DEPOIMENTO DE PARTE
AUSÊNCIA DE VALOR CONFESSÓRIO
MEIO DE PROVA
LIVRE APRECIAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRINCÍPIOS DA UTILIDADE
ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS
Sumário

Sumário[1]:
(Elaborado pelo relator e da sua inteira responsabilidade – art. 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil[2])
1. O depoimento de parte constitui um meio processual que tem como objetivo fundamental provocar e obter de alguma das partes uma confissão judicial enquanto declaração de ciência através da qual se reconhece a realidade de um desfavorável ao declarante e favorável à parte contrária (art. 352.º do CC), pelo que, aquele depoimento, só pode incidir sobre factos que sejam desfavoráveis ao depoente.
2. Sucedendo frequentemente que o objetivo fundamental tendente à obtenção de declaração com valor confessório (prova plena) não se consuma, nem por isso as declarações produzidas pela parte devem ser desvalorizadas.
3. O depoimento de parte, naquilo que não apresente valor confessório, não deixa de constituir um meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal, o que significa que, embora configurado processualmente no sentido da obtenção da confissão, são reconhecidas ao depoimento de parte virtualidades probatórias irrecusáveis perante um sistema misto de valoração da prova em que, a par da prova tarifada, existem meios de prova sujeitos a livre apreciação.
Texto integral:
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

[1] Neste acórdão utilizar-se-á a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
[2] Diploma a que pertencem todos os preceitos legais citados sem indicação da respetiva fonte.

Texto Integral

Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO:
SVF, Lda., entretanto incorporada por fusão na CSV, S.A., instaurou ação declarativa de condenação contra BF, LDA.[1], e FM, S.A.[2], alegando, em síntese, que no dia 19 de fevereiro de 2019 acordou com as rés a futura venda, a estas, de fruta de caroço (pêssegos, nectarinas e ameixas) por ela produzida, ao preço praticado no mercado e a ser pago entre 60 a 90 dias após a recolha da fruta.
As rés incumpriram o acordado com a autora, em consequência do que esta sofreu prejuízos pelos quais pretende ser ressarcida.
Conclui assim a petição inicial:
«Termos em que, deverá a presente acção ser julgada procedente, por provada, condenando-se as RR a pagar à A. a quantia de 33.966,89 €, a título de capital, acrescida dos juros vincendos desde a data da citação das RR na presente acção até efectivo e integral pagamento, com as legais consequências».
*
A 1.ª ré apresentou contestação, arguindo a exceção consistente na sua ilegitimidade substantiva para os termos da ação.
Além disso, alega que a autora litiga com má-fé.
Conclui assim a sua contestação:
«Nestes termos, e nos melhores de Direito (...), deve:
a) Ser julgada procedente, por provada, a excepção peremptória de ilegitimidade substantiva da 1.ª R, sendo a mesma absolvida do pedido formulado pela A., e
b) Ser a A. condenada por Litigância de Má-Fé, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 456º do C.P.C., no pagamento da competente multa, bem como no pagamento ao R. de indemnização a arbitrar em montante não inferior a € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), e nos honorários do Advogado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º1 do artigo 457º do C.P.C., e
c) O mais legal».
*
A 2.ª ré apresentou igualmente contestação, na qual se defende por impugnação.
Além disso, alega, também ela, que a autora litiga de má-fé.
Conclui assim a sua contestação:
«Nestes termos, e nos melhores de Direito (...), deve:
a) Ser julgada totalmente improcedente, por não provada, a presente acção, absolvendo-se a 2.ªR do pedido., e
b) Ser a A. condenada por Litigância de Má-Fé, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 456º do C.P.C., no pagamento da competente multa, bem como no pagamento ao R. de indemnização a arbitrar em montante não inferior a € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), e nos honorários do Advogado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º1 do artigo 457º do C.P.C., e
c) O mais legal».
*
A autora apresentou articulado de resposta, no qual:
a) pugna pela improcedência da «excepção de Ilegitimidade Substantiva invocada pela Ré BF, Lda.»;
b) reduz o pedido formulado na petição inicial, nos seguintes termos:
«(...) deverá a presente acção ser julgada procedente, por provada, condenando-se as RR a pagar à A. a quantia de 26.148,41€, a título de capital, acrescida dos juros vincendos desde a data da citação das RR. na presente acção até efectivo e integral pagamento, com as legais consequências»;
c) pugna para que sejam «indeferidos os pedidos de condenação da A. por litigância por má-fé».
*
No dia 21 de janeiro de 2021, foi proferido o seguinte despacho:
«Porque legal e tempestivo, admito a redução do pedido, para a quantia indicada de € 26.148,41, acrescida de juros vincendos, conforme art.º 265º, n.º 2 do atual CPC.»
*
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, que, além do mais:
- fixou em € 26.148,41, o valor da causa;
- identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.
*
Na subsequente tramitação dos autos realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Em face de todo o exposto, julgo procedente, por provada, a presente acção e em consequência condeno solidariamente as Rés, no pagamento à Autora, da quantia de € 26.148,41 (vinte e seis mil, cento e quarenta e oito euros e quarenta e um cêntimos), acrescida dos juros de mora, vincendos, à taxa dos juros comerciais, desde a citação das Rés, e até efectivo e integral pagamento; no mais, absolvo a Autora dos pedidos de condenação como litigante de má fé».
*
As rés interpuseram recurso dessa sentença.
Uma vez que as conclusões apresentadas pelas apelantes constituem um texto manifestamente complexo e prolixo, sem prejuízo do que mais à frente se referirá, passam a transcrever-se os pontos que das mesmas sintetizam os fundamentos por que pedem a alteração da decisão, como impõe o art. 639.º, n.º 1:
«A) Vem a presente Apelação interposta da Douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” nos presentes autos, por via da qual foi a acção julgada procedente, por prova, e condenadas as RR/Recorrentes [no pedido];
(...)
D) Entendem as RR/Recorrentes ter o Tribunal “a quo” incorrido numa errada valoração daquela que foi a prova efectivamente produzida e, por conseguinte, num errado julgamento quanto [aos] pontos 7., 9., 12., 15., 16., 17., 18., 19., 21., 23., 29., 31., 32., 34., 36. do elenco dos factos dados por provados, em a., b., c., d., e., f., g., h., i., j., k., l. e m. do elenco dos factos dados por não provados.
(...)
LLL) (...) demonstraram as RR/Recorrentes a não intervenção da 1.ªR/Recorrente no negócio e, bem assim, a inexistência de qualquer obrigação assumida por esta que pudesse conduzir à imputação de responsabilidade pelo pagamento de qualquer quantia (ainda que alguma fosse devida à A/Recorrida – o que por dever de patrocínio se equaciona). Tendo a própria A/Recorrida emitido as facturas cujo pagamento reclama exclusivamente em nome da 2.ªR/Recorrente, apenas à A/Recorrida competia e cabia o ónus da prova atinente à intervenção da 1.ªR/Recorrente (que não do senhor AA).
