ARTICULADO SUPERVENIENTE
Sumário

ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte 1:

I – RELATÓRIO
1 – No âmbito da acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, instaurada por AZIMAR – INVESTIMENTOS TURÍSTICOS, S.A., contra SONAGI IMOBILIÁRIA, S.A., por requerimento datado de 15/09/2023, a Autora apresentou articulado superveniente, com o seguinte teor (ignoram-se as notas de rodapé):
“AZIMAR – INVESTIMENTOS TURÍSTICOS, S.A., Autora nos autos acima identificados, em que é Ré Sonagi Imobiliária, S.A., vem, ao abrigo do disposto no artigo 588.º, no n.º 3 do artigo 423.º e no artigo 411.º do Código de Processo Civil (“CPC”), expor e requerer a V.ª Ex.ª o seguinte:
1. A ADMISSIBILIDADE DO PRESENTE ARTICULADO SUPERVENIENTE
1. Dispõe o n.º 1 do artigo 611.º do CPC que, “[s]em prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão”.
2. Ou seja, o n.º 1 do artigo 611.º do CPC visa garantir que a decisão judicial é o mais atual possível, por forma a adequar a decisão (o mais possível) à realidade existente na situação submetida a juízo.
3. Nas palavras de ABRANTES GERALDES e OUTROS:
“A alegação de factos jurídicos supervenientes está regulada nos arts. 588.º e 589.º, aí se limitando a apresentação de articulados supervenientes ao encerramento da discussão na audiência final, momento esse que corresponde ao termo das alegações orais dos advogados das partes (art. 604.º, n.º 3, al. e)). Estabelecendo-se que o conteúdo possível da sentença deve ser definido pelo estado dos autos no momento do encerramento da discussão, trata-se de levar o mais longe possível o intuito de assegurar a atualidade da sentença, no sentido da sua adequação à realidade existente na situação submetida a juízo, sem descurar, contudo, a necessidade de isso ser feito segundo um critério objetivo, previsível e controlável pelas partes (o encerramento da discussão), o que já não ocorreria se o critério fosse o da prolação da sentença” (ABRANTES GERALDES e OUTROS in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, página 732).
4. Concomitantemente, o n.º 1 do artigo 588.º do CPC dispõe que “[o]s factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão”.
5. Sendo certo que, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 588.º do CPC, o novo articulado em que se aleguem factos supervenientes deve ser oferecido:
“a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respetivo encerramento;
b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;
c) Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores”.
6. No caso concreto, os factos supervenientes infra alegados ocorreram, evidentemente, em momento posterior à realização da audiência prévia (que teve lugar em 9 de maio de 2018 e continuação em 6 de junho de 2018), pelo que o presente articulado superveniente deve ser oferecido na audiência final, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 588.º do CPC.
7. Todavia, e estando agendada a continuação da audiência de julgamento para o próximo dia 19 de setembro de 2023, a Autora submete o presente articulado superveniente neste momento, isto é, antes da continuação da audiência final, ao abrigo dos princípios da economia processual e da cooperação.
8. Os factos supervenientes alegados através do presente articulado são, sem sombra de dúvida, relevantes para a boa decisão da causa, na medida em que se relacionam com os resultados de exploração (assim como as respetivas taxas de ocupação e preços médios por quarto) que o Hotel Epic Sana gerou entre 1 de janeiro de 2022 até 30 de junho de 2023, isto é, já após a reinauguração da parte ampliada.
9. Naturalmente que estes factos supervenientes – relacionados com a exploração do Hotel Epic SANA após a construção da ampliação e reinauguração – são relevantes para a boa decisão da causa, na medida em que revelam que o cálculo de lucros cessantes apresentado pela Autora na petição inicial (isto é, a quantia diária de € 6.455,00) foi conservador.
10. Assim sendo, os factos supervenientes alegados através do presente articulado encontram-se conectados com o tema da prova previsto na alínea c) e relacionado com os “prejuízos sofridos pela Autora”, designadamente com os sub-temas: (i) “Ao não poder iniciar e concluir a construção, a autora perdeu a oportunidade de vir a auferir o valor líquido diário de € 6.455,00 (seis mil, quatrocentos e cinquenta e cinco euros), que receberia com a exploração dos quartos e demais infraestruturas previstas na ampliação do Hotel Sana Lisboa (42.º PI)” e (ii) “Cálculo de receitas adicionais prováveis geradas pela construção e respetivo aumento de capacidade (109.º a 124.º)”.
11. É que, na realidade, ao trazer-se para os presentes autos os resultados de exploração (assim como as respetivas taxas de ocupação) que o Hotel Epic Sana gerou entre 1 de janeiro de 2022 até 30 de junho de 2023 já não se está a falar de meras previsões, mas sim de resultados reais, os quais permitem corroborar os valores que serviram de base, como previsões, ao pedido de indemnização por lucros cessantes formulado pela Autora e que se encontra sintetizado no subtema da prova “Ao não poder iniciar e concluir a construção, a autora perdeu a oportunidade de vir a auferir o valor líquido diário de € 6.455,00 (seis mil, quatrocentos e cinquenta e cinco euros), que receberia com a exploração dos quartos e demais infraestruturas previstas na ampliação do Hotel Sana Lisboa (42.º PI)”.
12. Por fim, saliente-se que, em 13 de setembro de 2022, quando a Autora apresentou o anterior articulado superveniente, ainda não possuía os dados de exploração do Hotel Epic SANA reinaugurado (já com a ampliação) relativos a um período relevante e significativo e que – apesar do 1.º trimestre de 2022, que ainda foi afetado – não tivesse sofrido o impacto da pandemia gerada pelo COVID-19, pelo que apenas agora, com os resultados apurados da exploração durante um ano e meio, é possível carrear estes factos para o processo, que são muito significativos, na medida que permitem confirmar, sem qualquer margem para dúvidas, a justeza do valor da indemnização peticionada pela Autora a título de lucros cessantes, permitindo até concluir que a mesma peca, inclusivamente, por defeito, conforme já se antecipou supra.
2. FACTOS SUPERVENIENTES
13. A exploração do Hotel Epic SANA, da Autora, gerou uma faturação total até 30 de junho de 2023, desde 01 de janeiro de 2022, de € 36.452.810,00, sendo € 23.477.963,00 relativos a 2022 e € 12.974.847,00 ao primeiro semestre de 2023, conforme contas de exploração que se juntam (cfr. DOCS. 1 e 2).
14. No mesmo período, a exploração do Hotel Epic SANA implicou que a Autora suportasse custos no valor total € 19.397.395,00, dos quais € 12.738.265,00 relativos a 2022 e € 6.659.130,00 relativos ao primeiro semestre de 2023,…
15. …pelo que o Hotel Epic SANA teve um resultado de exploração (sem custos de investimento) positivo nesse ano e meio, apesar de ainda ter sofrido o impacto do COVID no primeiro trimestre de 2022, de € 17.117.754,00, dos quais € 10.762.562,00 são relativos a 2022 e € 6.355.192,00 são relativos ao primeiro semestre de 2023 (o que corresponde a uma margem líquida de 45,84% em 2022 e 48,98% em 2023) - cfr. Docs. 1 e 2.
16. Se se tiver em conta os custos com o investimento, o Hotel Epic SANA teve um resultado de exploração, nesse mesmo período de ano e meio, positivo de € 17.055.415,00, dos quais € 10.739.698,00 são relativos a 2022 e € 6.315.717,00 são relativos ao primeiro semestre de 2023 (cfr. Docs. 1 e 2).
17. Para se perceber a importância destes números – e quanto enganada estava a Ré quando defendeu neste processo que a Autora tinha feito um péssimo negócio com a aquisição do terreno em causa, que pretenderia compensar com a presente ação – basta considerar que apenas no primeiro ano e meio de exploração, o Hotel Epic SANA, depois de ampliado, gerou um lucro num valor superior ao preço pago pelo terreno da ampliação, ou seja, € 16,8 milhões.
18. Considerando a proporção que o número de quartos da parte ampliada do Hotel (isto é, 92 quartos) representa no total de quartos atual do Hotel Epic SANA (379), de cerca de 25% (24,27%) – perspetiva francamente conservadora porque não tem consideração os novos serviços de SPA, Restauração e Bar, Health Club e Piscina da parte ampliada e o seu contributo para o aumento do preço médio do quarto de todo o Hotel Epic SANA –, o facto é que, até 30 de junho de 2023, desde 1 de janeiro de 2022, a parte ampliada gerou um lucro de, pelo menos, € 4.154.478,90 (€ 17.117.754,00 * 24,27%), sendo € 2.612.073,80 relativos a 2022 e € 1.542.405,10 relativos ao primeiro semestre de 2023.
19. No último ano e meio, até 30 de junho de 2023, e apesar do já referido impacto negativo do COVID 19 no primeiro trimestre de 2022, a parte ampliada do Hotel Epic SANA gerou um lucro, antes de impostos, juros e amortizações (EBITDA), de € 7.608,94 (€ 4.154.478,90 / 546 dias por dia, confirmando e ultrapassando os valores que serviram de base, como previsões, ao pedido de indemnização por lucros cessantes formulado pela Autora.
20. Do mesmo modo, se se tiver em conta os custos com o investimento, a parte ampliada do Hotel Epic SANA gerou um lucro de, pelo menos, € 4.139.349,22 (€ 17.055.415,00 * 24,27%), o que equivale a lucro diário de € 7.581,23 (€ 4.139.349,22 / 546 dias), confirmando igualmente o
supra referido.
21. Já não estão em causa apenas previsões. São números reais, que arrasam totalmente as teses da Ré e da KPMG, em cujas folhas de excel a ampliação do Hotel Epic SANA iria causar à Autora um tal prejuízo que a Autora ainda teria de agradecer à Ré o atraso que lhe provocou na construção…
22. Por outro lado, entre 1 de janeiro de 2022 e 31 de agosto de 2023, o Hotel Epic SANA teve as seguintes taxas de ocupação e preços médios por quarto:
2022 TX Ocupação Preço Médio
jan/22 6,21% 183,95 €
fev/22 13,36% 181,65 €
mar/22 26,56% 175,24 €
abr/22 54,42% 201,92 €
mai/22 64,71% 231,63 €
jun/22 71,10% 237,00 €
jul/22 65,96% 235,06 €
ago/22 57,36% 226,12 €
set/22 79,32% 243,51 €
out/22 77,29% 249,05 €
nov/22 56,65% 211,99 €
dez/22 31,20% 199,47 €
2023 TX Ocupação Preço Médio
jan/23 26,78% 202,08 €
fev/23 29,05% 196,64
mar/23 48,09% 206,10 €
abr/23 66,94% 227,40 €
mai/23 80,15% 252,45 €
jun/23 73,85% 251,46 €
jul/23 64,68% 228,53 €
ago/23 56,85% 231,93 €
(cfr. DOC. 3).
23. Naturalmente que a taxa de ocupação média situa-se, atualmente, na ordem dos 55,80% (no período entre 1 de janeiro de 2023 a 31 de agosto de 2023) porquanto o Hotel Epic Sana reabriu como hotel de 5 estrelas (sendo conhecido que os hotéis de 5 estrelas têm, no setor, taxas de ocupação inferiores aos de 4 estrelas).
24. Em contrapartida, o preço médio por quarto (no período entre 1 de janeiro de 2023 a 31 de agosto de 2023) é de € 224,57 (na medida em que os hotéis de 5 estrelas têm, no setor, preços médios por quarto superiores aos de 4 estrelas).
25. Por outro lado, durante vários dias do ano de 2022 e de 2023 (até 31 de agosto) a taxa de ocupação do Hotel Epic Sana esteve próxima dos 100% (sendo que em 3 de novembro de 2022 esteve mesmo a 100%), conforme resulta da tabela infra que se dá por integralmente reproduzida:
DIAS com maior Tx Ocupação Ano 2022/2023
ANO 2022
Dia -Mês-Ano TX Ocupação Pr. Médio
28-abr-2022 qui 92,08% 200,82 €
28-jun-2022 ter 94,99% 269,04 €
07-jul-2022 qui 94,20% 204,92 €
23-set-2022 sex 98,15% 244,14 €
05-out-2022 qua 96,57% 251,66 €
03-nov-2022 qui 100,00% 242,78 €
ANO 2023
Dia -Mês-Ano TX Ocupação Pr. Médio
22-mar-2023 qua 83,64% 210,03 €
29-abr-2023 sáb 94,72% 253,34 €
09-mai-2023 ter 94,72% 258,66 €
15-jun-2023 qui 97,63% 266,66 €
05-jul-2023 qua 95,51% 237,44 €
(cfr. DOC. 4).
26. Saliente-se que, conforme referido no articulado superveniente de 13 de setembro de 2022, o Hotel Epic SANA abriu em regime de soft opening em 2 de setembro de 2021 e em regime normal de abertura ao público a partir de 21 de setembro de 2021.
27. Certo é que, entre 2 de setembro de 2021 e 31 de dezembro de 2021, o Hotel Epic SANA teve um resultado de exploração de apenas € 108.327,00 (cfr. DOC. 5), dado que, em geral, a hotelaria ainda se encontrava a sofrer os efeitos da pandemia gerada pelo COVID-19.
28. De notar, no entanto, que o período considerado pela Autora para cálculo dos lucros cessantes (ou seja, entre 10 de dezembro de 2012 e 30 de janeiro de 2020) não abrangeu qualquer fase afetada pela aludida pandemia.
29. Por último, resta atualizar os juros pagos pela Autora nos financiamentos relativos às obras de ampliação do Hotel Epic SANA, completando o alegado no artigo 21.º do último articulado superveniente:
PRESTAÇÃO DATA EURIBOR12M SPREAD TX JURO VALOR JUROS
24 25/11/2022 0,000% 1,20% 1,200% 31 450,00 €
25 25/02/2023 2,854% 1,20% 4,054% 103 376,98 €
26 25/05/2023 2,854% 1,20% 4,054% 97 228,06 €
27 25/08/2023 2,854% 1,20% 4,054% 97 633,83 €
Total 329 688,87 €
30. Assim, até à presente data, a Autora pagou um montante total de € 1.073.201,50 (€ 743.512,63 + € 329.688,87) a título de juros de financiamento relativo às obras de ampliação do Hotel Epic Sana.
(…..)”.
Conclui, no sentido da admissibilidade do articulado superveniente, com posterior cumprimento do disposto no nº. 4, do artº. 588º, do Cód. de Processo Civil, bem como na admissibilidade de junção de documentos aos autos, dispensando a Autora do pagamento de qualquer multa.
2 – Devidamente notificada, veio a Ré, em 29/09/2023, apresentar oposição á junção de tal articulado, aduzindo o seguinte (ignoram-se as notas de rodapé):
“SONAGI IMOBILIARIA, S.A., Ré nos autos à margem referenciados, tendo sido notificada do novo “articulado superveniente” e dos documentos ali juntos, vem em conformidade, apresentar a presente RESPOSTA AO ARTICULADO SUPERVENIENTE:
I. INTRODUÇÃO
1. Comecemos por recordar que há um ano atrás (em 13.09.2022), poucas semanas antes do início da audiência de julgamento (4.10.2022), a Autora apresentou um articulado superveniente no âmbito do qual (i) requereu uma designada alteração do pedido, (ii) requereu a realização de uma nova perícia, (iii) requereu o adiamento da audiência de discussão e julgamento, (iv) aditou o rol de testemunhas, indicando 12 novas testemunhas e, ainda, (vi) juntou 41 “novos” documentos, seis dos quais já se encontravam juntos aos presentes autos.
2. Ora, volvido mais de um ano, o presente processo continua em sede de audiência de discussão e julgamento, destacando-se que, das 12 novas testemunhas arroladas (admitidas em recurso interposto pela Autora), a Autora inclusivamente acabou por prescindir da inquirição de 5 e não assegurou a presença de 2.
3. E surpreendentemente, volvido mais de um ano, veio a Autora apresentar mais um articulado superveniente, em que requer a inquirição de 5 testemunhas, 4 das quais já foram inquiridas.
4. Desta feita, pretende a Autora alegar pretensos “novos” factos supervenientes, os quais, na sua visão, seriam relevantes para a boa decisão da causa porquanto se relacionam com os resultados de exploração que o Hotel Epic Sana gerou entre 1 de janeiro de 2022 até 30 de junho de 2023, ou seja, já após a reinauguração da parte ampliada.
5. A Autora pretende, como alega, demonstrar com este novo articulado superveniente que o cálculo de lucros cessantes apresentado na petição inicial foi, na sua ótica, “conservador”, porquanto o hotel estará atualmente a apresentar lucros superiores ao inicialmente estimado.
6. Contudo, o “articulado superveniente” deve ser indeferido porquanto, para além de constituir mais um entrave, da sua iniciativa, ao regular andamento do presente processo, contém apenas factos que, para além de não serem essenciais, em nada contribuem para a boa decisão da causa.
7. Tal sucede por diversas razões. Vejamos:
II. DA INADMISSIBILIDADE DO “ARTICULADO SUPERVENIENTE”
8. No âmbito do primeiro articulado superveniente apresentado pela Autora em 13.09.2022 esta última requereu uma designada alteração de pedido, que foi deferida pelos tribunais superiores, isto apesar de ter sido indeferida (e bem) pelo tribunal de 1.ª instância.
9. A Autora alegou nesse mesmo requerimento, quanto a essa alteração do pedido, que:
“37. Nesses termos, os lucros cessantes devem ser contabilizados a partir de 10.12.2012 (e não a partir de 21.04.2011), data em que de acordo com o programa de trabalhos, a Autora estaria em condições de começar a explorar a ampliação do hotel, o que não sucedeu devido à recusa ilícita da Ré em remover os recalces.
