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CONTRATO PROMESSA
RESOLUÇÃO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
DEFEITOS APARENTES
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
Sumário
SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC) I – Não pode ser atendida a impugnação da decisão da matéria de facto no tocante ao aditamento de factos que não foram alegados pelos Autores/Apelantes na Petição Inicial e desprovidos de relevância jurídica no contexto da causa de pedir e do objeto do recurso; improcedendo quanto aos demais pontos impugnados, por se tratarem de factos alegados na Petição Inicial considerados não provados na sentença, que este Tribunal da Relação, ponderando os diferentes elementos probatórios, não ficou convencido de que tenham ocorrido. II – O direito potestativo de resolução do negócio em causa, um contrato-promessa de compra e venda de fração autónoma, e os direitos previstos no art. 442.º do CC são indissociáveis, dependendo sempre (ressalvados os casos de resolução convencional) de fundamento legal, que radica no incumprimento definitivo da prestação devida pela parte faltosa (arts. 410.º, n.º 1, 405.º, 432.º a 436.º, e 790.º e ss. do CC), verificando-se designadamente nas seguintes situações: a pura e simples recusa do cumprimento de forma categórica e inequívoca; os casos em que a prestação se torna impossível, total ou parcialmente, por culpa do devedor (ex. destruição ou alienação a terceiro da coisa prometida pelo promitente-vendedor); a ultrapassagem de prazo fixo essencial e absoluto; e a conversão da mora (culposa do promitente-faltoso) em incumprimento definitivo por via dos mecanismos previstos no art. 808.º do CC, com a ultrapassagem de prazo suplementar razoável fixado em interpelação admonitória feita pelo promitente não faltoso ou a perda objetiva de interesse, por parte deste mesmo promitente, na celebração do contrato prometido, em consequência daquela mora. III – Tem ainda vindo a ser reconhecido pela jurisprudência que a falta de eliminação dos defeitos que não sejam de diminuta importância de uma fração prometida vender pode constituir causa legítima da recusa do promitente comprador em celebrar o contrato definitivo (exceção do não cumprimento do contrato), bem como fundamento da resolução do contrato-promessa ante a recusa do promitente vendedor em realizar a respetiva reparação, considerando a estreita ligação entre o contrato promessa e o correspondente contrato de compra e venda. IV – Porém, situações há em que, apesar da existência de defeitos/patologias nos imóveis vendidos ou prometidos vender, não se pode considerar verificado um incumprimento contratual por parte dos vendedores ou promitentes vendedores, conquanto estes demonstrem factos tendentes a infirmar a normalidade das coisas, designadamente que o contrato-promessa se referia a uma casa inacabada ou degradada, com os defeitos provados e que os compradores ou promitentes compradores disso estavam cientes. V – Assim sucede no caso dos autos, atenta a factualidade provada, não tendo os Autores, promitentes compradores, logrado provar a verificação de quaisquer factos que pudessem levá-los a não perceber ou desvalorizar a extensão ou a gravidade das anomalias da fração, que eram bem percetíveis logo pelo texto e fotografias do anúncio de venda e pelas visitas efetuadas, nada indicando, antes pelo contrário, que as desconheciam, pelo que não tem cabimento invocarem a legitimidade da resolução do contrato promessa, peticionando a restituição do sinal em dobro (ou em singelo), com fundamento na violação do princípio da boa fé (cf. art. 762.º, n.º 2, do CC) e dos artigos 227.º, 406.º, n.º 1, 808.º, 442.º, 443.º e 289.º do CC. VI – Com a sua atuação, ao comunicarem a resolução do contrato nos termos em que o fizeram, sem que existisse fundamento para isso, incorreram em incumprimento definitivo do contrato, sendo despiciendo discutir se tal declaração deverá ser tida como ineficaz (sem efeito extintivo), sendo válida a resolução posteriormente comunicada pela Ré, ou se, apesar de ilícita, tal resolução levou, no caso concreto, à extinção do contrato promessa em apreço. VII – Tão pouco se poderá considerar que lhes assiste o direito à anulação do contrato promessa, nos termos conjugados dos artigos 410.º e 913.º e ss. do CC (regras atinentes à venda de coisa defeituosa), ou à sua resolução por força do disposto no art. 437.º n.º 1, ex vi do art. 252.º, n.º 2, ambos do CC (alteração subjetiva anormal da base negocial).
Texto Integral
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados
I - RELATÓRIO
AA e BB interpuseram o presente recurso de apelação da sentença que julgou improcedente a ação declarativa que, sob a forma de processo comum, intentaram contra CC.
Na Petição Inicial, apresentada em 16-12-2022, os Autores peticionaram que fosse:
a) declarado resolvido o contrato-promessa celebrado entre os Autores e a Ré em 28-03-2022 relativo à fração autónoma identificada no art. 14.º da PI;
b) a Ré condenada, nos termos do n.º 2 do art. 442.º do CC, no pagamento da quantia de 86.000,00 € a título de restituição do sinal em dobro, acrescida de juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento;
Subsidiariamente,
c) a Ré condenada, nos termos conjugados dos artigos 289.º e 433.º do CC, a restituir a quantia entregue a título de sinal, no valor de 43.000,00 €, acrescida de juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento;
Subsidiariamente,
d) anulado o contrato em causa e, em consequência, a Ré condenada a restituir aos Autores, o valor por estes pago, a título de preço sinal e início de pagamento, ou seja, o montante de 43.000,00 €, acrescido de juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento.
Alegaram, para tanto e em síntese, que:
- Os Autores, de nacionalidade francesa, pretendiam adquirir um imóvel na cidade de Lisboa para habitação, motivo pelo qual contrataram os serviços da Mediadora Imobiliária Seedworks, Lda., na pessoa do Sr. DD, agente imobiliário, para aquele efeito;
- No dia 16 de março de 2022, a Autora, acompanhada da Ré e do Sr. DD, visitou o imóvel, o qual carecia de reparação interior, tendo a Autora reparado que existia uma racha na parede que separa o apartamento do átrio de entrada do prédio, a qual era também visível na entrada do edifício, uma outra racha na parede da chaminé e algumas fendas nas restantes paredes, bem como fissuras no pavimento;
- A Autora questionou a Ré acerca dos aludidos defeitos, tendo esta prontamente respondido que se tratavam de meros defeitos estéticos, os quais, segundo a mesma, seriam usuais nos prédios antigos de Lisboa, que não comprometiam a segurança da fração, eram facilmente corrigidos e não implicavam quaisquer questões estruturais, dando a aparência de ter conhecimento na matéria;
- Houve ainda uma segunda visita, realizada no dia seguinte, pelo Autor, na companhia do Sr. DD, da Autora e da Ré, tendo o Autor questionado a Ré sobre os defeitos encontrados na fração e a Ré prestado as mesmas informações, tranquilizando os Autores de que a casa apenas precisava de uma simples renovação de interiores;
- Face às informações transmitidas pela Ré e confirmadas pelo referido agente imobiliário, os Autores, no mesmo dia, apresentaram a proposta de compra do referido imóvel, vindo a ser celebrado, em 28-03-2022, Contrato Promessa de Compra e Venda, mediante o qual os Autores prometeram comprar e a Ré prometeu vender, pelo preço de 430.000,00 €, a fração autónoma designada pela letra “B”, no rés-do-chão esquerdo, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua Luciano Cordeiro, n.º ..., Freguesia de Santo António, concelho de Lisboa, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º 170-B;
- Na data da celebração do referido contrato, os Autores entregaram à Ré, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 43.000,00 €, acordando que o remanescente do preço, no montante de 387.000,00 € seria pago no ato da escritura de compra e venda, e que a escritura pública seria outorgada até 60 dias após a assinatura do contrato, prazo prorrogável por mais 30 dias, se não fosse possível a sua outorga por causa não imputável a nenhuma das partes;
- As partes acordaram na prorrogação do prazo de celebração da escritura e mais tarde, quando aguardaram a emissão da licença de utilização do imóvel, os Autores solicitaram uma nova visita ao imóvel para poderem levar um arquiteto, com vista a fazer um desenho do espaço para a pretendida renovação de interiores;
- No âmbito dessa visita, ocorrida no dia 26 de julho de 2022, os Autores foram surpreendidos pela reação do arquiteto que, ao observar o imóvel, se mostrou bastante preocupado, alertando os Autores para diversos problemas estruturais presentes no imóvel, alguns dos quais também em partes comuns do edifício, tendo solicitado ao arquiteto que colocasse por escrito as deficiências observadas e que discriminasse os tais defeitos estruturais – cf. email junto como doc. 6;
- Na posse do relatório elaborado pelo referido arquiteto e porque o mesmo contrariava frontalmente o que havia sido transmitido pela Ré, os Autores comunicaram o teor do mesmo ao filho da Ré e solicitaram a realização de uma nova visita ao imóvel, o que foi autorizado;
- Realizada nova visita em 29 de julho de 2022, o engenheiro EE veio concluir que a fração apresentava “notórias faltas de atenção com a sua manutenção, carecendo de intervenção específica e não meramente de cuidados de cosmética” – cf. relatório junto como doc. 8;
- Os Autores foram absolutamente surpreendidos com o teor do relatório elaborado pelo engenheiro, nomeadamente, no que respeita aos defeitos estruturais que careciam de uma intervenção específica, na medida em que a Ré lhes havia sido transmitido que se tratavam de meras imperfeições estéticas, facilmente corrigíveis;
- Neste momento os Autores ficaram bastante apreensivos, sobretudo porque, ainda desconhecendo valores concretos, logo lhes foi transmitido por aqueles técnicos que não se trataria de uma simples obra de renovação, na medida em que era necessário, até por questões de segurança, reforçar a estrutura, além de que sempre seriam necessários projetos específicos (arquitetura e engenharia) na edilidade, como também autorização do condomínio para a reparação, por alguns dos defeitos estruturais encontrados afetarem também partes comuns do edifício;
- Por isso, os Autores interpelaram a Ré para que aquela procedesse às intervenções necessárias à prossecução do fim a que o imóvel se destinava, incluindo obter a autorização necessária por parte Administração do Condomínio no que respeitava às partes comuns, concedendo-lhe um prazo de 8 dias para a Ré manifestar se era sua intenção ou não proceder às reparações necessárias no imóvel, e, por outro lado, um prazo de 30 dias para proceder às referidas reparações, findos os quais considerariam que a Ré havia incumprido a obrigação de reparação dos problemas estruturais existentes no imóvel;
- Face à recusa por parte da Ré em efetuar as reparações e ao teor da resposta do seu filho, os Autores perderam o interesse no negócio, pelo que, em 10-08-2022, resolveram o Contrato promessa de compra e venda, requerendo a restituição do sinal em dobro, no montante de 86.000,00 €;
- Em 28-08-2022, o filho da Ré enviou um email aos Autores, comunicando-lhes a resolução do contrato promessa por “incumprimento definitivo do contrato por parte dos Promitentes Compradores” e afirmando fazer seu o sinal prestado;
- Quando a Ré colocou, de novo, o imóvel à venda, os Autores solicitaram a uma amiga e a uma engenheira, FF, que contactassem a Ré para agendarem uma visita, tendo estas visitado o imóvel no dia 08-10-2022;
- Posteriormente, a pedido dos Autores, esta engenheira elaborou um Relatório concluindo que “as patologias evidenciadas no imóvel não se tratam de defeitos estéticos, mas de graves defeitos estruturais” – cf. relatório junto como Doc. 15.
Citada a Ré, apresentou Contestação em que se defendeu por exceção perentória e por impugnação motivada, de facto e de direito, alegando, em síntese, que: os Autores não cumpriram a obrigação de marcação da escritura pública de compra e venda no prazo devido; o contrato promessa cessou todos os seus efeitos por resolução da Ré, comunicada por escrito aos Autores através de carta registada com aviso de receção datada de 19-08-2022 e recebida pelos Autores em 24-08-2022 e, ainda, por email enviado em 28-08-2022, resolução essa efetuada com fundamento no incumprimento definitivo do contrato por parte dos Autores. A Ré requereu ainda a condenação dos Autores como litigantes de má fé.
Os Autores apresentaram, a 16-02-2023, articulado, dito de “Resposta às excepções pronúncia sobre os documentos juntos pela Ré”, alegando designadamente que: cabia à Ré apresentar toda a documentação legal necessária à marcação da escritura e a certidão da CML era um desses elementos, o que só aconteceu a 26-07-2022; a Ré aceitou depois prorrogar o prazo da escritura por 15 dias; através de comunicação enviada em 10-08-2022, os Autores resolveram o contrato promessa por perda de interesse face aos defeitos estruturais detetados no imóvel; é a Ré quem litiga de má fé.
A Ré exerceu o contraditório mediante requerimento apresentado em 02-03-2023, pugnando pela improcedência da ação e pela condenação dos Autores como litigantes de má fé.
Realizou-se audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, bem como despacho de identificação do objeto do litígio (Da validade do contrato de promessa de compra e venda; Do incumprimento do contrato de promessa de compra e venda e suas consequências) e enunciação dos temas da prova: [1. Saber se foram ocultados graves defeitos estruturais por parte da ré que impediram que o imóvel ficasse apto aos fins a que se destinava. 2. Saber se a decisão de celebrar o contrato de promessa nos termos em que o foi tomada pelos autores, se baseou no pressuposto de que o estado do mesmo não evidenciava defeitos estruturais, facto que a ré conhecia. 3. Saber se os autores não marcaram a escritura dentro do prazo previsto por a ré não lhe ter facultado os elementos necessários para o efeito. 4. Saber se a recusa por parte da ré de proceder à reparação dos danos estruturais do imóvel justificou a perda de interesse dos autores na celebração do contrato prometido. 5. Da litigância de má fé.]
Procedeu-se a julgamento, com observância do legal formalismo.
Após, foi proferida a Sentença recorrida cujo segmento decisório tem o seguinte teor: “Destarte, o Tribunal julga a presente acção totalmente improcedente, por não provada, e decide absolver a ré de tudo o que é pedido. Custas pelos AA. Registe. Notifique.”
