ARTIGO 323.º
N.º 2 DO CC
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
Sumário

I – Na falta de disposição legal que fixe prazo de cumprimento da obrigação após a interpelação ou de acordo das partes nesse sentido, a comunicação unilateral do credor ao devedor, da concessão de prazo para cumprimento, após o vencimento da obrigação, não se subsume á previsão do art.º 306.º, n.º 1, 2.ª parte do CC.
II – É pressuposto da ficção legal de citação a que se refere o art.º 323.º, n.º 2 do CC, que o prazo de prescrição, findos os cinco dias seguintes ao requerimento da citação, ainda não se tenha completado, o que impõe ao autor para poder beneficiar deste regime que proponha ação com mais de cinco dias de antecedência em relação ao termo do prazo de prescrição.

Texto Integral

Processo n.º 13132/24.0T8PRT.P1

Origem: Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto – J3

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

Relatório

AA intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra A..., S.A. pretendendo a condenação desta a pagar-lhe créditos laborais vencidos desde abril de 2021 (data em que passou a trabalhar para a ré por ter ocorrido a transmissão do estabelecimento no qual presava o seu trabalho) a julho de 2023, referentes a diferenças na retribuição base, subsídios de Natal e de férias, horas noturnas, trabalho em feriados e prestações emergentes de acidente de trabalho, compensação, indemnização por danos não patrimoniais e indemnização pela resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa.

Frustrada a conciliação, em sede e audiência de partes, a ré contestou, arguindo, além do mais, a prescrição dos créditos peticionados pelo autor, alegando, em síntese, que tendo a relação laboral que manteve com este perdurado até ao dia 13/07/2023 e tendo a sua citação para a presente ação acontecido em 05/09/2024, mostra-se ultrapassado o prazo de um ano estabelecido no artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho.

O autor respondeu defendendo a improcedência da exceção arguida, referindo que propôs a ação no dia 13/07/2024 e a carta de cessação do contrato foi recebida pela ré no dia 13/07/2023, mas, em rigor, presume-se que chegou ao poder e conhecimento da ré no terceiro dia posterior, ou seja, a 16/07/2023. Deste modo, o termo inicial do prazo ocorreu a 17/07/2023 e, nessa medida, não ocorre a prescrição, porque a ré poderia ter sido citada no dia 15/07/2024, não lhe sendo imputável o facto de a citação só ter sido concretizada a 05/09/2024.

Referiu, ainda, que existia um processo judicial, que versava sobre créditos laborais, pelo que, à data da propositura da ação, existia litispendência não estando esgotado o prazo prescricional.

Foi então convocada audiência prévia, tendo por finalidades a realização de tentativa de conciliação e facultar às partes a discussão de facto e de direito, com vista ao conhecimento do mérito da ação, no decurso da qual foi proferido despacho sanador-sentença, que julgou procedente a exceção da prescrição, absolvendo a ré de todos os pedidos contra ela formulados pelo autor.

Inconformado o autor interpôs recurso, apresentando alegações que concluiu nos seguintes termos, que transcrevemos, sem sublinhados, realces ou notas de rodapé:

“A) O presente recurso tem como objeto a impugnação da matéria de direito constante da sentença (saneador-sentença) proferida em primeira instância.

B) Porquanto, o presente recurso tem como objeto a impugnação da matéria de direito constante da sentença (saneador-sentença) proferida em primeira instância.

C) Alegando para esse efeito, conforme se transcreve “Tendo a prescrição sido invocada e constatada que está a sua verificação, impõe-se a absolvição da ré dos pedidos, por se tratar de uma excepção material peremptória – artigo 576.º, n.º 3, do Código de Processo Civil -, pelo que prejudicada fica a apreciação dos créditos salariais invocados pelo autor e demais matéria de excepção invocada pela ré.” – Cf. pág. 7, da sentença proferida.

D) Salvo o devido respeito, pensa-se que o Tribunal a quo, não efetuou uma correta apreciação e interpretação de todos os meios probatórios (nomeadamente os documentos carreados aos autos).

E) O Recorrente não se pode conformar com a decisão alcançada, e por tal motivo, por via do presente recurso, pretende vê-la posto em crise, e, consequentemente, revogada.

F) Verificam-se os requisitos atinentes à verificação da excepção peremptória de prescrição, como, por cautela de patrocínio se afirma que não se verifica qualquer negligência por parte do Autor.

G) Vem a Ré alegar, em sede de contestação, que os créditos reclamados pelo Autor na sua petição Inicial, já haviam prescrito à data da sua citação, nos termos do art.º 337.º CT.

H) Alega para o efeito tendo a relação laboral que manteve com este perdurado até ao dia 13/07/2023 e tendo a sua citação para a presente ação acontecido em 05/09/2024, mostra-se ultrapassado o prazo de um ano estabelecido no artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho.

I) Em resposta, o Autor, defendeu a improcedência da excepção arguida, fundamentando que propôs a acção no dia 13/07/2024 e a carta de cessação do contrato foi recebida pela ré no dia 13/07/2023, mas, em rigor, presume-se que chegou ao poder e conhecimento da ré no terceiro dia posterior, ou seja, a 16/07/2023. Deste modo, o termo inicial do prazo ocorreu a 17/07/2023 e, nessa medida, não ocorre a prescrição, porque a ré poderia ter sido citada no dia 15/07/2024, não sendo imputável o facto de a citação só ter sido concretizada a 05/09/2024.

J) Mais alegou perante o Tribunal a quo, refere ainda que existia um processo judicial, que versava sobre créditos laborais, pelo que, à data da propositura da acção, existia litispendência.

