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OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FRACÇÃO AUTÓNOMA
PARTES COMUNS
DANOS
LUCROS CESSANTES
PRIVAÇÃO DO USO
Sumário
SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art. 663.º, n.º 7, do CPC) I – Peticionada pela Autora - alegando a existência de danos na fração de que é proprietária causados pela falta de manutenção / conservação de partes comuns do prédio - a condenação do Condomínio Réu à realização das obras de reparação necessárias na fração mediante orçamento junto como doc. 8 da PI ou a indemnizar a Autora pelos danos causados em montante nunca inferior ao do orçamento apresentado (71.357,00 €), não é nula por omissão de pronúncia quanto à “questão da liquidação do IVA” a sentença que condenou o Réu a realizar as obras de reparação dos danos verificados no piso superior da fração autónoma da Autora [conforme facto provado nº 8, al. a)] ou a pagar-lhe a quantia necessária para essa reparação, no valor estimado de 7.950,00 €. II – Respeitando a outra pretensão indemnizatória a lucros cessantes e ao dano da privação do uso da fração, é de considerar, quanto a este último, a jurisprudência segundo a qual a prova dos danos concretos se basta com a demonstração do uso regular do bem por parte do proprietário lesado, sendo devida indemnização pelo dano (patrimonial) da privação do uso do bem (verificados que estejam os demais pressupostos da responsabilidade civil) sem necessidade de alegar e provar outros factos além desses. III – Quando o tribunal venha a concluir que existiu um tal dano - na medida em que o lesado ficou impedido de poder usar o bem (de que era proprietário) como vinha fazendo ou pretendia fazer -, será devida uma indemnização, caso em que o tribunal poderá não dispor de elementos para a fixar com recurso à teoria da diferença (cf. art. 566.º, n.º 2, do CC); se não puder quantificar o dano, contanto perspetive como possível a determinação desse valor em incidente de liquidação, será aplicável o disposto nos artigos 564.º, n.º 2, e 566.º, n.º 3, do CC, e 358.º, n.º 2, e 609.º, n.º 2, do CPC; no limite, na impossibilidade de averiguar o valor exato do dano, cumprirá ao tribunal encontrar uma solução equilibrada mediante um juízo de equidade, em face do conjunto dos factos em presença. IV – No caso dos autos, sendo a Autora proprietária da fração em apreço (cf. art. 1305.º do CC), mas não tendo provado um conjunto de factos substantivamente relevantes que alegou a respeito da peticionada indemnização por lucros cessantes e privação do uso, nada indicando que, no período temporal relevante para o caso, a Autora estava a usar a fração ou pretendia fazê-lo, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas, a fim de retirar as utilidades que normalmente lhe proporcionaria, improcede a sua pretensão indemnizatória.
Texto Integral
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados
I - RELATÓRIO
ALJEOM - SERVIÇOS E CONSULTADORIA LDA. interpôs o presente recurso de apelação da sentença proferida na ação declarativa que, sob a forma de processo comum, intentou contra o CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA RUA MARIA VELEDA, ... E RUA ADELAIDE CABETE, ..., representado pela respetiva Administração exercida pela sociedade “...AA Gestão Imobiliária, Unipessoal Lda. - ”.
Na Petição Inicial, apresentada em 04-07-2022, a Autora pediu que o Réu fosse condenado:
- a proceder às reparações necessárias nas zonas comuns, nomeadamente: (1) a reparação do esgoto na prumada A, (2) a impermeabilização do terraço de cobertura da sua fração autónoma e (3) a realização das necessárias obras de reparação (ou alteração de localização) nos tubos de queda de águas provenientes do terraço de cobertura da sua fração autónoma;
- à realização das obras de reparação necessárias na fração autónoma mediante orçamento junto com a PI como Doc. 8, ou a indemnizar a Autora pelos danos causados em montante nunca inferior ao orçamento apresentado (71.357,00 €), nos termos do disposto nos artigos 483.º e ss. do Código Civil;
- a indemnizar a Autora pelos lucros cessantes, nos termos do disposto no artigo 564.º do Código Civil, em montante a apurar em sede de execução de sentença, e no pagamento (de indemnização) correspondente ao valor que deixou de auferir por se ver impossibilitada de arrendar a sua fração autónoma, desde janeiro de 2020 até à reparação da mesma, o qual, na data da propositura da ação, se cifra em 60.000,00 €.
Alegou a Autora, para tanto e em síntese, que:
- A Autora desenvolve a sua atividade comercial na fração (identificada nos autos) de que é proprietária, aí explorando um ginásio;
- Pelo menos desde meados de dezembro de 2019, a Autora começou a detetar problemas/danos na referida fração, designadamente ao nível do pavimento, paredes, instalação elétrica, portas e ombreiras;
- Tais danos foram provocados por infiltrações e inundações na fração, com a degradação contínua da mesma, devido à falta de manutenção e conservação do esgoto enterrado da prumada A do prédio e à falta de impermeabilização do terraço de cobertura, bem como à localização dos tubos de queda de águas provenientes do mesmo;
- A reparação dos danos na fração foi orçamentada em 71.357 €, quantia que o Condomínio deverá suportar;
- A Autora também deve ser indemnizada pelos lucros cessantes, visto que, por o ginásio se encontrar encerrado desde dezembro de 2019, não recebeu as mensalidades que seriam pagas pelos clientes que tinha e novos clientes, rondando os 8.400 €/mês o “valor da rentabilidade que a Autora deixou de auferir”;
- Tão pouco conseguindo a Autora arrendar a fração a terceiros por esta não se encontrar em condições de salubridade, o que importa um prejuízo mínimo de 2.000 €/mês, valor previsível do arrendamento do espaço.
Indicou como valor da causa 131.357 €.
O Réu apresentou Contestação, em que se defendeu por impugnação motivada, de facto e de direito, alegando designadamente que: tanto a inundação que a Autora lhe reportou no fim do mês de janeiro de 2021, como a infiltração que reportou em outubro de 2021 não tiveram origem em zonas comuns do prédio; no local não é explorado nenhum ginásio há mais de 10 anos.
Foi elaborado o despacho saneador, em que se fixou o valor da causa em 131.357 €, bem como proferido despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.
Foi realizada perícia, tendo sido apresentada reclamação pela Autora em 05-09-2023 contra o relatório pericial (datado de 20-07-2023), vindo a ser apresentado pelo Sr. Perito “relatório de esclarecimentos” (datado de 08-04-2024).
Teve lugar a audiência de julgamento com a prestação de esclarecimentos pelo Sr. Perito, depoimentos e declarações das partes, bem como depoimentos das testemunhas arroladas pelas partes.
Após, foi proferida a Sentença (recorrida), cujo segmento decisório tem o seguinte teor: “Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, condeno o Réu a proceder às reparações necessárias nas zonas comuns, nomeadamente: a impermeabilização do terraço de cobertura afecto ao uso exclusivo da fracção correspondente ao r/c A do prédio e o tubo de queda das águas do terraço, de forma a evitar infiltrações na fracção da Autora e a formação de poças de água junto à porta de entrada da sua fracção; Mais condeno o Réu a realizar as obras de reparação dos danos verificados no piso superior da fração autónoma da Autora (conforme facto provado nº 8, alínea a)) ou a pagar-lhe a quantia necessária para essa reparação, no valor estimado de € 7.950,00 euros. Absolvo o Réu do mais peticionado. Custas por Autora e Réu na proporção do decaimento que se fixa em 45% para a primeira e 55% para o segundo. Valor da acção: € 131.357,00 Registe e Notifique.”
É com esta decisão que a Autora não se conforma, tendo interposto o presente recurso de apelação, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: a) A sentença recorrida incorre em nulidade, por omissão de pronúncia, pois, apesar de ter condenado o Recorrido no pagamento do valor estimado de € 7.950,00, em virtude dos danos emergentes da falta de impermeabilização do terraço de cobertura, nada ponderou e decidiu acerca do pagamento do IVA aquando da fixação da indemnização. b) Em relação à matéria provada dos factos constantes nos pontos 27. e 30. da matéria de facto provada: “Nesse período foi verificada a existência de uma rotura exterior ao prédio, ao nível da rede de esgotos na via pública” e “A rotura verificada obrigou à realização de obras na via pública por parte da Câmara Municipal de Lisboa, designadamente, a substituição das manilhas da rede de esgotos, a sentença recorrida baseou-se processo camarário porque refere “a possibilidade da existência de suspeitas uma manilha partida na via publica e não havendo quaisquer outros desenvolvimentos que sugiram que a situação voltou a ser investigada por não ter sido detectado qualquer problema com o esgoto doméstico enterrado na via publica”, c) Porém, a possibilidade da existência de uma manilha partida não resulta de uma declaração ou comunicação oficial da Câmara Municipal de Lisboa (doravante, CML), mas de uma comunicação da administradora do Recorrido, sendo que nem no Processo Camarário nem em qualquer outro documento ou depoimento é certificada a existência de uma rotura da rede de esgotos públicos nem qual a intervenção efetuada pela CML, muito menos esta demonstrado que a causa das infiltrações ou inundações sucessivas da fração da Recorrente, inclusive a de 2021, é o sistema de esgotos Municipal. d) Deve, assim, a matéria dos pontos 27. e 30. da matéria de facto provada passar para o elenco dos factos não provados. e) O julgamento aos factos não provados FNP2, FNP3, FNP4 e FNP11, foi baseado no seguintes raciocínios: (i) que da prova apresentada pela Autora, as sua reclamações por problemas relacionados com o funcionamento dos esgotos enterrados da prumada A vêm de data anterior a 2016 e mantêm-se ao longo dos anos, que a Autora foi indemnizada pela Seguradora do Condomínio pelos danos ocorridos em 2016, concluindo que apenas se encontram causa aqueles que foram reportados em Janeiro de 2021, e (iii) que inexistem meios de prova que atestem que o Réu não faz inspecções e manutenções regulares ao sistema de esgotos do prédio, tendo a testemunha BB, porteiro, declarado que faz a inspecção mensal das caixas de esgoto do prédio desde antes de 2021, constando do relatório pericial a existência de indícios de obras de substituição de parte das tubagens de grés, mais antigas, por outras de pvc.” f) A sentença incorre em flagrante erro de julgamento porque desconsiderou a linha essencial do alegado pela Recorrente na petição inicial e na oposição à contestação no sentido de que a fração está inutilizada e em degradação continua, por força de problemas contínuos com origem na conduta de esgotos enterrada na prumada A do prédio, o que provoca inundações e infiltrações sucessivas de águas de esgoto, estando em causa todas infiltrações e inundações ocorridas posterior e sucessivamente à que ocorreu em 2016, incluindo a de 2021. g) Desconsiderou igualmente toda a prova produzida a este respeito: conforme documento 3 junto à resposta à contestação, resulta que em 15 de Janeiro de 2018, a Recorrente informou o Recorrido que aguardava o agendamento da reunião que antes havia solicitado para se verificação a extensão dos novos danos provocados por falta de realização da obra de reparação do esgoto enterrado da prumada A, resultando ainda do mesmo documento uma declaração confessória do Recorrido no sentido de que, à data de Janeiro de 2018, entendia desnecessária a realização de obras de reparação do esgoto enterrado da prumada A, por entender suficiente o trabalho de limpeza e/ou desentupimento que promovera; - Do teor do documento junto 4 junto à mesma resposta, resulta que em 15 de Janeiro de 2020, a Recorrente fez uma denúncia junto da Câmara Municipal de Lisboa, a qual, por seu turno, contactou o Recorrido para reforçar a necessidade de realização das obras nos esgotos; - Do teor do documento 5 junto à mesma resposta, retira-se que a Recorrente, em 19 Outubro de 2021, fez uma participação junto da Polícia Municipal, na qual se queixa de infiltrações no piso inferior vindas de ligações de esgotos do referido prédio h) Da conjugação da prova documental referida ressalta que muito antes de Janeiro de 2021 já havia ocorrido infiltrações ou inundações após a de 2016 na fração da Recorrente e que o Recorrido bem conhecia, em data anterior a Janeiro de 2021, os problemas existentes nos esgotos enterrados por debaixo da fracção, pelo que deverá ter-se como assente que: “Pelo menos desde janeiro de 2018, que a Autora começou a detectar problemas na sua fracção provocados por infiltrações ou inundações e a encetar comunicações com o Réu”, eliminando da matéria de facto não provada o FNP2. i) o Tribunal a quo considerou não provado que “Os problemas existentes na sub cave da fracção têm origem nas inundações sucessivas provocadas pelo esgoto enterrado da prumada A do prédio que ocorrem pelo menos desde 2019 - (FNP 3)”. Além dos documentos 4 e 6 juntos à resposta à contestação e mencionados na conclusão G), decorre do e-mail de 26 de fevereiro de 2021 junto ao processo camarário que o Sr. Eng. CC confirmou, na vistoria por si realizada, “a existência de entupimento no esgoto doméstico ao nível da sub-cave, com consequências graves na salubridade do espaço, impeditivas do seu uso” e considerou “tratar-se de esgotos enterrados”, constituindo parte comum do edifício, acrescentando na exposição de 11 de março de 2021, desconhecer a extensão e a possibilidade de desentupimento”, nomeadamente com recurso à empresa “Desentope” j) O teor das citadas comunicações são confirmadas depoimento da testemunha Sr. Eng. CC prestado na sessão de julgamento do dia 22.10.2024, entre os minutos 00:03:09 e 00:05:00, no qual não só que confirmou uma inundação na fração da Autora/Recorrente (cfr. facto provado em 28.), aquando da vistoria que fez ao local em 2021, como também a existência de um entupimento do esgoto e que só uma verificação por vídeo da tubagem poderá confirmar a origem do entupimento k) Quanto à causa das continuas infiltrações e inundações decorrentes da vistoria do Sr. Eng.º CC, está corroborada pela vistoria com vídeo levada a cabo pela empresa Desentop, cujos relatórios a Recorrente juntou aos autos, donde decorre que: Foram analisadas as seguintes situações e/ou anomalias: Página 3 - A 3,1 metros para jusante da caixa, visualiza-se transição de materiais; Página 3 - A 3,6 metros para jusante da caixa, visualiza-se uma fissura longitudinal; Página 3 - A 3,6 metros para jusante da caixa, visualiza-se uma fractura circunferencial com potencial zona de fuga de efluentes; Página 4 - A 4,6 metros para jusante da caixa, visualizam-se deformações na tubagem; Página 4 - A 4,7 metros para jusante da caixa, visualiza-se zona de canalização partida; Página 5 - A 5,7 metros para jusante da caixa, visualiza-se uma fissura longitudinal; Página 5 - A 6,3 metros para jusante da caixa, visualiza-se acumulação de resíduos”, cfr. doc. 10 junto à oposição à contestação. l) Também o relatório da empresa Smart Researches, junto aos autos no requerimento da Recorrente de 05.09.2023, com a referência citius 36893421 refere que: “Comum a todos os troços de tubagem verificamos desencontros e afastamento nas uniões entre manilhas em grês, algumas delas fissuradas/partidas e com deficiência nas inclinações uma vez que apresentam água estagnada (...) De salientar que as duas caixas colectoras que fazem a saída para o exterior estão parcialmente obstruídas, e que juntamente com as restantes que foram abertas para realizar vídeo inspecção apresentam fissuras/buracos”, cfr. relatório junto aos autos no requerimento da Recorrente de 05.09.2023, com a referência citius 36893421. m) Neste sentido o perito avaliador da companhia de seguros, Sr. Eng.º DD, inquirido na sessão de julgamento de 23.10.2024, cujo depoimento decorreu entre as 10h16m e 10h30m, entre os minutos 00:08:32 e 00:10:10 e : 00:13:28, referiu que o Recorrido não estava munido com relatório da pesquisa de avarias para determinar o motivo dos constantes entupimentos e infiltrações derivados do esgoto enterrado da Prumada A do prédio e que os Peritos da Companhia de Seguros do Recorrido, na perícia que desenvolveram, limitaram-se a constatar a olho nu que as caixas de esgoto estavam escoadas, nada mais fazendo para despistar a causa estrutural, em concreto uma endoscopia ao tubo. n) Igual foi o método de avaliação levado a cabo pelo Sr. Perito Judicial porque limitou-se a reproduzir no relatório o que constatou no local a olho nu, desconsiderando os relatórios anteriores juntos aos autos pela Recorrente, como resulta do respectivo depoimento prestado na sessão de julgamento do dia 22/10/2024, entre os minutos 00:59:00 a 00:02:32 e 00:06:02 e 00:08:12. o) Tribunal a quo incorreu, assim, em flagrante erro de julgamento ao valorar positivamente o relatório pericial, os esclarecimentos e depoimento do Sr. Perito Judicial, em prejuízo de toda a restante prova produzida de valor equivalente sobretudo os relatórios das empresa da especialidade (Desentop Ambiente e Smart Researches) e da testemunhal acima transcrita donde resulta que o Sr. Perito da Seguradora que refere que a cabal despistagem do problema só se faz através de filmagens. p) Por fim, a sentença recorrida não teve em conta a comunicação do Recorrido datada de 22/04/2021, e assinada pela sua sócia-gerente, da qual resulta que, na referida data, o Recorrido já tinha perfeito conhecimento de que pelo menos o colector horizontal da garagem necessitava de reparação, sendo essa uma “situação grave”, referindo ainda a necessidade de construir um ramal paralelo ao existente, “dado que o actual de encontra partido e obstruído”, cfr. Doc. 1 junto aquando do requerimento da Recorrente de 09/12/2022 com referência CITIUS n.