Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
IDADE DE REFORMA POR VELHICE / AL. A) DO N.º 1 DO ART.º 59º DA LAT
Sumário
A idade de reforma da al. a) do nº 1 do art. 59º da LAT, reporta-se à data da idade legal de reforma e não à data da efectiva reforma do beneficiário.
Texto Integral
Processo: 150/12.0TTOAZ.P1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
Nos presentes autos por acidente de trabalho, em que são beneficiários AA e de BB, CC e DD, com domicílio na Rua ..., Bloco ..., nº ...-R/c Esq., ..., na qualidade, respectivamente, de viúvo e filhos da vítima, e entidade responsável a Companhia de Seguros A..., S.A., com sede na Rua ..., Lisboa, foi proferido o seguinte despacho:
“A questão que se coloca nos presentes autos é a de saber se a atualização da pensão do beneficiário por ter alcançado a idade de reforma por velhice deve ser efetuada no momento em que este beneficiário passou a ser pensionista por se ter reformado por velhice ou se tal deve ocorrer apenas quando este atingisse a idade legal de reforma atual, quando existam diferenças entre estes dois momentos.
Nos termos do artigo 59º, nº 1, alínea a), da Lei dos Acidentes de Trabalho, «Se do acidente resultar a morte do sinistrado, a pensão é a seguinte: a) Ao cônjuge ou a pessoa que com ele vivia em união de facto – 30 % da retribuição do sinistrado até perfazer a idade de reforma por velhice e 40 % a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho».
A expressão da norma é «até perfazer a idade de reforma por velhice».
Atualmente, não existe uma idade certa para a reforma por velhice, mas na data do acidente, o artigo 20º, do Decreto-Lei nº 187/2007, de 10 de maio, fixava nos 65 anos a idade normal da reforma, estabelecendo medidas de flexibilização e antecipação nas normas seguintes relacionadas com especificidades da carreira contributiva e da profissão. Após, esta referência aos 65 anos de idade desapareceu, com a alteração ao referido diploma introduzida pelo Decreto-Lei nº 167-E/2013, de 31 de dezembro, que estabeleceu que a idade normal de reforma seria estabelecida anualmente com base numa ponderação de fatores, designadamente o fator de sustentabilidade que já tinha sido introduzido pelo artigo 35º, do Decreto-Lei nº 187/2007, de 10 de maio.
A questão pode ser decidida tendo em conta várias perspetivas sobre o momento relevante a considerar para definição do momento em que o beneficiário perfaz a idade de reforma: a idade em que o beneficiário efetivamente acedeu à reforma por velhice de acordo com as suas circunstâncias pessoais; a idade em que podia fazê-lo se desejasse; a idade de reforma por velhice geral vigente no momento do acidente de trabalho; ou a idade de reforma por velhice geral vigente no momento em que o sinistrado, efetivamente, podia ter acedido à reforma por velhice.
A determinação do momento relevante a considerar depende da interpretação da expressão normativa, designadamente saber se esta exige ou não exige ao cônjuge ou ao(a) companheiro(a) seja efetivamente atribuído o direito à reforma, bastando que atinja aquele limite, mesmo que continue a trabalhar e independentemente de requerer ou não a passagem à reforma por velhice, bem como considerando circunstâncias específicas decorrentes de regimes excecionais de acesso à reforma por velhice ou se, por outro lado, a expressão normativa deve ser interpretada como correspondendo à “idade normal de reforma por velhice”.
A letra da lei favorece a tese do atingimento da idade necessária para aceder à reforma por velhice, pois refere «até perfazer a idade de reforma por velhice», dando a ideia de que basta atingir a idade de reforma por velhice para ter direito ao acréscimo. Mas o elemento literal de interpretação jurídica, favorecendo a tese da idade abstrata, não é decisivo no sentido da equiparação da referência à «idade de reforma por velhice» à “idade normal de reforma por velhice”, na medida em que a idade de reforma resultante do regime da Segurança Social não é necessariamente a idade normal de reforma por velhice.