MMM) E demonstrou a 2.ªR/Recorrente como não podia a A/Recorrida desconhecer ou sequer ter-se por “controvertida” a sua responsabilidade pelos custos da operação cuja realização lhe acometeu, aí se  incluindo os de transporte e outros, fruto da sua não qualificação como produtora associada daquela.
NNN) Demonstrada que foi – quer por via da prova documental, quer por via da prova testemunhal – o volume do produto não comercializável nem comercializado pela 2.ªR/Recorrente – classificado como refugo e entregue ao Banco Alimentar, não lhe poderia a A/Recorrente imputar qualquer custo adicional, designadamente a quantia decorrente das facturas que emitiu (e que a 2.ªR/Recorrente não aceitou) no valor reclamado nos autos.
OOO) O julgamento da matéria de facto, realizado nos moldes antes expostos, terá, necessariamente de conduzir à conclusão de que as RR/Recorrentes nada devem à A/Recorrida por via do contrato celebrado entre esta e a 2.ªR/Recorrente. Impondo-se, portanto, que a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” seja substituída por outra que julgue a presente acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo ambas as RR/Recorrentes do pedido.
(...)»[3].
Rematam assim:
«Nestes termos e nos melhores de Direito (...), deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a Douta Sentença recorrida e substituindo-a por decisão que, julgando improcedente, por não provada, a acção, absolva as RR/Recorrente do pedido.»
*
A recorrida contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção da sentença recorrida.
*
Foi proferido acórdão datado 25 de junho de 2024 (Ref.ª 21675863), de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Por todo o exposto, acordam os juízes que integram esta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa:
4.1 – Em não conhecer imediatamente do objeto do presente recurso;
4.2 – Em determinar a devolução dos autos ao tribunal de 1.ª instância, para que aí seja devidamente motivada a decisão sobre cada um dos enunciados descritos:
- em 7., 9., 12., 15., 16., 17., 18., 19., 21., 23., 29., 31., 32., 34. e 36. dos factos provados; e,
- em a., b., c., d., e., f., g., h., i., j., k., l. e m. dos factos não provados, nos termos que acima ficaram expostos».
*
Na sequência desse acórdão os autos foram devolvidos à 1.ª instância, onde foi proferido o despacho datado de 2 de abril de 2025, após o que foram novamente remetidos a este tribunal ad quem.
***
II – ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1), que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art. 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 608.º, n.º 2, ex vi do art. 663.º, n.º 2).
No caso concreto, face ao teor das conclusões apresentadas pelas rés, neste recurso importa decidir:
a) se há lugar à alteração da decisão sobre a matéria de facto;
b) se em consequência dessa alteração a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que absolva as rés, ou alguma delas, do pedido.
***
III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
3.1.1 – A sentença recorrida considerou provado que:
«1. A Autora dedica-se a exploração agrícola, silvícola, pecuária e cinegética. Produção, transformação e comercialização de produtos agrícolas e pecuários. Instalação e exploração de actividades agro-industriais, conforme certidão permanente de fls. 158 e ss.;
2. A 1ª Ré dedica-se além do mais, o comércio por grosso de frutas, legumes e produtos hortícolas, comércio por grosso de batatas, comércio por grosso de flores e plantas, actividades transitárias, organização de transportes, cultura em pomares, importação e exportação, conforme certidão permanente;
3. A 2ª Ré dedica-se além do mais, ao apoio à produção, à concentração e à comercialização das produções dos seus associados, e o comercio por grosso de frutas e produtos hortícolas dos mesmos associados, conforme certidão permanente, tendo à data da PI, como vogal do Conselho de Administração, AA;
4. Em data não concretamente apurada, mas em meados do ano de 2018, o então sócio e gerente da Autora, JA, contactou o sócio e gerente da BF, Lda., AA, na sequência de um artigo publicitado numa revista de especialidade, visando uma apresentação dos pomares da Autora, e das instalações desta, sitas na Quinta SV, em ____, àquele o que se realizou;
5. Logo então se criou um bom relacionamento profissional, com manutenção de contactos pessoais;
6. E em 2019, em data e mês não concretamente apurados, o sócio e gerente da Autora, voltou a convidar o sócio e gerente da BF, Lda., para visitar os ditos pomares, o que fez, bem como para comparecer num almoço que teve lugar na Quinta, que se realizou;
7. Assim, em data não concretamente apurada do mês de fevereiro de 2019, nesse almoço de “negócios”, que teve lugar no Hotel Rural VG, estiveram presentes JA, AA, TJ, MP, BC e PP;
8. O identificado terceiro conviva, era à data o responsável da exploração agrícola da Autora;
9. Nesse almoço, fixaram os legais representantes da Autora e da 1ª Ré, verbalmente, acordo na venda de fruta de caroço (pêssegos, nectarinas e ameixas), no pagamento do preço praticado no mercado, e no prazo de pagamento de 60 a 90 dias após a recolha da fruta, nas instalações da Autora;
10. Visando iniciar o cumprimento do que haviam acordado, TJ, a mando de JA, encetou diversas tentativas de contacto telefónico com AA, sem sucesso, até que em 13 de maio de 2019 (segunda-feira), logrou o envio de um sms do seguinte teor:
“Bom dia AA, como está? Preciso de falar consigo com urgência. Preciso de palotes com urgência. Mais tardar na quarta-feira tenho que começar a colher. Está muito calor por aqui e a fruta começa a amadurecer muito depressa.”, conforme doc. 2 junto com a Pi, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
11. No dia 14 de maio de 2019, AA, acompanhado de MR, então Presidente do Conselho de Administração da 2ª Ré, deslocou-se às instalações da Autora para ver as nectarinas;
12. Esta foi a primeira deslocação de MR, à Quinta de SV;
13. No dia 15 de maio de 2019, foram entregues nas instalações da Autora, 84 (oitenta e quatro) palotes, de 200 Kgs cada, para a recolha da fruta;
14. No dia 16 de maio de 2019, foram recolhidos 4.368.000 Kgs ou 4.368 T, de nectarinas, da variedade Flariba;
15. Só nesta primeira carga, ficou a Autora a conhecer que deveria emitir a guia de remessa para o transporte, em nome da 2º Ré e não da 1ª Ré;
16. Foram inúmeras as pressões e tentativas de contacto para esta primeira recolha ocorrer o mais cedo possível, porque pecou por tardia, tendo-se em consequência perdido fruta no campo, porque, entretanto, havia amadurecido;
17. No dia 29 de maio de 2019, AA, acompanhado de MR, deslocou-se novamente às instalações da Autora, para a informar que “havia excesso de fruta de caroço no mercado, vinda de Espanha” e por isso, apenas estavam interessados em comprar pêssegos e nectarinas, com calibre superior a 67 mm e ameixas com calibre superior a 50 mm;
18. Nesta data, AA já sabia, na sequência do acordado e referido em 9),
a. que se comprometera a adquirir toda a fruta de caroço,
b. que no campo a Autora tinha fruta de vários calibres, e que a fruta de menor calibre, tem valor inferior, à fruta de maior calibre, mas tem-no, e
c. que a Autora não tinha qualquer outro comprador alternativo para adquirir, o tipo de fruta em causa, pois assumira compromisso com a 1ª Ré;