º 34416465. q) De modo que, da conjugação da prova documental referida (vg. Documento 3 junto à resposta à contestação, e no Documento 4 junto à resposta à contestação, e no Documento 5 junto à resposta à contestação, Relatório, constante do Doc. 10 junto à resposta à contestação, e bem assim o Doc. 1 junto com o requerimento da Recorrente de 09/12/2022 com referência CITIUS n.º 34416465, Relatório junto aos autos também pela Recorrente aquando do requerimento de 05.09.2023, com a referência citius 36893421, comunicações enviadas pelo Sr. Eng.º CC juntas ao processo Camarário) com os depoimento do Sr. perito do Tribunal e testemunhal indicadas, resulta que os problemas existentes na subcave da fração da Recorrente têm origem nas sucessivas inundações e infiltrações provocadas pelo esgoto enterrado e que junta com a Prumada A do prédio, as quais ocorrem pelo menos desde o inicio de 2018. r) Desta forma, deve acrescentar-se à matéria de facto provada que “os problemas existentes na subcave da fração têm origem nas inundações sucessivas ou infiltrações provocadas pelo esgoto enterrado com ligação à Prumada A do prédio que ocorrem pelo menos desde o início de 2018, podendo eliminar-se do elenco dos Factos não provados o FNP3. s) Quanto ao facto considerado não provado constante do ponto 4: “Os danos provocados na subcave da fração da Autora resultam da falta de conservação e reparação pelo Réu das zonas comuns correspondentes aos esgotos enterrados com ligação à prumada A do prédio” (FNP 4) e “Após a inundação de 2016 o Réu limitou-se a proceder a uma limpeza dos referidos esgotos, considerando a situação resolvida”, verifica-se outrossim flagrante erro de julgamento não só na consideração positiva do relatório, esclarecimentos e depoimentos do Sr. Perito do Tribunal como também no relevo dado ao depoimento da testemunha Sr. BB, em prejuízo da prova testemunhal e documental acima mencionada. t) Para justificar tal decisão, o Tribunal de 1.ª instância refere inexistirem quaisquer meios de prova que atestem que o Réu não faz inspeções e manutenções regulares ao sistema de esgotos do prédio, que a testemunha BB, porteiro, declarou que faz a inspeção mensal das caixas de esgoto do prédio desde antes de 2021 e que constando do relatório pericial a existência de indícios de obras, de substituição de parte das tubagens de grés, mais antigas, por outras de pvc. u) Além da prova documental já referida na conclusão r), por si só denunciadora de várias interpelações efetuadas pela Recorrente ao Recorrido pelo menos desde 2018, sem que aquele tenha resolvido de forma definitiva o problema, o Tribunal a quo ignorou ainda que na assembleia de condomínios, realizada em 08/04/2024, do prédio da qual faz parte a fração autónoma da Recorrente, foi reconhecida a necessidade de obras nas colunas de água e na fachada, por força das infiltrações e foi deliberado, na sequência do “PONTO CINCO” da ordem de trabalhos, que o imóvel não tem obras de manutenção há vários anos e que o custo das obras deve ser assumido como um investimento dos condóminos na sua propriedade, cfr. acta junta aos autos pela Recorrente aquando respectivo requerimento de 20.09.2024. v) O tribunal a quo desatendeu também depoimento da testemunha Sr. Eng.º DD no qual o mesmo refere que “De facto, as caixas não estão em melhor estado de conservação, é verdade e que o Recorrido não tem nem promoveu pela elaboração de um relatório de avarias. w) Já o depoimento da testemunha Sr. BB contraria frontalmente a motivação da sentença recorrida, dado que admitiu que só passou a verificar os esgotos mensalmente após o problema de 2021, limitando-se a levantar as respectivas tampas, e que nunca viu no Prédio nenhuma empresa a fazer a manutenção dos esgotos, como resulta do respectivo depoimento prestado na sessão de julgamento do dia 23/10/2024, entres a 10:40h e 10:50, entre os minutos 00:01:52 e 00:05:17. x) Quanto ao FNP 11, inexiste, pois, nos autos qualquer prova (v. g. relatório) no sentido de que o Recorrido, após a inundação ocorrida na fração da Autora em 2016, tenha realizado as obras necessárias à correção das anomalias verificadas, por vídeo, pela Companhia de Seguros aquando do referido evento, não podendo tal facto ser dado como provado com base em indícios como fez a decisão recorrida. y) Na realidade, o que resulta da prova documental junta e do depoimento das testemunhas referidos, é que a Recorrida sempre se limitou a promover uma solução temporária, o desentupimento, em prejuízo da solução definitiva, a execução de obras para reparação da tubagem. z) De sorte que, a matéria constante no ponto 4. dos factos não provados: “Os danos provocados na subcave da fração da Autora resultam da falta de conservação e reparação pelo Réu das zonas comuns correspondentes aos esgotos enterrados da prumada A do prédio” e a constante no ponto 11. Dos factos não provados: “Após a inundação de 2016 o Réu limitou-se a proceder a uma limpeza dos referidos esgotos, considerando a situação resolvida” devem passar para o elenco dos factos provados, eliminando-se do elenco dos factos não provados. aa) Mostra-se ainda relevante para a boa decisão de direito aditar-se à matéria provada o seguinte que “pelo menos desde 2017/2018 que a Autora ficou impossibilitada de desenvolver qualquer actividade na sua fração ou de a arrendar em virtude das sucessivas e constantes inundações e infiltrações ocorridas na fração, designadamente da ocorrida em 2021”. bb) Os concretos meios probatórios constantes dos autos, cuja ponderação impõem tal inclusão são os seguintes já referidos documentos (e Documento 3 junto à resposta à contestação, e Documento 4 junto à resposta à contestação, e Documento 5 junto à resposta à contestação, Relatório, constante do Doc. 10 junto à resposta à contestação, Relatório junto aos autos pela Recorrente aquando do requerimento de 05.09.2023, com a referência citius 36893421, Declaração confessória do Recorrido documentada na respectiva comunicação de 22 de abril de 2021) e Depoimento de parte da Recorrente na sessão de julgamento que decorreu dia 22/10/2024, entre as 14:12h e 14:44h, entre os minutos 00:06:50 e 00:18:00. cc) Como resulta dos artigos 1414.º e seguintes do Código Civil e 493.º nº 1 CC, o Recorrido tinha a obrigação de diligenciar pela conservação e reparação das partes comuns do imóvel de modo a evitar a ocorrência de quaisquer danos. dd) Recaindo sobre o Recorrido, condomínio, um dever geral de vigiar e conservar as partes comuns, tendo tido conhecimento das inundações e infiltrações verificadas na fração da Recorrente, pelo menos, no ano de 2018 e nos anos subsequentes, incorreu em violação reiterada daquele dever, por omissão da realização das obras necessárias à reparação/substituição dos esgotos enterrados da prumada A, ee) Sabendo o Recorrido que o sistemas de esgotos situado por debaixo da fração da Recorrida está danificados encontrava danificada ao ponto de originar danos sucessivos naquela fração , deve entender-se que “se foi o Condomínio que foi diligenciando pelo desentupimento noutras situações e na realidade era o Condomínio que tinha o “domínio do facto”, ou seja, de vigiar e de reparar ou, ao menos, de diligenciar no sentido de que outra entidade (v.g., a concessionária da rede de esgotos) fizesse a reparação, independentemente da natureza comum ou até não comum do local específico onde ocorria o entupimento, era o Condomínio quem tinha o domínio do facto, quer efetuando a reparação, quer diligenciando no sentido se obter essa reparação.” ff) Está, por outro lado, dado como assente que fração da Recorrida encontra-se com os danos identificados e orçamentados, pelo Sr. Perito do Tribunal, no valor de € 9.550,00 (nove mil e quinhentos e cinquenta euros), prevendo o Código Civil no seu artigo 564.º, a possibilidade de indemnização na vertente dos lucros cessantes, visto que a fração da Recorrente se encontra desde 2017/2018 encerrada devido às infiltrações e inundações sucessivas ocorridas após a inundação de 2016. gg) No artigo 564.º, o Código civil prevê a possibilidade de indemnização na vertente dos lucros cessantes, visto que a fração da Recorrente encerrada, em virtude dos danos ocorridas quer no piso superior, por via da deficiente impermeabilização do terraço, quer no nível inferior, por via do mau estado de conservação dos esgotos enterrados com ligação à prumada A., o que se traduz no dano de privação de uso. hh) Não pode, porém, concluir-se como se concluiu na sentença recorrida no sentido de que a Recorrente não tem direito à indemnização pela privação uso da fração inerente aos danos da deficiente impermeabilização do terraço porque não se provou que tenha retomado a exploração do local. ii) Não descurando os três posicionamentos que têm vindo a ser discutidos quer na doutrina quer, sobretudo, na jurisprudência, e que, de resto, estão evidenciados na sentença recorrida, entende a Recorrente que para que o dano da privação do uso seja indemnizado é suficiente a prova de que o lesado usaria habitualmente a coisa danificada e de cujo gozo está privado em função dos danos. jj) Assim, concluindo-se pelo dano e que não é possível quantificá-lo em valores certos face aos factos provados, o tribunal a quo deveria ter recorrido à equidade para fixar a indemnização, nos termos previstos no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil. kk) Pelo que, uma vez mais a sentença recorrida incorre em errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 564.º Código Civil e, desta feita também, no artigo 566.º n.º 3 do mesmo.
Terminou a Apelante requerendo que seja dado provimento ao recurso, anulando-se ou revogando-se o acórdão recorrido nos termos das conclusões que antecedem.
O Réu apresentou alegação de resposta, em que pugnou pela improcedência do recurso, defendendo que se mantenha a sentença recorrida.
Foi proferido despacho de admissão do recurso, tendo sido decidido também o seguinte: «Da nulidade por omissão de pronuncia invocada pelo Autor/recorrente: Entende o Autor que o tribunal incorreu em omissão de pronuncia dizendo: “A sentença recorrida incorre em nulidade, por omissão de pronúncia, pois, apesar de ter condenado o Recorrido no pagamento do valor estimado de € 7.950,00, em virtude dos danos emergentes da falta de impermeabilização do terraço de cobertura, nada ponderou e decidiu acerca do pagamento do IVA aquando da fixação da indemnização.” Porém a verdade é que no segmento decisório da sentença o que se pode ler é: “Mais condeno o Réu a realizar as obras de reparação dos danos verificados no piso superior da fração autónoma da Autora (conforme facto provado nº 8, alínea a)) ou a pagar-lhe a quantia necessária para essa reparação, no valor estimado de € 7.950,00 euros.” Quanto ao IVA nem este consta do correspondente pedido apresentado: “- à realização das obras de reparação necessárias na fração autónoma mediante orçamento apresentado e junto como Doc. 8 na presente acção ou, a indemnizar a Autora pelos danos causados em montante nunca inferior ao orçamento apresentado (€ 71.357,00), nos termos do disposto nos artigos 483.º e ss. do Código Civil.;”, nem o mesmo é devido à Autora que não demonstra ter já feito as reparações suportando o referido imposto. Assim, parece-nos carecer de fundamento a invocação da nulidade apontada à decisão.»
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª) Se a sentença é nula, por omissão de pronúncia, por nada ter sido decidido quanto ao pagamento do IVA atinente à quantia indemnizatória fixada no valor estimado de 7.950,00 €;
2.ª) Se deve ser modificada a decisão da matéria de facto quanto aos pontos 27 e 30 do elenco dos factos provados (dando-os como não provados) e quanto aos pontos 2, 3, 4 e 11 do elenco dos factos não provados (dando como provados os respetivos factos, nos termos referidos pela Apelante) e se deve ser aditado outro ponto;
3.ª) Se o Réu está obrigado a indemnizar a Autora, ainda que em quantia a liquidar, por danos patrimoniais (lucros cessantes e/ou dano de privação do uso da fração) causados pelo incumprimento pelo Réu dos deveres de conservação e manutenção de partes comuns [quanto à reparação do esgoto na prumada A, à impermeabilização do terraço de cobertura da fração e à reparação (ou alteração de localização) nos tubos de queda de águas provenientes desse terraço]. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia
A Apelante defende que a sentença recorrida é nula, invocando o disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC, por o Tribunal a quo não ter apreciado o pedido de liquidação de IVA, nada tendo decidido a esse respeito (em sentido condenatório ou absolutório), apesar de ter sido expressamente alegado na Petição Inicial e mencionado na sentença que ao valor orçamentado acresce o IVA.
O Apelado discorda, argumentando, em síntese, que: a Autora não peticionou a condenação do Réu no pagamento do IVA, tendo indicado na Petição Inicial o valor de 71.357,00 € sem IVA; porém, o Tribunal a quo, com base nos esclarecimentos prestados pelo perito, que quantificou os trabalhos no montante de 7.950,00 € acrescido de IVA, proferiu decisão de condenação, considerando que ao valor dos trabalhos a realizar acresce o IVA.
Vejamos.
Nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Trata-se de normativo legal que deve ser conjugado com o disposto no n.º 2 do art. 608.º do CPC, nos termos do qual “(O) juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
De salientar ser absolutamente pacífico que o conceito de “questões” que o juiz deve resolver na sentença, a que alude aquele normativo legal, se relaciona com a definição do âmbito do caso julgado, não abrangendo os meros raciocínios, argumentos, razões, considerações ou fundamentos (mormente alegações de factos e meios de prova) produzidos pelas partes em defesa das suas pretensões. Neste sentido, na jurisprudência, veja-se, a título exemplificativo, o acórdão do STJ de 10-01-2012, no proc. n.º 515/07.0TBAGD.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt, e o acórdão do STJ de 10-12-2020, no proc. n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1, como se alcança do respetivo sumário (disponível em www.stj.pt) com o seguinte teor: “A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes”.
Na doutrina, destacamos, pela sua clareza, a explicação de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, págs. 735-737: “Os casos das alíneas b) a e) do n.º 1 (excetuada a ininteligibilidade da parte decisória da sentença: ver o n.º 2 desta anotação) constituem, rigorosamente, situações de anulabilidade da sentença, e não de verdadeira nulidade. Respeitam eles à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação), c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronúncia) e e) (pronúncia ultra petitum). (…) Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (ver o n.º 2 da anotação ao art. 608). Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608-2), é nula a sentença em que o faça.”
Estes autores, na anotação ao art. 608.º, obra citada, págs. 712-713, clarificam que na sentença o juiz deverá responder aos pedidos deduzidos pelo autor e pelo réu reconvinte, a todos devendo sucessivamente considerar, a menos que a apreciação de um esteja prejudicada; o mesmo fará relativamente às várias causas de pedir invocadas, bem como quanto às exceções perentórias que tenham sido deduzidas pelo réu ou pelo autor reconvindo (sem prejuízo da possível inutilidade), acrescentando que resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação “não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-3) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.”
A Autora peticionou, no que ora importa, a condenação do Réu à realização das obras de reparação necessárias na fração autónoma mediante orçamento junto como doc. 8 da PI ou a indemnizar a Autora pelos danos causados em montante nunca inferior ao do orçamento apresentado (71.357,00 €).
Estamos, assim, perante pedidos alternativos, o que nos remete para a previsão do art. 553.º, n.º 1, do CPC, nos termos do qual é permitido fazer pedidos alternativos, com relação a direitos que por sua natureza ou origem sejam alternativos, ou que possam resolver-se em alternativa.
É certo que da leitura do referido doc. 8 da PI resulta que se trata de um orçamento (elaborado pela Nagyconstroi) no montante de 71.357 € sem IVA, estando aí mencionado o seguinte: “Condições Gerais 1) Os valores desta proposta serão acrescidos do IVA à taxa legal em vigor segundo o previsto na lei”. Porém, apesar disso, a Autora apenas formulou um pedido indemnizatório (alternativo) de montante não inferior ao do aludido orçamento, indicando expressamente ser de 71.357 €. Aliás, a soma desse valor com o do pedido de indemnização de 60.000 € (calculado pela Autora com base no alegado valor locativo da fração de 2.000 €/mês) perfaz o valor da causa que indicou de 131.357 €. Assim, não podemos considerar que tenha sido peticionada a condenação no pagamento da quantia atinente ao respetivo IVA, tão pouco nos parecendo que esse pedido indemnizatório alternativo seja um pedido genérico ou ilíquido, de condenação no pagamento de quantia a liquidar atinente ao custo da reparação e respetivo IVA (cf. art. 556.º do CPC).