O elemento histórico de interpretação não é favorável à ideia de que a referência à «idade de reforma por velhice» equivale à “idade normal de reforma por velhice”, pois aquela expressão foi introduzida no regime dos acidentes de trabalho antes de existir o conceito de “idade normal de reforma por velhice” nos termos em que existe hoje, com uma variabilidade resultante de outros factores, como o factor de sustentabilidade, na medida em que a Base XIX, nº 1, alínea a) e b), faziam referência a uma idade certa, aos 65 anos de idade, não obstante estabelecessem diferenças consoante o beneficiário fosse viúvo ou viúva. A introdução da expressão «até perfazer a idade de reforma por velhice» resultou da Lei nº 22/1992, de 14 de agosto, que se tratou de um diploma destinado a estabelecer a igualdade em vários aspetos do regime jurídico, tendo sido sumariado como um diploma que «Altera a Lei nº 2127, de 3 de agosto de 1965, estabelecendo a igualdade de direitos relativos a acidentes de trabalho e doenças profissionais». Na realidade, a alteração desde segmento normativo, com a introdução desta expressão, teve como único objetivo o estabelecimento da igualdade em razão de sexo, na sequência do acórdão do Tribunal Constitucional de 6 de outubro de 1991 que tinha declarado, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da Base XIX, nº 1, alínea b), da Lei nº 2127, de 3 de agosto de 1965, por desrespeito do principio da igualdade de tratamento em razão de sexo. Este objetivo legislativo é declarado expressamente na exposição de motivos que consta da Proposta de lei nº 7/VI [estabelece a igualdade de direitos na atribuição das pensões de sobrevivência devidas por acidente de trabalho ou doença profissional (altera a Lei nº 2127, de 3 de agosto de 1965)].
Importa, no entanto, fazer apelo ao elemento racional de interpretação jurídica, procurando saber qual é a finalidade subjacente ao acréscimo no valor da pensão por morte atribuída ao beneficiário cônjuge ou companheiro(a) do sinistrado(a) falecido(a). O acórdão da Relação de Coimbra de 6 de março de 2020, proferido no processo nº 1017/15.6T8CBR.C1 (relator: Ramalho Pinto), refere a ideia de que «A reforma estava associada ao termo do período ativo da pessoa, podendo ocorrer uma quebra nos rendimentos próprios, e acréscimo de necessidades designadamente ao nível da saúde, o que justifica a majoração da pensão da viúva. Veja-se ainda a segunda hipótese prevista na lei para a fixação da pensão desde logo em 40%, relacionada com uma diminuição de capacidade de por si angariar meios de subsistência». Esta parece-nos ser, efetivamente, a razão de ser subjacente ao acréscimo atribuído à pensão por morte do cônjuge na reforma e, por isso, consideramos que, se está na base deste acréscimo, uma ideia de perda de capacidade de trabalho e ganho próprio, então o que faz sentido é atribuir o acréscimo quando o(a) beneficiário(a) passar efetivamente à situação de reforma por velhice.
Daqui resulta, em nosso modesto entendimento, que o requisito da norma não é o atingimento da idade normal de reforma por velhice, mas a atribuição, pela Segurança Social, desse estatuto, tendo em conta a situação pessoal do(a) próprio(a) beneficiário(a), pois nesse momento e a partir desse momento é que se verifica o fundamento substantivo justificador do acréscimo atribuído pela norma legal.
Em suma, o elemento racional da interpretação jurídica conduz-nos à conclusão de que a expressão «até perfazer a idade de reforma por velhice» deve ser interpretada como a passagem do(a) beneficiário(a) à situação de reforma por velhice, devendo ser atribuído e calculado o novo valor da pensão por morte, desde esse momento e cabendo ao sinistrado demonstrar perante a seguradora a passagem àquela situação e a data a partir da qual essa passagem ocorreu.
Pelo exposto, defere-se a pretensão do Ministério Público, determinando à ré seguradora o cálculo e pagamento da nova pensão atribuída ao beneficiário em causa desde a data em que este passou efetivamente à situação de reforma por velhice.”
