Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
CARÁCTER INSTRUMENTAL
LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA
MEDIDA DE RESOLUÇÃO
INTERMEDIÁRIO
RESPONSABILIDADE
SEGURO DE GRUPO
DEVER DE INFORMAÇÃO
DECLARAÇÕES DE PARTE
Sumário
Sumário[1]: I – Cabe ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando a ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova. II – Respeitando o princípio da limitação dos actos, consagrado no artigo 130.º do Código de Processo Civil, o direito à impugnação da decisão sobre a matéria de facto assume um carácter instrumental face à decisão de mérito do pleito, pelo que, para não praticar actos inúteis e inconsequentes, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando a factualidade objeto da impugnação for insusceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica. III – A legitimidade material, substantiva ou ad actum consiste num complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que o mesmo invoque ou que lhe seja atribuído, respeitando, portanto, ao mérito da causa e, portanto, directamente à procedência ou improcedência do pedido. IV – As responsabilidades e elementos extrapatrimoniais do BANIF que, na sequência da medida de resolução tomada pelo Banco de Portugal, não foram objecto de transferência para o Banco Santander Totta, SA., nem para a Naviget, S.A., e permaneceram na esfera jurídica daquele (alínea d) do Anexo 3 à deliberação do Banco de Portugal de 20 de Dezembro de 2015). V – Não pode ser reclamado ao Banco Santander um eventual direito indemnizatório sobre o BANIF emergente de responsabilidades relativas à violação do dever de informação de cláusulas de um contrato de seguro de vida de grupo (em que a Seguradora tem esse papel, o Banco é tomador, e o segurado aderente) associado a um mútuo celebrado entre Banco e Mutuário. VI - A formação do seguro de grupo ocorre em dois momentos: celebração de contrato entre seguradora e tomador de seguro (1.º); concretização das adesões dos membros do grupo (2.º). VII - O seguro de grupo assenta numa relação tripartida, entre a seguradora (que celebra o contrato com o tomador e garante aos aderentes a respectiva cobertura), o tomador de seguro (o Banco financiador, com o qual é criado o quadro em que se desenrolarão as relações de seguro propriamente ditas e as que se estabelecem entre a seguradora e os aderentes) e o aderente (que adere ao contrato em causa). VIII - No quadro do contrato de seguro de grupo do ramo vida, os segurados/aderentes (enquanto consumidores) não têm outra alternativa a aceitar ou rejeitar em bloco o conteúdo contratual que lhes é proposto, dentro do tipo contratual estabelecido entre tomador e seguradora (não tendo qualquer participação na preparação e redacção das respectivas cláusulas do contrato-quadro do seguro de grupo), o que exprime a estipulação de um contrato de adesão. IX - O artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, impõe ao segurador o dever de informar, mas refere-se apenas ao dever de informar o tomador de seguro, com as consequências do incumprimento deste dever previstas no artigo 23.º (não valendo como uma transferência para o tomador da obrigação de informar para com o segurado, que desresponsabilize a seguradora perante este, impedindo-o de lhe opor a exclusão da cláusula não informada ou relativamente à qual não existe prova dessa informação, quando esta foi posta em causa pelo segurado). X - O artigo 78.º, n.º 1, do mesmo Diploma, salvaguarda os interesses práticos das seguradoras, devendo o seu âmbito de aplicação ficar confinado às suas relações internas com o tomador, não se aplicando às externas, entre o tomador e os clientes/aderentes. XI - O artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho (ora artigo 78.º, nº 1, do Decreto Lei n.º 72/2008), não colide com o regime do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, quanto à obrigação de informação, restringindo-se o seu alcance às relações entre o segurador e o tomador (o que decorre desde logo do texto do Preâmbulo). VIII – Embora, em primeira linha, seja o tomador do seguro (banco mutuante) quem no seguro de grupo tem o dever de informação quanto ao teor das cláusulas, a falta de informação desse intermediário repercute-se na seguradora, sem que essa falta seja oponível ao segurado, sendo que, a seguradora não pode invocar perante o segurado as cláusulas contratuais gerais a que essa falta respeita (sem prejuízo de, depois, poder vir a accionar o intermediário - tomador do seguro de grupo - pelo prejuízo que tal falta de informação lhe tenha acarretado). IX – O Acórdão do TJUE de 20/04/2023 (Processo C-263/22), proferido no âmbito do Processo n.º 2224/14.4TBSTS.P1.S1 (que vincula e orienta os Tribunais portugueses, em face do artigo 91.º do Regulamento do Processo do Tribunal de Justiça e do primado do Direito da União Europeia, estabelecido no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa), implica que, por conformidade com a Diretiva 93/13/CEE, se entenda que ao contrato de seguro de grupo seja aplicável o regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais, de modo que a seguradora continua vinculada aos deveres de comunicação e informação destas e às consequências da sua não comunicação, uma vez que o essência é garantir que o segurado seja devidamente informado, sendo secundário determinar qual a parte obrigada a cumprir esse dever. X - Respeitando o princípio da limitação dos actos, consagrado no artigo 130.º do Código de Processo Civil, o direito à impugnação da decisão sobre a matéria de facto assume um carácter instrumental face à decisão de mérito do pleito, pelo que, para não praticar actos inúteis e inconsequentes, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando a factualidade objeto da impugnação for insusceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica. XI - No que tange à função e valoração das declarações de parte o Tribunal não deve, como ponto de partida, desacreditá-las, mas sim ponderar e valorar a forma como são prestadas, nomeadamente a sua espontaneidade, natural coerência e verosimilhança, bem como o contexto do declarado (temporal, espacial e emocional), as regras da experiência, bem como a demais prova produzida que as confirme ou sustente.
[1] Da responsabilidade do Relator, em conformidade com o n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil.
Texto Integral
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa[1] Relatório E comum, contra (anteriormente denominada Seguradoras Unidas, S.A.) e BS, S.A. peticionando a sua condenação solidária no pagamento €45.303,56, correspondentes às importâncias excessivamente liquidadas entre os anos de 2015 e 2019, da seguinte forma:
a) reembolso das mensalidades de empréstimo hipotecário, respeitante a prestação hipotecária, comissões, juros, etc., acrescida da remuneração devida pelo esforço financeiro assim efectuado a favor das RR., em 19.519,51;
b) reembolso dos prémios de seguro, acrescida da remuneração devida pelo esforço financeiro, num total de € 3.284,36; e ainda a condenação:
c) no pagamento do capital seguro remanescente, no valor de € 7.499,69;
d) danos não patrimoniais, em € 15.000,00;
e) Juros moratórios após citação.
Alegou, em síntese, a Autora, que:
- foi casada com J, o qual faleceu no dia 19 de Novembro de 2018, no estado de casado (consigo);
- a 18 de Novembro de 2008, J e a Autora, ainda solteiros, celebraram escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca na sequência do qual contraíram um empréstimo no valor de €156.160 junto do BANIF - Banco Internacional do Funchal, SA. (cujos activos e passivos, bem como direitos e obrigações, foram adquiridos pela Ré Banco Santander Totta, S.A. em Dezembro de 2015, e que se obrigavam a contratar um seguro de vida;
- Autora e J não tiveram hipótese de escolha ou negociação com qualquer outra Companhia de Seguros do mercado, e que o Banco lhes apresentou uns documentos para assinar, informando ser o contrato de seguro do ramo vida que deveriam celebrar com a então Companhia de Seguros AÇOREANA, cujo beneficiário era o Banco, Companhia essa que entretanto terá sido adquirida pela Ré Generali Seguros, S.A.;
- todo o assunto respeitante ao seguro de vida e seguro multiriscos foi tratado na agência bancária mutuária, que apenas apresentou à Autora e a J uns documentos para serem assinados no balcão do Banco onde estes tinham associada a sua conta bancária, e que aqueles apenas se limitaram a assiná-los, não lhes tendo sido dado qualquer explicação ou esclarecimento sobre o seu conteúdo, nem tão pouco facultada qualquer cópia dos documentos por si assinados, nem tão pouco as Condições Gerais e Particulares dos seguros celebrados, nomeadamente do contrato de Seguro Vida;
- o comportamento das Rés é manifestamente ilícito e contrário às mais básicas regras de boa-fé contratual, violando as suas obrigações contratuais logo aquando da subscrição do contrato, por ocultar à Autora e a J o conteúdo dos contratos de seguro, nomeadamente os seus direitos e obrigações.
Citado os Réus vieram apresentar Contestação:
- a Generali Seguros, S.A. defendendo-se por impugnação e aceitando ser devido por si à Autora somente o pagamento de €7.684,59 [€184,90 (prémios) + €7.499,69 (remanescente capital)], quantia que esta recusou receber;
- o Banco Santander Totta, S.A. defendendo-se por excepção (ilegitimidade substantiva) e por impugnação.
A Autora respondeu à excepção, pugnando pela sua improcedência.
Realizada Audiência Prévia, foi proferido Despacho Saneador (onde se relegou para sede de sentença o conhecimento da excepção invocada), foi fixado o valor da causa (€45.303,56), foi identificado o objecto do litígio[2] e foram seleccionados os Temas da Prova[3].
Realizada a Audiência de Julgamento veio a ser proferida Sentença, dela constando a seguinte parte decisória:
“Pelo exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:
a) Absolver a Ré Banco Santander Totta, S.A. dos pedidos formulados contra a mesma.
b) Condenar a Ré Generali Seguros, S.A. no pagamento à Autora da quantia de €7.499,69 (sete mil, quatrocentos e noventa e nove euros e sessenta e nove cêntimos), a que acrescem juros de mora à taxa legal, após trânsito em julgado da presente decisão.
c) Condenar a Ré Generali Seguros, S.A. no pagamento à Autora da quantia de €184,90 (cento e oitenta e quatro euros e noventa cêntimos), a que acrescem juros de mora à taxa legal, desde da data da citação da Ré, até ao efetivo e integral pagamento.
d) Absolver a Ré Generali Seguros, S.A do restante peticionado.
Custas na proporção do decaimento, que se fixa em 83% para a Autora (sem prejuízo do eventual beneficio do apoio judiciário), e 17% para a Ré Seguradora”.
É desta Sentença que vem pela Autora interposto Recurso de Apelação, tendo apresentado Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões:
“1. A decisão em crise decidiu pela ilegitimidade substantiva do Banco Santander Totta, SA. absolvendo-a dos pedidos formulados pela recorrente.
2. Esta decisão enferma de erro na apreciação da matéria de facto provada, nomeadamente na interpretação feita aos documentos juntos na contestação da Ré Banco Santander, referentes às deliberações do Banco de Portugal de 19 e 20 Dezembro 2015, e que justifica a transferência para aquele do contrato de mútuo objecto dos presentes autos, por parte do BANIF - Banco Internacional do Funchal, S.A (adiante e abreviadamente apenas BANIF).
3. Sucedeu o Banco Santander nos direitos e obrigações transferidas do BANIF, passando a ser imediatamente credor da A. ora recorrente e seu marido nos montantes referentes ao contrato de mútuo com hipoteca, recebendo-os na sua esfera patrimonial deste então.
4. Mas não foi apenas a qualidade de “credor” que o Banco Santander passou a deter, mas também todas as responsabilidades, direitos e obrigações constituídas por via da celebração do contrato de crédito com o então
5. O Banco Santander não apresentou facto ou argumento válido que aponte no sentido da exclusão da sua responsabilidade, não se vislumbrando que a mesma se mostre incluída na alínea b) do nº 3 do Anexo 3.
6. As obrigações do Banco perante os Clientes, nomeadamente as decorrentes da intervenção na preparação e subscrição do contrato de mútuo e contrato de seguro ao tempo do BANIF, porque agregadas aos contratos que foram transmitidos a favor do Banco Santander, mantêm-se.
7. O Banco Santander admitiu a validade do contrato de mutuo em litigio, bem como as garantias associadas, que foram celebrados entre a A. e marido e o então BANIF e Açoreana.
8. A situação em análise integra a excepção (A) contida na sub alínea (xii), da alínea (b) do Anexo 3, tais como (relativamente às “responsabilidades não conhecidas”) as que respeitem às áreas de negócio, activos, direitos ou responsabilidades transferidas para o adquirente em resultado da presente deliberação e (B) bem como das que sejam constituídas pelo BANIF em resultado da sua normal actividade bancária.
9. O contrato de mútuo e garantias associadas – contrato de seguro – transmitido para o Banco Santander ao abrigo da Medida de Resolução fazem parte da “normal actividade bancária do BANIF”, por se tratar de concessão de crédito remunerado e da venda dos seguros associados aos mútuos nos seus balcões.
10. As excepções atrás mencionadas, significam a transmissão para o Banco Santander do contrato de mútuo da recorrente, bem como do contrato de seguro onde passa a ser o beneficiário, por associado ao activo adquirido.
11. O Banco Santander sempre aceitou o pagamento das prestações hipotecárias devidas pelo referido contrato de mútuo e não denunciou a transmissão da posição do anterior mutuante.
12. Comportamento esse que configura a vinculação do Banco Santander nos mesmos termos e efeitos que os contratos foram celebrados com os mutuantes, aqui recorrente e o então marido.
13. A actividade bancária do BANIF subjaz ao contrato transmitido, donde quer as negociações pré-contratuais que levaram à celebração do mútuo, quer as negociações da contratação do seguro de vida, feitas exclusivamente por causa do contrato de mútuo, se mantêm integradas no negócio transmitido.
14. Realça não poder a recorrente defender-se de negócios estabelecidos entre instituições poderosas, que excluem unilateralmente os mais indefesos dos seus direitos.
15. Deve ser alterado o conteúdo do FACTO PROVADO 9, aditando-se no final “excepção essa que opera nos presentes autos por se tratar de um crédito constituído pelo BANIF em resultado da sua normal actividade bancária” .
16. A decisão recorrida violou o disposto nos artºs 576º e 577 CPC, e fez errada interpretação do conteúdo das medidas de resolução do Banco de Portugal.
17. Revogando-se, em consequência, a decisão na medida em que o Banco Santander é parte legitima nos presentes autos.
18. A sentença sustenta que o regime especificamente previsto pelo DL. 176/95, de 26/07 para o contrato de seguro afasta a aplicabilidade do regime das Cláusulas Contratuais Gerais (CCG), definido pelo Dec. Lei 446/85, de 25/10, no que é incompatível com aquele, o que constitui errada aplicação e interpretação do direito.
19. O ónus de prova sobre quem tem a responsabilidade de informar e explicar aos segurados o conteúdo das cláusulas do contrato de seguro nunca recai sobre aqueles, mas antes sobre as entidades que elaboraram e fazem prevalecer a seu favor o conteúdo das cláusulas.
20. É falso que, por o Banco intervir como mero “intermediário” da seguradora na celebração do contrato de seguro, e sobre ele recair o dever de informação e comunicação do seu clausulado daquele contrato de seguro aos segurados, o incumprimento deste dever não ser oponível à seguradora.
21. Sobre a natureza do contrato de seguro em apreço: O contrato de seguro é também um negócio jurídico, em regra, celebrado pela simples adesão do segurado a um conjunto de cláusulas gerais, tal como o foi o contrato de seguro em análise (Moutinho de Almeida) e
22. uma característica central do contrato de seguro é ele ser considerado um contrato de adesão: porque uma das partes se limita a aderir aos termos que lhe são propostos, não ajustando as partes todos os pontos do contrato (…) Os contratos de adesão são aqueles cujas cláusulas contratuais gerais foram elaboradas sem prévia negociação individual, e que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a subscrever ou aceitar (José Vasques)
23. Donde, as condições do contrato de seguro, pré-elaboradas e destinadas a ser adotadas por interessados indeterminados – contrato de adesão -, não deixam de ser cláusulas contratuais gerais, e, como tal, estão submetidas aos ditames do DL n.º 446/85, de 16-10, beneficiando deste regime a ora recorrente.
24. E nessa medida rege o artº 5º do Dec. Lei 466/85, sendo ónus de prova de cumprimento do dever de informação das cláusulas contratuais do seguro não só o tomador do seguro, mas também a seguradora.
25. A informação e comunicação das cláusulas contratuais, nomeadamente a referente a cobertura de situações de invalidez ou incapacidade para o trabalho, é um ónus que recai sobre a seguradora e tomador do seguro, não cabendo à aqui autora fazer prova do contrário.
26. Acresce que qualquer erro/lapso/falha do tomador de seguro na comunicação das cláusulas é um assunto que terá de ser dirimido no âmbito das relações entre as outras partes deste triangulo – Seguradora e Banco.
27. A sentença errou ao afastar a seguradora dessa responsabilidade, deixando a cargo da recorrente um ónus de prova que não lhe compete.
28. Jurisprudência invocada nas alegações diz ainda ser irrelevante não estar o Banco Tomador em processos onde se dirime esta matéria, atento que a responsabilidade daquele não é exclusiva nem afasta a responsabilidade da seguradora.
29. Neste sentido o Acórdão 27/10.4T2AND.C1 da Relação de Coimbra, de 09.01.2012, o qual invoca em fundamentação inúmeros outros acórdãos, sendo desnecessário a sua parcial transcrição nestas conclusões.
30. Realçando que a interpretação das normas respeitantes aos Contratos de Seguro, nomeadamente o artº 4º, nº 1 do Dec. Lei 176/95, é no sentido de os segurados, pessoas indefesas e não participativas entre os negócios firmados entre a Banca e as Seguradoras, porque alheios à equação plasmada, não lhes ser oponível, antes se trata de preceito a ser dirimido entre aquelas duas entidades.
31. Ou seja, em caso de falta de informação aos segurados do clausulado contratado por parte do tomador de seguro, a seguradora é chamada a pagar o empréstimo pelo capital garantido, sem prejuízo de reembolso pelo incumprimento do Banco nas suas obrigações de informação.
32. Não pode é o segurado ser prejudicado pelas omissões destas entidades, excluindo-se a Seguradora, que elaborou o conteúdo do contrato ao qual aderiu, por acto omissivo da parte triangular desta equação, e que é o Tomador do seguro.
33. Tal como o fez a sentença recorrida.
34. O banco age como intermediário das seguradoras, no âmbito do fenómeno que designou de “bancassurance” e que se define como ligação e colaboração entre Bancos e Companhias de Seguros.
35. Em conclusão, a falta do cumprimento da obrigação de informação sobre o conteúdo do contrato de seguro, nomeadamente as suas obrigações, garantias e excepções, deve ser uma questão dirimida entre a seguradora e o tomador do seguro que incumpriu essa obrigação.
36. Pelo que a sentença errou ao entender não ser oponível à seguradora o incumprimento verificado por parte do Banco Tomador do seguro na comunicação eficaz e compreensível aos segurados do conteúdo do contrato de
seguro celebrado.
37. O Dec. Lei 446/85 é, assim, indubitavelmente aplicável aos contratos de seguro, e ao contrato em discussão nos presentes autos, violando a sentença em crise os dispositivos legais contidos nos artºs 1, 5º, 8º, e 9º do Dec. Lei 446/85, artº 227º CC, artº 4º Dec. Lei 176/95.
38. Razão pela qual a sentença deve ser revogada também sobre esta matéria, com a necessária responsabilidade da Generali Seguros a responder pelos danos que a falta de conhecimento das coberturas do seguro causaram à A., ora recorrente.
39. Sem conceder, apesar de a sentença ter reconhecido como facto provado que a recorrente e seu marido estavam convencidos que o seguro contratado apenas poderia ser accionado em caso de morte de um deles Facto Provado 18 (o que prova não terem efectivo conhecimento das suas coberturas) fez errada apreciação da matéria de facto provada, nomeadamente a prestada através de depoimento de parte e do depoimento da testemunha M, colocando como factos não provados não ter sido explicado o conteúdo e condições de
contrato, quando essa matéria foi provada pela recorrente (apesar de não ter esse ónus).
40. A única pessoa que interveio no momento da celebração do seguro e que se apresentou no Tribunal foi a A, ora recorrente.
41. O Banco Santander não arrolou como testemunha a funcionária do BANIF que terá, na altura, apresentado à recorrente os papeis do seguro a assinar, não competindo à recorrente (nem ela teria condições de o fazer) saber do seu paradeiro.
42. A operação de contratação de seguro da Açoreana através do BANIF configura manifesta operação de bancassurance, salientando-se o cabeçalho do documento 13 da PI, à esquerda, os dizeres “Boletim de Adesão de Seguro de Grupo” “Crédito à Habitação BANIF Ramo Vida” e à direita do documento, o símbolo da Açoreana bem como os dizeres “AÇOREANA Seguros.
43. O Tribunal a quo faz uma interpretação errada e infundada sobre a “liberdade” de contratação de seguro de vida em qualquer outra seguradora, conforme se refere para fundamentar o facto não provado a), b) e c) uma vez que a mera alusão à obrigação de contrato de seguro vida, feita na escritura notarial de mutuo sem indicar a Companhia de Seguros (texto pré-preparado pelo Banco), ocorre numa data em que já havia sido assinado a proposta que lhes foi apresentada no balcão.
44. Para além do mais, é abusiva a imputação de responsabilidade feita à recorrente, por ser fisioterapeuta, e ser-lhe exigível ter outro comportamento, solicitando os esclarecimentos que as propostas de seguro lhe suscitassem.
45. É do conhecimento público que, invariavelmente, os documentos a assinar no momento da preparação do empréstimo, onde se inclui a proposta de seguro, contêm expressões tais como “tomei conhecimento das clausulas e concordo” quando os signatários não tomaram nenhum conhecimento, de nada foram informados, mas aderem de boa fé para o assunto prosseguir os seus trâmites.
46. Do depoimento prestado pela recorrente, conjugado com as declarações da testemunha, funcionária do Banco Santander, prova-se a ausência total de conhecimento por parte da recorrente das Condições e garantias do contrato de seguro, desconhecimento esse apenas decorrente da falta de informação sobre o conteúdo do contrato de seguro, e falta de entrega de cópia das CCG e Particulares.
47. A credibilidade que as declarações de parte da recorrente deveria ter merecido outra consideração por parte do Tribunal, atento a sua intervenção directa no caso, e a seriedade de carácter reconhecida pela testemunha M.
48. Renova-se, através da doutrina e jurisprudência invocada nas alegações, e parcialmente transcrita, a responsabilidade da seguradora nesta matéria de comunicação do clausulado contratado.
49. A título de exemplo:
A falta de dever de informação reflecte-se no próprio contrato de adesão, na sua conexão com a seguradora, afetando a falta de informação a relação jurídica entre segurador-tomador de seguro, entre segurado-seguradora ou ente tomador de seguro-seguradora (eventual direito de regresso) não deixando a seguradora de
responder perante o segurado pela ausência dessa informação por parte do tomador do seguro
50. O descrédito plasmado na sentença, sobre a postura da recorrente, ao não ter suscitado junto do Banco explicações sobre a proposta de seguro que estava a assinar é totalmente abusiva e incorrecta. Na altura a recorrente era solteira com 26 anos, nunca antes tinha feito negócios dessa natureza, e a situação profissional e académica referenciada na sentença diz respeito ao presente.
51. Mostra-se provado ter sido a testemunha e funcionária do Banco Santander quem alertou a recorrente que deveria acionar o seguro de vida, por este também contemplar casos de incapacidade absoluta para o trabalho – Facto Provado 23.
52. Donde se pode discernir a ausência de conhecimento da garantia recair também sobre invalidez permanente, ausência essa que apenas decorre da falta de comunicação das condições contratadas.
53. Mais! O BANIF, através da funcionária com quem a recorrente tratava a gestão da sua conta, Srª Dª C, sabia da situação de invalidez total para o trabalho do marido, tendo esta, inclusive, ajudado a recorrente na atribuição de um cartão limitado para aquele.
54. Aquela funcionária nunca alertou a recorrente sobre as garantias do seguro incluir a cobertura de invalidez, mas apenas a cobertura de morte.
55. Este comportamento por parte do Banco mutuante configura a manutenção de omissão de responsabilidades de informações essenciais para com os segurados, mantendo a recorrente e marido num empréstimo oneroso e lucrativo para o Banco, mas bem sabendo que através do seguro de vida (por incluir invalidez) aqueles poderiam antecipar o pagamento do empréstimo na íntegra.
56. Os depoimentos transcritos são suficientes, por si só, para contrariar motivação da prova integrada nos factos não provados, nomeadamente as declarações de parte, que se revela, globalmente, com coerência, contextualizando espontaneamente os assuntos questionados, com reprodução de conversas e com segurança no declarado.
57. O depoimento da testemunha M confirma as diligências feitas para obtenção da apólice e CCG, e a sua inexistência no processo de empréstimo na agência do BANIF de Algés.
58. A inexistência desses documentos não seria razoável ocorrer na pasta do empréstimo, se os documentos tivessem feito parte do acto de informação do seu clausulado e entrega de cópia aos proponentes.
59. O que nunca foi feito nem as RR. lograram fazer qualquer prova sobre esta matéria.
60. Deve ser alterada a matéria de facto não provada, nomeadamente as alíneas a), b), c) e n) da sentença, e o seu conteúdo aditado nos FACTOS PROVADOS
61. Sobre o conhecimento por parte do Banco da situação de incapacidade absoluta do marido da recorrente também a sentença fez errada apreciação da matéria de facto provada, incluindo essa matéria nas alíneas d) e e), quando abunda prova positiva a ser incluída nos factos provados.
62. As declarações de parte da recorrente, sabendo identificar o nome da funcionária que lhe tratava dos assuntos na agência do BANIF, a quem confidenciava as suas dificuldades, a doença grave do marido, o facto de este não ter capacidade para o trabalho, e aquela apenas a “sossegar” com a possibilidade de acionar o seguro em caso de morte daquele.
63. Para além das suas declarações, atrás transcritas, a funcionária M confirma ter-lhe sido dado conhecimento da situação clinica do marido da recorrente, que advertiu ser uma situação com cobertura do seguro de vida, desencadeando a participação à Seguradora.