Perante tais pedidos alternativos, o Tribunal recorrido proferiu uma condenação em alternativa, tendo decidido – bem ou mal, não importa aqui apreciar – condenar o Réu a prestar um facto, “a realizar as obras de reparação dos danos verificados no piso superior da fração autónoma da Autora (conforme facto provado nº 8, alínea a)”, e ainda, em alternativa, a pagar à Autora a quantia necessária para essa reparação, no valor “estimado” de 7.950,00 €. Ora, reconhecemos que esta expressão (“valor estimado”) enferma de uma certa ambiguidade ou obscuridade que torna difícil a compreensão do seu sentido, tanto assim que o Réu entendeu que na decisão de condenação estava incluído o valor do IVA, o que foi afastado pelo Tribunal recorrido, no despacho que proferiu ao abrigo do disposto no art. 617.º do CPC, mas sem esclarecer se a condenação respeitava a quantia a liquidar, nos temos do art. 609.º, n.º 2, do CPC, ainda passível de vir a abranger o respetivo IVA.
Num esforço interpretativo da decisão, atentámos na respetiva fundamentação, estando provado, além do mais, que: 8. Na decorrência dos aludidos problemas (ou seja, as inundações e infiltrações descritas nos pontos 4 a 7) resultaram danos na fração autónoma da Autora: a) ao nível do piso superior, as portas de madeira do quadro elétrico na entrada da fração precisam de ser substituídas, o teto reparado, assim como a sanca de madeira, pavimento e paredes na sala do hall de entrada, importando um custo global de 7.950,00 €. Na motivação da decisão de facto, o Tribunal afirmou que esse facto foi considerado provado com base no relatório pericial, sendo certo que, no relatório de esclarecimentos, o Sr. Perito, discriminando os trabalhos de reparação que necessitam de ser realizados na fração da Autora, por força dos danos verificados na perícia, referiu designadamente o seguinte:“Estima-se para esses trabalhos um custo de 17.500€ +IVA assim discriminados: a) R/C - Substituição das portas de madeira do quadro elétrico 1 250,00€ - Reparação das infiltrações no teto e sanca de madeira 4 200,00€ - Pavimento e paredes na sala do hall de entrada 2 500,00€”
Ademais, na fundamentação de direito da sentença, constam as seguintes considerações: “Dos factos provados resulta que a fracção da Autora foi afectada por infiltrações no seu andar superior, provenientes do estado danificado da impermeabilização do terraço de cobertura afecto ao uso exclusivo da fracção corresponde ao r/c A do mesmo prédio e que, junto à porta da fracção da Autora se formam largas poças de água provenientes do tubo de queda desse terraço. Ora, um terraço de cobertura assim como os tubos de queda de águas provenientes desse terraço são, manifestamente, partes comuns do edifício, nos termos do nº 1, alíneas, b) e d) do art. 1421º CC. Não se provou, contudo, que na origem da inundação por águas de esgotos ocorrida no andar inferior da fracção da Autora esteja o sistema de esgotos da prumada A do prédio ou que tal sistema estivesse em mau estado por ausência de manutenção e conservação, facto que cabia à Autora/lesada comprovar – art. 342º, nº1 CC. Está por isso afastada a responsabilidade do Réu pelos danos resultantes da inundação ocorrida no andar inferior da fracção da Autora. Quanto aos danos ocorridos em consequência das infiltrações provenientes do terraço, o fundamento da responsabilidade do Ré encontra-se no art. 493º, nº1 CC. (…) Como é sabido e resulta das regras da experiência comum, os sistemas de canalização de águas e a manutenção em bom funcionamento da sua impermeabilização, sobretudo em prédios, são dos que maior vigilância e cuidados exigem, sendo especialmente susceptíveis de sofrer e criar danos graves e de dispendiosa reparação. Para isso, deve o detentor da coisa – no caso, o condomínio, em particular o administrador a quem cabe, nos termos do art. 1436º, alínea f), realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns – informar-se e conhecer todas as circunstâncias relativas às condições em que foi e se encontra edificado o prédio, os seus equipamentos e componentes, bem como o seu funcionamento, de modo a poder exercer sobre todas as partes comuns, vigilância eficaz e adequada a prevenir a ocorrência de situações danosas. Desconhecemos qualquer acção preventiva que tenha sido desencadeada pelo condomínio para assegurar a integridade da impermeabilização do terraço ou da recolha das águas provenientes do tubo de queda nele instalado. Sendo assim, confirma-se a aplicação da previsão do art. 493º CC, na qual cabem os danos causados pela coisa, por causa indeterminada e sem prova da culpa efectiva. Verificam-se, pois, os pressupostos de ilicitude e de culpa para que, nos termos do art. 493º, nº 1, CC, o condomínio responda extracontratualmente pelos danos causados. Dos danos indemnizáveis: Para além do dever de reparação da coisa comum que está na origem dos danos, importa, por fim, determinar o âmbito da responsabilidade do Réu Condomínio e saber por que danos deve ser condenado. Em matéria de indemnização civil por danos vigora, como princípio geral, a regra da reposição ou reconstituição natural consagrada no art. 562º do CC, que se consubstancia no dever de reconstituir a situação do lesado anterior à lesão, ou seja, o dever de reposição das coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o dano (cfr. também o art. 563º do CC). Segundo o art. 564º do CC para o cálculo da indemnização, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, e na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis. Por outro lado, são indemnizáveis os danos que estejam com o facto praticado pelo agente numa relação de causalidade, de modo que se possa afirmar, à luz do direito, que o dano é resultante da conduta. A indemnização em dinheiro tem carácter excepcional ou subsidiário, tendo apenas lugar quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor - art. 566º do CC, que dispõe ainda que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal (ou seja, o momento do encerramento da discussão em primeira instância), e a que teria nessa data se não existissem danos; a indemnização tem aqui como critério básico a situação concreta do lesado que deve medir-se por uma diferença: a existente entre a situação real em que o facto deixou o lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria sem o dano sofrido, conforme resulta do disposto no art. 566º, nº 2, do CC consagrando a teoria da diferença. Pede a Autora a condenação do Réu no pagamento da quantia global € 131,357,00 euros que inclui danos emergentes e lucros cessantes que discrimina da seguinte forma: - € 71.357,00 + IVA - Referente ao valor necessário para as obras de reparação da fracção da Autora - € 60.000,00 euros referente a lucros cessantes pela impossibilidade de arrendar a terceiros a fracção danificada - e ainda em quantia a apurar em liquidação de sentença pela perda dos proveitos que a Autora poderia retirar da exploração do ginásio. Dos factos provados retira-se que a inundação por água causou os seguintes danos no piso superior do estabelecimento da Autora: - portas de madeira do quadro elétrico na entrada da fração precisam de ser substituídas, o tecto reparado, assim como a sanca de madeira, pavimento e paredes na sala do hall de entrada, importando um custo global de 7.950,00 euros; Considerando haver nexo de causalidade entre os danos causados e a deficiente impermeabilização do terraço, deve o réu ser condenado a proceder a tais reparações.”
Assim, tendo em conta a fundamentação da sentença, em que avulta a circunstância de se ter dado como provado que a reparação dos danos no piso superior importa um custo global de 7.950,00 €, e apenas ter sido afirmado que o Réu deve ser condenado à reparação das partes comuns que deram origem aos danos no piso superior da fração (causados pelas infiltrações provenientes do terraço), bem como às obras de reparação desses mesmos danos, parece-nos que a referência final ao pagamento do valor estimado dessa reparação se mostra inócua e que se deverá entender que o Tribunal recorrido decidiu condenar o Réu a realizar as obras de reparação dos danos verificados no piso superior da fração autónoma da Autora [conforme facto provado nº 8, alínea a)] ou a pagar-lhe a quantia necessária para essa reparação, no valor global (ainda que estimado pelo Sr. Perito) de 7.950,00 €, que foi o apurado e vertido no ponto 8. do elenco dos factos provados, sem considerar o IVA.
Daí que, em caso de incumprimento do determinado (na condenação alternativa), se o Réu não realizar as obras de reparação dos danos no piso superior da fração descritos no ponto 8., al. a) do elenco dos factos provados, nem pagar a quantia indicada, a Autora poderá optar entre: (i) instaurar uma execução para prestação de facto, requerendo a prestação desse facto por outrem, por se tratar de prestação de facto fungível (cf. art. 868.º, n.º 1, do CPC); ou (ii) instaurar uma execução para pagamento de quantia certa do referido montante (e não de uma quantia a liquidar, passível de incluir o IVA).
Em suma, nem a Autora formulou a este respeito um pedido genérico, nem o Tribunal decidiu condenar o Réu no pagamento de quantia a liquidar, antes decidiu condenar o Réu no pagamento da quantia indemnizatória no montante indicado de 7.950 €.
Resta saber se, ao assim decidir, desconsiderou, não o pedido, mas a causa de pedir, face à alegação que havia sido feita, daí resultando que o acréscimo do IVA seria uma espécie de dano adicional.
Sendo o IVA um imposto que incide, no que ora importa, sobre as transmissões de bens e as prestações de serviços, sendo devido sempre que um produto é vendido ou um serviço é prestado, e nada indicando, antes os factos alegados (e provados) e face à decisão proferida, que a Autora tenha, como consumidor final, suportado o custo de bens e/ou serviços atinentes à reparação dos aludidos danos ou que previsivelmente virá a suportar o IVA do montante indicado de 7.950 €, entendemos que inexiste suporte factual para uma tal verba, não estando a causa de pedir integrada por quaisquer factos a esse propósito.
Logo, não havia que conhecer dessa questão, não se podendo considerar que tenha sido omitido pronúncia sobre a questão da liquidação do respetivo IVA, já que nada consta a esse respeito do pedido formulado e da respetiva causa de pedir, pelo que não se verifica a invocada causa de nulidade da sentença. Dos Factos
Na sentença foram considerados provados os seguintes factos (assinalámos com asterisco os pontos impugnados):
1. A aquisição por compra da fração autónoma designada pelas letras “CA” do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, sito em Carnide, na Rua Maria Veleda ... e na Rua Adelaide Cabete, ..., em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o número 416, da freguesia de Carnide e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 487, encontra-se inscrita a favor da Autora através da Ap 8 1990/07/10.
2. Essa fração é composta por ginásio situado na cave e sub-cave com 10 compartimentos e dois balneários, com entrada pela Rua Adelaide Cabete.
3. É administradora do condomínio do prédio a empresa ...AA Gestão Imobiliária, Unipessoal Lda. - , a quem foram, como tal, conferidos, entre outros, todos os poderes de gestão administrativa e financeira do condomínio, bem como de manutenção dos espaços comuns e equipamentos.
4. A fração da Autora encontra-se deteriorada em função da ocorrência de inundações por água de esgoto e infiltrações de água.
5. A situação em causa origina problemas de salubridade, potenciando o aparecimento de pragas de bichos como baratas e de fungos provocados pela humidade.
6. A fração apresentava um cheiro intenso e nauseabundo, proveniente da água de esgoto.
7. As infiltrações detetadas no piso superior da fração da Autora provêm do terraço de cobertura afeto ao uso exclusivo da fração correspondente ao R/C A.
8. Na decorrência dos aludidos problemas resultaram danos na fração autónoma da Autora:
a) ao nível do piso superior, as portas de madeira do quadro elétrico na entrada da fração precisam de ser substituídas, o teto reparado, assim como a sanca de madeira, pavimento e paredes na sala do hall de entrada, importando um custo global de 7.950,00 euros;
b) ao nível do piso inferior, as tampas das caixas de esgotos existentes nos vestiários e balneários Homens precisam de ser substituídas para que fiquem bem isoladas e de fácil manuseamento; o pavimento vinílico da sala dos varões, que apresenta descolagem de juntas, precisa de ser reparado assim como as paredes a vermelho no acesso à cave, substituição do pavimento de madeira na sala central precisa de ser substituído, importando um custo global de 9.550,00 euros.
9. A Autora interpelou a empresa administradora do prédio, ...AA Gestão Imobiliária, Unipessoal Lda. - , para que esta, no âmbito dos poderes e deveres que lhe estão conferidos legalmente, e pela Assembleia de Condóminos, assumisse as diligências necessárias para fazer cessar a situação e reparar os danos provocados na fração autónoma da Autora.
10. A Autora contactou também diretamente a Câmara Municipal de Lisboa, tendo apresentado a competente queixa e solicitado um pedido de vistoria ao local.
11. Após realização de vistoria ao imóvel pelo Engenheiro Civil CC, da CML, este enviou à Ré em 26-02-2021 uma comunicação com o seguinte teor: “Exma Sr.ª AA Dirijo-me a si na qualidade de gerente da empresa de Gestão do Condomínio do edifício referenciado. Existindo queixa da proprietária da fracção Ginásio da Rua Adelaide Cabete 6, nomeadamente com refluxo de esgoto doméstico na sub-cave, foi efectuado vistoria ao espaço. Confirmou-se existência de entupimento no esgoto doméstico ao nível da sub-cave, com consequências graves na salubridade do espaço, impeditivas do seu uso. Considerando tratar-se de esgotos enterrados, configurando à partida parte comum do edifício, desta forma responsabilidade igualmente comum na solução/reparação desta infra-estrutura, questiona-se que medidas foram tomadas por essa Administração, a fim de informar superiormente o estado desta anomalia. Agradecemos resposta urgente “.
12. A Autora solicitou orçamento junto da sociedade Nagyconstroi – Sociedade de Construção Lda., para realizar obras na fração, tendo-lhe sido apresentada em 11-06-2021 a proposta 23/2021:
1. TRABALHOS PRELIMINARES:
1.1 Montagem de Estaleiro e deslocação de equipamentos – 2.235.00 euros
1.2 Manutenção de Estaleiro – 2.980,00 euros
2. REMOÇÕES, DEMOLIÇÕES E TRATAMENTO DOS SUBPAVIMENTOS:
2.1 Remoção de pavimentos e todos os materiais que se encontram deteriorados, incluindo transporte a vazadouro licenciado – 9.144,96 euros.
2.2 Limpeza e remoção de uma parte do sub-pavimento na área mais afetada pela contaminação dos esgotos, incluindo a descontaminação das bases dos pavimentos com tratamento biocida – 15.928,85 euros.
3. SALA PRINCIPAL (ANTIGO SQUASH):
3.1 Impermeabilização de pavimentos da sala de dança com 2 demãos de tela líquida da CIN, argamassa estanque refª 17-670 – 2.789,28 euros
3.2 Aplicação de camada de espuma em rolo com 1cm de espessura para apoiar simplesmente os sarrafos sem danificar a impermeabilização – 371,90 euros.
3.3 Execução de soalho maciço de carvalho incluindo sarrafos simplesmente apoiados sobre a espuma – 7.438,08 euros.
3.4 Afagamento e envernizamento de soalho maciço de carvalho, com verniz mate de base aquosa da marca CIN ou equivalente – 1.859,52 euros.
3.5 Fornecimento e montagem de rodapé em madeira de carvalho com 2cm de espessura e 10cm de altura, envernizado – 721,91 euros.
4. CORREDOR CAVE E ZONAS ANEXAS:
4.1 Impermeabilização de pavimentos da sala de dança com 2 demãos de tela líquida da CIN, argamassa estanque refª 17-670 – 3.082,47 euros.
4.2 Fornecimento e montagem de pavimento vinílico em lamelas do tipo artens Old XL Forte – 3.995,24 euros.
4.3 Fornecimento e montagem de rodapé em madeira de carvalho com 2cm de espessura e 10cm de altura, envernizado – 1.163,99 euros.
5. VESTIÁRIOS:
5.1 Interseção e tratamento da prumada principal de esgoto existente, incluindo novo isolamento acústico – 4.527,59 euros.
6. SALA INTERIOR:
6.1 Impermeabilização de pavimentos da sala de dança com 2 demãos de tela líquida da CIN, argamassa estanque refª 17-670 – 1.446,34 euros.
6.2 Fornecimento e montagem de pavimento vinílico em lamelas do tipo artens Old XL Forte – 1.691,60 euros.
6.3 Fornecimento e montagem de rodapé em madeira de carvalho com 2cm de espessura e 10cm de altura, envernizado – 491,70 euros.
7. INSTALAÇÕES ELÉCTRICAS:
7.1 Revisão de todo o sistema eléctrico ao nível do piso da cave – 2.548,78 euros
7.2 Apoio de construção civil para os trabalhos de electricidade – 849,30 euros.
8. PINTURAS E LIMPEZAS:
8.1 Reparação e pintura das paredes de todos os compartimentos da cave, incluindo paredes e tectos – 5.960,00 euros.
8.2 Execução das limpezas finais – 2.130,49 euros.
No valor global de € 71.357,00 (setenta e um mil, trezentos e cinquenta e sete euros), acrescido de IVA.
13. Em 02-07-2021, a Autora endereçou à Administração do Réu uma comunicação eletrónica, pretendendo que fosse redigido, conjuntamente, um memorando de entendimento no qual as partes se vinculassem e acordassem soluções para corrigir o problema dos esgotos enterrados da prumada A do prédio e das colunas de água provenientes das floreiras do terraço do R/C A.