Inconformada interpôs a seguradora o presente recurso de apelação, concluindo:
1. A Recorrente não se conforma com o despacho de fls..., de 07/12/2024, o qual determinou a atualização da pensão do beneficiário viúvo, com base em 40% da retribuição da malograda sinistrada, a partir da data da sua efetiva reforma, a qual ocorreu em 01/10/2019.
2. Porquanto, entende a Recorrente que a data a considerar para realizar tal majoração deve ser 04/07/2022, data em que o beneficiário atingiu a idade legal da reforma por velhice, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 59º da Lei nº 98/2009, de 04/09.
3. Contesta, assim, a errada aplicação do direito levada a cabo pelo Tribunal a quo, sustentada na errónea interpretação que fez da aludida alínea a) do nº 1 do artigo 59º da Lei nº 98/2009.
4. O beneficiário, à data do acidente dos autos (acidente mortal), era casado com a malograda sinistrada.
5. Em sede de tentativa de conciliação, que se realizou em 11/02/2013, conciliaram-se as partes, tendo ficado determinado que a aqui Recorrente iria pagar, nomeadamente, ao aludido beneficiário uma pensão anual de 2.450,40€, calculada com base na retribuição anual ilíquida de 30% até à idade por reforma por velhice e a seguir a tal idade a pensão de 3.267,20€, calculada com base em 40% da supra citada remuneração, nos termos do artigo 59º, nº 1, alínea a) da Lei 98/2009, de 04/09.
6. A Recorrente tem vindo a cumprir com tal acordo nos seus exatos termos.
7. Por requerimento apresentado em 05/11/2024 pela Ilustre Magistrada do Ministério Público em representação do beneficiário viúvo, foi requerida a atualização daquela pensão para 40% da retribuição anual atualizada desde 01/10/2019, em virtude de ter sido nessa data que o beneficiário se reformou por velhice.
8. Pedido contra o qual a Recorrente se insurgiu, por requerimento de 04/12/2024. No entanto, o Tribunal a quo entendeu ser de atualizar a pensão por morte nos termos pedidos pelo beneficiário.
9. Estabelece o artigo 59º, nº 1, alínea a) da Lei 98/2009, de 04/09, que: “1 - Se do acidente resultar a morte do sinistrado, a pensão é a seguinte: a) Ao cônjuge ou a pessoa que com ele vivia em união de facto – 30 % da retribuição do sinistrado até perfazer a idade de reforma por velhice e 40 % a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho;”.
10. Portanto, o cerne da questão a dirimir será interpretar o que se entende por “até perfazer a idade de reforma por velhice”.
11. Ora, o elemento gramatical ou literal da lei propende para a tese de que, para obter a referida majoração da pensão por reforma, teria apenas de ser atingida a idade da reforma por velhice, ainda que o beneficiário continuasse a trabalhar ou não fosse atribuída a reforma efetivamente.
12. Portanto, resta saber qual é que deve ser considerada a idade da reforma: a idade normal estabelecida pelo regime da segurança social ou a idade em que cada beneficiário atinge particularmente a possibilidade de requerer a reforma ou até a idade em que cada beneficiário passou ao estado de reformado efetivamente?
13. Não existe atualmente uma idade fixa para a reforma por velhice, mas tal questão é facilmente ultrapassada por consulta à legislação que estabelece a idade de reforma por velhice em cada ano. Concretamente, a idade legal da reforma por velhice no regime geral de segurança social, em 2022, era de 66 anos e 7 meses, nos termos da portaria nº 53/2021, de 10/03.
14. Notando-se que, no caso em apreço, foi no âmbito do regime de segurança social que foi atribuída a reforma ao beneficiário.
15. A interpretação há-de levar-se a efeito seguindo uma metodologia hermenêutica que, levando em conta todos os elementos de interpretação – gramatical, histórico, sistemático e teleológico (este a impor que o sentido da norma se determine pela ratio legis) –, permita determinar o adequado sentido normativo da fonte correspondente ao “sentido possível” do texto (letra) da lei.
16. Com efeito, resulta do artigo 9º do Código Civil que a interpretação não deve cingir- se à letra da lei, mas reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (nº 1), não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (nº 2); na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3).
17. A letra é, assim, o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9º, nº 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) "que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso".