19. Apesar de inconformada, a Autora aceitou o referido em 17), e entregou a fruta pretendida, e apenas do calibre pretendido;
20. E em 14 de junho de 2019, dão entrada nas instalações da 2ª Ré, 3.325 Kg de fruta de caroço e em 19 de junho de 2019, entram 1.472 Kg;
21. Sucede que, no dia 25 de junho de 2019, MR contacta telefonicamente TJ, informando-o que a fruta recolhida nas instalações da Autora, e referida em 19) e 20), estava “muito madura e que iria enviá-la para o Banco Alimentar”;
22. Perante isto, TJ informou-o que não o fizesse, que “devolvesse essa fruta à Autora, no próximo transporte que enviassem”, ao que MR retorquiu “afinal, já havia enviado a fruta para o Banco Alimentar – 4.797 Kg”;
23. Este comportamento das Rés, fez quebrar a confiança da Autora, e conduziu-a a suspender a entrega e recolha de fruta, acordada e referida em 9) e 19);
24. A 2ª Ré, emitiu em nome da Autora, a seguinte factura, que lhe enviou e a Autora recebeu:
Factura Nº FT ____, em 13 de julho de 2019, no montante de € 16.768,16, conforme docs. 23 e 24 juntos com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
25. Por carta e email datados de 9 de setembro de 2019, a Autora deu conhecimento do referido em 23) às duas Rés, conforme docs. 4 e 5 juntos com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais,
26. e ainda que, “(…) optámos por os aceitar para terminar esta infeliz relação comercial que nos deixou de merecer credibilidade (…). Ficámos, porém, perplexos quando verificámos que, não bastando esse sério prejuízo, vieram ainda pretender cobrar-nos serviços que não foram contratados e que não foram prestados e ainda por valores absurdos. Não aceitamos qualquer facturação vossa, que é manifestamente indevida e abusiva. (…)”, sublinhado nosso, conforme docs. 4 e 5 juntos com a Pi, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
27. A Autora emitiu em nome da 2ª Ré, as seguintes facturas:
a. Factura FT ____, em 4 de setembro de 2019, no montante de € 209,14
b. Factura FT ____, em 4 de setembro de 2019, no montante de € 894,48
c. Factura FT ____, em 4 de setembro de 2019, no montante de € 2.243,49
d. Factura FT ____, em 4 de setembro de 2019, no montante de € 199,17
e. Factura FT ____, em 4 de setembro de 2019, no montante de € 374,87
f. Factura FT ____, em 4 de setembro de 2019, no montante de € 597,79
g. Factura FT ____, em 4 de setembro de 2019, no montante de € 1.638,76
h. Factura FT ____, em 4 de setembro de 2019, no montante de € 843,44
i. Factura FT ____, em 4 de setembro de 2019, no montante de € 669,39
j. Factura FT ____, em 4 de setembro de 2019, no montante de € 2.733,21
k. Factura FT ____, em 4 de setembro de 2019, no montante de € 1.881,71
l. Factura FT ____, em 4 de setembro de 2019, no montante de € 3.713,18,
m. Factura FT ____, em 4 de setembro de 2019, no montante de € 949,23
n. Factura FT ____, em 5 de setembro de 2019, no montante de € 4.482,69
o. Factura FT ____, em 5 de setembro de 2019, no montante de € 1.397,08
p. Factura FT ____, em 5 de setembro de 2019, no montante de € 1.759,07, num total de 24.586,70 (vinte e quatro mil, quinhentos e oitenta e seis euros e setenta cêntimos), conforme docs. 7 a 22 juntos com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
28. As supra aludidas facturas, não se mostram integralmente pagas, tendo a 2ª Ré efectuado um pagamento de € 7.818,54;
29. A Autora desconhece até à presente data, qual a fruta que foi enviada para o Banco Alimentar;
30. As quantidades de fruta, enviadas pela Autora à 2ª Ré, são as constantes de mapa que elaborou, conforme doc. 6 junto com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
31. Os serviços vertidos na factura referida em 24), não foram acordados entre a Autora e a 2ª Ré, serviços de transporte e de central de frutas (lavagem e calibragem, etc.);
32. A 2ª Ré chegou a cobrar à Autora, na referida factura, transporte, calibragem e lavagem, da fruta que reputou de refugo e da fruta que alega haver entregue ao Banco Alimentar;
33. A Autora não aceitou a factura referida em 24);
34. De acordo com informações prestadas pelas Rés, a fruta comprada à Autora destinava-se a ser vendida ao Grupo JM e comercializada nos supermercados PD;
35. A Autora aceitou o preço fixado pelas Rés, com desvalorização, face ao vertido em 19), mas não aceita a valorização de 0 (zero) euros, para mais de 42% da fruta recolhida, a qual a 2ª Ré nunca devolveu à Autora, apesar do referido supra;
36. Tal fruta vendida à 2ª Ré deve, no mínimo, ser valorizada ao preço de 0,25€/kg, e assim, atendendo à quantidade total em causa de 37.521 kg (32.724kg considerada como refugo, mais 4.797kg enviada para o Banco Alimentar), apura-se uma quantia de € 9.380,25 a favor da Autora».
3.1.2 – (...) e não provado que:
«a) O primeiro contacto referido em 4), visava o auxílio à Autora na comercialização da sua fruta;
b) E logo então, AA informou JA que a 1º Ré e sua representada, “não possuía estrutura logística para tal efeito”, sendo a sua área de negócio o trading;
c) Mas como se criou ali uma amizade, além da manutenção de contactos, AA chegou a recomendar a JA que “arrancasse o pomar, porque este tinha histórico de produzir fruta com falta de qualidade”, seja fruta de calibre pequeno, seja fruta com defeitos epidémicos, e portanto de muito difícil comercialização;
d) MR na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da FM, foi contactado por AA, no sentido de lhe apresentar o sócio e gerente da Autora, para que aferisse da disponibilidade para auxiliar a Autora na venda da fruta que produzia;
e) Pois que à data, a Autora tinha dificuldades com a venda da fruta e a 2º Ré tratava-se de uma Organização de Produtores, o que a Autora conhecia;
f) Até porque nessa qualidade (Organização de Produtores), preparava a fruta e colocava-a no mercado, cobrando aos produtores, seus associados, os custos logísticos dai decorrentes, de modo autónomo ou facturando-os, e debitando no preço a pagar, sendo igual o valor cobrado a associados e a não associados;
g) No almoço referido em 9), esteve presente ainda MR que, acordou com JA, que a 2ª Ré asseguraria logisticamente a preparação e “colocação” da fruta da Autora, no mercado, nomeadamente, pêssegos, nectarinas e ameixas, que teriam de se enquadrar em “calibres vendáveis”, os quais vinha expressos nas fichas técnicas da 2ª Ré, que igualmente nessa altura facultou á Autora;
h) Mais acordaram que, por a Autora não ser um produtor associado da 2ª Ré, “os custos logísticos, decorrentes da sua intervenção” seriam cobrados/facturados à parte;
i) Que no momento da calibragem, a fruta é alvo de separação, sendo colocados de parte frutos que não cumpram as especificações, para efeitos de envio para o Banco alimentar (caixas especificas) ou para a alimentação de animais;
j) Nesse acordo, não foram fixados quaisquer prazos, apesar da 2ª Ré receber dos seus clientes a 60 dias, e pagar os seus produtores/associados a 90 dias;
k). Nas circunstâncias referidas em 21), MR informa TJ que a fruta recebida tinha “defeitos epidémicos e/ou calibre não vendável”;
l) A 2ª Ré explicou à Autora, que os documentos comprovativos (recibo) do envio da fruta, para o Banco Alimentar, deviam ser solicitados pela Autora;
m) O que a Autora podia ter feito, mas não fez, porque não quis».