14. Em 16-03-2022 a Autora voltou a interpelar a Administração do Réu, enviando-lhe missiva com o seguinte teor: “Exmos. Srs., Na qualidade de proprietária da fracção autónoma designada pelas letras “CA”, composta por ginásio, sito na cave e sub-cave, com entrada pela Rua Adelaide Cabete, do prédio urbano sito em Carnide, na Rua Maria Veleda ... e na Rua Adelaide Cabete, ..., em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o número 416, da freguesia de Carnide, concelho e distrito de Lisboa e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 487, da dita freguesia, cujo condomínio é administrado por parte de V. Exas., vimos pela presente missiva solicitar a v/ melhor atenção para o assunto que passamos a expor. Não obstante as n/ anteriores comunicações e solicitações, constatamos que, na presente data, se mantêm por solucionar as obras urgentes a realizar nas partes comuns do prédio urbano supra descrito, concernentes à reparação do esgoto enterrado da prumada A, bem como à reparação do terraço de cobertura, com vista a cessar as infiltrações de água no tecto do piso superior da n/ fracção autonóma provenientes do mesmo. Constatamos ainda que se mantêm por solucionar as obras de reparação (ou alteração de localização) nos tubos de queda de águas provenientes do mesmo terraço, que formam largas poças de água parada e suja junto à porta de entrada do n/ ginásio. Com efeito, conforme é do conhecimento de V. Exas., a ausência de reparação do esgoto enterrado da prumada A do prédio urbano em apreço provocou inundações e infiltrações frequentes com água de esgoto na fracção autónoma de que somos proprietários, circunstância que destruiu todo o pavimento de madeira e de quadrados de linóleo no piso inferior da n/ fracção autonóma, respectivas paredes, instalação eléctrica, portas e ombreiras de portas. (...)
15. Por último, foi dirigida nova comunicação à Administração do Réu, em 09-05-2022, por intermédio dos mandatários da Autora, na qual foi conferido o prazo de 10 dias para iniciar as obras necessárias nas partes comuns e, bem assim, as obras de reparação integral dos prejuízos existentes na fração autónoma da Autora.
16. Formam-se largas poças de água parada junto à porta da fração da Autora provenientes de um dos tubos de queda de águas do terraço do R/C A.
17. Em face das condições do espaço, a Autora não consegue retirar qualquer proveito do mesmo, através da sua exploração direta ou da sua locação a terceiros.
18. O Réu Condomínio é composto por 68 frações autónomas de habitação e uma fração autónoma comercial (a fração “CA”).
19. A fração “CA” fica nas traseiras do imóvel, pelo que o respetivo acesso se faz pela Rua Adelaide Cabete, ....
20. O objeto social da sociedade Autora consiste na “Prestação de serviços e o exercício da atividade de consultadoria e gestão em conexão com qualquer tipo de atividade comercial ou industrial designadamente as ligadas à construção civil.”
21. Há mais de dez anos que não funciona qualquer ginásio na fração autónoma CA.
22. Nos anos de 2013/2014, foi explorado naquele espaço um estabelecimento comercial designado por “Casa das Máscaras”.
23. Segundo o site www.casadasmascaras.pt “A Casa das Máscaras nasceu na sequência dos dois últimos projetos de FF, e sus muchachos, o Círculo de Dança de Lisboa, e o Teatro da Luz. `Concebidos por quem gosta de dançar para quem gosta de dançar´, este novo projeto agora reclama juntar ao prazer da dança todos os outros prazeres.”.
24. No final do ano de 2016 ocorreu um sinistro na fração autónoma da Autora que teve origem no entupimento da prumada de esgotos ao nível do estacionamento da cave (piso -2).
25. Este sinistro foi participado à seguradora do Condomínio Réu, a Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., que apurou os danos no piso e paredes da “Sala de Dança” e pagou uma indemnização à Autora no valor de 7.613,87 €.
26. No final do mês de janeiro de 2021, a Autora reportou à administração do Réu uma inundação proveniente de entupimento do esgoto enterrado da prumada A.
*27. Nesse período foi verificada a existência de uma rotura exterior ao prédio, ao nível da rede de esgotos na via pública.
28. Ao email de 26 de fevereiro de 2021 remetido pelo senhor Eng.º CC, engenheiro civil na Câmara Municipal de Lisboa, a administração do Réu respondeu no dia 4 de março de 2021, nos seguintes termos: Exmo. Senhor Engenheiro, Na sequência do Vosso email, que desde já muito agradecemos e que mereceu a nossa melhor atenção, fizemos deslocar ao local o Senhor GG – engenheiro civil – para que verificasse a situação. Verificou-se uma situação que era desconhecida da proprietária do espaço, de cerca de 4 centimetros de água numa das divisões e o soalho levantado. Dado que nesse mesmo dia se verificava mau cheiro mesmo na zona das instalações da PT, chamámos a empresa de desentupimentos que constatou que o problema não era das nossas caixas. Foram chamados os serviços da CML que aferiu o entupimento do colector geral da rua e no dia seguinte enviaram a equipe técnica tendo comunicado que a manilha da via publica estava partida e tal provocou o mau cheiro e enchimento das nossas caixas que acabaram por inundar o ginásio. Apesar de ter sido feita a participação ao nosso seguro, consideramos que este sinistro é da responsabilidade da CML pelo que agradecemos que verifiquem esta situação e estamos ao inteiro dispor para os esclarecimentos necessários. Entretanto será necessário mandar efectuar a limpeza dos espaço pelo que agradeço informe como pretendem fazer dado que o mesmo tinha sido limpo pelo condomínio há cerca de 3 semanas.
29. No dia 4 de março de 2021, a administração do Réu reportou por escrito a ocorrência à Câmara Municipal de Lisboa enviando email com o seguinte teor: “Exmos Senhores , Somos Administradores do prédio supra citado. Na passada segunda feira dia 1 de Março houve um entupimento nas condutas de esgotos do prédio com danos na fração CA que dá para a Rua Adelaide Cabete nº 6 ( na parte de trás do prédio ). Acontece que se verificou que havia um refluxo das aguas dos esgotos vindo do exterior. Contactámos a CML que se deslocou ontem ao local, ontem, e através de filmagem verificou-se haver qualquer problema na canalização exterior pelo que iriam ainda esta semana abrir uma vala para reparação na rua pois existem suspeitas de haver alguma manilha partida. A razão desta reclamação é no sentido de reportar danos graves na fração CA que a confirmar-se a situação exposta anteriormente deverão ser da responsabilidade da CML”.
*30. A rotura verificada obrigou à realização de obras na via pública por parte da Câmara Municipal de Lisboa, designadamente, a substituição das manilhas da rede de esgotos.
31. A administração do Réu fez a devida participação do sinistro à Companhia de Seguros Zurich, enquanto seguradora do Condomínio, cfr. DOC. 7.
32. Nesse seguimento, no dia 10 de março de 2021 foi realizada a vistoria ao local pela UON Consulting – Departamento de Regularização de Sinistros.
33. O perito nomeado pela seguradora solicitou a apresentação de um conjunto de elementos, entre os quais “Orçamento Reparação/Substituição/Reconstrução devidamente discriminado por trabalhos”.
34. Por carta de 19 de abril de 2021, a administração do Réu insistiu junto da Autora pelo envio do orçamento solicitado pelo perito.
35. No dia 30 de abril de 2021, a Companhia de Seguros Zurich comunicou à administração do Réu o encerramento do processo, por ausência dos elementos solicitados pelos peritos.
36. No dia 20 de outubro de 2021, a Autora, através da senhora FF, enviou à administração do Réu o orçamento correspondente à proposta 23/2021, datada de 11-06-2021 e solicitou a reabertura do sinistro.
37. Depois de receber o mencionado orçamento, e dado o seu valor elevado, no dia 9 de novembro de 2021, em resposta àquele e-mail, a administração do Réu solicitou à Autora, através da senhora FF, cópia das faturas dos trabalhos realizados após o sinistro de 2016 e que tinham sido indemnizados pela Companhia de Seguros Allianz.
38. Em outubro de 2021, a Autora reportou à administração do Réu uma infiltração no teto da sua fração.
39. Ao longo de todo o terraço de cobertura das garagens e da fração autónoma da Autora existe uma floreira.
40. A fração autónoma da Autora fica por baixo de um terraço cujo uso exclusivo pertence ao proprietário do R/C A e que se encontra desabitada.
41. Após a comunicação da Autora, a administração do Réu participou à Companhia de Seguros Zurich a verificação daquela ocorrência, cfr. e-mail que se junta como DOC. 14 e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
42. Que realizou uma vistoria no dia 27 de outubro de 2021.
43. Nesse seguimento, de acordo com as indicações dadas pelo perito da companhia e com o acordo da senhora FF – sócia da Autora –, foram realizados diversos testes de despistagem, em dias diferentes, designadamente: - leitura do contador da água fração autónoma correspondente ao R/C A durante 24 horas, que não revelou qualquer consumo, o que afastou a hipótese de fuga de água; - enchimento com água das floreiras do terraço com uso exclusivo do R/C A e confirmação com a senhora FF de que não apareceu água no interior da fracção autónoma “CA”; - enchimento com água do terraço com água e confirmação com a senhora FF de que não apareceu água no interior da fração com água “CA”.
44. Posteriormente a estes testes de despistagem, ainda choveu nos dias seguinte e não apareceu qualquer água no interior da fração autónoma “CA”.
45. O perito da companhia de seguros solicitou o envio, entre outros elementos, dum “Orçamento/Reparação/Substituição/Reconstrução devidamente discriminado por trabalhos e quantidades” para os danos causados pela infiltração.
46. No dia 25 de novembro de 2021, a administração do Réu enviou à Autora uma carta insistindo pelo envio do orçamento para reparação de danos na fração.
47. Por e-mail datado de 27 de novembro de 2021, e com referência ao processo de sinistro n.º 008814070, a Companhia de Seguros Zurich comunicou à administração do Réu que “Na ausência dos elementos solicitados pelos peritos designados, e não tendo outros elementos, informamos que iremos encerrar o processo de sinistro.”.
48. Em 10 de janeiro de 2022, a administração do Réu enviou à Autora uma carta com o seguinte teor: “Vimos informar em relação ao processo acima referido foi o mesmo encerrado em virtude de não se ter determinado a origem da infiltração reportada na sua fracção. Como demos conhecimento a V.Exas, foram feitas várias pesquisas relativas à fracção R/C A , floreiras e terraço superior sem resultados conclusivos. Também acresce o facto de até à presente data V.Exas. não terem apresentado orçamento dos prejuízos relativos à vossa fracção conforme solicitado pela seguradora.”.
49. De acordo com a certidão do registo comercial da Autora a mesma desenvolve atividade com o CAE 93110, que compreende as atividades de: “exploração e gestão de qualquer tipo de instalações desportivas, que se dediquem, quer à prática de actividades físicas de competição regular, quer de recreação (com ou sem lugares sentados ou equipamento de visualização), em locais cobertos ou ao ar livre (estádios de futebol, campos de golfe e ténis, bowling, instalações de tiro, hipódromos, piscinas, pistas de atletismo, pistas de automobilismo, motocross e karting, recintos de boxe e de luta, locais de desportos de inverno, etc.). Inclui organização e gestão de manifestações desportivas, para profissionais ou amadores, por entidades com instalações próprias”.
50. Na sequência das inundações de 2016 a Autora procedeu, em 2017/2018, à substituição de parte do pavimento em madeira da fracção. , vem proceder à junção de troca de correspondência relativa aos trabalhos a realizar (sic).
Na sentença foram considerados não provados os seguintes factos (assinalámos com asterisco os pontos impugnados):
1. A Autora desenvolve a sua atividade comercial, explorando um ginásio, na fração autónoma supra identificada.
*2. Desde meados de dezembro de 2019, que a Autora começou a detetar problemas na sua fração provocados por infiltrações e a encetar comunicações com o Réu sendo que, entretanto, em virtude da pandemia provocada pela Covid, ficaram sem grande desenvolvimento.
*3. Os problemas existentes na subcave da fração têm origem nas inundações sucessivas provocadas pelo esgoto enterrado da prumada A do prédio que ocorrem pelo menos desde 2019.
*4. Os danos provocados na subcave da fração da Autora resultam da falta de conservação e reparação pelo Réu das zonas comuns correspondentes aos esgotos enterrados da prumada A do prédio.
5. A Autora encerrou o ginásio devido às infiltrações, em dezembro de 2019.
6. Desde essa data que a Autora se encontra privada de usar e retirar qualquer vantagem económica ou outra, da fração autónoma suprarreferida, de que é proprietária, em consequência dos danos provocados na mesma, pelas inundações e infiltrações com origem nas partes comuns do prédio, os quais se mantêm e agravam até à presente data.
7. A exploração do espaço como ginásio permitiria à Autora auferir rendimentos que rondam os 8.400,00 € mês.
8. O valor locativo do imóvel, atendendo à sua localização, é de 2.000,00 €/ mês.
9. A indemnização pelos danos que a Autora reclama agora do Réu já tinha sido paga pela Companhia de Seguros Allianz Portugal, S.A., no seguimento do sinistro verificado em 2016.
10. O tubo de queda de água proveniente da floreira do terraço do R/C A existe naquele espaço e com aquela conceção desde a construção do prédio.
*11. Após a inundação de 2016 o Réu limitou-se a proceder a uma limpeza dos referidos esgotos, considerando a situação resolvida.
12. As obras realizadas na via pública pela CML foram respeitantes ao coletor de águas pluviais. Da modificação da decisão da matéria de facto
Pontos 27 e 30 do elenco dos factos provados
Foi dado como provado que:
27. Nesse período foi verificada a existência de uma rotura exterior ao prédio, ao nível da rede de esgotos na via pública.
30. A rotura verificada obrigou à realização de obras na via pública por parte da Câmara Municipal de Lisboa, designadamente, a substituição das manilhas da rede de esgotos.
Na sentença motivou-se o assim decidido referindo designadamente que: “O Tribunal fundou a sua convicção sobre os factos provados e não provados na ponderação crítica da prova apresentada que foi conjugada entre si e com as regras legais em matéria probatória assim como com as regras de experiência comum, nos termos que a seguir melhor se explicitam. (…) O facto provado com o nº 27 e 30 resultam do processo camarário cuja última entrada refere a possibilidade de existência de uma manilha de esgotos partida na via pública, sendo o processo encaminhado para o departamento competente da Câmara e não havendo quaisquer outros desenvolvimentos que sugiram que a situação voltou a ser investigada por não ter sido detectado qualquer problema com o esgoto doméstico enterrado na via pública. As testemunhas DD, perito averiguador que esteve no prédio para averiguar o sinistro reportado no inicio de 2021 e BB, porteiro do prédio em que se insere a fracção da Autora, declaram ter visto obras a decorrer na via pública, por parte da CML, declarando a última testemunha que desde a execução dessa obra por parte da CML, nunca foi registada qualquer queixa. O Réu reporta igualmente o facto constante do nº 30 que é referido no relatório de esclarecimentos apresentado pelo perito.”
A Apelante pretende que tais factos sejam considerados não provados, alegando, em síntese, que: a possibilidade da existência de uma manilha partida apenas resulta de uma comunicação da Administradora do Réu de 04-03-2021; nem no Processo Camarário nem em qualquer outro documento ou depoimento é certificada a existência de uma rotura da rede de esgotos públicos nem qual a intervenção efetuada pela CML, muito menos que a causa das infiltrações ou inundações sucessivas da fração da Autora, inclusive a de 2021, é o sistema de esgotos municipal.
O Apelado, por sua vez, defende ser acertada a decisão recorrida, invocando, designadamente: a última entrada do processo camarário junto aos autos em 10-03-2023; os factos vertidos nos pontos 28 e 29; os esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito em audiência de julgamento; o depoimento da testemunha Eng.º CC; as declarações de parte de HH; os depoimentos de DD e BB.
Apreciando.
Em primeiro lugar, importa salientar que, nos pontos ora em apreço, não consta que a causa das inundações (muito menos das infiltrações) da fração da Autora, em particular a ocorrida em 2021, resida no sistema de esgotos municipal. Apenas aí se refere a ocorrência de uma rotura exterior ao prédio, ao nível da rede de esgotos na via pública, que obrigou à realização de obras na via pública por parte da Câmara Municipal de Lisboa.
Nesse sentido apontam as comunicações da Administração do Condomínio referidas nos pontos 29 e 30, bem como a informação camarária junta aos autos em 10-03-2023, da qual consta que um tal facto foi, nessa altura, referido pela Administração do Condomínio, justificando, na ótica do Engenheiro CC - funcionário do Departamento de Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa, que foi ouvido como testemunha, dando conta da realização da vistoria solicitada pela Autora -, que o assunto fosse submetido à apreciação do Departamento de Saneamento, sendo certo que, no depoimento prestado, o Engenheiro CC referiu ter ideia que, na altura, estavam a ser feitas verificações na rua por parte do Departamento de Esgotos.