18. Pode ter de proceder-se a uma interpretação extensiva ou restritiva, ou até porventura a uma interpretação corretiva, se a fórmula verbal foi sumamente infeliz. Mas, ainda neste último caso, será necessário que do texto “falhado” se colha pelo menos indiretamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação.
19. Ainda pelo que se refere à letra (texto), esta exerce uma terceira função: a de dar um mais forte apoio àquela das interpretações possíveis que melhor condiga com o significado natural e correto das expressões utilizadas.
20. Com efeito, nos termos do art. 9º, nº 3, o intérprete presumirá que o legislador "soube exprimir o seu pensamento em termos adequados". Só quando razões ponderosas, baseadas noutros subsídios interpretativos, conduzem à conclusão de que não é o sentido mais natural e direto da letra que deve ser acolhido, deve o intérprete preteri-lo.
21. Até porque, a lei deve ser facilmente apreendida pelo cidadão comum.
22. Este nº 3 propõe-nos, portanto, um modelo de legislador ideal que consagra as soluções mais acertadas (mais corretas, justas ou razoáveis) e sabe exprimir-se por forma correta.
23. Aplicando este primeiro elemento literal à norma em crise, entendemos que, se a intenção do legislador fosse aquela que o Tribunal a quo entendeu ser de atribuir, ou seja, atender à concreta situação de cada beneficiário que, por razões pessoais, pode passar à situação de reformado por velhice em idade diferente daquela estabelecida pelo sistema da segurança social (já que presume que a partir desse momento estará mais fragilizado financeiramente), facilmente o teria feito.
24. Bastava que na alínea a) do nº 1 do artigo 59º da LAT se tivesse referido algo do género “...até passar à situação de reformado”. O que claramente não fez, estabelecendo antes um critério geral e abstrato.
25. Salvo melhor opinião, parece-nos que a razão de ser do estabelecimento de tal critério foi precisamente a de evitar a subjetividade, criando um limite mais uniforme e previsível para as partes: para o beneficiário que poderá programar a sua estrutura financeira considerando a idade normal da reforma; para a entidade responsável que terá legitimas expectativas de apenas a partir da idade normal em que se atinge a reforma por velhice começar a liquidar a pensão com base em 40% da retribuição, podendo igualmente calcular desde logo a provisão matemática de cada sinistro, não dependendo de circunstâncias pessoais do beneficiário que o possam levar a aceder à reforma por velhice mais cedo (que muitas das vezes até desconhece).
26. Diga-se que, o elemento histórico parece corroborar esta posição, na medida em que a base XIX da Lei no 2127, de 03 de agosto, determinava um limite de idade de reforma geral (“...até perfazer 65 anos, e 40 por cento a partir desta idade...” no caso da viúva, e no caso do viúvo “...se for de idade superior a 65 anos à data da morte da mulher...”). Então, apesar de ser estabelecida uma idade fixa de reforma, distinguia-se apenas em razão do sexo do beneficiário. Contudo, tal critério era aplicável a todo e qualquer beneficiário, independentemente de ter alcançado efetivamente a situação de reformado.
27. Como bem refere o Tribunal a quo na sua decisão, a introdução da expressão atual (“até perfazer a idade de reforma por velhice”) pela Lei 22/92, de 14/08, apenas serviu para estabelecer um regime jurídico igualitário em razão do sexo do beneficiário. O que não arreda o critério geral e abstrato defendido supra.
28. Assim, aplicando esse critério, e até atendendo a que o regime pelo qual o beneficiário se reformou foi o regime geral da segurança social, tendo o mesmo nascido em 04/12/1955, apenas atingiu a idade de reforma por velhice a 04/07/2022. Logo, será esta data que deve balizar a atualização da pensão por morte por 40% do rendimento da malograda sinistrada.
29. Por fim, o Tribunal a quo socorreu-se do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 06/03/2020 (Proc. 1017/15.6T8CBR.C1, in www.dgsi.pt) para concluir que o critério mais adequado seria o do elemento racional da interpretação jurídica, atendendo, assim, ao fim subjacente ao acréscimo de pensão.