K) Sucede porem, que Tribunal a quo, considerou erradamente, a impossibilidade de a citação ser concretizada até ao termo do prazo prescricional.

L) O contrato de trabalho cessou no dia 13 de julho de 2023, logo, o prazo da prescrição começa a contar-se a partir do dia imediatamente a seguir.

M) O tribunal de primeira instância não considerou, no saneador-sentença, a missiva do Autor, datada de 12 de julho de 2023 – Cf. Documento n.º 10, junto com a P.I.

N) Conforme o teor do aludido documento 10., o trabalhador, interpelou a ré, conforme se transcreve: “fico a aguardar o envio, no prazo de cinco dias úteis, da declaração Modelo RP 5044 da Segurança Social e do Certificado de trabalho, sem prejuízo dos créditos emergentes da cessação do contrato”.

O) O trabalhador aguardou até dia 21/07/2023 para receber tais créditos, que consubstanciam o despedimento com justa causa (pelo trabalhador).

P) Se a ré diligenciasse pelo pagamento dos créditos laborais em falta, como seria de esperar, nem existiria propositura de ação, nem, tampouco, esta querela técnico jurídica seria levantada!

Q) Ora, nesses cinco dias úteis teria sido possível afigurar-se um cenário diverso do atual, pelo que esgotar-se-ia a invocação da justa causa da cessação do contrato de trabalho.

R) Nessa hipótese, perderia o interesse na propositura da ação.

S) Estando o tribunal a quo centrado na transferência do prazo de 14 de julho para 15 de julho (transferência para o primeiro dia útil), olvidou esta perspetiva de análise que é absolutamente relevante para o caso em apreço.

T) Com esta operação de cálculo, evita o autor estar sujeito à prescrição invocada pela ré, em sede de contestação.

U) Dita o saneador-sentença – pág. 3, 8ª linha – “completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor ao exercício do direito prescrito – artigo 304º, nº 1, do Código Civil”.

V) No entanto, como poderá o douto tribunal desconsiderar os 5 dias para o cumprimento da obrigação?

W) Sendo um infortúnio que se refira ao documento e não tenha em consideração o seu teor, designadamente, os cinco dias que o trabalhador atribui para ver satisfeita a sua pretensão relativa aos créditos laborais.

X) Existem diferenças entre dois conceitos: a citação ficta e a citação urgente.

Y) O douto tribunal refere que não foi realizado o pedido de citação urgente, pelo Autor,

Z) Ainda que este não tenha de fazê-lo, por estarmos perante uma citação ficta. Conforme o extraído do acórdão do tribunal da relação de Guimarães, no proc. nº 2371/19.6T8VRL.G1, disponível em www.dgsi.pt: A citação ficta (323, 2, CC) opera sempre que concorram dois requisitos fundamentais: que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da acção; que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor.(137º CPC). IV- A citação prévia ou urgente (561º CPC) é um mecanismo distinto da citação ficta (323º, 2, CC). Que o titular do direito dispõe para acautelar a prescrição, especialmente pertinente caso entre a propositura da acção e a data de prescrição medeiem menos de 5 dias, situação em que não opera a referida citação ficta.” Quando na verdade, a norma constante da 2ª parte do nº 1 do artº 306º do C. Civil, no sentido de que se o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpeleção, só findo essse tempo se inicia o prazo da prescrição, aplica-se à relação laboral por a tal não obstar o previsto no artº 337º do C. Trabalho.

AA)Desta forma, entendemos que não são aplicáveis ao contrato de trabalho os prazos de prescrição previstos nos artigos 309.º e segs. do CC, no entanto, já o são as disposições gerais constantes dos artigos 300.º e segs. e as que regulam a suspensão e a interrupção da mesma (artigos 318º e segs. e 323.º e segs., respetivamente), desde que não contendam com o disposto no artigo 337.º do CT.

BB) Logo, não pode dizer-se que haja negligência da parte do titular dum direito em exercitá-lo enquanto ele o não pode fazer valer por causas objetivas, isto é, inerentes à condição do mesmo direito.

CC) Nesse entendimento, seguimos de perto o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.º 836/17.3T8CVL-A.C1, relator PAULA MARIA ROBERTO, conforme essencialmente o sumário se transcreve “I – A norma constante da 2ª parte do nº 1 do artº 306º do C. Civil, no sentido de que se o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpeleção, só findo essse tempo se inicia o prazo da prescrição, aplica-se à relação laboral por a tal não obstar o previsto no artº 337º do C. Trabalho.

II – Tendo o A. alegado a existência de um protocolo de entendimento e o envio de uma missiva à Ré requerendo o pagamento dos créditos de que se arroga titular, tais factos, a provarem-se, consubstanciam situação idêntica à prevista na 2ª parte do nº 1 do citado artº 306º CCiv., ou seja, de a Ré empregadora beneficiária da prescrição só estar obrigada a cumprir decorrido o alegado prazo de 30 dias após a interpelação extrajudicial do A. trabalhador, só se iniciando o prazo da prescrição findo aquele.

III – Nada impedia o trabalhador de propor de imediato a ação judicial, no entanto, a ter cumprido o constante do invocado protocolo de entendimento, tal procedimento não pode ser ignorado nem pode reverter em seu prejuízo”, disponível: www.dgsi.pt.

DD) Acresce que, o autor não poderá ser responsável pelo atraso decorrente das férias judiciais.

EE) Ora, a ratio legis ou finalidade do citado art. 323º/2 do CC tem subjacente uma pretensão legal de “… defender o credor contra a negligência do tribunal ou do funcionário, o dolo do devedor, a acumulação de serviço, a entrada em férias judiciais, ou outras circunstâncias anómalas do juízo.” - Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, p. 276.