*
3.2 – Fundamentação de direito:
3.2.1 – As conclusões recursivas:
Conforme refere Abrantes Geraldes, «a lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos por que pede a revogação, a modificação ou a anulação da decisão. Com as necessárias distâncias, tal como a motivação do recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial. Rigorosamente, as conclusões devem (deveriam) corresponder a fundamentos que, com o objetivo de obter a revogação, alteração ou anulação da decisão recorrida, se traduzam na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido, sem que jamais se possam confundir com argumentos de ordem jurisprudencial que não devem ultrapassar o sector da motivação.
As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso como clara e inequivocamente resulta do art. 635.º, n.º 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. Incluindo, na parte final, o resultado procurado, as conclusões devem respeitar na sua essência cada uma das alíneas do n.º 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida. Se para atingir o resultado declarado o tribunal a quo assentou em determinada motivação, dando respostas às diversas questões, as conclusões devem elencar os passos fundamentais que, na perspetiva do recorrente, deveriam ter sido dados para atingir um resultado diverso.
Todavia, com inusitada frequência se verificam situações irregulares: alegações deficientes, obscuras, complexas ou sem as especificações referidas no n.º 2. Apesar de a lei adjetiva impor o patrocínio judiciário, são triviais as situações em que as conclusões acabam por ser mera reprodução dos argumentos anteriormente apresentados, sem qualquer preocupação de síntese, como se o volume das conclusões fosse sinal da sua qualidade ou como se houvesse necessidade de assegurar, por essa via, a delimitação do objeto do processo e a apreciação pelo tribunal ad quem de todas as questões suscitadas.
Ainda que algumas das situações exemplificadas justificassem efeitos mais gravosos, foi adotada uma solução paliativa que possibilita a supressão das deficiências através de despacho de convite ao aperfeiçoamento. Ao invés do que ocorre quando faltam pura e simplesmente as conclusões, em que o juiz a quo profere despacho de rejeição imediata do recurso, qualquer intervenção no sentido do aperfeiçoamento das irregularidades passíveis de superação foi guardada para o relator no tribunal ad quem, como se extrai, com toda a clareza, do n.º 3 do art. 639.º e da al. a) do n.º 3 do art. 652.º.
O relator a quem o recurso seja distribuído deve atuar por iniciativa própria, mediante sugestão de algum dos adjuntos ou, em último caso, em resultado do deliberado em conferência, nos termos do art. 658.º. Por isso, tal como se verifica na fase do saneamento do processo, no despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões o relator deve identificar todos os vícios que, no seu entender, se verificam, por forma a permitir que, sem margem para dúvidas, o recorrente fique ciente dos mesmos e das consequências que podem decorrer da sua inércia ou do deficiente acatamento do convite.
A prolação do despacho de aperfeiçoamento fica dependente do juízo que for feito acerca da maior ou menor gravidade das irregularidades ou incorreções, em conjugação com a efectiva necessidade de uma nova peça processual que respeite os requisitos legais. Para isso pode ser conveniente tornar em consideração os efeitos que a intervenção do juiz e as subsequentes intervenções das partes determinem na celeridade. Parece adequado ainda que o juiz atente na reacção do recorrido manifestada nas contra-alegações de forma a ponderar se alguma irregularidade verificada perturbou o exercício do contraditório, designadamente quando se esteja perante conclusões obscuras[4].
As conclusões serão complexas, nomeadamente, quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o n.º 1 do supramencionado artigo 639.º.
No caso dos presentes autos, estamos, manifestamente, perante conclusões complexas, prolixas, que não cumprem o dever de síntese advindo do mencionado n.º 1 do art. 639.º do C.P.C.
Como é sabido, versando o recurso sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nas conclusões apenas importa que o apelante proceda à indicação dos pontos de facto incorretamente julgados e que se pretende ver modificados[5].
Em caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, as conclusões não têm, obviamente, que reproduzir todos os elementos do corpo das alegações, nem delas deve constar a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e nem mesmo as respostas pretendidas.
Nas conclusões, por evidentes razões de objetividade e de certeza, apenas devem ser indicados os concretos pontos de facto sobre que incide a impugnação.
A apelante dedica vários pontos das conclusões, sem que se perceba com que objetivo ou utilidade, a indicar meios de prova.
Tal como se decidiu no Ac. do S.T.J. de 19.02.2015, Proc. n.º 299/05.6T8MGD.P2.S1 (Tomé Gomes), in www.dgsi.pt, «enquanto que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objecto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória».
Ainda segundo Abrantes Geraldes, «sem embargo do que se referiu, a experiência confirma que se entranhou na prática judiciária um verdadeiro círculo vicioso: em face do número de situações em que se mostra deficientemente cumprido o ónus de formulação de conclusões, os Tribunais Superiores acabam por deixá-las passar em claro, preferindo, por razões de celeridade (e também para que a parte recorrente não seja prejudicada), avançar para a decisão, na qual é feita a triagem do que verdadeiramente interessa em face das alegações e da sentença recorrida. Agindo deste modo, os Tribunais Superiores colocam os valores da justiça, da celeridade e da eficácia acima de aspetos de natureza formal»[6].
Foi exatamente por esta razão que não se determinou o aperfeiçoamento das conclusões da alegação de recurso das apelantes, antes se expurgando as mesmas daquilo que não é essencial, deixando-se, no entanto, claro que, à semelhança, aliás, do que ocorre quanto à motivação, constituem um texto prolixo, cuja extensão de forma alguma se justifica e que desvirtua o sentido da lei quando impõe que o recorrente conclua a sua alegação de forma sintética, indicando os fundamentos por que pede, neste caso, a revogação da sentença.