38. E, por outro lado, os lucros cessantes devem ser contabilizados até à data em que estava projetada a conclusão das obras de ampliação do hotel nos termos do contrato de empreitada de 09.11.2018 – i.e. até 30.01.2020 – visto que só a partir dessa data a Autora em princípio estaria apta a auferir lucros com a exploração da ampliação do hotel.”
10. Ou seja, a Autora balizou de forma concreta, o cálculo dos lucros cessantes entre o período de 10.12.2012 e 30.01.2020, diferentemente do que havia balizado em fevereiro de 2018 (através do seu “primeiro” articulado superveniente).
11. Ora, partindo desta circunstância, pergunta-se desde logo que relevância têm factos que dizem respeito a um período diferente, neste caso compreendido entre 01.01.2022 e 30.06.2023? A resposta é, obviamente, que nenhuma.
12. Naturalmente que a Autora procura iludir o Tribunal afirmando que estes dados são relevantes porquanto são dados supostamente “reais”, que servem para confirmar as suas previsões anteriores.
13. O objetivo da Autora é claro: tentar convencer o Tribunal de que a realidade dos factos apenas veio demonstrar que as suas previsões referentes a uma perda de valor líquido diário de € 6.455,00 (seis mil, quatrocentos e cinquenta e cinco euros) estimado na sua Petição Inicial (P.I.) foram inclusivamente “conservadoras”, sendo que o hotel acabou por ser bastante mais lucrativo, 10 anos depois, do que a própria Autora antecipava.
14. Contudo, este raciocínio é falacioso e, por isso, enganoso.
15. Sendo certo que após a liquidação do pedido efetuada pela própria Autora, tais dados nada contribuem para confirmar ou provar o que quer que seja com relevância para o presente processo, sendo irrelevante quão “bom” é o hotel da Autora e/ou a sua gestão.
16. Aliás, é importante desmistificar e destacar estas manobras da Autora, com as quais tem procurado, de uma forma constante, confundir e misturar factos, datas, períodos e valores, porventura com o objetivo de tornar este processo de tal forma confuso que, assim, conseguiria esconder a evidente e simples falta de preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil que lhe competia alegar e provar.
17. Recorde-se que a estimativa de lucros cessantes foi apresentada pela Autora na sua P.I. apresentada em juízo em junho de 2014, ou seja há quase nove anos atrás.
18. Nessa sede, a Autora alegou uma suposta perda diária € 6.455,00 (seis mil, quatrocentos e cinquenta e cinco euros por dia) correspondente ao montante líquido que alegadamente deixou de obter com a exploração dos quartos e demais infraestruturas previstas na ampliação do Hotel Sana Lisboa.
19. Note-se que tal estimativa foi efetuada em Abril de 2014 e com base nos supostos resultados de exploração do Hotel Sana Lisboa nos quatro últimos anos, i.e., 2010 a 2013.
20. Agora, a Autora, no seu novo articulado superveniente, alegando que a sua previsão de exploração foi “conservadora”, pretende comparar dois períodos separados por uma década e que são completamente diferentes e mesmo opostos do ponto de vista económico, ou seja, 2010 - 2013 vs 2022 - 2023.
21. A Autora simplesmente pretende comparar aquilo que é incomparável.
22. Com efeito, recordemos que o período de 2010-2013 pautou-se pelas seguintes circunstâncias, fortemente penalizadoras do clima económico:
 Crise do suprime e início da crise das dívidas soberanas;
 Portugal entra em estado de bancarrota;
 Resgate financeiro e intervenção da “Troika” para assegurar a viabilidade financeira do país;
 Cenário de recessão económica;
 Subida acentuada do desemprego;
 Dificuldades de financiamento;
 Lisboa era uma cidade ainda relativamente “local” ao nível do turismo, com pouca atração internacional.
23. Aliás, um estudo conduzido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos não hesitou em qualificar este período como: “2010-2013: A mais longa e severa das crises”.
24. Por seu turno, o período de 01.01.2022 e 30.06.2023 tem-se pautado pelas seguintes características:
 Portugal chega a registar o quinto maior excedente orçamental entre os 27
países da União Europeia;
 Taxa de desemprego estabilizada em 6,4%;
 Lisboa é uma das cidades mundiais mais procuradas no mundo para turismo;
 Inflação em máximos históricos com forte impacto nos preços da hotelaria que disparam para preços record, ainda mais impulsionados por eventos internacionais como a Web Summit ou mesmo a visita do Papa.
25. Em concreto, a subida nos preços de hotelaria tem sido de tal forma exponencial que tem inclusivamente sido evidenciada pelos meios noticiosos de forma recorrente.
Aqui ficam alguns exemplos:
 “Preços nos hotéis e restaurantes vão subir até 15% por causa da inflação” (notícia do Diário de Notícias de 25.02.2022);
 “Preços dos hotéis em Portugal disparam. Valores por noite aumenta em 71% ”(notícia do Jornal de Negócios de 27.08.2023);
 “Preços dos hotéis em Portugal disparam. Valores por noite aumentam em 71%” (notícia da MAGG, portal Sapo de 28.08.2023”;
 “Preço de uma noite num hotel em Portugal subiu 71% em dois anos” (notícia da SIC Notícias de 28.08.20237.
26. Todos estes factos são de conhecimento genérico e do público em geral, sendo, pois, públicos e notórios.
27. A acrescer, recorde-se que o projeto de ampliação do Hotel Sana existente com base no qual foi efetuado o cálculo inicial em 2014 é diferente do projeto que acabou por ser executado.
28. O projeto inicial subjacente ao cálculo efetuado em 2014 correspondia a uma ampliação de um hotel de 4 estrelas; contudo, o projeto que foi executado acabou por corresponder a um novo hotel de 5 estrelas, com infraestruturas diferentes, como aliás consta da memória descritiva do projeto de arquitetura apresentada em 2016 junto da CML (doc. 3 do articulado superveniente da Ré apresentado em 01.02.2018).
29. Não se pode comparar a performance e a rentabilidade de um hotel de 4 estrelas com um de 5 estrelas.
30. Com efeito, o montante de investimento referente a um hotel de 5 estrelas será sempre superior, tal como o respetivo retorno, sendo evidente que um hotel de 5 estrelas implica um acréscimo, quando comparado com o valor dos preços praticados por um hotel de 4 estrelas.
31. Face ao exposto, é patente que a Autora compara aquilo que é incomparável e faz um exercício que nada contribui para fundamentar ou provar a sua alegação de que o cálculo efetuado em 2014 relativamente aos resultados da exploração do hotel teria sido “conservador”.
32. Mais, a recorrente apresentação por parte da Autora de articulados supervenientes, adendas e retificações a adendas, elaboradas pela consultora Deloitte com vista à suposta demonstração, alteração ou “confirmação” do valor do dano que alega ter sofrido, apenas demonstra a insusceptibilidade de aplicação da fórmula escolhida pela Autora.
33. Na verdade, mais uma vez, e tal como já tinha acontecido aquando da apresentação do articulado superveniente em 13.09.2022, é patente que a Autora faz uma seleção orientada dos factos que entende serem-lhe mais convenientes.
34. Técnica que até poderia ser admissível num contexto de disputa, não fosse o facto de distorcer por completo a verdade e tentar, deliberadamente, confundir o Tribunal.
35. Aliás, neste âmbito destaque-se como a Autora construiu uma narrativa curiosa em que:
 Até hoje desconhece-se por completo em que momento se iniciou a empreitada de estruturas do hotel (a Autora esconde-o) e se houve atrasos na mesma ou não; e também,
 Que os cálculos ignoram de forma estratégica os resultados financeiros do hotel correspondentes ao período mais acentuado da pandemia de Covid-19, o qual terá obviamente tido um impacto fortemente negativo no funcionamento do hotel e nas respetivas contas de exploração.
36. Concluindo, a factualidade alegada é irrelevante e impertinente para os autos sendo manifesto que apenas distorce a verdade dos factos.
37. Nas palavras do Tribunal da Relação de Lisboa:
“Dito de uma outra forma, outrossim em sede de articulado superveniente, decisivo é que a parte pretenda carrear para os autos novos factos fundamentais/essenciais, maxime porque integradores da previsão ou “tatbestand” da norma aplicável à pretensão ou à excepção.
Inquestionável é, assim, que não é um qualquer facto, ainda que objectiva ou subjectivamente superveniente, susceptível de ser carreado para os autos em sede de articulado superveniente, antes deve ele ser essencial [e não manifestamente impertinente] para o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa, e segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.”
38. O novo articulado superveniente apresentado pela Autora deve ser indeferido na medida em que não contém factos que sejam essenciais para os presentes autos.
39. Na verdade estamos apenas perante matéria de cariz essencialmente probatório, a qual é também em qualquer cenário irrelevante, atentas as razões supra expostas, designadamente a desconexão de cenários comparativos que fundamentam os cálculos da Autora.
III – IMPUGNAÇÃO
40. Como acima se disse, a Ré entende ser inadmissível a apresentação do novo articulado superveniente, pelo que a posição infra sobre os alegados “novos” factos, deve-se apenas a mera cautela de patrocínio.
Dito isto,
41. Comece-se por notar que a matéria alegada pela Autora baseia-se num conjunto de informações e documentos avulsos / parciais / desconexos, sem que tenha sido sequer apresentada qualquer prova da respetiva auditoria ou reconciliação com as respetivas contas estatutárias.
42. Impugnam-se os factos alegados nos Artigos 13.º a 16.º do novo articulado superveniente por desconhecimento dos mesmos e não recair sobre a Ré qualquer dever de os conhecer.
43. Com efeito, tal pretensa factualidade diz respeito à suposta faturação, custos suportados pela Autora e aos resultados de exploração do hotel correspondentes ao período de 2022 e primeiro semestre de 2023.
44. Na mesma medida, são também impugnados os Docs. 1 e 2 ali juntos, os quais são documentos particulares relativamente aos quais a Ré desconhece a respetiva autoria e genuinidade, e inclusivamente, aparentam ser meras partes de outros documentos.
45. A matéria vertida no Artigo 17.º do novo articulado superveniente tem uma natureza meramente conclusiva, sendo que, caso assim não se entenda, tem-se aqui por impugnada para todos os legais efeitos por desconhecimento da Ré e por não recair sobre a mesma qualquer obrigação de a conhecer.
46. A acrescer, as alegações da Autora ali vertidas no sentido do “quanto enganada estava a Ré quando defendeu neste processo que a Autora tinha feito um péssimo negócio com a aquisição do terreno em causa, que pretendia compensar com a presente ação” são, igualmente, falaciosas e enganosas.
47. Com efeito, em momento algum a Autora efetuou tais alegações, tendo-se limitado a afirmar que o facto de a Ré não ter iniciado a construção e a exploração do hotel imediatamente após a aquisição do terreno acabou por ser benéfico para a mesma uma vez que os custos de financiamento em 2010/2011, em resultado da crise financeira que então se vivia, eram superiores aos custos de financiamento referentes ao período pós 2014.
48. Realidade esta que foi de resto confirmada pela KPMG no seu relatório ao referir que:
“(…) Adicionalmente é de referir que, no presente caso o atraso no investimento tenderá a ser benéfico pois, numa lógica de boa prática de mercado e de gestão (e à semelhança do que aconteceu o investimento inicial), o projecto de construção seria financiado em grande parte por capitais alheios (dívida bancária). Em 2010/2011 o custo de financiamento, em resultado da crise financeira, ser a muito superior e actualmente o custo de financiamento para projetos semelhantes, poderia ser significativamente mais reduzido (…).”
49. Impugna-se a matéria vertida no Artigo 18.º do novo articulado superveniente uma vez que a Ré desconhece e não tem qualquer obrigação de conhecer o suposto lucro que a parte ampliada gerou em 2022 e no primeiro semestre de 2023.
50. Tal como não tem a obrigação de conhecer o suposto lucro diário referente à parte ampliada antes de impostos, juros e amortizações (EBITDA) alegado no artigo 19.º, matéria que é aqui também impugnada.
51. Tal como já anteriormente referido no presente processo em diversas ocasiões, o critério do EBITDA pelo qual a Autora se tem batido até à exaustão, não é minimamente adequado para o cálculo dos supostos lucros cessantes que a Autora se arroga, reiterando-se assim as considerações já efetuadas nos Artigos 476.º e seguintes da Contestação, de resto comprovadas pelo relatório da KPMG e também pelo relatório dos peritos nomeados pelo Tribunal de 22.04.2022 (Quesitos 4 e 5) que aqui se dão por reproduzidos por questões de economia processual.
52. Impugna-se também a matéria alegada no artigo 20.º relativamente ao suposto cálculo do lucro diário “se se tiver em conta os custos com o investimento” porquanto a Ré desconhece tal factualidade e não recai sobre a mesma qualquer obrigação em a conhecer.
53. Por outro lado, desconhece-se se a Autora considerou efetivamente todos os custos de financiamento, se houve ou não mais financiamento, quais os custos intragrupo (do Grupo Sana) que sempre existem, royalties ou shared services, bem como o respetivo valor ou forma de imputação.
54. As considerações tecidas no Artigo 21º do novo articulado superveniente, no sentido de que já não estarão em causa meras previsões mas sim “números reais, que arrasam totalmente as teses da Ré e da KPMG, em cujas folhas de excel a ampliação do Hotel Epic Sana iria causar à Autora um tal prejuízo que a Autora ainda teria de agradecer à Ré o atraso que lhe provocou na construção”, tem um teor meramente conclusivo, sem qualquer substrato factual.
55. Aliás, acrescente-se, têm mesmo um teor fantasioso.
56. Tal como se referiu supra, a Ré procura validar cálculos de rentabilidade efetuados em 2014, referentes a um período compreendido entre 2010 e 2013 à luz de dados extraídos uma década depois, referentes a um hotel diferente daquele inicialmente projetado.
57. Por seu turno impugna-se também a factualidade alegada nos Artigos 22.º a 25.º do articulado superveniente referente às supostas taxas de ocupação e aos preços médios por quarto.
58. Com efeito, a Ré desconhece tal factualidade e não recai sobre a mesma qualquer obrigação de a conhecer.
59. Na mesma medida impugna-se o teor e a força probatória dos Docs. 3 e 4 juntos com o articulado superveniente. Com efeito, estamos perante meros extratos de documentos particulares cuja origem e genuinidade a Ré desconhece por completo.
60. Sem prejuízo, é evidente que a racionalidade ou rentabilidade de um investimento não se mede por ter tido 11 dias por ano com uma taxa de ocupação superior a 90%, sendo esta alegação completamente irrelevante.
61. Aliás, de acordo com os alegados dados fornecidos pela própria Autora, cumpre destacar que a média da ocupação anual do hotel foi de apenas 56%, ou seja, em média, cada dia deste período, o hotel teve um número de quartos vazio superior aos que resultaram da ampliação.
62. Em média (diária contada para um período de 18 meses) 44% dos quartos totais do hotel remodelado ficaram vazios, sendo que este número é superior ao número de quartos que foi acrescentado com a remodelação.
63. A verdade é que os dados fornecidos são insuficientes e não permitem concluir se face ao investimento efetuado para a expansão do número de quartos, o retorno incremental foi, ou não, positivo.
64. Independentemente de a receita ter sido superior e o EBITDA ter sido superior não se encontra demonstrado que o retorno para a Autora da construção da ampliação do hotel tenha sido positivo ou que existam sequer lucros cessantes imputados a um suposto atraso.
65. Impugna-se igualmente a matéria vertida nos artigos 26.º (referente à alegada data de abertura de soft opening / abertura ao público) e 27.º (resultado de exploração durante o período entre 02.09.2021 e 31.12.2021 e alegado impacto da pandemia de Covid-19) do articulado superveniente por desconhecimento da mesma e por não recair sobre a Ré qualquer obrigação de a conhecer.
66. A acrescer, impugna-se o teor e a força probatória do Doc. 5 com a designação “Síntese de Exploração Geral (acumulado)”, também ali junto, o qual é, mais uma vez, um mero extrato de um documento particular que a Ré desconhece por inteiro a proveniência e/ou autoria.
67. A matéria alegada no artigo 28.º do articulado superveniente tem um caráter meramente conclusivo sem qualquer tipo de substrato factual.
68. Sem prejuízo, não pode deixar de se destacar, mais uma vez, que a Autora, de uma forma estratégica, construiu o seu pedido de lucros cessantes de forma a que o período em causa deixasse “cirurgicamente” de fora o pico da pandemia de Covid-19 em que os hotéis em Lisboa (e um pouco por todo o mundo) encontravam-se encerrados e, obviamente, acumularam perdas financeiras brutais.
69. Sendo esta apenas mais uma das diversas “manobras” a que a Autora já nos tem vindo a habituar.
70. Por fim, impugnam-se os factos alegados nos artigos 29.º e 30.º do articulado superveniente referentes aos juros alegadamente suportados pela Autora nos financiamentos relativos às obras de ampliação do hotel Epic Sana, por desconhecimento dos mesmos e por não recair sobre a Ré qualquer obrigação de os conhecer.
71. Desconhecendo-se inclusivamente se entre o momento em que os financiamentos foram contraídos e a presente data houve alguma mudança na estratégia de investimento da Autora.
***
Nestes termos e nos demais de Direito, requer-se a V. Exa. se digne:
A) Indeferir in totum o Articulado Superveniente apresentado pela Autora;
B) Caso assim não se entenda – o que aqui apenas se conjetura de forma hipotética e por estrito dever de patrocínio – admitir a impugnação aos factos e documentos deduzida pela Ré”.
3 – Conhecendo acerca do requerimento apresentado, em 23/10/2023, foi proferido o seguinte DESPACHO:
“Do Articulado Superveniente
Considerando o disposto no art.º588º nº1 do CPC, e ainda que se considere que os factos articulados são supervenientes, manifesta-se que se mantém a posição já constante do despacho que indeferiu o anterior articulado superveniente, ou seja, que atenta a causa de pedir e pedido, bem como o objeto do litígio e temas da prova, se trata de factualidade que não tem interesse para a decisão da causa, bem como não estão em causa factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito, mas meros factos instrumentais, com relevância probatória muito incipiente.