Também HH, legal representante da sociedade que desempenha as funções de Administração do Condomínio Réu, nas declarações prestadas, deu conta desta ocorrência, de forma de forma que se nos afigurou segura e merecedora de credibilidade, referindo que nessa altura, em 2021, os Bombeiros foram chamados ao local, tendo lá ido também o Engenheiro GG (entretanto falecido), o qual indicou que o problema tinha origem exterior, numa rotura e abatimentos de manilhas na rua; descreveu a abertura de buraco na rua e a realização de trabalhos no local durante cerca de um mês.
A testemunha BB, apesar das dificuldades no domínio da língua portuguesa, também deu conta dessa ocorrência, de forma inequívoca, referindo designadamente que: “(…) Nós chamámos o Desentope e eles não conseguiram desentupir porque o problema foi porque por fora também estava entupido, na parte de fora do prédio, o que já tem a ver com a Câmara, não é? Acho eu. Era fora do prédio, e depois fizeram obras, a Câmara, ali. Veio, da Câmara, um camião que aspira tudo e acho que fizeram obra fora, porque a Câmara fizeram qualquer coisa ali que estava danificada não sei quê, qualquer coisa. Depois fizeram obra e penso que foi lá – como é que se chama? – aquele trator que...” (…) “Escavadora. Tiraram tudo, depois tiraram. Foi qualquer coisa entupido e se calhar por isso é que tudo já não tinha saída do nosso prédio para lá, pelo entupimento lá, mas isso, quem pode dizer, são as pessoas da Câmara”.
Ademais, a testemunha DD, que, sequência da participação desse sinistro (de 2021) à Seguradora Zurich, realizou (por conta da UON Consulting) a vistoria da fração, conforme doc. 8 junto com a Contestação, disse ter estado na fração da Autora, em virtude do sinistro ocorrido em fev./março de 2021, tendo verificado que “havia obras da parte camarária no exterior” do prédio.
Acresce ainda que o Sr. Perito, no relatório de esclarecimentos (datado de 08-04-2024), referiu designadamente que: “(…) constam do processo diversos relatórios sobre o estado de funcionamento dos esgotos do prédio, na Cave da fração da Autora e na garagem do prédio, realizados em diversos anos [atentámos também nesses relatórios, mormente no relatório da Graucelsius junto pela Autora com o requerimento de 13-10-2022] com as seguintes conclusões: I- GRAUCELSIUS– Relatório com visita ao local e visionamento das filmagens feitas pela empresa DESENTOP, referindo que “as caixas de visita desta rede enterrada tem as tampas e quotas altimétricas mais baixas, no interior do ginásio, o que faz com que, em caso de entupimento da rede de esgotos a montante da subcave, produz a abertura das tampas das caixas dentro do ginásio e derrame dessas águas residuais do prédio. Também as caixas da rede pública da rua se encontram em quotas de nível mais elevadas e em caso de entupimento na rua também haverá um refluxo das águas residuais para dentro do ginásio, dado que estas se encontram no nível mais baixo da rede de esgotos predial e não existe no ramal de ligação á Rua válvula de retenção. (…) Em 23 de Dezembro a 14 de Janeiro de 2009, efetuaram-se filmagem com objetivo de diagnóstico do problema, um deles, entupimento da prumada vertical, que afetou o R/C e a Cave e foi possível resolver em uma semana. Um segundo problema, na zona horizontal na sub-cave que foi identificado como manilha partida. Mais tarde foi então instalada uma manga elástica pelo interior do tubo para resolver esta questão. Trabalhos adicionais de manutenção com desentupimento regulares têm mitigado este problema, no entanto o perigo de entupimentos na rede pública e refluxo dos esgotos para dentro do edifício não estão colocados fora de questão no futuro.” “(…) Em 2021 a quebra das manilhas do esgoto da CML fazendo refluxo do esgoto para as instalações da Autora, trabalho este na via pública efetuado pela divisão de esgotos da CML, mas que terá prejudicado a utilização da fração da Autora motivando até, conforme consta do processo, a insalubridade das instalações da Autora durante algum tempo, dado que em 11/07/2023 na visita ao local, o Perito não detetou quaisquer infiltrações e/ou maus cheiros.”
Nesse relatório o Sr. Perito respondeu afirmativamente à questão de saber se a ausência de realização dos trabalhos de reparação aí referidos provoca ou é suscetível de provocar sucessivas inundações (ou outros danos) na fração da Autora, acrescentando que “embora tivesse sido referido que desde 2016 e depois em 2019, não tivesse ocorrido novas inundações devido aos esgotos do prédio, tendo mesmo, conforme consta do processo, a necessidade da CM de Lisboa proceder à substituição do ramal dos esgotos no exterior do prédio em 2021, que provocaram os entupimentos que se tem vindo a referir, com o refluxo das aguas residuais para dentro do Ginásio, dado que estas se encontram num nível mais baixo da rede de esgotos predial e não existe no ramal de ligação à Rua válvula de retenção.”
Nos esclarecimentos prestados em audiência de julgamento, o Sr. Perito reiterou estas explicações, apontando como causa mais provável de quaisquer inundações na fração a existência de entupimentos na canalização de esgotos do prédio, devido à presença de materiais como plásticos, panos, pensos, levando a que as águas do esgoto acabem por sair através das tampas de esgoto existentes na fração, ao nível da subcave. Para evitar este problema, indicou a necessidade de limpeza e manutenção regulares que, segundo sabe, tem vindo a ser efetuada, até por não ter conhecimento de que, após a ocorrência de 2016, isso tenha voltado a suceder. Também referiu que, estando as caixas de esgoto em cota inferior à canalização do sistema de esgotos público, havendo na tubagem exterior ao prédio um entupimento e não tendo sido instalada uma válvula de retenção, as águas de esgoto do prédio voltam para trás, saindo pelas tampas de esgoto existentes na fração da Autora, ao nível da subcave. Das suas declarações resultou que isso poderá ter acontecido em 2021, provocando a referida inundação, atenta a abertura de um buraco na rua aquando da realização de trabalhos pela Câmara Municipal, que terá danificado a tubagem exterior.
De referir, por último, que no referido relatório da Graucelsius constam as seguintes conclusões: “Como se pode concluir o estado de degradação das manilhas de grés pode ter levado á infiltração de aguas pelo interior dos pavimentos. Também problemas de entupimento quer a jusante dos tubos nas tubagens da Garagem quer na rede publica poderão ter também originado a que as aguas transbordem pelas tampas das caixas de vista da rede predial existentes no Ginásio. Parte do problemas foram resolvidas com reparações de tubos na Cave e instalação duma manga no interior da tubagem partida na Sub-Cave. Como medida de resolução definitiva recomendamos a instalação duma válvula de retenção no ramal de ligação á Rua. Deverá ser mantido o contrato de manutenção preventiva com desentupimentos e inspecções regulares.”
Tudo ponderado, ficámos convencidos da ocorrência dos factos descritos, não se descortinando nenhum erro de julgamento a este respeito.
Ponto 2 do elenco dos factos não provados
Na sentença foi considerado não provado que: 2. Desde meados de dezembro de 2019, que a Autora começou a detetar problemas na sua fração provocados por infiltrações e a encetar comunicações com o Réu sendo que, entretanto, em virtude da pandemia provocada pela Covid, ficaram sem grande desenvolvimento.
Na sentença motivou-se o assim decidido referindo designadamente que: “No que diz respeito aos factos não provados o Tribunal desenvolveu os seguintes raciocínios: (…) Da prova apresentada pela Autora decorre que as reclamações da Autora por problemas relacionados com o funcionamento dos esgotos enterrados da prumada A vêm de data anterior a 2016 e mantêm-se ao longo dos anos. Não obstante, a Autora foi indemnizada pela Seguradora do Condomínio pelos danos ocorridos na fracção em 2016, encontrando-se aqui em causa aqueles que foram reportados em Janeiro de 2021, pois as comunicações juntas com a resposta à contestação não referem qualquer sinistro concreto, nem circunstanciam qualquer inundação ocorrida na fracção, declarando a Autora pretender que o Réu fizesse obras de reparação da própria prumada que entende não estar em boas condições de funcionamento. Do documento junto aos autos pela Autora com a resposta à contestação – relatório da Graucelsius – são mencionados problemas relacionados com a rede de esgotos enterrado do prédio que se situam nos anos de 2008 e 2009 referindo-se também a obras levadas a cabo pelo condomínio para resolver a situação - reparações de tubos na Cave e instalação duma manga no interior da tubagem partida na Sub-Cave, que resolveram parte dos problemas - terminando o relatório por recomendar, como medida de resolução definitiva, a instalação duma válvula de retenção no ramal de ligação á Rua e a manutenção do contrato de manutenção preventiva com desentupimentos e inspecções regulares. Não há quaisquer meios de prova que atestem que o Réu não faz inspecções e manutenções regulares ao sistema de esgotos do prédio, tendo a testemunha BB, porteiro, declarado que faz a inspecção mensal das caixas de esgoto do prédio desde antes de 2021 e constando do relatório pericial a existência de indícios de obras de substituição de parte das tubagens de grés, mais antigas, por outras de pvc. Com base em tais meios de prova o tribunal considerou não provados os factos NP2, NP3, NP4 e NP11.”
A Apelante pretende que seja eliminado este ponto do elenco dos factos não provados e que seja dado como provado que: “Pelo menos desde janeiro de 2018, que a Autora começou a detetar problemas na sua fração provocados por infiltrações ou inundações e a encetar comunicações com o Réu”.
Invocou, para tanto e em síntese:
- o documento 3 junto à Resposta à Contestação, do qual, segundo diz, resulta que em 15-01-2018, a Autora informou o Réu que aguardava o agendamento da reunião que antes havia solicitado pelo motivo da falta de realização da obra de reparação do esgoto enterrado da prumada A, bem como uma declaração (alegadamente confessória) do Réu no sentido de que, à data de janeiro de 2018, entendia desnecessária a realização de tais trabalhos;
- o documento junto 4 junto à mesma Resposta, afirmando resultar do mesmo que, em 15-01-2020, a Autora fez uma denúncia junto da Câmara Municipal de Lisboa, que, por seu turno, contactou o Réu para reforçar a necessidade de realização de obras nos esgotos;
- o documento 5 junto à mesma Resposta, do qual, em seu entender, resulta que a Autora, em 19-10-2021, fez uma participação junto da Polícia Municipal, queixando-se de infiltrações no piso inferior vindas de ligações de esgotos do referido prédio.
O Apelado, por sua vez, considera que o facto em apreço não se provou, nem os factos vertidos nos pontos 3, 4 e 11, já que não foi produzida prova a esse respeito, resultando das declarações de parte do Administrador do Condomínio e do depoimento da testemunha BB que o Condomínio fazia (e faz) a manutenção regular do sistema de esgotos do prédio, resultando ainda do relatório pericial elaborado pelo Sr. Perito evidências de obras para substituição de parte das tubagens de grés mais antigas por outras em PVC.
Vejamos.
Atentámos nos documentos indicados pela Apelante, bem como nos demais documentos juntos aos autos, e ainda no relatório pericial e nos depoimentos prestados em audiência de julgamento, sendo evidente, desde já o adiantamos, a falta de razão que assiste à Autora neste particular, estando a confundir os problemas em causa.
Com efeito, na Petição Inicial, a Autora alegou, como causa de pedir, diferentes ocorrências na sua fração, composta por “ginásio, situado na cave e sub-cave com 10 compartimentos e dois balneários” (cf. certidão do registo predial junta com a PI): por um lado, inundações de águas de esgoto no piso da subcave, devido ao mau estado de conservação da rede de esgotos enterrados da prumada A; por outro lado, infiltrações de água ao nível da cave, provenientes do terraço da cobertura da fração situado por cima da mesma.
O ponto 2 em apreço corresponde à matéria de facto vertida no art. 4.º da PI, em que foi expressamente alegado que, desde meados de 2019, a Autora começou a detetar problemas na sua fração provocados por infiltrações e a encetar comunicações com o Réu, que, em virtude da pandemia da Covid, ficaram sem grande desenvolvimento. Portanto, aí referiu-se, apenas e só, a infiltrações ao nível da cave da fração (alegadamente) ocorridas desde meados de 2019. Assim, e considerando também a matéria de facto vertida nos pontos 3 e 4, é óbvio que não tem nenhum cabimento incluir, neste ponto, a factualidade atinente às inundações na subcave da fração.
Quanto às infiltrações, está provada, é certo, a existência das mesmas, bem como a interpelação feita pela Autora ao Réu no sentido de resolver o problema, nos termos referidos nos pontos 4, 7, 9 e 14. Aliás, no doc. 12 junto pela Autora com o requerimento/resposta de 13-10-2022 é descrita uma ocorrência verificada pelo Regimento de Sapadores Bombeiros da Câmara Municipal de Lisboa, datada de 19-10-2021, nos seguintes termos: “Verifiquei tratar-se de águas provenientes de um terraço, possivelmente de floreiras aí existentes, pertencente ao n.º 3 r/c da rua Maria Veleda. No local compareceu a Polícia Municipal, tendo ficado responsável pelo serviço”. Também nessa data foi elaborado o relatório da ocorrência por agente da Polícia Municipal (doc. 5 junto com o referido requerimento).
Porém, constatamos que nenhuma prova documental (ou outra) foi produzida no sentido de tais infiltrações terem sido detetadas desde meados de dezembro de 2019, muito menos desde janeiro de 2018, e/ou que a esse respeito tenha a Autora encetado outras comunicações com o Réu. Na verdade, nos documentos indicados pela Autora apenas é feita referência a inundações causadas pela canalização do esgoto do prédio.
Se porventura se entendesse que no ponto em apreço também cabiam tais inundações, improcederiam igualmente as conclusões da alegação de recurso, pelas razões adiante referidas, na análise dos pontos 3 e 4 e para as quais, por economia, remetemos.
Assim, não se verifica o invocado erro de julgamento, mantendo-se inalterada a decisão da matéria de facto neste particular.
Ponto 3 do elenco dos factos não provados
Na sentença foi considerado não provado que: 3. Os problemas existentes na subcave da fração têm origem nas inundações sucessivas provocadas pelo esgoto enterrado da prumada A do prédio que ocorrem pelo menos desde 2019.
Na sentença motivou-se o assim decidido referindo, além da passagem acima citada, designadamente que: “No que concerne especialmente ao NP3, o tribunal baseou-se no relatório pericial que refere não existir dano ou entupimento da prumada de esgotos do prédio na origem da inundação reportada em 2021. Com efeito, resulta especialmente dos esclarecimentos prestados pelo perito que analisou os documentos juntos pela Autora (relatório de video e relatório da Graucelsius) que este conclui que a inundação a que se reportam os autos não foi causada pelos esgotos do prédio embora haja antecedentes de infiltrações com essa causa, nomeadamente, a de 2016 referindo que, conforme consta do processo, houve a necessidade da CM de Lisboa proceder à substituição do ramal dos esgotos no exterior do prédio em 2021, que provocaram os entupimentos que se tem vindo a referir, com o refluxo das aguas residuais para dentro do Ginásio, dado que estas se encontram num nível mais baixo da rede de esgotos predial e não existe no ramal de ligação à Rua válvula de retenção. Não foram apresentados quaisquer meios de prova que permitam afastar as conclusões da perícia.”
A Apelante pretende que se elimine o ponto 3 do elenco dos factos provados e que seja dado como provado que: “Os problemas existentes na subcave da fração têm origem nas inundações sucessivas ou infiltrações provocadas pelo esgoto enterrado com ligação à Prumada A do prédio que ocorrem pelo menos desde o início de 2018”.
Invocou, para tanto e em síntese: os documentos 3, 4, 5, 6 e 10 juntos à Resposta à Contestação; o doc. 1 (que a Apelante considera ser uma declaração confessória) junto com o requerimento da Autora de 09-12-2022; o relatório da Smart Researches junto aos autos pela Autora com o requerimento de 05-09-2023; as comunicações enviadas pelo Eng.º CC juntas ao processo camarário; as declarações do Sr. Perito do Tribunal (que, no entender da Autora, devem ser desvalorizadas) e os depoimentos das testemunhas CC e DD; considera que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao valorar o relatório pericial e os esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito, em prejuízo de toda a restante prova produzida de valor equivalente, sobretudo os relatórios das empresa da especialidade (Desentop Ambiente e Smart Researches) e a prova testemunhal.
Vejamos.
O facto em apreço corresponde às alegações feitas nos artigos 6.º, 1.ª parte, 9.º, 1.ª parte, e 52.º da PI, dizendo respeito (apenas) a alegadas inundações na subcave da fração, provenientes da conduta de esgotos enterrada na prumada A do prédio e verificadas, pelo menos, desde dezembro de 2019. Assim, é inaceitável que a Apelante venha “misturar” ou confundir os problemas, como se fosse indiferente falar de inundações de esgoto na subcave ou de infiltrações de água (pluvial ou de rega das floreiras do terraço) na cave da fração, tanto mais quando não alegou, nem resulta de qualquer meio de prova, que estas últimas (infiltrações) tenham alastrado ao piso da subcave.