É com esta decisão que os Autores não se conformam, tendo interposto o presente recurso de apelação em cuja alegação formularam as seguintes conclusões: 1. Os ora Recorrentes intentaram contra a Recorrida acção de condenação sob a forma de processo comum pedindo: A) - que fosse declarada a resolução do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre ambos em 28-03-2022, sendo a Recorrida condenada, nos termos do n.º 2, do artigo 442.º do Código Civil, no pagamento da quantia de € 86.000,00 a título de restituição do sinal em dobro, acrescida de juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento; B) - caso assim não se entendesse, que fosse a Recorrida condenada, nos termos conjugados dos artigos 289.º e 433.º do Código Civil, a restituir a quantia entregue a título de sinal, no valor de €43.000,00, acrescida de juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento; C) - caso assim não se entendesse, que fosse anulado o contrato em causa e, em consequência, fosse a Recorrida condenada a restituir aos Recorrentes o valor por estes pago, a título de preço sinal e início de pagamento pelo imóvel, ou seja, o montante de €43.000,00, acrescido de juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento. 2. Realizado o julgamento, veio a ser proferida a sentença aqui sob escrutínio, a qual entendeu julgar totalmente improcedente a acção proposta pelos AA., absolvendo a Ré de todos e cada um dos pedidos subsidiariamente contra si deduzidos. 3. Para efeitos do artigo 640º do C.P.C., consideram os Recorrentes que o tribunal recorrido julgou incorrectamente como não provados os seguintes factos (nas partes assinaladas a bold e sublinhado): - Os AA. foram absolutamente surpreendidos com o teor do Relatório elaborado pelo Engenheiro, nomeadamente, no que respeita aos defeitos estruturais que careciam de uma intervenção específica, na medida em que a R. lhes havia sido transmitido que se tratavam de meras imperfeições estéticas, facilmente corrigíveis, o que de resto é frontalmente contrariado pelo dito relatório. - Neste momento os AA. ficaram bastante apreensivos, sobretudo porque ainda desconhecendo valores concretos, logo lhes foi transmitido por aqueles técnicos que não se trataria de uma simples obra de renovação na medida em que era necessário, até por questões de segurança reforçar a estrutura, além de que, sempre seriam necessários projectos específicos (arquitetura e engenharia) na edilidade, como também autorização do condomínio para a reparação, pois alguns dos defeitos estruturais encontrados afectam também partes comuns do edifício. 4. Referiu a testemunha DD, agente imobiliário contratado pelos Recorrentes que encontrou o anúncio do imóvel em causa e intermediou as negociações, sendo evidente o conhecimento que tem quanto às pretensões e preferências daqueles, que os Recorrentes o contrataram para encontrar um imóvel para sua habitação própria e permanente, o qual deveria possuir jardim e que se encontrasse em estado que lhes permitisse fazer uma remodelação interior para o colocarem a seu gosto. – cfr. Depoimento da testemunha DD gravadas e disponíveis na aplicação informática do Tribunal, conforme acta de audiência de discussão e julgamento datada de 02-07-2024, concretamente aos minutos 00:03:28.1 a 00:03:54.0 – acima transcritos. 5. Tendo por base esses requisitos dos Recorrentes, o agente imobiliário, testemunha DD, encontrou o anúncio online para venda do imóvel identificado no facto provado b), anúncio que referenciava a necessidade de “recuperação total” – facto provado ll). 6. Sendo a “recuperação total” da fracção um factor de interesse para os Recorrentes, foram encetados os devidos contactos com vista às visitas ao imóvel, tal como dado como provado nos factos e) a h), e no decurso dessas visitas, e conforme resulta do facto provado g), os Recorrentes depararam-se com determinados defeitos no interior da fracção, visíveis também no átrio/hall (zona comum) do próprio prédio. 7. Não podem assim os Recorrentes conformar-se com a fundamentação da decisão recorrida, porquanto: uma coisa é os Recorrentes, ao visitarem a fracção, depararem-se com defeitos, que, aliás, já certamente esperariam, uma vez que o anúncio de venda online referia precisamente que a fracção carecia de obras de remodelação total; 8. Porém, coisa diferente é os Recorrentes, enquanto homem médio que são (portanto, sem conhecimentos técnicos específicos de engenharia ou arquitectura ou construção), constatarem a existência desses defeitos e, a olho nu, conseguirem avaliar se os mesmos são solucionáveis com meras obras de remodelação interior (o que, aliás, pretendiam mesmo levar a cabo) ou se só são solucionáveis mediante obras de grande envergadura em toda a estrutura e implantação de todo o prédio globalmente considerado (com todas as vicissitudes que tal implica, desde logo por estar constituído em propriedade horizontal e carecer da intervenção de todos os condóminos, a que acresce as necessárias licenças e autorizações por parte da edilidade, fora o aumento exponencial dos custos envolvidos e, bem assim, do tempo que levaria até as obras estarem devidamente concluídas). 9. Esclareceu o agente imobiliário, a testemunha DD, que conhecia pessoalmente os Recorrentes, que estes não possuem quaisquer conhecimentos técnico-especializados que lhes permitissem depreender a natureza e significado dos defeitos que visualizaram – cfr. Depoimento da testemunha DD gravadas e disponíveis na aplicação informática do Tribunal, conforme acta de audiência de discussão e julgamento datada de 02-07-2024, aos minutos 00:05:49.1 a 00:08:03.5 - acima transcritos. 10. Por outro lado, além de resultar das regras de experiência comum que uma “remodelação total” de uma fracção diz única e exclusivamente respeito ao seu interior (ainda que signifique obras profundas, como a renovação de toda a canalização ou ligação eléctrica), não implicando obras na estrutura do prédio inteiro, também esta testemunha DD explicou isso mesmo, como profissional que é no ramo imobiliário – cfr. Depoimento da testemunha DD gravadas e disponíveis na aplicação informática do Tribunal, conforme acta de audiência de discussão e julgamento datada de 02-07-2024, aos minutos 00:15:01.3 a 00:16.05.2 – acima transcritos. 11. Nunca os Recorrentes suscitaram problema quanto à necessidade de terem de proceder a uma remodelação total do interior da fracção que tinham interesse em adquirir. Precisamente nesse pressuposto, e porque queriam ser eles próprios a colocar a fracção ao seu gosto para nela habitarem, assinaram o respectivo contrato-promessa de compra e venda. 12. Sendo que, como amplamente resulta do depoimento da testemunha DD, celebraram o dito CPCV na convicção que a intervenção que teriam que fazer no imóvel diria apenas respeito ao interior do mesmo, não configurando a necessidade de se fazerem obras estruturais do edifício ou que o edifício tivesse defeitos estruturais... 13. Atente-se novamente ao que foi dito pelo agente imobiliário, a testemunha DD, reforçando a ideia de que os Recorrentes julgavam estar perante a mera necessidade de obras interiores (o que coincidia com a sua pretensão), partindo daí o seu interesse pelo imóvel – cfr. Depoimento da testemunha DD gravadas e disponíveis na aplicação informática do Tribunal, conforme acta de audiência de discussão e julgamento datada de 02-07-2024, aos minutos 00:16:58.8 a 00:17:32.7 acima transcritos. 14. Deste interesse dos Recorrentes, as partes encetaram a negociação com vista à celebração do contrato-promessa de compra e venda, como também revela a mesma testemunha DD – cfr. Depoimento da testemunha DD gravadas e disponíveis na aplicação informática do Tribunal, conforme acta de audiência de discussão e julgamento datada de 02-07-2024 aos minutos 00:18:21.7 a 00:20:14.1 acima transcritos. 15. Não é de somenos importância assinalar o que também foi dito por esta testemunha DD quanto à expectativa dos Recorrentes sobre o preço que pretendiam pagar, globalmente considerando a compra do imóvel propriamente dita bem como as quantias que estavam dispostos a pagar a título da referida remodelação do seu interior, e ainda a sua expectativa quanto a tempo que estavam dispostos a perder até poderem, finalmente, habitá-lo – cfr. Depoimento da testemunha DD gravadas e disponíveis na aplicação informática do Tribunal, conforme acta de audiência de discussão e julgamento datada de 02-07-2024 aos minutos 00:11:16.2 a 00:13:39.3 acima transcritos. 16. Em síntese de tudo quanto se vem expondo, várias conclusões se retiram da prova produzida: i) os Recorrentes procuravam uma casa para habitação própria e permanente susceptível de remodelação interior total, mas cujo custo da renovação não ultrapassasse os 60/80 mil euros; ii) a fracção pela qual se interessaram estava anunciada para venda com necessidade de remodelação total; iii) os defeitos visionados pelos Recorrentes na fracção foram, para si mesmos, tidos como solucionáveis mediante a simples “remodelação total” interior, não tendo aqueles conhecimentos especializados que, a olho nu, lhes permitissem perceber a existência de defeitos estruturais do prédio e o que a sua resolução implicaria. 17. Porém, o que vêm os Recorrentes a apurar de seguida, já depois de celebrado o contrato-promessa, por intermédio das visitas que realizaram com engenheiros/arquitectos, é que, afinal, não estavam em causa meras obras de remodelação total da fracção (leia-se, do respectivo interior), mas sim a necessidade de obras profundas na estrutura e fundação de todo o edifício, facto por eles nunca antes conhecido e que nunca lhes havia sido dado a conhecer, como explicou a testemunha DD ao referir que foi absolutamente frustrada a expectativa com base na qual os Recorrentes assinaram o contrato-promessa, isto é, de que apenas estariam em causa obras de remodelação do interior da fracção – Cfr. Depoimento da testemunha DD gravadas e disponíveis na aplicação informática do Tribunal, conforme acta de audiência de discussão e julgamento datada de 02-07-2024, aos minutos 00:21:36.8 a 00: 31:06.5 acima transcritos. 18. Sendo certo que a existência dos referidos defeitos estruturais do prédio (entenda-se, não só referentes à fracção que os AA. pretendiam adquirir) resulta, também, dos documentos juntos como Docs. 6, 8 e 15 com a Petição Inicial, como do depoimento prestado pelas testemunhas com mais conhecimentos técnicos (engenheiros e arquitectos) – inclusivamente pelas testemunhas arroladas pela R.! 19. Tal como resulta que os ditos defeitos estruturais não eram passíveis de serem detectados por um leigo! Tal como resulta que a reparação dos defeitos estruturais era essencial para que o imóvel ficasse em plenas condições de habitabilidade e segurança! Tal como resulta que a reparação desses defeitos estruturais, por respeitar a partes comuns do prédio, exigiria muito maior esforço financeiro e de tempo para a sua resolução! 20. Sobre esta matéria, atente-se ao que foi dito pela testemunha GG autor do email junto como Doc. 6 com a P.I., - cfr. Depoimento da testemunha GG gravadas e disponíveis na aplicação informática do Tribunal, conforme acta de audiência de discussão e julgamento datada de 02-07-2024, aos minutos 00:05:34:6 a 00:18:48:4 acima transcritos. 21. E ao que foi dito pela testemunha EE, autor do relatório junto como Doc. 8 com a P.I. – cfr. Depoimento da testemunha EE gravadas e disponíveis na aplicação informática do Tribunal, conforme acta de audiência de discussão e julgamento datada de 02-07-2024, aos minutos 00:06:32.7 a 00:12:04.6 acima transcritos. 22. Sobre a mesma temática, atente-se ao que foi dito pela testemunha FF, autora do relatório junto como Doc. 15 com a P.I., - cfr. Depoimento da testemunha FF gravadas e disponíveis na aplicação informática do Tribunal, conforme acta de audiência de discussão e julgamento datada de 02-07-2024, aos minutos 00:04:32.5 a 00:10:45.5 acima transcritos. 23. Veja-se ainda o que disse a testemunha, arrolada pela Ré, HH sobre este tema – cfr. Depoimento da testemunha arrolada pela Recorrida HH gravadas e disponíveis na aplicação informática do Tribunal, conforme acta de audiência de discussão e julgamento datada de 02-07-2024, aos minutos 00:08:29.5 a 00:14:14.6 acima transcritos. 24. Finalmente, atente-se ao que foi dito pela testemunha arrolada pela Ré II – cfr. Depoimento da testemunha arrolada pela Recorrida II gravadas e disponíveis na aplicação informática do Tribunal, conforme acta de audiência de discussão e julgamento datada de 02-07-2024, aos minutos 00:04:00.5 a 00:17:11.8 acima transcritos. 25. De tudo isto resulta que a prova produzida foi esmagadora no sentido de, contrariamente ao que era indicado pela R. (mormente no anúncio que publicou a anunciar a venda e que esteve na base do interesse dos AA.) e para além de remodelação do interior do imóvel, também teriam que ser resolvidos problemas estruturais que o prédio apresentava e cuja resolução era essencial para que o imóvel ficasse realmente em condições de habitabilidade e segurança. 26. Mais tendo resultado da mesma prova que os trabalhos para corrigir estes defeitos estruturais, não só implicavam um dispêndio excepcional financeiro, como de tempo, como exigiam uma concertação com os demais condóminos e a emissão de licenças camarárias... 27. Parece-nos, salvo o devido respeito, que as ilações tiradas pelo tribunal recorrido, quanto ao facto de os “defeitos” e fissuras já se encontrarem visíveis aquando da primeira visita dos Recorrentes tendo estes capacidade para compreender a sua dimensão e termos de reparação, não podem ser acolhidas. 28. Com efeito, resulta também dos depoimentos que acima transcrevemos que um “leigo” (entenda-se, alguém não especializado em engenharia ou arquitectura) NÃO teria capacidade para perceber a real extensão dos referidos danos, nem que os mesmos fossem estruturais do prédio e não apenas referentes à fracção! 29. Também não podendo aceitar-se a referência feita na sentença recorrida a trocas de mensagens entre o mediador imobiliário (a testemunha DD) e o filho da R. e seu interlocutor nesta situação (a testemunha JJ) sobre questões relativas ao condomínio (até tendo sido enviadas ao mediador algumas actas de assembleias de condóminos) no sentido de demonstrar que os AA. pudessem ter conhecimento dos mencionados defeitos estruturais... pois que estas (constantes do Doc. 2 junto com a Contestação), diziam respeito à utilização/fruição do sótão e nada tinham que ver com problemas estruturais do edifício! 30. Do mesmo passo, irrelevam as considerações tecidas na sentença sobre a valorização que o imóvel poderia obter após a reparação de todos os defeitos da fracção e do prédio, uma vez que, COMO FOI DADO COMO PROVADO EM A), os AA. procuravam um imóvel para residir e não para reabilitar e revender. 31. Em síntese, resultou de forma clara da prova produzida que: A)- os AA. procuravam um imóvel para sua habitação própria e permanente (facto já dado como provado em a)), que lhes permitisse a remodelação do respectivo interior e que tivesse um jardim, mas cuja remodelação não ultrapassasse os 60/80 mil euros; B)- para além dos defeitos do imóvel/fracção, o prédio apresentava defeitos estruturais; C)- os AA. desconheciam a existência de tais defeitos estruturais, só tendo dos mesmos tido conhecimento após as informações que sobre isso lhes foram transmitidas pelas testemunhas GG e EE; D)- sem a reparação desses defeitos estruturais, o imóvel não ficaria em plenas condições de habitabilidade e segurança. 32. Resultando, assim, que a prova produzida e atrás concretamente identificada (documental e testemunhal) impunha decisão diversa da aqui recorrida relativamente aos factos dados como não provados acima referidos: 33. Deverá passar a constar da matéria de facto dada como provada que “Os AA. foram absolutamente surpreendidos com o teor do Relatório elaborado pelo Engenheiro, nomeadamente, no que respeita aos defeitos estruturais que careciam de uma intervenção específica.” e que “Neste momento os AA. ficaram bastante apreensivos, sobretudo porque ainda desconhecendo valores concretos, logo lhes foi transmitido por aqueles técnicos que não se trataria de uma simples obra de renovação na medida em que era necessário, até por questões de segurança reforçar a estrutura, além de que, sempre seriam necessários projectos específicos (arquitetura e engenharia) na edilidade, como também autorização do condomínio para a reparação, pois alguns dos defeitos estruturais encontrados afectam também partes comuns do edifício.”. 34. Tendo em consideração os temas da prova definidos pelo tribunal (em particular o tema da prova n.º 4), cremos que deveria ter sido feito constar do facto provado em a) quais as características que os AA. procuravam para o imóvel que pretendiam adquirir e qual o valor que pretendiam despender com a sua recuperação. 35. Pelo que o facto provado em a) deverá passar a ter a seguinte redacção: “a) Os AA., de nacionalidade francesa, pretendiam adquirir um imóvel na cidade de Lisboa para habitação, que tivesse jardim e fosse para remodelação interior, não ultrapassando o custo de tal remodelação valor entre 60 a 80 mil euros, motivo pelo qual contrataram os serviços da Mediadora Imobiliária Seedworks, Lda., na pessoa do Sr. DD, Agente Imobiliário, para aquele efeito.” 36. Pelo que cremos resultar evidente que, diversamente do que consta na sentença recorrida, não só os AA., ao firmarem o CPCV, estavam em manifesto erro sobre as características do imóvel que iam adquirir, pois que desconheciam a existência de danos estruturais no prédio, tal como desconheciam que a existência desses danos colocava em causa a habitabilidade e segurança do imóvel! 37. Ou, no limite, que existiu uma efectiva alteração das circunstâncias em relação àquelas que os Recorrentes consideravam existirem aquando da celebração do CPCV, que ocorreu no momento em que os AA. tomam conhecimento dos mencionados defeitos estruturais do prédio e do seu impacto na possibilidade de utilização normal da fracção (entenda-se, enquanto sua residência). 