No entanto, e vista a posição do Tribunal da Relação, constante no douto acórdão de 28.03.2023, que, em situação de articulado em tudo semelhante, considerou estarem em causa factos essenciais para determinação do montante da indemnização, entende-se dever ser tomada uma decisão conservadora. Com efeito, considerando que a fronteira teórico-prática entre factos instrumentais e factos essenciais complementares é fluida, e que a factualidade alegada agora pela autora poderá, até de forma que não lhe seja favorável (dada a distância de datas e disparidade da realidade económica em que os resultados da atividade relevantes para fixação da indemnização e os atuais se verificaram), decide-se admitir o articulado superveniente.
Em consequência, são aditados o seguinte tema da prova:
- Faturação total, custos, resultado de exploração do hotel e da parte ampliada do hotel entre 01.01.2022 e 30.06.2023; e lucro diário apurado.
Notifique e dn”.
4 – Inconformada com o decidido, a Ré interpôs recurso de apelação, por referência à decisão prolatada.
Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES:
A. Os factos deduzidos pela Recorrida no seu articulado superveniente não constituem factos essenciais, sendo irrelevantes para a boa decisão da causa, pelo que o articulado superveniente deve ser indeferido.
B. Nos presentes autos, a Recorrida peticiona a condenação da Recorrente no pagamento de uma indemnização por lucros cessantes, tendo alegado na sua P.I. uma perda diária € 6.455,00, correspondente ao montante líquido que alegadamente deixou de obter com a exploração do Hotel Sana Lisboa.
C. A Recorrida calculou o seu pedido indemnizatório desde o dia 21.04.2011 (data da suposta interpelação à Recorrente para efeitos de remoção dos recalces em causa nos presentes autos) até à data da apresentação da P.I., tendo no pedido final deixado dito que o fazia “sem prejuízo da quantia que vier a apurar-se em execução de sentença,
D. Tal estimativa foi efetuada com base nos supostos resultados de exploração do Hotel Sana Lisboa no período de 2010 a 2013 (cf. artigos 41.º e ss. da P.I. e Doc. 66).
E. Posteriormente, através de requerimento de 01.02.2018, a Recorrida veio aos presentes autos determinar o início e o termo do cômputo da indemnização peticionada, contabilizando-a entre o período de 21.04.2011 e 14.11.2016 e liquidar os seus alegados danos, referindo a desnecessidade de apuramento desses danos em sede de execução de sentença.
F. Subsequentemente, através de articulado superveniente de 13.09.2022, a Recorrida veio alterar o período do cálculo dos lucros cessantes para o período de 10.12.2012 e 30.01.2020, sem, no entanto, alterar o montante peticionado.
G. Os factos agora alegados pela Recorrida no novo articulado superveniente de 15.09.2023 – que se referem aos números (faturação, custos de exploração, resultados de exploração, lucros, EBIDTA, taxa de ocupação, juros, preço médio) do Hotel Epic Sana e da parte ampliada no período de 01.01.2022 até 30.06.2023/ 31.08.2023 – não apresentam qualquer relevância para a boa decisão da causa e não se circunscrevem ao período de tempo delimitado pela própria Recorrida no seu pedido atual.
H. O objetivo da Recorrida é apenas o de convencer o Tribunal a quo de que as suas previsões referentes a uma perda de valor líquido diário de € 6.455,00, estimado na sua P.I., foram “conservadoras”, pois na verdade o hotel acabou por ser bastante mais lucrativo.
I. Após a liquidação do pedido efetuada pela Recorrida e a posterior alteração do pedido, tais factos não são essenciais, em nada contribuindo para a procedência do pedido da Recorrida.
J. Por um lado, é apenas a realidade factual e económica subjacente ao período de tempo fixado pela própria Recorrida que deve relevar para efeitos de cálculo de indemnização (a ser devida), e não qualquer outro. Por outro lado, o período de 2010-2013 não é comparável com o período de 01.01.2022 e 30.06.2023/ 31.08.2023, como é público e notório.
K. O período de 2010-2013 pautou-se por circunstâncias fortemente penalizadoras do clima económico (como a crise do suprime e início da crise das dívidas soberanas, a intervenção da “Troika”, cenário de recessão económica, subida acentuada do desemprego, Lisboa era uma cidade ainda relativamente “local” ao nível do turismo, com pouca atração internacional).
L. Período esse que contrasta sobremaneira com o de 01.01.2022 e 30.06.2023/ 31.08.2023, que se tem pautado pelo crescimento económico de Portugal (Portugal chega a registar o quinto maior excedente orçamental entre os 27 países da União Europeia, a taxa de desemprego estabilizada em 6,4%, Lisboa é uma das cidades mundiais mais procuradas no mundo para turismo, os preços da hotelaria que disparam para preços record).
M. O projeto de ampliação do Hotel Sana existente com base no qual foi efetuado o cálculo inicial em 2014 é diferente do projeto que acabou por ser executado: o projeto inicial correspondia a uma ampliação de um hotel de 4 estrelas, enquanto o projeto que foi executado acabou por corresponder a um novo hotel de 5 estrelas, com infraestruturas diferentes.
N. Não se pode comparar a performance e a rentabilidade de um hotel de 4 estrelas com um de 5 estrelas: o montante de investimento e o retorno referente a um hotel de 5 estrelas será sempre superior, facto que reforça a irrelevância dos factos alegados pela Recorrida no seu novo articulado superveniente.
O. O Tribunal a quo apenas admitiu o articulado superveniente numa lógica conservadora, face ao anterior acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que reverteu a decisão do Tribunal a quo que tinha indeferido o articulado superveniente de 13.09.2022.
P. No entanto, se os factos articulados em 13.09.2022 eram absolutamente irrelevantes para a boa decisão da presente causa (face à liquidação do pedido feita pela própria Recorrida no requerimento de 01.02.2018), a irrelevância dos factos articulados em 15.09.2023 é ainda mais evidente, porquanto respeitam aos números do Hotel Sana Lisboa referentes a um período que em nada tem que ver com o período discutido nestes autos.
Q. A serem considerados relevantes factos como os ora alegados, abrir-se-ia a porta para que a Recorrida viesse aos presentes autos, de mês a mês, apresentar os números do seu Hotel, pois que os mesmos demonstrariam os bons resultados do seu Hotel e, como tal, revelariam que o cálculo de lucros cessantes apresentado pela Recorrida foi conservador, o que seria manifestamente absurdo.
R. Concluindo, o novo articulado superveniente apresentado pela Recorrida deve ser indeferido na medida em que não contém factos que sejam essenciais para os presentes autos, considerando a doutrina e a jurisprudência supra citada.
S. A decisão do Tribunal a quo que admitiu o articulado superveniente assenta numa errada interpretação e aplicação do direito, violando a norma do artigo 588.º do CPC, pelo que ser revogada e substituída por outra que indefira esse articulado.
T. Estamos apenas perante matéria de cariz essencialmente probatório e acessório, a qual é também em qualquer cenário irrelevante, atentas as razões supra expostas, designadamente a desconexão de cenários comparativos que fundamentam os cálculos da Recorrida.
U. Tendo em consideração o valor da causa de € 13.150.685,00, a ausência de dispensa do remanescente da taxa de justiça implicaria que a Recorrente se visse na circunstância de poder ter de pagar a título de remanescente de taxa de justiça um valor absolutamente desproporcional e chocante.
V. O pagamento de um tão alto remanescente da taxa de justiça não encontra qualquer justificação material, face à simplicidade do presente recurso e à conduta processual da Recorrente.
W. A obrigação de pagamento por parte da Recorrente no pagamento do remanescente da taxa de justiça configuraria uma violação manifesta dos princípios da proporcionalidade e do acesso ao direito e à justiça, constitucionalmente consagrados, pelo que deve a Recorrente ser dispensada do pagamento do remanescente de taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, o que se requer.
Conclui no sentido da revogação da decisão, a qual deve ser substituída por outra que indefira o articulado superveniente, bem como pela consequente anulação dos actos entretanto praticados por via do deferimento da admissibilidade do articulado superveniente.
5 – A Recorrida/Apelada veio apresentar contra-alegações, que findou com as seguintes CONCLUSÕES:
“I - Nota Introdutória
A. Com o presente recurso a Recorrente tenta tão só impedir que o Tribunal tome conhecimento de factos supervenientes de importante relevo para a justa decisão da causa. O recurso não só carece, assim, de fundamento legal, como se revela em colisão com o n.º 1 do artigo 611.º do CPC e com o n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil (a que preside o intuito de garantir que a decisão a proferir corresponda à situação existente ao momento do encerramento da discussão).
B. É esse propósito que justifica a incorreta contextualização processual a que procede, as indevidas ilações que dela pretende retirar, bem como o que (sem suporte fáctico, nem legal) argumenta quanto a um dos pressupostos legais de admissibilidade de articulado superveniente.
C. Sendo o intuito tentar inviabilizar que o foro competente para decidir tenha acesso a informação completa, pertinente e atualizada para resolver o litígio, estão em causa motivações insuscetíveis de ser acolhidas, antes determinando a improcedência do recurso.
II. A incorreta contextualização apresentada pela Recorrente
D. A secção a que a Recorrente atribui a epígrafe “Do contexto processual” não corresponde a uma descrição sequencial e objetiva de atos processuais (destinada a enquadramento), antes a descrição em que tenta transmitir a falsa ideia de que a Recorrida estaria a atuar, com o objetivo de atrasar a tramitação da ação, suscitando questões impertinentes.
E. Absolutamente ao invés, a Recorrida sempre atuou em conformidade com os parâmetros próprios da boa fé, em respeito pelo regime legal (designadamente com os artigos 588.º, 589.º e 611.º do CPC, bem como com o n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil), proporcionando ao tribunal, em termos objetivos, elementos, de facto e de direito, pertinentes e atualizados para a boa decisão da causa. Tanto foi, aliás, já reconhecido, por este mesmo Tribunal da Relação, no acórdão por si proferido em 28.03.2023, quando se pronunciou relativamente ao articulado superveniente
apresentado, em 13.09.2022, pela Recorrida.
III. A verificação dos pressupostos legais de admissão do articulado superveniente
F. Contrariamente ao que a Recorrente tenta inculcar, os factos invocados no articulado superveniente apresentado pela Recorrida em 15.09.2023 têm clara relevância para a boa decisão da causa. Apesar de os factos em causa não implicarem ampliação do pedido formulado, revelam-se importantes para adequada e justa decisão quanto ao pedido oportunamente formulado e admitido, como se retira das várias razões que se passam a explicitar.
III.1. O objeto da ação
G. Os factos supervenientes invocados no articulado superveniente apresentado pela Recorrida em 15.09.2023 encontram-se diretamente conectados com o tema da prova previsto na alínea c), sendo que este está em relação com os “prejuízos sofridos pela Autora” (designadamente com os sub-temas: (i)“Ao não poder iniciar e concluir a construção, a autora perdeu a oportunidade de vir a auferir o valor líquido diário de € 6.455,00 (seis mil, quatrocentos e cinquenta e cinco euros), que receberia com a exploração dos quartos e demais infraestruturas previstas na ampliação do Hotel Sana Lisboa (42.º PI)” e (ii) “Cálculo de receitas adicionais prováveis geradas pela construção e respetivo aumento de capacidade (109.º a 124.º)”.
H. Prendem-se, assim, com o fundamental thema decidendum da ação: a determinação do concreto valor devido (dentro da bitola máxima que foi estabelecida pelo pedido oportunamente formulado e admitido) pela Recorrente à Recorrida, a título de lucros cessantes, pelo facto de aquela ter inviabilizado a segunda de explorar o hotel (na parte em que este foi ampliado) entre 10.12.2012 e 30.01.2020.
III.2. Dos fatores de decisão e constitutivos do direito da Autora
I. Para decisão acerca dessa central questão em apreço relevam dois fatores: por um lado, o período durante o qual a Recorrida ficou impedida de explorar o hotel; por outro lado, o valor que a Recorrida deixou de auferir, por dia, em virtude de não ter desenvolvido a sua atividade durante tal período (ambos factos constitutivos do direito da Autora). O montante indemnizatório será apurado mediante multiplicação do valor de perda de rendimento atribuído a cada dia de não exercício da atividade pelo número total de dias em que a atividade não foi exercida.
J. O primeiro fator corresponde ao número de dias decorridos entre 10.12.2012 e 30.01.2020, como resulta dos factos constantes do articulado superveniente apresentado em 13.09.2022 (e admitido por acórdão do presente Tribunal, proferido em 28.03.2023).
III.3. As dimensões do segundo fator constitutivo do direito da Autora
K. No que diz respeito ao segundo fator constitutivo do direito da Autora (perda de rendimento diário pela Recorrida, em virtude do não exercício, pela Recorrida, da sua atividade), há duas dimensões a considerar: o valor numericamente imputado (no caso, o valor líquido de €6.455,00) a essa perda diária (dimensão conceitual) e os factos verificados que consubstanciam aquela perda quantitativa (dimensão factual).
L. Por via do articulado superveniente apresentado em 15.09.2023, não pretende a Recorrida alegar que o valor de perda diária (sofrido pela Recorrida) foi superior ao que esta anteriormente invocou nos autos (€ 6.455,00, como referido), como, aliás, decorre da circunstância de não ter alterado o valor de pedido indemnizatório global.
M. Simplesmente, esta dimensão constitutiva do direito da Autora (perda de rendimento diário pela Recorrida, em virtude do não exercício, pela Recorrida, da sua exploração da ampliação do Hotel Sana Lisboa em virtude do atraso na sua construção por força dos recalces) não se analisa apenas na invocação de valor. Como todas as dimensões constitutivas de direitos invocados em juízo, ela carece de ser factualmente enformada, tendo de, necessariamente, ser articulada com factos que a consubstanciem, sob pena de o julgador, ao invés de decidir de forma esclarecida e segura, ser remetido para uma espécie de atividade de adivinhação.
III.4. A natureza dos factos constitutivos em apreço
N. Esta última dimensão (factos constitutivos que consubstanciam a perda de lucro) assume uma caraterística particular: para além de estar em causa um facto negativo (não recebimento de um valor, correspondente ao lucro cessante), é um facto negativo não apurável de forma imediata e direta (não estava antecipadamente definido com exatidão o valor do lucro líquido que seria recebido pela Recorrida em cada dia de exploração do hotel, na sua parte ampliada).
O. Mas é possível (e imprescindível) projetar o que seria previsível que a Recorrida recebesse, por cada dia, em média, na atividade de exploração do seu hotel, na parte ampliada, caso disso não tivesse sido impedida em virtude de conduta da Recorrente.
P. Para que essa projeção seja fidedigna, há-de assentar em pressupostos credíveis e fiáveis, nestes se traduzindo os factos constitutivos a invocar pelo Autor (no caso, a Recorrida), para que deles o tribunal retire ilação devida e consistente quanto à perda de lucro que se deve considerar verificada em cada dia.
Q. A conclusão a retirar há-de assentar, assim, na projeção que se retire daquilo que a Recorrida efetivamente recebeu, por dia, durante o período de lucros cessantes (pela atividade exercida na parte não ampliada do hotel – a única que, em consequência da conduta da Recorrente, então se encontrava em laboração) e noutros segmentos temporais tendencialmente equiparáveis anteriores (considerando a atividade exercida na parte não ampliada do hotel) e posteriores (considerando a atividade exercida na parte ampliada do hotel) como fruto do desenvolvimento do mesmo tipo de atividade.
R. Os factos consubstanciadores desse desempenho profissional na exploração do mesmo hotel, pela Recorrida, noutros períodos temporais, representam, assim, os factos constitutivos a invocar neste caso, quanto ao segundo fator (acima identificado) em que assenta o direito da Recorrida a indemnização: perda diária de rendimento.
III.5. A relevância dos factos relativos aos resultados obtidos pela Recorrida entre 01.01.2022 e 30.06.2023 / 31.08.2023
S. Para que a projeção quanto ao valor diário de perda de rendimento que a Recorrida sofreu (pela não exploração, no período que mediou entre 10.12.2012 e 30.01.2020, da parte ampliada) seja adequada (projeção fiel e justa do lucro cessante), os factos (referidos no ponto anterior) hão de ser o mais completos, precisos, objetivos, diversificados e exatos que for possível,
T. Pelo que, para o efeito, importa considerar, para além dos dados (que se encontram disponíveis nos autos) relativos à exploração/contas, pela Recorrida, na parte não ampliada, no período que medeou entre 2014 e 2019 (inclusive) e ao período anterior (entre 2010 e 2013), também, naturalmente, os valores auferidos pela Recorrida (no efetivo desempenho da mesma referida atividade na parte ampliada – aquela a que os lucros cessantes se reportam), ou seja, em período posterior (entre 01.01.2022 e 30.06.2023 / 30.08.2023) àquele em que esteve impedida de laborar nessa parte do hotel.
U. Pretendendo-se, como se pretende, nesta ação, apurar o valor de lucros cessantes sofridos (entre 10.12.2012 e 30.01.2020), pela Recorrida, pela impossibilidade de exploração do hotel, na parte em que houve ampliação do hotel, estes últimos dados (os valores que vieram a ser auferidos pela Recorrida, no desempenho dessa atividade na parte ampliada – aquela, reforça-se, a que os lucros cessantes, que nesta ação se consideram, se reportam) - no período compreendido entre 01.01.2022 e 30.06.2023 / 30.08.2023 (momento posterior ao impedimento de exploração que tinha sido criado pela Recorrente e em que, assim, era já possível a exploração da parte ampliada) acrescentam inequívoco valor ao material factual de que o Tribunal dispõe para decidir – tornam-no mais equilibrado e completo.