3.2.2. - A impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
Uma nota para referir que no despacho datado de 2 de abril de 2025, proferido na sequência do acórdão datado 25 de junho de 2024 (Ref.ª 21675863), o tribunal a quo motivou assim a decisão sobre os pontos a) a e) dos factos não provados:
«Alíneas a) a e) - resulta da falta de credibilidade atribuída às declarações do legal representante da 1ª Ré, nesta parte e porque contrário ao depoimento das testemunhas da Autora, seus funcionários e presentes no Pomar».
A senhora juíza a quo dá, assim, mostras de não ter compreendido o teor do acórdão datado 25 de junho de 2024 (Ref.ª 21675863), pois, mais uma vez, motivar a decisão sobre os enunciados descritos sob as als. a) a e) dos factos não provados, do modo como agora o fez, ou nada dizer, é praticamente a mesma coisa.
Não se justifica, no entanto, devolver outra vez os autos à 1.ª instância para nova e melhor motivação da decisão sobre a matéria de facto.
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O direito à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não subsiste a se mas assume um caráter instrumental face à decisão de mérito do pleito.
Deste modo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processuais, o tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação forem insuscetíveis de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, assumirem relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente[7].
Dito de outra forma, o princípio da limitação dos atos, consagrado no art. 130º do C.P.C., deve ser observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projete na decisão de mérito a proferir[8].
Conforme refere Carlota Spínola «(...) o TR[9] está eximido do exercício do dever de modificabilidade da decisão de facto nas situações de irrelevância processual que ficam, por conseguinte, excluídas do campo de aplicação do art. 662.º. Esta constatação lapalissiana baseia-se no princípio da limitação dos atos expressamente previsto no art. 130.º, enquanto manifestação do princípio da celeridade e da economia processual, acolhidos nos arts. 2.º/1 e 6.º/1.
Como é aludido nos acs. do TR de Guimarães (TRG) de 20/102016 (proc. n.º 2967/2012, ID 369508) e de 26/11/2018 (proc. n.º 272/2017, ID 400002), a Relação não deve reapreciar a matéria factual quando os concretos factos objecto da impugnação forem insuscetíveis, “face às circunstância(s) próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito”, de ter “relevância jurídica”, sob pena de executar uma atividade processual que já previamente sabia ser “inútil” ou “inconsequente”. Por outras palavras, o exercício dos poderes-deveres de investigação pela Relação só é admissível se recair sobre factos com interesse para o recurso, i. e., factos que a serem demonstrados, modificados ou dados como provados alteram a solução ou o enquadramento jurídico do objeto recursório.»[10].
No mesmo sentido afirma Henrique Antunes que «de harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância, seja qual for a modalidade considerada, só é admissível se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 130 do nCPC).
Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância, a anulação da decisão ou o reenvio do processo para essa instância para que seja fundamentada, a renovação ou a produção de novas provas. Isso sucederá sempre que, por exemplo, mesmo com a substituição da decisão da matéria de facto impugnada, a solução ou enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, v.g., mesmo com a modificação, os factos adquiridos são insuficientes ou inidóneos para modificar a decisão de procedência ou de improcedência, da acção ou da excepção, contida no despacho ou na sentença recorrida.
Portanto, a actuação dos apontados poderes de controlo só deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, i.e., segundo todos os enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da acção»[11].
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Conforme decorre das respetivas conclusões, as apelantes impugnam a decisão:
a) sobre os pontos 7., 9., 12., 15., 16., 17., 18., 19., 21., 23., 29., 31., 32., 34. e 36. dos factos provados; e,
b) sobre os pontos descritos em a), b), c), d), e), f), g), h), i), j), k), l) e m) dos factos não provados.
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As apelantes começam por afirmar que «a factualidade atinente ao contacto inicialmente estabelecido entre as partes e o efectivamente contratado é a constante dos pontos 7., 9., 12., 15. e 34. do elenco dos factos dados por provados, em a., b., c., d., e., g., h. e j. do elenco dos factos dados por não provados.
SMO, os factos assim dados por provados não o poderiam ter sido, ao passo que a factualidade não provada foi afirmada pela prova produzida, pelo que inverso julgamento se impõe quanto a esta (...)».
Depois de transcreverem o vertido na sentença recorrida em sede de motivação, as apelantes transcrevem excertos:
a) do depoimento prestado na audiência final por JA de Almeida, legal representante da autora; e,
b) das declarações de parte ali prestadas por AA, legal representante da 1.ª ré.
No tocante ao depoimento de JA, é sabido que o depoimento de parte constitui um meio processual que tem como objetivo fundamental provocar e obter de alguma das partes uma confissão judicial enquanto declaração de ciência através da qual se reconhece a realidade de um desfavorável ao declarante e favorável à parte contrária (art. 352.º do CC).
Por conseguinte, o depoimento de parte só pode incidir sobre factos que sejam desfavoráveis ao depoente.
Sucede frequentemente que o objetivo fundamental tendente à obtenção de declaração com valor confessório (prova plena) não se consuma; no entanto, nem por isso as declarações produzidas pela parte devem ser desvalorizadas.
Na verdade, é hoje unanimemente aceite que o depoimento de parte, naquilo que não apresente valor confessório, não deixa de constituir um meio de prova sujeito à livre apreciação do tribunal.
Significa isto, tal como referem Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Sousa, que «embora configurado processualmente no sentido da obtenção da confissão, são reconhecidas ao depoimento de parte virtualidades probatórias irrecusáveis perante um sistema misto de valoração da prova em que, a par da prova tarifada, existem meios de prova sujeitos a livre apreciação»[12].
Assim, as partes do depoimento prestado por JA que não tenham valor confessório valem ainda como meios de prova sujeitos à livre apreciação do tribunal.
Após transcreverem excertos do depoimento de JA e das declarações AA, as apelantes referem que foi aquele que procurou e logrou chegar ao contacto com este, «com o fito da venda da fruta produzida pela sua representada (A/Recorrida), como declarado por AA», «não se vislumbrando, portanto, por que motivo entendeu o Tribunal “a quo” ter resultado como não provado o facto elencado sob a. dos factos não provados e que, antes se impõe ter por provado».
Acontece, porém, que além de ponto descrito em a) dos factos provados se afigurar irrelevante para decisão da causa e do recurso, o fito do primeiro contacto referido em 4. dos factos provados está expresso neste enunciado: visava «uma apresentação dos pomares da Autora, e das instalações desta, sitas na Quinta SV, em ____», a AA, o que efetivamente se realizou.
Desatende-se, nesta parte, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
*
As apelantes consideram que os enunciados descritos em 7., 12., 15., dos factos provados devem ser considerados não provados.
Sem qualquer razão, no entanto!
No despacho proferido no dia 2 de abril de 2025, na sequência do acórdão datado 25 de junho de 2024 (Ref.ª 21675863), o tribunal a quo motivou assim a decisão sobre aquele enunciado: «(...) resulta do depoimento de parte do legal representante da Autora, JA, e dos depoimentos das testemunhas ouvidas, TJ, PP e MP, que igualmente estiveram presentes nesse almoço e referiram os demais presentes e as conversas que ouviram ou a postura dos demais intervenientes (...); esteve ainda presente, BC, testemunha arrolada pela Autora e a apresentar, mas que não compareceu, e não foi ouvida (...)».