38. No fundo e conforme resulta da prova produzida e atrás devidamente enunciada, os AA. estavam convencidos que o imóvel que iam adquirir estaria em condições de habitabilidade com a mera remodelação/recuperação do respectivo interior. 39. Situação que só se alterou quando, em 27/07/2022, tomam conhecimento de email que lhes havia sido enviado pelo Arq. GG (doc. 6 da P.I.), onde este refere a existência de tais danos estruturais e os informa de que a renovação do interior da fracção que tinham planeada (e que sempre julgaram suficiente para poderem residir no imóvel com todas as necessárias condições) não resolveria todos os problemas identificados, mais referindo que qualquer solução que não passasse (também) pela reparação dos danos estruturais do prédio seria sempre e apenas provisória. 40. Do que vimos de dizer, resulta à saciedade que nenhuma das testemunhas inquiridas negou a existência de danos estruturais no imóvel, tal como nenhuma testemunha afirmou que esses danos fossem passíveis de serem identificados por quem não tivesse conhecimentos específicos na matéria (o que não era, de todo, o caso dos Recorrentes). 41. O tribunal recorrido, pura e simplesmente, ignorou aquilo que as testemunhas atrás convocadas referiram sobre estas questões, sendo que as que avaliaram o imóvel acabaram por referir que a verdadeira extensão desses danos estruturais só poderia ser aferida a 100% quando se começasse a remover o chão da fracção que os AA. queriam comprar... 42. É verdade que não resulta da prova produzida que a R. tivesse dito aos AA. que o imóvel apenas padeceria de meros defeitos estéticos... Mas não é menos verdade que, jamais, em momento algum, a R. referiu aos AA. que, para além da recuperação total da fracção, também o prédio padecia de defeitos, estes estruturais, que comprometiam a segurança do imóvel e as respectivas condições de habitabilidade! 43. É entendimento dos Recorrentes que, em face da prova produzida, não poderia o tribunal a quo ter rejeitado o entendimento de que os AA. ficaram efectivamente surpreendidos quando tomaram conhecimento da existência de danos estruturais no prédio, como não podia ter rejeitado o entendimento de que, nesse momento e por essa razão, os AA. ficaram bastante apreensivos. 44. A sua vontade em adquirir o imóvel formou-se no pressuposto de que com a mera remodelação (ainda que total) do interior da fracção esta ficaria em plenas condições para servir o fim para que a destinavam – a sua habitação própria e permanente. 45. Ao invés, vieram os AA. a descobrir que, para poderem utilizar plenamente e em segurança o imóvel que queriam adquirir, teriam que reparar também os mencionados defeitos do prédio – o que só poderiam fazer com a colaboração dos demais condóminos e o que acarretaria custos acrescidos, bem como tempo de conclusão da obra acrescido. 46. Para efeitos do artigo 639º n.º 2 do C.P.C. – impugnação da matéria de direito - , consideram os Recorrentes que o tribunal a quo, seja face à factualidade que deu como provada tal qual como se encontra na decisão recorrida, seja (e, neste caso, sem margem para dúvidas) no caso de ser julgada procedente a impugnação da matéria factual supra aduzida, sempre deveria ter adoptado as soluções de direito que, subsidiariamente, foram esgrimidas na petição inicial. 47. Como resulta da factualidade provada, os Recorrentes procuravam um imóvel para habitação própria que fosse susceptível de remodelação total, e, ainda antes de assinarem o contrato-promessa de compra e venda, depararam-se com determinados defeitos na fracção identificada no facto provado b), os quais, na sua posição de leigo e homem médio, mais não eram do que problemas solucionáveis através das meras obras de remodelação interior (obras que, efectivamente, queriam levar a cabo e cuja necessidade estava discriminada no anúncio online de venda do imóvel). 48. Convicção essa que haviam formado quanto à exclusiva necessidade de obras interiores que resulta, desde logo, do próprio anúncio publicado pela Ré a publicitar o imóvel (cfr. factos provados em ll) e mm)) e no qual nada se refere quanto à existência dos problemas estruturais que, afinal, afectavam o edifício onde se insere a fracção objecto do negócio... daí terem assinado o contrato-promessa, entregando o sinal à Recorrida. 49. Só depois de assinado o contrato-promessa – que para os Recorrentes foi celebrado na convicção de estar em causa a mera remodelação do interior da fracção, ainda que em profundidade – é que vieram os Recorrentes a tomar conhecimento de que, afinal, aqueles “defeitos” eram na verdade graves deficiências na estrutura de todo o prédio constituído em propriedade horizontal que não eram corrigíveis mediante simples obras no interior da fracção – cfr. dado como provado em ff), deficiências que pela sua gravidade impediam que o imóvel realizasse os fins a que se destinava, nomeadamente, o fim habitacional. 50. Ainda que a Recorrida, ou mesmo o seu filho, também desconhecessem a natureza estrutural dos defeitos, e a sua real dimensão que extravasava o interior da fracção que se prometera vender, a verdade é que os Recorrentes interpelaram a Recorrida para proceder à sua reparação de forma a corrigir aqueles (isto é, solicitaram à Recorrida que procedesse à realização das obras necessárias de modo a adequar o imóvel de acordo com o bem que havia prometido vender), o que esta expressamente recusou fazer (factos provados em cc) e dd). 51. Ou seja, ainda que, anteriormente, a própria Recorrida também desconhecesse a existência dos mencionados defeitos estruturais, pelo menos com o envio das comunicações e documentação a que aludem os factos provados em bb) e cc), não pode haver dúvidas que ficou a Recorrida a ter perfeita consciência da existência desses defeitos. 52. A manifestação expressa da Recorrida, em resposta à interpelação dos AA., em não realizar quaisquer obras no imóvel redunda no incumprimento definitivo do contrato-promessa, não podendo deixar de se concluir que tal resposta consistiu na assumpção de comportamento concludente quanto à sua intenção de não cumprir, reputando a sua postura como atentatória dos ditames da boa fé e do cumprimento integral e pontual do contrato nas condições acordadas (artigos 227.º e 406.º, n.º 1, ambos do Código Civil). 53. Por conseguinte, não era razoável exigir aos Recorrentes que celebrassem o contrato prometido (vide Acórdão STJ, datado de 25-03-2004, disponível em www.dgsi.pt. 54. Deveria o tribunal recorrido ter considerado, em conjugação com o disposto nos artigos 227º, 406º n.º 1 e 808º, todos do Código Civil, que os Recorrentes resolveram, legitimamente, o contrato-promessa de compra e venda, por perda de interesse daqueles na compra do imóvel e frustração da sua legítima expectativa, pois que o mesmo não reunia as condições habitacionais e de segurança necessárias, tornando impossível a realização do negócio prometido. 55. Face às descritas circunstâncias, deve entender-se que houve incumprimento definitivo da R., pelo que, nos termos do disposto no artigo 808.º do Código Civil, a resolução do contrato-promessa comunicada pelo e-mail datado de 10-08-2022 é válida e eficaz (facto provado ee). 56. Não pode deixar de se concluir que a não eliminação das desconformidades apontadas nos prazos concedidos pelos Recorrentes, à luz do homem médio que celebra um contrato-promessa com vista a adquirir uma fracção, que, contrariamente ao que o promitente-comprador acreditava, padece de grave defeitos estruturais, os quais afectam a finalidade da mesma, constitui motivo razoável e aceitável para a invocada perda de interesse na celebração do contrato prometido e consequente resolução. 57. ainda que nada tenha sido propositada e dolosamente ocultado pela Recorrida, a verdade é que a legítima expectativa com que os Recorrentes assinaram o CPCV (a de que o imóvel apenas careceria de obras de remodelação interior, tal como estava consignado no anúncio, não possuindo aqueles conhecimentos especiais para, em visitas à fracção, aquilatarem da real dimensão dos defeitos) foi completamente frustrada com o que vieram a apurar de seguida e cujo solucionamento prontamente requereram à Recorrida. 58. Não deixando de se trazer à evidência a incoerência do raciocínio do tribunal no que concerne a poderem os referidos defeitos estruturais ser percepcionáveis a “olho nu” (embora, como acima já dissecamos, ainda que os defeitos fossem visíveis – ou melhor dito, fosse visível a manifestação física desses defeitos -, a razão de ser dos mesmos e as suas reais consequências não eram apreensíveis por um “leigo”)... É que se assim era, então não pode haver dúvidas que a Recorrida tinha que ter conhecimento dos mesmos! 59. Isto além de resultar da prova produzida (nomeadamente do facto provado em jj) e do que foi declarado em juízo pelo filho da Ré, a testemunha JJ e cfr. trecho de min. 47:43 a 48:03 do respectivo depoimento, prestado na sessão de julgamento do dia 02/07/2024 e conforme acta do mesmo dia) que a Recorrida bem conhecia o prédio, visto que o mesmo havia sido propriedade da sua avó e a Recorrida ali havia vivido. 60. E se a Recorrida era conhecedora dos defeitos estruturais do edifício, então, em cumprimento dos ditames da boa-fé contratual, não só deveria ter informado os Recorrentes da sua existência, como nunca poderia recusar-se a reparar tais defeitos! 61. Deste modo, é de concluir que, quer porque se entende que houve da parte da Recorrida um comportamento suficientemente inequívoco da vontade de não vir a proceder às reparações necessárias, quer porque se entende que encontrando-se a mesma em mora relativamente a tais reparações, esta resultou convertida em incumprimento definitivo pela não assunção da realização daquelas reparações dentro do prazo razoável que foi fixado pelos Recorrentes (facto provado ee), e também porque os Recorrentes perderam, em função da não reparação pela Recorrida dos graves e urgentes defeitos do imóvel, o interesse na aquisição do mesmo. 62. Perda de interesse essa perfeitamente justificável atendendo à descoberta pelos Recorrentes de que o imóvel que queriam adquirir padecia, afinal também, de defeitos estruturais. 63. Com efeito, a Recorrida ao não proceder às reparações necessárias, incumpriu umas das obrigações a que estava adstrita, ainda que se trate de uma obrigação acessória, a qual inviabilizou o objectivo final, isto é, a celebração da escritura, adoptando um comportamento manifestamente incompatível com o cumprimento do contrato-promessa. 64. Ora, o incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa (e o consequente pedido resolutivo) dá lugar às cominações previstas no artigo 442.º, n.º 2, do Código Civil, nomeadamente, a restituição do sinal em dobro. 65. E caso a impugnação da matéria de facto supra defendida seja procedente, dúvidas não restam quanto a este incumprimento definitivo do CPCV por parte da Recorrida. Não obstante, ainda que se mantenha inalterada a matéria de facto, consideram os Recorrentes que a mesma só admite a solução de direito que vimos expondo – regime do artigo 442º n.º 2 do C.C. que o tribunal a quo não aplicou na decisão recorrida. Porquanto resulta amplamente da factualidade já tida por assente em 1ª Instância a efectiva violação, por parte da Ré, dos deveres de boa-fé a que ficou adstrita com a celebração do CPCV que outorgou com os Recorrentes. 66. Assim, deve este Tribunal de recurso revogar a sentença recorrida, proferindo decisão que, por via dos artigos 227º, 406º n.º 1 e 808º do Código Civil – normas violadas pela sentença recorrida -, declare legitimamente resolvido o contrato promessa por perda de interesse dos Recorrentes na compra da fracção, valorando-se o incumprimento que está na base dessa resolução à luz do regime decorrente do artigo 442.º, n.º 2 Código Civil, devendo a Recorrida ser condenada à restituição aos Recorrentes do sinal em dobro, no valor de €86.000,00, bem como dos juros de mora vencidos e vincendos. 67. Ainda que se entenda que a consequência para a resolução contratual legitimamente operada pelos Recorrentes não seja a prevista no artigo 442º n.º 2 do Código Civil, sempre deverá este T.R.L., ao contrário do que fez o tribunal recorrido que considerou inaplicável ao caso, fazer aplicar as consequências previstas no regime geral dos contratos e, consequentemente, do disposto no artigo 433.º do Código Civil – norma também violada pela sentença aqui sob escrutínio -, sendo a Recorrida condenada a restituir aos Recorrentes, em singelo, a quantia entregue a título de sinal, nos termos do artigo 289.º do Código Civil. 68. Ainda que não se conceda na solução de Direito supra defendida – o que por mera cautela de patrocínio se concebe – sem conceder - sempre deveriam ter sido aplicadas as regras atinentes à venda de coisa defeituosa porque a coisa prometida vender não tinha as qualidades fornecidas pela Recorrida vendedora, nos termos conjugados dos artigos 410.º e 913.º e ss. do Código Civil – normas também violadas pela sentença recorrida. 69. Nos termos do artigo 914.º do Código Civil não só os Recorrentes têm o direito de exigir da Recorrida a reparação da coisa – o que, efectivamente, fizeram concedendo-lhe prazo para o efeito – como também no caso de recusa da Recorrida em aceder às reparações (o que também se verificou), sempre assistirá aos Recorrentes o direito de anulação do contrato e a indemnização pelo interesse contratual negativo (traduzida na restituição do valor pago a título de sinal). 70. Ignorou o tribunal recorrido que a mera visualização de defeitos (ou dos sinais exteriores desses defeitos) não permite, àquele que não tem os conhecimentos técnicos para o efeito, descortinar a natureza e real dimensão dos mesmos e qual a envergadura das obras necessárias para o corrigir (no caso, eram obras de grande envergadura em toda a estrutura e implantação de todo o prédio, que careceriam da intervenção de todos os condóminos, de licenças e autorizações administrativas, com o aumento exponencial dos custos envolvidos e, bem assim, do tempo que levaria até as obras estarem devidamente concluídas). 71. Tais vicissitudes no objecto do negócio impedem a realização do fim a que o negócio se destinava pois que, como acima se mencionou e resulta à saciedade da prova testemunhal atrás identificada e parcialmente transcrita, sem a reparação dos defeitos estruturais do edifício o imóvel que os Recorrentes quiseram adquirir não teria suficientes condições de habitabilidade e segurança. 72. Por conseguinte, deveria o tribunal recorrido ter determinado a aplicação do artigo 914.º do Código Civil, impondo-se assim a revogação da sentença recorrida e a prolação de decisão que, em conformidade com o regime jurídico da venda de coisas defeituosas, reconheça aos Recorrentes o direito de anulação do contrato e a indemnização pelo interesse contratual negativo (traduzida na restituição do valor pago a título de sinal). 73. Ainda que assim não se entenda, sempre deveria o tribunal recorrido ter concluído pela aplicação do art.º 437º n.º 1 do C.C. porque a constatação da real dimensão e significado dos “defeitos” visualizados na fracção – que não implicavam uma simples e/ou profunda remodelação total do seu interior, mas sim uma remodelação integral da estrutura e estabilidade de todo o prédio – configura uma circunstância não coberta pelos próprios riscos do contrato, que inquinou irremediavelmente a expectativa dos Recorrentes na sua decisão de celebrar o contrato. 74. Entre aquilo que era a expectativa e vontade dos AA. (na bitola do homem médio neste tipo de negócios) aquando da celebração do CPCV (a aquisição de um imóvel em que apenas tivessem que remodelar/recuperar o respectivo interior) e a realidade que vieram a constatar (existência de defeitos estruturais no prédio, que não sendo reparados, afectavam irremediavelmente a concretização do fim a que o imóvel se destinava, por colocarem definitivamente em crise a sua habitabilidade e a segurança dos ocupantes) há uma clara e inquestionável alteração das circunstâncias... 75. Tal alteração das circunstâncias, pelas implicações que representava ao nível do valor do negócio (leia-se, dos custos muito superiores que os Recorrentes teriam que suportar para poderem utilizar o imóvel como sua habitação própria e permanente), também não há dúvida que cria um tremendo desequilíbrio nas posições contratuais que as partes haviam assumido aquando da outorga do CPCV, tornando a manutenção de tal contrato (e a celebração do contrato definitivo) injustificadamente mais oneroso para os Recorrentes – que, naturalmente, afecta de forma grave os princípios da boa-fé. 76. Por conseguinte, deveria o tribunal recorrido ter concluído pela aplicação do regime previsto no artigo 437.º, ex vi do n.º 2 do artigo 252.º do Código Civil, o que este T.R.L. deve agora sanar proferindo decisão que reconheça aos Recorrentes o direito à resolução do negócio visto que as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar sofreram uma alteração anormal, devendo a Recorrida ser condenada a restituir aos Recorrentes o valor por estes pago, a título de preço sinal e início de pagamento pelo imóvel acrescido de juros de mora contados desde a data da citação até integral pagamento. 77. Repetindo-se que a intenção dos Recorrentes ao adquirir a fracção em causa – e foi nesse pressuposto que tomaram a decisão de contratar – era a de a destinar à sua própria habitação e que a exigência do cumprimento da obrigação de celebrar o contrato prometido afecta gravemente os princípios da boa-fé e não estão cobertos pelos riscos do negócio. Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, alterando-se a decisão recorrida em conformidade, com todas as consequências legais.