V. Na verdade, até ao momento de admissão do articulado superveniente a que houve lugar em primeira instância (articulado apresentado em 15.09.2023), para a atividade de projetar os lucros cessantes sofridos pela Recorrida em virtude da não exploração da parte ampliada do hotel o tribunal dispunha apenas de dados relativos à sua exploração (pela Recorrida) da parte não ampliada do hotel.
W. Estes novos dados (carreados para os autos por via do articulado superveniente apresentado em 15.09.2023, objeto do despacho recorrido) respeitam, justamente, aos resultados da exploração dessa parte (ampliada) e são os primeiros e únicos de que até ao momento o tribunal dispõe quanto aos resultados da exploração dessa parte (ampliada) - aquela que se analisa na presente ação. Até agora só se encontravam disponíveis nos autos dados relativos à exploração da parte não ampliada. Os dados ora em apreço acrescentam, pois, inequívoco e indispensável valor ao material factual de que o Tribunal dispõe para decidir quanto ao ressarcimento pelos lucros cessantes sofridos pela Recorrida pela não exploração da parte ampliada – tornam-no mais equilibrado, mais completo e efetivamente dotado de informação atinente, de forma direta, ao tipo de danos que se apreciam na presente ação.
X. Representam, por outro lado, dados reais, que comprovam que o negócio em causa, desenvolvido após a ampliação do hotel, na parte ampliada, funciona, que é uma estrutura com aptidão lucrativa (pelo que a sua não exploração durante os quase 8 anos anteriores deu origem a perda de lucro carece de ser indemnizada).
Y. Quando o presente Tribunal da Relação, em 23.03.2023, proferiu acórdão em que julgou admissível o articulado superveniente apresentado em 13.09.2022, fê-lo, entre outras razões, com base no facto de considerar importante para a decisão da causa o facto aí invocado de que o hotel tinha sido inaugurado e iniciado atividade (a parte ampliada). Os dados relativos à exploração da parte ampliada assumem, assim, por inerente consequência, importância (relevância para a decisão da causa), pelo que se deve continuar a considerar admitido o articulado superveniente apresentado em 15.09.2023.
Z. A circunstância de o hotel, depois de ampliado, ter reiniciado atividade demonstra que estava em causa um projeto sério, um empreendimento dotado de estrutura, capaz de atuar no mercado, sem o que não seria inequívoco concluir no sentido da existência do dever de indemnizar. Indiscutivelmente relevante se afiguram, assim, para a boa decisão da causa, factos atinentes à circunstância de essa atividade gerar rendimento - evidenciam estar em causa atividade geradora de lucro, de cujo recebimento a Recorrida ficou privada, durante o período em que lhe foi impossibilitado (pela Recorrente) o exercício dessa atividade, e de que, portanto, deve ser indemnizada,
AA. Contribuindo, de forma importante, para (em conjugação com os dados já disponíveis nos autos, relativos a todo o período anterior – desde 2010 a 2013 e durante o período intermédio de 2014 a 2019), constituir processualmente a ocorrência de lucro cessante (são factos constitutivos do mesmo) e, consequentemente, a necessidade da sua indemnização.
BB. Se é seguro que se no período posterior a 30.01.2020 (período posterior ao início da atividade na parte ampliada), sem o impacto de outro evento negativo sobre a sua atividade, a Recorrida tivesse, de um modo consistente, incorrido em prejuízo ou obtido lucros mais reduzidos que os que obtivera em período anterior (de 2010 a 2013 e durante o período intermédio de 2014 a 2019, cujos dados de exploração já constam dos autos), ou não obtido qualquer lucro, esses dados deveriam ser considerados para efeito de indemnização pelos lucros cessantes decorrentes do não exercício dessa atividade entre 10.12.2012 e 30.01.2020, então também quando (como no presente caso) aqueles resultados são positivos, revelando a obtenção de lucro, hão-de ser considerados para o mesmo efeito. A identidade de razões assim o impõe.
CC. Quando propôs a ação, em 2014, à Recorrida não era possível invocar factos constitutivos relativos ao que viria a ser o seu desempenho em momento posterior à reabertura do Hotel ampliado, dado que ainda não se tinha atingido esse momento temporal.
DD. Só mediante apreciação articulada, pelo tribunal, entre os referidos dados relativos à exploração do hotel, pela Recorrida, na parte não ampliada, entre 2010 e 2013, bem como entre 2014 e 2019, e os dados relativos à exploração do hotel, pela Recorrida, na parte ampliada, no período decorrido entre 01.01.2022 e 30.06.2023 / 30.08.2023 (períodos anterior, intermédio e posterior ao período de lucros cessantes - 10.12.2012 e 30.01.2020), aquele disporá de uma perspetiva que permitirá ao decisor realizar uma projeção correta, mais sustentada e equitativa, quanto ao que terá sido a perda de lucro cessante, por dia, da Recorrida, quanto à parte ampliada, entre 10.12.2012 e 30.01.2020. Razão por que se deve considerar a manter admitido o articulado superveniente de 15.09.2023 (objeto do despacho recorrido).
III.6. A falta de fundamento dos argumentos da Recorrente
EE. O argumento da Recorrente no sentido de que os resultados relativos ao período de 01.01.2022 até 30.06.2023 / 31.08.2023 não se relacionam com o período em causa assenta numa falácia: não é possível considerar resultados reais de exploração relativos ao período que medeia entre 10.12.2012 e 30.01.2020, simplesmente porque, no que diz respeito à parte ampliada do hotel, não existiram. Assim, os resultados que para esse período se venham a considerar a título de lucros cessantes pela não exploração da parte ampliada, resultarão sempre de uma projeção em que se considerem (para além dos resultados obtidos pela Recorrida quanto à exploração da parte não ampliada nesse período e em período anterior na parte não ampliada), dos resultados obtidos pela Recorrida em período temporal posterior com a exploração da parte ampliada.
FF. Não corresponde à verdade o que a Recorrente alega, no sentido de que os dois períodos (2010-2013, no essencial anterior ao impedimento de exercício da atividade, e 2022-2023, posterior à reinauguração do hotel) não se reportam a realidades económicas muito distintas (a primeira de crise, a segunda de apogeu, na sua leitura), pois são públicas e notórias as contingências altamente limitadoras que se viveram (e vivem) no período pandemia e pós pandemia Covid19 (sendo que esta foi declarada em 30.01.2020, só tendo cessado em 05.05.2023) (6), designadamente as que decorrem da subida dos preços (designadamente dos combustíveis), retração do consumo, guerra, inflação e crise energética (7) (como o FMI e outras entidades confirmam e mais detalhadamente se explicita no corpo das alegações). Estão em causa tempos com afinidades, infelizmente.
GG. Em todo o caso, mesmo que estivessem em causa janelas de tempo a que correspondessem ritmos de evolução económica opostos (um de declínio, outro de apogeu), tanto não impediria que os resultados auferidos pela Recorrente em ambos os contextos fossem considerados para efeito de determinação do valor de lucro cessante diário sofrido pela Recorrida entre 10.12.2012 e 30.01.2020, pois a operação realizada para efeitos de cálculo indemnizatório não se traduz no confronto ou comparação entre esses dois períodos de tempo (para optar por um deles); nem quanto a cada um desses períodos de tempo se considera a realidade económica externa (ou seja, dados económicos que não os que digam respeito aos dados de exploração do hotel) neles verificada.
HH. Diferentemente: não havendo resultados reais relativos ao desempenho da Recorrida, na parte relativa à ampliação do hotel, entre 10.12.2012 e 30.01.2020, faz-se uma projeção do que teriam sido esses resultados tomando por base os resultados obtidos pela Recorrida no que diz respeito à parte não ampliada nos períodos mais próximos de 2010 a 2013 e durante o período de 2014 a 2019, bem como os resultados obtidos agora já efetivamente na parte correspondente à parte ampliada do hotel no período entre 01.01.2022 e 30.06.2023 / 31.08.2023), pelo que não tem necessariamente de se escolher um período de tempo, nem estes têm de ser coincidentes (todos devem ser devidamente considerados pelo Tribunal na decisão).
II. Se no período entre 2010 e 2019 a Recorrida tivesse tido resultados fantásticos e no período posterior resultados críticos, estas duas realidades (contrastantes quanto à qualidade do desempenho financeiro) não seriam insuscetíveis de ser consideradas em simultâneo para efeito de cálculo do valor de lucro cessante diário durante o período entre 10.12.2012 e 30.01.2020, na parte correspondente à zona ampliada do hotel: corresponderia, porventura, a uma média entre o resultado diário obtido, entre 2010 e 2019, na parte não ampliada (a única que se encontrava a laborar no período a que respeita o lucro cessante) e o resultado diário obtido na parte ampliada entre 01.01.2022 e 30.06.2023 / 30.08.2023 (período em que a zona ampliada do hotel, relativamente à qual se pretende apurar lucros cessantes, se encontrava já em efetiva laboração).
JJ. Assim, perante o desconhecimento efetivo do resultado que teria sido obtido pela Recorrida, na parte correspondente à zona ampliada do hotel, no período de inatividade (provocado pela conduta da Recorrente), é a articulação entre os resultados anteriores (2010 a 2013) e contemporâneos (2014 a 2019) a essa inatividade, obtidos na parte não ampliada e os resultados obtidos (entre 01.01.2022 e 30.06.2023 / 30.08.2023) na parte ampliada (de acordo com critério de ponderação que o tribunal defina) que contribui para a obtenção de um valor equilibrado e equitativo, suscetível de, em termos de fundamentada razoabilidade, ser oponível pelo tribunal, como decisão equilibrada, a ambas as partes.
KK. Os resultados a considerar são os resultados obtidos pelo concreto agente económico nesses períodos, que não dados relativos à economia em geral, dado que pode estar em causa um agente económico que evolua em contraciclo (se, por exemplo estiver em causa agente económico que logre incrementar o seu lucro, não obstante o contexto de crise envolvente, não deve ser penalizado, para efeitos de cálculo indemnizatório, pelo facto de essa não ser a tendência geral nesse momento – é esse o caso da Recorrida que, em 2012 e 2013, logrou mesmo inaugurar outros hotéis de 5 estrelas noutros pontos de Lisboa).
LL. Carece também de fundamento a invocação pela Recorrente de que o período de 01.01.2022 a 30.06.2023 / 30.08.2023 não dever ser considerado em função tendência de inflação: esta atinge tanto as receitas como as despesas que a atividade da Recorrida envolve, pelo que, sob esse ponto de vista, esse seria um elemento neutro para efeitos indemnizatórios.
MM. Também não é obstáculo à manutenção do articulado superveniente apresentado em 15.09.2023 a circunstância de os factos supervenientes aí invocados corresponderem a resultados obtidos em exploração de um hotel de 5 estrelas, ao passo que na projeção que se fizera em 2014 se tinham tomado por base os resultados obtidos pela Recorrida enquanto em exploração de um hotel de 4 estrelas: pelo contrário, isso só demonstra, precisamente, que os resultados inicialmente projetados, pela Recorrida, em 2014 (quando intentou a ação), são muito conservadores em relação à efetiva perda de lucro que sofreu.
NN. É verdade que os números apresentados pela Recorrida no seu articulado superveniente de 15.09.2023 não consideram os resultados financeiros do hotel durante o período mais acentuado de pandemia de Covid e não podia deixar de ser de outro modo, dado que no período de lucros cessantes (de 10.12.2012 a 30.01.2020) não se encontrava instalada a pandemia de covid 19 e em que, consequentemente, não se sofriam ainda os impactos desta na exploração do hotel.
OO. Em rigor, o padrão tomado por base (resultados obtidos em 2022 e primeiro semestre de 2023) no articulado superveniente de 15.09.2023 peca até por defeito (com prejuízo para a Recorrida e benefício para a Recorrente), pois se o período mais intenso de pandemia ocorreu em 2020, 2021 e primeiros meses do ano 2022 (o que abrange parte do período que medeia entre 01.01.2022 e 30.06.2023 / 31.08.2023), a declaração de pandemia pela OMS ainda se manteve subsistente, ao passo que no período em que se avalia a perda de lucro sofrido pela Recorrida (10.12.2012 a
30.01.2020) não vigorou qualquer declaração pandémica (pelo que no período correspondente aos lucros cessantes - - a Recorrida teria obtido lucros superiores aos que obteve entre 01.01.2022 e 30.06.2023 / 31.08.2023). O mesmo vale quanto ao facto de, para o mesmo fim, se considerarem os dados relativos a 2010-2013 (período de crise financeira). São, em todo o caso, os dados disponíveis (a par dos relativos ao período que medeia entre 2014 e 2020) e, nessa medida, dados a considerar.
PP. Não procede a invocação de que os resultados obtidos entre 01.01.2022 e 30.06.2023 / 31.08.2023 se encontrariam temporalmente muito distantes do período de lucro cessante em causa na ação (pelo que não deveriam ser considerados). A título de exemplo (e sabendo que o período total de lucros cessantes vai de 10.12.2012 e 30.01.2020): a parte do período de lucro cessante correspondente a dezembro de 2015 encontra-se a dois anos de distância do padrão de resultados referente a 2010-2013; tal como a parte do período de lucro cessante de janeiro de 2020 se encontra a dois anos de distância do padrão de resultados de 2022-2023.
QQ. Se não fossem considerados os factos supervenientes constitutivos invocados no articulado superveniente de 15.09.2023 (resultados obtidos pela Recorrida, com a zona ampliada, entre 01.01.2022 e 30.06.2023 / 30.08.2023), o lucro cessante sofrido pela Recorrida com a parte ampliada (entre 10.12.2012 e 30.01.2020), tomaria em consideração os dados obtidos com a parte não ampliada entre 2010 e 2013, bem como entre 2014 e 2019, mas já não os dados obtidos com a parte ampliada entre 01.01.2022 e 30.06.2023 / 30.08.2023, quando na ação se apreciam os lucros cessantes com a parte ampliada, o que demonstra a importância da manutenção do referido articulado superveniente nos autos para que possa ser proferida uma decisão justa na ação.
RR. Deve, em síntese, ser considerado todo o arco temporal envolvente, tanto do período que intercede entre 2010 e 2013, como do período que medeia entre 2014 e 2019, como ainda do período entre 2022 e 30.06.2023 / 30.08.2023. Esta é, assim, a base justa e equilibrada para projeção do lucro cessante sofrido entre 10.12.2012 e 30.01.2023.
SS. Tudo o que antecede evidencia dever o mesmo manter-se admitido, julgando-se improcedente o presente recurso.
III.7. A distinção entre duas questões
TT. Questão diferente da que se prende com a admissibilidade desse articulado superveniente (que se afigura dever manter-se admitido, pelas várias razões expostas é a questão que contende com a ponderação que o tribunal venha a
estabelecer entre os três grupos de factos (de 2010 a 2013, de 2014 a 2019 e de 01.01.2022 a 30.06.2023 / 30.08.2023) em sede de sentença (maior ou menor peso que a cada um deles venha a ser atribuído), sendo que a resposta à segunda questão só será fundamentadamente apurável ponderando toda a prova produzida.
UU. Em todo o caso, o seguinte se afigura objetivamente claro: estando em causa determinar o montante de lucro cessante sofrido pela Recorrida entre 10.12.2012 e 30.01.2020, na parte ampliada, não se pode deixar de se ter em consideração os dados relativos aos resultados obtidos nessa parte (ampliada), após o início da sua laboração (ou seja, os dados relativos à exploração dessa parte entre 01.01.2020 e 30.06.2023 / 30.08.2023).
VV. Por fim, e em última análise, para além de tudo o acima exposto: é sempre preferível dispor de acrescida e atualizada informação para decidir, do que, antecipada e em termos não jurídica nem factualmente justificados de forma devida, prescindir da mesma.
WW. De todas as razões acima expostas decorre dever-se manter a decisão de admissão do articulado superveniente apresentado em 15.09.2023, julgando-se improcedente o recurso em apreço.
VI. A dispensa da taxa de justiça remanescente
XX. Encontram-se reunidos os pressupostos (quer os relativos à conduta processual das partes, quer os relativos à complexidade da causa) para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, n.º 7 do RCP, pelo que a esta deve haver lugar”.
Conclui, no sentido de ser negado provimento ao recurso, e de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
6 – Por despacho datado de 20/02/2024, foi liminarmente admitido o recurso interposto, como apelação, a subir de imediato, em separado e com efeito devolutivo.
7 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil 2, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
“1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas ;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da Recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, na ponderação do objecto do recurso interposto pela Recorrente Ré, delimitado pelo teor das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede consubstancia-se em aferir se é de admitir o articulado superveniente deduzido pela Autora.
O que implica, neste desiderato, apreciar acerca do incidente/instituto dos articulados supervenientes.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade a ponderar é a que decorre do iter processual supra exposto.