30. Pelo contrário, entendemos que “a unidade do sistema jurídico”, dos três fatores interpretativos a que se refere o nº 1 do art. 9º, é o mais importante. A sua consideração como fator decisivo ser-nos-ia sempre imposta pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica.
31. Ora, decorre igualmente do referido aresto que a atual LAT (Lei 98/2009) não revogou o DL 142/99, de 30/04, o qual estipula no seu artigo 6º, que as pensões por morte serão atualizadas nos mesmos termos em que o fossem as pensões do regime geral de segurança social.
32. Tal decreto-lei criou o Fundo de Acidentes de Trabalho, o qual, como sabemos, tem como competência, nomeadamente, garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho em vez das entidades que a isso estariam obrigadas mas que não o possam fazer.
33. Que sentido faria se o FAT seguisse o regime geral de segurança social para efeitos de atualização anual das pensões mas não o seguisse para efeitos de majoração da pensão por morte? Entendemos que nenhum.
34. Por razões de equidade, o mesmo regime terá de ser aplicado quando a entidade responsável pelo pagamento das prestações devidas seja a seguradora.
35. Vejamos agora o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12/07/2022 (Proc. 7699/16.4T8CBR.12.C1, in www.dgsi.pt) – nesta decisão a questão central, à semelhança do anteriormente referido, não é a da interpretação da expressão idade da reforma. No entanto, releva do mesmo que também foi determinada a atualização da pensão para 40% a partir da idade da reforma por velhice: “(...)seguindo o critério enunciado, a beneficiária tem direito a receber uma pensão actualizada – 40% da retribuição base do sinistrado – a partir da idade de reforma por velhice, actualmente fixada nos 66 anos e 4 meses, conforme disposto na Portaria nº 99/2017, de 7 de Março, ou seja, a partir de 23 de Agosto de 2021, e não antes – aos 65 anos – como parece defender a seguradora. À pensão alterada, como se escreveu no Acórdão supra transcrito, devem aplicar-se todas as atualizações que teria sofrido caso fosse devida desde início, embora o seja apenas a partir do momento em que a beneficiária atingiu a idade de reforma.”
36. Por tudo o exposto, parece-nos legítimo concluir que o sentido da lei, e aquele que vem sendo acolhido pela jurisprudência, é o de que o beneficiário tem direito a receber uma pensão atualizada – 40% da retribuição base da sinistrada – a partir da idade legal de reforma por velhice, fixada em 2022 nos 66 anos e 7 meses, nos termos da portaria nº 53/2021, de 10/03, o que, concretamente, ocorreu em 04/07/2022.
37. Pelo que, o despacho de fls. violou, entre outros, o disposto nos artigos 9º, nº 3 do Código Civil, e artigo 59º, nº 1, alínea a) da Lei 98/2009, de 04/09, impondo-se a sua anulação e substituição por decisão que dê adequado cumprimento ao disposto no artigo 59º, nº 1, alínea a) da Lei 98/2009, de 04/09, mais concretamente nos termos pugnados pela ora Recorrente.
O Ministério Público, em representação do beneficiário, alegou concluindo:
1. O artigo 59º, nº 1 alínea a) da Lei dos Acidentes de Trabalho prevê que “se do acidente resultar a morte do sinistrado, a pensão é a seguinte: a) Ao cônjuge ou a pessoa que com ele vivia em união de facto – 30 % da retribuição do sinistrado até perfazer a idade de reforma por velhice e 40 % a partir daquela idade ou da verificação de deficiência ou doença crónica que afecte sensivelmente a sua capacidade para o trabalho”.
2. Ou seja, no nosso entender, reporta-se esta norma ao momento em que o beneficiário perfaça a idade de reforma por velhice, tanto que não se alude na norma à idade normal de reforma por velhice, sendo a apenas essa que se refere, nesta situação a Portaria 53/2021 de 10.03. que vem preencher para o ano de 2022 o nº 3 do artigo 20º da Lei 187/2007 de 10.05.