A audição integral do depoimento de parte de JA (legal representante da autora) e dos depoimentos prestados pelas testemunhas TJ (é engenheiro agrónomo; funcionário da autora desde janeiro de 2017, exercendo funções de diretor técnico; é o responsável por toda a área agrícola da autora; esteve presente no almoço – o depoimento desta testemunha, desde já se adianta, foi determinante para a apreciação, por este tribunal ad quem, da impugnação da decisão sobre a matéria de facto), MP (é diretor de hotel e trabalha para o Grupo VG, onde se insere a herdade de SV, desde 2018; esteve presente no almoço) e PP (é enóloga; trabalha para a autora há 16 anos – com referência, obviamente, à data em que prestou depoimento; esteve presente no almoço), não deixa dúvidas quanto à veracidade daqueles enunciados.
Conforme referido, todos afirmaram terem estado presentes no dito almoço, tendo explicado a razão da respetiva presença, e identificado, sem hesitações, as pessoas que nele participaram.
É ponto assente que MR (é engenheiro agrónomo; é o presidente do conselho de administração da 2.ª ré, sociedade que, na prática, constitui uma organização de produtores de fruta) não esteve presente no almoço referido no ponto 7. dos factos provados.
Resultou do depoimento da testemunha TJ que: em virtude do desempenho das suas funções, sempre esteve a par das conversações, que acompanhou pessoalmente, entre a autora e a 1.ª ré, com vista ao escoamento da fruta de caroço produzida na herdade de SV; em virtude dessas conversações sempre esteve plenamente convencido, por ser isso o combinado entre autora e 1.ª ré, que seria esta a adquirir toda a fruta de caroço produzida na herdade de SV, independentemente do respetivo calibre; até porque, nos meses subsequentes ao referido almoço, sobretudo em março e abril, foi mantendo contactos com AA, dando-lhe conta da situação do pomar e de como estava a decorrer a produção da fruta; aquando do início da colheita do primeiro tipo de fruta, a nectarina, contactou AA para que este disponibilizasse os palotes necessários ao encaixotamento da fruta que ia sendo colhida e os meios necessários ao seu transporte; voltou a falar de modo “mais formal” com AA no início de maio de 2019, altura do início da colheita da nectarina; nessa ocasião, teve dificuldade em entrar em contacto com AA, que não lhe atendia as chamadas telefónicas; dada a urgência da situação, enviou-lhe um SMS no dia 13 de maio de 2019, a dar-lhe conta da urgência que tinha na disponibilização dos palotes para o encaixotamento da fruta e dos meios necessários ao seu subsequente transporte para o respetivo destino; foi na sequência desse SMS que AA lhe telefonou, informando-o de que no dia seguinte estaria na herdade para “organizar as coisas”; no dia seguinte, AA apareceu efetivamente na herdade de SV, acompanhado de MR, a quem apresentou como sendo seu sócio, nada, então, lhe tendo sido dito que pudesse alterar o que estava acordado entre a autora e a 1.ª ré; nunca, até esse momento, havia tido qualquer contacto com MR, pessoa que não conhecia de lado algum; ainda nesse dia, foram-lhe entregues mais de 80 palotes para o encaixotamento e transporte das nectarinas; em seguida, deu-se inicio à colheita da fruta e ao seu encaixotamento naqueles palotes, atividade que decorreu entre 15 de 16 de maio de 2019, tendo, nesta última data seguido num camião disponibilizado para o efeito, segundo pensou, por AA; ainda no dia 16 de maio, contactou AA para recolha dos elementos necessários ao preenchimento da guia de transporte; foi então que AA lhe disse que a guia de transporte devia ser preenchida com os elementos da 2.ª ré, pois que era esta a compradora e recebedora da fruta colhida na herdade de SV; ou seja, AA transmitiu à testemunha TJ que o negócio da compra e venda da fruta era entre a autora e a 2.ª ré; foi esta a primeira vez que a TJ se colocou “a questão da FM”; seguiu as indicações de AA, preenchendo as guias de transporte com os elementos da 2.ª ré; assim, a partir de maio, ficou a saber que a compradora da fruta era a 2,ª ré, em nome da qual foi, efetivamente, efetuada a respetiva faturação; tudo correu normalmente nos primeiros tempos, até que, em finais de maio, AA e MR se deslocaram de novo à herdade de SV, altura em que lhe disseram que estando o mercado saturado de fruta do género da produzida pela autora, apenas havia interesse na aquisição daquela que apresentasse o calibre referido no ponto 17. dos factos provados; foi esta a primeira vez que foi colocada a questão do calibre da fruta; uma vez que já decorria o processo de colheita, não sendo, então, já possível encontrar outro comprador para a fruta abaixo daquele calibre, a autora não teve outra alternativa que não fosse aceitar as imposições então colocadas, sob pena de o prejuízo ser ainda maior; assim, o escoamento da fruta nos termos indicados ficou limitado a cerca de 20% da produção, ou seja, a cerca de 100.000 Kgs.
O teor do depoimento da testemunha TJ não deixa dúvidas quanto à veracidade dos enunciados descritos sob os pontos 7., 12., 15., 17., 18. e 19. dos factos provados.
E o mesmo sucede relativamente aos enunciados descritos em 21., 23., 29., 31. e 32..
Quanto a estes enunciados, resultou inequivocamente do depoimento da testemunha TJ que: no dia 25 de junho de 2019 recebeu uma chamada telefónica de MR a dizer-lhe que a fruta referida em 19. e 20. dos factos provados estava demasiado madura, o que impedia a sua comercialização; ia enviar essa fruta para o Banco Alimentar, ao que a testemunha respondeu que não fizesse tal, e que a devolvesse nos camiões que iriam à herdade de SV, nesse mesmo dia, fazer novos carregamentos de fruta, pois a autora dar-lhe-ia a finalidade que entendesse; MR respondeu-lhe, então, que isso já não era possível, pois a dita fruta já tinha sido encaminhada para o Banco Alimentar; foi, então, que a testemunha contactou JA, o legal representante da autora, que lhe ordenou que, nesse dia, carregasse a fruta que já se encontrava colhida e desse por terminada a descrita relação comercial; a partir daí, não saiu mais fruta da herdade de SV com destino à 2.ª ré; a fruta que saiu da herdade de SV não estava madura, encontrando-se em condições de ser consumida.
Resultou ainda do seu depoimento que: foi em finais de agosto ou princípios de setembro de 2019, que recebeu indicação da 2.ª ré para que a faturação fosse efetuada em nome desta; só em setembro de 2019 recebeu a indicação dos valores a faturar; os elementos enviados pela 2.ª ré com a indicação dos valores a faturar não correspondiam ao valor da fruta enviada; a fruta de refugo nunca ultrapassa os 10 a 15% da fruta enviada; ficou “espantado” quando recebeu a faturação com vista à cobrança dos serviços referidos em 31. e 32. dos factos provados, pois não foi acordada a cobrança de tais serviços, nem tal alguma vez ocorreu noutras situações.