A tal factualidade, mediante análise do processo electrónico, pode-se, ainda, aditar a seguinte:
I. No âmbito da petição inicial da presente acção – 915/14.9TVLSB.L1 -, apresentada em 06/06/2014, a Autora deduziu o seguinte petitório:
“a) Ordenar a Ré a remover os recalces invasivos solidários com a estrutura do edifício Semapa, implantados no subsolo do prédio da Autora, levando aquela a cabo, para o efeito, as acções e procedimentos necessários;
b) Condenar a Ré a pagar à Autora danos emergentes no montante global de € 14.760,00 (catorze mil, setecentos e sessenta euros), acrescidos do montante a apurar em execução de sentença e de juros de mora à taxa legal;
c) Condenar a Ré a pagar à Autora lucros cessantes no montante de € 7.371.610,00 (sete milhões, trezentos e setenta e um mil e seiscentos e dez euros), sem prejuízo da quantia que vier a apurar-se em execução de sentença, após a efectiva remoção dos recalces invasivos;
d) Fixar sanção pecuniária compulsória (artigo 829.º-A, do Código Civil), no valor diário de € 6.455,00 (seis mil, quatrocentos e cinquenta e cinco euros)” ;
II. Tendo para o efeito alegado, em súmula, o seguinte:
• A Autora é proprietária e entidade exploradora do Hotel Sana Lisboa, situado na Avenida Fontes Pereira de Melo, em Lisboa, tendo adquirido, em 12 de Março de 2009, para a ampliação das instalações do referido Hotel, o terreno contíguo, com uma área de 813,74 m2, que confina com o edifício comummente designado por edifício Semapa, propriedade da Ré ;
• elaborou um projecto de ampliação do Hotel Sana Lisboa, que utiliza a área da parcela adquirida em toda a sua extensão, com aproveitamento do subsolo na projecção vertical da área de superfície utilizada para a implantação da construção, com vista ao aumento da respectiva capacidade, projecto já licenciado, com os trabalhos iniciados em Agosto de 2010 ;
• Em 4 de Outubro de 2010, foram encontrados, no âmbito dos trabalhos em curso, vestígios de betão pertencentes à estrutura do edifício Semapa, que pertenceriam a uma estrutura com função de fundação, recalce e contenção de terras do projecto do edifício Semapa, no qual se previam recalces invasivos solidários com a estrutura da propriedade da Autora, tendo interpelado a Ré, em Abril de 2011, para proceder à urgente remoção dos recalces, o que esta se recusa a fazer;
• A Ré apresentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa requerimento de providência cautelar destinado à suspensão de eficácia dos actos de aprovação do projecto de ampliação do Hotel Sana Lisboa, que foi julgado improcedente ;
• Retomadas as negociações entre as partes, a Ré insistiu em tentar obter da Autora o “reconhecimento da realidade existente”, ou seja, a manutenção dos recalces invasivos ;
• Autora e Ré, através de equipa técnica comum, procederam a sondagens que demonstram a existência dos recalces invasivos solidários com a estrutura do edifício Semapa, implantados no subsolo do terreno da Autora, cuja existência inviabiliza o pleno aproveitamento do terreno adquirido pela Autora e, em concreto, a execução do projecto aprovado;
• A estrutura global do edifício SANA Lisboa prevê uma importante parede de empena em betão armado a toda a altura do edifício e essa parede deve manter a sua verticalidade a toda a altura, pelo que se a parede “nascer” nas fundações desviada da sua posição de projecto (compatível com a dimensão do lote), essa nova posição tem implicações em todos os pisos do hotel ;
• A pretendida remoção dos recalces invasivos é tecnicamente possível, eventualmente obrigando à realização de um reforço localizado da parede do edifício Semapa ;
• A atitude de recusa da Ré, desde 21 de Abril de 2011, em remover os recalces invasivos solidários com a estrutura do edifício Semapa gerou – e continua a gerar –, na esfera jurídica da Autora, avultados prejuízos pecuniários, pois que deixou de obter o resultado líquido com a exploração dos quartos e demais infra-estruturas previstas na ampliação do Hotel Sana Lisboa, ascendendo ao valor diário de 6 455,00 €, valor calculado com base nos resultados de exploração do Hotel Sana Lisboa nos quatro últimos anos (2010 a 2013) ;
• Para além do aduzido, a Autora despendeu, até à presente data, diversos valores com a elaboração de pareceres, técnico relativo em consultoria turística e jurídico, e, bem assim, com serviços prestados por engenheiros, arquitectos e advogados, num montante total de 14 670,00 €, a acrescer o que vier a ser apurado em execução de sentença ;
• A propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém, sendo que de acordo com a regra da impossibilidade jurídica da coexistência, num mesmo momento e para uma mesma parcela de terreno, de dois proprietários distintos: um do solo e outro do subsolo, na ausência de qualquer ónus ou limitação do direito, constante do registo predial, decorre do artigo 7.º do Código do Registo Predial a presunção de que a Autora é a plena proprietária da área em apreço e goza dos respectivos direitos de uso, fruição e disposição, o que é inviabilizado pela ocupação da Ré, que consubstancia um facto ilícito.
III. Em 01/02/2018, a Autora apresentou nos autos o seguinte requerimento:
“Azimar – Investimentos Turísticos, S.A., Autora (A.) nos autos à margem, em que é Ré (R.) Sonagi Imobiliária, S.A., vem, na sequência da marcação da audiência prévia (V./ Ref.ª 373077861) e ao abrigo do disposto nos artigos 7.º, n.º 1 e 265.º do Código de Processo Civil (“CPC”), expor e requerer o seguinte:
1) Como consta dos autos, a A. encontra-se impedida, desde 21 de Abril de 2011, de executar o projecto de ampliação do Hotel Sana Lisboa (“HSL”), ao abrigo da licença deferida pela Câmara Municipal de Lisboa (“Licença”), em virtude da recusa da R. em proceder à remoção dos recalces invasivos solidários com a estrutura do edifício Semapa, implantados no subsolo do prédio da A. (“RI”), tudo nos termos melhor documentados no processo.
2) Desde essa data, como é consabido, o panorama económico e financeiro do País alterou-se drasticamente, sendo que um dos motores dessa mudança foi, precisamente, o turismo (e, muito em especial, o turismo em Lisboa).
3) Ora, após cinco anos de espera, a sofrer os avultados prejuízos que oportunamente se alegaram, a A. – pese embora não se conformasse (como não conforma) com a situação ilícita de que é vítima – viu-se, sob pena de perder a posição de mercado face à concorrência, perante a impossibilidade objectiva de continuar a aguardar pela remoção dos RI e, em consequência, em 14 de Junho de 2016, apresentou um pedido de alteração da Licença na Câmara Municipal de Lisboa (“CML”), tendo em vista a possibilidade de executar a ampliação do HSL, sem a dita remoção.
Pedido esse que veio a ser aprovado, tendo sido emitido o respectivo alvará, em 14 de Novembro de 2016(cfr. alvará de obras com demolição n.º 136/OD-CML/2016 que se junta).
4) Na sequência da alteração da Licença, a CML comunicou ao TAC de Lisboa a emissão deste novo acto administrativo, o qual, tendo substituído a Licença, conduziu à extinção do processo da impugnação desta, que aí corria termos (cfr. sentença já junta aos autos, Ref.ª Citius 16557603).
5) A referida alteração à Licença implica – em nome, antes de mais, da economia processual – a adaptação pragmática do peticionado nos autos à actual materialidade das coisas. A saber:
a) Em primeiro lugar, impõe-se a redução do pedido, porquanto se demonstra desnecessário obter, para o futuro, a condenação da a R. a remover os RI – o que se requer.
b) Em segundo lugar, tendo sido aprovada a alteração à Licença, é agora também possível concretizar o pedido efectuado, quanto a lucros cessantes – o qual deve reportar-se ao n.º de dias contados entre 21 de Abril de 2011 e aquela alteração [ou seja, 2035 dias (dois mil e trinta e cinco dias), contabilizando um total de € 13.135.925,00 (treze milhões, cento e trinta e cinco mil e novecentos e vinte cinco euros)], sem necessidade de apuramento em sede de execução de sentença –, o que se requer.
c) Em terceiro lugar, a alteração que a A. se viu forçada a proceder – encontrando, portanto (ainda e sempre) a sua causa na recusa ilícita da R. em proceder à remoção dos RI –, face ao projecto inicial titulado pela Licença, implicou custos adicionais, designadamente com (i) estudos técnicos realizados, (ii) custos de construção com a remoção localizada dos RI, (iii) elaboração de projectos de alteração da arquitectura e da estrutura da obra e (iv) horas internas da A. e da organização em que a mesma se insere. Custos esses que, sendo apenas plenamente contabilizáveis e determináveis após a conclusão da obra, deverão ser indemnizados, a título de danos emergentes e enquanto ampliação do pedido inicial, em montante a determinar em execução de sentença – o que se requer.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos,
Requer-se V.ª Ex.ª se digne
a) Deferir as alterações ao pedido acima requeridas;
b) A final, julgar a presente acção totalmente procedente, por provada” ;
IV. Em sede de audiência prévia datada de 09/05/2018, foi prolatado o seguinte despacho:
“Atendendo a que, materialmente o requerimento de 01-02-2018 configura um verdadeiro articulado superveniente, dado que neste são alegados factos novos constitutivos do direito da autora, entende-se que, ao abrigo do princípio de adequação formal – art.º 547º do CPC – e face à postura da autora em reiterar que pretendeu de facto alegar novos factos, nos termos e para os efeitos do art.º 588º CPC, considera-se portanto o requerimento como um articulado superveniente, na parte em que alega novos factos.
A parte contrária já veio exercer o contraditório. Não há dúvidas de que o articulado é tempestivo e é manifesto que os factos interessam à decisão da causa e serão devidamente considerados aquando da selecção dos temas da prova” ;
V. E, na audiência prévia datada de 06/06/2018, foi proferido o seguinte despacho:
“Da Concretização / Liquidação do Pedido Indemnizatório
Veio ainda a autora dizer que, atenta a emissão de licença em 14.11.2016, cessou nesta data o impedimento, imputável à ré e subsistente desde 21.04.2011, de iniciar a construção; inexiste portanto razão para o pedido de condenação no pagamento de danos futuros, porquanto estes são já fixáveis na quantia de €13.135.925,00; correspondente a um total de 2035 dias de paralisação.
Como faz notar a ré, na verdade trata-se de uma redução do pedido, dado que inexistem, agora, danos futuros e a calcular e liquidar após decisão final. Sem embargo, a verdade é que é, agora, possível liquidar o pedido formulado em c) do petitório.
Da Ampliação do Pedido
Veio ainda a autora alegar que a alteração do projeto a que se viu obrigada, em face da recusa da ré em remover os recalces, implicou custos adicionais que apenas poderá liquidar após finalização da obra.
Relembre-se que a autora havia já deduzido pedido de indemnização de danos emergentes, na alínea b) da petição, que liquidou no montante global de € 14.760,00.
Conforme alegou na petição, tais danos emergentes consistiam nos custos suportados com elaboração de parecer técnico, parecer jurídico, e honorários por serviços de engenheiros, arquitetos e advogados, montantes estes a liquidar em execução de sentença, (artigos 125º a 129º da petição).
Tal pedido funda-se, portanto, em factualidade alegada na petição, e ocorrida em data anterior à entrada da mesma em juízo.
Nos termos previstos no art.º 265º nº2 do CPC, o autor pode ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em primeira instância se a ampliação for o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo. No caso concreto, não se vislumbra que a requerida ampliação seja consequência ou
desenvolvimento do pedido primitivo, dado que a respetiva causa de pedir se funda em factos novos, e ocorridos após a entrada em juízo da ação. Ora os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem – e, no caso, deviam – ser deduzidos em articulado superveniente, caso o autor se pretenda fazer valer dos mesmos com vista à ampliação do pedido, (art.º 588º nº1 do CPC).
Ora alertada para tal posição jurídica, a autora veio, na primeira sessão da audiência prévia, e conforme ficou a constar em ata, requerer que os factos novos que por si foram alegados para fundamentar a ampliação do pedido sejam considerados como articulado superveniente.
Foi assim proferido despacho que deferiu o requerido, considerando-se que o requerimento de 01.02.2018 constitui um articulado superveniente, na parte em que são alegados novos factos. Temos, portanto, uma ampliação da factualidade a apreciar, e uma ampliação do pedido suportada em tais factos, que deverá ser admitida nos termos previstos no nº2 do art.º265º do CPC” ;
VI. Em 13/09/2022, a Autora apresentou articulado superveniente nos autos, no qual alegou, para além do mais, o seguinte:
“37. Nesses termos, os lucros cessantes devem ser contabilizados a partir de 10.12.2012 (e não a partir de 21.04.2011), data em que de acordo com o programa de trabalhos, a Autora estaria em condições de começar a explorar a ampliação do hotel, o que não sucedeu devido à recusa ilícita da Ré em remover os recalces.
38. E, por outro lado, os lucros cessantes devem ser contabilizados até à data em que estava projetada a conclusão das obras de ampliação do hotel nos termos do contrato de empreitada de 09.11.2018 – i.e. até 30.01.2020 – visto que só a partir dessa data a Autora em princípio estaria apta a auferir lucros com a exploração da ampliação do hotel.
39. Em suma, o cálculo do montante devido a título de lucros cessantes deve ser feito por referência ao período entre, por um lado, a data em que estava projetada a conclusão das obras de ampliação de acordo com o programa de trabalhos de 2010 e, por outro lado, a data em que estava projetada a conclusão das obras de ampliação nos termos do contrato de empreitada celebrado em 09.11.2018 (e sublinhe-se que não corresponde à data efetiva da conclusão da obra, 20.08.2021, mas esse atraso não é relevante para os lucros cessantes imputáveis à Ré, porque resultaram de atrasos da obra)” ;
VII. Nesse requerimento, tendo-se em atenção o seu teor, formulou-se o seguinte pedido:
“Nestes termos e nos mais de Direito, requer-se a V. Exa. que seja admitido: (i) o articulado superveniente e a ampliação do pedido (desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo); (ii) a realização de uma perícia (através dos peritos já designados por uma questão de economia processual); (iii) a alteração do rol de testemunhas; (iv) a junção de documentos aos autos; e (v) o adiamento da audiência de discussão e julgamento para uma data posterior à prolação do novo relatório pericial” ;
VIII. Mediante requerimento de 27/09/2022, veio a Ré opor-se à apresentação de tal articulado, peticionando que o Tribunal:
“A) Indeferir in totum o Articulado Superveniente apresentado pela Autora;
B) Indeferir a ampliação do pedido / causa de pedir requerida pela Autora;
C) Indeferir o pedido de Prova Pericial requerido pela Autora;
D) Caso assim não se entenda – o que aqui apenas se conjetura de forma hipotética e por estrito dever de patrocínio – admitir a impugnação aos factos e documentos deduzida pela Ré e o pedido de ampliação da prova pericial requerida pela Autora;
E) Em qualquer cenário - manter as datas atualmente agendadas para efeitos de realização da audiência de discussão e julgamento” ;
IX. No dia 29/09/2022, conhecendo acerca do requerido, foi prolatado o seguinte despacho:
“Azimar – Investimentos Turísticos, S.A., Autora nos presentes autos, veio apresentar articulado superveniente, no qual alega:
- Os factos supervenientes ocorreram em momento posterior à audiência prévia (que teve lugar em 09.05.2018, com continuação em 06.06.2018), pelo que este é o momento processualmente adequado para os alegar;
- Os factos supervenientes que passará a alegar são relevantes para a boa decisão da causa, pois pedindo a Autora nos presentes autos uma indemnização referente aos lucros que deixou de obter no período de tempo em que não pôde efetuar a ampliação do hotel, em função da recusa ilícita da Ré em remover os recalces, e tendo em conta que as obras de ampliação do hotel foram entretanto concluídas e o hotel está hoje em pleno funcionamento, é relevante para a boa decisão da causa carrear para os autos os factos supervenientes respeitantes à concretização e conclusão da ampliação do hotel.
- Por outro lado, a ampliação do pedido, no presente caso, é admissível, porquanto está em causa um desenvolvimento do pedido primitivo, alterando o momento inicial e o momento final da contagem dos lucros cessantes, em função da ocorrência de factos supervenientes, sem qualquer aumento do valor final pedido.
- São os seguintes, os factos supervenientes em causa:
a) O projeto de ampliação e remodelação do Hotel SANA Lisboa ter sido realizado em três fases;
b) Em 07.06.2018, estavam ainda em curso as obras da Empreitada de Escavação e Estrutura, que apenas foram concluídas em 07.12.2018;
c) As obras da Empreitada de Acabamentos tiveram início em 09.11.2018, data em que foi celebrado o contrato de Empreitada de Acabamentos, aí se prevendo expressamente que o prazo para conclusão das obras seria 30.01.2020;
d) O Hotel SANA Lisboa esteve em funcionamento até 24.11.2019, data em que foi encerrado temporariamente para o prosseguimento das obras de ampliação e remodelação do hotel;
e) Em virtude de atrasos registados nas obras da Empreitada de Escavações e nas obras da Empreitada de Acabamentos, os trabalhos de ampliação e remodelação do hotel apenas ficaram concluídos em 20.08.2021, data em que se procedeu à receção provisória da obra;
f) As obras de ampliação e remodelação do Hotel EPIC Sana Marquês implicaram um investimento da Azimar no montante total de € 30.537.769, sendo que o montante de € 21.588.643 respeita às obras de ampliação do hotel no terreno contíguo em causa nos autos;
g) Para efeitos de realização das obras de ampliação do hotel, a Azimar contraiu financiamento, através da celebração de dois contratos de empréstimo;
h) Em 07.06.2018, estava em vigor e em execução um “Contrato de Empréstimo – Linha de Apoio à Qualificação da Oferta” celebrado, em 25.11.2016, entre a Autora, o Banco BPI, S.A. e o Turismo de Portugal, IP;
i) Em 07.06.2018, estava em vigor e em execução um “Contrato de Empréstimo” celebrado, em 25.11.2016, entre a Azimar e o Banco BPI, S.A.;
j) Até à presente data, a Azimar pagou o montante total de € 743.512,63 a título de juros do financiamento relativo às obras de ampliação do hotel;
k) O Hotel SANA Lisboa, que junta o edifício já existente e o edifício resultante das obras de ampliação, abriu ao público em regime normal em 21.09.2021
l) Desde a reinauguração em 2021 até à presente data, os custos de manutenção do investimento do hotel SANA Lisboa foram praticamente inexistentes, sendo que no futuro a Autora estima ter custos de manutenção de investimento da ampliação do hotel no valor anual aproximado de € 140.000.