FF) Pronuncia-se Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 3ª edição, idt, Almedina, pág. 788., a propósito do artigo 337.º do CT, “esta regra – justificada pelo facto de, na pendência da relação laboral, o trabalhador poder encontrar-se constrangido a intentar uma acção judicial contra o empregador – implica duas alterações em relação ao regime do direito civil. Primeiro, nos termos do art. 306.º do CC, por via de regra, a prescrição tem início com o vencimento da obrigação, enquanto nos créditos resultantes da retribuição devida no contrato de trabalho, o início da prescrição relaciona-se com o termo do contrato. Por outro lado, e nesta sequência, a prescrição não corre durante a vigência do contrato de trabalho”.

GG) No mesmo sentido, pode ler-se no acórdão da RL de 17/07/2007, disponível em www.dgsi.pt: “Nos termos do nº 1 do art. 381º do CT (tal como anteriormente dispunha o art. 38º nº 1 da LCT) os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao empregador ou ao trabalhador, extinguem-se por prescrição, decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato.

HH) Nestes termos, deveria o Tribunal a quo, aplicar a regra prevista na 2ª parte do n.º 1 do citado artigo 306.º do CC, ou seja, de a Ré empregadora beneficiar da prescrição só estar obrigada a cumprir decorrido o alegado prazo de 5 dias após a interpelação extrajudicial do A. trabalhador, só se iniciando o prazo da prescrição findo aquele.

II) O Autor, inova na resposta às exceções que existia um processo judicial, que versava sobre créditos laborais, pelo que, à data da propositura da ação, existia litispendência.

JJ) Por sua vez, o saneador-sentença fundamenta conforme se transcreve “Note-se que, a pendência da acção n.º 2627/23.3T8VNG, do Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia, Juiz 2, não teve a virtualidade de interromper o prazo de prescrição aqui em apreço, desde logo porque, nessa acção, não os pedidos aí deduzidos não são coincidentes com aqueles que ora se apreciam, motivo pelo qual nenhuma causa interruptiva do prazo ocorreu (artigo 323.º, do Código Civil). Ademais, foi a ora ré absolvida do pedido formulado nessa acção.

KK) De acordo com o art. 337º do CT, todos os créditos retributivos do trabalhador ou pertencentes ao empregador resultante do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação extinguem-se – por prescrição – desde que tenha decorrido o lapso de tempo aí estipulado: um ano, contabilizado a partir do dia seguinte ao da cessação do contrato de trabalho

LL) Somos, assim, novamente remetidos para as normas substantivas dos arts. 323º e segts. do Código Civil.

MM) O princípio geral plasmado no art. 323º, nº 1, do CC, onde se consagra que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence, ou seja, a ação que corre termos sob o nº 2627/23.3T8VNG – Cf. 3.º da petição inicial.

NN) E não basta o Tribunal a quo, invocar que nessa ação, os pedidos aí deduzidos não são coincidentes com aqueles que ora se apreciam nos presentes autos, até porque,

OO) Para efeitos interruptivos, o que releva, afinal, é a natureza do direito de crédito em causa e não a qualificação jurídica da forma como se extinguiu a relação laboral.

PP) No caso sub judice, a interrupção do prazo prescricional fixado para o exercício do direito de crédito, em consequência de despedimento, ocorreu com a citação da R. para a primeira acção, na qual a R. foi citada.

QQ)Tendo-se reiniciado esse mesmo prazo com o trânsito em julgado da decisão final proferida naquela acção, que ocorreu a foi novamente interrompido com a citação que ocorreu na presente acção, ou melhor, a prescrição foi de novo interrompida no 5º dia posterior à instauração da presente acção, nos termos expressamente estipulados no art. 323º, nº 2, do CC – Cf. data da elaboração sentença 03/10/2024, referência “Citius” n.º 464032115.

RR) No caso dos autos o prazo de prescrição só se iniciou só após o trânsito em julgado da decisão final, proc. n.º 2627/23.3T8VNG, do Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia, Juiz 2.

SS) No mesmo sentido, v.g o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 3681/12.9TTLSB.S1, relator ANA LUÍSA GERALDES, conforme essencialmente o sumário se transcreve: I - A sentença que, na primeira acção, reconheceu que o despedimento colectivo que abarcou o A. se rege pela Lei Portuguesa, afastando a Lei Luxemburguesa, exerce autoridade de caso julgado na segunda acção, entre as mesmas partes, sendo vedado ao R. discutir de novo qual a lei aplicável ao caso.

II – Todos os créditos retributivos do trabalhador resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação extinguem-se por prescrição, desde que tenha decorrido o lapso de tempo aí estipulado: um ano, contabilizado a partir do dia seguinte ao da cessação do contrato de trabalho.

III - Ao decurso do tempo e seus efeitos extintivos, relativamente aos créditos laborais, aplicam-se as disposições gerais da prescrição e as regras relativas à sua interrupção, previstas no Código Civil.

IV - E para efeitos interruptivos da prescrição, o que releva é a natureza do direito de crédito em causa e não a qualificação jurídica da forma como se extinguiu a relação laboral.

V - Entendimento que encontra suporte no princípio geral plasmado no art. 323º, nº 1, do CC, onde se consagra que a prescrição se interrompe pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence, e ainda que o Tribunal seja incompetente.

VI - A citação do R. para a primeira acção, em que o A. pretendia a sua condenação no pagamento de uma indemnização devida pelo despedimento individual, tem efeitos interruptivos do prazo de prescrição, que apenas cessaram com o trânsito em julgado da sentença que apreciou a pretensão do A.