64. Esta testemunha disse mesmo que, das conversas que teve com a recorrente, concluiu que esta “não tinha tido informação nenhuma destas antes, por isso acho que ninguém falou, ninguém ajudou e ninguém alertou para as possíveis alternativas …”
65. O que confirma o alegado pela recorrente, de total desconhecimento das cláusulas contratuais do contrato de seguro celebrado, por nunca lhas terem sido transmitidas ou mesmo entregues em papel, devendo concluir-se pela veracidade das suas declarações quando afirma que apenas lhe foi posto à frente uma proposta de seguro para assinar, sem leitura do documento ou explicação da apólice que haveria de ser contratada.
66. Os factos constantes da prova não provada das alíneas d) e e) – i) e j) devem passar a estar incluídos nos FACTOS PROVADOS.
67. E manifesto erro de apreciação de prova, o Tribunal a quo deu por não provado os contactos feitos telefonicamente pela recorrente à seguradora, para se informar do andamento do assunto de seu marido.
68. Na apreciação das declarações de parte o Tribunal não pode, de per si, desvalorizar as mesmas apenas pela circunstância de esta ter interesse na causa. para desvalorizar as suas declarações.
69. O histórico de doença incapacitante para o trabalho por parte de seu marido remonta ao ano de 2014, e apenas em 2017, por mero acaso e providência, a testemunha M lhe dá a conhecer, pela primeira, a saída de participação de sinistro por se configurar existir uma invalidez que resgata o pagamento do empréstimo.
70. É do maior senso comum que a partir de então a recorrente tenha feito tudo ao seu alcance, mesmo através de meios verbais, para insistir com a seguradora para a conclusão da participação de sinistro.
71. Provado está que a Seguradora teve um comportamento desleal, de pouco zelo e prejudicial à segurada, arrastando deliberadamente a conclusão do processo de resgate desde, pelo menos, Setembro de 2017 até ao falecimento do segurado J.
72. Mais! A única comunicação da Seguradora a dar resposta ao sinistro participado foi o envio de uma carta simples para consulta de avaliação, carta essa que agenda consulta para 10 de Abril 2018, mas que apenas foi recepcionada a 13 de Abril 2018.
73. Não está provado que a carta tenha sido remetida a 28 Março (data inscrita no documento 10 da PI) – atente-se o comportamento de gestão do processo de forma demorada e negligente - sendo totalmente credível que a recorrente se tenha manifestado junto da Seguradora reportando o lapso destas.
74. Contudo, não mais a Seguradora se interessou pelo caso, nunca mais foi agendada consulta, como se aguardasse pelo falecimento do segurado, que veio a ocorrer a 19 Novembro 2018.
75. De forma censurável, por desfavorável à parte mais fraca e indefesa neste triangulo contratual, o Tribunal não dá o benefício à recorrente relativamente às declarações prestadas sobre esta matéria, quando todos os factos convergem para a sua veracidade, e todos os factos convergem para um comportamento relapso, negligente e pouco zeloso por parte da Seguradora.
76. Nas alegações foi transcrito vária doutrina e jurisprudência que indica o caminho para a valorização e descrédito das declarações de parte.
77. Não se deve, à partida, afastar a declaração prestada pela parte, apenas pela simples razão de que é parte.
78. A Seguradora não alegou nem trouxe aos autos quaisquer prova de ter diligenciado, com boa fé e zelo sobre a participação de sinistro efectuada por várias vezes no ano de 2017 (e-mail do Banco Santander, participação de sinistro em Sintra e em Lisboa), o que, contrapondo as declarações da recorrente de várias insistências junto daquela, com sistemática resposta de “está em análise” (e quem não ouve tal resposta junto deste tipo de instituições) as torna totalmente lógicas e credíveis e constitui o único modo de alcançar a verdade material do ocorrido, coadjuvadas com a exposição feita pela testemunha M.
79. Razão pela qual a alínea k) dos factos não provados deve ser alterada para FACTOS PROVADOS, admitindo-se a alteração do seu conteúdo no sentido de “a autora fez inúmeras chamadas para a seguradora, em datas não totalmente apuradas, no ano de 2018, para saber do andamento da participação do sinistro e informar da extemporaneidade da carta de marcação de consulta recepcionada a 13 de Abril, apesar de datada de 10 de Abril, não tendo recebido por parte da seguradora qualquer resposta”.
80. E, relativamente à recepção da carta de agendamento de consulta a 13 Abril 2018, deve ser alterada a matéria constante no facto não provado l) para FACTO PROVADO, pois todo o comportamento da Seguradora na gestão do processo do segurado manifesta ser contrário a uma conduta leal e diligente.
81. Acresce que este comportamento deu origem a que o sinistrado não fosse avaliado, o que apenas ocorreu por comportamento negligente da Seguradora.
82. Acresce que o clausulado relativo ao procedimento de avaliação por invalidez era do desconhecimento dos segurados, pelo que a seguradora não pode dele valer-se.
83. Está nos autos atestado multiuso com uma incapacidade absoluta para o trabalho de 80%, devendo este documento ser apreciado à luz das regras de prova processualmente admitidas.
84. No caso, o Tribunal deve assentar a existência de uma incapacidade para o trabalho através do Atestado Multiusos, e decidir a responsabilidade da seguradora no pagamento de empréstimo desde a sua verificação, pois que a falta de participação deste incapacidade apenas decorreu do desconhecimento desta cobertura existir no contrato de vida.
85. Abundam nos autos documentos respeitantes ao valor da prestação hipotecária entre 2014 e 2019, seja por junção da própria recorrente, seja os que foram posteriormente juntos pela Ré Seguradora – doc. 14 da contestação da Generali Seguros – e pelo R. Banco Santander - doc. 1 e 2 do requerimento de 15/7/2022 com a refª 42881921.
86. Mas também os documentos junto pela recorrente na sua PI comprovam o pagamento das quantias descritas nas alíneas u) v) w) e x dos factos não provados.
87. Diz a sentença: Há “ausência de prova” e declarações “vagas” por parte da autora, sem encontrar respaldo em qualquer outra fonte
88. O que manifestamente constitui erro de apreciação da prova e merece correcção, com os factos não provados u), v), w) e x) a serem integrados nos FACTOS PROVADOS.
89. Por fim, e relativamente aos danos morais sofridos pela recorrente, os mesmos manifestamente se mostram estar provados.
90. Não seria sequer necessário prova testemunhal para o alcance de uma situação stressante para a recorrente, pela total ausência de colaboração da Generali Seguros, desde, pelo menos, 2017 até ao fecho do assunto com o pagamento do empréstimo ao Banco, a requerer a intervenção de advogado para que, finalmente, fossem entregues as CCG da apólice e finalmente regularizada a situação mutuária no Banco Santander.
91. Os factos não provados constantes das alíneas q), r) e s) devem ser eliminados dos factos não provados e integrados nos FACTOS PROVADOS.
92. E nessa medida, ser arbitrada à recorrente indemnização por danos morais, calculados segundo a equidade, por aplicação do artº 496º, nº 1 CC, o qual se mostra violado, por não aplicado, na sentença em crise.
93. A sentença recorrida violou ainda os dispositivos artºs 1, 5º, 8º, e 9º do Dec. Lei 446/85, artº 227º CC, artº 4º do Dec. Lei 176/95 e dispositivo idêntico da Lei 72/2008, os dispositivos do artº 466º, 576º e 577º CPC, fez errada apreciação da prova documental dos autos, nomeadamente a relativa à legitimidade do Banco Santander.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, DEVE SER JULGADO PROVADA E PROCEDENTE A PRESENTE APELAÇÃO, REVOGANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA NOS TERMOS ATRÁS EXPOSTOS, COM O QUE SE FARÁ JUSTIÇA”.
As Rés apresentaram Contra-Alegações:
- afirmando a Generali se conforma com a Sentença, não encontrando nela referida qualquer vício, entendendo não ser de retirar conclusões diversas da matéria de facto dada como provada, concordando integralmente com a aplicação do Direito ao caso em apreço.
- culminando-as o Banco Santander, com as seguintes Conclusões:
“1) Veio a Recorrente interpor recurso da sentença que determinou a ação interposta pela mesma parcialmente improcedente e, em consequência – e no que releva para a aqui Recorrida – absolver o Banco Santander Totta, S.A, dos pedidos formulados contra o mesmo.
2) Para o efeito, a Recorrente requer a alteração do conteúdo do facto provado 9, aditando-se no final “excepção essa que opera nos presentes autos por não se tratar de um crédito constituídopelo BANIF em resultado da sua normal actividade bancária”, por alegada violação do disposto nos artigos 576.º e 577.º, al. e) do CPC, devendo a decisão proferida ser revogada e ser a Recorrida responsabilizada.
3) Não obstante, certo é que a douta sentença do Tribunal a quo não merece qualquer reparo, sendo certo que, nenhuma falha ou falta de fundamentação se pode apontar à sentença recorrida.
4) Razão pela qual, deve a douta sentença manter-se in totum.
5) Ora, na verdade, a real e efetiva pretensão da Recorrente, é responsabilizar a Recorrida pela alegada violação dos deveres de informação pré-contratuais.
6) No entanto, qualquer eventual responsabilidade da aqui Recorrida neste campo, será, desde logo, afastada pelos limites da medida de resolução a que o BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A (doravante BANIF) foi sujeito em dezembro de 2015.
7) Em primeira instância, cumpre referir que a Recorrente imputa à Recorrida a responsabilidade pelo desconhecimento da mesma do teor do contrato de seguro celebrado em 2008, aquando a contratação do mútuo com o BANIF, pelo que carece de qualquer fundamento a tentativa de responsabilização em que a mesma e o seu marido assumiram a qualidade de parte.
8) Afirma a Recorrente que “o Banco Santander não logrou apresentar facto ou argumento que aponte no sentido da exclusão da sua responsabilidade e legitimidade nestes autos, não se vislumbrando que a mesma incluía na alínea b) do n.º 3 do Anexo 3”,
9) O que evidencia uma total confusão da Recorrente entre contrato de mútuo e o contrato de seguro associado, os quais são contratos distintos e, para este efeito, não se poderão confundir.
10) No contrato de seguro em causa, a Recorrida figurava como tomador, pelo que sobre ela se impunha, nos termos legais, o dever de informação das condições do contrato – dever que se entende que não era exclusivamente do Banco mas também da Seguradora. E tal dever não se inclui nas obrigações e deveres decorrentes do contrato de mútuo, esses sim transferidos para a Recorrida.
11) Em virtude da medida de resolução prevista na al. a) do n.º 1, do artigo 145.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, a que o BANIF foi submetido por via das Deliberações do Banco de Portugal, foram aplicadas certas medidas, entre elas (i) Venda de parte dos ativos e passivos do BANIF – BANCO INTERNACIONAL DO FUNCHAL, S.A. ao Banco Santander Totta, S.A.; (ii) Transferência de alguns ativos e passivos do BANIF – BANCO INTERNACIONAL DO FUNCHAL, S.A. para um veículo de gestão de ativos especialmente criado para o efeito, denominado, à data Naviget, S.A.1; (iii) Mantendo-se na esfera jurídica do BANIF – BANCO INTERNACIONAL DO FUNCHAL, S.A. de outra parte dos ativos e passivos.
12) O BANIF não foi alvo de fusão com a ora Recorrida, pelo que não existiu a transferência global do património daquela entidade, nem das responsabilidades a ele associadas, para a mesma.
13) Assim, os ativos e passivos que, de acordo com as deliberações do Banco de Portugal, foram adquiridos pela ora Recorrida são, exclusivamente, os constantes do Anexo 3 da Deliberação de 20 de dezembro de 2015, 23h30, com as clarificações introduzidas pela Deliberação de 07.01.2017.
14) No caso em apreço, estando em causa a responsabilidade imputada ao BANIF por alegada violação dos deveres de informação pré-contratuais aquando da celebração de contrato de seguro entre a Recorrente e a Recorrida, importa apurar se decorre do Anexo 3 da Deliberação de 20 de dezembro de 2015, 23h30, a transferência de tal responsabilidade para a Recorrida ou, pelo contrário, a sua exclusão.
15) Desde logo, refira-se que só foram objeto de transferência para a Recorrida os “ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BANIF, que estivessem registados da contabilidade”, de acordo com o n.º 1 do referido Anexo 3, sem prejuízo das exclusões referidasnas alíneas a) e b) desse mesmo número.
16) Contrariamente ao que a Recorrente defende, – que a situação em apreço integraria a exceção contida na sub alínea (xii), da alínea b) do Anexo 3 – o citado supra, bem se compreende, dado que, em termos simplistas, a Recorrida só poderia aceitar receber na sua esfera jurídica os ativos e passivos conhecidos, sendo que tal conhecimento provinha dos registos contabilísticos.
17) Assim, é certo que o contrato de mútuo celebrado representa, de facto, um ativo do BANIF, na medida em que se trata de um crédito sobre os mutuários e, como tal, se encontra refletido na contabilidade – pelo que foi transferido para a esfera jurídica da Recorrida,
18) motivo pelo qual, a partir da data da transferência, passou a Recorrida a receber dos mutuários o pagamento das prestações de crédito, sendo o beneficiário da garantia hipotecária associada ao contrato, bem como do contrato seguro,
19) Todavia, o mesmo não sucedeu com as responsabilidades decorrentes da contratação de produtos seguradores aos balcões do BANIF.
20) Assim, bem andou o Tribunal a quo, quando refere que sendo a causa de pedir nos presentes autos um contrato de seguro do ramo vida, as respetivas responsabilidades decorrentes da contratação de produtos seguradores aos balcões do BANIF não foram alvo de transferência operada por via das deliberações supra citadas.
21) Não sendo passível de registo contabilístico, pelo que se encontra afastada do leque de direitos e obrigações transferidos para a esfera jurídica da Recorrida.
22) Da interpretação rigorosa e clara da norma, tais eventuais responsabilidades não conhecidas, não tinha a Recorrida forma de tomar conhecimento de que lhe pudesse advir qualquer responsabilidade da celebração do contrato de seguro de vida celebrado em 2008 com agência do BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A.
23) Mais defende a Recorrente que o contrato mútuo e garantias associadas transmitidas para a Recorrida, ao abrigo da Medida de Resolução fazem parte da “normal atividade bancária do BANIF”, pois se trará de concessão de crédito remunerado e da venda dos seguros associados aos mútuos nos seus balcões.
24) Porém, salvo melhor entendimento, e com o devido respeito, tal pretensão não pode proceder por completa insipiência na interpretação do diploma em consideração.
25) As responsabilidades invocadas no caso concreto encontram acolhimento na exceção prevista na disposição citada, com a redação decorrente da Deliberação do Banco de Portugal de 04.01.2017, porquanto a intermediação na celebração de contratos de seguro não configura a normal atividade bancária do BANIF, nem tão pouco respeita às áreas de negócio e responsabilidades transferidas para o adquirente.
26) Pois, estão expressamente excluídas da transferência para a esfera jurídica da Recorrida as responsabilidades não conhecidas, o que, uma vez mais, e por reporte ao caso concreto, bem se compreende que assim seja, na medida em que o mesmo não tinha forma de tomar conhecimento de que pudesse advir qualquer responsabilidade do ato de intermediação da celebração do contrato de seguro de vida.
27) Acresce que, alcança-se idêntica conclusão por via do disposto no n.º 3, al. b) do referido Anexo 3, disposição que, juntamento com o n.º 4, constitui uma ressalva ao estabelecido no n.º 1.
28) Com o efeito, nos termos do no n.º 3, al. b) do Anexo 3, encontra-se expressamente excluída a transferência de acordos de distribuição pelo BANIF de quaisquer produtos seguradores.
29) Termos em que, mesmo que se entenda que a atividade de intermediação da celebração do contrato de seguro estivesse sustentada em qualquer acordo celebrado entre o BANIF e a seguradora, tal acordo não seria objeto de transferência para a Recorrida.
30) Consequentemente, e por maioria de razão, não assumindo a Recorrida a posição do BANIF em tais acordos de distribuição, também não poderá receber na sua esfera jurídica eventuais responsabilidades perante terceiros derivadas de atos materiais de execução desses acordos que hajam sido praticados pelo BANIF.
31) Em conformidade, e sumariamente:
32) não obstante o contrato de mútuo e os direitos, responsabilidades e garantias a ele associadas terem sido transferidos do BANIF para a esfera jurídica da Recorrida, a mesma não sucedeu com as responsabilidades contingentes associadas à celebração do contrato de seguro de vida.
33) da leitura destas várias exclusões decorre que há um denominador comum que permite interpretar a vontade do declarante – pretendeu-se excluir todas as responsabilidades contratuais ou extracontratuais não conhecidas, designadamente as eventuais responsabilidades relacionadas com a celebração de negócios e comercialização de produtos por parte do BANIF.
34) a transmissão das obrigações e do ativo do BANIF para a Recorrida verificou-se por força da deliberação do Banco de Portugal identificada, não sendo necessário qualquer outro elemento probatório que o demonstre para que tal deliberação possa produzir efeitos, conforme decorre do n.º 8 do artigo 145.º-N do RGICSF.
35) se no exercício da atividade do BANIF enquanto intermediário de seguros houve deveres legais, regulamentares ou outros que o mesmo não cumpriu ou não observou rigorosamente, essa responsabilidade pessoal do intermediário de seguros está materialmente excluída da medida de resolução, pelo que nem sequer seria necessário que a mesma expressamente previsse tal exclusão.
36) Como terceiro em relação ao BANIF (e porque não houve qualquer fusão ou incorporação dos Bancos, conforme já supra referido), a Recorrida nunca poderia assumir qualquer responsabilidade desta natureza.
37) Reitera-se que a medida de resolução, enquanto ato administrativo, consistiu na compra de ativos e passivos do BANIF, com base em valores resultantes de um processo negocial desencadeado pelo Banco de Portugal, não gerando qualquer transferência de responsabilidade civil contratual ou extracontratual contingente.
38) No que concerne ao caso em apreço, a ora Recorrida apenas adquiriu um crédito à habitação que era anteriormente titulado pelo BANIF.
39) Desse contrato de crédito não faz parte o contrato de seguro, que apenas dele é uma mera garantia.
40) Pelo que, uma eventual violação de deveres legais, regulamentares e outros relacionados com a contratação de tal seguro não pode, em caso algum, considerar-se transferida pela medida de resolução, quer pela sua natureza, quer por expressamente constar das exclusões, designadamente do anexo 3, n.º 1, b) ponto vii).
41) Sem prejuízo do exposto, afirmação a Recorrente de que “qualquer outro entendimento contrário sobre a matéria supra citada é potencialmente lesivo dos direitos de terceiros, não se podendo aplicar tais exceções”.
42) Todavia, não se vislumbra onde a interpretação e decisão prolatada pelo Tribunal a quo – uma vez que em entendimento contrário do da Recorrente – lese os direitos desta e de terceiros, constitucionalmente garantidos, outros quaisquer direitos.
43) Aliás, é bom referir que a Recorrente nem sequer se deu ao cuidado de explicitar ou concretizar em que se consubstancia essa pretensa lesão que invoca dos seus direitos constitucionais.
44) Motivo pelo qual deverá a sentença recorrida manter-se in totum, não merecendo qualquer reparo ou censura.
NESTES TERMOS e nos demais de Direito, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá ser confirmada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, nos seus precisos termos, julgando-se orecurso totalmente improcedente, só assim sefazendo a tão costumada Justiça!”.
** Questões a Decidir
São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do Tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na Petição Inicial, como refere, Abrantes Geraldes[4]), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso. In casu, e na decorrência das Conclusões dos Recorrentes, importará verificar:
I – da correcção da decisão que absolveu do pedido a Ré Banco Santander, por ilegitimidade substantiva ou material;
II – da necessidade de aditar ao Facto 9 a expressão “excepção essa que opera nos presentes autos por se tratar de um crédito constituído pelo BANIF em resultado da sua normal actividade bancária”;
III – da necessidade de passar os factos não provados a), b), c), d) e e), i) e j), e n), para Factos Provados;
IV – da necessidade de passar o facto não provado k), para Facto Provado, com a seguinte redacção “a autora fez inúmeras chamadas para a seguradora, em datas não totalmente apuradas, no ano de 2018, para saber do andamento da participação do sinistro e informar da extemporaneidade da carta de marcação de consulta recepcionada a 13 de Abril, apesar de datada de 10 de Abril, não tendo recebido por parte da seguradora qualquer resposta”;
V – da necessidade de passar o facto não provado l) para Provado;
VI – da necessidade de considerar pagas as quantias descritas nos factos não provados u) v) w) e x ) e, como tal, passá-los a Provados;
VII – da necessidade de passar os factos não provados q), r) e s) para Provados;
II – se a acção se mostra correctamente decidida em função da factualidade apurada, nomeadamente no que respeita o ónus da prova quanto à informação e comunicação das cláusulas contratuais (nomeadamente a referente a cobertura de situações de invalidez ou incapacidade para o trabalho) e ao afastamento da responsabilidade a seguradora dessa responsabilidade; bem como ao que respeita à indemnização por danos não patrimoniais.
**
Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir. * Fundamentação de Facto
O Tribunal considerou provada a seguinte factualidade:
1) A Autora Efoi casada com J.
2) J faleceu no dia 19 de Novembro de 2018, no estado de casado com a Autora E, tendo deixado como únicos e universais herdeiros E e M, respetivamente cônjuge e filha.
3) A 18 Novembro 2008, J e a Autora E, ainda no estado de solteiros, celebraram escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca no Cartório Notarial a cargo da Notária S, no Largo…, --, nos termos da qual adquiriram por compra a fracção autónoma designada pela letra “U”, correspondente ao 2.º andar esquerdo….
4) Na decorrência da aquisição descrita em 3), J e a Autora E contraíram empréstimo no valor de €156.160, junto do então BANIF - Banco Internacional do Funchal, SA., empréstimo esse que lhes foi concedido nos termos e nas condições que melhor constam do Documento Complementar da Escritura que aqui se dá por integralmente reproduzido.
5) Nos termos da escritura notarial referida em 3) e 4), e para garantia do bom pagamento do referido empréstimo, os ali compradores J e E constituíram a favor do Banco BANIF hipoteca sobre a fracção autónoma adquirida, pelo valor máximo de €217.218,56, garantia essa que por via da transmissão de crédito operada a favor da 2.ª R., passou a estar inscrita e registada a seu favor, pela Ap. 322 de 2018/05/29.
6) Faz parte integrante da escritura notarial identificada em 3) e 4), o Documento Complementar que constitui os termos do Contrato de Empréstimo entre os mutuários e o Banco BANIF, onde, para além do mais, se estipulou na Cláusula Décima que os mutuários se obrigavam “… b) a contratar um seguro de vida e um seguro multirriscos do bem hipotecado em Companhia Seguradora idónea, pelas importâncias que o Banif indicar, e em que o mesmo figure nas apólices como beneficiário e/ou parte interessada”.
7) Na decorrência do descrito em 6), J e a Autora E assinaram um denominado “contrato de seguro do ramo vida”, pelo capital seguro contratado de €156.160, com a então Açoreana Seguros, cujos beneficiários seriam, primeiramente, a Instituição Bancária mutuante até ao limite do capital mutuado em dívida, e ainda os herdeiros em caso de verificação da existência de remanescente.
8) Entretanto, a designação da Açoreana Seguros foi alterada de "Companhia de Seguros Açoreana, S.A." para "Açoreana Seguros, S.A." e, em 30.12.2016, para “Seguradoras Unidas, S.A.”, em resultado da fusão por transferência global do património da “Açoreana Seguros, S.A." para a “Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A.”, e simultânea alteração da firma da sociedade para “Seguradoras Unidas, S.A.” e, posteriormente, em 01.10.2020, esta última sociedade incorporou por fusão, com a transferência global do património, a Generali - Companhia De Seguros, S.A. e Generali Vida-Companhia De Seguros S.A., a qual, por sua vez, alterou, em 02.10.2020, a sua denominação social para “Generali Seguros, S.A.”. conforme inscrições 33, 47 e 48 - datadas de 30.12.2016.
9) O assunto respeitante ao seguro de vida foi tratado em agência do extinto BANIF Banco Internacional do Funchal, S.A. (posto que, em 20/12/2015 o Banco de Portugal deliberou “alienar ao Banco Santander Totta, S.A., os direitos e obrigações, que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão, do BANIF – BANCO INTERNACIONAL DO FUNCHAL, S.A., constantes do Anexo 3 à presente deliberação, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 145.º-M do RGISCF” (cfr. alínea d) da deliberação de resolução das 23h30m1 ), incluindo, as responsabilidades “que respeitem às áreas de negócio, ativos, direitos ou responsabilidades transferidos para o adquirente em resultado da presente deliberação”, só tendo sido objeto de transferência para o 2.º Réu os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do BANIF Banco Internacional do Funchal, S.A. que estivessem registados da contabilidade, de acordo com o n.º 1 do Anexo 3, e sem prejuízo das exclusões referidas nas alíneas a) e b) desse mesmo número).
10) A 23/07/2008, a Ré Seguradora recebeu do então BANIF-Banco Internacional do Funchal, S.A., na qualidade de Tomador do seguro de grupo n.º 14/1704 um “boletim de adesão” (proposta de adesão) ao seguro de vida, preenchido e subscrito pela Autora e J.
11) Com a proposta de adesão ao seguro de grupo do ramo vida, cuja Apólice tinha o n.º 14/1704 foram remetidos questionários clínicos assinados pela Autora e por J tendo os mesmos declarado, designadamente, que se encontravam saudáveis e tinham conhecimento das Condições Gerais e Especiais do contrato de seguro a que estavam a aderir.
12) O seguro de vida grupo tinha dois possíveis planos:
a. Morte e Incapacidade Absoluta e Definitiva (IAD) ou
b. Morte e Invalidez Total e Permanente (ITP) de 66%.
13) Na proposta de adesão à apólice n.º 14/1704, consta que a Autora e J declararam que pretendiam contratar a cobertura de Morte e a cobertura complementar de IAD (Acidente e Invalidez Absoluta e Definitiva).