O enunciado descrito em 34. dos factos provados está incorretamente formulado.
Conforme salienta Tomé Gomes, «o teor dos enunciados de facto correspondentes aos juízos probatórios deve ser depurado de referências aos meios de prova ou às respectivas fontes de conhecimento, sendo de banir dizeres como provado apenas que “a testemunha... viu o réu a entrar na casa do autor” ou, no caso em se discuta a origem de um incêndio, provado apenas que “os bombeiros verificaram não existir no local sinais do foco de incêndio”.
Estas referências aos meios de prova, quando muito, podem constituir argumento probatório, a consignar na motivação, para fundamentar um juízo afirmativo ou negativo, pleno ou restritivo, do facto em causa.
Nessa linha, o que se requer é que o julgador assuma uma posição clara sobre o julgamento de facto, decidindo o que deve decidir, sem evasivas. Por exemplo, se o que está em causa é apurar a origem de um incêndio, o que o juiz tem de ajuizar é se o facto para tal alegado está ou não provado, sendo que a verificação pelos bombeiros de não existir sinais do foco de incêndio é apenas um dos meios de prova nesse sentido. Igualmente, se o que está em discussão é indagar sobre a vontade real, expressa ou tácita, manifestada num contrato escrito, o que tem de ser decidido é se está ou não provada a alegada vontade real, pelo que, muitas vezes, o dar como provado apenas o que consta do documento se traduz numa forma evasiva de julgar aquela questão.»[13].
Assim, a senhora juíza a quo, em vez de dar como provado que «De acordo com informações prestadas pelas Rés, a fruta comprada à Autora destinava-se a ser vendida ao Grupo JM e comercializada nos supermercados PD», deveria, antes, sem evasivas, ter-se limitado a afirmar a quem é que a fruta comprada à autora se destinava a ser vendida, no caso, obviamente, de isso ter alguma interesse para a decisão do pleito, o que não é, manifestamente, o caso.
Na verdade, o enunciado descrito em 34. dos factos provados é, à luz das várias soluções plausíveis da questão de direito, manifestamente irrelevante para a decisão da causa e, consequentemente, deste recurso.
Quanto ao enunciado descrito em 36. dos factos provados, não foram especificados:
- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham, sobre aquele ponto da matéria de facto, decisão diversa da recorrida – art. 640.º, n.ºs 1, al. b, e 2, al. a);
- a decisão que, no seu entender da recorrida, deve ser proferida sobre aquela concreta questão de facto,
pelo que se rejeita nesta parte, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Sendo certo que TJ é funcionário da autora, o que a audição da gravação demonstra é que o seu depoimento foi prestado:
- de forma sincera, autêntica e honesta, tendo sido manifesto o seu esforço no sentido de reproduzir fielmente a realidade dos factos, os contornos da relação comercial a que se reportam os autos, relação essa relativamente à qual, devido ao exercício das suas funções, revelou conhecer todos os detalhes;
- de forma espontânea, sem hesitações, premeditações ou induções;
- de forma segura, convicta e com assinalável grau de certeza relativamente àquilo que relatou, ou seja, sabendo exatamente daquilo que falava e sustentando convictamente as suas afirmações, sendo, por isso, difícil contrariar o seu valor probatório;
- de forma perfeitamente percetível e inteligível, através de um discurso escorreito, claro e sem ambiguidades;
- de forma coerente, lógica, logo, sendo grande a possibilidade de as coisas se terem efetivamente passado tal como a testemunha as descreveu, à luz das regras da lógica e da experiência humana;
- de forma razoável, pois é possível, a uma razão esclarecida, aceitar como verdadeiro o seu depoimento;
- de forma rigorosa, precisa, sem ambiguidades, não deixando espaço para equívocos;
- de forma fundamentada, pois demonstrou, em virtude do exercício das suas funções, conhecimento pessoal e direto acerca de tudo quanto afirmou.
Foi, pois, com base no significativo valor do depoimento da testemunha TJ que se decidiu, a impugnação da decisão sobre os pontos de facto atrás identificados.
Em face do exposto, mantém-se inalterada a decisão proferida em 1.ª instância os pontos 7., 9., 12., 15., 16., 17., 18., 19., 21., 23., 29., 31., 32., 34. e 36. dos factos provados.
No que tange à impugnação da decisão sobre os pontos descritos em a), b), c), d), e), f), g), h), i), j), k), l) e m) dos factos não provados, já acima se desatendeu tal impugnação relativamente ao ponto descrito em a)
Quanto aos enunciados vertidos nas demais identificadas alíneas da matéria de facto não provada, a decisão acabada de proferir quanto à impugnação do decidido em 1.ª instância sobre os identificados pontos da matéria de facto provada, implica, necessariamente, sob pena de contradição, a improcedência da impugnação relativamente à impugnação da decisão sobres os pontos vertidos em b), c), d), e), f), g), h), i), j), k), l) e m) dos factos não provados.
Termos em que se desatende, in totum, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
3.2.3 – Enquadramento jurídico:
Este é mais um daqueles inúmeros casos em que, na petição inicial, se faz do estatuído no art. 552.º, n.º 1, al. d), parte final, letra morta.
Na verdade, apesar de o citado preceito impor que «na petição, com que propõe a ação, deve o autor (...) expor (...) as razões de direito que servem de fundamento à ação» é com cada vez maior frequência que, em sede de petição inicial, se ignora tal comando, nada se dizendo acerca das razões de direito que servem de fundamento à ação.
É o que ocorre no caso concreto!
Retira-se, no entanto, da petição inicial com que foi introduzida em juízo a presente ação, que a causa de pedir que lhe serve de fundamento, reside no incumprimento de um contrato de compra e venda
As autoras pedem a condenação das rés no pagamento do preço de fruta que lhes vendeu e que estas não pagaram.
Assim o entendeu a sentença recorrida, onde se afirma, em sede de fundamentação de direito:
«Como questões a decidir, e já supra elencadas, impõe-se aferir desde logo da eventual violação de deveres contratuais por parte das Rés, atinente ao contrato de compra e venda, celebrado com a Autora, inicialmente com uma configuração, mas no decorrer da contratação, com diferente configuração, sempre verbalmente estabelecido e em termos, que só os próprios legais representantes, como muitas vezes é feito nos negócios “durante os almoços”, o sabiam.
(...)
Dispõem os art.º 874º e 879º do CC que “Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço” e tem como efeitos essenciais, “a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito; a obrigação de entregar a coisa; a obrigação de pagar o preço”.
E por sua vez, dispõe o art.º 913º que “Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.2. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria”.
E o art.º 914º que “O comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela; mas esta obrigação não existe, se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece.”