3. Como decorre da Lei 187/2007 de 10.05 nem todas as reformas por velhice ocorrem aquando da idade prevista no nº 3 do artigo 20º, podendo ocorrer a idade inferior nomeadamente aos 65 anos nas situações previstas no nº 6 do artigo 20º ou outra idade desde que verificados os pressupostos adicionais previstos no artigo 21º e seguintes daquele diploma legal.
4. Nesta situação, como decorre do documento junto pelo beneficiário a fls.118, a Segurança Social, entidade com competência para aferir se o mesmo se encontra ou não em condições de se reformar por velhice, concluiu que para o beneficiário a sua idade pessoal de acesso à pensão de velhice ocorreu aos 63 anos e 10 meses, pelo que, no nosso entender, é esta a idade de reforma por velhice a que alude o artigo 59º, nº 1, alínea a) ou seja a 01.10.2019, tendo esta interpretação pleno cabimento no elemento literal.
5. De facto, consideramos que a norma visava essa proteção do beneficiário no concreto momento em que passa à situação de reformado, precisamente porque deixa de auferir um vencimento e passa a auferir uma pensão que tem uma quantia mensal/anual mais reduzida, aumentando por isso o modo de cálculo para que dessa forma o beneficiário, que ficou privado do cônjuge que o auxiliaria na gestão dos recursos nessa idade, não fique demasiado penalizado, num momento em que essa falta se torna mais premente.
O recurso foi admitido com efeito suspensivo.
O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, não tendo emitido parecer, face ao patrocínio do beneficiário.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas, reconduzindo-se esta a determinar o exato âmbito de aplicação da norma do art. 59º, nº 1, al. a) da LAT.
A questão está bem definida, quer no despacho recorrido, quer na alegações de recurso, consistindo em determinar se a expressão “idade de reforma por velhice”, da al. a) do nº 1 do art. 59º da LAT, se reporta à idade em que o beneficiário efectivamente se reforma, como sustenta o recorrido, com acolhimento no despacho sob recurso, ou à idade legalmente prevista como da possibilidade de reforma dos beneficiários, somo sustenta a recorrente.
Ora, não obstante o mérito da fundamentação do despacho, desde já se adianta não merecer o nosso acolhimento a decisão proferida.
Conforme refere José Eduardo Sapateiro, em texto de 2 de Novembro de 2021, publicado em trl.mj.pt, citando Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado, 2ª Edição, Fevereiro de 2000, Almedina (LAT), pág. 112, “o legislador não exige que o cônjuge [ou o unido de facto] se encontrem juridicamente reformados por velhice, através do acionamento do correspondente procedimento junto dos organismos competentes da Segurança Social [Centro Nacional de Pensões ou Caixa Geral de Aposentações] e seu deferimento, mas apenas que os mesmo atinjam a idade legalmente prevista para o efeito, o que pode variar consoante o setor de atividade e o cariz público ou privado do mesmo.” Este tem sido o sentido acolhido nos tribunais da relação, embora não se debruçando directamente sobre a questão, conforme, a título exemplificativo, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12 de Julho de 2022, processo 7699/16.4T8CBR.12.C1, acessível em www.dgsi.pt.
Efectivamente, o beneficiário pode nem ter direito a qualquer reforma, e, não obstante beneficiar do regime aqui em questão. Do mesmo modo, não pode o beneficiário beneficiar, por exemplo de uma situação de reforma antecipada. De facto, quando se refere o regime se justifica por com a idade “ocorrer uma quebra nos rendimentos próprios, e acréscimo de necessidades designadamente ao nível da saúde”, como se faz no despacho recorrido, citando o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6 de Março de 2020, processo nº 1017/15.6T8CBR.C1, essa considerações compaginam-se de forma mais racional com a idade de reforma apreciada em abstrato, do com a idade em que concretamente o beneficiário se reforma.
Assim, sem mais considerações, procede a apelação.
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, a qual se substitui pelo presente acórdão, determinando-se que o cálculo e pagamento da nova pensão atribuída ao beneficiário seja determinada em função da data da idade legal de reforma.
Custas pelo recorrido.
Porto, 30 de Junho de 2025
Rui Penha
António Luís Carvalhão
Sílvia Gil Saraiva