- O pedido formulado pela Autora e em apreço nos autos desde a alteração do pedido, é a de condenação no pagamento de indemnização, concretizando que os lucros cessantes deviam ser contabilizados desde o momento da recusa ilícita da Ré em remover os recalces (em 21.04.2011) até à data em que foi aprovada a alteração à licença de construção emitida pela CML sem necessidade de remoção total dos recalces(e não até à data da efetiva remoção dos recalces, conforme havia sido requerido na pi), ou seja, até 14.11.2016.
- No momento em que foi efetuado este pedido (01.02.2018), não se conhecia a data prevista para a conclusão da obra (o que só se soube em 09.11.2018 com a assinatura do contrato de empreitada de acabamentos), e por isso considerou-se que o período de atraso da obra correspondia ao período de atraso na exploração do hotel, o que permite, assim, apurar o período de tempo em que o hotel não foi explorado e, assim, calcular o período em que se verificaram os lucros cessantes;
- Tendo em consideração os factos supervenientes alegados, designadamente a nova data prevista para a conclusão das obras de ampliação e remodelação do hotel, 30.01.2020, e a circunstância de o hotel estar desde 21.09.2021 em pleno funcionamento, a Autora vem, pelo presente, alterar o pedido formulado nos presentes autos, desenvolvendo-o em função da factualidade superveniente alegada, passando o período do atraso a ser calculado entre as duas datas previstas para a conclusão da obra, e portanto, do início da exploração do hotel, o que agora já é possível por se conhecer esta segunda data, o que não acontecia no início de 2018.
- Donde decorre que tendo a obra sido consignada em 09.08.2010 e prevendo-se no programa de trabalhos a conclusão da obra no prazo de 28 meses, se não fosse a recusa ilícita da Ré em remover os recalces, a conclusão das obras de ampliação do hotel estava prevista ocorrer em 09.12.2012
- Nesses termos, os lucros cessantes devem ser contabilizados a partir de 10.12.2012 (e não a partir de 21.04.2011), data em que de acordo com o programa de trabalhos, a Autora estaria em condições de começar a explorar a ampliação do hotel, o que não sucedeu devido à recusa ilícita da Ré em remover os recalces.
- E, por outro lado, os lucros cessantes devem ser contabilizados até à data em que estava projetada a conclusão das obras de ampliação do hotel nos termos do contrato de empreitada de 09.11.2018 – i.e. até 30.01.2020 – visto que só a partir dessa data a Autora em princípio estaria apta a auferir lucros com a exploração da ampliação do hotel.
- Entre a data em que estava projetado a Autora iniciar a exploração da ampliação do hotel de acordo com o programa de trabalho de 2010 (10.12.2012) e a data em que estava projetado a Autora iniciar a exploração da ampliação do hotel de acordo com o contrato de empreitada (30.01.2020), decorreu um período de 2607 dias.
- Com este pedido a Autora não procura aumentar o valor da indemnização a receber da Ré – que entende ser devida e adequada, acrescida de juros – mas apenas adequar o pedido aos factos atualizados de acordo com a lei.
***
Analisado o articulado superveniente, foi determinada a notificação da ré para responder, ao abrigo do previsto na última parte do nº4 do art.º588º do CPC.
***
Notificada, veio a ré responder, nos seguintes termos:
- O referido “Articulado Superveniente” deve ser indeferido porquanto, para além de constituir um mero expediente dilatório, é processualmente inadmissível na medida em que os factos alegados pela Autora não são supervenientes; e não são essenciais nem interessam à boa decisão da causa.
- O alegado “facto” de o projeto de ampliação e remodelação do Hotel Sana ter sido realizado em três fases não é superveniente, pois estamos perante uma descrição das fases típicas de um projeto desta natureza e não perante um facto superveniente;
- O facto de que a empreitada se iria realizar de acordo com as fases supra referidas sempre foi conhecido, sendo que em 2010 já tinham ficado concluídas as operações de demolição do edifício pré-existente;
- No que respeita à escavação e contenção periférica, Ré apenas conhece o que alegou no seu Articulado Superveniente de 11 de maio 2018 a propósito do respetivo projeto, alterado pela A., apresentado na CML e aprovado em 2016, factos estes que não são supervenientes;
- O facto de os dois contratos de empréstimo celebrados entre a Autora, o Banco BPI, S.A. e o Turismo de Portugal, IP, estarem em vigor em 7 de junho de 2018 não é relevante, mas sim que tais contratos foram celebrados em 25 de novembro de 2016, muito antes do articulado superveniente apresentado pela Autora em 1 de fevereiro de 2018 e da audiência prévia que teve lugar em 09 de maio de 2018.
- Não se vislumbra em que medida é que a restante factualidade alegada pela Autora seja relevante para os presentes autos, sendo descritos acontecimentos correntes na vida de um hotel, que dependem de exclusiva decisão da gestão do seu proprietário ou da entidade que o explora e, no caso concreto, nada trazem de essencial aos presentes autos.
- Conclui a ré que o Articulado Superveniente deduzido pela Autora deve ser rejeitado na medida em que o mesmo não contém factos que sejam supervenientes nem tão pouco que sejam essenciais para os presentes autos.
- No que respeita à requerida ampliação do pedido, defende a ré que a mesma deverá ser indeferida, visto que não é, de facto, alterado o pedido.
- Entende a ré que o intuito da Autora é, sim, de alterar a causa de pedir subjacente aos seus pedidos, o que não é admissível, atento o teor do artigo 265.º, n.º 1 do CPC.
- Recorda a Ré que foi a própria Autora quem, através do Requerimento apresentado em 1 de fevereiro de 2018, veio aos presentes autos determinar o início e o termo do cômputo da indemnização peticionada, tendo-o efetuado por referência à data da carta de 21 de abril de 2011 (junta com a p.i. como Doc. 19) e à data da alteração do projeto de ampliação do hotel tendo, inclusivamente, liquidado o montante dos lucros cessantes alegadamente devidos;
- Ou seja, na perspetiva da Autora, tal significa que a liquidação dos danos não estava, nem está, dependente do apuramento da data do termo da construção da ampliação do hotel ou da sua abertura ao público.
- Alega ainda que a admissão nos termos requeridos perturba gravemente a instrução, a discussão e o julgamento do presente pleito, sendo que, por essa razão, deverá também ser indeferida nos termos e para os efeitos do Artigo 264.º in fine do CPC.
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Cumpre apreciar e decidir da admissibilidade do articulado superveniente e requerida ampliação do pedido.
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Dispõe o art.º 588º do CPC, sob a epígrafe “Articulados supervenientes”:
“1 - Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
2 - Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.
3 - O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido:
a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respetivo encerramento;
b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;
c) Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores.
4 - O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior.
5 - As provas são oferecidas com o articulado e com a resposta.
6 - Os factos articulados que interessem à decisão da causa constituem tema da prova nos termos do disposto no artigo 596.º.”
No que respeita à tempestividade, e considerando que foi apresentado antes da audiência final, alegando factos ocorridos após a audiência prévia, não se levanta a questão da tempestividade do articulado superveniente. Há, então, que saber se os factos alegados são supervenientes, e interessam à boa decisão da causa, isto é, se estão em causa factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito da autora.
No que respeita aos factos supra elencados em a), g), h), e i), dificilmente se pode concluir que se trate de factos supervenientes, dado que o projeto de ampliação e remodelação decerto já estaria elaborado antes da data de realização da audiência prévia, e, bem assim, os contratos de empréstimo foram celebrados em data muito anterior.
No mais, e subscrevendo o entendimento da Ré, não se alcança de que forma a factualidade alegada quanto às vicissitudes verificadas no decurso das obras (designadamente as relativas a prazo de conclusão e atrasos, período de encerramento do hotel, investimento e custos com juros suportados, e data de reabertura), tem qualquer interesse para a decisão da causa, face ao pedido formulado e causa de pedir em que assenta. Com efeito, a autora veio, muito claramente, delinear o objeto da ação com o pedido de indemnização por lucros cessantes cuja causa imputa à Ré, e sua decisão de não remover os recalces. Neste contexto, e atenta a causa de pedir como formulada pela Autora, existe uma relação lógica entre o período em que esteve impedida (por facto que imputa à Ré) de avançar / iniciar obras, e o pedido de indemnização por lucros cessantes, por cada dia que mediou a recusa da Ré e o início das obras com o projeto entretanto alterado.
Dado o exposto, e atenta a causa de pedir e pedido formulados, não tem qualquer importância, para a decisão, saber se a Autora contratou financiamento e suportou o pagamento de juros (não é facto que constitua a causa de pedir, nem fundamenta qualquer pedido de indemnização). Também não tem qualquer relevância, na presente ação, saber quando foi concluída a obra, ou estava prevista a conclusão da obra, e muito menos a data em que o hotel reabriu.
O facto jurídico de que procede a pretensão da autora é a recusa da ré em remover os recalces, conduta que impediu o início das obras e teve como consequência a paralisação das mesmas em determinado período, período este que corresponde a um atraso efetivo que impediria o termo da obra nos prazos inicialmente previstos. A autora, muito claramente, formulou o seu pedido pretendendo ser indemnizada pelos lucros não percebidos no período deste atraso, o qual balizou entre 21.04.2011 e 14.11.2016.
Dado o exposto, os factos ocorridos após tal data não têm qualquer relevância para a decisão do mérito da causa, dado não serem factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito da autora.
Concluindo, entende-se não ser admissível o articulado superveniente, uma vez que os factos alegados, não são, em parte, supervenientes, e os demais não interessarem à boa decisão da causa.
Termos em que se indefere o articulado superveniente” ;
X. Interposto recurso desta decisão, veio o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 28/03/2023, julgá-lo procedente, admitindo a dedução daquele articulado superveniente.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
- DA APRECIAÇÃO do INCIDENTE/INSTITUTO dos ARTICULADOS SUPERVENIENTES
A Autora apresentou articulado superveniente, no qual referencia alegar factos objectivamente supervenientes relevantes para a boa decisão da causa, relacionados com os resultados de exploração do Hotel Epic Sana, gerados entre 04 de Janeiro de 2022 até 30 de Junho de 2023, na medida em que revelam que o cálculo de lucros cessantes apresentado pela Autora na p. i., ou seja, a quantia diária de € 6.455,00, foi conservador.
Acrescenta, ainda, que os factos supervenientes alegados encontram-se conectados com o tema da prova previsto na alínea c), trazendo-se aos autos resultados de exploração reais, e não meras previsões, assim se permitindo confirmar, indubitavelmente, a justeza do valor da indemnização peticionada pela Autora.
Na resposta apresentada, defende a Ré que o articulado apresentado deve ser indeferido, pois, para além de conter factos que não são essenciais, estes em nada contribuem para a boa decisão da causa.
Concretizando, aduzem que após liquidação do pedido efectuada pela Autora, os dados factuais ora alegados nada contribuem para confirmar ou provar o que quer que seja com relevância para o presente processo, pretendendo a Autora efectuar comparações entre aquilo que é incomparável, ou seja, entre resultados de exploração completamente distintos.
Assim, pugnou pelo indeferimento de tal articulado, considerando estarmos perante matéria de cariz essencialmente probatório.
A decisão sob apelo considerou, em súmula, o seguinte:
- na ponderação da causa de pedir e pedido, bem como do objecto do litígio e temas da prova, a factualidade ora aduzida em sede de articulado superveniente não tem interesse para a decisão da causa ;
- a que acresce não estarem em causa factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito, mas antes meros factos instrumentais, com muito incipiente relevância probatória ;
- todavia, ponderando a decisão anteriormente tomada em aresto desta Relação, em situação de articulado semelhante, que entendeu estarem em causa factos essenciais para a determinação do montante indemnizatório, entende-se dever tomar-se uma decisão conservadora ;
- pelo que, entendendo-se ser fluída a fronteira teórico-prática entre factos instrumentais e factos essenciais complementares, decidiu-se admitir o articulado superveniente.
Na pretensão recursória apresentada, a Recorrente Ré replica o já aduzido aquando da apresentação de oposição ao articulado superveniente apresentado, reiterando que este não contém quaisquer factos essenciais para os presentes autos, mas antes totalmente irrelevantes.
E, por outro lado, estamos perante o aditamento de matéria de cariz essencialmente probatório, que é dotada, independentemente do cenário, de igual irrelevância.
Analisemos.
Prevendo acerca da admissibilidade do articulado superveniente, prescreve o artº. 588º que:
“1 - Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
2 - Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.
3 - O novo articulado em que se aleguem factos supervenientes é oferecido:
a) Na audiência prévia, quando os factos hajam ocorrido ou sido conhecidos até ao respetivo encerramento;
b) Nos 10 dias posteriores à notificação da data designada para a realização da audiência final, quando não se tenha realizado a audiência prévia;
c) Na audiência final, se os factos ocorreram ou a parte deles teve conhecimento em data posterior às referidas nas alíneas anteriores.
4 - O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior.
5 - As provas são oferecidas com o articulado e com a resposta.
6 - Os factos articulados que interessem à decisão da causa constituem tema da prova nos termos do disposto no artigo 596.º”.
Por sua vez, relativamente á atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes, aduzem os nºs. 1 e 2, do artº. 611º, do mesmo diploma, que:
1 - Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
2 - Só são, porém, atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida”.
Enunciemos, ainda, o estatuído no artº. 5º, ainda do Cód. de Processo Civil, relativamente ao ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal:
“1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.
Efectivamente, podem, “depois do último articulado na parte, ocorrer novos factos – ou elementos de facto – constitutivos da situação jurídica do autor (ou do facto objeto da ação de simples apreciação) ou factos modificativos ou extintivos dessa situação (superveniência objectiva). Pode também ocorrer que só depois do seu último articulado o autor tenha conhecimento de outros factos – ou elementos de facto – constitutivos, ou o réu conhecimento de factos impeditivos, modificativos ou extintivos, embora uns e outros tivessem ocorrido anteriormente (superveniência subjectiva). Em ambos os tipos de situação, pode ter lugar articulado superveniente, em que a parte a quem o facto é favorável o alegará (art. 588, nºs 1 e 2), juntamente, se for caso dela, com a superveniência subjectiva, a fim de serem considerados, se provados, na sentença” - A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 4ª Edição, Gestlegal, 2017, pág. 171 e 172.
Considerando que as partes só têm o ónus de alegação dos factos essenciais – cf., artº. 5º, nº. 1 -, sendo obrigação do julgador a consideração dos factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar e ainda os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções – cf., o nº. 2 do mesmo normativo -, que a petição inicial é o articulado no qual o autor deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção – artº. 552º - e que a contestação, como articulado do réu, destina-se à exposição das razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor e dos factos essenciais em que se baseiam as excepções deduzidas, se as houve, devendo toda a defesa ser deduzida em tal articulado – artºs. 572º e 573º -, refere-se no douto aresto da RP de 05/05/2016 que “o articulado superveniente é o articulado que quebra este rigor temporal da alegação das partes e permite introduzir no processo factos supervenientes à apresentação do articulado da parte” - Relator: Aristides Rodrigues de Almeida, Processo nº. 2028/14.4 TBSTS-A.P1, in www.dgsi.pt .
Tendo em atenção o prescrito no transcrito nº. 1, do artº. 611º, “um dos modos, quiçá o modo privilegiado, de o tribunal aceder a tais factos é o de as partes os alegarem”, carreando-os para o processo, nomeadamente “através dos articulados supervenientes, previstos nos arts. 588º e 589º, preceitos que revelam haver diversos momentos para a alegação de factos supervenientes” – Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª Edição, Almedina, 2017, pág. 225.
Com efeito, “o momento normal de alegação dos factos é o da apresentação dos articulados. Assim, por regra, é na petição que o autor alega os factos constitutivos do seu direito, competindo ao réu alegar, na contestação, os factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito (até por força do princípio da concentração da defesa neste articulado.
Porém, pode suceder que determinados factos constitutivos do direito ocorram (ou cheguem ao conhecimento do autor) depois de apresentada a petição. É igualmente possível que ocorram (ou cheguem ao conhecimento do réu) factos impeditivos, modificativos ou extintivos daquele direito depois do oferecimento da contestação. Estes são os chamados factos (objectiva ou subjectivamente) supervenientes”.
E, relativamente ao autor, “os factos constitutivos cuja alegação superveniente aqui se prevê tanto podem destinar-se a completar a causa de pedir inicial, como podem implicar uma efetiva alteração ou modificação da causa de pedir, o que significa que a superveniência é critério bastante para afastar as restrições fixadas no art. 265º (…)”, passando tais factos supervenientemente alegados, que interessem à decisão da causa, a constituir, nos termos do disposto no artº. 596º, tema da prova – Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019, Reimpressão, pág. 670 a 672.
Ainda no campo doutrinário, aduz Rui Pinto – Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2018, Almedina, pág. 102 – constituírem objecto do articulado superveniente “factos constitutivos do direito do autor (….) e factos extintivos ou modificativos integrantes das exceções opostas pelo réu. Já os factos impeditivos não são, pela sua própria natureza, e salvo exceções, supervenientes (…).
Dada a sua função como factos de procedência da parte que os alega (pois é a ela que «aproveitam») constituem factos essenciais que vão actualizar a causa de pedir e as exceções já invocadas, respetivamente, por autor e réu nos termos dos artigos 552º, nº. 1 al. d) e 572º al. c)”.
Pelo que, “em conformidade, e como resulta do nº. 1 a contrario, não podem ser factos que cumpram uma função de impugnação (cf. artigos 571º, nº. 2 primeira parte e 572º al. b)), nem factos instrumentais. Todavia, tanto podem ser factos principais, como complementares (….) ; ora um facto complementar é também um facto essencial para a procedência da ação ou da defesa” (sublinhado nosso).