Foi apresentada alegação de resposta, em que a Ré-Apelada defendeu que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, ser confirmada na íntegra a sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª) Se deve ser modificada a decisão da matéria de facto, no tocante ao ponto a) do elenco dos factos provados e aos pontos 10 e 11 do elenco dos factos não provados;
2.ª) Se a Ré incumpriu definitivamente o contrato promessa de compra, sendo lícita a resolução do contrato promessa de compra e venda por parte dos Autores e assistindo-lhes o direito ao sinal em dobro ou, pelo menos, à devolução do sinal em singelo, e juros de mora;
3.ª) Caso assim não se entenda, se assiste aos Autores o direito à anulação do contrato promessa, com a restituição do sinal (ante a existência de defeitos de que os Autores não tinham conhecimento e a recusa da Ré em proceder à reparação dos mesmos);
4.ª) Caso assim não se entenda, se aos Autores assiste o direito à resolução do contrato promessa fundada na alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, com a consequente obrigação de a Ré lhes restituir o valor pago, acrescido de juros de mora. Dos Factos
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos [consigna-se que na sentença constam dois pontos bb) e outros dois ee)]:
a) Os Autores, de nacionalidade francesa, pretendiam adquirir um imóvel na cidade de Lisboa para habitação, motivo pelo qual contrataram os serviços da Mediadora Imobiliária Seedworks, Lda., na pessoa do Sr. DD, Agente Imobiliário, para aquele efeito.
b) Através de uma pesquisa no site Idealista, o Sr. DD, visionou um anúncio relativo ao imóvel sito na Rua Luciano Cordeiro, n.º ..., R/C Esquerdo, propriedade da Ré.
c) Tendo, no dia 14 de março de 2022, solicitado, através do contacto disponibilizado naquele site, uma visita ao referido imóvel.
d) O referido contacto pertencia ao Sr. JJ, filho da Ré.
e) Através de e-mail remetido no dia no dia 15 de março o 2022, o Sr. JJ confirmou o pedido de visita, que se veio a realizar no dia seguinte.
f) Assim, no dia 16 de março de 2022, a 1.ª Autora, acompanhada da Ré e do Sr. DD, visitou o imóvel.
g) Nessa primeira visita efetuada ao imóvel, a 1.ª Autora reparou que existia uma racha na parede que separa o apartamento do átrio de entrada do prédio, a qual era também visível na entrada do edifício, uma outra racha na parede da chaminé e algumas fendas nas restantes paredes, bem como fissuras no pavimento.
h) Houve ainda uma segunda visita, realizada no dia seguinte, uma vez que o 2.º Autor (companheiro da 1.ª Autora) não pôde estar presente na anterior, tendo este visitado o imóvel na companhia do Sr. DD, da 1.ª Autora e da Ré.
i) Os Autores, no mesmo dia, apresentaram a proposta de compra do referido imóvel, trocaram emails e acordaram em reservar o referido imóvel nos termos que constam do acordo com data de 18 de março de 2022, que consta de fls. 17 dos autos, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
j) Assim, por intermédio do Contrato Promessa de Compra e Venda datado de 28 de março de 2022, os Autores prometeram comprar e a Ré prometeu vender, pelo preço de 430.000,00 € (quatrocentos e trinta mil euros), a fração autónoma designada pela letra “B”, no rés-do-chão esquerdo, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua Luciano Cordeiro, n.º ..., Freguesia de Santo António, concelho de Lisboa, descrita na Conservatória do Registo predial de Lisboa, sob o número cento e setenta – B – Coração de Jesus, e inscrita na matriz sob o artigo 93-B nos termos que consta do “Contrato Promessa de Compra e Venda” que consta de fls. 18-v. dos autos e cujo conteúdo se dá por reproduzido.
k) Nesse dia, estavam presentes os Autores, o Mediador Imobiliário, a Ré e o seu filho, JJ.
l) Na data da celebração do referido contrato, os Autores entregaram à Ré e ao seu filho, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 43.000,00 € (quarenta e três mil euros), o que fizeram através do cheque bancário n.º ..., emitido em 28-03-2022.
m) O remanescente do preço, no montante de 387.000,00 € (trezentos e oitenta e sete mil euros) seria pago no ato da escritura de compra e venda – Cláusula 3.ª, n.º 1 e 2 do contrato.
n) A escritura pública seria outorgada até 60 dias após a assinatura do contrato (ou seja, 27-05-2022), sendo a mesma prorrogável por mais 30 dias, se não fosse possível a sua outorga nos primeiros 60 dias por causa não imputável a nenhuma das partes – n.º 1 e 2 da Cláusula 6.ª do contrato.
o) Nos termos do n.º 5 da cláusula 6.ª do referido contrato promessa, incumbia aos Autores, na qualidade de promitentes compradores, a obrigação de efetuar a marcação da competente escritura pública de compra e venda do imóvel objeto do contrato promessa, devendo os mesmos notificar a Ré, na qualidade de promitente vendedora, do local e data de realização da mesma, por qualquer meio idóneo, com a antecedência mínima de 10 (dez) dias úteis.
p) No dia 26-04-2022, às 15h44mn, o Sr. DD – agente imobiliário da SEEDWORKS, LDA. - comunicou ao Sr. JJ que os Autores já tinham obtido resposta do banco e que estava tudo certo.
q) Em 09-05-2022 às 23h34mn, o mesmo Sr. DD comunicou ao Sr. JJ, também por mensagem de WhatsApp, o seguinte: “(...) a data da escritura ainda não foi apontada, porque o banco pediu uma reavaliação do apartamento. Pelos vistos o resultado foi muito abaixo, mas não constitui problema para o negócio. É apenas para conseguir melhorar as condições do financiamento.”
r) Por solicitação dos Autores, em 24-05-2022 a Ré acedeu em prorrogar por 30 dias o prazo convencionado entre as Partes para a celebração da escritura de compra e venda (entenda-se, até 27 de junho de 2022).
s) Em 04-06-2022, o filho da Ré questiona DD se é necessário qualquer outro documento para realização da escritura, ao que este respondeu negativamente.
t) Em 20-06-2022, DD transmite ao filho da Ré que o Banco já deu ordem para marcação da escritura e que a mesma poderá ser feita em dez dias.
u) Em 21-06-2022, DD solicita o envio da escritura onde haja menção da dispensa de licença, o que foi remetido pelo filho da Ré.
v) Em 22-06-2022, solicita cópia da caderneta predial, o que também foi remetido.
w) Em 29-06-2022 DD informa que no dia seguinte já deve ter uma data marcada para a escritura e que não poderá ser dia 30-06 porque há que decorrer dez dias úteis desde a notificação das entidades com direito de preferência e que os notários só aceitam que a escritura aconteça a partir de terça-feira e que no dia 06-07-2022 já pode ser.
x) Em 27-06-2022, DD indaga da disponibilidade do Espaço “Casa Pronta” para realização de escritura para os dias 6, 7 e 8 de julho.
y) Em 1 de julho de 2022, a Oficial de Registos do Espaço “Casa Pronta” informa que é necessária uma Certidão emitida pela CML a certificar se o mesmo tem ou não licença de habitação ou se é de construção anterior a 1951 e não tem licença e DD pede a certidão à CML que só recebe 27-07-2022.
z) Os Autores solicitaram à Ré uma nova visita ao imóvel que ocorreu a 26-07-2002, para a qual fizeram estar presente arquiteto.
aa) Por conselho daquele, solicitaram a deslocação de um engenheiro à fração, para o que enviaram pedido à Ré a 27-07-2022.
bb) A Ré respondeu a 28-07-2022, conforme consta de fls. 24 dos autos, documento que se dá por integralmente reproduzido, autorizando a visita a 29-07-2022 e notificando os Autores para procederem à marcação da escritura nos próximos 15 dias, sob pena de considerarem definitivamente incumprido o contrato promessa.
bb) Na sequência dessa deslocação, foi apresentado aos Autores o relatório que consta de fls. 26-v., com data de 01-08-2022.
cc) Os Autores enviaram à Ré a carta que consta de fls. 29, datada de 05-08-2022 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, em que interpelaram a Ré para que aquela procedesse às intervenções necessárias à prossecução do fim a que o imóvel se destinava, inclusivamente obter a autorização necessária por parte Administração do Condomínio, no que às partes comuns concernia e conferindo-lhe, por um lado, um prazo de 8 dias a contar da receção daquela comunicação, para a Ré manifestar se era sua intenção ou não proceder às reparações necessárias no imóvel, e, por outro lado, um prazo de 30 dias para proceder às referidas reparações.
dd) Mediante comunicação que consta de fls. 30-v., e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, efetuada em 08-08-2022, em resposta à carta dos Autores de 05-08-2022, a Ré informou que não iria realizar quaisquer obras e alertou os Autores, uma vez mais, que o prazo para a celebração do contrato prometido terminaria no dia 12-08-2022, findo o qual a Ré poderia resolver o contrato por incumprimento definitivo imputável aos promitentes compradores, devendo, pois, os Autores marcar a escritura definitiva de compra e venda até essa data.
ee) Perante a resposta da Ré, os Autores enviaram o email com data de 10-08-2022, que consta de fls. 32-v. cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, resolvendo o contrato promessa de compra e venda, requerendo, em consequência, a restituição aos Promitentes Compradores do sinal em dobro, no montante de 86.000,00 € (oitenta e seis mil euros) – conforme e-mail que ora se junta como Documento 11 e cujo conteúdo se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
ee) Mediante comunicação escrita enviada aos Autores por carta registada com aviso de receção datada de 19-08-2022 e recebida pelos Autores em 24-08-2022, bem como por email de 28-08-2022, a Ré comunicou aos Autores a resolução do contrato-promessa celebrado entre as Partes com fundamento no incumprimento definitivo do contrato por parte dos Autores, uma vez que estes não procederam à marcação da escritura no prazo contratualmente previsto nem no prazo admonitório posteriormente fixado, nos termos que constam de fls. 34 dos autos e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
ff) Numa das paredes da fração confinante com a parede da entrada do edifício verifica-se uma fenda que atravessa toda a parede de proporções generosas que denuncia um deficiente assentamento das fundações carecendo de intervenção para estabilização através do reforço ou recalcamento destas; são visíveis fissuras ao nível dos rodapés perto dos soalhos as quais denotam um descaimento do pavimento impondo antes da reconstrução dessas paredes o próprio levantamento do pavimento com vista à estabilização prévia dessas paredes e reparação da base onde assenta o pavimento; na cozinha, a fissura que atravessa a chaminé (elemento estrutural que atravessa todo o prédio) carece de intervenção específica e cuidada, nomeadamente ao nível da sua estabilização e reforço estrutural.
gg) a Ré colocou novamente o imóvel à venda, publicitando-a no site Idealista.
hh) O prédio onde a fração autónoma em questão se insere é anterior a 1951, o que resulta da caderneta predial da fração, pelo que o imóvel está dispensado de licença de utilização.
ii) A Ré tinha em sua posse a certidão da escritura de doação do imóvel, com expressa menção à dispensa da licença de utilização da fração, em virtude de o prédio urbano do qual faz parte, ter sido construído em data anterior a 07 de agosto de 1951, documento esse que foi entregue pela Ré ao Sr. DD e aos Autores com vista a substituir a exibição de certidão camarária.
jj) A Ré adquiriu a propriedade do imóvel em questão em 30-05-2019, através de doação sendo que nunca a Ré habitou a referida fração autónoma e apenas tomou posse da mesma em 30-11-2021.
kk) Verificando, então, que a fração autónoma se encontrava em mau estado de conservação e necessitava de sérias obras para poder ser habitado, por não ter interesse em despender tempo e dinheiro com a recuperação da fração, a Ré decidiu colocar o imóvel à venda no estado em que se encontrava e a um preço inferior a valor de mercado, para que o comprador pudesse realizar as obras que entendesse e reabilitar o imóvel a seu gosto.
ll) No anúncio de venda colocado no site IDEALISTA, foi anunciado o seguinte “CARACTERÍSTICAS DO IMÓVEL Tipo de imóvel: apartamento Tipo de operação: venda Preço: 450.000€ M2 construídos: 145 M2 úteis: 120 Total de quartos: 6 Total de casas de banho: 2 Comentários: “Apartamento R/C alto com 120 m2 com um quintal (18,60 m2) + um terraço (5,80 m2) para recuperação total. Muito bem localizado. Todos os quartos com janela exterior, 2 Wc´s, zona de marquise que pode projetar para uma área maior de quarto/cozinha ou para o quintal. Sem interesse em intermediários.”
mm) No referido anúncio foram ainda colocadas algumas fotografias do imóvel, reveladoras do mau estado de conservação da fração autónoma em questão.
nn) O referido imóvel é uma casa espaçosa e muito bem localizada no centro de Lisboa que, após a realização de obras para recuperação total, valorizará muito.
Na sentença foram considerados não provados os seguintes factos (acrescentámos a numeração dos parágrafos e asterisco nos pontos impugnados):
1 - JJ, filho da Ré, apresentou-se como representante e administrador dos bens daquela, dada a idade avançada da sua mãe.
2 - Ao reparar da racha referida em g), a 1.ª Autora questionou a Ré acerca dos aludidos defeitos, tendo esta prontamente respondido que se tratavam de meros defeitos estéticos, os quais, segundo a mesma, seriam usuais nos prédios antigos de Lisboa, que não comprometiam a segurança da fração, sendo de fácil reparação.
3 - Atento o estado geral do imóvel, que carecia de renovação interior, transmitiu-lhe a Ré que tais defeitos eram facilmente corrigidos, que não implicavam quaisquer questões estruturais, dando a aparência de ter conhecimento na matéria, por segundo ela, já em tempos ter querido remodelar o imóvel.
4 - Também o 2.º Autor questionou a Ré sobre os defeitos encontrados na fração, tendo esta retorquido nos mesmos moldes da vez anterior e prestado as mesmas informações, tranquilizando os Autores de que a casa apenas precisava de uma simples renovação de interiores dada a sua vetustez.
5 - Também o filho da Ré, JJ, transmitiu, através de chamada telefónica, as mesmas informações ao Sr. DD, isto é, que os aludidos defeitos não passavam de imperfeições e que eram facilmente corrigíveis.
6 - Face às informações transmitidas pela Ré, e confirmadas pelo Agente Imobiliário, apresentaram no mesmo dia a proposta de compra.
7 - No momento referido em k), tornou-se absolutamente percetível para todos que, apesar de ser a Ré a proprietária do imóvel, era o seu filho que tratava dos assuntos relacionados com o imóvel, por ser ele o administrador dos bens daquela, o que o mesmo transmitiu, acrescentando ainda que aquele imóvel era o último bem da mãe que faltava vender.
