos então o caso concreto.
O Tribunal a quo entendeu que o Autor não indicou os factos consubstanciadores da causa de pedir, consignando a este propósito que o Requerente se limitou a uma alegação muito genérica de ter prestado serviços de Advocacia, que não discrimina, e que terão justificado a emissão da fatura, sendo esta inclusivamente omissa quanto aos serviços concretamente prestados, inexistindo lugar ao convite ao aperfeiçoamento, na medida em que não se trata de precisar os serviços prestados mas de apresentar uma petição inicial completamente nova onde sejam discriminados os serviços, os processos e em que termos foram favoráveis ao requerente.
Não acompanhamos, contudo, este entendimento.
No caso em apreço, analisado o requerimento de injunção concluímos que o Autor, para além de indicar, no local próprio, estar em causa um contrato de fornecimento de bens ou serviços, qualificando dessa forma o contrato, expôs no mesmo os seguintes factos em que sustenta o seu pedido:
a) Indicou a data (22/11/2021) e o período em causa (22/11/2021 a 27/06/2024);
b) Alegou que exerce a atividade de Advogado, enquanto profissional Liberal, fazendo de modo contínuo e lucrativo nos auditórios da comarca de Braga;
c) Que no âmbito da sua atividade, foram-lhe conferidos mandatos forenses solidariamente pelas Rés, através das competentes procurações com mandato;
d) Que tal ocorreu para efeitos de representação no Processo-crime n.º 1175/18.8T9BRG do Juízo Local Criminal de Braga – Juiz 4, e seus apensos e recursos;
e) Que deu conhecimento às Rés das notas de honorários e despesas;
f) Que enviou a respetivas faturas e notas de Despesas e honorários;
g) Esclareceu que as Requeridas, devidamente notificadas e informadas pelo Requerente para pagamento das notas de honorários e despesas, ficaram cientes da divida relativa aos serviços prestados, conforme consta do comprovativo de envio e das respetivas faturas;
h) Invocou que as Requeridas se encontram solidariamente em divida do montante global de €9.040,50;
i) Liquidou ainda os juros de mora vencidos desde a data cessação mandatos e da notificação pelo Requerente para pagamento em 06/02/2025.
Acresce ainda referir que, no caso dos autos, as Rés, não só não invocaram a ineptidão da petição inicial como, deduzindo a sua oposição, também interpretaram convenientemente a pretensão do Recorrente, aceitando que se vincularam contratualmente ao Autor para a prestação de serviços jurídicos no contexto do mandato outorgado no âmbito do Processo n.º 1175/18.8T9BRG, que teve lugar no Juízo Criminal de Braga, conforme alegado pelo Autor, e que este lhes remeteu a respetiva Nota de Despesas e Honorários em 6 de fevereiro de 2025, conforme documento que as próprias juntam.
Alegam, contudo, que efetuaram diversos pagamentos ao Autor que não se encontram refletidos na referida nota discriminativa de despesas e honorários e que ascendem ao valor total de €3.692,00 e que o valor peticionado pelo Autor se revela manifestamente excessivo, sobretudo se ponderado o resultado efetivamente alcançado no processo, designadamente no que respeita à condenação proferida e à pena aplicada às Rés.
Assim, as Rés não colocam em causa nos presentes autos os serviços prestados pelo Autor no âmbito do Processo n.º 1175/18.8T9BRG, melhor discriminados na Nota de Despesas e Honorários que aquele lhes remeteu, mas apenas o montante peticionado pelo Autor, que consideram excessivo, e o facto do mesmo não ter considerado os pagamentos a que alegadamente procederam.
Podemos, por isso, concluir que as mesmas perceberam perfeitamente o pagamento que lhes estava a ser pedido pelo Autor e a que serviços prestados se refere, os quais aliás, como já referimos, nem colocaram em causa.
Não subscrevemos, por isso, o entendimento do Tribunal a quo quanto à verificação de ineptidão por falta de causa de pedir.