A propósito da distinção conceptual da natureza dos factos inscrita no mencionado artº. 5º, do Cód. de Processo Civil, aduzem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa – Ob. cit., pág. 27 a 30 – que sendo inepta a petição inicial que não contenha os factos que constituem a causa de pedir, tal “implica uma distinção entre os factos que identificam ou individualizam o direito em causa (os factos essenciais nucleares) e aqueles que, não desempenhando tal função, se revelam, contudo, imprescindíveis para que a ação proceda, por também serem constitutivos do direito invocado (factos essenciais complementares). A falta destes últimos revelará uma petição deficiente ou insuficiente, a carecer de convite ao aperfeiçoamento que permita suprir as falhas da exposição ou da concretização da matéria de facto (….), sem embargo da sua atendibilidade na audiência prévia ou da sua inserção na sentença, quando resultantes da instrução da causa”.
Assim, os “factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções (isto é, todos os factos de que depende o reconhecimento das pretensões deduzidas) devem ser vertidos nos articulados das partes, a isso respeitando o ónus de alegação imposto pelo nº. 1. No entanto, a eventual incompletude no cumprimento desse ónus relativamente a factos complementares ou concretizadores dos inicialmente alegados não tem efeitos preclusivos, já que os factos omitidos podem ainda ser introduzidos nos autos, seja através de um articulado de aperfeiçoamento (art. 590º, nº. 4) seja em face do que resulte da instrução (art. 5º, nº. 2, al. b))”.
Acresce que “a consideração dos factos complementares ou concretizadores em resultado da instrução tem agora natureza oficiosa. Se isso não afasta a iniciativa da parte interessada, não é exigida a sua concordância para o efeito”, apontando, assim, a alteração da previsão legal “no sentido de a assunção dos factos complementares e concretizadores não depender de requerimento da parte interessada em deles se prevalecer”.
Todavia, no que respeita aos “factos instrumentais (aqueles que permitem a afirmação, por indução, de factos de cuja prova depende o reconhecimento do direito ou da exceção), não se mostra imprescindível a sua alegação, isto é, não há ónus de alegação quanto aos mesmos, não havendo também qualquer tipo de preclusão, pelo que poderão ser livremente averiguados e discutidos na audiência final em torno da produção e valoração dos meios de prova e em face dos temas da prova enunciados”.
Ressalva-se, contudo, que a “aludida característica da instrumentalidade abarca apenas os factos que possam servir para a formação da convicção sobre os demais factos (designadamente por via do uso de presunções judiciais), devendo distinguir-se dos que sirvam para integrar presunções legais (….). Neste quadro, tais factos são «essenciais», devendo ser alegados em conformidade (art. 5º, nº. 1) e ser objecto de pronúncia positiva ou negativa na sentença” (sublinhado nosso).
Jurisprudencialmente, e em termos cronológicos, vejamos qual tem sido o entendimento relativamente á base factual necessária á admissibilidade do articulado superveniente (todos in www.dgsi.pt ; sublinhado nosso):
- do Supremo Tribunal Administrativo de 16/11/2000 – Relator: Victor Gomes, Processo nº. 045713 -, no qual se sumariou que “os articulados supervenientes destinam-se à aquisição dos factos posteriores, ou de conhecimento posterior, ao encerramento da fase dos articulados que interessem aos fundamentos da acção ou da defesa, não à prova e contraprova de factos anteriormente alegados” ;
- da RG de 10/04/20144 – Relator: António Santos, Processo nº. 387/11.0TBPTL-B.G1 -, no qual se referenciou que “como decorre dos nºs 1 e 4, do artº 588º, e nºs 1 e 2 , do artº 611º, ambos do CPC, e acima transcritos, manifesto é que os factos alegados em sede de articulado superveniente, para justificar a apresentação deste ultimo, hão-de necessariamente serem factos essenciais, que é o mesmo que dizer, hão-de poder integrar a previsão do nº1, do artº 5º, do CPC [ quer por constituírem a causa de pedir, quer por ancorarem as excepções aduzidas , e na linha do que estatuía o artº 264º,nº1, do pretérito CPC ], e isto porque, como decorre do nº 2, da mesma e última disposição legal citada, os factos instrumentais e os notórios não carecem sequer de alegação das partes para poderem ser considerados pelo Juiz.
Dito de uma outra forma, outrossim em sede de articulado superveniente, decisivo é que a parte pretenda carrear para os autos novos factos fundamentais, maxime porque integradores da previsão ou “tatbestand” da norma aplicável à pretensão ou à excepção.
Inquestionável é, assim, que não é qualquer facto, ainda objectiva ou subjectivamente superveniente, idóneo e susceptível de ser carreado para os autos em sede de articulado superveniente”.
Conducente a que se sumariasse que “o articulado superveniente, tendo por desiderato permitir que a sentença venha a corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão, serve tão só para carrear para os autos os factos essenciais a que alude o artº 5º, nº1, do CPC” ;
- da RP de 12/06/2014 – Relator: Leonel Serôdio, Processo nº. 17/11.0TVPRT-A.P1 -, no qual se defendeu ser actualmente inequívoco que “apenas é admissível o articulado superveniente como meio de alegar factos essenciais, de resto, ainda no anterior CPC, decidiu o acórdão do STJ de 24.10.1995, in CJ/STJ, tomo 3, pág. 78, que o articulado superveniente deve ser rejeitado quando não respeite a facto essencial para a decisão do mérito da causa.
Este entendimento decorre, desde logo, de os factos complementares ou concretizadores dos factos essenciais, poderem ser sempre julgados provados desde que resultem da instrução da causa, no anterior CPC, desde que a parte a quem aproveitava o requeresse e actualmente mesmo oficiosamente” ;
- da RC de 11/10/2016 – Relator: António Domingos Pires Robalo, Processo nº. 539/14.0TBVIS-A.C1 -, onde se referenciou que “a petição inicial é o articulado no qual o autor deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção (artigo 552º, 1, d), do CPC).
Por sua vez a contestação é o articulado do réu destinado à exposição das razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor e dos factos essenciais em que se baseiam as excepções deduzidas, se as houver, devendo toda a defesa ser deduzida na contestação (artigos 572º e 573º do mesmo diploma).
Este aparente rigorismo processual é quebrado pela admissibilidade dos articulados supervenientes, que permitem às partes a introdução de novos factos essenciais, desde que supervenientes à apresentação do articulado da parte” ;
- da RL de 13/10/2016 – Relatora: Teresa Pardal, Processo nº. 1469/12.6TVLSB-A.L1-6 -, no qual se consignou que “a possibilidade de alegar factos supervenientes está contemplada no artigo 588º do CPC, em harmonia com o previsto no artigo 611º do mesmo código, por força do qual a sentença deverá atender aos factos constitutivos, modificativos e extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da acção, de forma a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
Sendo assim e tratando-se apenas de assegurar a actualização da descrição dos factos que são determinantes para a procedência ou improcedência da acção ou da reconvenção, os factos a atender serão só os factos constitutivos, modificativos e extintivos, ou seja, os factos essenciais que a parte tem o ónus de alegar, a que se refere o artigo 5º nº1 do CPC (cfr neste sentido ac RG 10/04/2014, p. 387/11, em www.dgsi.pt)”.
Conducente a que se tenha sumariado que “os factos constitutivos, modificativos e extintivos do direito que sejam supervenientes, previstos no artigo 588º nº1 do CPC e que a parte pode alegar no articulado superveniente, são apenas os factos essenciais a que se refere o artigo 5º nº1 do CPC.
-Tratando-se de factos supervenientes, mas meramente instrumentais, a rejeição liminar do articulado superveniente integra-se na rejeição com o fundamento na impertinência dos factos para a boa decisão da causa, prevista no nº4 do artigo 588º” ;
- da RL de 22/02/2018 – Relator: António Santos, Processo nº. 1951/07.7TBTVD-A.L1 (sublinhado original) -, no qual se defendeu que “no que ao segundo fundamento de rejeição concerne, e como desde logo resulta dos nºs 1 e 4, do artº 588º, e nºs 1 e 2 , do artº 611º, ambos do CPC, e acima transcritos, manifesto é que os factos alegados em sede de articulado superveniente, e para justificar a apresentação deste ultimo, hão-de necessariamente ser factos essenciais, que é o mesmo que dizer, hão-de poder integrar a previsão do nº1, do artº 5º, do CPC [ quer por constituírem a causa de pedir, quer por ancorarem as excepções aduzidas, e na linha do que estatuía o artº 264º,nº1, do pretérito CPC ], e isto porque, como decorre do nº 2, da mesma e última disposição legal citada, os factos instrumentais e os notórios não carecem sequer de alegação das partes para poderem ser considerados pelo Juiz.
Dito de uma outra forma, outrossim em sede de articulado superveniente, decisivo é que a parte pretenda carrear para os autos novos factos fundamentais/essenciais, maxime porque integradores da previsão ou “tatbestand” da norma aplicável à pretensão ou à excepção.
Inquestionável é, assim, que não é um qualquer facto, ainda que objectiva ou subjectivamente superveniente, susceptível de ser carreado para os autos em sede de articulado superveniente, antes deve ele ser essencial [e não manifestamente impertinente] para o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa, e segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Em síntese , escapam de todo à previsão do nº1, do artº 588º, do CPC, e v.g., os factos que cumpram uma função de mera impugnação, e outrossim os factos instrumentais”.
Donde, ter-se sumariado que “o articulado superveniente, tendo por desiderato permitir que a sentença venha a corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão, serve tão só para carrear para os autos os factos essenciais a que alude o artº 5º, nº1, do CPC” ;
- da RC de 26/01/2021 – Relatora: Maria Teresa Albuquerque, processo nº. 5362/18.0T8CBR-B.C1 -, no qual se referencia não se conceber “um articulado superveniente sem a alegação de factos - ou elementos de facto - até aí não alegados mas que se mostrem essenciais. Como atrás se referiu, só esses são constitutivos, modificativos ou extintivos do direito, ou se se quiser, com a maior explicitação que resulta do nº 2 do art. 611º, só esses, «segundo o direito substantivo aplicável», têm «influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida».
Dizem a este respeito Lebre de Freitas/Isabel Alexandre: «Os factos supervenientes têm, obviamente, que ter eficácia no âmbito das situações jurídicas controvertidas, de acordo com as normas de direito substantivo aplicáveis ao caso concreto»”.
Donde, ter-se sumariado que “os factos a alegar como supervenientes hão-se ser factos essenciais, pois que o art. 588º/1 CPC fala de factos constitutivos, modificativos e extintivos, e os factos instrumentais por si próprios não têm essas qualidades, além de que não carecem de alegação para serem tidos em consideração. Só esses, como se refere no nº 2 do art. 611º, têm «segundo o direito substantivo aplicável, influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida».
II - E hão-de ser factos supervenientes - objetivamente, porque ocorridos depois do articulado em que faria sentido, se já ocorridos, terem sido alegados, ou porque ocorridos depois de todos os articulados; subjetivamente, se ocorreram anteriormente ao articulado em que faria sentido alegá-los, mas de que a parte só vem a ter conhecimento depois de findos os prazos normais para a sua alegação” ;
- da RE de 11/11/2021 – Relator: Tomé de Carvalho, Processo nº. 543/18.0T8OLH-O.E1 -, o qual citando aresto do STJ de 22/09/2009, referencia que “os factos supervenientes atendíveis terão de ser relevantes – ainda que instrumentais – com aptidão para modificarem ou extinguirem o direito peticionado, quer por via principal, quer reconvencional. O juízo decisor terá de ponderar se o facto que se apresenta importa para a decisão nos precisos termos em que a bosquejou, sendo que, nesse primeiro esboço do silogismo judiciário, a alteração da premissa menor por um facto recém-aparecido pode conduzir a uma diferente conclusão. Mas desconsiderá-lo-á se o sentido da decisão se mantiver mau grado aquele surgimento”.
O presente aresto, ao arredio do entendimento jurisprudencial prevalecente, parece admitir a apresentação de articulado superveniente relativamente a factos instrumentais, desde que sejam relevantes ;
- do STJ de 27/01/2022 – Relatora: Rosa Tching, Processo nº. 3777/17.0T8VFR.P1.S1 -, no qual se referenciou que “assentando o nosso sistema jurídico no princípio do dispositivo, consagrado no art. 5.º, nº 1, do CPC, é sobre o autor, que invoca a titularidade de um direito, que cabe fazer a alegação dos «factos essenciais que constituem a causa de pedir».
Mais problemática é, porém, no que respeita ao substrato factual da causa de pedir, o que se deve entender por “factos essenciais” e estabelecer a diferença entre estes e os «factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado», previstos no nº 2, al. b) do citado art. 5º.
Para Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[3], factos essenciais são todos aqueles sem os quais a ação não poderá proceder.
Adotando um conceito mais restritivo de factos essenciais, considera Miguel Teixeira de Sousa[4] que, enquanto estes permitem individualizar a situação jurídica alegada na ação (ou na exceção), os factos complementares são os indispensáveis à procedência dessa ação (ou exceção) mas que não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada.
Já Lopes do Rego[5], analisando o art. 264.º do Código de Processo Civil de 1961 tal como resultou da revisão de 1995-1996 (a que corresponde o atual art. 5.º, nºs 1 e 2), opera uma distinção, no seio da categoria daqueles que apoda de factos substantivamente relevantes, entre factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir e os factos complementares ou concretizadores do mencionado núcleo factual.
E pese embora considerar que os factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir deverão ser alegados em articulado formal, admite, contudo, a possibilidade de tal articulado ser apresentado na sequência de um convite ao aperfeiçoamento da matéria alegada por qualquer uma das partes, mesmo na (então) audiência preliminar.
É que, para este autor, a distinção entre o que sejam factos que integram ao núcleo essencial da causa de pedir e os que assumem a natureza de factos complementares ou concretizadores desse núcleo não pode fundar-se em considerações de cariz puramente conceitual, tendo antes que ver com a concretização de um princípio fundamental de adequação e proporcionalidade na aplicação dos ónus, preclusões e cominações. Trata-se, « no fim de contas, de isentar a parte de um desproporcionado efeito preclusivo, emergente de não ter perspectivado, no momento próprio, certa realidade factual como substantivamente relevante para a composição da lide, parecendo manifestamente inadequado que um lapso ou omissão, muitas vezes no limiar da desculpabilidade (tanto assim que também escapou ao juiz, que não formulou oportuno convite ao aperfeiçoamento na fase de saneamento e condensação...), acabe por determinar uma materialmente injusta composição do litígio.» .
Nesta mesma linha, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa[6], distinguem entre factos essenciais nucleares, que identificam ou individualizam o direito em causa, e factos essenciais complementares que, não desempenhando tal função, revelam-se imprescindíveis para que a ação proceda por assumirem natureza constitutiva do direito alegado.
E pese embora entenderem que tais factos deverão ser vertidos na petição inicial, defendem que a eventual incompletude no cumprimento desse ónus relativamente a factos complementares ou concretizadores dos inicialmente alegados não tem efeitos preclusivos, já que os factos omitidos podem ainda ser introduzidos nos autos, seja através de um aperfeiçoamento (art. 590º, nº4), seja em face do que resulte da instrução [ art. 5º, nº 2, al. b)].
Assim, para estes autores, enquanto as faltas de indicação, na petição inicial, dos factos essenciais nucleares tornam este articulado inepto, nos termos do disposto no art. 186º, nº 2. al. a), do CPC, a falta de indicação de algum ou alguns factos essenciais complementares, torna apenas a petição deficiente ou insuficiente, a carecer de convite ao aperfeiçoamento que permita suprir as falhas da exposição ou da concretização da matéria de facto”.
Reconhecendo que nem sempre é fácil fazer a distinção entre as duas categorias de factos, sumariou-se que “a insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspeto ou vertente dos factos essenciais em que o autor estriba a pretensão deduzida não gera o vício de ineptidão da petição inicial.
II. Relativamente ao autor, permite o artigo 588º, do Código de Processo Civil, que a alegação superveniente de factos constitutivos, se destine a completar a causa de pedir inicial, como implique uma efetiva alteração ou modificação da causa de pedir, sendo a superveniência critério bastante para afastar as restrições fixadas nos artigos 264º e 265º, do mesmo código”.
Decorre do presente aresto a admissão de alegação, em sede de articulado superveniente, de factos complementares ou concretizadores dos que as partes hajam inicialmente alegado, de forma a completar ou densificar a causa de pedir inicial ;
- da RC de 13/12/2023 – Relator: Vítor Amaral, Processo nº. 109/19.7T8VIS-B.C1 -, no qual se sumariou que ”os articulados supervenientes apenas são admissíveis para trazer a juízo factos novos relevantes – os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes (superveniência objetiva ou subjetiva) –, sendo inconfundíveis com um requerimento em que se suscite questão de direito perante dados processuais e documentais já constantes dos autos.
2. - A causa de pedir corresponde ao conjunto dos factos que integram a previsão normativa substantiva que estabelece o efeito jurídico pretendido na ação, não podendo confundir-se factos com documentos (estes, de cariz probatório, são meios de prova daqueles), nem causa de pedir com prova documental” ;
- da RP de 26/09/2024 – Relatora: Manuela Machado, Processo nº. 915/21.2T8PVZ-A.P1 -, onde se consignou que visando o articulado superveniente apresentar factos supervenientes, “apenas deve ser permitido para trazer aos autos os factos essenciais (a que alude o art. 5.º, nº 1, do CPC), já que os factos instrumentais, bem como os complementares ou concretizadores dos que as partes hajam alegado, e resultem da instrução da causa, podem ser considerados pelo juiz, pelo que não se justifica um articulado superveniente em relação aos mesmos (art. 5.º, nº 2 do CPC)” ;
- da RG de 16/01/2025 – Relatora: Maria dos Anjos Nogueira, Processo nº. 3256/23.7T8FAF.G1 (sublinhado original nos dois primeiros parágrafos) -, no qual se defendeu que “os factos alegados em sede de articulado superveniente hão-de necessariamente ser factos essenciais, que é o mesmo que dizer, hão-de poder integrar a previsão do n.º 1, do art.º 5.º, do CPC, quer por constituírem a causa de pedir, quer por ancorarem as excepções aduzidas, considerando que os factos instrumentais e os notórios não carecem sequer de alegação das partes para poderem ser considerados pelo Juiz.