Quedou provado, no que ora importa, que a fração da Autora se encontra deteriorada em função da ocorrência de inundações por água de esgoto (cf. ponto 4) e que daí resultaram danos na fração da Autora, designadamente que, ao nível do piso inferior, as tampas das caixas de esgotos existentes nos vestiários e balneários Homens precisam de ser substituídas para que fiquem bem isoladas e de fácil manuseamento; o pavimento vinílico da sala dos varões, que apresenta descolagem de juntas, precisa de ser reparado, assim como as paredes a vermelho no acesso à cave, e ainda que precisa de ser substituído o pavimento de madeira na sala central, tudo isso importando um custo global de 9.550,00 € (cf. ponto 8).
Porém, quanto ao momento em que aconteceram as concretas inundações que causaram tais danos, desde já adiantamos que, do conjunto da prova produzida, analisada conjugada e criticamente, não resulta que tenham ocorrido sucessivas inundações desde 2019 provocadas pelo mau estado de conservação da conduta do esgoto enterrado da prumada A do prédio.
Na verdade, após a inundação de 2016 (cf. pontos 24 e 25 – a qual não integra a causa de pedir da presente ação), os elementos probatórios carreados para os autos apenas permitem considerar demonstrada a ocorrência de uma inundação em 2021, no período em que foi verificada a existência de uma rotura exterior ao prédio, ao nível da rede de esgotos na via pública, não havendo notícia de que, em qualquer outra ocasião, tenha sido necessário solicitar a intervenção de uma empresa (ou dos Bombeiros) para resolver um problema de entupimento da canalização de esgotos do prédio que tenha originado uma inundação na fração da Autora.
De salientar que, no relatório de esclarecimentos, o Sr. Perito refere que as inundações na fração da Autora terão ocorrido ao longo do tempo, em 2008, 2009, 2016 e 2021, com a intervenção de, pelo menos, duas companhias de seguros, sem orçamentos detalhados dos estragos, não lhe sendo possível, em julho de 2023, fazer o levantamento dessas patologias. No relatório pericial, à questão de saber se existe entupimento ou dano no esgoto presente na prumada A, o Sr. Perito respondeu que: “Não se verificou qualquer entupimento/dano no esgoto na prumada A, na sequência da abertura das caixas de esgoto no pavimento das instalações sanitárias/vestiários Homens, com ligação às caixas de esgoto existentes no piso de estacionamento da cave ( -2 ) do prédio.”, o que corroborou na relatório de esclarecimentos e nas declarações que prestou em audiência de julgamento. Além disso, embora referindo no relatório terem existido “antecedentes que conduziram há anos a deficiências nas condutas de esgoto que terão provocado inundações”, dos esclarecimentos prestados em audiência resultou claro que, desde a ocorrência de 2016, com danos cuja indemnização foi assumida pela Seguradora, isso não voltou a suceder.
De modo algum nos parece que o Sr. Perito, na elaboração do relatório pericial, se tenha limitado “a reproduzir no relatório o que constatou no local a olho nu, desconsiderando os relatórios anteriores juntos aos autos pela Recorrente”, nem que se possa retirar uma tal conclusão das afirmações que fez em audiência de julgamento (mormente por dizer que não filmou o interior das tubagens e considerar que os vídeos das tubagens não são suficientes para avaliar o estado das mesmas e as suas condições de funcionamento); tão pouco isso resulta do relatório de esclarecimentos, antes pelo contrário, aí constando precisamente que: “O Perito esclarece que constam do processo diversos relatórios sobre o estado de funcionamento dos esgotos do prédio, na Cave da fração da Autora e na garagem do prédio, realizados em diversos anos com as seguintes conclusões: I - GRAUCELSIUS – (…)” II - SMART RESEARCHES – Relatório de pesquisa não destrutiva datado de 20 de Outubro de 2016. Esta firma realizou vídeos de inspeções a 5 troços de tubagem de esgoto no piso da Garagem -2, verificando desencontros e afastamento nas uniões das manilhas em grés, algumas delas fissuradas/partidas , salientando que as duas caixas coletoras que fazem a saída para o exterior estão parcialmente obstruídas e que juntamente com as restantes que foram abertas para realizar o vídeo de inspeção apresentam fissuras/buracos que originam infiltrações para as terras. A inundação da cave da referida fração CA terá provocado em 2016 estragos que foram parcialmente suportados pela seguradora, conforme consta do processo. III - NAGYCONSTROI – Esta firma apresentou em 11/06/2021, a proposta nº23/21 para reabilitação e recuperação do piso da Cave, devido às inundações, no total de 71 357,00€ +IVA, que se afigura ainda hoje muito exagerada em todos os capítulos de designação dos trabalhos da proposta, extravasando a relação de trabalhos que eventualmente pudessem estar relacionados com a inundação acima referida e omitindo todos os trabalhos nas caixas de esgoto e ramais, conforme referida a necessidade nos pontos I, II e IV deste Quesito, para evitar a curto prazo novas inundações na fração de A. IV - DESENTOP AMBIENTE - Apresentou relatório de inspeção vídeo em 08 de Agosto de 2022, assinalando as seguintes situações e/ou anomalias: transição de materiais, fissura longitudinal, fratura circunferencial com potencial fuga de efluentes, deformações na tubagem, zona de canalização partida e acumulação de resíduos. Para resolução dessas anomalias, a DESENTOP apresentou orçamento, desconhecendo-se se o mesmo terá sido aprovado.”
Portanto, ficou claro que o Sr. Perito analisou e teve em consideração os documentos/relatórios juntos aos autos, não se descortinando, contrariamente ao alegado pela Apelante, que existam elementos probatórios suficientes para afastar as conclusões a que aquele chegou quanto aos factos em apreço - saber se os problemas existentes na subcave da fração têm origem nas inundações sucessivas provocadas pelo esgoto enterrado da prumada A do prédio que ocorrem pelo menos desde 2019.
Desde logo, o depoimento da testemunha Engenheiro CC foi pouco esclarecedor, mesmo conjugado com os documentos juntos aos autos relacionados com a sua intervenção, mormente o email (do referido Engenheiro para a Administração do Condomínio) junto como doc. 5 da PI (datado de 26-02-2021) e a informação da CML junta aos autos em 10-03-2023. Pese embora a testemunha se tenha deslocado à fração (em 23-02-2021 – cf. informação camarária), informando no processo camarário ter verificado a existência de uma inundação ao nível da subcave, com “existência de refluxo de esgoto doméstico” e que o esgoto estava entupido, não foi capaz de precisar, na altura, muito menos na audiência de julgamento, a extensão e causa do problema ou sequer a “possibilidade de desentupimento”. Além disso, perante o email (datado de 04-03-2021) com a resposta dada pela Administração do Condomínio ao email de 26-02-2021, propôs que o assunto fosse encaminhado para o Departamento de Esgotos, conforme email de 10-03-2021, afirmando no mesmo que o requerido pela Administração do Condomínio ultrapassava o seu conhecimento e competência. Na audiência de julgamento, disse que não acompanhou o desenrolar dos acontecimentos e, por já estar reformado, não teve a possibilidade de consultar a documentação camarária, mas ter ideia que, na altura, estavam a ser feitas na rua verificações pelo Departamento de Esgotos.
Importa salientar que a Administração do condomínio, no referido email de 04-03-2021, comunicou à CML que, no dia em questão, dado que verificava mau cheiro na zona das instalações da PT, chamaram a empresa de desentupimentos e que esta constatou que o problema não era das caixas do prédio, tendo sido chamados os serviços da CML e constatado o entupimento do coletor geral da rua e, no dia seguinte, enviada a equipa técnica e comunicado que a manilha da via pública estava partida, o que provocou o mau cheiro e enchimento das caixas de esgoto do prédio, que acabaram por inundar o ginásio, pelo que, apesar da participação ter sido feita à Seguradora, consideravam que o sinistro era da responsabilidade da CML. Ora, uma exposição nestes moldes, apresentada pela Administração do Condomínio perante a CML, dando conta da intervenção dos próprios serviços camarários, merece-nos alguma credibilidade, contrariando a possibilidade de se tratar de uma inundação provocada pelo (entupimento do) esgoto enterrado da prumada A do prédio.
Quanto ao depoimento da testemunha DD também não lhe podemos atribuir a relevância probatória dada pela Apelante, muito pelo contrário. Na verdade, a testemunha referiu que se deslocou à fração, em fev./março de 2021, confirmando a existência de sinais visíveis de alagamento com esgoto ao nível da cave; e que, na altura, a situação já estava resolvida, sem que tivesse sido o Condomínio a proceder ao desentupimento; referiu que a Seguradora não assumiu a responsabilidade pelos danos porque o relatório foi inconclusivo, tanto quanto à causa do sinistro - pois a situação aparentava estar resolvida, não tendo sido detetado nessa ocasião, pela verificação que fez, nas caixas de esgoto, nenhum entupimento, e não dispunham de “relatório de avarias” (que o Condomínio não enviou) -, como quanto aos danos do lesado, que não enviou os elementos indicados (pelo menos até à elaboração do relatório); do seu depoimento também resultou a possibilidade de o entupimento estar relacionado com as obras da parte camarária no exterior do prédio, que verificou estarem a decorrer na altura.
Reiteramos que, após a ocorrência de 2016, apenas está “documentada”, face aos elementos disponíveis nos autos, a inundação de 2021, pois os relatórios elaborados pelas empresas Desentop (datado de 08-08-2022 - doc. 10 junto com o requerimento de 13-10-2022) e Smart Researches (datado de 20-10-2016 – doc. junto com o requerimento de 05-09-2023) não comprovam que o alagamento então ocorrido ou outro qualquer verificado desde meados de 2019 (muito menos inícios de 2018) tenham sido provocados pelo esgoto enterrado da prumada A do prédio, nem que ocorrem sucessivas inundações pelo menos desde essa altura.
Ainda que possam ter sido detetadas, com recurso a filmagem vídeo, algumas anomalias, não há indicadores seguros, face ao teor dos relatórios e à demais prova produzida, mormente à perícia realizada, de que tenham sido essas concretas anomalias a ocasionar um entupimento do esgoto e a subsequente inundação de 2021 ou quaisquer outras no período temporal em apreço.
Tão pouco se pode atribuir ao documento junto pela Autora com o seu requerimento de 09-12-2022 a relevância probatória que aquela lhe pretende atribuir. Na verdade, nessa comunicação, datada de 22-04-2021, dirigida aos condóminos, a Administração do Condomínio informou não estarem ainda reunidas as condições para realização da AG presencial e referiu que enviava as contas de 2020, bem como a proposta de orçamento para 2021, chamando a atenção para a rubrica “Intervenções em 2021” pela circunstância de estar lançada a reparação do coletor horizontal da garagem. Porém, esse documento não constitui uma confissão quanto aos factos em apreço nos autos - na Petição Inicial, não foi alegado que, desde 2019, tenham ocorrido inundações na subcave da fração da Autora originadas ou causadas pelo facto de o coletor horizontal da garagem se encontrar partido e obstruído, mas sim que havia entupimento ou dano no esgoto enterrado da prumada A do prédio. Aliás, não foi peticionada a reparação do referido coletor.
Atentou-se na referência feita no relatório pericial a uma Ata de Reunião dos Condomínios em que foi considerado alterar o troço das condutas de grés em mau estado entre duas caixas, numa extensão da ordem de 16 ml, trabalhos que ainda não estavam aprovados na altura da perícia. Mas, pelas razões acima expostas, não se nos afigura que a ocorrência de 2021 se tenha devido à circunstância de ainda não terem sido efetuados esses trabalhos.
Portanto, do conjunto da prova produzida, analisada conjugada e criticamente, apenas resulta que existiu, em fevereiro de 2021, uma inundação, na subcave da fração da Autora, por refluxo de esgoto doméstico, problema que não teve de ser resolvido por iniciativa ou a expensas do Condomínio, parecendo-nos que a causa mais provável daquela inundação teve origem no sistema público de recolha de águas residuais, e não numa qualquer anomalia no esgoto enterrado da prumada A do prédio, ou mesmo no mau estado do troço de condutas de grés entre duas caixas numa extensão da ordem de 16 ml, cuja reparação o Sr. Perito refere como sendo, a par da assistência periódica às caixas de esgoto na cave da fração da Autora e na garagem do prédio, uma medida preventiva de eventuais entupimentos.
Por tudo o exposto, entendemos que não se verifica o invocado erro de julgamento.
Ponto 4 do elenco dos factos não provados
Na sentença foi considerado não provado que: 4. Os danos provocados na subcave da fração da Autora resultam da falta de conservação e reparação pelo Réu das zonas comuns correspondentes aos esgotos enterrados da prumada A do prédio.
A motivação da sentença a este respeito foi a suprarreferida, designadamente que: “Não há quaisquer meios de prova que atestem que o Réu não faz inspecções e manutenções regulares ao sistema de esgotos do prédio, tendo a testemunha BB, porteiro, declarado que faz a inspecção mensal das caixas de esgoto do prédio desde antes de 2021 e constando do relatório pericial a existência de indícios de obras de substituição de parte das tubagens de grés, mais antigas, por outras de pvc.”
A Apelante pretende que este facto passe a constar do elenco dos factos provados, sendo eliminado o ponto 4 em apreço, invocando, em síntese: as diversas comunicações trocadas entre as partes sobre o assunto, designadamente o email de 15-01-2018, remetido pela Autora ao Réu (documento 3 da Resposta à Contestação); as participações efetuadas pela Autora à CML e Polícia Municipal; a declaração (dita confessória) do Réu documentada na comunicação de 22-04-2021 (documento junto com o requerimento de 09-12-2022); a cópia da ata da assembleia de condóminos realizada em 08-04-2024, (alegadamente) junta aos autos pela Autora com o requerimento de 20-09-2024 (da qual resulta ter sido reconhecida a necessidade de obras nas colunas de água e na fachada, por força das infiltrações e deliberado, na sequência do “PONTO CINCO” da ordem de trabalhos, que o imóvel não tem obras de manutenção há vários anos e que o custo das obras deve ser assumido como um investimento dos condóminos na sua propriedade); o depoimento da testemunha Eng.º DD, na parte em que o mesmo refere que as caixas dos esgotos não estão em bom estado de conservação e que o Réu não diligenciou pela elaboração de um relatório de avarias; o depoimento da testemunha BB, do qual (alegadamente) resulta que o Réu não faz inspeções e manutenções regulares ao sistema de esgotos do prédio.
Vejamos.
Nenhum dos documentos invocados pela Autora demonstra os factos em questão.
Em particular, quanto à referida ata da reunião da AG dos condóminos realizada no dia 15-03-2024 (que, na verdade, apenas foi junta com o requerimento de 26-09-2024), consta, é certo, do ponto cinco, no que ora importa, o seguinte: “Foi referido pela CA que o imóvel não tem obras de manutenção há vários anos e que o custo das obras deve ser assumido como um investimento dos condóminos na sua propriedade. Foi referido que a prioridade é a obra da coluna de água dado que pode rebentar e causar maiores danos. Também as fachadas são importantes dado que diversos condóminos têm entrada de água nas fracções. Foi excluída a hipótese de fazer reparações de fachada pontualmente dado que já existe a experiência de não ter resultado. Após o envio dos inquéritos, e agora com o agendamento da assembleia, vários condóminos informaram a administração de infiltrações. Foi ainda referido que é conveniente ver o estado dos terraços dado que já se verificam infiltrações na garagem. Após larga troca de ideias e intervenções de diversos condóminos, foi considerado importante que se adjudiquem os dois trabalhos (coluna de água e fachadas).”
Porém, daqui não resulta, obviamente, que os danos em apreço – que são os descritos no ponto 8, b), do elenco dos factos provados, verificados na subcave da fração da Autora – tenham sido provocados pela falta de conservação e reparação pelo Réu das zonas comuns correspondentes aos esgotos enterrados da prumada A do prédio.
Reiteramos as considerações que acima fizemos, salientando ainda que da perícia realizada resultou não se verificar qualquer dano no esgoto na prumada A. Se outras deficiências ocorrem noutras partes comuns do prédio, isso ora não releva, atento o objeto do litígio.
O Sr. Perito, nos seus relatórios e nos esclarecimentos que prestou na audiência de julgamento, deixou claro que as (três) inundações anteriores a 2021 se deveram, na sua ótica, não à falta de “obras de manutenção” ou de conservação, mas sim ao mau uso e à falta de manutenção dos esgotos na fração da Autora e do prédio, com a utilização dos ramais de esgotos “como lixeira”, provocando entupimentos nas tubagens. No relatório de esclarecimentos, à questão de saber se a falta de conservação, manutenção e reparação dos ramais, dos coletores e dos esgotos enterrados por debaixo da fração da Autora pode ter causado inundações na fração da Autora, respondeu afirmativamente apenas quanto à falta de manutenção, afirmando que a “devida assistência aos ramais e caixas de esgoto, impedindo entupimentos e danos nas tubagens é crucial para evitar novos danos a curto prazo na fração da Autora. Acresce ainda, conforme foi referido pela GRAUCELSIUS no seu relatório, a recomendação para instalação de uma válvula de retenção no ramal de ligação à Rua. Bem como deverá ser mantido o contrato de manutenção preventiva com desentupimentos e inspeções regulares.”