Ora, in casu, nenhuma prova fizeram as Rés do que in casu se impunha.
Nem lograram provar que a BF não era parte na negociação e que os “custos logísticos” da intervenção da FM, recaiam sobre a Autora, e nos montantes vertidos nas facturas que a 2ª Ré emitiu em nome daquela, sobre queles quilogramas de fruta, etc.
Sem grandes dissertações, parece ser evidentemente, ser esta, a situação dos autos, porquanto, nada lograram provar as Rés, como a si se impunha, por um lado, da ilegitimidade substantiva da 1ª Ré, foi parte e foi relevante na decisão de negociação da Autora, seja quanto ao incumprimento do acordado pela Autora, quanto aos custos acessórios da compra e venda celebrada, acordados e incumpridos.
Se a Autora logrou alegar e provar que o bem/mercadoria foi entregue e em que condições, incumbia à 2ª Ré comprovar que era defeituoso, na acepção legal, no sentido de, não estar conforme com o que fora acordado, e principalmente de se não adequar ao fim a que se destinava (venda a grandes superfícies), como cabia à 2ª Ré alegar e comprovar a existência de uma divida da Autora para com aquela, por condições que em data anterior aceitara, e que lhe explicara. Mas não o logrou, apesar de haver aceite as facturas que a Autora emitiu, com base na fruta que lhe forneceu, preço por kg, etc.
Idêntico raciocínio se impõe quanto ao destino dado ao “refugo” enviado à revelia da Autora, para o Banco Alimentar, numa atitude que se não compreende, apesar do esforço meritório, de tentar escamotear incongruências tão manifestas como, a fruta ser enviada em palotes “bonitos e bons”, como se fosse para vender a uma grande superfície, veja-se depoimento do presidente do Banco Alimentar, sem sequer ser dada a hipótese à Autora de decidir, como algumas testemunhas da própria 2º Ré vieram dizer, que em regra a Ré até admite – destinar a fruta de refugo para doações a escuteiros, etc., ou destinar a alimentação de animais.
É certo, confessou a Autora, o recebimento de quantia parcial pela 2ª Ré, que não havia computado à data da PI, razão porque reduziu o pedido, conforme facto provado n.º 28, e seu articulado de resposta, datado de 16 de novembro de 2020, de fls. 148 e ss..
Mas no mais, procede in totum a acção».
Depois desta fundamentação, a senhora juíza a quo exarou o seguinte dispositivo:
«Em face de todo o exposto, julgo procedente, por provada, a presente acção e em consequência condeno solidariamente as Rés, no pagamento à Autora, da quantia de € 26.148,41 (vinte e seis mil, cento e quarenta e oito euros e quarenta e um cêntimos), acrescida dos juros de mora, vincendos, à taxa dos juros comerciais, desde a citação das Rés, e até efectivo e integral pagamento; no mais, absolvo a Autora dos pedidos de condenação como litigante de má fé».
E assim o entenderam também as rés, aqui apelantes, conforme se verifica pelo teor das suas exaustivas e prolixas alegações e conclusões recursivas.
Inalterada que fica a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo, não merece censura o enquadramento jurídico que lhe foi dado na sentença recorrida, nem a condenação da 2.ª ré nos termos em que o foi, razão pela qual, em relação a esta, terá o recurso de ser julgado improcedente.
O mesmo não sucede, no entanto, quanto à 1.ª ré.
Não obstante o que se mostra assente sob os pontos 9., 10., 17., 18., dos factos provados, a verdade é que a realidade retratada sob os pontos 11., 12., 15., 20., 21., 22., 24., 29., 30., 31., 32., mas, sobretudo, sob os pontos 27., 28., 30. e 36., dos factos provados, revela que a 2.ª ré foi a única compradora da fruta cujo pagamento aqui é exigido pela autora, e não também a 1.ª ré.
Assim sendo, como se afigura que é, a 1.ª ré nada deve à autora, pois nada lhe comprou.
Foi à 2.ª ré, e só a esta, que a autora vendeu a fruta a que se reportam estes autos, pelo que só a esta pode exigir o pagamento do preço em falta.
***
IV – DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação parcialmente procedente, em consequência do que, revogam parcialmente a sentença recorrida, que substituem por outra nos seguintes termos:
a) absolvem a 1.ª ré, BF, Lda., do pedido contra si formulado pela autora;
b) condenam a 2.ª ré, FM, S.A., a pagar à autora a quantia fixada na parte dispositiva da sentença recorrida, acrescida dos respetivos juros de mora, nos termos nela estipulados.
As custas deste recurso, na vertente de custas de parte, são a cargo:
- da autora na proporção de 50%; e,
- da 2.ª ré, em igual proporção,
nos termos dos arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2).

Lisboa, 1 de julho de 2025
(Acórdão assinado eletronicamente)

José Capacete
Micaela Sousa
Ana Mónica Mendonça Pavão
____________________________________________________
[1] Adiante identificada como 1.ª ré.
[2] Adiante identificada como 2.ª ré.
[3] Assim, cumprindo-se e respeitando-se o art. 639.º, n.º 1, se reduzem a seis, os complexos e prolixos 71 (setenta e um) pontos que constituem as conclusões das apelantes.
[4] Recursos em Processo Civil, 7.ª Ed., Almedina, 2022, pp. 185-188.
[5] Cfr. Ac. de 03.12.2015, Proc. n.º 3217/12.1TTLSB.L1.S1 (Melo Lima), in www.dgsi.pt.
[6] Recursos em Processo Civil, 7.ª Ed., Almedina, 2022, pp. 185-188.
[7] Cf. Ac. da R.C. de 27.5.2014, Proc. nº. 104/12.0T2AVR.C1 (Moreira do Carmo), in www.dgsi.pt.
No Acórdão da mesma Relação de 24.4.2012, Proc. nº. 219/10.6T2VGS.C1 (Beça Pereira), in www.dgsi.pt, escreveu-se a este propósito:
«A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B, visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorretamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante.
Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º».
No acórdão da mesma Relação de 14.01.2014, Proc. nº 6628/10.3TBLRA.C1 (Henrique Antunes), a mesma ideia é assim expressa:
«De harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os atos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC).
Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objeto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a ação, ou pelo réu, com a contestação.
Portanto, a reponderação apenas deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, i.e., segundo todos os enquadramentos jurídicos possíveis do objeto da ação.»
[8] Cfr. Ac. do S.T.J. de 17.05.2017, Proc. nº 4111/13.4TBBRG (Isabel Pereira), in www.dgsi.pt.
[9] Tribunal da Relação.
[10] O segundo grau de jurisdição em matéria de facto no processo civil português, AAFDL Editora, Lisboa, 2022, pp. 44-45.
[11] Recurso de apelação e controlo da decisão da questão de facto, pp. 44-45, in www.stj.pt.
[12] Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª edição, Almedina, 2022, pp. 561-562.
[13] Da Sentença Cível, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 2014, p. 23.