Decisivo é que a parte pretenda carrear para os autos novos factos fundamentais/essenciais, maxime porque integradores da previsão ou “tatbestand” da norma aplicável à pretensão ou à excepção - cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, ibidem, pág. 401.
Assim, não é um qualquer facto, ainda que objectiva ou subjectivamente superveniente, que é susceptível de ser carreado para os autos em sede de articulado superveniente, antes deve ele ser essencial, e não manifestamente impertinente, para o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa, e segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Em síntese, escapam de todo à previsão do n.º 1, do art º 588.º, do CPC, e v.g., os factos que cumpram uma função de mera impugnação, e outrossim os factos instrumentais”.
Donde, concretiza, “os factos supervenientes atendíveis terão de ser relevantes, com aptidão para modificarem ou extinguirem o direito peticionado, quer por via principal, quer reconvencional”.
Pelo que, acrescenta, “o articulado superveniente não pode surgir associado ao aditamento de factos que sejam mero complemento ou concretização dos que hajam anteriormente alegado ou que se apresentem como simplesmente instrumentais da pretensão deduzida, dado que, nesta última hipótese, por força dos poderes de cognição do Tribunal presentes no artigo 5º do Código de Processo Civil, o julgador está vinculado a tomar posição sobre os mesmos”.
O que, em consonância, determinou que se sumariasse que “os factos alegados em sede de articulado superveniente hão-de necessariamente ser factos essenciais, que é o mesmo que dizer, hão-de poder integrar a previsão do n.º 1, do art.º 5.º, do CPC, quer por constituírem a causa de pedir, quer por ancorarem as excepções aduzidas, considerando que os factos instrumentais e os notórios não carecem sequer de alegação das partes para poderem ser considerados pelo Juiz.
III - Decisivo é que a parte pretenda carrear para os autos novos factos fundamentais/essenciais.
IV - Assim, não é um qualquer facto, ainda que objectiva ou subjectivamente superveniente, que é susceptível de ser carreado para os autos em sede de articulado superveniente, antes deve ele ser essencial, e não manifestamente impertinente, para o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa, e segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito”.
Ponderando os expostos entendimentos doutrinário e jurisprudencial, descortina-se a existência de três diferenciadas posições:
- uma primeira posição, nitidamente minoritária, que admite que o articulado superveniente se reporta a factos instrumentais, nos termos em que estes são definidos na alínea a), do nº. 2, do artº. 5º, do Cód. de Processo Civil, desde que estes se configurem como relevantes ;
- uma segunda posição exige que os factos alegados em sede de articulado superveniente sejam necessariamente factos essenciais/fundamentais ou nucleares, integrantes do nº. 1, do mesmo artº. 5º, não admitindo que tal articulado seja utilizado apenas para a alegação de factos complementares ou concretizadores, ou factos instrumentais, dos que as partes tenham alegado, pois estes, resultando da instrução da causa, podem ser considerados pelo julgador, injustificando um articulado superveniente relativamente aos mesmos ;
- por fim, uma terceira posição admite que o articulado superveniente tenha por objecto ou seja utilizado para a alegação de factualidade essencial – o nº. 1, do mesmo artº. 5º -, bem como factualidade complementar ou concretizadora – a alín. b), do nº. 2, do mesmo normativo -, reportando-se esta ao âmbito da procedência da causa de pedir – factos constitutivos destinados a completar a causa de pedir inicial - ou da excepção invocada – factos impeditivos, modificativos ou extintivos -, pois esta factualidade também se configura como essencial para a procedência da acção ou da defesa (factos essenciais complementares).
Para esta posição, não podem ser objecto do articulado superveniente factos instrumentais.
Entendimento comum às enunciadas posições é a necessidade dos factos supervenientes atendíveis deverem ser relevantes, ou seja, com suficiente aptidão conducente à modificação ou extinção do direito peticionado, destituídos de quaisquer laivos de impertinência para o conhecimento, total ou parcial, do mérito da controvérsia em discussão.
Na ponderação da vária argumentação exposta, tendemos a adoptar o entendimento subjacente à terceira posição, considerando-se, relativamente ao autor, admissível a apresentação de articulado superveniente desde que estejam em causa factos constitutivos essenciais nucleares ou factos constitutivos essenciais complementares ou concretizadores, destinados ao completar da causa de pedir inicial ou a uma concreta alteração ou modificação desta mesma causa de pedir.
Ora, revertendo tais ensinamentos para o caso concreto, é legalmente justificado o articulado superveniente deduzido pela Autora ? Ou seja, através deste articulado, pretendeu a Autora alegar factualidade essencial nuclear, ou complementar ou concretizadora, com suficiente relevância ou aptidão á completude ou procedência da causa de pedir ? Ou, ao invés, estamos apenas perante a alegação de factualidade instrumental, a considerar no âmbito da instrução da causa, nos termos do artº. 5º, nº. 2, alín. a), do Cód. de Processo Civil ?
Conforme resulta do supra exposto, e já ponderado, a matéria factual ora alegada, em sede do articulado superveniente, reporta-se ao petitório acional deduzido sob a alínea c), no âmbito do qual pretende a Autora a condenação da Ré no pagamento de “lucros cessantes no montante de € 7.371.610,00 (sete milhões, trezentos e setenta e um mil e seiscentos e dez euros), sem prejuízo da quantia que vier a apurar-se em execução de sentença, após a efectiva remoção dos recalces invasivos”.
Posteriormente, foi balizado o período relativo ao cômputo dos lucros cessantes, pretendendo agora a Autora, através da alegação da nova factualidade, que sejam tidos em consideração os resultados da exploração gerados entre 04 de Janeiro de 2022 até 30 de Junho de 2023, na medida em que revelam que o cálculo de lucros cessantes apresentado pela Autora na p. i., ou seja, a quantia diária de € 6.455,00, foi conservador.
É ainda aduzido pela Autora que os factos supervenientes alegados encontram-se conectados com o tema da prova previsto na alínea c), trazendo-se aos autos resultados de exploração reais, e não meras previsões, assim se permitindo confirmar, indubitavelmente, a justeza do valor da indemnização peticionado pela Autora.
Ora, sem necessidade de ulterior argumentação, parece resultar evidente que esta nova factualidade, objectivamente superveniente, não se revela dotada de qualquer essencialidade, nem nuclear, nem complementar ou concretizadora, no que respeita á causa de pedir em discussão, relativa á responsabilização civil da Ré pela prática de facto ilícito conducente ao reivindicado dano a título de lucros cessantes.
O que efectivamente pretende a Autora, tal como referencia a Ré (e aquela acaba mesma por confirmá-lo de forma indirecta), é utilizar o articulado apresentado como carreando matéria de cariz essencialmente probatório, ou seja, pretendendo apresentar prova dos actuais réditos do identificado hotel após entrada em funcionamento da parte ampliada, com o objectivo de demonstrar (provar) que o valor peticionado a título de lucros cessantes é pertinente, pecando, inclusive, por defeito.
Ora, o articulado superveniente não tem como desiderato ou finalidade servir de prova ou contraprova de factualidade anteriormente alegada, pelo que a factualidade aduzida, ainda que putativamente considerada como relevante, sempre teria a natureza de instrumental e, como tal, de dedução não admissível em sede de articulado superveniente.
O que implica, neste contexto, juízo de acolhimento das conclusões recursórias, conducente:
• À revogação do despacho recorrido/apelado ;
• O qual se substitui por despacho que, nos termos do nº. 4, do artº. 588º, do Cód. de Processo Civil, indefere, rejeitando-o, o articulado superveniente apresentado ;
• Determinando-se, consequentemente, a anulação dos actos entretanto praticados pelo Tribunal a quo, na sequência do deferimento do articulado superveniente apresentado.
Da requerida dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente
Pugna, ainda, a Recorrente Ré pela dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, no que á presente instância de recurso concerne, alegando, em resumo, que:
• Na consideração do valor da causa - € 13.150.685,00 -, caso não seja concedida a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, tal implicaria o pagamento, a tal título, de um valor absolutamente desproporcional e chocante ;
• O pagamento de num valor tão alto não encontra qualquer justificação material, face à simplicidade do presente recurso e à conduta processual da Recorrente ;
• E sempre configuraria uma violação manifesta dos princípios da proporcionalidade e do acesso ao direito e à justiça, constitucionalmente consagrados, pelo que deve a Recorrente ser dispensada do pagamento do remanescente de taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.
Tal pretensão é igualmente deduzida pela Recorrida Autora, em sede contra-alegacional, entendendo encontrarem-se reunidos os pressupostos (quer os relativos à conduta processual das partes, quer os relativos à complexidade da causa) para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, n.º 7 do RCP, pelo que a esta deve haver lugar.
Decidindo:
Na presente instância de recurso está apenas em causa a questão atinente à admissão de articulado superveniente apresentado pela Autora, tendo-se a Ré inconformado com a sua admissão por parte do Tribunal a quo.
Conforme estatui o douto Acórdão Uniformizador nº. 01/2022, de 10/11/2021 – in Diário da República, Série I de 2022-01-03 -, “a preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo”.
Pelo que o requerimento deduzido em sede de alegações, bem como o formulado em sede contra-alegacional, foi apresentado em tempo oportuno.
Prescreve o n.º 7, do art.º 6º, do Regulamento das Custas Processuais, que “nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
Nas palavras do douto aresto desta Relação prolatado no Apenso A, datado de 14/03/2023 – Relatora Micaela Sousa -, “em face desta redacção do preceito legal, que exige uma decisão fundamentada do juiz, que deverá, designadamente, atender à complexidade da causa e à conduta processual das partes, tem sido entendido que os factores a ponderar têm natureza meramente exemplificativa.
Logo, para além da ponderação da complexidade da causa e da conduta processual das partes, nada obsta a que se ponderem outros factores associados, num sentido ou noutro, ao princípio da proporcionalidade, como seja o valor dos interesses económicos em causa, os resultados obtidos, o facto de alguma ou de ambas as partes serem pessoas individuais ou colectivas ou de exercerem ou não uma actividade comercial empresarial ou prosseguirem outros fins”.
Ora, na aferição do critério da complexidade da causa, será pertinente recorrer ao prescrito no nº. 7, do artº. 530º, do Cód. de Processo Civil, o qual dispõe que “para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:
a) Contenham articulados ou alegações prolixas;
b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise
combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou
c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas”.
A propósito do transcrito nº. 7, do artº. 6º, do Regulamento das Custas Processuais, consignou-se no citado aresto Uniformizador que:
“No fito de atenuar a obrigação do pagamento de uma elevada taxa de justiça em acções de valor muito elevado, sobretudo em situações em que seja evidente a desproporção entre o valor a pagar e o custo do serviço prestado, o legislador veio aditar o n.º 7 ao artigo 6.º do R.C.P. pelo qual (em estreito paralelismo com a norma que figurava no artigo 27.º, n.º 3, do CCJ) introduziu um elemento de adequação da taxa de justiça ao caso concreto, nas causas de valor superior a (euro) 275.000, dando poder (que será vinculado) ao juiz para dispensar o pagamento da taxa de justiça sempre que a situação o justifique, considerada a complexidade da causa e a conduta processual das partes(28) - ou seja, ficando, desde então, consagrada legalmente «a possibilidade de intervenção do juiz no sentido da correção, a final, dos montantes da taxa de justiça, quando da sua fixação unicamente em função do valor da causa resultem valores excessivos e desadequados à natureza e complexidade da causa»(29).
Assim, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal, de 18.01.2018 (revista n.º 7831/16.8T8LSB.L1.S1)(30) «o valor da taxa de justiça passou, deste modo, a poder ser objeto de correção por parte do julgador, não apenas no sentido da sua agravação a ser determinada, nos termos do n.º 5 do art. 6.º, pela especial complexidade da ação ou do recurso, mas agora também no sentido da dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente devida nas causas de valor superior a (euro) 275.000,00, caso a especificidade do caso o reclame, tomando-se em consideração, designadamente, a complexidade da causa e a conduta das partes».
A ratio desta norma é, assim, evitar casos de disparidade clara entre o expediente do Tribunal e a conta de custas, por uma questão de Justiça Material, e do cumprimento dos princípios da proporcionalidade e adequação, e ainda do livre acesso à justiça, todos plasmados na CRP.
Este aditamento do n.º 7 ao artigo 6.º do R.C.P. ocorreu na sequência da decisão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013, de 15 de Julho de 2013, que julgou inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte da Constituição, as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, ao Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo DL n.º 52/2011, de 13 de Abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.
Assim se introduziu a possibilidade de graduação prudencial do montante das custas devidas nos processos de valor especialmente elevado”.
E, nas palavras apostas no citado aresto desta Relação, “assim, embora a taxa de justiça até ao valor de 275.000,00 euros tenha de ser autoliquidada pela parte, por referência, em regra, à Tabela I-A anexa ao RCP, dessa forma impulsionando a ação, incidente, procedimento cautelar, recurso ou execução (com a junção do documento que comprove o prévio pagamento da taxa de justiça então devida), veio o legislador, por forma a se sintonizar com as exigências constitucionais, dispor que para além daquele valor da causa de 275.000,00 euros, o valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada € 25.000,00 ou fração, três UC, no caso da coluna A; 1,5 UC, no caso da coluna B; e 4,5 UC, no caso da coluna C (cfr. parte final da tabela I-A anexa ao RCP).
E conferiu, ainda, ao juiz o poder (dever?) de ex officio, ou a requerimento das partes, dispensar (ou reduzir) o pagamento (fundamentando-o na decisão final a proferir quanto à ação, incidente, procedimento cautelar, recurso ou execução) da taxa de justiça remanescente, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes (cit. n.º 7 do artigo 6.º do RCP).
Nesta senda, «a norma constante do n.º 7 do artigo 6.º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fração ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de 275.000 euros, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes) iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade».”
Dado que a taxa de justiça equivale, tendencialmente, ao custo ou preço da despesa necessária à prestação do serviço desenvolvido pelos tribunais, o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa deve assegurar que o valor cobrado ao utente que recorre ao sistema público de administração da justiça reflicta o custo do serviço que lhe foi prestado.
Como tal, a fixação do valor que for devido a final pelos utilizadores desse serviço de justiça deve atender necessariamente às especificidades da acção concreta, designadamente, a sua utilidade económica, a complexidade do processado e o comportamento das partes, tendo sempre por base os princípios da proporcionalidade e adequação”.
Ora, transpondo tais conceitos ou princípios para o caso concreto, e articulando os critérios decorrentes do transcrito nº. 7, do artº. 530º, do Cód. de Processo Civil, a pretensão deduzida por ambas as partes, no sentido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, merece acolhimento, pois a complexidade reconhecível á presente instância recursória não o impede, antes justifica-o.
Assim, apesar do elevado valor atribuído à causa (13 150 685,00 €) e da evidente extensão das alegações (76 artigos e 23 conclusões) e contra-alegações (190 artigos e 50 conclusões), estamos perante uma única questão em controvérsia, não dotada de especial complexidade jurídica ou técnica.
Por outro lado, a tramitação processual seguiu um trajecto regular, não obrigando a particulares diligências na utilização dos meios judiciais, pelo que a exigência do valor em equação do remanescente da taxa de justiça devida representaria uma evidente e manifesta desadequação e desproporção face ao custo do serviço em concreto e realmente prestado pelo sistema de justiça.
Ademais, também a conduta processual das partes não merece qualquer reparo ou censura, pois lograram evidente colaboração no desiderato pretendido alcançar através da presente instância recursória, sem mácula que lhes possa ser imputada, nomeadamente ao nível do suscitar de questões, desnecessárias, supérfluas, ou no desencadear de quaisquer mecanismos dilatórios ou inconsequentes.
Pelo que, na ponderação de tais circunstâncias, entende-se como pertinente e adequado, em conformidade com os princípios constitucionais da proporcionalidade e do acesso ao direito, dispensar, in casu, a Recorrida Autora do pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça, pelo que não será devida pela mesma, enquanto parte vencida na presente instância recursória, qualquer taxa de justiça, para além da já liquidada.
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Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas em dívida do presente recurso serão suportadas pela Recorrida/Apelada Autora, sem prejuízo do decidido relativamente à dispensa do pagamento total do remanescente da taxa de justiça.
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IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a. Julgar procedente o recurso de apelação interposto pela Apelante Ré SONAGI IMOBILIÁRIA, S.A., em que figura como Apelada Autora AZIMAR – INVESTIMENTOS TURÍSTICOS, S.A. ;
b. Em consequência:
• revoga-se o despacho recorrido/apelado ;
• o qual se substitui por despacho que, nos termos do nº. 4, do artº. 588º, do Cód. de Processo Civil, indefere, rejeitando-o, o articulado superveniente apresentado ;
• determinando-se, consequentemente, a anulação dos actos entretanto praticados pelo Tribunal a quo, na sequência do deferimento do articulado superveniente apresentado ;
c. defere-se a requerida dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça, formulado por Autora e Ré ;
d. Nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, as custas em dívida do presente recurso serão suportadas pela Recorrida/Apelada Autora, sem prejuízo do decidido relativamente à dispensa do pagamento total do remanescente da taxa de justiça.
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Lisboa, 10 de Julho de 2025
Arlindo Crua
Laurinda Gemas
Higina Castelo
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1. A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
2. Todas as referências legais infra, salvo expressa menção em contrário, reportam-se ao presente diploma.