Efetivamente, conforme acima referido e tido em consideração pelo Tribunal a quo, menciona-se no relatório da Graucelsius que já foram realizadas reparações de tubos na cave e instalada uma manga no interior da tubagem partida na subcave, sendo recomendada a instalação de uma válvula de retenção no ramal de ligação à rua, bem como que seja mantido o contrato de manutenção preventiva com desentupimentos e inspeções regulares.
O depoimento da testemunha BB, porteiro do prédio, foi pouco esclarecedor a respeito dos factos ora em apreço, até por não dispor dos conhecimentos técnicos para uma avaliação da causa do problema, mas serviu para demonstrar o cuidado por parte da Administração do Condomínio com a manutenção do sistema de esgoto do prédio, estando a testemunha encarregada de verificar periodicamente as caixas de esgoto do prédio, o que disse fazer.
O depoimento da testemunha DD não tem a relevância probatória que a Apelante lhe pretende atribuir. Com efeito, a circunstância de a Administração do Condomínio não lhe ter chegado a entregar um “relatório de avarias” aquando da inundação ocorrida em 2021 mostra-se compreensível já que, nessa situação concreta, a Administração entendia que a responsabilidade era da Câmara Municipal de Lisboa, tendo a inundação origem no coletor do sistema público de recolha de águas residuais. Por outro lado, embora a testemunha tenha dito “De facto, as caixas não estão em melhor estado de conservação, é verdade”, não quis com isso indicar ou sugerir que o estado de conservação das caixas de esgoto do prédio possa ter sido a causa daquela inundação na fração da Autora.
Assim, concluímos que não se verifica o invocado erro de julgamento.
Ponto 11 do elenco dos factos não provados
Na sentença foi considerado não provado que: 11. Após a inundação de 2016 o Réu limitou-se a proceder a uma limpeza dos referidos esgotos, considerando a situação resolvida.
A Apelante pretende que este facto deixe de constar do elenco dos factos não provados e passe a constar do elenco dos factos provados, alegando para tanto que: inexiste nos autos qualquer prova (v. g. relatório) no sentido de que o Réu, após a inundação ocorrida na fração da Autora em 2016, tenha realizado as obras necessárias à correção das anomalias verificadas, por vídeo, pela Companhia de Seguros aquando do referido evento; resulta do doc. 6 junto à Resposta à Contestação que a Seguradora “após os trabalho de pesquisa não destrutiva pelo método de inspeção vídeo” concluiu pela existência de várias anomalias (patologias) ao nível das tubagens de escoamento de águas residuais do edifício seguro, patologias cuja reparação não foi assumida pela Seguradora, dado que não se tratava de uma situação súbita e imprevista, mas sim de falta de manutenção; resulta da prova documental junta e do depoimento das testemunhas referidos que o Réu sempre se limitou a promover uma solução temporária, o desentupimento, em prejuízo da solução definitiva, a execução de obras para reparação da tubagem.
Vejamos.
A Autora não especifica qual a prova documental junta (salvo o referido doc. 6), nem testemunhal a que se refere. Se bem se percebe, considera que ao Réu incumbia provar que realizou trabalhos de conservação/reparação, não o tendo feito, pelo que se impõe dar como provado o referido facto.
Ora, como vimos, não ficou demonstrada a existência de anomalias carecidas de obras reparação na parte da canalização do esgoto do prédio indicada pela Autora e que tenham sido causais das inundações de 2016 ou 2021, afirmando o Sr. Perito que (i) não se verificou qualquer entupimento/dano no esgoto na prumada A, na sequência da abertura das caixas de esgoto no pavimento das instalações sanitárias/vestiários Homens, com ligação às caixas de esgoto existentes no piso de estacionamento da cave ( -2 ) do prédio e que (ii) não há qualquer entupimento/dano de esgotos na fração autónoma da Autora.
No relatório da Graucelsius (junto com a resposta apresentada pela Autora em 13-10-2022), também tido em consideração pelo Sr. Perito, refere-se designadamente que: “Em 29 de Agosto de 2008 ocorreram inundações com águas de esgoto da rede doméstica também chamada por vezes de águas negras provenientes das instalações sanitárias das várias frações que constituem o edifício, que afetaram não só o ginásio como o R/C da fração A. Em 23 de Dezembro a 14 de Janeiro de 2009, efetuaram-se filmagem com objetivo de diagnóstico do problema, um deles, entupimento da prumada vertical, que afetou o R/C e a Cave e foi possível resolver em uma semana. Um segundo problema, na zona horizontal na sub-cave que foi identificado como manilha partida. Mais tarde foi então instalada uma manga elástica pelo interior do tubo para resolver esta questão. Trabalhos adicionais de manutenção com desentupimento regulares têm mitigado este problema, no entanto o perigo de entupimentos na rede pública e refluxo dos esgotos para dentro do edifício não estão colocados fora de questão no futuro. Como medida de resolução definitiva recomendamos a instalação duma válvula de retenção no ramal de ligação à Rua. Deverá ser mantido o contrato de manutenção preventiva com desentupimentos e manutenção regulares.”
O Sr. Perito, no relatório de esclarecimentos, à questão de saber se a falta de conservação, manutenção e reparação dos ramais, dos coletores e dos esgotos enterrados por debaixo da fração da Autora pode ter causado inundações na fração da Autora, respondeu afirmativamente apenas quanto à falta de manutenção, concordando com a recomendação da Graucelsius para instalação de uma válvula de retenção no ramal de ligação à Rua, destacando ainda a importância da manutenção preventiva com desentupimentos e inspeções regulares.
Referiu também o Sr. Perito que: “Estiveram presentes na peritagem, para além do Perito, representante da Autora FF, o mandatário do Réu, Dr II, Sr HH da Administração do condomínio (Réu), Dna JJ, delegada do condomínio (Réu) e Sr BB, porteiro do Prédio, no apoio de abertura de caixas de esgoto na fração da Autora e garagem do prédio, com ensaios de água no terraço e garagem. Para efeitos de Peritagem, o Perito solicitou que para além do acesso á fração do Autor, a mesma tivesse condições de iluminação, o que foi garantido em grande parte dos compartimentos, bem como de abastecimento de água para ensaios nas caixas de esgoto, quer da garagem do prédio quer da fração, assim como o manuseamento das tampas das caixas de esgoto, para acesso ao seu interior. Para tal, foi indicado o Sr BB, porteiro do prédio e conhecedor dos locais a intervir. Nesta conformidade, refere-se que foi verificado o funcionamento das caixas de esgoto, o seu estado de conservação, foram efetuados testes com corrimento de água para detetar possíveis obstruções, quer na fração, quer nas caixas de esgoto situadas na garagem, e também no terraço e floreiras localizados por cima do teto de entrada da fração.”
Por isso, e considerando o estado de funcionamento da canalização de esgoto verificado pelo Sr. Perito, bem como os suprarreferidos declarações/depoimento de HH e da testemunha BB, consideramos não estar demonstrado que a Administração do Condomínio se tenha limitado a fazer, desde 2016, uma limpeza dos referidos esgotos, no quadro fáctico da (alegada) situação carecida de resolução.
Assim, improcedem, neste particular, as conclusões da alegação de recurso.
Ponto a aditar
A Apelante, conforme consta das conclusões da alegação de recurso, pretende que seja aditado ao elenco dos factos provados que: “Pelo menos desde 2017/2018 que a Autora ficou impossibilitada de desenvolver qualquer actividade na sua fração ou de a arrendar em virtude das sucessivas e constantes inundações e infiltrações ocorridas na fração, designadamente da ocorrida em 2021”.
Acrescentando ainda, mas apenas no corpo da alegação de recurso, “eliminando-se dos factos não provados os respectivos pontos 5. e 6.”.
Invoca, para tanto e em síntese, os documentos 3, 4 e 5 juntos à Resposta à Contestação (Requerimento de 13-10-2022), o relatório constante do doc. 10 junto à Resposta à Contestação, o relatório junto aos autos com o requerimento de 05-09-2023, a “Declaração confessória” do Réu documentada na comunicação de 22-04-2021 (junta com o requerimento de 09-12-2022) e o depoimento de parte da Autora.
O Apelado discorda, invocando, em síntese, a matéria de facto não provada, as declarações da legal representante da Autora, a inexistência de prova documental relevante, não valendo como tal a indicada pela Apelante.
Apreciando.
Conforme previsto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Por sua vez, preceitua o art. 640.º, n.º 1, do CPC, sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
É conhecida a divergência jurisprudencial que existiu a respeito da aplicação deste normativo e da sua conjugação com o disposto no n.º 1 do art. 639.º do CPC, atinente ao ónus de alegar e formular conclusões, vindo o STJ a firmar jurisprudência no sentido do “conteúdo minimalista” das conclusões da alegação, conforme espelhado no acórdão do STJ de 06-12-2016 proferido na Revista n.º 2373/11.0TBFAR.E1.S1 (sumário citado na compilação de acórdãos do STJ, “Ónus de Impugnação da Matéria de Facto, Jurisprudência do STJ”, disponível em www.stj.pt), bem como o acórdão do STJ de 01-10-2015 proferido no proc. n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1 (disponível em www.dgsi.pt), e no AUJ do STJ de 17-10-2023 (acórdão n.º 12/2023, publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I, de 14-11-2023, com Declaração de Retificação n.º 25/2023) proferido no proc. n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1, em que se decidiu uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”, afirmando-se na síntese final designadamente que: “(…) decorre do art.º 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.”
Nesta linha, conclui-se resultar da conjugação do disposto nos artigos 635.º, 639.º e 640.º do CPC que o ónus principal a cargo do recorrente exige que, pelo menos, sejam indicados nas conclusões da alegação do recurso, com precisão, os concretos pontos de facto da sentença que são objeto de impugnação, sem o que não é possível ao tribunal de recurso sindicar eventuais erros no julgamento da matéria de facto.
Ora, com o aditamento em apreço, a Apelante pretende do mesmo passo, conforme se alcança do alegado no art. 64.º do corpo da sua alegação recursória, que sejam eliminados os pontos 5 e 6 do elenco dos factos não provados, cujo teor é, recorde-se, o seguinte:
5. A Autora encerrou o ginásio devido às infiltrações, em dezembro de 2019.
6. Desde essa data que a Autora se encontra privada de usar e retirar qualquer vantagem económica ou outra, da fração autónoma suprarreferida, de que é proprietária, em consequência dos danos provocados na mesma, pelas inundações e infiltrações com origem nas partes comuns do prédio, os quais se mantêm e agravam até à presente data.
Na verdade, esses pontos, em particular o ponto 6 do elenco dos factos não provados, têm um conteúdo útil que corresponde, no essencial, ao ponto cujo aditamento ora foi requerido, com uma redação ligeiramente diferente. Porém, das conclusões da alegação de recurso não consta qualquer referência aos aludidos pontos 5 e 6. Ou seja, a Apelante impugnou a matéria de facto aí vertida, mas sem cuidar de observar o ónus principal previsto no art. 640.º, n.º 1, al. a), do CPC, especificando os concretos pontos da decisão de facto impugnados, os quais assim não podem deixar de quedar inalterados, impondo-se rejeitar, nesta parte, a impugnação da decisão da matéria de facto.
No entanto, admitindo que possa existir um entendimento mais benévolo a este respeito, não deixaremos de nos pronunciar, começando por lembrar a motivação da sentença, em que se refere que: “Os meios de prova existentes e já mencionados supra a propósito dos factos provados dão conta que as instalações da Autora se encontravam desactivadas na data em que ocorreu a inundação de 2021 e que o ginásio havia sido encerrado há mais de dez anos, já não sendo desenvolvida qualquer actividade na fracção desde 2017 – declarações de parte da legal representante da Autora. Por isso foi considerado não provado o NP5 e o NP6.” Sendo também referido que a legal representante da Autora, nas suas declarações de parte, afirmou que o ginásio funcionou até finais dos anos 90, tendo ali funcionado posteriormente um centro de fisioterapia e uma escola de dança para “coisas pequenas”, já que a escola funcionava principalmente no Teatro da Luz, e que desde 2017 não é exercida qualquer atividade no espaço.
Compreende-se que o Tribunal a quo tenha feito referência à inundação de 2021, já que a causa de pedir não diz respeito a sucessivas e constantes inundações e infiltrações ocorridas pelo menos desde 2017/2018, mas sim, conforme alegado na Petição Inicial, a ocorrências danosas (inundações na subcave e infiltrações na cave da fração) verificadas desde dezembro de 2019. Seria uma afronta ao princípio dispositivo consagrado, desde logo, no art. 5.º do CPC, que pudessem ser dados como provados outros eventos danosos, relativamente aos quais o Réu poderia até, por exemplo, ter invocado matéria de exceção como a prescrição. Portanto, o que estava em causa e podia ser considerado (provado / não provado) era a ocorrência de inundações e/ou infiltrações verificadas pelo menos desde 2019, nos moldes alegados pela Autora na Petição Inicial e, quanto muito, se fosse caso disso, factos subsumíveis à previsão do art. 5.º, n.º 2, do CPC, mormente factos complementares ou concretizadores daqueles outros e que porventura resultassem da instrução da causa, desde que sobre eles a parte contrária pudesse ter exercido o contraditório.
Ora, pelas razões suprarreferidas, tais factos não ficaram provados, nem se pode considerar demonstrada a ocorrência de sucessivas e constantes inundações e infiltrações na fração desde 2017/2018.
Aliás, no relatório pericial refere-se que “Atualmente, as condições de salubridade da fração da Autora, não são afetadas, pois não existem danos nos ramais e caixas de esgoto, como já referido anteriormente exceto as infiltrações que têm que ser suprimidas, conforme anteriormente referido.”
Portanto, embora esteja provado que a fração da Autora se encontra deteriorada em função da ocorrência de inundações por água de esgoto e infiltrações de água, o que origina problemas de salubridade, nada indica que ainda apresente um cheiro intenso e nauseabundo, proveniente da água de esgoto (no ponto 6. deu-se como provado que apresentava esse cheiro, mas não que isso ainda se verifique).
Além disso, ficou provado (sem impugnação por parte da Autora) que há mais de dez anos que não funciona qualquer ginásio na fração autónoma CA (cf. ponto 21). A própria legal representante da Autora, nas declarações prestadas em audiência de julgamento, instada a indicar desde quando não é exercida qualquer atividade na fração afirmou, de forma hesitante, “penso que desde 2017”. Também afirmou que, antes disso, a atividade no espaço já era reduzida e que “alugava salas a professores” (disse ser professora de dança e ter criado o “Círculo de Dança de Lisboa” e que, na altura em que a fração deixou de funcionar como ginásio, passou a ser usada como escola de dança e atividades relacionadas com essa área recreativa).
As fotografias juntas aos autos são bem elucidativas sobre o estado do espaço, evidenciando que a fração não apresenta muitas das caraterísticas que, nos tempos atuais, se espera que um ginásio tenha, o que não significa que não possa funcionar como tal (ou para outros fins, obtidas as necessárias autorizações/licenças), se a Autora assim o entender.
Está também provado, é certo que, em face das condições do espaço, a Autora não consegue retirar qualquer proveito do mesmo, através da sua exploração direta ou da sua locação a terceiros. Mas tais “condições do espaço” prendem-se com um conjunto de aspetos que ultrapassam largamente os estragos causados pelas inundações e/ou infiltrações, podendo a Autora alterar a maior parte dessas “condições” em ordem a tornar o espaço apto a ser explorado economicamente, não se nos afigurando que os danos descritos pelo Sr. Perito e as infiltrações existentes inviabilizem toda e qualquer utilização do espaço.
Aliás, o Sr. Perito, em audiência de julgamento, assim o afirmou, esclarecendo que considerava “recomendável” a realização das obras que indicou, tanto nas partes comuns (para eliminar as infiltrações), como na fração (para reparar os danos das inundações e infiltrações), mas também a realização de outros trabalhos indispensáveis para colocar em funcionamento o sistema de água quente, o qual se encontra fora de serviço devido ao mau estado dos equipamentos no compartimento da casa das máquinas.
No relatório pericial referiu designadamente que: “As instalações da fração CA, encontram-se desativadas há vários anos segundo informação colhida no local no dia da perícia, mas com mobiliários e equipamentos diversos espalhados pelos compartimentos, instalação elétrica, águas e esgotos em funcionamento, mas aguas quentes fora de serviço devido ao mau estado dos equipamentos no compartimento da casa das máquinas.” ( Fotos 10, 11 e 12 ).” Mais lembrou no relatório pericial que “Na Caderneta Predial Urbana do prédio a fls 248/273 consta um ginásio com saída independente para a rua Adelaide Cabete ..., com área bruta privativa de 458 m2 , afetação : Serviços em cave , permilagem de 9,5000 e nº de pisos 1.Na realidade esta fração autónoma: CA da Autora dispõem de 2 pisos (cave e r/c) com a referida área bruta privativa e compartimentação para diversas atividades (Fotos nºs 15 a 78 )”. Acrescentando ainda o Sr. Perito desconhecer se estavam reunidas as condições necessárias para os diversos espaços que compõem a fração autónoma da Autora serem explorados de forma separada, por entidades distintas, referindo que se trata de matéria muito específica numa fração autónoma do prédio, cujos pisos estão interligados e o acesso é único à fração, mais desconhecendo se a fração autónoma da Autora poderia ainda ser parcialmente arrendada ou explorada como SPA, bar, loja de roupa desportiva e de dança, tudo independentemente da exploração na fração autónoma de quatro ginásios ou Escola de Dança, pelo facto de a matéria em causa implicar licenciamentos, aprovação da Administração de condomínio do Prédio e /ou outras Entidades especializadas nesta área, e que, para o cálculo de eventuais prejuízos mensais pela impossibilidade de utilização ou de arrendamento, se torna necessário dispor de documentação oficial que comprove as receitas e despesas das atividades afetas à fração.