14) – A Ré Seguradora aceitou os termos da adesão da Autora e de J ao contrato de seguro de vida, decisão que comunicou a 06/08/2008 ao tomador de seguro.
15) Nas Condições Particulares da Apólice de seguro de vida n.º 14/1.704, consta: “- Tomador do Seguro: o BANIF BANCO INTERNACIONAL FUNCHAL, SA.; - Pessoas seguras: J e E, com 100% do capital do empréstimo seguro relativamente a cada um dos segurados; - Coberturas: morte ou invalidez absoluta definitiva; (…)”
16) Nas Condições Gerais da Apólice de seguro de vida n.º 14/1.704, podemos, designadamente, ler: “(…) III – Objeto e âmbito das garantias: 1. O contrato de seguro garante, como seguro principal, o risco de morte da Pessoa segura, por acidente ou doença, ocorrida durante a vigência da apólice. 2. Como seguro complementar garante-se em alternativa: a) A invalidez absoluta e definitiva (IAD) da pessoa segura, por acidente ou doença, ocorrida durante a vigência da apólice, ou b) A invalidez total e permanente (ITP) da Pessoa Segura, por acidente ou doença, ocorrida durante a vigência da apólice. 3. A contratação das coberturas referidas no n.º anterior é sempre alternativa, não podendo ser contratadas em simultâneo. (…) 5. verificada a ocorrência de um sinistro coberto pela apólice, a Seguradora pagará ao Tomador do Seguro o capital em dívida à data do sinistro, até ao limite do capital seguro. Quando este seja superior àquele, o eventual excedente será pago aos Beneficiários para o efeito designados pela Pessoa segura e essa comunicação haja sido rececionada por esta, em momento anterior à ocorrência do sinistro. 6. A pessoa segura será considerada em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando, em consequência de doença ou acidente, ficar total e definitivamente impossibilitada para o exercício de qualquer atividade remunerada e necessitando de assistência constante de uma terceira pessoa para os atos essenciais da vida corrente. O estado de invalidez deverá ser clinica e objetivamente constatado por um médico da seguradora. (…)
17) Em Agosto de 2013, aproximadamente cinco anos após o inicio da vigência da apólice de seguro, a Ré Seguradora recebeu do Banco Tomador do Seguro um pedido subscrito por ambas as pessoas seguras - Autora e J - de redução do valor do capital seguro para o montante de €146.838,70.
18) Apesar do descrito em 13), J e a Autora E estavam convencidos que apenas com a morte de qualquer um deles, poderiam accionar o denominado “Seguro de Vida”.
19) Apesar de ter sido emitido a 07/04/2015 Atestado Médico de Incapacidade Multiuso a J, aí se podendo ler “Atesto que…o utente é portador de deficiência que…lhe confere uma incapacidade permanente global de 80%”, e “Tem esta incapacidade desde 2014”, e ainda “suscetível de variação futura, devendo ser reavaliado no ano de 2021”, J e a Autora E não accionaram nessa data o Seguro de Vida.
20) A 25/06/2016 foi pela Ré Seguradora enviada para a Autora e J missiva dando por resolvido o contrato de seguro em virtude da ausência de pagamento dos respectivos prémios.
21) Em Julho de 2016 foi reposto em vigor o contrato de seguro de vida, a pedido expresso dos segurados - a Autora e J -, que procederam ao pagamento do prémio devido.
22) No pedido de reposição do contrato de seguro de vida, cf. referido em 21), a Autora e J não comunicaram qualquer alteração do risco seguro.
23) No ano de 2017, em conversa informal com MP, funcionária da Ré Banco Santander Totta, S.A., a quem a Autora E desabafou dificuldades em assumir sozinha o encargo do empréstimo bancário e de todas as despesas familiares, esta funcionária informou a Autora que deveria acionar o seguro vida, pois o mesmo tinha cobertura também para os casos de incapacidade absoluta para o trabalho.
24) Na sequência do descrito em 23), a Autora E entregou na agência bancária de … da Ré Banco Santander Totta, S.A. cópia do Atestado de Incapacidade Multiusos, que a funcionária MP encaminhou via email para a Seguradora Açoreana a 27 de Julho de 2017.
25) A 6 de Setembro de 2017, a funcionária MP remeteu novo email à Seguradora Açoreana, solicitando-se cópia da apólice.
26) Só após a data referida em 25), a Autora E iniciou interpelações directamente com a Seguradora.
27) A 14 de Setembro de 2017 a Autora E dirigiu-se à agência da Companhia de Seguros Açoreana, em Sintra, entregando cópia do email referido em 25), atestado de Incapacidade e informação clínica prestada pelo Hospital ….
28) A 6 de Outubro de 2017 a Autora E dirigiu-se ao Balcão da Seguradora, na Av. …, em Lisboa, e entregou “minuta de sinistros”, por invalidez, juntamente com emails, atestado multiuso e informação clinica.
28A)[5] A Autora fez várias chamadas para a seguradora, em datas não totalmente apuradas, no ano de 2018, para saber do andamento da participação do sinistro, não tendo recebido por parte da seguradora qualquer resposta.
29) A Ré Seguradora remeteu a J uma carta, onde se encontrava aposta a data de 28/03/2018, e que agendava consulta de avaliação médica com o Dr. B, no Hospital …, para 10/04/2018, pelas 10h.
30) O segurado J, marido da Autora, não compareceu à consulta indicada em 26).
31) A 17 de Dezembro de 2018 a Autora E entregou na Ré Seguradora “minuta de sinistros” por óbito de J.
32) A 15 de Maio de 2019 a Ré Seguradora foi interpelada pela Mandatária da Autora, para fornecer as Condições Gerais da Apólice e para liquidar o mútuo.
33) Após o falecimento do J, mediante carta de 27 Maio de 2019, a Ré Seguradora informou a Autora Edo cálculo da liquidação do capital mutuado em dívida e remeteu cópia das Condições Gerais e Especiais do Seguro de Vida.
34) O capital referido em 33) foi liquidado pela 1.ª Ré, Seguradora, à 2.ª Ré, Banco, em 04/07/2019, no montante de €131.839,31, e por referência à data de óbito de J.
35) A 11/07/2019, a Ré Seguradora emitiu e enviou à Autora E e sua filha, beneficiárias da apólice de seguro vida porque herdeiras legais de J, Pessoa Segura, os recibos de indemnização necessários ao pagamento de montante devido às mesmas por efeito do aludido contrato e correspondente ao cálculo efetuado pela Ré Seguradora do remanescente do capital seguro e que totalizava o valor global de €14.999,38.
36) A Autora recusou receber o montante de €7.499,69, correspondente à sua quota parte da quantia referida em 35), por a Ré Seguradora pretender conferir quitação total e integral, excluindo as restantes quantias peticionadas nos autos.
37) Em 2019, as prestações hipotecárias ascenderam a um total de €2.072,13.
37A)[6] A Autora manteve-se a pagar os prémios do seguro de vida, sem interrupção, até 30 de Maio de 2019, designadamente: - Em 2014 - € 424,32; - Em 2015 - € 442,20; - Em 2019 - € 235,30.
37B)[7] Nos anos de 2014 a 2019 os valores anuais de prestação hipotecária, que incluíam para além do capital, valores de comissão a favor da 2.ª Ré, imposto de IVA, juros compensatórios, eram debitados diretamente na conta bancária de J e da Autora a favor da 2.ª R, num total de €17.875,49: - Em 2014, as prestações hipotecárias ascenderam a um total de €3.879,84; - Em 2015, as prestações hipotecárias ascenderam a um total de €3.823,35; - Em 2016, as prestações hipotecárias ascenderam a um total de €3.646,76; - Em 2017, as prestações hipotecárias ascenderam a um total de €3.242,74; - Em 2018, as prestações hipotecárias ascenderam a um total de €3.282,8.
37C)[8] Da quantia referida em 37) e v), correspondem a comissões, impostos e juros compensatórios a favor da 2.ª R., a quantia de €3.074,49.
37D)[9] A Autora manteve-se a pagar seguro multirriscos, por manutenção do empréstimo hipotecário, que tem o custo mensal de €26,40.
38) A Autora despendeu o valor de €184,90 respeitante aos prémios de seguro pagos à Ré Seguradora entre Dezembro de 2018 e Março de 2019.
39) A Autora liquidou os seguintes valores a título de prémios do seguro de vida:
- Em 2016 - € 463,80;
- Em 2017 - € 491,04;
-Em 2018 - € 524,64.
39A) Durante cerca de dois anos consecutivos, a Autora vivenciou diariamente angústia, agitação, dias de insónia e dificuldade de concentração no trabalho.
39B)A Autora era o único braço de trabalho da sua casa, com
uma filha para criar, e um marido inválido, recaindo todas
as responsabilidades a seu cargo, nomeadamente as respeitantes ao empréstimo, seguros, comissões bancárias.
39C) A Autora tendo sentido grande revolta com a situação com que foi confrontada, o que, combinado com a impotência vivenciada contra este tipo de instituições, foi fonte de grande perturbação
e sofrimento.
41) Relativamente à quantia referida em 34) que o Réu Santander Totta, S.A. recebeu da seguradora (€131.839,31), o Banco imputou ao contrato de mútuo a quantia de €129.818,34 – por corresponder ao valor de capital em dívida à data -, deixando o remanescente depositado na conta à ordem. 42) Tendo o Chamado BANIF-Banco Internacional do Funchal, S.A.-em Liquidação sido declarado insolvente foi julgada a presente ação parcialmente extinta, por inutilidade superveniente[10].
*** O Tribunal considerou Não Provados os seguintes factos com relevância para a decisão proferida[11]: a) O denominado “contrato de seguro do ramo vida” referido em 7), foi outorgado por J e pela Autora E sem hipótese de escolha ou negociação com qualquer outra Companhia de Seguros do mercado; b) A agência bancária mutuária apenas apresentou a J e à Autora E uns documentos para serem assinados no balcão do Banco onde estes tinham associada a sua conta bancária, documentos esses que J e a Autora Eassinaram; c) J e a Autora E limitaram-se a assinar os documentos facultados pelo BANIF Banco Internacional do Funchal, S.A., não lhes tendo sido dado qualquer explicação ou esclarecimento sobre o seu conteúdo, nem tão pouco lhes foi facultada qualquer cópia dos documentos por estes assinados, nem tão pouco as Condições Gerais e Particulares dos seguros celebrados, nomeadamente do contrato de Seguro Vida, desconhecendo estes as garantias que haviam sido contratadas e bem assim, as condições e termos em que ocorreria um sinistro passível de ter cobertura no seguro contratado. d) A situação clinica de J e a sua incapacidade absoluta para o trabalho era do conhecimento de funcionários da agência do Banco Santander Totta, S.A. onde estava sediada a conta bancária da Autora E, e onde esta se deslocava com frequência. e) Os funcionários da agência do Banco Santander Totta, S.A. não alertaram a Autora Epara os seus direitos enquanto segurada. f) Em consequência dos AVC’s sofridos por J, foi apresentado a Autora E pela 2.ª Ré (Santander Totta, S.A.) soluções para a utilização alternativa da conta bancária por parte daquele, através da utilização de cartão Multibanco idêntico ao das crianças, precisamente porque a Autora E comunicou as limitações, deficiência física e psíquica daquele, tendo ainda comunicado que havia sido declarado incapaz para o trabalho. g) Ao invés do crédito mensal de conta ordenado que regularmente era creditado na conta bancária de J e da Autora E– BANIF nº …710 -, passou a ser creditada a pensão de invalidez de J. h) Em 2014, ano em que foi determinada a incapacidade absoluta e total de J para o trabalho, o casal deixou de auferir o salário do marido, para apenas passar a receber a sua pensão de invalidez. i) Com a comunicação referida em 24), a funcionária da Ré Banco Santander Totta, S.A. accionou a participação de sinistro para resgate do seguro. j) Em resposta ao email referido em 24), a Seguradora Açoreana enviou resposta automática a 03 de Agosto de 2017, onde se pode ler “o assunto estar em análise”. k)[12A Autora E efectuou os seguintes contactos telefónicos com a Seguradora: i. 16 Janeiro 2018 – atendida por H, resposta: processo está em análise, ligar a 19 Janeiro; ii. 19 Janeiro 2018 – atendida por B, resposta: não tem noticias, ligar em Fevereiro 2018; iii. 2 Fevereiro 2018 – atendida por ER, resposta: assunto está em análise; iv. 8 Março 2018 –atendida por S, resposta: até 9 Março vão entrar em contacto para marcar consulta médica; v. 16 Março 2018 – atendida por CP, resposta: deve aguardar contacto para agendar consulta médica; vi. 13 Abril 2018 – atendida por CP: a Autora informa que rececionou carta a 13 Abril, a marcar consulta médica para 10 Abril. A funcionária diz que deve aguardar nova carta para consulta médica; vii. 18 Abril 2018 – atendida por JS , resposta: pede para aguardar até 6ª feira, e se não receber novo agendamento voltar a contactar. viii. 26 Abril 2018 – atendida por H, resposta: vão ligar ou enviar sms com nova data de consulta. ix. 18 Maio 2018 – atendida por R, resposta: vai receber chamada por parte da gestora do assunto, com data de consulta para Junho de 2018 (o que nunca aconteceu). l) A Autora apenas recebeu a carta referida em 29) a 13 de Abril de 2018. m) Apenas em 1 de Agosto de 2019 foi facultada, pela primeira vez desde a subscrição do contrato de seguro Vida, cópia da proposta de seguro vida. n) Nenhuma das Rés prestou aos segurados qualquer explicação sobre as condições da apólice que foi subscrita, nem lhes facultaram os documentos respetivos – Condições Gerais, Especiais e Particulares -, para sua consulta e/ou arquivo. o) O Tomador de Seguro, aqui 2.ª Ré, tinha conhecimento da invalidez total e absoluta de J, quer através da substituição do seu ordenado pela pensão de invalidez, quer pelas informações prestadas verbalmente pela Autora às gestoras de conta e demais funcionárias do balcão bancário, desde pelo menos final do ano de 2014/início de 2015. p) A Autora recorreu por diversas vezes a empréstimos e apoios familiares, para se poder sustentar até ao fim do mês. q) Durante cerca de dois anos consecutivos, a Autora vivenciou diariamente angústia, agitação, dias de insónia e dificuldade de concentração no trabalho. r) A Autora era o único braço de trabalho da sua casa, com uma filha para criar, e um marido inválido, recaindo todas as responsabilidades a seu cargo, nomeadamente as respeitantes ao empréstimo, seguros, comissões bancárias. s) As Rés nunca informaram nem explicaram à Autora o conteúdo e condições do contrato de seguro celebrado, tendo esta sentido grande revolta, combinado com a impotência vivenciada contra este tipo de instituições, o que foi fonte de grande perturbação e sofrimento. t) Antes da situação clínica incapacitante de J, este auferia cerca de €1.500 mensais, entre remuneração e comissões da sua atividade. u)[13] A Autora manteve-se a pagar os prémios do seguro de vida, sem interrupção, até 30 de maio de 2019, designadamente: - Em 2014 - € 424,32; - Em 2015 - € 442,20; - Em 2019 - € 235,30. v)[14] Nos anos de 2014 a 2019 os valores anuais de prestação hipotecária, que incluíam para além do capital, valores de comissão a favor da 2.ª Ré, imposto de IVA, juros compensatórios, eram debitados diretamente na conta bancária de J e da Autora a favor da 2.ª R, num total de €20.943,69: - Em 2014, as prestações hipotecárias ascenderam a um total de €3.879,84; - Em 2015, as prestações hipotecárias ascenderam a um total de €3.823,35; - Em 2016, as prestações hipotecárias ascenderam a um total de €3.646,76; - Em 2017, as prestações hipotecárias ascenderam a um total de €3.242,74; - Em 2018, as prestações hipotecárias ascenderam a um total de €3.282,8; w)[15] Da quantia referida em 37) e v), correspondem a comissões, impostos e juros compensatórios a favor da 2.ª R., a quantia de €3.074,49. x)[16] A Autora manteve-se a pagar seguro multirriscos, por manutenção do empréstimo hipotecário, que tem o custo mensal de €26,40.
**** Da Ilegitimidade Substantiva do Banco Santander, SA.
A Recorrente insurge-se contra a decisão do Tribunal a quo, basicamente considerando que o Banco Santander não deveria ter sido absolvido do pedido por ilegitimidade substantiva, em função do contrato de mútuo e seguro associado celebrados e da medida de resolução tomada pelo Banco de Portugal[17].
Com legitimidade processual garantida (artigo 30.º do Código de Processo Civil), temos apenas aqui em causa, como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 2021 (Processo n.º 164/15.9T8VNF.P1.S2-Bernardo Domingos) a “chamada legitimidade material, substantiva ou “ad actum”, [que] consiste num complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que o mesmo invoque ou que lhe seja atribuído, respeitando, portanto, ao mérito da causa” e, portanto, directamente à procedência ou improcedência do pedido.
Assim, o que importa verificar é se o Banco Santander é a entidade que detém a qualidade de sujeito passivo da situação jurídica que processualmente foi descrita pela Autora, no que concerne relação jurídica que descreve, na qual se tem como lesada e pretende exercer os seus direitos de ressarcimento.
Quanto a esta matéria, o Tribunal a quo escreveu:
“Em primeiro lugar, importa aquilatar se a Ré Banco Santander Totta, S.A é sujeito da relação jurídica objeto da presente demanda.
Não trataremos aqui da ilegitimidade processual (questão já apreciada em sede de despacho saneador) mas sim da legitimidade substantiva.
A legitimidade substantiva ou material prende-se com o mérito da causa e consubstancia uma questão de legitimidade substancial, que tem que ver com a efetividade da relação material controvertida, tal como configurada pela Autora.
Constitui facto público e notório que o BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A. – foi sujeito, por intermédio de Deliberações do Banco de Portugal datadas de 19 de dezembro de 2015 e 20 de dezembro de 2015 – clarificadas e retificadas pela Deliberação de 4 de janeiro de 20171 -, à medida de resolução prevista na alínea a), do n.º 1, do artigo 145.º-E do RGICSF, isto é: alienação parcial ou total da atividade do banco.
No âmbito de tais deliberações, foram aplicadas ao BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A., as seguintes medidas:
(i) Venda de parte dos ativos e passivos do BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A. ao Banco Santander Totta, S.A.;
(ii) Transferência de alguns ativos e passivos do BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A. para um veículo de gestão de ativos especialmente criado para o efeito, denominado, à data Naviget, S.A.
(iii) Mantendo-se na esfera jurídica do BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A. de outra parte dos ativos e passivos.
Com efeito, o BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A. não foi alvo de fusão com a Ré Banco Santander Totta, S.A, pelo que não existiu a transferência global do património daquela entidade, nem das responsabilidades a ele associadas, para a Ré Banco Santander Totta, S.A.
De acordo com as deliberações do Banco de Portugal, e cf. podemos ler no n.º 1 do Anexo 3 da Deliberação de 20 de dezembro de 2015, foram transferidos do BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A. para a Ré Banco Santander Totta, S.A. “ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BANIF, registados na contabilidade, que, sem prejuízo dos parágrafos 3. e 4., são objeto de transferência para o adquirente…”
E note-se que resulta de tal deliberação que, ainda que registados na contabilidade, as al. a) e b) elencam exclusões a essa transferência.
O contrato de mútuo celebrado em 18/11/2008 entre a Autora E e J, na qualidade de mutuários, e o BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A., na qualidade de mutuante constituía um ativo do BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A. –, na medida em que se trata de um crédito sobre os mutuários, encontrava-se registado na contabilidade.
Nesta decorrência se conclui que o referido contrato de mútuo foi transferido para a esfera jurídica da Ré Banco Santander Totta, S.A., tanto que a partir da data da transferência passou o Banco Santander Totta, S.A. a receber dos mutuários E e J o pagamento das prestações do crédito, passando a ser o beneficiário da garantia hipotecária associada ao contrato, bem como do contrato de seguro.
A causa de pedir nos presentes autos assenta num contrato de seguro do ramo vida, celebrado aquando da outorga do referido mútuo, e na alegada violação dos deveres pré-contratuais de informação na formação do contrato de seguro, e bem ainda na sua vigência.
Ora, as responsabilidades decorrentes da contratação de produtos seguradores aos balcões do BANIF não foram alvo da transferência operada por via das deliberações do Banco de Portugal, sendo certo que o tipo de responsabilidade em causa nestes autos, decorrente da alegada violação de deveres de informação na formação e, posteriormente, na vigência do contrato de seguro, não é passível de registo contabilístico, pelo que se encontra afastada do leque de direitos e obrigações transferidos para a esfera jurídica da Ré Banco Santander Totta, S.A..
Com efeito, de tais eventuais responsabilidades, não conhecidas, não tinha a Ré Banco Santander Totta, S.A. forma de tomar conhecimento de que lhe pudesse advir qualquer responsabilidade da celebração do contrato de seguro de vida celebrado em 2008 em agência do BANIF Banco Internacional do Funchal, S.A..
Em suma: com a resolução do BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A. verificou-se a venda de parte da sua atividade bancária ao Banco Santander Totta, S.A., e a transferência de outros ativos - denominados 'tóxicos' - para a nova sociedade veículo Naviget, S.A., onde ficou a empresa Seguradora Açoreana.
Assim, é de concluir que a relação jurídica em discussão nestes autos não vincula a Ré Banco Santander Totta, S.A..
Com efeito, não se tendo transmitido quaisquer obrigações subordinadas ou responsabilidades do BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A. enquanto interveniente na celebração do contrato de seguro de vida que é causa de pedir nestes autos, para a Ré Banco Santander Totta, S.A., nenhum dos pedidos contra o Banco Santander Totta, S.A. formulado pela Autora pode proceder, existindo um vicio de natureza substancial – exceção da ilegitimidade substantiva- que não permite à Autora exigir qualquer responsabilidade da Ré Banco Santander Totta, S.A. derivada da alegada violação de deveres de informação na formação e na vigência do referido contrato de seguro de vida, e que acarreta a absolvição dos pedidos formulados pela Autora contra o Banco Santander Totta, S.A..
A ausência de legitimidade substantiva constitui exceção perentória que conduz à absolvição do pedido.
Não sendo a Ré Banco Santander Totta, S.A. sujeito da relação jurídica controvertida, verifica-se a exceção perentória inominada de ilegitimidade substantiva, que conduz à sua absolvição do pedido.
Pelo exposto, ao abrigo do artº 576.º, nºs 1 e 3 do Código de Processo Civil, a Ré Banco Santander Totta, S.A. será absolvida dos pedidos formulados pela Autora”.
Trata-se de uma decisão clara e solidamente fundamentada.
E coberta de razão.
De facto, a Autora não só confunde uma situação de fusão com uma situação de resolução, como trata da mesma forma o mútuo (celebrado entre si e marido, como mutuários e BANIF, como mutuante) e o contrato de seguro de vida que lhe está associado (celebrado si e marido, como segurados, e a Generali Seguros, como seguradora, tendo o BANIF como tomador e beneficiário).
Ora, quanto ao Réu Banco Santander, a Autora pretende a sua responsabilização em função de uma alegada violação dos deveres de informação pré-contratuais concernentes ao referido contrato de seguro. Mas para isso poder relevar, tal haveria de resultar da leitura da medida de resolução a que o BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A foi sujeito em Dezembro de 2015 e dos seus limites.
O Banco de Portugal no n.º 1 do Anexo 3 (“Direitos e Obrigações que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banif-Banco Internacional do
Funchal, S.A. transferidos para o Banco Santander Totta, S.A.”) da Deliberação de 20 de Dezembro de 2015, transfere do BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A. para o Banco Santander Totta, S.A. “ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BANIF, registados na contabilidade, que, sem prejuízo dos parágrafos 3. e 4., são objeto de transferência para o adquirente(…)”.
Por outro lado, mesmo que registados na contabilidade foram excluídas algumas transferências (alíneas a) e b))[18]. Assim, a alínea b) do Anexo 3 estabelece que “as responsabilidades do BANIF perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste são transferidos na sua totalidade para o adquirente, com excepção dos seguintes (“Passivos Excluídos”):
- (vii) Quaisquer responsabilidades, contingências ou indemnizações, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais;”(…)
- (xii) Todas as responsabilidades e garantias não conhecidas, as responsabilidades contingentes e litigiosas, as responsabilidades no âmbito de alienação de entidades ou de actividades e as responsabilidades decorrentes de quaisquer outras actividades, com excepção das que hajam sido constituídas pelo BANIF no âmbito da sua normal actividade bancária (incluindo as obrigações do BANIF ao abrigo de depósitos, cartas de conforto, garantias bancárias, performance bonds e outras contingências similares) e na medida em que respeitem às áreas de negócio, activos, direitos ou responsabilidades transferidos para o adquirente em resultado da presente deliberação”.
Daqui resulta, desde logo, que o que o Banco Santander, SA. adquiriu não foi todo o património activo e passivo do BANIF, mas exclusivamente o que consta do Anexo 3 da Deliberação de 20 de Dezembro de 2015, 23h30[19] e, assim, impõe-se conclusão de que nele não está incluído o que possa ser considerado activo passivo, elemento extrapatrimonial e activo sob gestão do BANIF, que não estivesse registado na contabilidade (n.º 1 Anexo 3).
Assim, a pretensão da Autora, não respeitando a um passivo conhecido ou contabilisticamente registado no BANIF nunca poderia integrar o património transmitido (o que se pretendeu foi precisa, lógica e compreensivelmente, não onerar o Banco Santander, SA., com passivo(s) que derivasse(m) da transferência e que não pudesse(m) ser por si conhecido(s)).
E das excepções previstas na alínea b) do Anexo 3 resulta que - à partida - ficam excluídas da transmissão “Quaisquer responsabilidades, contingências ou indemnizações, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais”, de forma que a putativa violação de deveres legais, regulamentares e outros relacionados com a contratação do seguro aventada pela Autora, não poderia, em caso algum, considerar-se transferida pela medida de resolução (quer pela sua natureza, quer por expressamente constar das exclusões).