8 - Por motivos alheios aos Autores, a aprovação do financiamento bancário tardou a acontecer, por atrasos imputáveis ao perito avaliador, nomeadamente, na apresentação do necessário relatório de avaliação do imóvel.
9 - Os Autores solicitaram aqueles uma nova visita ao imóvel para poderem levar um Arquiteto, com vista a fazer um desenho do espaço para a pretendida renovação de interiores e assim adiantar os trabalhos.
*10 - Os Autores foram absolutamente surpreendidos com o teor do Relatório elaborado pelo Engenheiro, nomeadamente, no que respeita aos defeitos estruturais que careciam de uma intervenção específica, na medida em que a Ré lhes havia sido transmitido que se tratavam de meras imperfeições estéticas, facilmente corrigíveis, o que de resto é frontalmente contrariado pelo dito relatório.
*11 - Neste momento os Autores ficaram bastante apreensivos, sobretudo porque ainda desconhecendo valores concretos, logo lhes foi transmitido por aqueles técnicos que não se trataria de uma simples obra de renovação na medida em que era necessário, até por questões de segurança reforçar a estrutura, além de que, sempre seriam necessários projetos específicos (arquitetura e engenharia) na edilidade, como também autorização do condomínio para a reparação, pois alguns dos defeitos estruturais encontrados afetam também partes comuns do edifício.
12 - No âmbito da visita realizada em outubro, questionou a amiga dos Autores à Ré acerca das rachas e fendas visíveis nas paredes do imóvel, tendo a Ré, novamente respondido, não obstante já ter conhecimento dos relatórios já juntos, que se tratavam de imperfeições estéticas.
O Tribunal motivou a decisão da matéria de facto tecendo várias considerações, referindo que considerou o teor das certidões juntas aos autos, a correspondência trocada, as mensagens também trocadas pelas partes e testemunhas e ainda os restantes documentos juntos aos autos, designadamente o relatório apresentado a pedido dos Autores sobre o estado da fração, destacando quanto às mensagens trocadas a que consta de fls. 22 e 23 e as que constam de fls. 85 (mensagens de WA trocadas entre o filho da Ré e DD), referindo que “destas mensagens resulta que DD já sabia, antes de receber o mail da Casa Pronta quais eram os elementos necessários para a escritura e que já tinha trocado mensagens com o filho da ré a esse respeito em Março, sendo que nessa altura até se prontificou para pedir logo a certidão, caso fosse necessário. Destas mensagens decorre que a emissão dessa certidão terá atrasado pelo relato que DD faz, sendo certo que nenhum outro documento foi apresentado que ateste esse atraso que, de qualquer forma, nada tem a ver com a falta de colaboração da Ré”; e que foi feita uma apreciação crítica dos depoimentos das testemunhas. Da modificação da decisão da matéria de facto Alínea a) do elenco dos factos provados
Os Apelantes pretendem que o ponto a) passe a ter a seguinte redação: “a) Os AA., de nacionalidade francesa, pretendiam adquirir um imóvel na cidade de Lisboa para habitação, que tivesse jardim e fosse para remodelação interior, não ultrapassando o custo de tal remodelação valor entre 60 a 80 mil euros, motivo pelo qual contrataram os serviços da Mediadora Imobiliária Seedworks, Lda., na pessoa do Sr. DD, Agente Imobiliário, para aquele efeito.”
Invocaram, para tanto, os temas da prova definidos pelo tribunal (em particular o tema da prova n.º 4) e, se bem se percebe [o que não é fácil perceber – só com alguma benevolência não se considerando incumprido o ónus previsto no art. 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], o depoimento da testemunha DD.
Vejamos.
É sabido que, na decisão da matéria de facto, o Tribunal apenas pode considerar os factos essenciais que integram a causa de pedir e as exceções (incluindo as contra exceções) alegados pelas partes, bem como os factos instrumentais, complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa, e os factos de que tem conhecimento por via do exercício das suas funções (art. 5.º do CPC), estando-lhe vedado, por força do princípio da limitação dos atos consagrado no art. 130.º do CPC, conhecer de matéria que, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, se mostra irrelevante para a decisão de mérito. São manifestações do princípio dispositivo e do princípio da economia processual que se impõem ao juiz da 1.ª instância aquando da seleção da matéria de facto provada / não provada na sentença, mas também na 2.ª instância, no tocante à apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Assim, conforme referido no acórdão da Relação de Lisboa de 27-11-2018 (disponível em www.dgsi.pt), proferido no proc. n.º 1660/14.0T8OER-E.L1, a jurisprudência dos Tribunais superiores vem reconhecendo que “a reapreciação da matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas um meio para atingir um determinado objetivo, que é a alteração da decisão da causa, pelo que sempre que se conclua que a reapreciação pretendida é inútil – seja porque a decisão sobre matéria de facto proferida pela primeira instância já permite sustentar a interpretação do direito aplicável ao caso nos termos sustentados pelo recorrente, seja porque ainda que proceda a impugnação da matéria de facto, nos termos requeridos, a decisão da causa não deixará de ser a mesma – a reapreciação sobre matéria de facto não deve ter lugar, por constituir um ato absolutamente inútil, contrariando os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, n.º 1, 137.º, e 138.º do CPC).” Neste sentido, além dos acórdãos aí citados (acórdãos da Relação de Guimarães de 10-09-2015, no proc. 639/13.4TTBRG.G1, e 11-07-2017, no proc. n.º 5527/16.0T8GMR.G1, da Relação do Porto de 01-06-2017, no proc. n.º 35/16.1T8AMT-A.P1, e do STJ de 13-07-2017, no proc. 442/15.7T8PVZ.P1.S1) -, destacamos ainda os acórdãos (todos disponíveis em www.dgsi.pt, embora com omissão de algumas passagens) da Relação do Porto de 07-05-2012, no proc. n.º 2317/09.0TBVLG.P1, da Relação de Coimbra de 12-06- 2012, no proc. 4541/08.3TBLRA.C1, do STJ de 17-05-2017, no proc. n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1, do STJ de 14-10-2021, no proc. 5985/13.4TBMAI.P1.S1, da Relação de Lisboa de 24-09-2020, no proc. n.º 35708/19.8YIPRT.L1, em cujo coletivo também interveio a ora Relatora e a ora Desembargadora Adjunta.
Sucede que os factos cujo aditamento é requerido não foram alegados na Petição Inicial, nem se alcança qual a sua relevância substantiva no contexto da causa de pedir, pelo que, mesmo que pudessem resultar provados da instrução da causa (e não podem, pois não nos mereceu credibilidade o depoimento da referida testemunha, pelas razões adiante referidas, neste particular), não havia motivo para os considerar no elenco dos factos provados.
Assim, mantem-se inalterada a decisão da matéria de facto neste particular. Pontos 10 e 11 do elenco dos factos não provados
Os Apelantes defendem que deverá passar a constar da matéria de facto dada como provada que:
- “Os AA. foram absolutamente surpreendidos com o teor do Relatório elaborado pelo Engenheiro, nomeadamente, no que respeita aos defeitos estruturais que careciam de uma intervenção específica.”
- “Neste momento os AA. ficaram bastante apreensivos, sobretudo porque ainda desconhecendo valores concretos, logo lhes foi transmitido por aqueles técnicos que não se trataria de uma simples obra de renovação na medida em que era necessário, até por questões de segurança reforçar a estrutura, além de que, sempre seriam necessários projectos específicos (arquitetura e engenharia) na edilidade, como também autorização do condomínio para a reparação, pois alguns dos defeitos estruturais encontrados afectam também partes comuns do edifício.”
Invocaram os Apelantes, para tanto e em síntese: o depoimento da testemunha DD, os documentos juntos como docs. 6, 8 e 15 com a Petição Inicial, os depoimentos das testemunhas GG (autor do email junto como doc. 6 com a PI) e EE (autor do relatório junto como doc. 8 com a PI), os depoimentos das testemunha FF e HH; resultar destes elementos probatórios que, contrariamente ao indicado pela Ré (mormente no anúncio da venda que esteve na base do interesse dos Autores), para além de remodelação do interior do imóvel, também teriam que ser resolvidos, para o imóvel ficar em condições de habitabilidade e segurança, problemas estruturais do prédio, o que implicava um dispêndio excecional financeiro e de tempo, exigindo uma concertação com os demais condóminos e a emissão de licenças camarárias; serem inaceitáveis, quer a referência feita na sentença recorrida a trocas de mensagens entre a testemunha DD e testemunha JJ (filho da Ré) sobre questões relativas ao condomínio (cf. doc. 2 junto com a Contestação), quer as considerações tecidas na sentença sobre a valorização que o imóvel poderia obter após a reparação de todos os defeitos da fração e do prédio, uma vez que, conforme provado em a), os Autores procuravam um imóvel para residir e não para reabilitar e revender.
A Apelada discorda, argumentando, em síntese, que: tanto da prova documental produzida, nomeadamente dos relatórios remetidos pelos Autores à Ré com a sua comunicação de 05-08-2022 (doc. 9 da PI) e dos documentos 12 e 19 da Contestação, bem como dos depoimentos prestados pelas testemunhas, nomeadamente GG, EE e HH, não resulta a existência de qualquer situação de extrema gravidade, nem problemas na fração que obrigassem à realização de obras de grande complexidade técnica ou com custos muito elevados, ou sequer problemas que não fossem visíveis a olho nu, até porque todos os mencionados relatórios foram efetuados com base numa mera observação do imóvel, já anteriormente efetuada pelos Autores, pelos técnicos que os acompanharam e pelo agente imobiliário, inexistindo problemas novos ou ocultados pela Ré.
Apreciando.
Começamos por salientar que foram analisados neste Tribunal da Relação todos os documentos juntos aos autos, tendo sido ouvida na íntegra a gravação da prova produzida em audiência de julgamento.
Não divergimos das observações feitas na motivação da sentença a respeito dos depoimentos das testemunhas (Arquiteto) GG e (Engenheira civil) FF, sendo o primeiro, conforme referido na sentença, um arquiteto que já trabalhou com a Autora por diversas vezes e que se deslocou à fração a pedido desta “para saber o estado da casa”, salientando que qualquer pessoa via a “racha diagonal” num prédio com cerca de 100 anos e que o “estado de fragilidade do imóvel se deteta a olho nu”, pelo que não deixa de suscitar alguma estranheza que os Autores só depois da celebração do contrato promessa tendo feito diligências para averiguar (melhor) do estado da casa; conforme refere o Tribunal recorrido “De acordo com esta testemunha e de outras, os AA são pessoas que têm experiência no ramo imobiliário e não foi adiantada qualquer razão para que, até antes de assinarem o contrato-promessa, não tenham diligenciado pela realização de uma qualquer vistoria ao imóvel.” Quanto à testemunha FF, tal como referido na sentença, trata-se de “engenheira civil, que fez alguns trabalhos para os AA na área de inspecção e projectos de imóveis e que subscreveu o relatório que consta de fls. 38 dos autos elaborado em Outubro de 2022, referiu que esta não foi a primeira vez que foi chamada quando a A pretende adquiria uma casa. No essencial confirmou o que consta do relatório que elaborou, também realçando que a fissura é perfeitamente visível e que é manifesto que não se trata de uma fissura comum, o que nos leva a colocar a mesma dúvida que nos suscitou a testemunha anterior.” Portanto, ambos disseram que trabalham habitualmente com a Autora, dando a entender que os Autores são pessoas experientes no mercado da compra e venda e reabilitação de imóveis.
Ao contrário do que os Apelantes referem, apenas foi dado como provado, na sentença, que pretendiam adquirir um imóvel na cidade de Lisboa para habitação, e não para habitação própria. Apenas a testemunha DD deu a entender este último aspeto, mas em termos que não nos mereceram credibilidade. Aliás, partilhamos das dúvidas expressas pelo Tribunal recorrido quanto à imparcialidade desse depoimento, afirmando-se na sentença que: «DD, agente imobiliário, trabalha há cerca de 3 anos para agência de mediação imobiliária da qual o A é sócio e fez a mediação deste imóvel. Esta testemunha foi ouvida duas vezes, por o tribunal considerar que o mesmo não tinha suficientemente esclarecedora acerca da sua relação profissional com os compradores apesar de ter celebrado o contrato de mediação com a ré em nome da empresa da qual o A é sócio gerente e sem dar conhecimento à ré de tal facto. No que diz respeito à forma como foi abordado pelos AA, o que estes lhe pediram e o que fez para encontrar o imóvel que fosse do seu agrado, depôs com espontaneidade e clareza, sem hesitações, revelando que foi “amor à primeira vista” no caso da A, voltou depois com o marido e ambos ficaram muito entusiasmados pelo que apresentaram uma proposta uns dia mais tarde, acordou-se um valor (dos 450.000, 00 desceram para 430.000) e acertou-se uma data para o CPCV: no que diz respeito à forma rápida como tudo aconteceu não suscitou este depoimento qualquer dúvida, tal como não suscitou que o facto de apenas com a visita de arquitectos e engenheiros ao local é que começou a levantar questões aos AA, que não tinham colocado antes nem ao mediador nem à ré, sendo que a testemunha confirmou que se tratava de uma fracção para recuperação total, como aliás confirmou que se encontrava anunciado e que os AA pretendiam. No que diz respeito à objectividade e alguma imparcialidade desta testemunha que celebrou um contrato de mediação com a ré sem que esta tivesse conhecimento de que a sociedade mediadora era gerida pelo A, o Tribunal considerou que esta estava afectada, designadamente, porque se torna legítimo questionar se ao receber e enviar mensagens na qualidade de mediador agia no interesse do seu cliente (o vendedor) ou no interesse da sua entidade empregadora que, neste negócio era o comprador. As várias mensagens que são trocadas podem ser vistas em várias perspectivas e, apesar de aparentemente parecerem profissionais e objectivas, conhecendo a relação existente com o promitente comprador, parece-nos compreensível que as mesmas sejam questionadas. A verdade é que a própria testemunha confirmou que nunca transmitiu à ré que o A era sócio da sua empresa, sendo que a explicação de “achar que não tinha de dizer” parece-nos, no mínimo, ingénua ou destituída de razoabilidade. A verdade é que ao ler as mensagens trocadas entre esta testemunha e o filho da Ré não pode o tribunal deixar de se questionar se as mesmas não têm um sentido menos óbvio, com o objectivo de protelar a realização da escritura a tempo de arranjar motivo para a nem sequer realizar.»
Da negociação resultou, não apenas a celebração entre Autores e Ré de contrato promessa, mas também do referido contrato de mediação imobiliária, tendo ficado claro, face aos termos desse contrato e ao depoimento da testemunha JJ que o valor da comissão foi negociado, tendo a Ré, mãe desta última testemunha, dito que queria receber no mínimo 410.000 €, razão pela qual o valor da comissão foi fixado em 20.000 € (mais precisamente 16.260,16 € acrescidos de IVA a 23%), dos quais a Ré logo pagou 10.000 € (cf. fatura emitida pela Seedworks, Lda., no valor de 10.000 €, com data de vencimento de 2022-06-03 – doc. 18 junto com a Contestação).
Não podemos deixar de estranhar a delonga na marcação da escritura pública de compra e venda (sobretudo na reta final, a pretexto de falta de documentação que facilmente podia ser obtida, como se retira, desde logo, do doc. 5 junto com a Contestação), nem de assinalar o que foi dito pela DD, na parte final do seu depoimento, afirmando que o negócio não se concretizou por ter sido detetado um problema estrutural do prédio e da outra parte não ter havido disponibilidade para “novo acordo”, o que, a nosso ver, sugere que os Autores procuravam renegociar o preço da venda. Nesse sentido aponta também o teor da mensagem enviada pelos Autores, através de Advogada, à Ré a 05-08-2022, cuja falta de razoabilidade é evidente, no contexto fáctico apurado.