A Autora, na reclamação contra o relatório pericial, apresentada em 05-09-2023, veio requerer a junção aos autos do “contrato de cessão de exploração e recibos de renda datados de 2009”, documentos em que atentámos, tratando-se de um documento datado de 01-09-2004, atinente a um contrato de cessão de exploração do estabelecimento “Health Clube Quinta da Luz” (instalado na fração em apreço nos autos), figurando a Autora como proprietária, e um recibo de renda datado de 31-03-2009. Porém, está provado que há mais de 10 anos que não funciona qualquer ginásio na fração autónoma (cf. ponto 21). Além disso, sendo a Autora uma sociedade comercial com contabilidade organizada, se porventura realizava, dentro da legalidade, em 2019 (ou mesmo até 2017), uma atividade de exploração do espaço da qual auferia proventos nos moldes referidos pela sua legal representante (já não como ginásio, mas como escola de dança e arrendamento de salas), não poderia deixar de dispor de documentos comprovativos desses factos, sendo certo que não foram juntos aos autos, não bastando a incipiente prova documental que ofereceu.
Por isso, compreende-se que o Sr. Perito, no relatório de esclarecimentos, tenha mantido a sua posição a este respeito, referindo designadamente que: “O Perito não dispõe de qualquer recibo de arrendamento no período de 5 anos acima referido [prazo de duração do contrato de cessão de exploração], mas sim um recibo nº 089 da Autora de 31/03/2009 no valor de 3 240,00€, cuja fatura com o mesmo nº se encontra ilegível. O perito já tinha solicitado, sem êxito, que a mesma lhe fosse enviada para saber a que se refere no contrato, cujo termo se verifica a 01/09/2009, e o recibo acima referido data de 31/03/2009 que corresponde a 9 meses anteriores do termo do contrato (5 anos).”
Portanto, vários anos antes da inundação de 2021 e das infiltrações, a fração em apreço (composta de ginásio situado na cave e subcave com 10 compartimentos e dois balneários) deixou de funcionar como ginásio, por decisão da gerência da Autora, inexistindo elementos probatórios que indiquem que, caso não tivessem ocorrido as inundações e infiltrações descritas, a Autora lhe continuaria a dar aquele uso.
Por outro lado, os danos causados pelos eventos em apreço (invocados como causa de pedir e que ficaram provados) não parecem ser de tal monta que obstem a que a Autora possa retirar rendimentos da fração (fazendo uso da mesma “dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”), designadamente como armazém, conforme referido pelo Sr. Perito, considerando que na fração existem “mobiliários e equipamentos diversos espalhados pelos compartimentos, instalação elétrica, águas e esgotos em funcionamento”.
Tudo ponderado, não resulta do conjunto da prova produzida que, por causa de inundações e infiltrações existentes desde 2019, a Autora ficou impossibilitada de explorar o ginásio na sua fração ou de aí desenvolver outra atividade económica ou de a arrendar.
Assim, consideramos que não se verifica o invocado erro de julgamento. Da indemnização por lucros cessantes ou privação do uso da fração
Na sentença recorrida teceram-se a este respeito as seguintes considerações: “Lucros cessantes É sabido que o lucro cessante corresponde aos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, ao acréscimo patrimonial frustrado. No caso dos autos, pede a Autora uma indemnização pela impossibilidade de exploração da fracção para a sua actividade, por si ou através de terceiros, o que se traduz num dano de privação de uso. Sabemos que tal privação só tem nexo de causalidade com a conduta do Réu no que diz respeito ao nível superior da fracção, já que no nível inferior não foi feita prova desse nexo. A propósito da privação do uso de uma coisa na vertente de lucros cessantes existem duas correntes interpretativas principais na doutrina e na jurisprudência: - uma, segundo a qual, para além da prova da privação do uso, deve o lesado alegar e provar uma concreta utilização relevante do bem - e outra que defende que basta a alegação e prova da simples privação do uso para se reconhecer o direito a indemnização, reservando-se o não reconhecimento daquele direito para situações em que tenha ficado provado que a concreta privação do uso do bem não traduz, na esfera do respectivo titular, um dano patrimonial relevante. Surgiu, entretanto, uma posição intermédia entre as duas anteriores teses, admitindo a suficiência da ocorrência de danos concretos com base numa presunção natural “ao lesado pede-se apenas a prova que utiliza habitualmente a viatura na sua vida diária, presumindo-se que, da respetiva privação, derivem danos efetivos” – Maria Graça Trigo Responsabilidade Civil – Temas Especiais, Universidade Católica Editora, 2015 a página 60. Conforme resulta dos factos provados, na data em que ocorreram as infiltrações imputáveis ao Réu, a Autora não desenvolvia qualquer actividade na fracção desde há alguns anos. Com efeito, após as obras realizadas na sequência da inundação de 2016, não se provou que a Autora tenha retomado, por qualquer forma, a exploração do local, por si ou através de terceiros. Assim, os dados existentes que resultam dosfactos apurados são insuficientes para se concluir pela existência de um qualquer dano sofrido pela Autora com a impossibilidade de utilização da sua fracção.”
A Apelante insurge-se contra este entendimento e pretende que seja fixada uma indemnização a este título, ainda que de montante a liquidar.
O Apelado, por sua vez, defende, em síntese, que: a Autora não conseguiu fazer prova de que, pelo menos desde 2017/2018, têm ocorrido no interior da sua fração estragos provocados por inundações com origem nos esgotos da prumada A; após o sinistro verificado em 2016 (de que foi devidamente indemnizada), apenas se verificou uma outra ocorrência, em 2021, cuja causa da origem foi exterior ao prédio; o Condomínio cumpriu os seus deveres de vigilância e conservação das partes comuns, nos temos dos artigos 1430.º e 1436.º, n.º 1, al. g), do CC, realizando as diligências necessárias e adequadas à conservação do sistema de esgotos; logo, a privação de uso só teria nexo de causalidade com a conduta do Réu no que diz respeito ao piso superior da fração; mas os factos apurados são insuficientes para concluir pela existência de um qualquer dano sofrido pela Autora com a impossibilidade de utilização da sua fração.
Vejamos.
O Tribunal a quo considerou não estar provado que na origem da inundação por águas de esgotos ocorrida no andar inferior da fração da Autora estivesse o sistema de esgotos da prumada A do prédio ou que tal sistema estivesse em mau estado por ausência de manutenção e conservação, facto que cabia à Autora/lesada provar – art. 342.º, n.º 1, CC.
Nas conclusões da sua alegação, a Apelante parece questionar este entendimento, fazendo-o no pressuposto de procedência da impugnação da decisão da matéria de facto e procurando apenas, se bem se percebe, justificar a indemnização por lucros cessantes/dano da privação do uso, não nos parecendo que continue a reclamar a condenação do Réu a proceder à reparação do esgoto na prumada A, nem tão pouco a proceder a obras na sua fração para reparação dos danos causados pelas inundações do esgoto ou a pagar-lhe uma indemnização correspondente ao custo da reparação de tais danos.
De qualquer forma, sempre se dirá que, ante a improcedência da impugnação da decisão da matéria de facto, não tendo ficado provado que os problemas existentes na subcave da fração têm origem nas inundações sucessivas provocadas pelo esgoto enterrado da prumada A do prédio que ocorrem pelo menos desde 2019, nem que os danos provocados na subcave da fração da Autora resultam da falta de conservação e reparação pelo Réu das zonas comuns correspondentes aos esgotos enterrados da prumada A do prédio (pontos 3 e 4 do elenco dos factos não provados), improcedem as conclusões da alegação de recurso a este respeito, não se podendo considerar que o Condomínio Réu estava obrigado, pelo menos desde 2019, a realizar obras de conservação/reparação no esgoto enterrado da prumada A do prédio, nem que as inundações (que causaram danos na fração da Autora) resultaram da (alegada) omissão reiterada por parte do Réu, desde 2019, do dever de conservação /reparação no esgoto enterrado da prumada A do prédio.
Não obstante isso, e sendo certo que, pelo menos, existiram estragos na cave da fração por causa das infiltrações, danos patrimoniais esses cuja reparação foi determinada, importa analisar do acerto do decidido quanto à pretensão indemnizatória da Autora, considerando que, nas conclusões da sua alegação de recurso, a Apelante se refere a lucros cessantes e dano da privação do uso (não os destrinçando como fizera na Petição Inicial), discordando do entendimento do Tribunal a quo, que julgou não terem sido apurados factos suficientes para se concluir pela existência de um qualquer dano sofrido pela Autora com a impossibilidade de utilização da sua fração.
Há assim, que apreciar, antes de mais, se dos factos provados resulta que a Autora sofreu os danos invocados, além dos demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (cf. art. 483.º do CC), mormente da existência de um facto (por omissão) voluntário, ilícito, culposo e do nexo de causalidade adequada.
Em primeiro lugar, quanto aos alegados lucros cessantes, entendemos que a Autora não demonstrou factos que revelem ter deixado de obter benefícios económicos em consequência da conduta omissiva imputada ao Réu (cf. artigos 563.º e 564.º, n.º 1, 2.ª parte, do CC). Na verdade, não ficou provado que a Autora obtinha rendimentos da exploração de um qualquer estabelecimento na fração em apreço nos autos, estando provado que há mais de 10 anos que não funciona qualquer ginásio na fração autónoma (cf. ponto 21). Em particular, não ficou provado que: a Autora desenvolve a sua atividade comercial, explorando um ginásio, na fração autónoma supra identificada (cf. ponto 1 do elenco dos factos não provados); a Autora encerrou o ginásio devido às infiltrações, em dezembro de 2019 (cf. ponto 5 do elenco dos factos não provados); a exploração do espaço como ginásio permitiria à Autora auferir rendimentos que rondam os 8.400,00 € mês (cf. ponto 7 do elenco dos factos não provados). Portanto, não se justifica atribuir-lhe uma indemnização por lucros cessantes.
Importa ainda apreciar se, atendendo à sua posição de proprietária da fração em apreço, gozando de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas (cf. art. 1305.º do CC), lhe deverá ser atribuída uma indemnização pelo dano da privação do uso respetivo.
A temática do dano da privação do uso de bens móveis e imóveis tem merecido a atenção da doutrina e da jurisprudência, com o surgimento de duas correntes de sentido oposto: a que rejeitava uma tal indemnização e a que admitia a indemnização por dano de (mera) privação de uso. Porém, em anos mais recentes, assumiu preponderância uma corrente intermédia (à qual aderimos), assente na ideia de que (verificados que estejam os demais pressupostos da responsabilidade civil) a indemnização é devida quando existam danos concretos, bastando para isso a demonstração do uso regular do bem por parte do proprietário lesado (a qual até se pode presumir - presunção judicial, como sucede relativamente à generalidade dos veículos automóveis, que, por norma, são utilizados para transporte de passageiros/mercadorias, ainda que por intermédio de terceiro, até pelos inerentes custos associados à aquisição de um veículo). Nesta linha de pensamento, veja-se, a título exemplificativo, os acórdãos (disponíveis em www.dgsi.pt):
- do STJ de 28-01-2021, proferido no proc. n.º 14232/17.9T8LSB.L1.S1, conforme se alcança do respetivo sumário, com o seguinte teor: “I. Numa ação de reivindicação em que os autores, para além, do reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio urbano ocupado pelos réus, pretendem a condenação destes na restituição do mesmo, por falta de título legitimador dessa ocupação, e no pagamento de indemnização pelos danos para eles advenientes da privação do respetivo uso, tais pedidos devem ser formulados apenas contra aqueles que, alegadamente, ocupam ilegitimamente o prédio em causa e não também contra a pessoa que figura como arrendatária no contrato de arrendamento. II. Se, mercê da ocupação de prédio urbano por terceiros sem título justificativo, os respetivos proprietários ficaram impedidos, durante um certo período, de usá-lo, de fruir as utilidades que eles normalmente lhes proporcionariam, essa privação injustificada do direito de propriedade constitui os ocupantes na obrigação de indemnizar os proprietários pelos prejuízos para eles decorrentes da perda temporária dos poderes de gozo e fruição. III. Competindo ao lesado provar o dano da privação do uso, não é suficiente, para tanto, a prova da privação da coisa, pura e simples, mas também não é de exigir a prova efetiva do dano concreto, bastando, antes, que o lesado demonstre que pretende usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou alguma delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela atuação ilícita do lesante. IV. Sendo o imóvel em questão um prédio urbano, será, assim, suficiente demonstrar que o mesmo destinava-se a ser colocado no mercado de arrendamento, correspondendo, neste caso, a indemnização pela privação do uso ao seu valor locativo.”
- da Relação de Lisboa de 20-06-2024, proferido no proc. n.º 5516/22.5T8LSB.L1-2, em que a ora Relatora teve intervenção como 1.ª Adjunta, como também se retira da seguinte passagem do respetivo sumário: “I – A privação de uso de bem imóvel, sendo um facto ilícito, “configurará também um dano indemnizável se puder concluir-se que o titular do respectivo direito se propunha aproveitar e tirar partido das vantagens ou utilidades que lhe são inerentes, só o não fazendo por disso estar impedido em virtude do facto ilícito. Para tanto, bastará, […], que os factos adquiridos para o processo mostrem que o lesado usaria normalmente a coisa. II – O que não acontece quando se trata de uma fracção imóvel que estava entaipada com tijolo e cimento há mais de 15 meses à data da ocupação, a aguardar obras para então ser arrendada, obras que não se mostra que já estivessem programadas.”
Portanto, poderá ser devida indemnização pelo dano (patrimonial) da privação do uso do bem, sem necessidade de o lesado alegar e provar outros factos além dos suprarreferidos, designadamente que a falta do mesmo foi causa de despesas acrescidas (por exemplo, com o aluguer/arrendamento de outro bem) ou lucros cessantes, o que não obsta, obviamente, a que possa também fazer alegações a esse respeito.
Quando o tribunal venha a concluir que existiu um dano indemnizável - na medida em que o lesado ficou impedido de poder usar o bem (de que era proprietário) como vinha fazendo ou pretendia fazer -, será devida uma indemnização, caso em que o tribunal poderá não dispor de elementos para a fixar com recurso à teoria da diferença (cf. art. 566.º, n.º 2, do CC); se não puder quantificar o dano, contanto perspetive como possível a determinação desse valor em incidente de liquidação, será aplicável o disposto nos artigos 564.º, n.º 2, e 566.º, n.º 3, do CC, e 358.º, n.º 2, e 609.º, n.º 2, do CPC, relegando para liquidação ulterior a fixação do montante da quantia indemnizatória devida; no limite, na impossibilidade de averiguar o valor exato do dano, cumprirá ao tribunal encontrar uma solução equilibrada mediante um juízo de equidade, em face do conjunto dos factos em presença.
Revertendo para a situação dos autos, parece-nos importante lembrar que a Autora não logrou provar um conjunto de factos substantivamente relevantes que alegou a este respeito, designadamente que, em dezembro de 2019, devido às infiltrações encerrou o ginásio, e que se encontra, desde então, privada de usar e retirar qualquer vantagem económica ou outra, da fração autónoma suprarreferida, de que é proprietária, em consequência dos danos provocados na mesma, pelas inundações e infiltrações com origem nas partes comuns do prédio, os quais se mantêm e agravam até à presente data (cf. pontos 5 e 6 do elenco dos factos não provados). Ficou provado que, há mais de dez anos, que não funciona qualquer ginásio na fração autónoma (cf. ponto 21) e que nos anos de 2013/2014, foi explorado naquele espaço um estabelecimento comercial designado por “Casa das Máscaras” (cf. ponto 22). Mas nada indica que, no período temporal relevante para o caso, de 2019 em diante, a Autora estava a usar a fração ou pretendia fazê-lo, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas, a fim de retirar as utilidades que normalmente lhe proporcionaria.
Daí que, na esteira da jurisprudência suprarreferida, se impõe concluir, conforme entendeu o Tribunal a quo, que os factos apurados não permitem concluir pela existência de um dano da privação do uso, pelo que não se verifica erro de julgamento a este respeito, não podendo deixar de ser negado provimento ao recurso.
Vencida a Autora-Apelante, é responsável pelo pagamento das custas processuais (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida.
Mais se decide condenar a Autora-Apelante no pagamento das custas do recurso.