Claro que sempre haveria a possibilidade de considerar que a situação integraria a excepção prevista no ponto xii) da alínea b) do Anexo 3 (“com excepção das que hajam sido constituídas pelo BANIF no âmbito da sua normal actividade bancária”), mas essa extensão não é viável no que vai além do contrato de mútuo (activo reflectido na contabilidade), nomeadamente quanto ao que respeita ao seguro que lhe estava associado (e que constituía uma sua garantia).
Bem pode a Autora defender que se trata de uma responsabilidade constituída pelo BANIF no âmbito da sua normal actividade bancária, mas essa é uma interpretação claramente excessiva e não comportada pela norma (basta ver os exemplos-padrão[20] que esta fornece: “obrigações do BANIF ao abrigo de depósitos, cartas de conforto, garantias bancárias, performance bonds e outras contingências similares”[21]): o contrato de seguro faz parte da actividade seguradora e não da actividade bancária (embora a ela possa ser associada), sendo que a violação dos deveres pré-contratuais de informação relativos às condições do contrato de seguro (que se traduz na causa de pedir da acção), respeita àquele e não ao contrato de mútuo[22].
Não pode esquecer-se que o Banco Santander apenas comprou o concreto conjunto de activos e passivos que estavam inscritos no balanço do BANIF num determinado momento e com um determinado valor de mercado (e não a assunção de qualquer posição jurídica no que respeita à actividade comercial do BANIF, por exemplo como intermediário de seguros, como refere nas Contra-Alegações), pelo que, no que releva para os autos, apenas o crédito à habitação foi adquirido e transferido, mas já não o contrato de seguro que o garante.
É por tudo isto que, não sendo o Banco Santander, SA. entidade vinculada na relação jurídica em causa (por não lhe terem sido transmitidas responsabilidades do BANIF quanto à celebração do contrato de seguro de vida que se discute), carece de legitimidade substantiva para a acção, o que tem como efeito directo e necessário a absolvição do pedido, nos termos do artigo 576.º, n.º 3[23], do Código de Processo Civil.
De sublinhar que essa foi também a decisão do Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 12 de Setembro de 2023 (Processo n.º 731/22.4T8VRL-A.G1.S1-Fernando Baptista de Oliveira), em situação de contornos similares, e onde, depois de assentar em que a “legitimidade substantiva, material ou “ad nutum” – bem diferente da legitimidade processual (legitimidade ad causam que constitui um pressuposto processual positivo) – , constitui um complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que ele invoque ou que lhe seja atribuído, dessa forma dizendo respeito ao fundo ou mérito da causa (é um requisito de procedência do pedido)”, concluiu que as “responsabilidades e elementos extrapatrimoniais do Banif que, na sequência da medida de resolução tomada pelo Banco de Portugal (BdP) quanto a essa entidade bancária, não foram objecto de transferência para o Banco Santander Totta, SA, nem para a N..., S.A., permaneceram na esfera jurídica do Banif (alínea d) do Anexo 3 à deliberação do BdP de 20 de dezembro de 2015)”, pelo que, não “alegando a Autora que o crédito indemnizatório reclamado ou a eventual responsabilidade (civil) alegada na acção se encontrava registado na contabilidade do BANIF e considerando que a medida de resolução tomada pelo Banco de Portugal prescreveu que as responsabilidades, contingências ou indemnizações emergentes da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais estavam excluídas da transferência para o adquirente Banco Santander, o que resulta das deliberações do BdP de 20 de dezembro de 2015 é não poder ser reclamado a este último (Banco Santander) eventual direito indemnizatório sobre o Banif emergente de responsabilidades dum colaborador deste que, alegadamente, terá indevidamente pago um cheque, contra as expressas instruções de cancelamento em virtude de extravio”.
Neste contexto, não se nos suscitam dúvidas quanto à correcção do decidido e bem fundamentado, pelo que, quanto à absolvição do pedido do Banco Santander, SA. a decisão será confirmada e o recurso julgado improcedente.
* Apreciação da Matéria de Facto
O artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil dispõe que o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
Neste momento processual releva ainda o artigo 662.º do Código de Processo Civil, que começa por afirmar que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”[24].
Como, aliás, assinala o Conselheiro Tomé Soares Gomes no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Setembro de 2017 (Processo n.º 959/09.2TVLSB.L1.S1) é “hoje jurisprudência corrente, mormente do STJ, que a reapreciação, por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa”.
Quando uma parte em sede de recurso pretenda impugnar a matéria de facto[25], nos termos do artigo 640.º, n.º 1, impõe-se-lhe
o ónus de:
1) indicar (motivando) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (sintetizando ainda nas conclusões) – alínea a);2) especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada (indicando as concretas passagens relevantes – n.º 2, alíneas a) e b)),
que impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos, propondo a decisão alternativa quanto a cada um deles – n.º 1, alíneas b) e c).
Está aqui em causa, como sublinha com pertinência Abrantes Geraldes, o “princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”[26],sempre temperado pela necessária proporcionalidade e razoabilidade[27], sendo que, basicamente,
o essencial que tem de estar reunido é “a definição do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova indicados e explicitados e com a assunção clara do resultado pretendido)”[28].
Como pano de fundo da apreciação a fazer dos factos que estejam em causa, também a circunstância de não se proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação “não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.)” (Acórdãos da Relação de Guimarães de 15 de Dezembro de 2016, Processo n.º 86/14.0T8AMR.G1-Maria João Matos[29e da Relação de Lisboa de 26 de Setembro de 2019, Processo n.º 144/15.4T8MTJ.L1-2-Carlos Castelo Branco).
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015 (Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1-Tomé Gomes) “a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC. É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC. Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no n.º 1 do referido artigo 640.º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada”.
Na mesma linha, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2015 (Processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1-Lopes do Rego), escreve-se que “é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação; e um ónus secundário – tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida – que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização das passagens da gravação relevantes.
Ora, se é certo que – relativamente ao cumprimento de tais ónus, primário e secundário – não se permite a formulação de um sistemático convite ao aperfeiçoamento de eventuais deficiências, não poderá deixar de ser avaliada diferentemente a falha da parte consoante ocorra num ou noutro âmbito: como é óbvio, a ausência de objecto delimitado e de fundamentação minimamente concludente da impugnação deduzida deverá ditar, de forma inevitável e em termos proporcionais, a liminar rejeição do recurso quanto à matéria de facto.
Pelo contrário, o incumprimento do referido ónus secundário, tendente apenas a facilitar a localização dos depoimentos relevantes no suporte técnico que contém a gravação da audiência, deverá ser avaliado com muito maior cautela […].
Para além disto, importa realçar a distinção que se impõe efectuar entre aquilo que constitui requisito formal do ónus de impugnação da decisão de facto, cuja inobservância impede que se entre no conhecimento do objecto do recurso e o que se encontra já abrangido pelo âmbito da reapreciação da decisão de facto, devidamente impugnada, mediante a reavaliação da prova convocada e tida por relevante”.
Neste contexto, verificadas as Alegações e Conclusões do Recorrente e cumpridos que se mostram os requisitos formais da impugnação, vejamos uma a uma as pretensões do Recorrente.
Assim e começando pela putativa necessidade de alterar a redacção do Facto 9, acrescentando-lhe a expressão “excepção essa que opera nos presentes autos por se tratar de um crédito constituído pelo BANIF em resultado da sua normal actividade bancária”, afasta-se liminarmente tal pretensão, uma vez que constitui – claramente – matéria conclusiva e de Direito, insusceptível de constar dos factos apurados (sendo certo que a apreciação jurídica quanto a essa matéria foi já feita por este Tribunal a propósito da legitimidade substantiva do Banco Santander, SA.).
Assim, indefere-se esta pretensão da Autora.
*
Quanto à necessidade de passar os factos não provados a) (O denominado “contrato de seguro do ramo vida” referido em 7), foi outorgado por J e pela Autora Esem hipótese de escolha ou negociação com qualquer outra Companhia de Seguros do mercado), b) (A agência bancária mutuária apenas apresentou a J e à Autora Euns documentos para serem assinados no balcão do Banco onde estes tinham associada a sua conta bancária, documentos esses que J e a Autora E assinaram), c) (J e a Autora E limitaram-se a assinar os documentos facultados pelo BANIF Banco Internacional do Funchal, S.A., não lhes tendo sido dada qualquer explicação ou esclarecimento sobre o seu conteúdo, nem tão pouco lhes foi facultada qualquer cópia dos documentos por estes assinados, nem tão pouco as Condições Gerais e Particulares dos seguros celebrados, nomeadamente do contrato de Seguro Vida, desconhecendo estes as garantias que haviam sido contratadas e bem assim, as condições e termos em que ocorreria um sinistro passível de ter cobertura no seguro contratado), d) (A situação clinica de J e a sua incapacidade absoluta para o trabalho era do conhecimento de funcionários da agência do Banco Santander Totta, S.A. onde estava sediada a conta bancária da Autora E, e onde esta se deslocava com frequência) e e) (Os funcionários da agência do Banco Santander Totta, S.A. não alertaram a Autora Epara os seus direitos enquanto segurada), i) (Com a comunicação referida em 24), a funcionária da Ré Banco Santander Totta, S.A. accionou a participação de sinistro para resgate do seguro) e j) (Em resposta ao email referido em 24), a Seguradora Açoreana enviou resposta automática a 03 de Agosto de 2017, onde se pode ler “o assunto estar em análise”), e n) (Nenhuma das Rés prestou aos segurados qualquer explicação sobre as condições da apólice que foi subscrita, nem lhes facultaram os documentos respectivos – Condições Gerais, Especiais e Particulares -, para sua consulta e/ou arquivo), para Factos Provados, funda a Autora a sua pretensão numa errada valoração e ponderação das suas declarações de parte e do testemunho da funcionária do Banco Santander, MP.
Sobre esta matéria, o Tribunal a quo escreveu:
“A convicção do Tribunal no que concerne à factualidade assente, fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida, concretamente no teor dos documentos juntos aos autos, declarações de parte da Autora E, e no depoimento das testemunhas inquiridas em sede de audiência (MP, AC, JF, AS, AN), bem como nas regras de experiência comum e no estatuído nos artigos 5.º, n.º 2 e 3 e 607.º, números 4 e 5 do Código de Processo Civil e 342.º do Código Civil.
Também terá que se deixar explícito que as declarações de parte da Autora foram valoradas ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova a que o tribunal está adstrito, em consonância com a disposição do artigo 466.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, mas sendo, logicamente, sopesado que as declarações prestadas pelas partes não são naturalmente desinteressadas, isentas e imparciais, antes apresentando um relevante e direto interesse no desfecho da ação, sendo, por isso, as suas declarações apreciadas com particular exigência, dado que terão que ter algum suporte na restante prova testemunhal e/ou documental oferecida.
Nesse preciso sentido o decidiu o Tribunal da Relação do Porto, no seu Acórdão de 15.09.2014 (com texto integral acessível in www.dgsi.pt - processo n.º 216/11.4TUBRG.P1), assim sumariado: “As declarações de parte [artigo 466º do novo CPC] – que divergem do depoimento de parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na ação. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.”
Assim, e concretizando:
(…)
Para apuramento da factualidade vertida em 18) atentou-se nas declarações de parte da Autora, que denotou grande desconhecimento das coberturas da apólice que confirmou ter subscrito, afirmando que pensava que o seguro dava garantias se um falecesse e achava que cobria a parte de cada um e nem sabia que falecendo um, a totalidade do empréstimo ficava pago e o outro ficava sem o ónus do empréstimo. Apesar da Autora ter afirmado deter formação superior (porquanto afirmou exercer a profissão de fisioterapeuta), justificou o desconhecimento das condições do contrato assinado com a circunstância de “ninguém lhe ter explicado”, sic.
A prova de tal factualidade decorreu ainda das regras de experiência comum, pois resulta à evidência que se a Autora tivesse conhecimento das coberturas da apólice que subscreveu em 2008, certamente teria procurado acionar a mesma quando em 2014 o segurado J adoeceu gravemente, pois tal correspondia aos interesses dos mesmos e poderia mesmo ter evitado o recurso à subsequente via judicial.
Os factos assentes constantes de 20) a 22) resultam do depoimento da testemunha AS, que disse ser funcionária da Ré Generali Seguros, S.A., e que prestou o seu depoimento de forma segura e coerente, e que a confirmou, encontrando ainda respaldo no ofício datado de 25/06/2016 junto a fls 169 dos autos (doc 7 junto com a contestação da Ré).
No que tange à factualidade vertida em 23) a 25), a mesma resultou assente na decorrência das declarações de parte da Autora, que a relatou, confirmada pelo depoimento da testemunha MP, que disse ser funcionária do Banco Santander Totta, S.A. e que prestou o seu depoimento de forma consistente e segura, e que relatou que enviou o email à Ré Seguradora pretendendo ajudar a Autora e ser prestável, nunca tendo afirmado à Autora que ia acionar o seguro.
Mais disse que a Autora tinha conta apenas em nome da mesma na sua agência (cujo balcão pertenceu sempre ao Banco Santander Totta, S.A.), e que a agência do empréstimo, cuja conta era titulada pelos dois segurados (e que originalmente era um Balcão BANIF, tendo posteriormente transitado para o Banco Santander Totta, S.A.), era outra.
Tal factualidade encontra ainda respaldo nos emails juntos aos autos a fls 43 (doc 6 junto com a Petição inicial), datados de 03/08/2017 e 06/09/2017.
Nesta decorrência, e ante a ausência de prova que permita concluir pela sua verificação, consignou-se não provados os factos d), e), i) e o).
(…)
Para prova do facto vertido em 39), atentou-se nos documentos juntos a fls 196 e 233 dos autos (doc 14 junto com a contestação e listagem de recibos liquidados entre 01/01/2015 e 31/12/2019).
Nesta decorrência, e porquanto os valores constantes do referido meio de prova não coincidem com os valores alegados, consignou-se não provado o facto u).
No que tange à factualidade vertida em 41), a mesma resultou assente com base nos documentos juntos a fls 63 e 230 verso dos autos (consulta de movimentos e simulação de conta empréstimo).
Nesta decorrência, e porquanto os valores constantes do referido meio de prova não coincidem com os valores alegados, consignou-se não provados os factos v) e w).
No que tange à factualidade não provada em a), b) e c), a mesma resulta da ausência de prova que permita concluir pela sua verificação e da circunstância da factualidade provada em 6), de onde decorre ter sido contratualmente estipulado entre as partes que os mutuários se obrigavam a contratar um seguro de vida em Companhia Seguradora idónea, pelas importâncias que o Banif indicasse, e em que o mesmo figurasse nas apólices como beneficiário e/ou parte interessada.
Com efeito, contratualmente nada aponta no sentido de a J e à Autora E não ter sido permitido escolher ou negociar o contrato de seguro de vida que se obrigaram a subscrever com qualquer outra Companhia de Seguros do mercado, tendo as declarações de parte da Autora sido vagas (mencionado que lhe deram seguro de vida para assinar e só lhe disseram que para fazer o empréstimo era obrigatório ter seguro de vida) e ao arrepio de toda a prova testemunhal, salientando-se a ausência de prova direta porquanto o funcionário com quem a Autora e o de cujus contrataram, ao Balcão do extinto BANIF, não foi arrolado como testemunha.
Assim, a testemunha AN, que disse ser funcionário do Réu Banco Santander Totta, S.A. e não ter estado presente aquando da contratação do seguro com o BANIF, explicou, em termos genéricos, que o banco não escolhe com que seguradora o cliente vai contratar, que os documentos do seguro são preenchidos pelos clientes e que não há documentos que possam ser preenchidos pelo balcão, sem a intervenção do cliente.
Disse ainda a testemunha que, preferencialmente o Banco faz seguro com a seguradora com que trabalha, mas não vincula o cliente, a quem cabe sempre a decisão.
Ora, seria exigível a um homem médio, medianamente conhecedor e diligente do meio social e profissional da Autora, que declarou ser fisioterapeuta (portanto, deter formação superior, e na área da saúde), colocada na situação concreta e com os conhecimentos especiais que aquela detinha, que tivesse outro comportamento do que aquele que declarou ter tido - assinando de “cruz” os contratos que subscreveu -, mas antes lendo os documentos que assinou e solicitando os esclarecimentos necessários em face das dúvidas que os mesmos lhe suscitassem.
No que tange à factualidade não provada vertida em f) a n) e q) a s) e x) a mesma resulta da ausência de prova que permita concluir, com segurança, pela sua verificação, porquanto as declarações de parte da Autora, ainda que nesse sentido, foram vagas e não encontraram respaldo em qualquer outra fonte.
Quanto à factualidade não provada vertida em p), embora a testemunha AC, que disse ser amiga da Autora, relatasse que os rendimentos eram assegurados maioritariamente pela E por o marido ter deixado de conseguir trabalhar, que E ficava aflita e desesperada para pagar as contas, e a testemunha JF, que igualmente disse ser amigo da Autora, tivesse afirmado que E pagava as contas/as despesas, e que sabia que a situação era difícil e que esta aproveitava todo os descontos e que ele e a mulher ajudavam com as coisas de fora, por exemplo com a M, nada foi mencionado quanto a ter a Autora recorrido a empréstimos, cumprindo concluir pela não verificação da factualidade alegada.
Embora tivesse sido junto aos autos a fls 67 (Doc 21 junto com a Petição inicial) cópia de um recibo de vencimento de J, não só os valores ali apostos não coincidem”.
A fundamentação prima pela clareza, mas não necessariamente pelo seu acerto no que tange à factualidade não provada, aqui colocada em causa.
Desde logo porque assenta no que temos como um equívoco, que respeita à consideração das regras do ónus da prova aplicáveis à situação dos autos e que, mais à frente na Sentença sob apreciação, acabou por ser explanado:
“No objeto da presente ação está em causa um contrato de seguro de grupo, do ramo vida, contratado entre a Autora E e J, como aderentes e pessoas seguras, e a Ré Generali Seguros, S.A. (à data, denominada Açoreana Seguros), como entidade seguradora e uma instituição bancária, BANIF - Banco Internacional do Funchal, SA., como tomadora e beneficiária, esta beneficiária e a mutuante num contrato de mútuo para habitação celebrado com a Autora e com J.
Na sequência da transferência do contrato de mútuo para a esfera jurídica do Banco Santander Totta, S.A., operada por via de Deliberações do Banco de Portugal mediante as quais o BANIF – Banco Internacional do Funchal, S.A. – foi sujeito à medida de resolução prevista na alínea a), do n.º 1, do artigo 145.º-E do RGICSF, passou o Banco Santander Totta, S.A. a ser o beneficiário da garantia hipotecária associada ao contrato, bem como do contrato de seguro.
Os riscos cobertos pelo referido seguro eram a morte e complementarmente a invalidez absoluta e definitiva das pessoas seguras ou a invalidez total e permanente das mesmas, por doença ou acidente, titulados pela apólice n.º 14/1704, com data de início da sua vigência à data da outorga da escritura de compra e venda e do contrato de mútuo para aquisição do imóvel (18/11/2008), para garantia do que for devido na data do evento, designadamente, o pagamento do valor do capital mutuado ainda em dívida.
O contrato de seguro é “a convenção por virtude da qual uma das partes – segurador – se obriga mediante retribuição – prémio – pago pela outra parte – segurado – a assumir um risco ou conjunto de riscos e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro, uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado” – neste sentido, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/05/2008, disponível em www.dgsi.pt.
Trata-se de um contrato bilateral, sinalagmático, oneroso, aleatório e duradouro e que era, à data do concreto contrato de seguro que nos ocupa, um negócio formal (quanto a esses carateres e sua precipitação no seguro, cfr. Maria Inês de Oliveira Martins, em “O Seguro de Vida enquanto tipo contratual legal”, Coimbra Editora, pág. 52 e seguintes e, quanto à forma externa, o art. 426.º do Código Comercial).
A alínea g) do art. 1º do Decreto-Lei nº 176/95, de 26 de julho definia o seguro de grupo como o “seguro de um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum”.
Sobre a caracterização dessa modalidade de seguro lê-se no sumário do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05/03/2009, disponível em www.dgsi.pt: «I - A formação do seguro de grupo ocorre em dois momentos. Num primeiro momento, é celebrado um contrato entre a seguradora e o tomador de seguro e, num segundo momento, concretizam-se as adesões dos membros do grupo. II - O seguro de grupo assenta numa relação tripartida, entre a seguradora, o tomador de seguro e o aderente»
Na doutrina, ensina Paula Ribeiro Alves, em “Intermediação de Seguros e Seguro de Grupo”, Almedina, págs. 293 e 295, que “O seguro de grupo assenta numa relação tripartida. Como vértices do triângulo temos a seguradora, o tomador do seguro e o aderente. A seguradora celebra um contrato com o tomador de seguro. Os membros do grupo aderem a esse contrato. A seguradora garante aos aderentes as coberturas resultantes desse contrato. (…) o contrato celebrado entre a seguradora e o tomador do seguro cria o quadro em que se desenrolaram as relações de seguro propriamente ditas e que se estabelecem entre a seguradora e os aderentes”
A proposta de adesão ao seguro foi aceite pela Ré Seguradora em data não concretamente apurada, mas em data anterior a 06/08/2008, data em que se encontravam ainda em vigor o Decreto-Lei nº 176/95, de 26 de julho (o qual estabelecia regras de transparência para a atividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro) e os arts. 425.º a 462.º do Código Comercial, uma vez que o regime jurídico do contrato de seguro, aprovado pelo Decreto Lei n.º 72/2008 de 16 de abril, apenas entrou em vigor em 1 de janeiro de 2009.
O Decreto-Lei referido introduziu um conjunto de regras relativas à transparência nas relações pré e pós contratuais, mormente no âmbito dos deveres de informação que em matéria de condições contratuais e tarifárias devia ser prestada aos tomadores e subscritores de contrato de seguro.
No caso em apreço estamos perante um seguro de grupo, o qual nos termos do disposto no art. 1.º, al. g), do diploma citado vinha definido como o “seguro de um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo de interesse comum”.
O art. 4.º do referido Decreto-Lei nº 176/95, de 26 de julho, impunha expressamente ao tomador de seguro de grupo o dever de informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos no caso de sinistros, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora.
Todavia, cf. sentença de inutilidade superveniente da lide supra, e porquanto o tomador de seguro foi declarado insolvente, a eventual violação dos deveres de informação por parte do mesmo e consequente condenação em quantia pecuniária não poderá nestes autos ser apreciada, visto que a Autora só poderá obter a respetiva satisfação dos créditos a cujo direito se arroga, se os reclamar através do processo de insolvência.
O Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro, revogou na quase totalidade o primeiro dos referidos diplomas, assim como os artigos do Código Comercial acima citados [art. 6º, nº 1, alíneas a) e e)].
Considerando que dos presentes autos não resulta qualquer adenda ao contrato de seguro em causa, com vista a adaptá-lo ao regime estipulado no Decreto Lei n.º 72/2008 de 16 de abril, o qual revogou na sua quase totalidade o primeiro dos referidos diplomas, assim como os artigos do Código Comercial acima citados [art. 6º, nº 1, alíneas a) e e)], cf. previsto no artigo 4.º deste diploma legal, há que concluir pela aplicação do regime legal transato.
Assim, na altura da celebração do contrato de seguro de vida objeto dos autos, com entrada em vigor na data da escritura, isto é, a 18/11/2008, encontravam-se vigentes as disposições do Código Comercial, designadamente os artigos 425.º a 462.º (revogados pelo art.º 6º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril que entrou em vigor a 01/01/2009).
Preceituava o artigo 426.º, então vigente, do Código Comercial, que “O contrato de seguro deve ser reduzido a escrito num instrumento, que constituirá a apólice de seguro”, e podia-se ler no artigo 427.º, igualmente vigente, que “O contrato de seguro regular-se-á pelas estipulações da respetiva apólice não proibidas pela lei, e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste Código.”.
E dita o artigo 440.º do referido diploma legal, sob a epigrafe “Prazo para a participação do sinistro” que “O segurado é obrigado, sob pena de responder por perdas e danos, a participar ao segurador o sinistro dentro dos oito dias imediatos àquele em que ocorreu ou àquele em que do mesmo teve conhecimento.”.
Embora o n.º 4 do supramencionado art. 4.º do referido Decreto-Lei nº 176/95, de 26 de julho, preveja que o contrato de seguro de grupo pudesse prever que a obrigação de informar os segurados referida no n.º 1 fosse assumida pela seguradora, dos presentes autos não resulta tal convenção.
Não criando a lei nenhuma responsabilidade objetiva da seguradora, o incumprimento pelo banco-tomador do seguro dos seus deveres de informação, não é oponível à seguradora.
E neste sentido, prevalece na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que recai unicamente sobre o tomador do seguro o dever de informação e ónus de prova de cumprimento, não sendo o incumprimento deste dever oponível à seguradora.
É ainda entendimento prevalecente no Supremo Tribunal de Justiça que o regime especificamente previsto pelo do DL n.º 176/95, 26-07 para o contrato de seguro de grupo afasta a aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais, definido genericamente pelo DL n.º 446/85, de 25-10, no que é incompatível com aquele.
Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão datado de 25/06/2013 (disponível em www.dgsi.pt, proc. nº 24/10.0TBVNG.P1.S1), considerou que, no âmbito de um contrato de seguro de grupo, “não se mostrando legalmente prevista a comunicabilidade à esfera jurídica da seguradora dos efeitos do incumprimento dos deveres legais de informação colocados a cargo do tomador de seguro - e não podendo o tomador de seguro considerar-se juridicamente como intermediário, auxiliar ou comissário da seguradora no momento da concreta adesão das pessoas seguradas - carece de fundamento normativo a pretensão de responsabilização objetiva da seguradora por um comportamento negligente exclusivamente imputável ao outro contraente...”
Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça têm-se pronunciado no sentido de que resultava expressamente do nº 1 do citado artigo 4º que era ao tomador que incumbia o dever de informação dos segurados, quanto às “coberturas e exclusões contratadas”, cabendo-lhe igualmente o ónus da prova “de ter fornecido estas informações” (nº 2); e que à seguradora competia elaborar “um espécimen” de acordo com o qual o tomador do seguro deveria cumprir a obrigação de informar, bem como “facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efetiva compreensão do contrato” (nº 1 e nº 5).
Nos presentes autos está em causa, desde logo, saber se colhe ou não a alegação da Autora, no sentido de que a Ré Seguradora estava obrigada a informar a Autora, aquando da formação do contrato, do conteúdo do contrato de seguro vida, concretamente das garantias contratadas, condições e termos em que ocorreria um sinistro passível de ter cobertura no seguro contratado que não, aderindo à posição prevalecente do STJ no sentido de recair unicamente sobre o tomador do seguro o dever de informação e ónus de prova de cumprimento, não sendo um eventual incumprimento deste dever oponível à seguradora.
Improcede assim, qualquer responsabilidade da Ré Seguradora por violação de direitos de informação aquando da formação do contrato.
Todavia, importa ainda atentar no n.º 5 do art. 4.º do referido Decreto-Lei nº 176/95, de 26 de julho, o qual regia que “Nos seguros de grupo a seguradora deve facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efetiva compreensão do contrato.”
Ora, resulta da factualidade assente que só após 6 de setembro de 2017, a Autora E iniciou interpelações diretamente com a Seguradora, tendo-se dirigido, a 14 de setembro de 2017, à agência da Companhia de Seguros Açoreana, em Sintra, entregando cópia de um email remetido pelo Banco Santander Totta, S.A, a 06 de setembro de 2017, atestado de Incapacidade e informação clinica prestada pelo Hospital …, e a 6 de outubro de 2017 ao Balcão da Seguradora, na Av. …, em Lisboa, onde entregou pedido de reembolso por incapacidade absoluta, juntamente com emails, atestado multiuso e informação clinica.
Resulta ainda da factualidade assente que, entretanto, a 19/11/2018, ocorreu o decesso do segurado J, que a 15 de maio de 2019 a Ré Seguradora foi interpelada pela Autora para fornecer as Condições Gerais da Apólice e para liquidar o mútuo, e que, a 04/07/2019, o capital mutuado em divida foi liquidado pela 1ª Ré, Seguradora, à 2ª Ré, Banco.
Importa assim, saber se colhe ou não a alegação da Autora, no sentido de que a Ré Seguradora atrasou injustificadamente a resolução do pedido que lhe foi colocado pela Autora de pedido de reembolso por invalidez e, posteriormente, da liquidação do capital mutuado em dívida por óbito do segurado, não atuando de forma diligente, e devendo ser responsabilizada por alegados prejuízos patrimoniais e não patrimoniais causados à Autora.
Dispõe o artigo 406.º do Código Civil que o contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes.
Por seu turno, o artigo 762.º do Código Civil dispõe que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado, devendo proceder as partes de boa-fé.
Estatui o artigo 798.º do Código Civil que o devedor que falte culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
A culpa presume-se nos termos do artigo 799.º incumbindo ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.
Analisado o regime legal, importa atentar que na responsabilidade contratual são quatro os pressupostos que a lei exige verificarem-se cumulativamente, a saber:
- o facto ilícito (consubstanciado na violação contratual),
- a culpa (que se presume nos termos do artigo 799.º do Código Civil),
- o dano
- o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Conforme podemos ler em “Direito das Obrigações” de Inocêncio Galvão Telles, 3ª Edição, 276/277, “A responsabilidade obrigacional tem como pressupostos a inexecução da obrigação (ato ilícito), a culpa, o prejuízo, a causalidade”, sendo hoje inequívoca a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais em sede de responsabilidade contratual.
Cabia assim à Autora provar a existência de danos (patrimoniais e não patrimoniais) e o nexo de causalidade.
De harmonia com o disposto no artigo 496.º, n.º 1 do Código Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, devendo os mesmos ser fixados de acordo com a equidade, note-se que não existe fundamento legal que obste, no âmbito da responsabilidade contratual, à consagração do princípio da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais.
Vejamos:
No caso dos autos, a Autora apenas a 14/09/2017 comunicou à Ré seguradora que J se encontraria em situação de incapacidade, ou seja, volvidos quase dois anos e meio de ter sido emitido Atestado Médico de Incapacidade Multiuso a J 07/04/2015, não cumprindo a obrigação que sob a mesma impendia de o fazer no prazo de oito dias, prazo estipulado no artigo 440.º do Código Comercial, norma vigente à data da celebração do contrato.
Resulta ainda dos autos que Ré Seguradora remeteu a J uma carta onde se encontrava aposta a data de 28/03/2018, e agendava consulta de avaliação para 10/04/2018.
Tal declaração receptícia chegou à esfera de ação do destinatário sendo, pois, suscetível de ser por ele conhecida, não tendo, todavia, sido produzida prova que permitisse concluir se esse conhecimento foi posterior à data da consulta agendada, cf. alega a Autora - (nº 1 e 2 do artigo 224.º do Código Civil).
Certo, é que o segurado J, marido da Autora, não compareceu à consulta de avaliação agendada para 10/04/2018.
Ora, decorre do contrato (Condições Gerais do seguro de vida – ponto 6) que o estado de invalidez Absoluta e Definitiva deverá ser clinica e objetivamente constatado por um médico da seguradora.
Assistia, pois, à Ré o direito ao agendamento de consulta clinica, para avaliação do quadro de saúde de J e verificação dos pressupostos de um estado de invalidez coberto pelo seguro e acionamento do mesmo.
Todavia, J veio a falecer 18/11/2028 desse ano, sem que tivesse a Ré Seguradora comunicado nova data de consulta.
E a 17 de dezembro de 2018, novamente incumprindo o prazo de 8 dias fixado na Lei, a Autora Eentregou na Ré Seguradora “minuta de sinistros” por óbito de J, desta vez acionando a cobertura pelo sinistro “morte”.
O capital mutuado em divida foi liquidado pela Ré Seguradora, ao Banco, em 04/07/2019, no montante de €131.839,31, e por referência à data de óbito de J, pelo que os montantes atinentes às prestações pagas pela Autora em data subsequente permaneceram na conta ( dos €131.839,31 que a Ré Seguradora liquidou, o Banco imputou ao contrato de mútuo a quantia de €129.818,34 – por corresponder ao valor de capital em dívida à data -, deixando o remanescente depositado na conta à ordem).
No que tange a danos patrimoniais, não tendo a Ré Seguradora confirmado os pressupostos de verificação de um estado de invalidez coberto pela apólice em apreço, na medida em que o segurado não compareceu à consulta agendada para 10/04/2018, vindo a falecer decorridos sete meses, falece desde logo a verificação de um facto ilícito praticado pela Ré Seguradora e subsequentes pressupostos do dever de indemnizar em decorrência de um eventual incumprimento contratual.
E os meros transtornos, incómodos, desgostos e preocupações, cuja gravidade e consequências se desconhecem, não podem constituir danos não patrimoniais ressarcíveis.
Ora, ainda que se possa considerar que seria desejável que todo o procedimento de avaliação da verificação do(s) sinistro(s) tivesse ocorrido com maior celeridade, não só a própria Autora não cumpriu, na comunicação de qualquer um deles, os prazos a que, por lei, se encontrava vinculada, como não logrou a mesma provar quais os concretos prejuízos que lhe advieram de alguma morosidade no processo de avaliação de verificação dos sinistros comunicados. Consequentemente, igualmente por provar ficou o nexo de causalidade entre os alegados danos patrimoniais e não patrimoniais e a atuação pouco diligente da Ré Seguradora, sendo certo que a Ré seguradora cumpriu a sua obrigação de liquidação do capital mutuado em dívida, por verificação do sinistro “morte”.
O princípio da boa fé, na sua aceção objetiva, estabelece a obrigação das partes de agir com honestidade, lealdade e cooperação nas relações jurídicas, consubstanciando uma norma orientadora de conduta, mal se percebendo que a Autora que, sem quaisquer consequências adversas, não só não cumpriu os prazos legais de comunicação dos sinistros à Ré Seguradora, como não cumpriu com o seu dever de exatidão e verdade aquando do seu pedido de reposição do contrato subjudice, omitindo o grave estado de saúde do segurado, venha agora exigir da Ré Seguradora uma conduta exemplar, de maior celeridade no cumprimento das suas obrigações”.
Já se vê que questão do ónus da prova é determinante para apreciação do que respeita à consideração dos factos não provados aqui em equação.
Vale a pena começar por recorrer ao texto publicado por Luísa Cristina Morais Pereira Ferreira, na Julgar on-line, em Novembro de 2024, intitulado “O contrato de seguro de vida de grupo (contributivo) – No quadro da questão da oponibilidade à seguradora das consequências jurídicas da não comunicação ao aderente de uma cláusula geral inserta no mesmo, quando, nas relações internas, o dever da sua comunicação incumbe ao tomador”[30], seguindo o seu raciocínio argumentativo (particularmente completo e com interesse total para a decisão do recurso) e acrescentando-lhe os links para a jurisprudência citada.
Aí se refere que:
- “Na jurisprudência nacional foram-se formando duas orientações, a saber: uma a defender que o regime legal respeitante aos seguros de grupo é um regime especial que afasta a aplicação do Decreto Lei n.º 446/85, de 25/10, doravante designado como o regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais -, razão pela qual, não estando a seguradora adstrita aos deveres de comunicação e de informação das cláusulas do contrato de seguro de grupo, o incumprimento de tais deveres não lhe é oponível pelo segurado; e outra a defender que um regime não afasta a aplicação do outro, motivo pelo qual a seguradora se encontra vinculada aos deveres de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais e o incumprimento desses deveres pelo tomador do seguro é oponível àquela”[31];
- “Nos seguros de grupo existe liberdade negocial no que respeita à estrutura do contrato-quadro celebrado entre o segurador e o tomador. Esse contrato-quadro, posteriormente, vai enquadrar os contratos de seguro individuais entre cada segurado e o segurador, sendo nestes que a liberdade contratual sofre fortes limitações”[32];
- “No quadro do contrato de seguro de grupo contributivo do ramo vida, aos segurados/aderentes não resta outra alternativa senão a de aceitar ou rejeitar em bloco o conteúdo contratual que lhes foi proposto, dentro do tipo contratual pretendido pelo tomador e a seguradora. O cliente ou consumidor - um dos contraentes - não teve a menor participação na preparação e redação das respetivas cláusulas do contrato-quadro do seguro de grupo, tendo-se limitado a aceitar o texto que o outro contraente - a seguradora - oferece, em massa, ao público, deste modo impondo aos particulares, necessitados de celebrar o contrato, a aceitação ou rejeição do modelo, padrão ou norma que lhes é oferecida sem poderem discutir ou alterar o conteúdo da proposta. O cliente ou consumidor é, assim, um terceiro em relação a esse contrato quadro e às negociações que lhe antecederam. O que inequivocamente exprime a estipulação de um contrato de adesão”[33];
- “É uma limitação à liberdade contratual no domínio factual, a qual não deixou de ser também tida em conta no regime legal aplicável, regime este que quis proteger a precaridade da situação da parte mais fraca, ou seja, daquela parte que economicamente é incapaz de discutir em iguais circunstâncias os termos do desejado – e às vezes até obrigatório – convénio. Precisamente neste contexto, com vista a obviar aos inconvenientes que para a parte dita mais fraca poderão advir do incontrolável respeito das cláusulas contratuais gerais apostas nestes contratos de adesão, é que foi publicado o regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais - o citado Decreto Lei n.º 446/85, de 25/10”[34];
- “O contrato de grupo ramo vida é realizado entre o tomador de seguro, designadamente, no crédito à habitação, o financiador, e a entidade seguradora. O contrato, por estes negociado e cujas cláusulas se encontram pré-redigidas, é suscetível de adesão por parte do consumidor/mutuário. Os riscos assegurados pelo contrato – de morte, de invalidez, de incapacidade temporária, entre outros – são respeitantes a um concreto consumidor/aderente, que não, como vimos, teve a mínima participação na discussão do clausulado e ao qual fica vinculado. O que permite, portanto, considerar este contrato de seguro como de adesão em relação à pessoa segura/aderente do mesmo. Como tal as cláusulas contratuais gerais do contrato de seguro de grupo regem-se pelo Decreto Lei 446/85, de 25 de outubro, relativo às Cláusulas Contratuais Gerais (cfr. art. 1.º do mencionado diploma)”[35];
- “é o próprio art. 3.º do Decreto Lei 72/2008, de 16 de abril, que determina que: “o disposto no presente regime não prejudica a aplicação ao contrato de seguro do disposto na legislação sobre cláusulas contratuais gerais (…)”. E a corroborar o entendimento que defendemos, importa atentar no preâmbulo do Decreto Lei 72/2008, quando aí se refere que: “importa garantir que a circunstância de o contrato de seguro ser celebrado na modalidade de seguro de grupo não constitui um elemento que determine um diferente nível de proteção dos interesses do segurado e que prejudique a transparência do contrato”[36];
- “Em rigor, para além do contrato-quadro inicialmente celebrado entre a entidade financiadora – o tomador - e a seguradora, existirão tantos contratos quantas as adesões verificadas. Cada pessoa segura/aderente é titular de situações jurídicas próprias de uma parte de um contrato. Isto é assim, tanto do lado ativo, como sejam: o direito potestativo de aceitar que se produzam relativamente a si os efeitos do negócio, mediante a adesão; o direito de fazer cessar o vínculo com a seguradora, mediante a denúncia ou de opor-se à respetiva renovação, mediante a oposição à renovação; o direito de resolver o contrato em caso de incumprimento de algum dos deveres principais da seguradora relativamente a si; o direito de exigir o cumprimento da prestação da seguradora, etc. Como do lado passivo, como sejam: o dever de informação quanto aos factos que teriam podido influir na decisão de segurar o risco; a sujeição à recusa de celebração do contrato por parte da seguradora; no caso de seguros contributivos em sentido próprio, o pagamento do prémio à seguradora; etc. Neste contexto, adotamos o entendimento de que o regime das Cláusulas Contratuais Gerais é aplicável a cada um dos contratos sucessivos ao contrato-quadro”[37];
- “nos termos do art. 5.º do citado diploma, dúvidas não existem que a seguradora tem o ónus de comunicar à pessoa segura, no momento anterior à adesão à apólice, as cláusulas contratuais gerais insertas no contrato”;
- “importará conciliar a aplicação deste regime com o facto de o art. 78.º, n.º 1, do Decreto Lei 72/2008, de 16 de abril, impor ao tomador do seguro o dever de informar “os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador” (“Com as consequências jurídicas aplicáveis
ao incumprimento deste dever previstas no art. 79.º do citado diploma”):
- “E com o facto de o art. 18.º do Decreto Lei 72/2008 impor ao segurador o dever de informar, mas aí se referindo, apenas, ao dever de informar o tomador de seguro, com as consequências do incumprimento deste dever previstas no art. 23.º do mesmo diploma”[38];
- é aqui surge problemática de “saber se a falta de informação do tomador do seguro ao cliente/aderente se repercute ou não na seguradora. A razão de ser da distribuição dos deveres de informação com a configuração que resulta do referido no art. 78.º, n.º 1, prende-se com evidentes dificuldades práticas e logísticas que decorreriam da imposição à seguradora de entregar cópias das condições gerais e especiais a todos os aderentes, em contraposição com a maior facilidade de comunicação entre o tomador e aqueles, decorrente de uma relação negocial ou institucional paralela”;
- “Nos seguros de grupo, as seguradoras, através dos contratos-quadro que celebram com o tomador, conseguem chegar a um universo de milhares de potenciais clientes que, de outro modo, nunca ou muito dificilmente alcançariam. O tomador do seguro, ao promover a adesão de novos participantes, fá-lo não só no seu interesse direto, mas também no interesse da seguradora”;
- “Assim, parece-nos notório que o citado art. 78.º, n.º 1, salvaguarda, essencialmente, os interesses práticos das seguradoras, devendo o seu âmbito de aplicação ficar confinado às suas relações com o tomador – relação interna -, não se aplicando às relações externas – entre o tomador e os clientes/aderentes[39];
- “para o membro do grupo aderente é indiferente saber quem tem o dever de o informar pois, ao celebrar um contrato de seguro na presença do tomador, mas que vincula um terceiro - a seguradora -, confia que qualquer deles tem o dever de informar e que ambos - seguradora e tomador - ficam vinculados ao cumprimento integral do contrato, sendo este constituído por aquelas cláusulas. Neste contexto, é de admitir que a omissão do dever de informação por parte do tomador do seguro pode determinar a exclusão das cláusulas afetadas por força do disposto no art. 8.º do Decreto Lei 446/85, de 25 de outubro”;
- “a obrigação que recai sobre o tomador de, nos termos do art. 78.º, n.º 1, do DL 72/2008, de 16 de Abril, informar “os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador” tem uma eficácia limitada às relações dele com a seguradora, não valendo como uma transferência para o tomador da obrigação de informar para com o segurado, que desresponsabilize a seguradora perante este, impedindo-o de lhe opor a exclusão da cláusula não informada ou relativamente à qual não existe prova dessa informação, quando esta foi posta em causa pelo segurado”[40];
- assim decidiu o Acórdão da Relação do Porto de 27 de Fevereiro de 2014 (Processo n.º 2334/10.7TBGDM.P1-Araújo Barros), “quando refere: “O preceito do artigo 4º, n.º 1, do DL n.º 176/95, não colide com o regime do DL nº 446/85, quanto à obrigação de informação. Na verdade, o seu alcance restringe-se às relações entre o segurador e o tomador. Como decorre claramente do preâmbulo desse diploma, em trecho aliás recorrentemente citado no texto do acórdão, mas cujas implicações não parecem ter sido corretamente apreendidas – «Pretende-se, assim, definir algumas regras sobre a informação que, em matéria de condições contratuais e tarifárias, deve ser prestada aos tomadores e subscritores de contratos de seguro pelas seguradoras que exercem a sua catividade em Portugal. Pretende-se igualmente com esta nova regulamentação reduzir o potencial de conflito entre as seguradoras e os tomadores de seguro, minimizando as suas principais causas e clarificando direitos e obrigações». O dever de informação impende inequivocamente sobre a seguradora. Mas, para reduzir o potencial conflito entre tomadores e seguradoras, se os direitos e obrigações. Nas relações entre estes, como é óbvio. Pelo que, com esse necessariamente restrito âmbito, a obrigação que recai sobre o tomador de, nos termos do artigo 4º, nº 1, do DL nº 176/95 (ora artigo 78.º, nº 1, do DL nº 72/2008), informar «os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora» nunca poderá valer como uma transferência para o tomador da obrigação de informação para com o segurado, a este validamente oponível pela seguradora, perante o mesmo a isentando desse dever. Com este entendimento, que temos por devido, além daquele voto de vencido, os acórdãos desta Relação do Porto de 11.09.2008 (Fernando Batista) – «embora, numa primeira análise, seja o tomador do seguro (o banco mutuante) quem no seguro de grupo tem o dever de informação do teor das cláusulas, a falta de informação desse intermediário repercute-se na seguradora, não sendo essa falta oponível ao segurado, arcando, assim, a seguradora com as respetivas consequências, sem que possa invocar perante o segurado as cláusulas contratuais gerais a que essa falta respeita. Ou seja, responde perante o segurado, sem prejuízo de poder (eventualmente), depois, vir a acionar o intermediário (tomador do seguro de grupo) pelo prejuízo que tal falta de informação lhe tenha acarretado» - e da Relação de Lisboa de 5.03.2009 (Catarina Manso) – «tendo o Banco, tomador do seguro se limitado a entregar ao segurado o boletim de adesão, a culpa de falta de informação cabe-lhe a ele e às seguradoras que se foram sucedendo», ambos in dgsi.pt. Ver, todavia, em sentido contrário, ibidem, os acórdãos desta Relação do Porto de 31.01.2007 (Amaral Ferreira) e do STJ de 22.01.2009 (Custódio Montes). Pelo exposto, concluímos que a exclusão da cláusula em apreço do contrato tem eficácia que se estende também à seguradora”;
- na mesma linha:
- o Acórdão da Relação do Porto de 25 de Outubro de 2012 (Processo n.º 24/10.0TBVNG.P1-José Ferraz) onde se escreveu que “Não se olvida que o Banco mutuante e tomador do seguro de grupo, por um lado, e a seguradora (apelante), por outro, integram o mesmo grupo económico-financeiro e celebram o seguro de grupo no comum interesse, potenciando, lucrativa e reciprocamente, a atividade de cada um deles. Nessa coordenação, a seguradora serve-se do Banco para colocar/vender, junto dos clientes deste (com determinados créditos - «crédito à habitação») os seus seguros, recorrendo à espécie contratual de «seguro de grupo». Por imposição do mutuante, tiveram os apelados de contratar seguro em seu benefício e que foi contratado na seguradora do grupo, beneficiando esta de vasto número de clientes (centenas ou milhares) sob promoção do banco «intermediário». Como se escreve em Ac. RP «o Banco funciona como o verdadeiro angariador de clientes de seguros, impondo-os aos seus mutuários nos casos de concessão de crédito para compra de habitação, a título de garantia acrescida à hipoteca constituída sobre os imóveis, como sucedeu neste caso; e em que os segurados, obviamente «contributivos« (al. h) do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 176/95), asseguram a fonte altamente lucrativa desse vantajoso negócio, a repartir entre ambos (tem sido tornado público que os seguros do ramo vida são os mais rentáveis) e ao nível dos direitos ficam como que esmagados entre dois «elefantes» (no sentido de que se trata de duas entidades empresariais de grande poder económico-financeiro). Pelo que os efeitos do incumprimento daquele dever de informação sobre o teor e o sentido das cláusulas contratuais, e designadamente as que se referem aos deveres a que vinculam os segurados, é questão a dirimir entre a seguradora e o Banco, mas não a opor aos próprios segurados.» Há, nessa situação, uma íntima colaboração entre as duas entidades que celebram o contrato de seguro, em relação às quais as cláusulas negociadas não assumem a natureza de cláusulas contratuais gerais. E dessa colaboração, de que vêm a beneficiar reciprocamente, nasce um produto negocial, constituído por um clausulado fixo e imodificável que vai ser proposto a um número indeterminado de pessoas (consumidores, clientes da entidade financiadora) e que a ele vêm a aderir, em relação aos quais essas cláusulas são cláusulas contratuais. E é nesta fase da adesão que se coloca o problema das cláusulas gerais, quando propostas ao consumidor (diretamente pelo tomador) e por ele aceites. A seguradora sabe bem da finalidade e do procedimento das cláusulas que convenciona com o tomador do seguro, sabendo, ainda, que o seguro só se torna efetivo e eficaz a partir da concretização de alguma adesão. Pois que as cláusulas são elaboradas pelo segurador e tomador para serem apresentadas aos aderentes que as vêm a aceitar, sem discussão ou modificação e a esse processo não é estranha a seguradora. A adesão não depende apenas da vontade do aderente, como efeito automático de um ato unilateral deste. Mesmo que se não entenda como figura contratual autónoma (mas como uma fase necessária à eficácia do seguro de grupo), para a adesão se tornar eficaz, necessária é a aceitação da proposta do aderente pela seguradora, sem a qual o proponente não fica a coberto da garantia negociada no seguro de grupo. Se as negociações com vista à adesão são tratadas com o tomador do seguro, é com a segurada que se concluem pela aceitação da proposta do aderente. A seguradora e o aderente são parte no mesmo negócio. De modo que o “negócio” da adesão não é estranho à seguradora, para se remeter a uma total irresponsabilidade pela deficiente formação da vontade do aderente ao se vincular em virtude da omissão de informação pelo tomador do seguro. Se, do art. 78.º, nº 1, do DL nº 72/2008, surgem obrigações para o tomador do seguro, já que é junto deste que, normalmente, as negociações para a adesão se processam, não opera para esta a total irresponsabilidade do segurador pelas omissões de informação ao aderente, praticadas pelo tomador do seguro. De resto, não seria excessivo exigir que a seguradora, antes da aceitação da proposta, remetesse as cláusulas gerais ao aderente, ao invés de se limitar a fazê-lo com o certificado individual de seguro, que corporiza a aceitação da proposta. Neste entendimento, não pode a seguradora ser alheia à obrigação de comunicação e informação das cláusulas gerais à outra parte, seja diretamente ou através do tomador do seguro que, no processo normal de formação deste tipo de seguro, funciona como verdadeiro intermediário. Quem se pretende fazer valer das cláusulas gerais em causa (de exclusão da cobertura) é a seguradora e, por isso que a ela cabe provar a comunicação/informação das cláusulas ao aderente (arts. 1º/3 e 5º/3 do DL 446/85). Não se tem como razoável, excluir o segurador da responsabilidade pela omissão cometida pelo tomador do seguro, que atua também no seu interesse económico, funcionando como um intermediário, em desproteção do consumidor, globalmente a parte menos esclarecida e mais fraca da complexa relação contratual. Como consta do Preâmbulo do DL 72/2008, de 16 de junho, «nos contratos de seguro de grupo em que os segurados contribuem para o pagamento, total ou parcial, do prémio, a posição do segurado é substancialmente assimilável à de um tomador do seguro individual. Como tal, importa realçar que da nova regulamentação deste tipo de seguro resulta que o fato de o contrato de seguro ser celebrado na modalidade de seguro de grupo não constitui um elemento que determine um diferente nível de proteção dos interesses do segurado e que prejudique a transparência do contrato». O seguro de grupo é um contrato de seguro, celebrado inicialmente apenas entre a seguradora e um tomador, mas ao qual aderem posteriormente outros indivíduos ligados de algum modo ao tomador do seguro, assumindo, desse modo, o seguro de grupo «a forma de um contrato complexo e trilateral – seguradora, tomador e aderentes». Estes (aderentes consumidores), a parte débil na relação de seguro, não podem ter menor proteção pelo facto de se vincularem à seguradora, sob promoção do tomador do seguro. Tendo a entidade financiadora omitido conduta regular, a verdade é que para ela os segurados não contribuíram, sendo de todo injusto fazer recair obre eles as consequências de uma cláusula a que não aderiram. O que implicará a responsabilidade direta da seguradora pela falta de comunicação e informação das cláusulas gerais de exclusão das coberturas do seguro, mesmo que essa falta seja imputável, em primeira linha, ao tomador do seguro. Conforme se escreve no Ac. RP «numa primeira análise, que parece que quem tinha o dever de informar do teor das cláusulas seria o tomador do seguro (Banco), que foi quem negociou o seguro de grupo com a seguradora, quem concedeu o crédito aos autores e que serviu de intermediário do seguro relativamente aos segurados. É que, como vimos, o Banco, de certo modo, atuou perante os autores como intermediário da seguradora. E a questão assume particular relevância, precisamente, no âmbito das cláusulas contratuais gerais, de que o contrato de seguro é normalmente fértil. Ora, a consequência imediata dessa falta de informação do intermediário é que «a seguradora não poderá invocar uma exclusão a uma cobertura, contida numa cláusula que não foi devidamente comunicada ou informada pelo intermediário, porque essa exclusão se vai ter por excluída do contrato. Logo vigora a cobertura» (sem tal exclusão). Assim sendo, parece que a conclusão a tirar não pode deixar de ser esta: faltando a devida informação, a seguradora arcará com as respetivas consequências, não podendo invocar perante o segurado as cláusulas contratuais gerais a que essa falta respeita. Responde perante o segurado, sem prejuízo de poder, eventualmente, depois, vir acionar o intermediário pelo prejuízo que tal falta de informação lhe tenha acarretado. A responsabilização direta da seguradora para com o segurado resulta, quer do princípio da boa-fé, quer da consideração de que, estando-se no domínio do direito do consumo, se deve proteger, em primeira mão, a parte mais débil na relação contratual -- o consumidor/segurado”;
- o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Maio de 2023 (Processo n.º 2224/14.4TBSTS.P1.S1-Maria da Graça Trigo), onde tendo-se suscitado dúvidas “acerca da compatibilidade da orientação jurisprudencial que defende que o regime legal relativo aos seguros é um regime especial que afasta a aplicação do regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais com o efeito útil da Diretiva 93/13/CEE do Conselho de 05/04/1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores.