Além do suprarreferido, salientamos que o depoimento da testemunha DD foi marcado por algumas contradições e incoerências; assim, na primeira sessão da audiência de julgamento, disse que, há cerca de 3 anos e meio, era agente imobiliário da “Seed Real Estate”, empresa de que o Autor é sócio, e que os Autores lhe pediram para encontrar um apartamento para habitação própria; mas, na última sessão, referiu que, através da sua empresa, prestava serviços à “Seedworks” de que o Autor é sócio gerente; disse que como o negócio de venda não se concretizou, nada recebeu (o que não deixa de ser estranho, já que foi paga pela Ré à Seedworks a quantia de 10.000 € correspondente a metade do valor da comissão acordada – cf. doc. 18 da Contestação); parece-nos, no mínimo, inusitado que se tenha apresentado à Ré e ao filho desta nos termos em que o fez, sem revelar a sua efetiva relação com os Autores, seus supostos clientes.
Certo é que dos depoimentos das testemunhas GG, FF e DD, bem como do teor da certidão do registo comercial junta aos autos como doc. 14 da Contestação, ficou claro que os Autores eram profissionais com experiência em matéria de aquisição de imóveis e reabilitação/remodelação. Mais se provou que, apesar do preço anunciado de venda de 450.000 €, os Autores lograram, em poucos dias, celebrar contrato promessa de compra pelo preço de 430.000 €, com a colaboração de DD, que se apresentou à Ré como agente da Seedworks, Lda., nunca tendo informado que o Autor era sócio maioritário e gerente dessa sociedade.
Conforme consta dos pontos ll) e mm), a necessidade de obras na fração foi mencionada no anúncio colocado no site IDEALISTA, aí se referindo que se tratava de imóvel “para recuperação total”, tendo também sido colocadas algumas fotografias bem reveladoras do mau estado de conservação da fração. Ademais, conforme resulta do doc. 9 junto com a Contestação (certidão da Câmara Municipal de Lisboa), o edifício foi construído em 1912, informação que possivelmente já era conhecida das partes (no próprio contrato promessa menciona-se a isenção de apresentação de licença de utilização, por a inscrição do imóvel na matriz ser anterior a 07-08-1951), o que sugeria, pelo menos a pessoas com o mínimo de experiência no imobiliário, que não se tratava de um edifício em alvenaria e betão armado (prédios frequentemente referidos como “de placa”), mas de um edifício com a estrutura em madeira.
À semelhança do que entendeu o Tribunal, consideramos de crucial relevância sobre os factos atinentes ao estado do imóvel os relatórios e os depoimentos dos engenheiros EE, II e HH. Assim, conforme referiu o Tribunal a quo, o primeiro “elaborou o relatório que consta de fls.44v dos autos sobre a fracção a pedido do arquitecto GG e que integra o relatório apresentado pela testemunha FF, limitou-se a confirmar o que escreveu, concluindo também que tudo é recuperável”; o segundo deslocou-se, a pedido do filho da Ré, à fração de forma a elaborar o relatório que consta de fls. 141 dos autos, datado de 12-01-2023 e também a estimativa orçamental de fls. 148, datada de 30-01-2023; além disso, conforme também referido na sentença, o último deslocou-se ao imóvel, a pedido da Ré, e subscreveu o relatório de avaliação que consta de fls. 126 dos autos na sequência de visita em janeiro de 2023, afirmando o Tribunal recorrido ainda o seguinte: “Do depoimento destas duas testemunhas resultou que, efectivamente, o valor pelo qual foi prevista a venda do imóvel se trava de um valor abaixo do mercado exactamente porque se tratava de uma fracção para remodelação total num prédio antigo, com problemas decorrentes da sua idade e estado de conservação. Também ambos concluíram que qualquer pessoa que pretendesse adquirir um imóvel que apresentava aquele estado, chamaria alguém mais entendido para dar uma opinião. Ambos também salientaram que havia determinados aspectos que teriam a ver com o prédio e condomínio e não só com a fracção, o que também é consentâneo com o que as restantes testemunhas referiram quanto à fissura que era visível no hall de entrada do mesmo. A este respeito constatou o Tribunal que foram trocadas várias mensagens, a que já se fizeram referência, quanto ao condomínio, inclusive foram disponibilizadas actas das reuniões aos AA, a seu pedido numa fase bastante anterior. Ou seja, não existe indício de que o estado quer do prédio quer da fracção tenha sido ocultado por parte da ré. Do conjunto dos depoimentos destas três testemunhas resulta que a fracção depois das obras que seriam necessárias para a recuperar seria bastante valorizada.”
Assim, entendemos ser merecedor de credibilidade o relatório datado de 11-01-2023 junto com a Contestação como doc. 12, elaborado pelo Engenheiro civil HH, bem como o depoimento que prestou, salientando que, apesar dos problemas que identificou na fração (por exemplo, o pavimento em parte abatido), avaliou a mesma em, pelo menos, 455.000 €, pelas razões expostas no relatório, acrescentando em audiência que a fração, se beneficiasse de obras de conservação, valeria à volta de 900.000 €, pelo que, na sua ótica, o valor de venda já comportava o montante a despender com tais obras, ou seja, a despesa com tais obras não seria exagerada face ao valor do imóvel.
Mais analisámos, atribuindo-lhe especial relevância probatória, o relatório datado de 25-01-2023 (doc. 19 da Contestação) elaborado pelo Engenheiro civil II, o qual também foi ouvido como testemunha, descrevendo o estado de conservação da fração e de parte do prédio, dando conta da necessidade de realização de obras na fração (obras totais) e em algumas partes comuns e estruturais do prédio. Esta testemunha elaborou ainda a estimativa orçamental (datada de 30-01-2023) que foi junta como doc. 20 da Contestação, para realização dos trabalhos que reputava urgentes, incluindo a reparação das deficiências nas partes comuns. No relatório que elaborou foi perentório em afirmar a respeito das anomalias/fissuras em paredes estruturais interiores que a sujidade acumulada nos bordos, “contraria totalmente a ideia de poderem ser recentes ou de progressividade acentuada”; referiu ter verificado a existência “de dois tipos de fissuras em paredes, situação mais que corrente em edifícios desta época, dado os materiais empregues e a sua longevidade”; que as fissuras expressivas pela direção (45º) indiciam um pequeno assentamento mas não muito pronunciado, sendo seguramente muitíssimo antigas, parecem perfeitamente estabilizadas e não originam preocupação especial; que as restantes, dispersas e de pequena expressão, se devem à antiguidade; que os pavimentos em soalho maciço corrido, originais, aparentam estar em muito bom estado, estando os abatimentos do soalho circunscritos a três locais onde também aparecem fissuras nas paredes predominantemente horizontais, que serão derivadas de ação da água das chuvas ou de fugas de esgoto, todas igualmente antigas, o que terá ocasionado o apodrecimento dos apoios dos barrotes ou dos terminais destes; referiu também a existência de vidros partidos na caixilharia da marquises, que tem permitido a entrada da água da chuva, danificando várias paredes e a sua própria estrutura.
Importa ter presente que, face à comunicação efetuada pelos Autores a 05-08-2022, o único relatório passível de lhes suscitar a alegada surpresa e apreensão pelo estado do imóvel, determinante para a sua decisão de resolução do contrato promessa, foi o elaborado pela testemunha (Engenheiro civil) EE, datado de 01-08-2022 (doc. 8 da PI). Além deste Técnico, o outro único técnico que antes de 05-08-2022 esteve no imóvel foi a testemunha (Arquiteto) GG (este pelo menos a 26-07-2022, conforme também resulta da mensagem de correio eletrónico que constitui o doc. 6 da PI), o qual referiu que já trabalhou várias vezes para a Autora e que foi visitar o apartamento para ver o estado do mesmo, tendo identificado a existência de patologias na fração e nas partes comuns, dizendo que inspirava algum cuidado a racha/fenda na parede e era necessário avaliar se iria evoluir ou estava estável, o que não estava em condições de dizer, pelo que aconselhou que fosse feita avaliação por um engenheiro, como sucedeu.
Foi no seguimento dessa informação que teve lugar a visita efetuada pelo Engenheiro EE à fração, constando do relatório que elaborou o seguinte: “1. Verifica-se uma progressiva e acentuada degradação do imóvel em toda a sua extensão, denotando-se para o efeito uma manutenção algo descuidada ou mesmo inexistente do interior da fração decorrente das últimas décadas, o que originou o aparecimento de várias patologias quer no exterior, quer no interior da fração; 2. Imediatamente na entrada do edifício Foto 1 - lado esquerdo na parede confinante com a fração - denota-se a existência de uma fenda inclinada de proporções generosas na parede resistente de alvenaria de pedra afetada por assentamentos diferenciais, a qual atravessa toda a espessura do elemento vertical parede Foto 2, originada por uma deficiente qualidade do terreno de fundação, pelo assentamento das fundações e/ou pela execução de novas construções na vizinhança, prevendo-se uma eventual estabilização. Poder-se-ia propor como uma possível intervenção o reforço de fundações, o recalcamento com ou sem alargamento, a execução de microestacas ou equivalente, ou jet-grouting. Contudo, somos da opinião que a reparação apenas das fendas será a solução mais adequada face à amostra recolhida, tendo em devida conta que a situação se encontra estabilizada por forma a evitar a possibilidade de recorrências, pelo que será de todo útil proceder à execução de registos, de uma forma mais simples através da designada “massa de estuque” por forma a comprovar a sua estabilização. Para a reparação das fendas, aconselha-se a injeção com uma calda não retráctil, seguida pela aplicação de uma argamassa cimentícia fibro-reforçada para a consolidação e restauro de alvenarias antigas, aonde se exige um desempenho mecânico superior ao dos rebocos tradicionais. 3. Verifica-se igualmente o assentamento do pavimento interior de madeira em diversas zonas ao nível da base das paredes Foto 3 e Foto 4, provocando um destacamento entre os dois elementos, devido a infiltrações de água através de fissuras entre o revestimento e o substracto, com alteração do material de assentamento, assim como devido à falta de rigidez da parede, razão pela qual importa elaborar uma concepção que evite os movimentos estruturais na origem das fissuras, uma vez que o diagnóstico será de um eventual agravamento. A intervenção a preconizar será a reconstrução das paredes nos locais afectados, incorporando disposições construtivas adequadas, com eventual substituição ou empalme de pavimentos e com a utilização de material ou disposição que permita alguma flexibilidade. Para o efeito, será necessário remover a alcatifa, por forma a vistoriar o actual estado do madeiramento que compõe o pavimento. De seguida, e tendo em atenção que o piso térreo se encontra sobre uma área ventilada com uma caixa-de-ar de altura generosa, será necessário verificar o actual estado da base da parede aonde o pavimento apoia, removendo se necessário as tábuas que compõem o soalho. Com a estabilização de paredes e a reparação localizada de pavimentos julga-se que a situação tenderá a estabilizar. 4. Chama-se a especial atenção que o elemento “chaminé” Foto 5 é considerado um elemento estrutural relevante do próprio edifício, desenvolvendo-se numa continuidade vertical ao longo de todo o edifício até à cobertura, pelo que a sua demolição não é de todo aconselhada, em virtude do facto que iria provocar o enfraquecimento e degradação da estrutura, assim como assentamentos nos pisos superiores. 5. Verifica-se igualmente a existência de fraturas horizontais Foto 6, as quais terão sido originadas pela compressão das paredes divisórias provocada pela deformabilidade excessiva dos pavimentos suprajacentes, prevendo-se uma eventual estabilização. Pelo que se propõe a remoção e reconstituição dos rebocos afetados, utilizando a mesma metodologia e materiais das fendas inclinadas, nomeadamente a injeção com uma calda não retráctil, seguida pela aplicação de uma argamassa cimentícia fibro-reforçada para a consolidação e restauro de alvenarias antigas, aonde se exige um desempenho mecânico superior ao dos rebocos tradicionais. 6. Verifica-se a desagregação do revestimento do teto Foto 7, derivada de infiltrações provocadas pelas águas pluviais e vãos envidraçados desprotegidos, com podridão facilitada pela presença de humidade ou de ciclos de molhagem/secagem. No entanto, denota-se que o ripado não se encontra deteriorado, mas sim simplesmente o revestimento do teto, pelo que a sua reposição e/ou substituição será de fácil execução. 7. Em conclusão, a fração destinada a habitação apresenta notórias faltas de atenção com a sua manutenção, carecendo de alguma intervenção específica e não meramente de cuidados de cosmética. São situações que não se poderão considerar de extrema gravidade, nem de especial complexidade técnica, sendo que não se podem considerar particularmente onerosas, mas no entanto de suma importância por forma a não agravar as várias patologias que foram detetadas. A fração apresenta uma boa base de restauro, sendo necessário, além das questões meramente estruturais e estéticas, uma completa e integral substituição de todas as suas infraestruturas, designadamente ao nível das redes de abastecimento de água, gás, eletricidade e telecomunicações. Para concluir, desconhece-se por completo o estado de manutenção e de conservação das restantes áreas e frações que compõem o edifício, no entanto atendendo ao seu aspeto visual geral poderemos afirmar que o mesmo afigura-se relativamente satisfatório.”
No depoimento prestado, a testemunha EE confirmou o que consta deste seu relatório, o qual inclui fotografias que mostram o estado da fração.
Além destas, atentámos nas demais fotografias juntas aos autos, em particular as do relatório de avaliação do imóvel elaborado pela testemunha (Engenheiro civil) HH (doc. 12 junto com a Contestação) e as do anúncio (cf. documentos 11 e 13 da Contestação).
Estes três relatórios e depoimentos, no essencial coincidentes, mereceram-nos credibilidade, superior à que nos mereceu o relatório que constitui o doc. 15 da PI, elaborado em outubro de 2022 pela Engenheira civil FF, a qual também prestou depoimento em audiência de julgamento, dando conta da sua deslocação ao prédio, o que, conforme também resultou do depoimento da testemunha KK, aconteceu a pedido dos Autores, numa visita marcada por esta última testemunha, fingindo interesse na compra do imóvel. Neste particular, concordamos com as considerações feitas na sentença, quando aí se refere que “KK, amiga dos AA, foi ao imóvel a pedido da A, apresentando-se como uma potencial compradora acompanhada da testemunha anterior que, assim, faria o relatório que lhe foi solicitado. Recebeu-as a namorada do filho da ré e confirmou que viu uma casa para obras, para remodelação total. No que diz respeito ao resto do seu depoimento, não podemos deixar de considerar que o mesmo não revelou muita objectividade e que a postura revelada foi de alguém que faz um favor a um amigo e que recebeu instruções do mesmo, razão pela qual não mereceu acentuada credibilidade.”
Na verdade, sendo então claro que os Autores já procuravam, conforme expressamente resulta deste relatório, “obter uma compilação técnica para fins jurídicos” antes da demanda judicial, parece-nos muito duvidoso qualificar a visita da Sr.ª Engenheira, no contexto em que foi efetuada, como uma “visita técnica”. De qualquer forma, além do que visualizou, a Sr.ª Engenheira mencionou que considerou a informação do Arquiteto GG e o relatório do Engenheiro EE, bem como a planta, a caderneta predial e a certidão do registo predial, procurando expor as condições do edifício, pois a “unidade adquirida pela Sr.ª AA, apresenta patologias estruturais que, de acordo com a direção das rachaduras, evidencia-se um assentamento diferencial do edifício (…) também é possível verificar abatimento do pavimento em certas zonas do apartamento em questão que também pode ter como causa infiltrações que podem ter gerado o apodrecimento das vigas e barrotes de madeira que compõem a estrutura do pavimento”. Ora, se é certo que muitas das observações feitas nesse relatório são coincidentes com as dos outros relatórios, já nos parece pouco sustentada a estimativa de que seriam necessários um período mínimo de 6 meses e um custo acima de 100.000 € para as obras de correção das patologias aí identificadas como “graves defeitos estruturais”. Com efeito, face ao orçamento elaborado pelo Engenheiro II e ao seu depoimento, mais nos parece que esse valor corresponderia ao da remodelação de toda a fração e partes comuns, a qual seria efetivamente uma remodelação para durar meses.