Deve, pois, revogar-se a decisão recorrida que julgou verificada a exceção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão do requerimento inicial e determinar-se o prosseguimento dos autos.
Por último importa ainda referir que assiste efetivamente razão ao Recorrente quando alega que nem chegou a ser notificado da oposição deduzida pelas Rés, sendo certo que o duplicado da contestação, por regra, é remetido ao autor simultaneamente com a notificação da data da audiência de julgamento (cfr. artigo 1º n.º 4 do Decreto-Lei 269/98 de 1 de setembro).
Assim se compreende que o Recorrente alegue que tendo sido deduzidas as exceções dilatórias de ineptidão da petição inicial e erro na forma de processo deveria ser notificado da oposição para se pronunciar quanto às exceções invocadas.
Na verdade, As Rés invocaram a incompetência do tribunal para conhecer a presente causa e a nulidade de todo o processo uma vez que o Autor, ao lançar mão dos autos de injunção, não usou o processo adequado, mas foi o Tribunal a quo que conheceu oficiosamente da exceção da ineptidão (cfr. artigo 3º n.º 1, ex-vi do artigo 17º n.º 1, do Decreto-Lei 269/98 de 1 de setembro), tendo-o feito sem prévia audição do Recorrente.
É também certo, como alega o Recorrente, que o n.º 3 do artigo 3º do CPC estabelece que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
O princípio do contraditório, principio fundamental do nosso processo civil, deve ser observado ao longo de todo o processo e visa garantir a participação efetiva e em igualdade das partes no desenrolar do mesmo de todo o litígio, bem como evitar decisões surpresa.
Decorre, por isso, do princípio do contraditório que, ainda que o juiz entenda que as questões são de conhecimento oficioso, não pode decidir sobre as mesmas sem que às partes seja dada a oportunidade de se pronunciarem sobre as mesmas de modo a evitar a prolação de uma decisão surpresa.
Porém, no caso concreto, ainda que fosse de concluir pela violação do principio do contraditório, entendemos poder afirmar-se que com as alegações de recurso se mostram já apresentados os argumentos que o Recorrente invocaria se previamente à decisão recorrida tivesse sido ouvido sobre a exceção de ineptidão, tendo-se por exercido o contraditório com a apresentação do presente recurso, não sendo de retirar agora qualquer consequência da não audição prévia.
De facto, a determinação neste momento da prévia audição do Recorrente sobre a exceção de ineptidão configuraria a prática de um ato absolutamente inútil, não só porque constituiria uma simples repetição do contraditório, já exercido em sede de recurso (v. neste sentido o Acórdão de 12/01/2021, Processo n.º 325/17.2T8LSB-B.L1.S1, Relator Graça Amaral, disponível para consulta em www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler que “II - Sempre que a parte tenha tido conhecimento/oportunidade de se pronunciar, não assume cabimento enveredar-se por um procedimento formal para dar lugar a novo contraditório que, nessa medida, se revela dispensável”), mas também porque o Recorrente vê proceder a apelação com a determinação do prosseguimento dos autos.
Assim, em face do exposto e na procedência da presente apelação, deve revogar-se a decisão recorrida e determinar-se o prosseguimento dos autos, designadamente para conhecimento das questões suscitadas na oposição deduzida pelas Rés, com a sua prévia notificação ao Autor, e prévia audição deste sobre as mesmas.
As custas da apelação são da responsabilidade das Recorridas atento o seu decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
***
SUMÁRIO (artigo 663º n.º 7 do Código do Processo Civil)
…
***
IV. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e determinando o prosseguimento dos autos, designadamente para conhecimento das questões suscitadas na Oposição deduzida pelas Rés, com prévia notificação da mesma ao Autor e prévia audição deste sobre as mesmas.
Custas pelas Recorridas.
Guimarães, 26 de junho de 2025 Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária
Raquel Baptista Tavares (Relatora) Alexandra Rolim Mendes (1ª Adjunta) Carla Sousa Oliveira (2ª Adjunta)