Assim, nesse processo, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu suspender a instância e suscitar perante o Tribunal de Justiça da União Europeia(…), nos termos do art. 267.º, § 1.º, alínea b), e § 3.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, as seguintes questões prejudiciais:
“1ª) O art. 5.º da Diretiva 93/13/CEE, ao exigir que «as cláusulas propostas ao consumidor estejam (…) sempre redigidas de forma clara e compreensível», deve interpretar-se, de acordo com o Considerando 20 da Diretiva, no sentido de exigir que o consumidor tenha sempre oportunidade de tomar conhecimento de todas as cláusulas?
2ª) O art. 4.º, n.º 2, da Diretiva 93/13/CEE, ao exigir, como requisito para a exclusão do controlo das cláusulas relativas ao objeto principal do contrato, que «essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível», deve interpretar-se no sentido de exigir que o consumidor tenha sempre oportunidade de tomar conhecimento de tais cláusulas?
3ª) No quadro de uma legislação nacional que autoriza o controlo jurisdicional do carácter abusivo das cláusulas que não tenham sido objeto de negociação individual relativas à definição do objeto principal do contrato:
(i) O art. 3.º, n.º 1, da Diretiva 93/13/CEE, interpretado de acordo com a alínea i) da lista indicativa referida no n.º 3 do mesmo artigo, opõe-se a que, num contrato de seguro de grupo contributivo, a seguradora possa opor à pessoa segurada uma cláusula de exclusão ou de limitação do risco segurado que não lhe tenha sido comunicada e que, em consequência, a pessoa segurada não tenha tido oportunidade de conhecer;
(ii) ainda que, simultaneamente, a legislação nacional responsabilize o tomador do seguro pela violação do dever de comunicação/informação das cláusulas pelos danos causados à pessoa segurada, responsabilidade essa, porém, que, em regra, não permite colocar a pessoa segurada na situação em que estaria se a cobertura do seguro tivesse funcionado?”[41];
- “o acórdão do TJUE de 20/04/2023 (processo C-263/22) abordou as referidas questões e fundamentou as suas respostas, quanto à primeira e segunda questões colocadas no citado reenvio prejudicial e no essencial, do seguinte modo: Começou por realçar que, nos termos do artigo 5.º da Diretiva 93/13, primeira parte, as cláusulas dos contratos celebrados com um consumidor consignadas por escrito deverão ser sempre redigidas de forma clara e compreensível.
Em seguida, fez notar que o Tribunal de Justiça já havia esclarecido que esta exigência tem o mesmo alcance que a mencionada no artigo 4.º, n.º 2, da referida diretiva, que apenas excluiu o mecanismo de fiscalização, pelo juiz nacional, do caráter abusivo das cláusulas que digam respeito ao objeto principal do contrato quando essas cláusulas estejam redigidas de maneira clara e compreensível (citando, neste sentido, Acórdãos de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai, C-26/13, EU:C:2014:282, n.º 69, e de 3 de março de 2020, Gómez del Moral Guasch, C-125/18, EU:C:2020:138, n.º 46).
Mais referiu que o Tribunal de Justiça, também, já havia esclarecido que a exigência de transparência das cláusulas contratuais, conforme resulta destas disposições, deve ser entendida de forma extensiva e que não pode ficar reduzida apenas ao caráter compreensível dessas cláusulas nos planos formal e gramatical.
Adiantado que esta exigência impõe que um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, esteja em condições de compreender o funcionamento concreto dessa cláusula e avaliar assim, com base em critérios precisos e inteligíveis, as consequências económicas, potencialmente significativas, dessa cláusula sobre as suas obrigações (citando, neste sentido, Acórdãos de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C-609/19, EU:C:2021:469, nºs. 42 e 43, e de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C-776/19 a C-782/19, EU:C:2021:470, nºs. 63 e 64 e jurisprudência referida).
No que respeita ao momento em que esses elementos devem ser dados a conhecer ao consumidor, o citado acórdão do TJUE de 20/04/2023 relembra que, em outros processos, já tinha declarado que o fornecimento, antes da celebração de um contrato, da informação relativa às condições contratuais e às consequências dessa celebração é de importância fundamental para o consumidor, uma vez que é, nomeadamente, com base nesta informação que este decide se se deseja vincular às condições previamente redigidas pelo profissional (citando, neste sentido, Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Gutiérrez Naranjo, C-154/15, C-307/15 e C-308/15, EU:C:2016:980, n.º 50, jurisprudência de 12 de janeiro de 2023, D.V. [Honorários de advogado — Princípio do valor por hora], C-395/21, EU:C:2023:14, n.º 39 e jurisprudência referida).
E prosseguiu dando a conhecer que, num caso em que, como o vertido no mencionado reenvio prejudicial, um consumidor tinha aderido a um contrato de seguro de grupo aquando da celebração de um contrato de mútuo, o Tribunal de Justiça já tinha considerado que revestem para o consumidor uma importância essencial, para efeitos do respeito da exigência de transparência das cláusulas contratuais, a informação fornecida antes da celebração do contrato quanto às condições do compromisso, bem como, nomeadamente, a exposição das particularidades do mecanismo de cobertura das prestações devidas ao mutuante em caso de incapacidade total do mutuário, de modo que esse consumidor possa avaliar, com base em critérios precisos e inteligíveis, as consequências económicas que daí decorrem para ele. E que nesse esclarecimento já prestado, o Tribunal de Justiça tinha deixado bem claro que essa informação e essa exposição são necessárias para que o alcance da cláusula em questão seja compreendido pelo consumidor, ao qual não se pode exigir, aquando da celebração de contratos associados, a mesma vigilância quanto à extensão dos riscos cobertos por esse contrato de seguro que teria se celebrasse separadamente este último e esse contrato de mútuo (citando, neste sentido, Acórdão de 23 de abril de 2015, Van Hove, C-96/14, EU:C:2015:262, nºs. 41 e 48)”[42];
- “No citado acórdão do TJUE de 20/04/2023 anota-se que, uma vez que a exigência de transparência das cláusulas contratuais assim interpretadas pelo Tribunal de Justiça implica a obrigação de facultar ao consumidor, antes da celebração do contrato, todas as informações necessárias para que este possa compreender as consequências económicas dessas cláusulas e decidir, com pleno conhecimento de causa, vincular-se contratualmente, essa exigência pressupõe necessariamente que o consumidor possa tomar conhecimento de todas as cláusulas de um contrato antes da sua celebração.
E refere-se, ainda, que o facto de essas cláusulas incidirem ou não sobre o objeto principal desse contrato é irrelevante a este respeito, porque para que o consumidor, em conformidade com o objetivo prosseguido pela referida exigência de transparência, possa decidir com conhecimento de causa se se deseja vincular às condições previamente redigidas pelo profissional, deve necessariamente, antes de tomar essa decisão, ter podido tomar conhecimento do referido contrato na íntegra, uma vez que é o conjunto das cláusulas deste último que determinará, nomeadamente, os direitos e as obrigações que incumbem ao consumidor por força do mesmo contrato.
De resto, conforme aí se avança, o Tribunal de Justiça já tinha esclarecido que a mesma exigência de transparência também se aplica quando uma cláusula seja relativa ao objeto principal do contrato (citando, neste sentido, Acórdão de 3 de março de 2020, Gómez del Moral Guasch, C-125/18, EU:C:2020:138, nºs. 46 e 47 e jurisprudência referida).
E destaca-se, na argumentação seguida, que tal exigência de conhecimento prévio da totalidade das cláusulas de um contrato é claramente sublinhada pelo vigésimo considerando da Diretiva 93/13/CEE do Conselho de 5 de abril de 1993, nos termos do qual não só os contratos devem ser redigidos em termos claros e compreensíveis, como o consumidor deve efetivamente ter a oportunidade de tomar conhecimento de todas as cláusulas.
Assim, esclareceu que o legislador da União Europeia sublinhou o interesse do conhecimento prévio de todas as cláusulas de um contrato, a fim de permitir ao consumidor decidir, com conhecimento de causa, se se deseja vincular a essas cláusulas. Seguidamente, transpondo as referidas considerações para o caso concreto a decidir, o citado acórdão do TJUE de 20/04/2023 explica que, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio refere que a regulamentação portuguesa relativa aos seguros de grupo constitui, segundo uma certa interpretação jurisprudencial, uma lex specialis que exclui a aplicação da regulamentação geral relativa às cláusulas que não foram objeto de negociação individual, importa recordar que a exigência de transparência das cláusulas contratuais prevista na Diretiva 93/13 não pode ser afastada pelo facto de existir um regime jurídico especial aplicável a um certo tipo de contratos. Isto porque, conforme aí se refere, segundo jurisprudência constante, é com referência à qualidade dos contratantes que a Diretiva 93/13 define os contratos a que se aplica (citando, neste sentido, Acórdão de 21 de março de 2019, Pouvin e Dijoux, C-590/17, EU:C:2019:232, n.º 23 e jurisprudência referida, e Despacho de 10 de junho de 2021, X Bank, C-198/20, não publicado, EU:C:2021:481, n.º 24)”[43];
- o Acórdão do TJUE recorda “que o princípio da interpretação conforme exige que os órgãos jurisdicionais nacionais façam tudo o que for da sua competência, tomando em consideração todo o direito interno e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, a fim de garantir a plena eficácia da diretiva em causa e de alcançar uma solução conforme ao objetivo por ela prosseguido (citando, neste sentido, Acórdão de 6 de novembro de 2018, Max-Planck-Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften, C-684/16, EU:C:2018:874, n.º 59 e jurisprudência referida)”[44];
- “No que respeita à resposta à terceira questão colocada no citado reenvio prejudicial, o acórdão do TJUE de 20/04/2023 (…) concluiu que, com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.º, n.º 1, e os artigos 4.º a 6.º da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que uma cláusula de um contrato de seguro relativa à exclusão ou à limitação da cobertura do risco segurado, da qual o consumidor não pôde tomar conhecimento antes da celebração desse contrato, pode ser oposta a esse consumidor, mesmo quando o tomador do seguro possa ser considerado responsável por essa não tomada de conhecimento e ainda que tal responsabilidade não coloque o referido consumidor na situação em que estaria se essa cobertura tivesse funcionado. E continua dizendo que, a este respeito, importa recordar, em primeiro lugar, que, no que respeita ao artigo 5.º da Diretiva 93/13, o caráter transparente de uma cláusula contratual constitui um dos elementos a ter em conta no âmbito da avaliação do caráter abusivo dessa cláusula que cabe ao juiz nacional efetuar nos termos do artigo 3.º, n.º 1, desta diretiva (citando, neste sentido, Acórdão de 12 de janeiro de 2023, D.V. [Honorários de advogado - Princípio do valor por hora], C-395/21, EU:C:2023:14, n.º 47 e jurisprudência referida). Consequentemente, esclarece que, se o caráter não transparente de uma cláusula contratual, devido à sua falta de clareza ou de compreensibilidade, pode constituir um elemento a ter em conta no âmbito da avaliação do caráter abusivo dessa cláusula, a falta de transparência, devido à impossibilidade de o consumidor tomar conhecimento da referida cláusula antes da celebração do contrato em causa, pode, por maioria de razão, constituir um elemento dessa natureza. Em segundo lugar, acrescenta que no âmbito da apreciação do caráter abusivo de uma cláusula contratual, que cabe ao órgão jurisdicional nacional efetuar nos termos do artigo 3.º, n.º 1, da Diretiva 93/13, incumbe a esse órgão jurisdicional avaliar, num primeiro momento, o possível desrespeito da exigência de boa-fé e, num segundo momento, a existência de um eventual desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, na aceção desta última disposição (citando, neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2019, Kiss e CIB Bank, C-621/17, EU:C:2019:820, n.º 49 e jurisprudência referida).
Nessa sequência, constata que, de acordo com o artigo 4.º, n.º 1, dessa diretiva, o referido órgão jurisdicional deve efetuar essa apreciação tomando como referência, nomeadamente, o momento da celebração do contrato e todas as circunstâncias que rodearam a sua celebração.
E que, no que respeita, por um lado, à exigência de boa-fé, importa salientar que, como resulta do décimo sexto considerando da Diretiva 93/13, no âmbito da apreciação da boa-fé, há que ter em conta, nomeadamente, a força das respetivas posições de negociação das partes e a questão de saber se o consumidor foi de alguma forma incentivado a manifestar o seu acordo com a cláusula em questão.
(…) quanto à questão de saber se, a despeito da exigência de boa-fé, uma cláusula contratual dá origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e as obrigações das partes no contrato decorrentes deste último, esclarece que o juiz nacional deve verificar se o profissional, ao negociar de forma leal e equitativa com o consumidor, podia razoavelmente esperar que este aceitasse essa cláusula, na sequência da negociação individual (citando, neste sentido, nomeadamente, Acórdãos de 3 de setembro de 2020, Profi Credit Polska, C-84/19, C-222/19 e C-252/19, EU:C:2020:631, n.º 93 e jurisprudência referida, e de 10 de junho de 2021, BNP Paribas Personal Finance, C-776/19 a C-782/19, EU:C:2021:470, n.º 98 e jurisprudência referida). Nestes termos, concluiu que para apreciar se as cláusulas de um contrato, como as que estão em causa no processo principal, dão origem a esse desequilíbrio em detrimento do consumidor, há que ter em conta todas as circunstâncias de que o profissional ou o seu representante podiam ter conhecimento no momento da celebração desse contrato e que fossem suscetíveis de influenciar a execução posterior do referido contrato, devendo o órgão jurisdicional nacional determinar se o consumidor recebeu todas as informações suscetíveis de ter incidência no alcance das obrigações que lhe incumbem por força do mesmo contrato e que lhe permitissem avaliar, nomeadamente, as consequências decorrentes deste último.
A este respeito, refere, com especial relevância, que a circunstância de o consumidor não ter podido tomar conhecimento de uma cláusula contratual antes da celebração do contrato em causa constitui um elemento essencial na apreciação do eventual caráter abusivo dessa cláusula, uma vez que essa circunstância poderia levar o consumidor a assumir obrigações que de outro modo não teria aceitado e, por conseguinte, poderia ser suscetível de dar origem a um desequilíbrio significativo entre as obrigações mútuas das partes nesse contrato.
Assim, partindo da matéria apurada nas instâncias nacionais, o TJUE vai mais longe e menciona, de forma impressiva, que a aplicação, naquelas circunstâncias, de tais cláusulas de exclusão ou de limitação da cobertura do risco segurado leva a que o consumidor deixe de beneficiar dessa cobertura em caso de materialização desse risco e a que, em princípio, a partir da data da verificação de uma incapacidade permanente resultante de um problema de saúde previamente existente, que não comunicou à seguradora por falta de oportunidade, tenha de pagar ele mesmo as prestações do mútuo em dívida, tendo, eventualmente, de pagar pelo menos uma parte destas, quando, por força de uma regulamentação nacional aplicável como a que está em causa no processo principal, o banco for considerado responsável pelo dano causado pela falta de comunicação dessas cláusulas, sem, no entanto, colocar esse consumidor na situação em que estaria se essa cobertura tivesse funcionado.
Isto porque, conforme aí se refere, ao não permitir ao consumidor em causa tomar conhecimento, antes da celebração desse contrato, da informação relativa às referidas cláusulas contratuais e a todas as consequências da celebração do referido contrato, o profissional faz esse risco, decorrente de uma eventual incapacidade permanente, recair totalmente, ou pelo menos parcialmente, sobre esse consumidor.
E segue dizendo que, se o órgão jurisdicional de reenvio vier a considerar, após apreciação das circunstâncias específicas do caso concreto, que, no processo principal, a despeito da exigência de boa-fé, a seguradora não podia razoavelmente esperar, respeitando a exigência de transparência em relação ao aderente, que este último aceitasse, na sequência de uma negociação individual, as cláusulas contratuais em causa, esse órgão jurisdicional deverá concluir que estas têm um caráter abusivo.
(…)Conclui que, no caso em apreço, resultaria da argumentação/fundamentação exposta que a cláusula de exclusão ou de limitação da cobertura do risco do segurado não poderia ser oponível ao mesmo, não podendo esta conclusão ser posta em causa por uma interpretação da regulamentação nacional, como a referida pelo órgão jurisdicional de reenvio, nos termos da qual aquela cláusula teria de ser oponível ao segurado pelo facto de o dever de comunicação incumbir, nos termos daquela regulamentação, ao tomador de seguro e não à seguradora e porque foi aquele que não cumpriu o dever de comunicação das cláusulas contratuais, mesmo que essa regulamentação imponha ao tomador o dever de indemnizar pelo dano resultante dessa falta de comunicação sem, contudo, permitir restabelecer a situação de direito e de facto em que o consumidor estaria se tivesse beneficiado dessa cobertura.
Mais acrescenta que a referida regulamentação, que é relativa às consequências, em matéria de responsabilidade civil, dessa falta de comunicação, não pode influenciar a inoponibilidade de uma cláusula contratual qualificada de abusiva em relação ao consumidor, em aplicação da Diretiva 93/13, fazendo realçar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a declaração do caráter abusivo de uma cláusula constante de um contrato deve permitir restabelecer a situação de direito e de facto em que o consumidor se encontraria na falta dessa cláusula (citando, neste sentido, Acórdão de 12 de janeiro de 2023, D.V. [Honorários de advogado — Princípio do valor por hora], C-395/21, EU:C:2023:14, n.º 54 e jurisprudência referida).
Com uma importância primordial, o TJUE esclarece que a inoponibilidade dessa cláusula contratual qualificada de abusiva em relação ao consumidor não prejudica as eventuais consequências, em matéria de responsabilidade civil do tomador do seguro perante a seguradora, da falta de comunicação dessa cláusula ao consumidor pelo tomador do seguro.
Com base nestes fundamentos, no citado acórdão de 20/04/2023 (processo C-263/22), o TJUE respondeu à primeira e à segunda questões suscitadas em sede daquele reenvio prejudicial da seguinte forma: “O artigo 4.º, n.º 2, e o artigo 5.º da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, lidos à luz do vigésimo considerando desta diretiva, devem ser interpretados no sentido de que: um consumidor deve ter sempre a possibilidade de tomar conhecimento, antes da celebração de um contrato, de todas as cláusulas que este contém”[45].
E respondeu à terceira questão prejudicial nos seguintes termos: “O artigo 3.º, n.º 1, e os artigos 4.º a 6.º da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que: quando uma cláusula de um contrato de seguro relativa à exclusão ou à limitação da cobertura do risco segurado, da qual o consumidor em causa não pôde tomar conhecimento antes da celebração desse contrato, é qualificada de abusiva pelo juiz nacional, este tem de afastar a aplicação dessa cláusula a fim de que não produza efeitos vinculativos relativamente a esse consumidor[46].
À luz do mencionado acórdão do TJUE, foi, então, prolatado o já referido acórdão do STJ de 25/05/2023 (processo n.º 2224/14.4TBSTS.P1.S), o qual concluiu da seguinte forma: “(…) V. No caso dos autos, dúvidas não subsistem de que a cláusula contratual que exclui da cobertura do seguro as situações clínicas resultantes da evolução de doenças pré-existentes não foi comunicada à autora aderente aquando da celebração do contrato de seguro, configurando, de acordo com os parâmetros indicados na fundamentação do Acórdão do TJUE, uma situação frontalmente contrária à “exigência da boa fé”, sendo de qualificar como cláusula abusiva. VI. De acordo com a orientação do Acórdão do TJUE, a interpretação do direito nacional em conformidade com a Diretiva 93/13/CEE não permite que a existência de regimes de responsabilização do tomador do seguro pelo incumprimento do dever de comunicação/informação das cláusulas possa afetar a inoponibilidade ao aderente consumidor de cláusula contratual qualificada como abusiva. VII. Assim, o direito nacional (art. 8.º, al. a), do DL n.º 446/85, de 25.10), ao determinar que as cláusulas não comunicadas sejam excluídas do contrato, encontra-se em plena consonância com a Diretiva 93/13/CEE. VIII. No caso dos autos, considera-se excluída do contrato de seguro a cláusula de exclusão do risco de doença pré-existente, mantendo-se, no mais, a vigência do mesmo contrato (art. 9.º, n.º 1, do DL n.º 446/85, de 25.10), devendo, por isso, entender-se que a situação de incapacidade total e permanente da autora se encontra coberta pelo seguro contratado”[47];
- “Apesar das questões em análise terem sido abordadas por referência ao Decreto Lei n.º 176/95, mais concretamente por referência ao art. 4.º, n.º 1, entretanto revogado pelo art. 6.º, n.º 2, al. e), do Decreto Lei 72/2008, as conclusões dos citados acórdãos (do TJUE e do STJ) mantêm-se plenamente atuais, assim como atual se mantém a divergência jurisprudencial a que supra aludimos, embora francamente esbatida pelo teor daqueles arestos. Pois que o art. 78.º, n.º 1[48], do Decreto Lei 72/2008, de 16 de abril, manteve, no que ao assunto releva, uma redação idêntica ao do art. 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 176/95”;
- “o acórdão do TJUE de 20/04/2023 (processo C-263/22), num primeiro momento, e o acórdão do STJ de 25/05/2023 (processo n.º 2224/14.4TBSTS.P1.S), no momento subsequente, são dois instrumentos jurisprudenciais fundamentais para que a interpretação do direito nacional se faça em conformidade com a citada Diretiva 93/13/CEE”;
- “A interpretação do TJUE é vinculativa para todos os Estados Membros e todos os tribunais nacionais desses Estados, em virtude do disposto no artigo 91.º do Regulamento do Processo do Tribunal de Justiça e do primado do direito da União Europeia acolhido pelo art. 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
E assumem um papel preponderante na resolução da divergência existente na jurisprudência nacional a que supra se aludiu, com a já referida formação das duas orientações: uma a defender que o regime legal respeitante aos seguros de grupo é um regime especial que afasta a aplicação do Decreto Lei n.º 446/85, de 25/10, razão pela qual, não estando a seguradora adstrita aos deveres de comunicação e de informação das cláusulas do contrato de seguro de grupo, o incumprimento de tais deveres não lhe é oponível pelo segurado; e outra a defender que um regime não afasta a aplicação do outro, motivo pelo qual a seguradora se encontra vinculada aos deveres de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais e o incumprimento desses deveres pelo tomador do seguro é oponível àquela”[49];
- neste Contexto, “a melhor interpretação e aquela que é conforme com a Diretiva 93/13/CEE, sempre com respeito pelas regras de interpretação nacionais, encontra-se com aqueles que consideram que ao contrato de seguro de grupo é aplicável o regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais. A implicar que a seguradora continue vinculada aos deveres de comunicação e informação das cláusulas contratuais gerais ou pelo menos às consequências da sua não comunicação.
E a implicar que uma cláusula de um contrato de seguro relativa à exclusão ou à limitação da cobertura do risco segurado de que o consumidor não pôde tomar conhecimento, antes da celebração desse contrato, terá de ser qualificada de abusiva pelo juiz nacional e este tem de a afastar, a fim de que não produza efeitos vinculativos relativamente a esse consumidor, aplicando a consequência que se encontra prevista na legislação nacional para estas situações, ou seja, a exclusão de tal cláusula do contrato, nos termos do artigo 8.º, al. a), do regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais”[50];
- o mesmo foi defendido no Acórdão da Relação do Porto de 10 de Julho de 2024 (Processo n.º 1009/19.6T8PFR.P1-João Diogo Rodrigues), onde se escreveu que “o direito nacional (art. 8.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro), ao determinar simplesmente que as cláusulas não comunicadas sejam excluídas do contrato (isto é, sem sujeitar o afastamento de tais cláusulas ao controlo do respetivo conteúdo a realizar em razão dos parâmetros constantes dos pontos 45 e seguintes da fundamentação do acórdão do TJUE), se encontra em plena consonância com a Diretiva 93/13/CEE”. Pois que, dizemos nós, assegura o objetivo da Diretiva na interpretação que dela é feita pelo TJUE”.