VII - Pelo que, o facto de a segunda acção - em que o A. sustenta o direito de indemnização no despedimento colectivo - ter sido interposta mais de um ano após a extinção do contrato de trabalho, não determina a prescrição do direito de indemnização, pois a natureza e o conteúdo material do direito de crédito são substancialmente idênticos.”, disponível em: www.dgsi.pt.

TT) Nestes termos,

Deveria o Tribunal a quo, aplicar a regra do citado artigo 323.º do CC, e considerar reiniciado o prazo de prescrição com o trânsito em julgado da decisão final proferida naquela acção, que ocorreu a foi novamente interrompido com a citação que ocorreu na presente acção, ou melhor, a prescrição foi de novo interrompida no 5º dia posterior à instauração da presente acção, nos termos expressamente estipulados no art. 323º, nº 2, do CC – Cf. data da elaboração sentença 03/10/2024, referência “Citius” n.º 464032115.

UU) Assim, deve ser revogada a recorrida sentença e substituída por outra que reponha a legalidade.”


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A ré apresentou contra-alegações defendendo o julgamento, formulando as seguintes conclusões:

“A) Veio o A. interpor o presente recurso, inconformado com a douta sentença que julgou procedente a exceção de prescrição invocada pela R., absolvendo-a do pedido.

B) Nos termos do nº 1 do artº 337º do Código do Trabalho, todos os eventuais créditos emergentes da relação laboral havida entre o autor e a ré extinguiram-se, por efeito da prescrição, no dia 14 de Julho de 2024.

C) Nos termos do nº 1 e 2 do artº 323º do Código Civil, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial e se citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.

D) Resulta assente, e o A. não o coloca em causa, que o Contrato de Trabalho cessou em 13/07/2023, data em que a R. recebeu a carta de rescisão do Contrato de Trabalho, a ação judicial entrou em juízo em 13/07/2024 e a R. foi citada para a ação em 05/09/2024,

E) O A. também não coloca em causa, como melhor resulta dos autos, que não requereu a citação urgente da R., tendo intentado a ação judicial num sábado, na véspera do termo do prazo de que dispunha para o efeito.

F) Consequentemente, é inteiramente imputável ao A a não concretização da citação antes do termo do prazo.

G) A pendência da ação n.º 2627/23.3T8VNG, do Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia, Juiz 2, não teve a virtualidade de interromper o prazo de prescrição porquanto, nos termos do artº 323º do C.P.C.,

H) Ao contrário do que o Recorrente entende não existe litispendência nos termos dos requisitos cumulativos exigidos pelo artº 581º do C.P.C., de modo a evitar contradizer ou reproduzir decisão anterior.

I) Nos referidos autos os sujeitos não são os mesmos e o A. reclamou vários créditos salariais com fundamento na relação laboral que manteve com a empresa B... no período compreendido entre 8 de Novembro de 2000 e 31 de Março de 2021.

J) Nos presentes autos a ação foi movida apenas contra a ora R., o A. invocou justa causa de rescisão e reclamou vários créditos salariais com fundamento na relação laboral que manteve com a ora R. a partir de 1 de Abril de 2021.

K) Ao contrário do que sucede nos presentes autos, no caso do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, identificado pelo Recorrente na alínea SS) das Conclusões, a natureza e o conteúdo material do direito de crédito são substancialmente idênticos.

L) A carta do A. a que se reportam as alíneas M) a W) das Conclusões do Recorrente, tratando-se de meio extrajudicial, não é o meio idóneo de interpelação previsto expressamente no nº 1 do artº 323º do Código Civil, para que se operasse a interrupção da Prescrição.

M) Ao contrário do que sucede nos presentes autos, no caso do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, identificado na alínea Z) das Conclusões do Recorrente, o aí A. não precisava de requerer a citação urgente, por ter interposto a ação judicial 6 dias antes do termo do prazo,

N) Ao contrário do A. que não o fez dentro dos 5 dias a que se reporta o nº 2 do atº 323º do Código Civil, tendo-o feito na véspera do termo do prazo de que dispunha para o efeito, num dia não útil, e não requerendo a citação urgente.

O) Não tendo o A. requerido a citação urgente, não poderia beneficiar do mecanismo da citação ficta porque nos cinco dias posteriores à propositura da ação (13/07/2024) o prazo esgotou-se (a partir de 14/07/2024) e a ocorrência de Prescrição nada teve a ver com o decurso das férias judiciais que se iniciaram a 15/07/2024.

P) Aa carta do A. a que se reportam as alíneas M) a W) das Conclusões do Recorrente, em que o A. comunica à R. a resolução do Contrato de trabalho e interpela a R. para proceder ao envio do Modelo RP 5044 da Segurança Social e do Certificado de trabalho, em 5 dias úteis, como rege a Lei da Proteção no Desemprego, não poderá ser entendida como válida interpelação para pagamento de qualquer crédito salarial.

Q) O que o Recorrente bem reconhece na alínea N) das suas Conclusões.

R) Todos os créditos reclamados na presente ação emergem diretamente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação e não de qualquer outra fonte, designadamente, como o A. agora pretende, da carta de rescisão do contrato de trabalho, não tendo ocorrido a novação regulada no artº 857º do Código Civil.

S) Na apreciação de tal questão releva a causa de pedir e o pedido formulado nos autos.

T) O Autor peticiona créditos emergentes do contrato de trabalho, quer os que resultam da execução do contrato (incluindo os que têm carácter retributivo), quer os que decorrem da violação do contrato de trabalho ou da cessação do mesmo.

U) Em nenhum ponto da p.i. o A. indica que o seu pedido de créditos salariais tem por base a invocada missiva na qual rescinde o contrato de trabalho e solicita a emissão do Modelo RP 5044 no prazo de 5 dias.

V) Mais, o A. alega no artº 52º da p.i. que “créditos reclamados pelo A. são forçosamente englobados na previsão do art. 337º, nº 1 do Código do Trabalho,

W) Assim, não poderá ser afastado o regime constante do nº 1 do artº 337º do Código do Trabalho, não merecendo a douta Sentença qualquer censura ou reparo.”


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O recurso foi regularmente admitido e recebidos os autos neste tribunal, o Ministério Público emitiu o parecer a que alude o art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (CPT), concluindo pela improcedência do recurso.

Nenhuma das partes se pronunciou sobre o aludido parecer.


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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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Delimitação do objeto do recurso

Resulta do art.º 81.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho (doravante CPT) e das disposições conjugadas dos arts. 639.º, nº 1, 635.º e 608.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis por força do disposto pelo art.º 1.º, n.º 1 e 2, al. a) do CPT, que as conclusões delimitam objetivamente o âmbito do recurso, no sentido de que o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelas partes (delimitação positiva) e, com exceção das questões do conhecimento oficioso, apenas sobre essas questões (delimitação negativa).

Assim, a única questão a decidir é se os direitos reclamados pelo autor na presente ação prescreveram ou não.


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Fundamentação de facto

Na decisão recorrida foi considerado que:

“Com relevo para a apreciação da excepção resultam dos autos os seguintes factos:

A) O autor, por carta registada, datada de 12/07/2023, recebida a 13/07/2023 pela ré, resolveu o contrato de trabalho que à mesma o vinculava, invocando justa causa para o efeito (artigo 28.º da petição inicial e documento n.º 10 que acompanha este articulado, composto de carta, registo e aviso de recepção).

B) A presente acção deu entrada em juízo no dia 13/07/2024 (Sábado), pelas 15:52:47, não tendo o autor requerido a citação urgente da ré.

C) O processo foi concluso pela primeira vez a 03/09/2024, data em que foi proferido despacho a designar data para a realização da audiência de partes.

D) No dia 04/09/2024 foi expedida carta registada com aviso de recepção para a citação da ré (ref.ª 463046037).

E) A ré foi citada para a acção em 05/09/2024 (ref.ª 40036476 de 12/09/2024).”


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Acrescenta-se ainda, com base no doc. 10 junto com a petição inicial e na certidão junta aos autos em 10/02/2025, que:

F) O teor do doc. 10 a que se refere a al. A) supra, na parte que releva, tem o seguinte teor:

«Fico a aguardar o envio, no prazo de cinco dias úteis, da Declaração Mod RP 5044 da Segurança Social e do Certificado de Trabalho, sem prejuízo do pagamento dos créditos emergentes da cessação do contrato, acrescida da indemnização de antiguidade, nos termos do n.º 1 do art.º 396.º do Código do Trabalho”.»

G) O autor intentou contra a B..., SA e contra a aqui ré ação que corre termos no juízo de Trabalho de Vila Nova de Gaia – J2, ação declarativa de condenação sob aforma de processo comum, que corre termos sob o n.º 2627/23.3T8VNG, na qual peticionou a condenação solidária das rés no pagamento da quantia de € 19 390,10 € (dezanove mil, trezentos e noventa euros e dez cêntimos) acrescida de juros, à taxa legal, a contar da citação e até pagamento integral e efetivo, relativos a créditos laborais emergentes da execução do contrato de trabalho relativos ao período de Dezembro de 2012 a Março de 2021 e a indemnização por danos não patrimoniais pelos factos ocorridos naquele mesmo período de tempo.


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Apreciação

Está em causa decidir se os créditos reclamados pelo autor na presente ação, prescreveram tal como concluiu a Mm.ª Juiz “a quo” no despacho saneador-sentença recorrido, ou não, como defende o autor nas alegações e conclusões do recurso.

Nos termos do art.º 304.º n.º 1 do Código Civil (CC) “completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo ao exercício do direito prescrito”.

A prescrição pode definir-se como a extinção dos direitos em consequência do seu não exercício durante certo lapso de tempo, pelo que, uma vez completado o prazo de prescrição, o sujeito passivo, por ela beneficiado, goza da faculdade de recusar o cumprimento da obrigação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (arts. 298.º, n.º 1 e 304.º, n.º 1, do CC).

De acordo com o disposto pelo art.º 306º, nº 1 do CC, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, importando no caso dos créditos laborais, ter em atenção quanto ao início do prazo de prescrição, o regime especial que tem vindo a ser sucessivamente consagrado pelos arts. 37º, nº 1 da LCT, 381º, nº 1 do CT de 2003 e 337.º, nº 1 do CT de 2009, segundo o qual os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação se extinguem por prescrição no prazo de um ano a contar do dia seguinte aquele em que cessou o contrato.

Por isso, da aplicação daqueles preceitos, como tem vindo a ser afirmado pela larga maioria da doutrina e pela jurisprudência[1] resulta que o prazo de prescrição dos créditos laborais não se inicia, nem corre no decurso da relação de trabalho, mesmo quanto às prestações vencidas.

O legislador laboral estabeleceu, pois, para os créditos laborais, um regime próprio, justificado pelas especificidades da relação laboral quando comparadas com as demais relações meramente civis e comerciais, o qual comporta o diferimento do início do prazo de prescrição para o termo da relação laboral, o que equivale a dizer, que o prazo só se inicia com o termo da relação de dependência do trabalhador relativamente ao empregador e do poder de direção do empregador relativamente ao trabalhador, por se reconhecer que enquanto tal dependência se mantiver o trabalhador está impedido de exercer os seus direitos.

No caso dos autos, ficou demonstrado que o recorrente comunicou à recorrida a resolução do contrato de trabalho por carta de 12/07/2023, que esta recebeu no dia 13/07/2023, data em que, consequentemente, cessou o contrato de trabalho. Na verdade, a resolução do contrato tem de ser comunicada pelo trabalhador ao empregador (cfr. art.º 395.º, n.º 1 do CT) e constitui uma declaração recetícia, produzindo os seus efeitos logo que chega ao conhecimento do destinatário (art.º 224.º, n.º 1 do CC), sendo totalmente destituída de fundamento a pretensão do recorrente de que se considere que só em 16/07/2023 (data em que se presumiria o conhecimento da carta pela recorrente, por ser o 3º dia útil posterior ao envio) a recorrente teria tomado conhecimento da comunicação da cessação do contrato.

Assim, o prazo de prescrição dos créditos do recorrente emergente da execução e da cessação do contrato, no caso concreto, iniciou-se no dia 14/07/2023, nos termos do art.º 337.º, n.º 1 do CT, do qual resulta que aquele prazo se inicia no dia seguinte ao da cessação do contrato.

Alega o recorrente que, face ao disposto pelo art.º 306.º, n.º 1, 2.ª parte do CC, tal prazo não se pode ter por iniciado naquela data atento o teor da carta que enviou à recorrida datada de 12/07/2023 que constitui o documento n.º 10 junto com a petição inicial, no qual concedeu àquela o prazo de 5 dias para pagar os créditos laborais.

É o seguinte o teor da declaração constante da parte final da carta pela qual o recorrente comunicou à recorrida a resolução do contrato de trabalho com invocação de justa causa:

“Fico a aguardar o envio, no prazo de cinco dias úteis, da Declaração Mod RP 5044 da Segurança Social e do Certificado de Trabalho, sem prejuízo do pagamento dos créditos emergentes da cessação do contrato, acrescida da indemnização de antiguidade, nos termos do n.º 1 do art.º 396.º do Código do Trabalho.”

O art.º 306.º, n.º 1 do CC dispõe que:

“1. O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição.”

Se bem percebemos, a tese do recorrente é a de que, simultaneamente com a comunicação da cessação do contrato concedeu à recorrida o prazo de 5 dias para proceder ao pagamento dos créditos, pelo que, só decorrido esse prazo poderia exercer o direito de exigir o pagamento. Consequentemente só, findo esse prazo se iniciaria o prazo de prescrição.

Não concordamos.

O que subjaz ao citado art.º 306.º, n.º 1 é a ideia de que só a partir do momento em que o credor pode exigir o cumprimento, seja porque a obrigação que tinha prazo certo se vence, seja porque decorreu o prazo acordado pelas partes ou fixado na lei, subsequente à interpelação para cumprimento, é que se inicia o prazo de prescrição. De facto não faria sentido “penalizar” o credor pela sua inércia durante um período de tempo em que estava impedido de exigir o cumprimento.

A primeira parte do dito preceito, não tem, contudo, aplicação no âmbito dos créditos laborais face ao art.º 337.º, n.º 1 do CT que contém um regime especial neste domínio, diferindo o início do prazo para o dia seguinte ao da cessação do contrato, independentemente, da data de vencimento ou de exigibilidade dos créditos laborais, justificado, como vimos, pelas especificidades da relação laboral a que acima já nos referimos.

Já quanto à 2.ª parte do art.º 306.º, não se vislumbra motivo para afastar a sua aplicação no domínio laboral, se for fixado prazo contado desde a interpelação, que termine em data posterior à data da cessação do contrato, já que nesse caso, não é posto em causa o regime do art.º 337.º, n.º 1 do CT.

Ainda assim, a situação em apreço não se subsume à previsão da 2.ª parte do n.º 1 do dito art.º 306.º.

Na verdade, com a cessação do contrato, os créditos do recorrente passaram a ser exigíveis da recorrida e não existe disposição legal que fixe prazo de cumprimento após interpelação.

Por outro lado, ao contrário da situação em causa no Ac. RC de 20/04/2028[2], invocado pelo recorrente, no caso dos autos, não foi alegada a existência de qualquer acordo das partes quanto ao diferimento da exigibilidade do pagamento dos créditos salariais, não sendo a comunicação efetuada pelo recorrente na parte final da carta pela qual comunicou a cessação do contrato, suficiente para o efeito, já que se trata de uma comunicação unilateral e que como bem refere a recorrente nas contra-alegações, o prazo de 5 dias a que o recorrente ali se reporta era relativo à entrega dos documentos e não ao pagamento dos créditos que, diga-se, nem sequer esgotam os créditos reclamados na presente ação, que vão além dos emergentes da cessação do contrato.

Admitir a tese do recorrente seria conferir ao credor a possibilidade de alargar o prazo de prescrição dos créditos a seu bel prazer, pondo sem causa a finalidade do instituto da prescrição de evitar que as relações jurídicas permaneçam durante longos períodos numa situação de indefinição. Bastaria ao credor, em qualquer momento do decurso do prazo, declarar ao devedor que lhe “concedia” um prazo superior para cumprir a obrigação.

Inexiste, assim, motivo para considerar que o prazo de prescrição dos créditos do recorrente se iniciou em data diferente do dia seguinte ao da cessação do contrato, em conformidade com o previsto pelo art.º 337.º, n.º 1 do CT.

Daí que o prazo se tenha iniciado em 14/07/2023, o que determina que o mesmo se deva considerar terminado em 14/07/2024 (domingo).

De facto, são pertinentes e bastantes as considerações expendidas na sentença recorrida, com as quais concordamos, a propósito da circunstância de o termo do prazo de prescrição não se transferir para o primeiro dia útil seguinte, não sendo aplicável o disposto pelo art.º 279.º, al. e) do CC.

Escreveu a Mm.ª Juiz “a quo” a este respeito:

“Verifica-se, porém, que o prazo de prescrição terminava a um Domingo (14 de Julho de 2024), pelo que importa desde já aferir se, por força disso, o termo se transferiu para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, para 15/07/2024, atento o disposto no artigo 279.º, alínea e), do Código Civil.

Estabelece este artigo que “o prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo”, constituindo entendimento pacífico de que aos domingos e feriados são também equiparados os sábados, na medida em que no domínio do Código Civil primitivo as secretarias judicias estavam abertas aos sábados, o que só veio a ser alterado pela Lei n.º 35/80, de 29-07.

Sucede que, não é imprescindível recorrer a juízo para reclamar os créditos laborais e o “artigo 279º alínea e) do Código Civil refere-se apenas a actos que devem ser praticados pelos titulares de uma relação jurídica dentro de um determinado prazo, o qual tem natureza substantiva, e cujo cômputo se há-de fazer nos termos desse mesmo artigo 279º, e não abrange quaisquer actos judiciais, designadamente a citação que é ordenada e realizada pelo tribunal e apenas sujeita a prazos processuais.

Na verdade, o artº 296º do Código Civil, sob a epígrafe "contagem de prazos" manda aplicar "as regras constantes do artº 279º, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou outras entidades".

O artº 279º do C. Civil inserido no capítulo relativo aos negócios jurídicos estabelece normas relativas ao "cômputo do tempo".

E segundo o disposto na alª e) deste artigo, o prazo que termine em domingo ou dia ferido transfere-se para o primeiro dia útil.

Ora, a prescrição verifica-se pelo simples decurso do prazo, independentemente da prática de qualquer acto ou declaração negocial. Logo, o prazo de prescrição não é um acto que esteja abrangido pela referida alª e) do artº 279º, uma vez que a prescrição se verifica independentemente da prática de qualquer acto em juízo” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 11/10/2012, proc. n.º 3437/12.9TBOER.L1-8 e no mesmo sentido, os Acórdãos da mesma Relação, de 16/12/2015, proc. n.º 1681/14.3TTLSB.L1.- 4, de 16/03/2016, proc. n.º 117/14.4 TTLRS.L1-4, do Supremo Tribunal de Justiça, de 22/09/2004, proc. n.º 03S2931, todos acessíveis in www.dgsi.pt).”

Nada mais temos a acrescentar, restando-nos confirmar que, no caso dos autos, o prazo de prescrição se completou no dia 14/07/2024, antes, pois, da citação da recorrida que apenas se realizou no dia 05/09/2024.

Importa, contudo, perceber se se verificou alguma causa interruptiva do prazo.

Adiantamos, desde já que não.

A causas de interrupção da prescrição encontram-se previstas nos arts. 323.º a 325.º do CC, referindo-se à interrupção promovida pelo titular, ao compromisso arbitral e ao reconhecimento do direito perante o titular, sendo que as duas últimas não estão em causa nos autos.

Fazemos aqui um parêntesis para dizer que o legislador não atribuiu qualquer efeito interruptivo da prescrição à propositura da ação, pelo que o facto de o recorrente ter proposto a ação em 13/07/2024, em si mesmo, não tem qualquer consequência no decurso do prazo de prescrição.

No que respeita à primeira das causas de interrupção da prescrição acima elencadas importa salientar que a mesma apenas opera pela citação ou notificação judicial de qualquer ato mediante o qual se exprima direta ou indiretamente a intenção de exercer o direito, sendo equiparada à citação ou notificação qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido(cfr. n.º 1 e n.º 4 do art.º 323º do Código Civil).

Nestes termos, fica, desde logo, excluída como causa interruptiva a declaração constante da comunicação da resolução do contrato que acima analisámos a propósito do início do prazo, já que a mesma não constitui meio judicial de comunicação da intenção do recorrente reclamar os seus créditos, nem contém declaração expressa ou implícita nesse sentido.

A mesma irrelevância interruptiva do prazo de prescrição tem a instauração da ação que corre termos sob o n.º 2627/23.3T8VNG, na qual o recorrente peticionou a condenação solidária das rés (B... e a aqui recorrida) no pagamento da quantia de € 19 390,10 € (dezanove mil, trezentos e noventa euros e dez cêntimos), na medida em que os créditos laborais ali peticionados eram relativos ao período de Dezembro de 2012 a Março de 2021 e a indemnização por danos não patrimoniais pelos factos ocorridos naquele mesmo período de tempo e nos autos o recorrente peticiona créditos laborais vencidos a partir de Abril de 2021 em diante, e créditos emergentes da cessação do contrato ocorrida em 13/07/2023, que naquela ação nem sequer se discutiu, até porque não tendo ainda ocorrido[3].

Por outro lado, a citação da recorrida foi efetuada nos autos em 05/09/2024, pelo que, terminando o prazo em 14/07/2024, não operou, por essa via, a interrupção da prescrição.

Importa, todavia, ponderar se pode aproveitar ao recorrente o regime da citação ficta previsto pelo art.º 323.º, n.º 2 do CC.

Aí se prescreve que “2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.”

Nos termos desta disposição legal, a prescrição tem-se por interrompida decorridos cinco dias após ter sido requerida a citação, o mesmo é dizer desde a data em que se considera apresentada a petição na secretaria do tribunal[4], se a citação se não fizer no decurso daquele prazo por motivos não imputáveis ao autor.

O legislador tomou aqui em consideração a possibilidade de demora na realização da citação devida a motivos de índole processual, de organização judiciária, negligência do Tribunal ou dos seus funcionários, dolo do devedor, acumulação de serviço ou outras circunstâncias anómalas, antecipando o prazo de interrupção da prescrição logo que estejam decorridos cinco dias desde a data da propositura da ação.

Por outras palavras, o legislador considerou que cinco dias é o tempo suficiente para que o tribunal faça a citação após a propositura da ação, pelo que protegeu o autor das situações em que a citação é feita para lá desse prazo devido a motivos sobre os quais o mesmo não tem qualquer domínio.

Assim, “se a citação é feita dentro de cinco dias seguintes ao requerimento, não há retroactividade quanto à interrupção da prescrição, atendendo-se, neste caso, ao momento da citação. Se é feita posteriormente por causa não imputável ao requerente, considera-se interrompida passados cinco dias. (…)”[5].

Pressuposto da ficção legal de citação para efeitos de interrupção da prescrição é, pois, que o prazo, findos os cinco dias seguintes ao requerimento da citação, ainda não se tenha completado, o que impõe ao autor para poder beneficiar deste regime que proponha ação com mais de 5 dias de antecedência em relação ao termo do prazo de prescrição.

Não foi o que aconteceu no caso dos autos, pois, a ação foi intentada em 13/07/2024, ou seja, na véspera do termo do prazo de prescrição que ocorreu em 14/07/2024, sendo que a conclusão seria a mesma, ainda que se tivesse concluído que o termo do prazo se transferia para o 1.º dia útil seguinte, que no caso seria o dia 15/07/2024 (neste caso a ação teria sido intentada dois dias antes do termo do prazo).

Nestes termos, o disposto pelo art.º 323.º, n.º 2 do CC não aproveita ao autor, pois, atenta a data em que foi requerida a citação, a ficção legal da citação no 5.º dia seguinte à propositura da ação, sempre produziria efeitos depois de completado o prazo de prescrição.

Acresce que tendo o autor intentado a ação na véspera do termo do prazo de prescrição, mesmo que tivesse requerido a citação urgente (art.º 561.º do CPC), não teria sido o bastante para interromper aquele prazo, pois, a ação foi intentada num sábado, o prazo completou-se no domingo, dias em que os tribunais estão encerrados, o que o ilustre mandatário do autor não podia ignorar. O mesmo se concluindo no caso de se considerar que o prazo terminava a 15/07/2024, pois só nesse dia o processo poderia ser concluso ao juiz para proferir o despacho a que se refere o art.º 561.º do CPC, sendo no mínimo improvável que a citação da ré, com morada na ..., se pudesse ter realizado nesse mesmo dia.

Seja como for, o certo é que o autor não requereu a citação urgente da recorrida.

Conclui-se que, tendo a ação sido proposta em 13/07/2024, data em que se considera requerida a citação, tendo-se iniciado o prazo de prescrição em 14/07/2023 (dia seguinte ao da cessação do contrato de trabalho) terminando, portanto, em 14/07/2024, não tendo ocorrido qualquer causa de interrupção, quando a recorrida foi citada em 05/09/2024, já havia decorrido integralmente aquele prazo, estando os créditos reclamados pelo autor aqui recorrente prescritos.

Assim, não merece qualquer censura a sentença recorrida quando nela se conclui que “Tendo a prescrição sido invocada e constatada que está a sua verificação, impõe-se a absolvição da ré dos pedidos, por se tratar de uma excepção material peremptória – artigo 576.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (…).”

O recurso é, pois, integralmente improcedente.


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Tendo decaído integralmente no recurso, as custas são da responsabilidade do recorrente – nos termos do art.º 527.º do CPC.

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Decisão

Por todo o exposto, acorda-se julgar o recurso totalmente improcedente, confirmando-se, na íntegra, o despacho saneador-sentença recorrido.

Custas pelo autor.


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Notifique.

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Porto, 30/06/2025
Maria Luzia Carvalho
Rui Penha
António Luís Carvalhão

(assinaturas eletrónicas nos termos dos arts. 132º, n.º 2, 153.º, n.º 1, ambos do CPC e do art.º 19º da Portaria n.º 280/2013 de 26/08)
________________
[1] Entre outos, Ac. STJ de 15/05/2019, processo n.º 759/17.7T8BRR.L1.S1, Ac. RP de 16/11/2015, processo n.º 1508/12.0TTVNG.P1, Ac. RL de 26/05/2021, processo n.º 12378/20.5T8LSB.L1-4 e Ac. RG de 25/05/2023, processo n.º 1730/22.1T8BRG.G1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[2] Processo n.º 836/17.3T8CVL-A.C1, acessível em www.dgsi.pt.
[3] Vd. Ac. STJ de 12/10/2022, processo n.º 766/07.7TTLSB.L2.S1, citado pelo Ministério Público no parecer e acessível em www.dgsi.pt.
[4] Antunes varela e outros, Manual de Processo Civil, 2º ed., Coimbra editora, p. 276; António Santos Abrantes Geraldes, CPC anotado, Vol. I, Almedina, p. 626; José Lebre de Freitas, A acção declarativa comum, 4ª ed., p. 90; ac. STJ de 17/03/2010, processo n.º 250/04.0TTBCL.S1, RC de 25/05/2018, processo n.º 2448/16.0T8LRA.C1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[5] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 290/291.