Do depoimento desta última testemunha (Engenheiro II) resultou ainda que, apesar da necessidade de apresentar um projeto na câmara municipal para a remodelação em apreço, a circunstância de estarem afetadas as partes comuns nos termos descritos não seria motivo de atraso significativo, já que, havendo trabalhos urgentes, a prática é dar entrada do projeto e avançar com os mesmos, justificando-se, no caso, começar pelos seguintes trabalhos, que reputava urgentes, conforme descrito no orçamento: desmontes e remoção de entulhos – 2.500 €; recalce de paredes e criação de apoios para reforço de barrotame – 5.300 €; refazer pontualmente soalhos – 1.500 €; reforço de paredes resistentes e seus acabamentos – 1.800 €; desentupir ralos e canalização de drenagens pluviais e melhorar escoamentos – 900 €, tudo no total de 11.700 €+IVA; no seu aludido relatório referiu ainda que “Em rigor as reparações/reforços pontuais de fundações em troços de pavimento e de paredes devem ser repartidos por todos os condóminos, quer pela sua origem quer pelos elementos a que respeitam”. No entanto, face ao teor do relatório e ao que disse em audiência, ficou claro que considerava perfeitamente possível avançar com estes trabalhos sem aguardar pela aprovação de projeto camarário, uma vez que os considerava urgentes. Por isso, e sem descurarmos as exigências legais que advêm da circunstância de se tratar de prédio constituído em propriedade horizontal, pensamos que teria sido possível a remodelação da fração, intervindo previamente nas partes estruturais afetadas, em particular com a desobstrução dos ralos (por detritos e poeiras) nos pavimentos exteriores do prédio (logradouro e saguão), sem que tal envolvesse para os Autores um dispêndio de tempo e dinheiro exagerados no contexto do tipo de obras de recuperação total em prédios antigos da cidade de Lisboa.
Tudo ponderado, parece-nos que qualquer pessoa, mesmo um leigo (que os Autores não eram), teria percebido que tanto a fração, como algumas partes comuns do prédio, tinham problemas carecidos de reparação e, estando interessados em ter uma noção mais exata dos mesmos, saberiam que deviam solicitar a intervenção de um técnico. Havia seguramente trabalhos de remodelação/reabilitação a realizar, impondo-se avançar com os mesmos, começando, por razões óbvias, pelas reparações na “estrutura resistente do imóvel”, não nos parecendo que os Autores, teriam deixado de constatar isso, nem sequer, até pela atividade a que se dedicavam e porque contavam com a colaboração de arquiteto, engenheiro civil e advogado, que teriam especial dificuldade em diligenciar, como já deveriam esperar ser necessário, no sentido da resolução dos aspetos legais envolvidos (junto do condomínio e/ou da câmara municipal) na obra de remodelação em causa.
Assim, ao invés da versão fáctica alegada pelos Autores, parece-nos bem mais provável que tenham logo percebido o estado de conservação do imóvel e perspetivado o tipo de obras necessárias, tendo, em função disso, negociado uma redução do preço não despicienda (no fundo a Ré só iria receber 410.000 €, e não os 450.000 € anunciados, já que o preço de venda era de 430.000 € e pagaria 20.000 € de comissão à agência de mediação de que o Autor era sócio gerente).
Por tudo isso, não ficámos convencidos de que os Autores, ao receberem o parecer dos referidos técnicos, tenham ficado absolutamente surpreendidos e bastante apreensivos com o teor do Relatório elaborado pelo Engenheiro EE, nomeadamente, no que respeita aos defeitos estruturais que careciam de uma intervenção específica, sobretudo por desconhecerem valores concretos.
Na verdade, até nos parece que essas informações vieram, tão só, confirmar aquilo com que os Autores já contavam, desde logo, face ao teor do anúncio e ao estado bem visível da casa (até porque se encontrava vazia, com todo o chão e paredes à vista) e do prédio. Se porventura pensaram que se trataria de “uma simples obra de renovação”, isso acaba por ser irrelevante, pois o que é simples para os Autores, até pela sua área de trabalho, pode não ser simples para outras pessoas, não se nos afigurando que os Autores não tivessem percebido que a fração carecia de uma obra demorada (para durar vários meses) de remodelação total, com pontuais intervenções em partes estruturais: as paredes interiores estruturais com fissuras e as fundações em troços do pavimento abatido.
Aliás, na Petição Inicial, foi alegado que a Autora, logo na 1.ª visita reparou que existia uma racha na parede que separa o apartamento do átrio de entrada do prédio, a qual era também visível na entrada do edifício, e que existiam fissuras no pavimento. Era muito óbvio, por tudo o acima referido, que se tratava de uma fração que carecia de uma intervenção a todos os níveis, incluindo canalização de água e de esgotos, trabalhos que seriam demorados e dispendiosos, mesmo considerando os valores de 2022, e que também existiam alguns problemas estruturais no prédio.
Nesse contexto, é bem mais plausível que não tenha constituído surpresa para os Autores, nem suscitado apreensão, antes se inserindo no quadro expetável, tudo aquilo que lhes foi transmitido, tanto pelo Arquiteto GG, como pelo Engenheiro EE (outros técnicos não estando envolvidos à data), conquanto apontando para a existência de problemas estruturais em partes comuns do edifício carecidos de resolução, o que nem se discute, face ao referido em ff), com tudo o que, do ponto de vista legal, isso implica, junto do condomínio e da câmara municipal, como os Autores, por certo, também já sabiam.
Pelo exposto, improcedem, neste particular, as conclusões da alegação de recurso, mantendo-se inalterada a decisão da matéria de facto. Do incumprimento definitivo do contrato promessa pela Ré e resolução pelos Autores
Na fundamentação de direito da sentença recorrida afirmou-se ter sido celebrado – ninguém o questiona - um contrato promessa, em que os Autores figuram como promitentes compradores e a Ré como promitente vendedora de uma fração cuja propriedade lhe pertence, lembrando-se ainda o disposto nos artigos 410.º, n.º 1, 441.º e 442.º do CC, afirmando-se que, no caso, foi entregue uma quantia, a título de sinal e princípio de pagamento do preço, ficando definida, na falta de convenção em contrário, a forma de indemnizar. Mencionou-se que o “contrato-promessa de compra e venda implica uma obrigação principal, a de celebrar o contrato prometido, ou seja, realizar a escritura de compra e venda, mas também prevê obrigações acessórias, quer sobre o promitente vendedor, quer pelo comprador, sendo que nem todas essas obrigações terão a mesma relevância, havendo que averiguar caso a caso qual a sua autonomia ou instrumentalidade em relação à obrigação principal.” A este respeito citou-se a seguinte passagem do Ac. do TRL de 17-05-2018 (www.dgsi.pt): “acontece frequentemente, designadamente nos contratos-promessa de compra e venda que, paralelamente à prestação principal, derivam deles, as denominadas obrigações de meios, acessórias ou secundárias, em relação à obrigação principal decorrente do contrato-promessa, as quais se destinam a preparar o cumprimento ou assegurar a execução da prestação principal. Com efeito, o contrato-promessa de compra e venda tem como objeto e obrigação principal a celebração da escritura de compra e venda, sendo esse o sinalagma específico do contrato. Impende, assim, sobre o devedor/promitente, não só essa obrigação principal de celebrar o contrato prometido, mas também a obrigação instrumental dessa obrigação principal, de realizar os atos possibilitadores do cumprimento, permitindo que o negócio prometido se celebre nos exatos termos convencionados, isto é, todos os deveres secundários, acessórios ou instrumentais da obrigação principal necessários à viabilização/satisfação do interesse que levou à celebração do contrato”.
Lembrou-se ainda que a obrigação da Ré decorrente do CPCV era a de celebrar o contrato prometido, emitindo uma declaração de venda pela qual se transmitiria a propriedade da sua fração, sendo certo que a Ré nunca se recusou a celebrar a escritura; e que os Autores sustentam que a Ré “ao não proceder às reparações necessárias, incumpriu umas das obrigações a que estava adstrita, ainda que se trate de uma obrigação acessória, a qual, inviabilizou o objectivo final, isto é, a celebração da escritura, adoptando um comportamento manifestamente incompatível com o cumprimento do contrato-promessa.” Considerou-se na sentença que a Ré “colocou a sua fracção à venda, anunciando-a como um apartamento para recuperação total e, pelas fotografias que constam do anúncio, se verifica que a mesma se insere em prédio antigo. A referida fracção encontrava-se vazia, tinha sido desocupada no final de 2021, encontrava-se em mau estado de conservação, sendo que todas as suas patologias eram visíveis, não estavam dissimuladas nem escondidas e podiam ser observadas por qualquer pessoa que nela entrasse. O imóvel foi visitado a 16.03.2022, pelo mediador e pela A, tendo logo nessa visita a A reparado nas rachas existentes (g). No dia seguinte, foi a fracção visitada pelo A e no mesmo dia apresentaram uma proposta e acordaram com a A reservar a fracção, o que fizeram no dia 18.03.2022. (…) O contrato promessa foi assinado pelas partes nos termos que as mesmas quiseram e neste estipularam que a escritura do contrato prometido seria outorgada até 60 dias após a assinatura do contrato (ou seja, 27.05.2022), (…) Cerca de um mês depois, existe uma comunicação de que estava tudo acertado com o banco (p), todavia nada foi marcado, sendo que em 9.05.2022 o mediador comunica que se mostra necessária, afinal, uma segunda avaliação, o que deu azo à prorrogação do prazo para a celebração da escritura, o que foi acordado pelas partes. Ou seja, o prazo ficou então até 27.06.2022. É verdade que nos termos do CPCV, a R teria a obrigação de facultar toda a documentação que fosse necessária para habilitar os AA a proceder à marcação e da factualidade que ficou demonstrada verifica-se que o fez: em 4.06.2022 é questionado o mediador se é necessário qualquer outro documento e este refere que não, em 21.06.2022 e 22.06.2022 é solicitado o envio de documentos que são desde logo enviados. Todavia, terminando o prazo a 27.06.2022 e tendo DD, a 20.06.2022, comunicado à ré que estava tudo certo com o banco e que já podiam fazer a escritura em dez dias, não se entende como em 29.06.2022, refere que só pode ser no dia 6.07.2022, sendo que só a partir de 26.06 é que existe diligências junto de um cartório para realizar a escritura e só então é pedida certidão à CML, algo que – tendo essas diligências sido feitas atempadamente – já poderia estar resolvido. De qualquer forma, quando obtém essa certidão, nada justifica que não tenha sido marcada a escritura. Existe, desde esse momento, mora por parte dos AA. Até este momento há que salientar que decorreram mais de três meses. Durante estes três meses, os AA não foram visitar o imóvel porque não quiseram, a visita com arquitecto ocorreu quando os AA entenderam, nunca tendo a Ré impedido os mesmos de visitarem a fracção, sendo que as chaves da mesma foram entregues ao mediador. Nem os AA alegam que a ré alguma vez dificultou ou impediu quaisquer visitas. Aliás, numa visita posterior e fictícia, uma testemunha foi visitar a fracção acompanhada de engenheira que filmou e fotografou a mesma sem que quem a acompanhou por parte da ré mostrasse algum desagrado ou oposição. Por outro lado, (…) não ficou provado que a ré convenceu os AA de que a fracção apresentava qualidades que afinal não detinha e das quais tinha perfeito conhecimento, levando os AA a acreditar que assim seria. Cabia aos AA fazer essa prova e não o fizeram, sendo certo que – até pelo que quase todas as testemunhas disseram – os defeitos eram visíveis e qualquer pessoa que pretendesse adquirir aquela fracção teria o cuidado de se fazer acompanhar de alguém habilitado que pudesse dar uma opinião sobre a natureza e dimensão das obras a efectuar. Não se demonstrou que a ré tivesse ocultado qualquer informação: a fracção sempre foi anunciada para remodelação total, acedeu a todas as visitas que foram solicitadas, nunca forneceu qualquer informação que pudesse falsear o real estado do imóvel. Acresce que, se trata de uma fracção inserida num prédio no centro de Lisboa, espaçosa e com quintal e terraço e, de acordo com o que também ficou demonstrado, a fracção foi colocada à venda por um valor menor, exactamente porque necessitaria de obras de recuperação total e, feitas estas, teria uma valorização muito significativa, o que justifica a grande procura que este tipo de imóvel tem e o grande interesse dos AA nele, interesse este que é bem patente no facto de a fracção ter sido reservada em dois dias e o CPCV ter sido celebrado em dez. Os AA vincularam-se perante a ré, nos termos em que o fizeram, porque assim o quiseram, nada tendo alegado como impedimento para – nesse intervalo – se inteirarem melhor do estado do imóvel. Não tendo sido feita prova por parte dos AA, a quem cabia esse ónus, de que a sua vontade de contratar foi afectada por qualquer erro que foi dolosamente criado pela Ré ou de que as circunstâncias que determinaram a sua vontade se alteraram, nada justifica o incumprimento do contrato a que se vincularam, nem justifica a sua modificação. A fracção mantém as mesmas características que foram transmitidas pela ré, estas existiam na primeira visita como existiam na última e não foram ocultadas nem dissimuladas, nem de qualquer forma a Ré impediu os AA de as conhecer. Podemos, assim, concluir que o contrato promessa que foi celebrado não enferma de qualquer invalidade, que – sendo válido - não existiu por parte da Ré qualquer incumprimento, nem se verificou qualquer alteração das circunstâncias que justifique a sua modificação ou resolução, pelo que a acção necessariamente improcederá, não sendo a resolução do CPCV feita pelos AA válida, nem tendo estes direito a receber da ré qualquer quantia. Existe, sim, uma resolução do CPCV por parte da Ré que é eficaz e válida, pelo que – por aplicação do disposto no art.442º do CC já referido – tem direito reter o que recebeu a título de sinal.”
Os Apelantes discordam, argumentando, em síntese, que: em face das circunstâncias de facto provadas (independentemente da procedência da impugnação da decisão da matéria de facto), não tendo a fração condições habitacionais e de segurança, não era razoável exigir aos Autores que celebrassem o contrato prometido, tendo perdido o interesse na celebração do contrato definitivo perante a recusa da Ré em realizar quaisquer obras no imóvel, o que configura um incumprimento definitivo do contrato-promessa, com violação dos ditames da boa fé e do cumprimento integral e pontual do contrato nas condições acordadas, pelo que o contrato promessa foi legitimamente resolvido pelos Autores, assistindo-lhes o direito ao sinal em dobro ou, pelo menos, em singelo (artigos 227.º, 406.º, n.º 1, 808.º, 442.º, 443.º e 289.º do CC).
Vejamos.
Não se discute a qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes, sendo certo que foi celebrado um contrato promessa de compra e venda, regulado nos arts. 410.º a 413.º do CC, entre os Autores como promitentes compradores e a Ré como promitente vendedora, tendo sido estipulado o pagamento de sinal cujo montante os Autores pretendem ver restituído (em dobro ou, pelo menos, em singelo), em linha com o disposto nos art. 441.º e 442.º do CC.
De salientar que, pese embora o artigo 442.º do CC se limite a estipular as consequências do incumprimento aí referido sem esclarecer quando o mesmo se verifica, é de considerar, na esteira da doutrina (designadamente Manuel Januário da Costa Gomes, in “Em Tema de Contrato-Promessa”, Lisboa, 1990, págs. 56 a 58; Inocêncio Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, 6.ª ed., Coimbra, 1989, pág. 138; João Calvão da Silva, in “Sinal e Contrato-Promessa”, 8.ª ed., Coimbra, 2001, págs. 108 a 111) e da jurisprudência dominantes (esta ilustrada, a título exemplificativo, pelos acórdãos do STJ de 09-02-2006 na Revista n.º 4093/05, 12-01-2010 na Revista n.º 628/09.3YFLSB, 14-04-2011 na Revista n.º 4074/05.0TBVFR.P1.S1, 09-02-2012 na Revista n.º 3780/05.3TVLSB.L1.S1, 19-01-2016 na Revista n.º 5797/04.6TVLSB.L1, sumários disponíveis em www.stj.pt), que a aplicação das sanções no mesmo previstas (perda do sinal, sua restituição em dobro ou do valor da coisa prometida) pressupõe o incumprimento definitivo do contrato-promessa e não a simples mora. Portanto, o direito potestativo de resolução do negócio em causa e os direitos previstos no art. 442.º do CC são indissociáveis, dependendo sempre (ressalvados os casos de resolução convencional) de fundamento legal, que radica no incumprimento definitivo da prestação devida pela parte faltosa (arts. 410.º, n.º 1, 405.º, 432.º a 436.º, e 790.º e ss. do CC).
É também sabido que, conforme resulta do disposto nos artigos 790.º e ss. do CC, o incumprimento é uma categoria vasta onde cabem: a) o incumprimento definitivo, propriamente dito; b) a impossibilidade definitiva de cumprimento (“por causa não imputável ao devedor” – cf. art. 790.º do CC); c) a conversão da mora em cumprimento definitivo – cf. artigos 804.º, n.º 2, e 808.º, do CC; d) a declaração antecipada de não cumprimento e a recusa categórica de cumprimento, antecipada ou não; e) e, em certos casos, o cumprimento defeituoso.
No caso particular do contrato-promessa, o incumprimento definitivo verifica-se nas seguintes situações: a pura e simples recusa do cumprimento, de forma categórica e inequívoca; os casos em que a prestação se torna impossível, total ou parcialmente, por culpa do devedor (ex. destruição ou alienação a terceiro da coisa prometida pelo promitente-vendedor); a ultrapassagem de prazo fixo essencial e absoluto; e a conversão da mora (culposa do promitente-faltoso) em incumprimento definitivo por via dos mecanismos previstos no art. 808.º do CC, a saber, a ultrapassagem de prazo suplementar razoável fixado em interpelação admonitória feita pelo promitente não faltoso (credor da prestação devida em falta) ou a perda objetiva de interesse, por parte deste mesmo promitente, na celebração do contrato prometido, em consequência daquela mora; sobre o conceito de perda de interesse, veja-se, por exemplo, o acórdão da Relação de Lisboa de 20-01-2011, no proc. n.º 8871/03.2TVLSB.L1-8 (disponível em www.dgsi.pt): “I - A perda do interesse susceptível de legitimar a resolução do contrato afere-se em função da utilidade que a prestação teria para o credor, atendendo a elementos susceptíveis de serem valorados pelo comum das pessoas, havendo de justificar-se segundo o critério da razoabilidade, pois o devedor não pode ficar sujeito aos caprichos do credor. (…) IV- A objectividade do critério não significa de forma alguma que se não atenda ao interesse subjectivo do credor, e designadamente aos fins visados pelo credor que, não tendo sido integrados no conteúdo do contrato, representam simples motivos em princípio irrelevantes. - V - O que essa objectividade quer significar é, antes, que a importância do interesse afectado pelo incumprimento, aferida embora em função do sujeito, há-de ser apreciada objectivamente, com base em elementos susceptíveis de serem valorados por qualquer outra pessoa (designadamente pelo próprio devedor ou pelo juiz), e não segundo o juízo valorativo arbitrário do próprio credor.”
Tem sido igualmente entendido pela jurisprudência que, no contrato promessa de compra e venda de imóvel para habitação, impende sobre o promitente vendedor, para além da obrigação principal de celebrar o contrato prometido, a obrigação de proceder “ao aprontamento do bem a vender de forma que este esteja apto a realizar o fim a que se destina ou tenha as qualidades asseguradas, devendo a coisa objeto do contrato ser entregue pelo vendedor liberta de defeitos e em condições de poder vir a ser fruída e utilizada sem restrições e sem percalços” e que se “o imóvel prometido vender enferma de defeitos, que não sejam de escassa ou reduzida importância, não pode o promitente comprador ser obrigado a adquirir uma coisa que não está em conformidade com o que foi estabelecido vender; nesse caso é lícito ao promitente comprador recusar a outorga da escritura de compra e venda enquanto o promitente vendedor não proceder à reparação ou eliminação dos defeitos” (assim, o acórdão do STJ de 27-01-2022, proferido na Revista n.º 3908/18.3T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt). Portanto, podemos considerar aplicável a um contrato promessa de compra de um imóvel o disposto nos artigos 913.º e 914.º do CC e seção precedente (ex vi do art. 410.º do CC), estando verificada uma situação de erro ou dolo quanto à existência de defeitos do imóvel prometido vender, designadamente se sofrer de vício que o desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinado, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, vindo a ser reconhecido pela jurisprudência que a falta de eliminação dos defeitos que não sejam de diminuta importância de uma fração prometida vender constitui causa legítima da recusa do promitente comprador em celebrar o contrato definitivo (exceção do não cumprimento do contrato), bem como fundamento da resolução do contrato-promessa, ante a recusa do promitente vendedor em realizar a respetiva reparação, atenta a estreita ligação entre este e o correspondente contrato de compra e venda. Nesta linha de pensamento, a título exemplificativo, além do citado acórdão, veja-se ainda o acórdão do STJ de 25-03-2004 proferido na Revista n.º 398/04 - 6.ª Secção (sumário disponível em www.stj.pt) e o acórdão do STJ de 02-12-2013 proferido na Revista n.º 157/07.0TBOER.L1.S1 (disponível em https://juris.stj.pt).
Porém, situações há em que, apesar da existência de defeitos nos imóveis vendidos ou prometidos vender, não se pode considerar verificado um incumprimento contratual por parte dos vendedores ou promitentes vendedores, conquanto estes demonstrem factos tendentes a infirmar a normalidade das coisas, designadamente que o contrato-promessa se referia a uma casa inacabada ou degradada, com os defeitos provados e que os compradores ou promitentes compradores disso estavam cientes (assim, veja-se, por exemplo, o acórdão do STJ de 04-05-2006 proferido na Revista n.º 3839/05 - 2.ª Secção, sumário disponível em www.stj.pt).
No caso em apreço, quando a Ré tomou posse da fração, em 30-11-2021, verificou que a mesma se encontrava em mau estado de conservação e necessitava de sérias obras para poder ser habitada; por não ter interesse em despender tempo e dinheiro com a recuperação da fração, a Ré decidiu colocar o imóvel à venda no estado em que se encontrava e a um preço inferior a valor de mercado, para que o comprador pudesse realizar as obras que entendesse e reabilitar o imóvel a seu gosto; a fração foi prometida vender, pelo preço de 430.000 € (ao invés dos 450.000 € anunciados), sendo uma fração espaçosa e muito bem localizada no centro de Lisboa de um prédio centenário, isenta de apresentação de licença de utilização por ser anterior a 07-08-1951; logo na primeira visita efetuada ao imóvel, a 1.ª Autora reparou que existia uma racha na parede que separa o apartamento do átrio de entrada do prédio, a qual era também visível na entrada do edifício, uma outra racha na parede da chaminé e algumas fendas nas restantes paredes, bem como fissuras no pavimento; já no anúncio de venda se mencionava que o apartamento era um R/C alto com 120 m2 com um quintal (18,60 m2) + um terraço (5,80 m2) para recuperação total; no referido anúncio foram ainda colocadas algumas fotografias do imóvel, reveladoras do mau estado de conservação da fração autónoma em questão; o imóvel é uma casa espaçosa e muito bem localizada no centro de Lisboa que, após a realização de obras para recuperação total, valorizará muito.
Em face desta factualidade, e não tendo os Autores logrado provar a verificação de quaisquer factos que pudessem levá-los a não perceber ou desvalorizar a extensão ou a gravidade das anomalias da fração, publicitadas e bem visíveis, nada indica, antes pelo contrário, que as desconheciam. Nessa medida, não tem nenhum cabimento virem invocar a violação do princípio da boa fé (cf. art. 762.º, n.º 2, do CC), nem dos demais preceitos legais. Na verdade, quem estava em mora eram os Autores e, com a sua atuação, ao comunicarem a resolução do contrato nos termos em que o fizeram, sem que existisse fundamento (legal ou contratual) para isso, incorreram em incumprimento definitivo do contrato, sendo despiciendo discutir se tal declaração deverá ser tida como ineficaz (sem efeito extintivo), sendo válida a resolução posteriormente comunicada pela Ré, ou se, apesar de ilícita, tal resolução levou, no caso concreto, à extinção do contrato promessa em apreço (sobre esta problemática, veja-se, por exemplo, a doutrina e jurisprudência referidas no acórdão da Relação de Lisboa de 10-10-2024, relatado pela ora relatora e em que foi adjunta a ora Desembargadora adjunta).
Assim, improcedem, neste particular, as conclusões da alegação de recurso. Da anulação do contrato promessa
Na sentença foi ainda referido que os Autores “Invocam, em sua defesa, também o regime da compra e venda defeituosa previstas nos art. 913.º e ss. do Código Civil, alegando que a coisa prometida vender não tem as qualidades asseguradas pelo vendedor, pelo que, nos termos do artigo 914.º do Código Civil, primeiramente, sempre teriam os AA., o direito de exigir da R. a reparação (o que fizeram, recusando-se aquela, a proceder à requerida reparação) e, face a essa recusa, consideram que lhes assiste o direito de anulação do contrato e a indemnização pelo interesse contratual negativo (traduzida na restituição do valor pago a título de sinal).” Como vimos, entendeu o Tribunal recorrido que improcedia esta pretensão dos Autores, os quais discordam, argumentando, em síntese, que: sempre deveriam ter sido aplicadas as regras atinentes à venda de coisa defeituosa, nos termos conjugados dos artigos 410.º e 913.º e ss. do CC, reconhecendo-se aos Autores o direito de anulação do contrato e a indemnização pelo interesse contratual negativo (traduzida na restituição do valor pago a título de sinal); isto porque a coisa prometida vender não tinha as qualidades indicadas pela Ré vendedora e a mera visualização de defeitos (ou dos sinais exteriores dos mesmos) não permite, a quem não tem os conhecimentos técnicos para o efeito, descortinar a natureza e real dimensão dos mesmos e a envergadura das obras necessárias para o corrigir; eram obras de grande envergadura em toda a estrutura e implantação de todo o prédio, que careceriam da intervenção de todos os condóminos, de licenças e autorizações administrativas, com o aumento exponencial dos custos envolvidos e, bem assim, do tempo que levaria até as obras estarem devidamente concluídas.
A este respeito remetemos, por economia, para as considerações que acima fizemos, lembrando ainda que os Autores não lograram provar o que alegaram a esse respeito, designadamente que a Ré assegurou que a fração apenas tinha meros defeitos estéticos, de fácil reparação e que não implicavam quaisquer questões estruturais, dando a aparência de ter conhecimento na matéria, tranquilizando os Autores de que a casa apenas precisava de uma simples renovação de interiores dada a sua vetustez.
Ademais, tão pouco nos parece que seja caso para considerar que a resolução dos problemas referidos em ff) implique “obras de grande envergadura em toda a estrutura e implantação de todo o edifício”, com o aumento exponencial dos custos e tempo envolvidos.
Portanto, improcedem as conclusões da alegação de recurso. Da resolução do contrato promessa por alteração anormal das circunstâncias
Na sentença referiu-se também que os Autores invocam o regime fixado no art. 437.º ex vi do n.º 2 do art. 252.º do CC, através do qual consideram que deverá ser reconhecido o seu direito à resolução do negócio, por as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar terem sofrido uma alteração anormal, uma vez que a intenção dos Autores ao adquirir a fração em causa era a de a destinar à sua própria habitação. Conforme suprarreferido, o Tribunal a quo julgou improcedente esse pedido subsidiário, decisão da qual os Apelantes também discordam, argumentando, em síntese, que: deveria o Tribunal recorrido ter concluído pela aplicação do art. 437.º n.º 1, ex vi do art. 252.º, n.º 2, ambos do CC, porque a constatação da real dimensão e significado dos “defeitos” visualizados na fração, colocando em crise a habitabilidade e a segurança dos ocupantes e implicando uma remodelação integral da estrutura e estabilidade de todo o prédio, configura uma circunstância não coberta pelos próprios riscos do contrato, afetando de forma grave o princípio da boa-fé.
Vejamos.
Preceitua o art. 252.º do CC, sob a epígrafe “Erro sobre os motivos”, que: “1. O erro que recaia nos motivos determinantes da vontade, mas se não refira à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio, só é causa de anulação se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo. 2. Se, porém, recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído.”
Por sua vez, estabelece o art. 437.º, n.º 1, do CC que: “1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.”
A este respeito, pronunciou-se o STJ no acórdão de 22-09-2005, proferido na Revista n.º 2401/05 - 2.ª Secção, conforme consta do respetivo sumário (disponível em www.stj.pt), explicando que: “I - A alteração anormal da base negocial está prevista na nossa lei civil em dois momentos diferentes: no art.º 252, n.º 2, quanto à alteração subjectiva dessa base e no art.º 437 quanto à sua alteração objectiva. II - No caso, estamos perante a alteração objectiva da base negocial já que aquela outra é tratada pelo legislador no âmbito dos vícios da vontade (erro sobre os motivos). III - Para fazer funcionar o instituto previsto no referido art.º 437 do CC era necessário que: a) tivesse havido uma alteração anormal das circunstâncias objectivas que rodearam a vontade negocial dos contraentes; b) tal alteração anormal afectasse de modo grave a boa-fé negocial; c) não esteja ela abrangida pelos riscos negociais normais; d) o contrato não tivesse sido já cumprido. IV - No caso, estamos perante uma circunstância pessoal (a saúde de um dos contraentes, interveniente num contrato de mútuo celebrado com um banco) que não pode de modo algum qualificar-se de anormalmente imprevisível já que se trata de algo que entronca no próprio risco da vida; permitir que as alterações de saúde pessoal de um contraente influenciem (a não ser, eventualmente, em casos - limite) a base negocial é pôr praticamente de lado a segurança negocial e o princípio vinculístico de que os contratos são para se cumprir.”
No caso dos autos, foi invocado um erro sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio ou uma alteração subjetiva anormal da base negocial. Porém, em face dos factos provados, não se pode considerar que após a celebração do contrato promessa de compra tenha chegado ao conhecimento dos Autores que as circunstâncias que constituíam a base daquele negócio eram, na realidade, diversas do que supunham, em termos tais que a exigência das obrigações por eles assumidos afetasse gravemente os princípios da boa fé e não estivesse coberta pelos riscos próprios do contrato.
Apesar de a fração não reunir condições de habitabilidade, carecendo de recuperação total (seguramente dispendiosa e demorada), isso não podia deixar de ser uma evidência para os Autores, não se podendo considerar que os Autores não tinham noção dos problemas descritos em ff), nem sequer que os mesmos colocavam em crise a habitabilidade e a segurança dos ocupantes e implicavam uma remodelação integral da estrutura e estabilidade de todo o prédio.
Assim, improcedem inteiramente as conclusões da alegação de recurso, ao qual será negado provimento.
Vencidos os Autores-Apelantes, são os responsáveis pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
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III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida, condenando-se os Autores-Apelantes no pagamento das custas do recurso.
D.N.
Lisboa, 10-07-2025
Laurinda Gemas
Pedro Martins
Inês Moura