Deste modo, conclui a Autora que:
- “não seria justo nem adequado à lógica do regime jurídico do Contrato de Seguro e das Cláusulas Contratuais Gerais que a seguradora apenas ficasse com os benefícios da sua atividade comercial e não suportasse, perante terceiros, os riscos inerentes à mesma, deixando aqueles totalmente desprotegidos no âmbito do contrato de seguro de grupo a que aderiram, quando estes assumem a posição de parte mais débil”;
- “o entendimento exposto é o mais conforme com a Diretiva 93/13/CEE, na interpretação que é dada aos seus artigos 3.º, n.º 1, e 4.º a 6.º pelo o acórdão do TJUE de 20/04/2023 (processo C-263/22), pois que, também, acolhe a conclusão de que uma cláusula de um contrato de seguro relativa à exclusão ou à limitação da cobertura do risco segurado de que o consumidor não pôde tomar conhecimento, antes da celebração desse contrato, terá de ser qualificada de abusiva pelo juiz nacional e este tem de a afastar, a fim de que não produza efeitos vinculativos relativamente a esse consumidor, aplicando a consequência que se encontra prevista na legislação nacional para estas situações, ou seja, a exclusão de tal cláusula do contrato, nos termos do artigo 8.º, al. a), do regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais”;
- se perfilha “o entendimento de todos quantos defendem a oponibilidade à seguradora das consequências jurídicas da não comunicação ao aderente de uma cláusula geral inserta no contrato de seguro de grupo contributivo do ramo vida, quando, nas relações internas, era ao tomador que incumbia a obrigação legal da sua comunicação e foi este que incumpriu tal obrigação”[51].
As transcrições foram extensas, mas constituíram a forma de deixar clara a fundamentação e o percurso argumentativo que nos leva a uma conclusão, à qual - como se vê - nem em termos de direito nacional, nem em termos de direito europeu (que nos vincula), se pode escapar.
Aliás, em termos jurisprudenciais, vale a pena aqui fazer referência também ao:
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Abril de 2015 (Processo n.º 294/2002.E1.S1-Clara Sottomayor), pois que nele, depois de se enquadrar o contrato de seguro do ramo vida de grupo como “um seguro contributivo, em que o banco mutuante é o tomador do seguro – entidade que celebra o contrato de seguro com a seguradora, sendo responsável pelo pagamento do prémio; os mutuários do crédito concedido são o grupo segurável, i.e., as pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum; as pessoas mutuárias são aquelas cujo risco de vida, saúde ou integridade física tenha sido aceite pela seguradora depois da recepção das declarações de adesão ao grupo, quer dizer, do documento de consentimento da pessoa segura na efectivação do seguro – e que contribuem, no todo ou em parte, para o pagamento do prémio”, e de os considerar como contratos de adesão (“cuja formação ocorre em dois momentos distintos. Num primeiro momento, é celebrado um contrato entre a seguradora e o tomador do seguro e, num segundo momento, concretizam-se as adesões dos membros do grupo. O contrato de seguro é predisposto pela seguradora e pelo tomador e são estas entidades que modelam o seu conteúdo: o segurado, por virtude de um vínculo que o liga ao tomador, limita-se a aderir ao contrato objecto de predisposição”), considerando que o “acto de adesão do segurado em relação às condições do contrato de seguro consubstancia uma manifestação de vontade de que é contraparte a seguradora, o que permite atribuir ao aderente uma protecção equivalente à do segurado num contrato de seguro individual, aplicando-se o DL n.º 446/85, de 25/10 para regular as relações entre o segurado e a seguradora”[52], se sublinha que os “deveres de comunicação e esclarecimento, na íntegra, do conteúdo negocial estão previstos nos arts. 5.º e 6.º do DL 446/85 e resultam directamente do princípio da boa fé contratual consagrado no art. 227.º do Código Civil, estendendo-se a todas as partes dos contratos que tenham poder de impor cláusulas negociais ao consumidor” e que o “facto de o legislador ter fixado, no art. 4.º, n.º 1 do DL n.º 176/95, de 26 de Julho, deveres de informação a cargo do tomador de seguro, não significa que tenha querido onerar exclusivamente o banco com estes deveres e exonerar a seguradora, perante o aderente, dos deveres que já decorriam dos arts 5.º e 6.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro”;
- Acórdão da Relação de Lisboa de 07 de Novembro de 2024 (Processo n.º 1049/20.2T8BRG.L1-6-Eduardo Petersen), onde se concluiu que a “falta de cumprimento do dever de informação relativo a cláusula contratual geral inserta em contrato de adesão, por parte da instituição bancária tomadora do seguro e simultaneamente mediadora, reflecte-se no domínio da relação entre esta e a seguradora[53], mas não exonera a seguradora, em acção intentada pela pessoa segura, da condenação no pagamento da cobertura segurada”;
- Acórdão da Relação do Porto de 11 de Março de 2021 (Processo n.º 23369/17.3T8PRT.P1-Paulo Duarte Teixeira), onde se concluiu que a “regulação do art. 4º, do DL Dec. Lei nº 176/95, de 26-6, deve ser interpretada de forma restritiva, sendo aplicável apenas às relações entre o tomador e a seguradora”, que caso “a seguradora não tenha demonstrado que o segurado foi informado deve essa cláusula ser excluída nos termos do art. 8º, da LCCG” e que o “dever de informação da seguradora resulta quer dos princípios gerais (boa fé); quer das normas especiais (proteção do consumidor), quer da situação especial prevista no art. 22 desse diploma”;
- ao Acórdão da Relação do Porto de 27 de Setembro de 2018 (Processo n.º 849/17.5T8FLG.P1-Araújo Barros), onde se decidiu que a “obrigação que, nos seguros de grupo, nos termos primitivamente estabelecidos no artigo 4º, nº 1, do DL nº 176/95, de 26 de Julho, e ora constantes do artigo 78º, nº 1, do DL nº 72/2008, de 16 de Abril, impende sobre o tomador, de informar «os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador», tem uma eficácia confinada às relações deste com o tomador[54], não valendo como uma transferência de tal dever, que desresponsabilize o segurador perante os segurados, impedindo estes de lhe oporem a exclusão de cláusula não informada”;
- e ao Acórdão da Relação do Porto de 11 de Setembro de 2008 (Processo n.º 0834361-Fernando Baptista), onde, depois de se escrever que o “Decreto-Lei n.° 446/85, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 220/95, atravessa, longitudinalmente, todo o ordenamento jurídico português e é aplicável a todo o tipo de negócios em cujos contratos singulares ou elaborados em forma de minuta, para o futuro, se incluam cláusulas contratuais gerais - só cedendo perante as excepções que ele próprio a si mesmo se impôs e que constam do seu art.° 3.° -, incluindo-se dentro da aplicação do mesmo diploma legal os contratos de seguro de grupo, como contratos de adesão que são”, se concluiu que, embora “numa primeira análise, seja o tomador do seguro (o Banco mutuante) quem no seguro de grupo tem o dever de informação do teor das cláusulas, a falta de informação desse intermediário repercute-se na seguradora, não sendo essa falta oponível ao segurado, arcando, assim, a seguradora com as respectivas consequências, sem que possa invocar perante o segurado as cláusulas contratuais gerais a que essa falta respeita. Ou seja, responde perante o segurado, sem prejuízo de poder (eventualmente), depois, poder vir a accionar o intermediário (tomador do seguro de grupo) pelo prejuízo que tal falta de informação lhe tenha acarretado”.
Em apoio deste entendimento, vejam-se ainda:
- Vasco Noversa (“Os Deveres de Informação do Segurador no Contrato de Seguro de Grupo - Implicação do Decreto-Lei 446/85. Uma Análise Jurisprudencial”, Dissertação de Mestrado em Direito, na Área de Especialização de Direito Privado na Escola de Direito da Universidade Católica do Porto (orientada por Júlio Vieira Gomes), 2016, página 40, disponível em https://repositorio.ucp.pt ): “Em momento algum a ordem jurídica deverá conviver com resultados contrários à finalidade das leis e à boa-fé enquanto princípio geral de direito, como tal, o intérprete terá sempre que ter em consideração o contexto da criação LCS.
Tal é comprovado pelo seu preâmbulo quando o legislador frisa que “importa garantir que a circunstância de o contrato de seguro ser celebrado na modalidade de seguro de grupo não constitui um elemento que determine um diferente nível de proteção dos interesses do segurado e que prejudique a transparência do contrato”.
Ora, a prossecução deste objetivo acarreta inevitavelmente um fortalecimento da proteção do segurado e não a sua diminuição, pelo que entendemos também, à luz da ratio da LCS, que a mesma não deva ser entendida como uma lei especial que derroga o diploma que fixa o regime das cláusulas contratuais gerais.
Devemos, pois, proceder a uma interpretação da LCS de forma harmonizada e conciliável com a LCCG, sem que nenhuma delas afaste a outra. Até porque, não é unânime que o DL n.º 446/85 seja uma lei geral ou comum, sendo a LCCG também ela especial em relação ao regime comum dos contratos”;
- e Marta Cristina Mendes Palaio (“O Contrato de Seguro de Grupo como Contrato de Adesão: o Controlo da Formação do Negócio, [em linha] Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (orientada por Mafalda Castanheira Neves Miranda Barbosa) Coimbra, 2024, página 64, disponível em https://estudogeral.uc.pt/retrieve/276123/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20de%20Mestrado-Marta%20Palaio.pdf): “Acontece que, não raras vezes, o segurado não é devidamente informado das cláusulas que integram o contrato, seja pelo tomador ou pela seguradora. Assim, impôs-se a análise de uma questão que dividia a jurisprudência nacional e que incidia precisamente sobre a responsabilidade da seguradora perante a falta de informação das cláusulas contratuais pelo tomador do seguro.
Das orientações que se destacaram no plano jurisprudencial, a que melhor tutela os interesses do segurado é a posição que defende que, independentemente de quem a lei designe como responsável pela informação, o essencial é garantir que o segurado tenha sido devidamente informado.
Mais, caso não tenha sido, que este possa reivindicar os seus direitos como consumidor contra qualquer uma das partes (tomador ou seguradora).
Sob o mesmo enfoque, afastámos a ideia de que a Lei do Contrato de Seguro deve prevalecer sobre a LCCG, defendendo que os regimes de ambas as leis devem ser interpretados de forma harmoniosa, uma vez mais, em defesa dos interesses do consumidor.
Concluímos que é fulcral garantir que o segurado seja devidamente informado, sendo secundário determinar qual a parte obrigada a cumprir esse dever.
Acreditamos que o Acórdão do TJUE (Processo C-263/2022) se alinha com esta posição, que também defendemos, e que irá orientar os arestos futuros proferidos pela nossa Justiça”.
Perante isto, não nos parece que possam subsistir dúvidas sobre a circunstância de o ónus da prova do que respeita à comunicação do clausulado pertencer à Seguradora (sendo certo que o Banco Santander, SA. foi – e bem – absolvido pedido por ilegitimidade substantiva, e o BANIF viu a acção ser julgada supervenientemente inútil quanto a si – Facto 42).
Ora, neste contexto, a matéria factual que directa ou indirectamente a este tema se reporte, estando dada como não provada e sendo a impugnação feita pela Autora[55], torna-se absolutamente irrelevante para decisão dos autos, porque o que relevaria era a prova feita pela Seguradora de que tal comunicação havia sido feita.
Por isso, convocando os princípios da utilidade, da economia e da celeridade processuais, tudo nos leva a descartar a reapreciação de factos que sejam insusceptíveis de assumir relevância jurídica, em face do Direito aplicável (ou passível de ser aplicado).
Fazê-lo seria levar a cabo uma actividade processual à partida irrelevante, inconsequente e inútil[56].
Trata-se da aplicação directa do princípio da limitação dos actos, que ressalta do artigo 130.º do Código de Processo Civil[57].
É isto que temos tido oportunidade de referir em vários Acórdãos (por exemplo, de 04 de Julho de 2023 - Processo n.º 20210/20.3T8LSB.L1-7 e de 19 de Março de 2024 - Processo n.º 27889/21.7T8LSB.L1-7), no sentido de sublinhar que convém ter presente que, respeitando tal princípio, o direito à impugnação da decisão sobre a matéria de facto assume um carácter instrumental face à decisão de mérito do pleito, pelo que (Acórdão de 20 de Junho de 2023, desta mesma Secção – Processo n.º 11680/21.3T8LSB.L1), para “não praticar actos inúteis e inconsequentes, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando a factualidade objeto da impugnação for insusceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica”[58].
É isto também que escreve Carlota Spínola, quando conclui que o Tribunal da Relação “está eximido do exercício do dever de modificabilidade da decisão de facto nas situações de irrelevância processual que ficam, por conseguinte, excluídas do campo de aplicação do art. 662.º. Esta constatação lapalissiana baseia-se no princípio da limitação dos atos expressamente previsto no art. 130.º, enquanto manifestação do princípio da celeridade e da economia processual, acolhidos nos arts. 2.º/1 e 6.º/1.
Como é aludido nos acs. do TR de Guimarães (TRG) de 20/10/2016 (proc. n.º 2967/2012, ID 369508) e de 26/11/2018 (proc. n.º 272/2017, ID 400002), a Relação não deve reapreciar a matéria factual quando os concretos factos objecto da impugnação forem insuscetíveis, “face às circunstância(s) próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito”, de ter “relevância jurídica”, sob pena de executar uma atividade processual que já previamente sabia ser “inútil” ou “inconsequente”. Por outras palavras, o exercício dos poderes-deveres de investigação pela Relação só é admissível se recair sobre factos com interesse para o recurso, i. e., factos que a serem demonstrados, modificados ou dados como provados alteram a solução ou o enquadramento jurídico do objeto recursório”[59].
Ora, o que sucede quanto a esta pretensão da Autora Recorrente é que, considerando o objecto do processo, considerando o pedido e a causa de pedir formulados, a pretensão impugnatória no que concerne aos Factos não provados a), b), c), d) e e), nada traria de relevante ao processo e não seria susceptível de alterar o rumo da acção, do que decorre o seu indeferimento: era à Seguradora que cabia provar que todo o processo de comunicação do clausulado havia sido feito correctamente.
Por outro lado, e neste enquadramento, também a alteração dos Factos não provados i), j) e n) se torna inócua e irrelevante, pelo que vai também indeferida.
***
Quanto à necessidade de passar o facto não provado k)[60], para Facto Provado, com a seguinte redacção “a autora fez inúmeras chamadas para a seguradora, em datas não totalmente apuradas, no ano de 2018, para saber do andamento da participação do sinistro e informar da extemporaneidade da carta de marcação de consulta recepcionada a 13 de Abril, apesar de datada de 10 de Abril, não tendo recebido por parte da seguradora qualquer resposta”.
O Tribunal a quo dá o facto como não provado, basicamente por entender que as declarações de parte foram vagas e sem respaldo noutra fonte.
Neste caso, sem razão, rectius, sem a razão total.
De facto, tal como o facto vinha alegado e com a prova produzida, haveria de ser considerado não provado, mas dessa alegação a redacção ora proposta em sede de impugnação fica acobertada sem qualquer esforço no que a Autora declarou em audiência.
Vale a pena, aliás, deixar claro que a prova por declarações de parte não pode ser nem negligenciada, nem desvalorizada sem mais, valendo aqui o recurso à jurisprudência dois Acórdãos, que temos como paradigmática, sobre a forma como as declarações de parte devem ser ponderadas:
- o Acórdão da Relação de Lisboa de 26 de Abril de 2017 (Processo n.º 18591/15.0T8SNT.L1-7-Luís Filipe Pires de Sousa), onde de forma extensamente fundamentada[61] se conclui que:
- “No que tange à função e valoração das declarações de parte existem três teses essenciais:
(i) tese do caráter supletivo e vinculado à esfera restrita de conhecimento dos factos;
(ii) tese do princípio de prova e
(iii) tese da autossuficiência das declarações de parte”;
- “Para a primeira tese, as declarações de parte têm uma função eminentemente integrativa e subsidiária dos demais meios de prova, tendo particular relevo em situações em que apenas as partes protagonizaram e tiveram conhecimento dos factos em discussão”;
- “A tese do princípio de prova defende que as declarações de parte não são suficientes para estabelecer, por si só, qualquer juízo de aceitabilidade final, podendo apenas coadjuvar a prova de um facto desde que em conjugação com outros elementos de prova”;
- “Para a terceira tese, pese embora as especificidades das declarações de parte, as mesmas podem estribar a convicção do juiz de forma autossuficiente”;
- “É infundada e incorreta a postura que degrada – prematuramente - o valor probatório das declarações de parte só pelo facto de haver interesse da parte na sorte do litígio. O julgador tem que valorar, em primeiro lugar, a declaração de parte e, só depois, a pessoa da parte porquanto o contrário (valorar primeiro a pessoa e depois a declaração) implica prejulgar as declarações e incorrer no viés confirmatório”;
- “É expectável que as declarações de parte primem pela coerência e pela presença de detalhes oportunistas a seu favor (autojustificação) pelo que tais caraterísticas devem ser secundarizadas”;
- “Na valoração das declarações de partes, assumem especial acutilância os seguintes parâmetros: contextualização espontânea do relato, em termos temporais, espaciais e até emocionais; existência de corroborações periféricas; produção inestruturada; descrição de cadeias de interações; reprodução de conversações; existência de correções espontâneas; segurança/assertividade e fundamentação; vividez e espontaneidade das declarações; reação da parte perante perguntas inesperadas; autenticidade”;
- Acórdão da Relação de Lisboa de 26 de Outubro de 2021 (Processo n.º 571/19.8T8LSB.L1-7-Cristina Coelho), onde se sublinha que o Tribunal não “deve, à partida, desacreditar as declarações prestadas pela parte, antes devendo valorizar a forma como as presta, a coerência e verosimilhança do declarado, tendo em conta a situação concreta e as regras da experiência, bem como a demais prova produzida que as confirme ou sustente”.
Ora, em concreto, a factualidade em causa, tal como proposto vem na formulação do facto aventada pela Recorrente, resulta perfeitamente retratada nas declarações produzidas (que só por serem produzidas pela parte não têm de ser descartadas ou não acreditadas, por um qualquer pré-juízo abstracto), embora apenas parcialmente (sendo certo que a sua credibilidade ancora ainda em regras de experiência, e inexiste qualquer outro elemento probatório que aponte no sentido da sua impertinência e/ou infidelidade).
De facto, é absolutamente credível, no contexto vivido pela Autora, a existência das chamadas feitas para a seguradora, em datas não totalmente apuradas, no ano de 2018, visando saber do andamento da participação do sinistro, apenas se alterando a redacção sugerida de “inúmeras” para “várias”, sendo que, quanto à restante matéria (que entronca também com a reclamação feita a propósito do Facto não provado l)) já se torna inaceitável a posição defendida pela Autora, uma vez que nem por regras de experiência se consegue chegar a essas conclusões, faltando um mínimo apoio de outro(s) elemento(s) probatório(s) que permita(m) corroborar o alegado.
Assim, procede parcialmente a impugnação da Autora, determinando-se que o Facto não provado k), passe a constar dos Factos Provados, como Facto 28A, com a seguinte redacção:
28A - A Autora fez várias chamadas para a seguradora, em datas não totalmente apuradas, no ano de 2018, para saber do andamento da participação do sinistro, não tendo recebido por parte da seguradora qualquer resposta.
****
Quanto à necessidade de passar o Facto não provado l) (A Autora apenas recebeu a carta referida em 29) a 13 de Abril de 2018) para Provado, vale o acabado de expor, uma vez que nem por regras de experiência se consegue chegar à conclusão pretendida, faltando um mínimo apoio de outro elemento probatório que permita corroborar o alegado.
Indefere-se a pretensão da Autora.
*****
Quanto à necessidade de considerar provados os Factos não provados u) (A Autora manteve-se a pagar os prémios do seguro de vida, sem interrupção, até 30 de Maio de 2019, designadamente: - Em 2014 - € 424,32; - Em 2015 - € 442,20; - Em 2019 - € 235,30), v) (Nos anos de 2014 a 2019 os valores anuais de prestação hipotecária, que incluíam para além do capital, valores de comissão a favor da 2.ª Ré, imposto de IVA, juros compensatórios, eram debitados diretamente na conta bancária de J e da Autora a favor da 2.ª R, num total de €20.943,69: - Em 2014, as prestações hipotecárias ascenderam a um total de €3.879,84; - Em 2015, as prestações hipotecárias ascenderam a um total de €3.823,35; - Em 2016, as prestações hipotecárias ascenderam a um total de €3.646,76; - Em 2017, as prestações hipotecárias ascenderam a um total de €3.242,74; - Em 2018, as prestações hipotecárias ascenderam a um total de €3.282,8) w) (Da quantia referida em 37) e v), correspondem a comissões, impostos e juros compensatórios a favor da 2.ª R., a quantia de €3.074,49) x) (A Autora manteve-se a pagar seguro multirriscos, por manutenção do empréstimo hipotecário, que tem o custo mensal de €26,40), assiste razão à Autora.
De facto, e quanto a eles, em face dos documentos n.ºs 26, 17 e 20, juntos com a Petição Inicial; n.º 14, junto com a Contestação da Ré Generali a 10 de Outubro de 2021; e n.ºs 1 e 2, do Requerimento do Réu Banco Santander, SA., junto a 15 de Julho de 2022; é possível considerar tais factos provados, de modo que se determina que passem a constar dos Factos Provados, como Factos 37A, 37B (corrigindo apenas o valor de €20.943,69, para corresponder ao valor das parcelas descritas, €17.875,49), 37C e 37D, com a seguinte redacção:
37A) A Autora manteve-se a pagar os prémios do seguro de vida, sem interrupção, até 30 de Maio de 2019, designadamente: - Em 2014 - € 424,32; - Em 2015 - € 442,20; - Em 2019 - € 235,30.
37B) Nos anos de 2014 a 2019 os valores anuais de prestação hipotecária, que incluíam para além do capital, valores de comissão a favor da 2.ª Ré, imposto de IVA, juros compensatórios, eram debitados diretamente na conta bancária de J da Autora a favor da 2.ª R, num total de €17.875,49: - Em 2014, as prestações hipotecárias ascenderam a um total de €3.879,84; - Em 2015, as prestações hipotecárias ascenderam a um total de €3.823,35; - Em 2016, as prestações hipotecárias ascenderam a um total de €3.646,76; - Em 2017, as prestações hipotecárias ascenderam a um total de €3.242,74; - Em 2018, as prestações hipotecárias ascenderam a um total de €3.282,8.
37C) Da quantia referida em 37) e v), correspondem a comissões, impostos e juros compensatórios a favor da 2.ª R., a quantia de €3.074,49.
37D) A Autora manteve-se a pagar seguro multirriscos, por manutenção do empréstimo hipotecário, que tem o custo mensal de €26,40. *
Quanto à necessidade de passar os Factos não provados q) (Durante cerca de dois anos consecutivos, a Autora vivenciou diariamente angústia, agitação, dias de insónia e dificuldade de concentração no trabalho),r) (A Autora era o único braço de trabalho da sua casa, com uma filha para criar, e um marido inválido, recaindo todas as responsabilidades a seu cargo, nomeadamente as respeitantes ao empréstimo, seguros, comissões bancárias) e s) (As Rés nunca informaram nem explicaram à Autora o conteúdo e condições do contrato de seguro celebrado, tendo esta sentido grande revolta, combinado com a impotência vivenciada contra este tipo de instituições, o que foi fonte de grande perturbação e sofrimento), volta a relevar a problemática da consideração do valor a dar às declarações de parte.
Assim, reafirmando a antes exposto, importa dar parcial razão à Autora, em função das suas próprias declarações, que foram claras e consentâneas com o processo de luto e dificuldades vivenciadas, bem como com as regras da experiência e o senso comum (a não ser no que concerne à primeira parte do facto s), que se mostra abrangido por todas as considerações acima feitas a propósito do dever de comunicação das cláusulas), pelo que, devem estes factos ser julgados como provados
Assim, procede parcialmente a impugnação da Autora, determinando-se que os Factos não provados q), r) e s), passem a constar dos Factos provados como Factos 39A, 39B e 39C, os seguintes:
39A) Durante cerca de dois anos consecutivos, a Autora vivenciou diariamente angústia, agitação, dias de insónia e dificuldade de concentração no trabalho.
39B)A Autora era o único braço de trabalho da sua casa, com uma filha para criar, e um marido inválido, recaindo todas as responsabilidades a seu cargo, nomeadamente as respeitantes ao empréstimo, seguros, comissões bancárias.
39C) A Autora tendo sentido grande revolta com a situação com que foi confrontada, o que, combinado com a impotência vivenciada contra este tipo de instituições, foi fonte de grande perturbação e sofrimento.
*º*
Fundamentação de Direito
A Sentença sob recurso, que se apresenta bem estruturada, para além do que já foi transcrito a propósito da qualificação do contrato (como de seguro de vida de grupo) e do ónus da prova quanto à comunicação do clausulado e a responsabilidade da Seguradora (embora aqui tenhamos concluído de forma distinta), impõe – face ao entendimento adoptado e à nova factualidade a tomar em consideração – uma alteração do decidido.
Assim, e nesta sede, começa por se sublinhar o que de forma linear se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Abril de 2022 (Processo n.º 2502/21.6T8VNG.P1.S1-Vieira e Cunha), ao dizer-se que neste “tipo de contrato não negociado, a lei visa assim, directamente, a protecção da parte contratualmente mais fraca, assegurando de modo consistente um “dever de comunicação” (art.º 5.º n.ºs 1 e 2 LCCG) e um “dever de informação” (art.º 6.º n.ºs 1 e 2 LCCG) por parte do proponente, que se consubstanciam na comunicação prévia e por forma adequada, e na informação do significado das cláusulas e das suas implicações (assim, Almeida Costa e Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, 1986, pgs. 24 e 25).
A comunicação não só deverá ser completa, abrangendo a globalidade das condições negociais em causa, como deverá igualmente mostrar-se idónea para a produção de um certo resultado: tornar possível o real conhecimento das cláusulas pela contraparte (Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, pg.22).
Desta forma, mesmo que o aderente não procure inteirar-se cabalmente do conteúdo contratual que aceita, a lei confere-lhe protecção em face do proponente (cf. Joaquim de Sousa Ribeiro, O Problema do Contrato – As Cláusulas Contratuais Gerais e o Princípio da Liberdade Contratual, pg. 372, cit. in Ac.R.L. 17/2/2005 Col.I/116) – está em causa apenas proteger o aderente nos tipos de contrato em que existe uma aceitação não particularmente negociada por aquele aderente. Não é a iniciativa do cliente que se sindica, no conhecimento das condições gerais do seguro, mas o cumprimento pelo utilizador das condições necessárias a tal conhecimento”[62].
Fica assim sublinhado que não está em causa a complexidade da cláusula (que é das que não necessitam de explicação, por ser simples e clara para qualquer pessoa média), mas sim a sua própria comunicação e efectivo conhecimento: o que sucede é que não chegamos sequer a entrar no plano do dever de informação, porque não chegamos a ultrapassar o – prévio – do dever de comunicação e dar conhecimento do conteúdo contratado[63].
Perante esta conclusão, o que fica é que a Autora não sabia que a situação de incapacidade do marido estava coberta pelo seguro contratado, o que tem como implicação que a Ré Seguradora tenha de cumprir com aquilo a que se se pretendeu eximir[64] (sem prejuízo de eventual reembolso pelo incumprimento do Banco nas suas obrigações de informação), mas a que se tinha obrigado contratualmente no contrato de seguro que celebrou com Autora e falecido marido.
Assim, pelo menos desde 07 de Abril de 2015 (data do Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, referido no Facto 19, onde se atesta a incapacidade de J por ser “portador de deficiência que (…) lhe confere uma incapacidade permanente global de 80%”, “desde 2014”), tem de ser considerada responsável a Seguradora (uma vez que todo o seu comportamento de fuga ao cumprimento do acordado o impõe).
Essa responsabilidade, uma vez que o marido da Autora, entretanto, faleceu e já foi liquidado o empréstimo (Factos 2 e 31 a 35) tem, assim de abranger os valores referidos nos Factos 36 (€7.499,69), 37 (€2.072,13), 37A (€1.101,82), 37B (€17.875,49), 37D (€26,40), 38 (€184,90) e 39 (€1.479,48), num total de €31.719,39.
A este valor acrescerão os juros devidos desde a data da citação, nos termos do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil, à taxa de 4%, até ao seu efectivo e integral pagamento (artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil e Portaria n.º 291/03, de 08 de Abril).
*º*
A título de danos não patrimoniais a Autora peticionou o pagamento de €15.000, sendo que, o Tribunal a quo, nada arbitrou.
Cremos que sem razão, nomeadamente após o acrescento dos Factos provados 39B e 39C.
Vejamos:
Nos termos do artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, na fixação da indemnização correspondente a este tipo de danos deve atender-se aos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, sendo o seu montante fixado equitativamente, tendo em atenção (nos termos do artigo 494.º, ex vi do artigo 496.º, n.º 4), grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado, natureza e intensidade do dano e demais circunstâncias do caso.
Diferentemente da avaliação dos danos patrimoniais, cabe aqui ao Tribunal o papel de verificar não "quanto as coisas valem", mas sim que encontrar "o quantum necessário para obter aquelas satisfações que constituem a reparação indirecta" possível (Galvão Telles[65]): o prejuízo, na sua materialidade, não desaparece, mas é economicamente compensado ou, pelo menos, contrabalançado: o dinheiro não tem a virtualidade de apagar o dano, mas pode este ser contrabalançado, "mediante uma soma capaz de proporcionar prazeres ou satisfações à vítima, que de algum modo atenuem ou, em todo o caso, compensem esse dano"[66].
É por isso que - de há muito - o Supremo Tribunal de Justiça tem sublinhado que o artigo 496.º do Código Civil fixa "não uma concepção materialista da vida, mas um critério que consiste que se conceda ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada adequada a proporcionar-lhe alegrias ou satisfações que, de algum modo, contrabalancem as dores, desilusões, desgostos, ou outros sofrimentos que o ofensor tenha provocado"[67].
Tudo isto é conseguido através dos juízos de equidade referidos no artigo 496.º, n.º 4, do Código Civil[68], o que, evidentemente "importará uma certa dificuldade de cálculo"[69], mas que não poderá servir de desculpa para uma falta de decisão : é um risco assumido pelo sistema judicial (necessariamente temperado por padrões de indemnização adoptados pela jurisprudência[70], ou seja, deverão sempre ser ponderados os valores fixados noutras decisões jurisprudenciais[71]).
Como pano de fundo, acresce, importa sempre ter em consideração que na fixação da indemnização por danos não patrimoniais os tribunais não se devem guiar por critérios miserabilistas, devendo a compensação ser significativa que não meramente simbólica: como se refere lapidarmente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Outubro de 2012 (Processo n.º 6628/04.2TVLSB.L1.S1-Gregório de Jesus), na “esteira da jurisprudência do STJ, pode dizer-se unânime, na fixação da indemnização por danos não patrimoniais os tribunais não se devem guiar por critérios miserabilistas. Tal compensação deverá, então, ser significativa e não meramente simbólica. A prática deste Supremo Tribunal vem cada vez mais acentuando a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais. Mas também não deve nem pode representar negócio”, vincando-se, em todo o caso, que “indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária”.
Ora, perante alguma escassez de factos provados quanto a esta matéria, pois temos apenas os que resultam da conjugação dos Factos 39 (durante cerca de dois anos consecutivos, a Autora vivenciou diariamente angústia, agitação, dias de insónia e dificuldade de concentração no trabalho), 39B (ela era a única fonte de rendimento do casal, tendo uma filha para criar e o marido incapacitado) e 39C (sentiu grande revolta, impotência e perturbação, com a situação gerada), de forma alguma se pode desvalorizar esta realidade factual, reconduzindo-a a meros incómodos não valoráveis ou tuteláveis.
Pelo contrário, na sequência da invalidez do marido e de ter passado arcar com todas as despesas do casal, passando a saber que afinal o seguro cobria também a situação de invalidez e vendo os entraves e atrasos que a conduta da Seguradora (que não provou ter-lhe explicado convenientemente aquilo a que tinha direito enquanto segurada) ia colocando (e que acabou por se arrastar até ao falecimento do aludido marido) é evidente que qualquer pessoa dotada de um padrão médio de sensibilidade, ou de um padrão médio de razoabilidade e bom senso, sentiria a sua vivência afectada de forma suficientemente grave para merecer a tutela do Direito.
Importa referir que, pese embora se procure lograr a maior uniformidade, previsibilidade e coerência entre os valores atribuídos pelos Tribunais a título de indemnização, não será nunca possível forçar uma equiparação de situações que serão sempre únicas e irrepetíveis em cada concreto processo, procurando-se sempre evitar distorções ostensivas, critérios manifestamente arbitrários, ou a atribuição de valores indemnizatórios que se mostrem claramente insensatos.
Neste contexto, entendemos que a indemnização deve ser fixada num razoável valor de € 3.000.
A este valor acrescerão os juros moratórios devidos após trânsito do presente Acórdão (cfr. artigo 806.º, n.º 1, do Código Civil), também à taxa de 4%.
**
Nas palavras de Eric Voegelin as “sociedades dependem para a sua génese, a sua existência harmoniosa continuada e a sobrevivência, das acções dos seres humanos componentes. A natureza do homem e a liberdade da sua acção para o bem e para o mal, são factores essenciais na estrutura da sociedade"[72].
Recorrente e Recorridas escolheram o seu caminho de actuação.
Ao Tribunal resta, no "acto de julgar", dar razão parcial à Recorrente considerando parcialmente procedente o seu recurso (tendo, na linha de Paul Ricoeur, como "horizonte um equilíbrio frágil entre os dois componentes da partilha" - "demasiado próximos no conflito e demasiado afastados um do outro na ignorância, no ódio, ou no desprezo" - mas impondo-se, "por um lado, pôr fim à incerteza, separar as partes; por outro, fazer reconhecer a cada um a parte que o outro ocupa na mesma sociedade, em virtude do que o ganhador e o perdedor do processo seriam reputados ter cada qual a justa parte no esquema de cooperação que é a sociedade"[73]).
n n
DECISÃO
Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se, nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar parcialmente procedente a Apelação e, consequentemente:
I - confirmar a absolvição do pedido da Ré Banco Santander Totta, SA.;
II - condenar a Ré Generali Seguros, SA. no pagamento à Autora da quantia de € €31.719,39 (trinta e um mil, setecentos e dezanove euros e trinta e nove cêntimos), a que acrescem juros de mora à taxa de 4%, desde da data da citação da Ré, até efectivo e integral pagamento;
III - condenar a Ré Generali Seguros, SA. no pagamento à Autora da quantia de €3.000 (três mil euros), a que acrescem juros de mora à taxa de 4%, após trânsito em julgado da presente decisão, até ao efectivo e integral pagamento.
Custas a cargo da Recorrente (sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido), na proporção do decaimento que, perante a absolvição do pedido da Ré Banco Santander, SA. e do valor do pedido e da condenação, se fixa em 50%.
*
Notifique e, oportunamente, remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º do Código de Processo Civil).
***
Lisboa, 01 de Julho de 2025 Edgar Taborda Lopes Luís Filipe Pires de Sousa Ana Mónica Mendonça Pavão[74]
_______________________________________________________ [1] Por opção do Relator, o Acórdão utilizará a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1945 (respeitando nas citações a grafia utilizada pelos/as citados/as).
A jurisprudência citada no presente Acórdão, salvo indicação expressa noutro sentido, está acessível em http://www.dgsi.pt/ e/ou em https://jurisprudencia.csm.org.pt/. [2]“Da pretensão ressarcitória da Autora [danos patrimoniais e não patrimoniais] em ordem e em função do incumprimento dos deveres de informação e comunicação, bem como das obrigações assumidas por parte das Rés”. [3]“Do contrato de seguro [da obrigatoriedade de adesão ao seguro proposto por parte do BANIF – Banco Internacional do Funchal, SA.; da violação dos deveres de informação e comunicação; da não cognoscibilidade do teor do contrato por parte da Autora; da circunstância de não ter sido entregue qualquer cópia dos documentos assinados, incluindo Condições Gerais e particulares]. Da situação de saúde de J [conhecimento da situação por parte do BANIF – Banco Internacional do Funchal, SA, sem que os mesmos tenham alertado para a possibilidade de participação à Seguradora, ante a situação de incapacidade / invalidez de J]. Da violação das obrigações assumidas por parte da Rés [ainda, da inércia da Ré, Seguradora e correlativa conduta abusiva – protelar da avaliação do estado de J]. Da determinação qualitativa e quantitativa dos danos patrimoniais e não patrimoniais Da transmissão para a Ré, Banco Santander Totta, SA., da responsabilidade pela observância dos deveres de informação e comunicação no âmbito de seguros junto dos balcões do BANIF”. [4]António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183. [5] Facto acrescentado na sequência da decisão sobre a impugnação de facto apresentada e que substitui o Facto não provado k). [6] Facto acrescentado na sequência da decisão sobre a impugnação de facto apresentada e que substitui o Facto não provado u). [7] Facto acrescentado na sequência da decisão sobre a impugnação de facto apresentada e que substitui o Facto não provado v). [8] Facto acrescentado na sequência da decisão sobre a impugnação de facto apresentada e que substitui o Facto não provado w). [9] Facto acrescentado na sequência da decisão sobre a impugnação de facto apresentada e que substitui o Facto não provado x). [10] Facto agora acrescentado, em função da decisão de inutilidade que antecedeu a Sentença de 1.ª Instância. [11] Mais considerando que os “demais factos alegados pelas partes nos seus articulados, não compreendidos nem na matéria de facto provada, nem não provada, constituem matéria conclusiva ou de direito, ou foram pelo Tribunal considerados irrelevantes para a boa decisão da causa”. [12] Eliminado e com nova redacção como Facto 28A na sequência da decisão sobre a impugnação de facto. [13] Eliminado na sequência da decisão sobre a impugnação de facto, passando a Facto Provado 37A.. [14] Eliminado na sequência da decisão sobre a impugnação de facto, passando a Facto Provado 37B. [15] Eliminado na sequência da decisão sobre a impugnação de facto, passando a Facto Provado 37C. [16] Eliminado na sequência da decisão sobre a impugnação de facto, passando a Facto Provado 37D. [17] “andou mal na interpretação do documento que sustenta a alegada “limitada” responsabilidade do Banco Santander do crédito adquirido, pois que as mesmas incorporam as responsabilidades subjacentes da génese desse crédito, nomeadamente, todas as responsabilidades conexas ou relacionadas com o mesmo, tal como a intervenção do anterior Banco na celebração de um contrato de mútuo e de contrato de seguro vida feita por imposição daquele Banco mutuante”. [18] Sendo que, estabelece a alínea d) do referido Anexo 3, que as “responsabilidades e elementos extrapatrimoniais do Banif que não são objeto de transferência para o adquirente, nem para a Naviget, S.A., permanecem na esfera jurídica do Banif”. [19] Com as clarificações introduzidas pela Deliberação de 07.01.2017. [20] Nos quais não constam eventuais responsabilidades relacionadas com a celebração de negócios, comercialização ou intermediação de produtos da actividade seguradora por parte do BANIF. [21] Pelo que, como bem assinala o Banco Recorrido nas suas Contra-Alegações “se no exercício da atividade do BANIF enquanto intermediário de seguros houve deveres legais, regulamentares ou outros que o mesmo não cumpriu ou não observou rigorosamente, essa responsabilidade pessoal do intermediário de seguros está materialmente excluída da medida de resolução”. [22] Relativamente ao qual se não se levantam quaisquer dúvidas sobre a sua transferência para o Banco Santander. [23]“As excepções peremptórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor”. [24]“O atual art. 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como se disse, através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” - Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 332. [25] Por todos, vd. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, páginas 193 a 210. [26]António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., página 200. [27]António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., páginas 201-205. [28]António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., páginas 206-207. [29] Que acrescenta, relevantemente, que “este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, (…)). Logo, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12, (…)). Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente. Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, (…). No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10)”. [30]Luísa Cristina Morais Pereira Ferreira, O contrato de seguro de vida de grupo (contributivo) – No quadro da questão da oponibilidade à seguradora das consequências jurídicas da não comunicação ao aderente de uma cláusula geral inserta no mesmo, quando, nas relações internas, o dever da sua comunicação incumbe ao tomador [on line], Julgar DIGITAL, Novembro de 2024, disponível em https://julgar.pt/wp-content/uploads/2024/11/O-contrato-de-seguro-de-vida-de-grupo.pdf (consultado a 23/06/2025). [31]Luísa Cristina Morais Pereira Ferreira, O contrato…, cit., página 2. [32]Luísa Cristina Morais Pereira Ferreira, O contrato…, cit., página 3 [33]Luísa Cristina Morais Pereira Ferreira, O contrato…, cit., páginas 3-4. [34]Luísa Cristina Morais Pereira Ferreira, O contrato…, cit., página 4. [35]Luísa Cristina Morais Pereira Ferreira, O contrato…, cit., páginas 4-5. [36]Luísa Cristina Morais Pereira Ferreira, O contrato…, cit., página 5. [37]Luísa Cristina Morais Pereira Ferreira, O contrato…, cit., páginas 5-6. [38]Luísa Cristina Morais Pereira Ferreira, O contrato…, cit., página 6. [39] Carregado e sublinhado nossos. [40]Luísa Cristina Morais Pereira Ferreira, O contrato…, cit., páginas 7-8. [41]Luísa Cristina Morais Pereira Ferreira, O contrato…, cit., páginas 14-15. [42]Luísa Cristina Morais Pereira Ferreira, O contrato…, cit., páginas 15-16. [43]Luísa Cristina Morais Pereira Ferreira, O contrato…, cit., páginas 17-18. [44]Luísa Cristina Morais Pereira Ferreira, O contrato…, cit., página 18. [45] Carregado e sublinhado nossos. [46] Carregado e sublinhado nossos. [47]Luísa Cristina Morais Pereira Ferreira, O contrato…, cit., páginas 19-25 [48]“Sem prejuízo do disposto nos artigos 18.º a 21.º, que são aplicáveis com as necessárias adaptações, o tomador do seguro deve informar os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador”. [49]Luísa Cristina Morais Pereira Ferreira, O contrato…, cit., páginas 26-27. [50]Luísa Cristina Morais Pereira Ferreira, O contrato…, cit., página 28. [51]Luísa Cristina Morais Pereira Ferreira, O contrato…, cit., páginas 28 e 29. [52] Sublinhado nosso. [53] Sublinhado nosso. [54] Sublinhado nosso. [55] Isto para além de estar provado que “J e a Autora E estavam convencidos que apenas com a morte de qualquer um deles, poderiam accionar o denominado “Seguro de Vida”” (Facto 18). [56] Assim, por exemplo, o Acórdão da Relação de Lisboa de 26 de Setembro de 2019 (Processo n.º 144/15.4T8MTJ.L1-2-Carlos Castelo Branco): “Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.)”. [57]“Não é lícito realizar no processo actos inúteis”. [58] Nesta mesma linha:
- o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 30 de Abril de 2020 (Processo n.º 01058/10.0BEPRT-Helena Ribeiro), assinala que o “tribunal ad quem deve abster-se de reapreciar o julgamento de facto realizado pelo tribunal a quo que vem impugnado pelo recorrente, julgando inútil essa apreciação, quando a matéria de facto impugnada, independentemente do resultado dessa impugnação, ponderadas as várias soluções de direito plausíveis suscetíveis de serem aplicadas ao caso concreto, é insuscetível de se projetar na decisão de mérito proferida, não implicando qualquer alteração dessa decisão de mérito, sob pena de estar a levar uma atividade processual que sabe, de antemão, ser inconsequente e inútil e, por isso, proibida por lei (art. 130º do CPC)”;
- o Acórdão da Relação de Coimbra de 14 de Janeiro de 2014 (Processo n.º 6628/10.3TBLRA.C1-Henrique Antunes), assenta em que, de “harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC). Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo Réu, com a contestação. Portanto, a reponderação apenas deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, i.e., segundo todos os enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da ação”;
- o Acórdão da Relação de Coimbra de 24 de Abril de 2012 (Processo n.º 219/10.6T2VGS.C1-Beça Pereira), conclui que a “impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B, visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorretamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efectivo objectivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante. Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente. Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º”. [59]Carlota Spínola, O segundo grau de jurisdição em matéria de facto no processo civil português, AAFDL Editora, 2022, páginas 44-45. [60] “A Autora +Eefectuou os seguintes contactos telefónicos com a Seguradora: i. 16 Janeiro 2018 – atendida por H, resposta: processo está em análise, ligar a 19 Janeiro; ii. 19 Janeiro 2018 – atendida por BR, resposta: não tem noticias, ligar em Fevereiro 2018; iii. 2 Fevereiro 2018 – atendida por ER, resposta: assunto está em análise; iv. 8 Março 2018 –atendida por SB resposta: até 9 Março vão entrar em contacto para marcar consulta médica; v. 16 Março 2018 – atendida por CP, resposta: deve aguardar contacto para agendar consulta médica; vi. 13 Abril 2018 – atendida por CP: a Autora informa que rececionou carta a 13 Abril, a marcar consulta médica para 10 Abril. A funcionária diz que deve aguardar nova carta para consulta médica; vii. 18 Abril 2018 – atendida por JS, resposta: pede para aguardar até 6ª feira, e se não receber novo agendamento voltar a contactar. viii. 26 Abril 2018 – atendida por H, resposta: vão ligar ou enviar sms com nova data de consulta. ix. 18 Maio 2018 – atendida por R, resposta: vai receber chamada por parte da gestora do assunto, com data de consulta para Junho de 2018 (o que nunca aconteceu)”. [61] Vd. ainda, Luís Filipe Pires de Sousa, Direito Probatório Material Comentado, 3.ª Edição, Almedina, 2023, páginas 301 a 312. [62] Carregado e sublinhado nossos. [63] O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03 de Outubro de 2017 (Processo n.º 569/13.0 TBCSC.L1.S1-Henrique Araújo), tem aqui relevância, uma vez que nos ficamos apenas pelo (incumprimento do) dever de comunicar (que “corresponde à obrigação de o predisponente facultar ao aderente, em tempo oportuno, o teor integral das cláusulas contratuais de modo a que este tome conhecimento, completo e efectivo, do seu conteúdo”), acrescendo que a “protecção concedida à parte mais fraca não abrange as situações em que a falta de conhecimento das cláusulas apenas decorre de um comportamento negligente ou pouco diligente dessa parte que, apesar de ter sido colocado em posição de conhecer essas cláusulas, não teve preocupação em assegurar-se do seu teor”: e essa negligência não se mostra minimamente indiciada (nem a Ré fez qualquer esforço probatório nesse sentido), bem pelo contrário, em face do Facto 18 (J e a Autora Eestavam convencidos que apenas com a morte de qualquer um deles, poderiam accionar o denominado “Seguro de Vida”) e do Facto 23 ( No ano de 2017, em conversa informal com MP, funcionária da Ré Banco Santander Totta, S.A., a quem a Autora Edesabafou dificuldades em assumir sozinha o encargo do empréstimo bancário e de todas as despesas familiares, esta funcionária informou a Autora que deveria acionar o seguro vida, pois o mesmo tinha cobertura também para os casos de incapacidade absoluta para o trabalho), o que se mostra indiciado é que a Seguradora e o Banco não fizeram devidamente o seu trabalho de informação e esclarecimento! [64] Por “definição as Seguradoras como qualquer empresa devem produzir resultados positivos mas é indispensável que o seu lucro seja um lucro ético ou seja que contenha a conciliação do económico com o social”, parecendo importante que “para além da moralidade do seu comportamento, as Seguradoras procurem imprimir um cunho ético à fundamentação do seu agir no sentido definido até porque o sentimento de partilha e de solidariedade exigido pela ética, gera relações de fidelização e confiança entre si e os seus parceiros económicos, assegurando mais constância e estabilidade nas transacções económicas” - Diamantino Marques, in A Ética Empresarial no Sector de Seguros, I Congresso Nacional de Direito dos Seguros – Memórias, Almedina, 2000, página 265. [65]Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª edição, Coimbra Editora, 1989, página 377. [66]Pinto Monteiro, Sobre a Reparação dos Danos Morais, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Setembro 1992, n.º 1, 1.º ano, APADAC, página 20. [67] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Abril de 1991 (CuraMariano), publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 406, página 618. [68] Acórdão da Relação de Lisboa de 18 de Setembro de 2014 (Processo n.º 3765/03.4PCAD.L1-2-Ezaguy Martins): “Parte-se assim de um padrão objetivo, conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso, segundo regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”. [69] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Abril de 1991 citado, página 621. [70] Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Maio de 2021 (Processo n.º 826/18.9T8CTB.C1.S1-Ilídio Sacarrão Martins), o montante dos danos não patrimoniais “será fixado equitativamente pelo tribunal tendo em conta as circunstâncias referidas no artigo 494º (artigo 496º nº 4 do Código Civil), designadamente as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, não devendo esquecer-se ainda, para evitar soluções demasiadamente marcadas pelo subjectivismo, os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência. Importa, essencialmente, garantir que a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualísticamente ao comando do artigo 496º, do Código Civil e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, seja de forma a viabilizar um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar” (sublinhado e carregado nossos). [71]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08 de Março de 2007 (Processo n.º 06B3988-Pereira da Silva).
Sendo certo ainda que, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15 de Abril de 2021 (Processo n.º 162/19.3T8VRS.E1-Paulo Amaral) – confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Setembro de 2021 (Processo n.º 162/19.3T8VRS.E1.S1-CatarinaSerra), as “orientações jurisprudenciais sobre determinadas matérias não impedem que outros tribunais (ou até o mesmo tribunal) tomem decisão diferente em casos análogos (cfr. Oliveira Ascensão, O Direito Introdução e Teoria Geral, 10.ª ed, Almedina, Coimbra, 1997, pp. 311-313) nem impede que um juiz, nem que seja só um, também tome uma decisão discordante da orientação jurisprudencial dominante, sob pena de a sua independência decisória ser gravemente coartada (veja-se o exemplo descrito por Castro Mendes em «Nótula sobre o artigo 208.º da Constituição Independência dos juízes», in Estudos Sobre a Constituição, vol. III, Liv. Petrony, Lisboa, 1979, p. 658”). [72]Eric Voegelin, A Natureza do Direito e outros textos jurídicos, Vega, 1998, página 95. [73]Paul Ricoeur, O Justo ou a Essência da Justiça, Instituto Piaget, 1997, páginas 168-169; cfr., também, com interesse, François Ost, A Natureza à Margem da Lei - A Ecologia à Prova do Direito, Instituto Piaget, 1997, páginas 19 a 24. [74] Assinaturas digitais, cujos certificados estão visíveis no canto superior esquerdo da primeira página (artigos 132.º, n.º 2 e 153.º, n.º 1, do Código de Processo C2ivil e 19.º, n.ºs 1 e 2, e 20.º, alínea b), da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto)