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CONDIÇÃO
VÍCIOS DA VONTADE
CONTRATO PROMESSA
Sumário
I – Como cláusula acessória típica geral, a Condição ou estipulação condicional, traduz a subordinação pelas partes, dos efeitos negociais, a um acontecimento futuro e incerto, desdobrando-se, conforme o prescrito no artº. 270º, do Cód. Civil, em condição suspensiva e condição resolutiva ; II – Produzindo efeitos o negócio jurídico apenas posteriormente à ocorrência daquele acontecimento ou evento, a condição diz-se suspensiva ; deixando o negócio de produzir quaisquer efeitos após a verificação do acontecimento ou evento, a condição afirma-se como resolutiva ; III - - Os vícios da vontade traduzem-se em perturbações no seu processo formativo, no sentido de que a mesma, embora em concordância com a declaração emitida, é determinada por motivações anómalas e ilegítimas, isto é, a vontade não se formou de um “modo julgado normal e são” ; IV - entre aqueles vícios, temos o erro-vício e o dolo, com legal inscrição, respectivamente, nos artigos 251º e 252º e artigos 253º e 254º, do Cód. Civil ; V - o erro-vício traduz-se numa inexacta ou imperfeita representação, ou no desconhecimento de uma circunstância, de facto ou de direito, que se configurou como determinante na decisão de efectuar o negócio, no sentido de que caso o declarante conhecesse ou estivesse esclarecido acerca de tal circunstância, ou seja, caso tivesse perfeito conhecimento da realidade não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou ; VI - constituindo-se como um erro nos motivos determinantes da vontade ou erro-motivo, no que concerne às suas modalidades, pode tal erro incidir sobre a pessoa do declaratário, sobre o objecto do negócio, mediato ou imediato (artº. 251º), ou, de forma residual, sobre os motivos não referentes nem à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio (artº. 252º) ; VII - para que o erro-vício possa ser relevante como causa de anulabilidade, é mister que o mesmo se revista de essencialidade, ou seja, dever-se-á estar perante um erro que levou o declarante errante a concluir o negócio, pois, sem ele, não se celebraria qualquer negócio ou se celebraria um negócio com outro objecto ou de outro tipo ou com outra pessoa ; VIII – no âmbito do contrato-promessa outorgado, concluindo-se pela inexistência de qualquer situação moratória a onerar os Réus promitentes vendedores (relativamente à reclamada entrega de licença de utilização do imóvel devidamente actualizada, para consequente outorga do contrato prometido), injustifica-se o deferimento da sua interpelação admonitória ao cumprimento, de forma a que, incumprida esta, se pudesse converter aquela putativa situação moratória em concreto incumprimento definitivo conducente á resolução do contrato-promessa outorgado, bem como á consequente produção dos efeitos decorrentes desse juízo resolutivo ; IX – pelo que, necessariamente urge concluir não se mostrarem preenchidos os requisitos ou pressupostos, convencional ou legalmente exigíveis, para que se possa concluir pela efectiva responsabilidade contratual dos Réus promitentes vendedores, pois não logrou a Autora promitente compradora provar que aqueles se vincularam á aduzida obrigação contratual, e que, consequentemente, incumpriram-na em definitivo. Sumário elaborado pelo Relator – cf., nº. 7 do artº. 663º, do Cód. de Processo Civil
Texto Integral
ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte 1: I – RELATÓRIO
1 – AA, residente na ... 231, 2º Direito, Carcavelos, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra:
BB,
e
CC,
ambos residentes, na ..., nº. 22, Charneca da Caparica, deduzindo o seguinte petitório:
- A título principal:
1) Seja proferida sentença que produza os efeitos da promessa contida no contrato promessa de compra e venda invocado e que tem por objecto o imóvel sito na ..., n.º 22, 2820-257 Charneca da Caparica, concelho de Almada, União das Freguesias de Charneca de Caparica e Sobreda, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º 11064 e inscrito na matriz predial urbana da referida União de Freguesias sob o artigo 24098, nomeadamente: a) Com a redução do preço da compra e venda para € 130.000,00, sendo a autora notificada, previamente à prolação da sentença, para depositar à ordem do tribunal o valor de € 110.000,00 (cento e dez mil euros), correspondente ao remanescente do preço após descontado o sinal já entregue aos réus (€ 20.000,00);
b) Com a produção de efeitos da declaração negocial dos réus faltosos, transmitindo-se para a autora a propriedade do identificado imóvel;
c) Ordenando o cancelamento de quaisquer registos relativos ao mencionado imóvel que existam em detrimento do direito da autora.
- Subsidiariamente:
a) Seja fixado um prazo razoável, mas nunca superior a 5 (cinco) meses após a citação, para os réus entregarem à autora a licença de utilização actualizada, para que a escritura seja realizada;
b) Em caso de incumprimento desse prazo, seja judicialmente reconhecida a cessação, por resolução, com fundamento no incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda por parte dos réus;
- Em consequência:
c) Sejam os réus solidariamente condenados a entregar à autora o valor de € 40.000,00, correspondente à devolução do sinal em dobro, acrescido dos juros de mora, desde a data da verificação do incumprimento definitivo, até integral pagamento.
Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte:
• celebrou com os réus um “contrato promessa de compra e venda”, mediante o qual prometeu comprar aos Réus, e estes prometeram vender-lhe, uma moradia, pelo preço de € 208.000,00, para o que lhes entregou o sinal de € 20.000,00 ;
• no imóvel foram realizadas obras não licenciadas que alteraram a sua configuração e tipologia ;
• é inviável a realização da escritura sem o licenciamento de tais modificações ;
• é necessária a obtenção de uma nova licença de utilização, por cuja obtenção os réus não providenciaram ;
• não obstante a tanto obrigados e apesar de intimados pela Autora, a qual está impedida de marcar a escritura de compra e venda ;
• aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda, os Réus ocultaram informação relevante sobre o objecto do negócio, determinante para a formação de vontade da Autora promitente compradora ;
• sendo que os termos do negócio, nomeadamente a fixação do preço, não teve em conta as obras ilegais, nem o que as mesmas implicam, em termos de tempo e custos, com a imprevisibilidade de serem ou não aprovadas pela competente Câmara Municipal.
2 – Devidamente citados, vieram os Réus apresentar contestação, alegando, em súmula, o seguinte:
• ocorre nulidade na sua citação, em virtude de terem sido preteridas as formalidades legalmente prescritas na sua efectivação ;
• foi a Autora quem não quis celebrar o contrato definitivo, por não lhe ser concedido crédito bancário nos termos pela mesma pretendidos ;
• a Autora conhecia bem o imóvel que prometeu comprar, tendo-lhe sido facultada toda a documentação ao mesmo respeitante ;
• pelo que era viável a celebração da escritura pública, à qual a Autora se vem furtando ;
• tendo-a os Réus marcado, sem que aquela comparecesse.
Concluem no sentido de:
- ser declarada nula a citação e, consequentemente, ser todo o processado posterior declarado nulo ;
- ser julgada improcedente a acção, com a sua consequente absolvição dos pedidos deduzidos.
3 – Por despacho de 01/06/2022, foi julgada improcedente a arguição de nulidade de citação invocada pelos Réus.
4 – Em 15/03/2023, foi proferida decisão, na qual fo(i)(ram):
- fixado o valor da causa ;
- dispensada a realização de audiência prévia ;
- proferido saneador stricto sensu ;
- identificado o objecto do litígio, nos seguintes termos:
“Nesta acção, importa, depois de qualificar as declarações negociais reciprocamente emitidas pelas partes, mormente à luz do regime jurídico do contrato promessa de compra e venda de bem imóvel, se ocorreu ou não a mora ou o incumprimento definitivo, imputável aos réus, da sua obrigação de celebração do contrato definitivo, se existe fundamento para determinar a redução do preço convencionado para a compra e venda prometida, bem como se se encontram reunidos os pressupostos de que depende a execução específica de contrato de promessa de compra e venda de imóvel ou da sua válida resolução por banda da autora, com o inerente direito de reaver dos réus o dobro da quantia que lhes adiantou do preço ajustado para a venda definitiva e juros” ;
- identificados os temas da prova, com o seguinte teor:
“I. As concretas prestações reciprocamente realizadas pela autora e pelos réus por efeito e em execução do acordo entre as partes celebrado por escrito, no dia 13 de Outubro de 2020, epigrafado de “contrato-promessa de compra e venda”, mediante o qual a autora declarou prometer comprar e os réus declararam prometer vender-lhe, pelo preço de € 208.000,00, o imóvel, em propriedade total, sito na ... – n.º 22, União de Freguesias de Charneca de Caparica e Sobreda, concelho de Almada, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º 11064, e inscrito na matriz predial urbana da referida União de Freguesias sob o artigo 24098, incluindo as datas em que foram solicitadas e cumpridas / incumpridas essas prestações; II. As concretas e prévias informações prestadas pelos réus à autora com vista à celebração do acordo mencionado em I., mormente sobre as características do imóvel seu objecto, e a intenção com que os réus as prestaram; III. As concretas características do imóvel prometido vender, incluindo a realização no mesmo de obras não licenciadas por banda dos réus, que se revelem aptas a obstar à celebração da compra e venda prometida em I.; IV. A não concessão de crédito à autora apta a obstar à celebração da compra e venda prometida em I.; V. As concretas intimações reciprocamente emitidas e comunicadas pelas partes e as concretas diligências pelas mesmas efectuadas, incluindo as respectivas datas e meios destas e daquelas, no desiderato de celebrar a compra e venda prometida em I.; VI. A conduta da parte contrária na sequência dos actos mencionados em V” ;
- apreciados os requerimentos probatórios ;
- designada data para a realização de julgamento.
5 – Tal audiência veio a realizar-se em 3 sessões, conforme actas de fls. 86, 87, 97 a 100, 102 e 103, com observância do legal formalismo.
6 – Em data imediata á da 1ª sessão, a Autora veio desistir do pedido principal deduzido, tendo tal desistência sido homologada por decisão de 04/07/2023, com consequente declaração de extinção do direito que a Autora pretendia fazer valer contra os Réus.
7 – Em 08/01/2024, foi proferida SENTENÇA, em cujo Dispositivo consta o seguinte:
“Julgo a acção improcedente, por não provada, e, em consequência:
a) Absolvo os réus BB e CC do pedido contra os mesmos formulado pela autora AA;
b) Condeno a autora pagamento das custas do processo. *
Registe e notifique”.
8 – Inconformada com o decidido, veio a Autora apresentar recurso de apelação, no âmbito do qual exarou as seguintes CONCLUSÕES:
“I- A decisão proferida nos presentes autos padece de manifestas imprecisões, omissões e manifesto erro na apreciação da prova documental constante dos autos e da prova testemunhal e por declarações de parte prestada em audiência de julgamento.
II- O tribunal “a quo” de acordo com a prova produzida e com interesse para a boa decisão da causa deveria ter considerado como provados os seguintes factos que considerou como não provados:
a) (fato 26) No dia 26 de Outubro de 2020, a autora foi informada pelo «Banco Montepio» que o seu crédito estava aprovado.
- Refere o tribunal “a quo” na motivação da matéria de fato que em particular, foi absoluta a ausência de prova capaz de sustentar com o mínimo de rigor e segurança exigíveis a realidade dos factos 24. a 34. e 37. a 45., sendo, pelas razões que antecipadamente se deixaram expressas, as declarações da autora, por si só e desacompanhadas de outros meios de prova capazes de as sustentar, manifestamente insuficientes para persuadir o tribunal da realidade desses factos, além de esta ter sido consistentemente refutada por ambos os réus no decurso das suas declarações e pela testemunha DD no decurso do seu depoimento, mais se constatado que nenhuma das testemunhas arroladas quer pela autora quer pelos réus e que foram inquiridas no decurso do julgamento os confirmou com algum preciso, real e directo conhecimento, antes sobre eles manifestando ter um conhecimento muito difuso, impreciso e proveniente dos relatos feitos pelas partes (mostrando-se despiciendo reproduzir quanto as testemunhas relataram sem relevância para o apuramento da realidade do apontado quadro factual), aqui se destacando que não foi apresentada nos autos qualquer comunicação do «Banco Montepio» dirigida à autora que se revele apta a sustentar com o rigor que se impõe a realidade do facto 28…
- Ora, não nos parece manifestamente que assim seja.
- Nas suas declarações constantes do ficheiro Gravação Audiências entre o minuto 20.47 ao minuto 21.12, entre o minuto 32.07 ao minuto 33.10 e entre o minuto 33.32 ao minuto 33.52 da diligência 1591-21.878 ALM 09-44-28 de 19 de Outubro de 2023, refere a autora que a 23 de Outubro de 2020 recebe a aprovação do seu crédito bancário no valor de 115.250 euros, através do documento que foi diretamente levantar no balcão da Costa da Caparica e que, na audiência de julgamento estava na sua posse, conforme refere “estão aqui as provas” e, depois, “o empréstimo foi concedido, também tenho aqui os documentos, a minha situação pessoal estava resolvida”.
- Por isso mesmo, a autora é chamada a 26 de Outubro de 2020 para tratar dos seguros inerentes à habitação, documentos que também tinha na sua posse na audiência de julgamento, como refere (entre o minuto 20.47 ao minuto 21.12 da diligência 1591-21.878 ALM 09-44-28 de 19 de Outubro de 2023).
- Através de e-mail de 30/10/2020 (doc. 5 junto com a p.i.), o Banco Montepio solicita à autora 4 documentos, entre os quais a Ficha Técnica da Habitação e a Licença de Utilização.
Na verdade, conforme a autora refere nas suas declarações (desde o minuto 22.30 ao minuto 22.46 da diligência 1591-21.878 ALM 09-44-28 de 19 de Outubro de 2023), “a parte do banco funciona em 2 etapas, porque o balcão aprova os créditos, mas depois o processo com documentos é mandado para outra entidade externa ao banco Costa da Caparica”.
- Assim, o banco aprovou o crédito à autora a 23 de Outubro de 2023 (como a autora referiu: “a minha situação pessoal estava tida regularizada (…) depois é que foi verificado na 2.ª etapa (…) os documentos do imóvel. Efetivamente, eu recebi a carta (…) 10 dias depois de assinar o contrato de promessa, sendo que, posteriormente, para efeitos de verificação dos dados do imóvel”, conforme a autora refere entre o minuto 32.06 ao minuto 35.28 da diligência 1591-21.878 ALM 09-44-28 de 19 de Outubro de 2023.
- Pelo que, se dúvidas existissem quanto à aprovação do crédito, o tribunal “a quo” poderia ter solicitado os documentos comprovativos que a autora tinha na sua posse à data da audiência de julgamento, ao abrigo do art.º 411 do CPC, o qual determina que “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.
- Não valorizou deste modo o tribunal “a quo” as declarações precisas e claras, porque verdadeiras e com base em suporte documental, pelo que, para um efetivo “apuramento da verdade” deveria ter solicitado as provas que a autora sempre referiu estarem na sua posse durante a audiência de julgamento.
- Devendo o fato em apreço ser dado como provado.
b) (fato 27) Os documentos mencionados em 10. foram solicitados à autora para efeito de marcação da escritura nessa ocasião.
- Através de e-mail de 30/10/2020 (doc. 5 junto com a p.i.), o Banco Montepio solicita à autora 4 documentos, entre os quais a Ficha Técnica da Habitação e a Licença de Utilização.
- Na verdade, conforme a autora refere nas suas declarações (entre o minuto 22.30 ao minuto 22.46 da diligência 1591-21.878 ALM 09-44-28 de 19 de Outubro de 2023), “a parte do banco funciona em 2 etapas, porque o balcão aprova os créditos, mas depois o processo com documentos é mandado para outra entidade externa ao banco Costa da Caparica”.
- Assim, o banco aprovou o crédito à autora a 23 de Outubro (como a autora referiu: “a minha situação pessoal estava tida regularizada (…) depois é que foi verificado na 2.ª etapa (…) os documentos do imóvel. Efetivamente, eu recebi a carta (…) 10 dias depois de assinar o contrato de promessa, sendo que, posteriormente, para efeitos de verificação dos dados do imóvel”, conforme a autora refere desde o minuto 32.06 ao minuto 35.28 da diligência 1591-21.878 ALM 09-44-28 de 19 de Outubro de 2023.
- O presente fato deve ser dado como provado nos seus exatos termos
c) (fato 28) Ao analisar os documentos remetidos pelos réus, o Banco foi pedindo esclarecimentos e documentos sobre a identificação/legitimidade dos réus e sobre a Licença de Utilização, tendo solicitado certidão camarária que ateste a Licença de Utilização para o imóvel tal como ele é hoje, que identifique composição, pisos, áreas e matriz actual.
- a autora nas suas declarações refere entre o minuto 2.18.52 ao minuto 2.19.08 da diligência 1591-21.878 ALM 14-16-41 de 27 de Setembro de 2023 que solicitou os documentos de identificação/legitimidade dos réus e a licença de utilização entre o minuto 2.18.52 e 2.19.018.
- a testemunha DD, esposa do réu CC, nas suas declarações prestadas na diligência 1591-21.878 ALM 14-16-41 de 27 de Setembro de 2023 entre os minutos 31.30 e 31.45 e entre o minuto 41.22 e 42.20 confirma tal fato.
- Aliás, a autora sempre deu conhecimento aos réus, quer transcrevendo os exatos termos do banco, quer encaminhando mesmo os e-mails, que também se disponibilizou para entregar ao tribunal “a quo”, conforme referiu entre o minuto 12.43 e o minuto 13.32 da diligência 1591-21.878 ALM 09-44-28 de 19 de Outubro de 2023.
- Razão pela qual o fato 28 deverá ser dado como provado nos seus exatos termos.
d) (fato 29) Destes pedidos do Banco a autora informou os réus, nomeadamente o réu CC, pelo telemóvel n.º ...913, e a sua companheira DD.
- Nas suas declarações constantes do ficheiro Gravação Audiências entre o minuto 2.19.20 ao minuto 2.19.38 da diligência 1591-21.878 ALM 14-16-41 de 27 de Setembro de 2023 que informou o réu CC através de email.
- Pelo que deveria o tribunal “a quo” ter considerado provado que “Destes pedidos do Banco a autora informou os réus, nomeadamente o réu CC.”
e) (fato 30) Pelo menos desde 04.12.2020, os réus sabem que a marcação da escritura ficou dependente de documento (LU), que só eles poderiam obter.
- Este fato resulta provado nos seus exatos termos tendo por base o conteúdo do email constante do fato dado como assente sob o nº 12 e da carta enviada pela advogada da autora constante do fato dado como assente sob o nº 14.
f) (fato 33) A autora não marcou a escritura até ao dia 12.12.2020 em virtude de os réus não lhe terem entregue todos os documentos referentes ao prédio que prometeram vender.
- Este fato deve ser dado como provado nos seus exatos termos, tendo por base a carta enviada pela autora através da sua advogada constante dos fatos assentes sob o nº 14, em relação à qual não houve qualquer resposta por parte dos réus.
- Bem como do teor do email da Sra. Conservadora da Conservatória do Registo Predial de Almada, fato provado sob o nº 17.
g) (fato37) A autora ficou surpreendida pelo teor do relatório mencionado em 8. Na parte em que alude a “obras não licenciadas (ilegais)” efetuadas pelos réus e apenas delas teve conhecimento com esse relatório.
-A testemunha EE (entre o minuto 05.45 ao minuto 08.08 da diligência 1591-21.16-06-12 do dia 23 de Junho de 2023) afirma que a autora ficou surpreendida com o fato de o banco não ter dado andamento por falta de documentação, por as obras não estarem autorizadas pela câmara.
- Deve este fato em consequência ser dado como provado nos seus exatos termos.
h) (fato 43) A autora tentou obter informação sobre quanto custa, em termos de tempo e dinheiro, obter a licença de utilização actualizada junto da Câmara Municipal de Almada, tendo técnicos, arquitectos, engenheiros e construtores advertido de que, perante as alterações feitas pelos réus no imóvel, será necessário apresentar novo projecto de arquitetura, novos projectos de alterações das várias especialidades, incluindo rede de águas e rede de esgotos.
- A testemunha FF, arquiteto, declarou que se a habitação passou a ter habitação também em baixo, houve alteração do uso, pelo que seria normal que o banco exigisse uma alteração da licença de habitação (declaração 15-59-54 de 23 de Junho de 2023, desde o minuto 04.03 a 5.06).
- Neste sentido deverá ser dado como provado que tendo o imóvel passado a ter habitação no rés do chão, existiu uma alteração ao uso, pelo que seria normal que o Banco exigisse uma alteração à licença de habitação em conformidade.
III- Desvalorizou o “tribunal a quo” as declarações de parte da autora. Embora as mesmas tenham sido manifestamente credíveis, precisas e com referências temporais.
IV- Valorizando por outro lado as declarações dos réus e da esposa do réu. As quais foram manifestamente omissas e, em alguns casos mesmo, com afirmações ou contraditórias ou que não correspondem à verdade.
V- Conforme resulta dos fatos, a autora desconhecia que o imóvel não tinha licença de utilização válida, por estar ilegal.
VI- A autora, apenas veio a saber da irregularidade do imóvel, como demonstrado, em meados de Janeiro de 2023, altura em que, ela própria, disso informou os réus.
VII- Se a autora soubesse que o imóvel não estava legalizado, facto omitido pelos vendedores não teria acordado no negócio.
VIII-A autora, só ela, tentou outras formas de solução do problema: a devolução dos 20.000 euros, ou a entrega de 30.000 no prazo de 5 meses ou, ainda, a hipótese de aquisição do imóvel por um preço menor, mas os réus nunca nada responderam.
IX -Por outro lado, os réus nunca, em circunstância alguma, se mostraram disponíveis para colaborar, tendo, pelo contrário, e bem sabendo que não haviam procedido à entrega de licença de utilização válida, agendado a escritura por 2 vezes.
X- Nos termos do art.º 411 do CPC “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.
XI- Não valorizou, o “tribunal a quo” as declarações precisas e claras prestadas pela autora, porque verdadeiras e com base em suporte documental, pelo que, para um efetivo “apuramento da verdade” deveria ter solicitado as provas que a autora sempre referiu estarem na sua posse durante a audiência de julgamento.
XII- Acresce que o tribunal “a quo” valorizou a decisão do Sr. Notário do Cartório Notarial de Almada; desvalorizando a decisão da Senhora Conservadora da Conservadora da Conservatória do Registo Predial de Almada a qual não realizou a escritura, solicitando para a realização da mesma a apresentação de nova licença de utilização ou da mesma com esclarecimento de que contemplava as obras ou que as mesmas estejam isentas de licenciamento…., Sendo esta a entidade que inclusive faria o subsequente registo da aquisição.
XIII- Note-se que curiosamente os réus nada fizeram e recorreram ao Cartório Notarial.
XIV- Atenta a prova indicada entende a recorrente que os fatos indicados deveriam ter sido considerados como provados pelo “tribunal a quo”.
XV- Devem, deste modo e atento o supra exposto, V. Exas. considerar como provados os fatos indicados sob os nº 26, 27, 28, 29, 30, 33, 37 e 43 dos fatos considerados não provados da sentença de que ora se recorre; nos termos sobreditos.
Do Direito
XVI- O “Tribunal a quo” entende na sentença ora em apreço que em lado algum do contrato promessa os réus se vincularam a obter uma licença de utilização actualizada, apenas se tendo obrigado a entregar à autora a documentação necessária à marcação da escritura pública de compra e venda, o que se demonstrou terem feito, abrangendo a licença de utilização emitida para o imóvel e averbada no registo predial, tendo pelos réus sido inclusivamente marcada a escritura pública de compra e venda, por duas vezes, na segunda delas tendo o Exmo. Sr. Notário atestado, por escrito, que lhe foi entregue toda a documentação necessária à outorga.
XVII - Entende a ora recorrente que tal entendimento não tem fundamento.
XVIII - Nos termos da cláusula 6ª os réus obrigaram-se a fornecer à autora todos os documentos que digam respeito ao prédio objeto do contrato; bem como na cláusula 1ª do mesmo contrato afirmam prometer vender o imóvel livre de quaisquer ónus ou encargos.
XIX - De acordo com os fatos provados os réus tinham conhecimento de que a realização das descritas alterações no imóvel, correspondentes à ampliação da área em 20m2, no rés-do-chão, à conversão para habitação da parte que antes era um armazém e à construção de uma varanda no 1.º andar, não constavam do projeto aprovado pela Câmara Municipal de Almada (CMA) e para as mesmas os réus não obtiveram a respetiva autorização administrativa, não estando contempladas na Licença de Utilização (LU).
XX- Fato de que não deram conhecimento à autora até há celebração do contrato promessa de compra e venda; em manifesta violação do principio da boa fé negocial (art. 227º do C.C.).
XXI- É través da vistoria realizada pelo Banco que a autora tem conhecimento da situação ilegal do imóvel; a qual alterava inclusive o uso do R/c, que deixava de ser utilizado para garagem e arrumos e passava a ser utilizada como habitação.
XXII- Tendo solicitado aos réus licença de utilização que retratasse a situação atual do prédio, conforme pedido pela entidade bancária.
XXIII- De acordo com o Regulamento Geral das Edificações Urbanas “nos projectos de novas construções e de reconstrução, ampliação e alteração de construções existentes serão sempre indicados o destino da edificação e a utilização prevista para os diferentes compartimentos” (art.º 6.º).
XXIV- Nesse sentido também o parecer da Câmara Municipal de Almada quando refere que “Informamos após análise ao assunto que V. Exa. apresentou que as situações/alterações identificadas estão sujeitas a projeto de legalização, na medida em que deveriam ter sido previamente submetidas a controlo prévio da construção e amplificação CMA, nos termos do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.
XXV- Entende o “tribunal a quo” que por o Sr. Notário ter marcado a escritura que todos os documentos necessários haviam sido entregues.
XXVI- Olvidando no entanto a posição da Sra. Conservadora, entidade que inclusive procede ao registo das escrituras de compra e venda, a qual numa primeira marcação, alertada pela autora para a situação exigiu para a realização da mesma uma licença de utilização atualizada que reportasse as alterações realizadas.
XXVII- Ao invés de fazerem o solicitado pela Sra. Conservadora resolveram antes os réus fazer a marcação no Cartório Notarial.
XXVIII- Não se percebendo a atuação do Sr. Notário, uma vez que tendo o imóvel sido submetido a obras de alteração e de ampliação (conforme Relatório do Perito Avaliador) e tendo essas obras ocorrido após 30 de Março de 2004, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 68/2004 (como foi o caso, pois havia sido adquirido pelos réus em 2009/07/30, conforme certidão do Registo Predial junta aos autos), a escritura de compra e venda careceria da apresentação da Ficha Técnica da Habitação, o que não sucedia, pois ela não existia.
XXIX- Pelo que não deveria a escritura ser realizada pelo Sr. Notário que marcou a falta de presença à autora, bem sabendo que o imóvel fora objeto dessas alterações e amplificações e tendo o mesmo que possuir uma Ficha Técnica da Habitação, que não existia.
XXX- Deste modo ao contrário do referido na douta sentença as exigências de documentação por parte do banco quanto à legalidade do imóvel não são alheias aos réus; mas sim uma responsabilidade sua.
XXXI- Umas vez que prometeram vender o imóvel livre de quaisquer ónus ou encargos e se comprometeram a entregar todos os documentos que digam respeito ao prédio objeto do contrato promessa celebrado.
XXXII- Tendo deste modo os réus e não a autora incorrido em mora no cumprimento da obrigação referida; vendo-se a autora impossibilitada de proceder à marcação da escritura.
XXXIII- Estão deste modo os réus em mora no cumprimento das suas obrigações; nos termos do art. 804º do C. C.
XXXIV- Constata-se por isso que estão verificados os pressupostos essenciais da responsabilidade dos réus, tendo a autora logrado provar que os réus não cumpriram as suas obrigações até há presente data, como lhe competia, nos termos do art. 342º nº 1 do Código Civil.
XXXV- Atentos os fatos provados e que devem ser considerados provados no entender da recorrente antes devia o “tribunal a quo” ter julgado procedente, por provado, o pedido subsidiário formulado pela autora.
XXXVI- Fixando um prazo razoável para os réus entregarem à autora a licença de utilização atualizada para a escritura ser realizada. Em caso de incumprimento desse prazo, seja judicialmente reconhecida a cessação por resolução com fundamento no incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda por parte dos réus.
XXXVII- Em consequência serem os réus solidariamente condenados a entregarem à autora o valor de 40.000,00€ correspondente à devolução do sinal em dobro, acrescido dos juros de mora desde a data de verificação do incumprimento definitivo, até integral pagamento.
XXXVIII- O tribunal “a quo” ao proferir a decisão de que ora se recorre fez uma errada aplicação e consequentemente violou os arts. 227º, 342º nº 1, 442º nº 3 e 804º do Código Civil; e ainda o art. 411º do C.P.C”.
Conclui no sentido de revogação da sentença proferida, com consequente condenação dos Réus nos termos requeridos.
9 – Os Recorridos/Apelados apresentaram contra-alegações, nas quais formularam as seguintes CONCLUSÕES:
1. “Assim, a Sentença não padece dos erros alegados pela A., quer em matéria de facto, quer em matéria de direito;
2. Quanto ao facto 26, sustentado apenas nas declarações da A., o Tribunal aprecia livremente as declarações de parte, que o referiu apenas em declarações de parte, não juntando nenhum documento aos autos correspondente a tais declarações, embora afirmasse ter documentação nesse sentido,
3. Nem nenhuma outra testemunha ouvida em qualquer sessão do julgamento, ou qualquer dos RR. mostraram ter conhecimento direto de tal facto, nem de terem visto qualquer documento que contivesse tal aprovação da banca;
4. O doc. 5 junto aos autos corresponde a um pedido do banco de documentação, mas não prova o facto 26, pois não é percetível no documento a fase do pedido ou da apreciação do pedido de empréstimo, e se o mesmo havia sido aprovado ou não, pelo que, o tribunal não poderia ter decidido de outra forma, senão considerar o facto 26 como não provado;
5. Desconsiderou a A., ainda, que o ónus da prova dos factos por si alegados lhe pertencem, e que a si pertencia o ónus de provar o facto 26, que alegou logo na sua petição inicial – data em que alegadamente já estaria na posse de suposta carta do banco que comprovaria este facto. Mas, nunca juntou, nem requereu ao tribunal nem para juntar, nem mesmo na sessão de julgamento, nem para exibir,
6. Querendo assacar ao tribunal “a quo” a insuficiência de prova, por este não ter solicitado a junção de tais documentos, alegação da A. que é no mínimo estranha…
7. No entendimento da A., quem falhou não foi ela mesma que não logrou provar o que alegou, quando até tinha prova escrita consigo no dia da entrega da Petição inicial, mas o tribunal que não cumpriu a sua obrigação de um “efetivo “apuramento da verdade””.
8. Mesmo que o facto 26 fosse dado como provado, não seria relevante para provar o incumprimento contratual dos RR.
9. Quanto ao facto 27, em momento algum o doc. 5 junto com a PI refere que os documentos foram solicitados para efeito de outorga de escritura.
10. A própria A. referiu em sede de declarações que o processo do banco funciona em duas etapas, sendo a segunda etapa ou uma fase de verificação dos documentos, e não já para efeitos de escritura, tendo o Tribunal “a quo” apreciado a prova muito bem, considerando o facto 27 como não provado.
11. Mesmo que o facto 27 fosse dado como provado, não seria relevante para provar o incumprimento contratual dos RR, pois não se encontra provado nos autos que em algum momento os RR se tenham recusado à entrega de elementos solicitados pela A.
12. Quanto ao facto 28, a A. nas suas declarações refere que solicitou os documentos de identificação/legitimidade dos RR. e a licença de utilização apenas. Não disse que após o envio dos documentos pelos RR., o banco foi pedindo esclarecimentos sobre os documentos enviados.
13. A testemunha DD não confirmou, nem referiu em momento algum que o Banco, após o envio dos documentos pelos RR., foi pedindo esclarecimentos, embora tenha referido que a A. solicitou outros documentos tais como certidões de nascimento, não sabendo ao certo porquê.
14. Nem consta dos autos quaisquer documentos ou correspondência que comprove o pedido adicional de documentos pelo banco ou pedido de esclarecimentos.
15. Pelo que a sentença foi muito bem ao considerar o facto 28 como não provado, e mesmo que assim não fosse, não seria relevante para provar o incumprimento contratual dos RR.
16. Quanto ao facto 29, aplica-se a livre apreciação do tribunal sobre as declarações da A., uma vez que o facto não foi corroborado por qualquer outro meio de prova – subsistindo a dúvida, o tribunal deu como não provado, e muito bem.
17. Ainda assim, sempre se dirá, que mesmo que o facto 29 fosse dado como provado, não seria relevante para se concluir pelo incumprimento contratual dos RR, pois em nenhum momento os RR se recusaram à entrega de elementos necessários à outorga da escritura.
18. Quanto ao facto 30, a correspondência dos factos assentes 12 e 14 são a correspondência de advogado, cujo trabalho não é imparcial, mas feito em conformidade com os interesses da sua Constituinte.
19. Da mera correspondência aludida, sem qualquer outro suporte fáctico que tenha derivado da demais prova produzida, quer documental, quer testemunhal ou das declarações das partes, não poderia o tribunal dar por provada que a escritura não se realizou por mera dependência da LU e que os RR. disso bem sabiam desde a data referida
20. Pelo que, foi o tribunal “a quo” muito bem em considerar o facto 30 por não provado.
21. Quanto ao facto 33, o tribunal foi muito bem em dar o facto como não provado, pois em relação à correspondência aludida no facto 14, o mesmo se dirá o que se disse para o facto 30, escusando-nos a mera repetição.
22. Quanto ao teor do email da Sra. Conservadora da Conservatória do Registo Predial de Almada, fato provado sob o nº 17, se dirá que dos factos 20 e 22 resulta provado que o Cartório Notarial de Almada do Dr. GG considerou estarem reunidas as condições para outorga de escritura sobre o imóvel, e que a A. nem promoveu o agendamento da escritura, nem compareceu quando esta foi agendada pelos RR.
23. Pelo que, não podia de qualquer prova produzida nos autos o Tribunal inferir que a escritura não se realizou porque os RR. não entregaram à A. os necessários documentos para a escritura, como a A. pretende fazer crer.
24. Quanto ao facto 37, a testemunha EE não mostrou ter conhecimento direto dos factos, mas apenas conseguiu reproduzir o que alegadamente a A. lhe contaria, não sendo assim um meio de prova suficientemente robusto para convencer o tribunal da veracidade do facto.
25. Por outro lado, há versões contraditórias sobre esta facto, nomeadamente do R. CC, que declarou que a A. antes da assinatura do contrato-promessa visitou, pelo menos duas vezes o imóvel, viu as obras realizadas, viu a documentação do imóvel, tendo sido inclusive advertida que havia obras realizadas anteriormente pelo pai do R., após a emissão da licença de utilização, e que a A. aceitou comprar a casa mesmo assim, considerando que não haveria sequer problema com o banco; e que, posteriormente à assinatura do contrato-promessa começou a fazer exigências que não haviam sido acordadas entre as partes, nomeadamente, que os RR. tratassem de verificar a questão do licenciamento das referidas obras junto da respetiva Câmara municipal.
26. O conhecimento da situação concreta do imóvel e das referidas obras ou alterações pela A. antes da assinatura do contrato promessa foi também corroborado pelas declarações da testemunha DD,
27. Ainda pela R. BB.
28. Bem como, pela testemunha HH, foi referido que os problemas surgiram após assinatura do contrato-promessa, porque a A. se recusou a fazer a escritura, pretendendo mais dinheiro do que o Banco se dispôs a emprestar, para fazer obras no imóvel.
29. Pelo que, dúvidas não há de que foi bem o tribunal em não considerar nem o facto 37, nem os anteriormente referidos como provados.
30. Quanto ao facto 43, as declarações da testemunha FF, arquiteto, naturalmente não provam o facto 43, nomeadamente, de que a A. tenha tentado obter tais informações.
31. Mesmo que o facto 43 tivesse sido dado como provado, o mesmo não conduziria à conclusão de que os RR. incumpriram o acordado com a A.
32. Pelo que, foi muito bem o tribunal recorrido, que considerou como não provados os factos descritos em 26, 27, 28, 29, 30, 33, 37 e 43 da sentença.
33. Ao contrário do alegado nos pontos 4, 5 e 12 nas alegações de recurso da A., o Tribunal não desvalorizou declarações da A. credíveis e, por outro lado, não valorizou declarações dos RR. e da testemunha DD, as quais alega terem sido por vezes omissas e contraditórias.
34. O tribunal sempre manteve a sua imparcialidade, e no exercício da livre apreciação das declarações das partes, o fez de forma exímia e necessariamente exigente, quer com as declarações da A., quer dos RR., considerando como provados os factos corroborados por outros meios de prova, e como não provados os não comprovados por outros meios, independentemente de terem sido alegados e afirmados pela A. ou pelos RR.
35. A A., pretende que parte das suas alegações nos autos sejam dadas como factos provados na sequência de meras alegações suas e documentos que afirmou ter “ALI” (na audiência de julgamento – dentro da sua pasta), os quais nunca juntou aos autos, nem com a PI, nem em momento posterior, e nem sequer requereu a sua exibição durante o julgamento, mesmo estando na alegada posse deles desde o outono de 2020, antes da entrada da PI…
36. Por outro lado, no ponto 5 das alegações a A., esta refere declarações dos RR. que o tribunal nem sequer valorizou, nem os considerou como factos provados, pelo que, o ponto 5 parece desprovido de sentido;
37. Quanto aos pontos 6 a 8 das alegações de recurso da A., não é verdade que os meios de prova produzidos nos autos tenham gerado prova suficiente do alegado – pelo contrário, diversos meios de prova foram em sentido diverso.
38. Quanto aos pontos 9 a 10 das alegações de recurso da A., a A. nas suas alegações nem sequer apresenta que se tenha produzido prova nesse sentido, e que, portanto, o tribunal apreciou mal as provas e que deveria ter decidido em sentido oposto.
39. Quanto ao ponto 11 das alegações de recurso da A., pretende a A. assacar ao tribunal “a quo” um ónus que pertence àquela, o ónus da prova do que veio em Tribunal alegar, principalmente quando alega que este não solicitou a junção de documentos que a A. já tinha alegadamente consigo quando veio alegar tais factos na sua PI, momento por excelência para junção de prova.
40. Quanto à matéria de Direito, a sentença recorrida não merece censura alguma, não se vislumbrando qualquer erro de aplicação das normas vertidas pelos artigos 227º, 342º nº 1, 442º nº 3 e 804º do Código Civil (CC) e do 411º do CPC.
41. As partes, livremente e ao abrigo da norma do art.º 405.º CC, estabeleceram a exclusiva restituição do sinal em singelo para a eventualidade de não ser obtido empréstimo por parte da autora, com o inerente direito de resolução do contrato por parte da A, sem que lhe pudesse ser imputado o seu incumprimento culposo.
42. Estabeleceram, uma cláusula resolutiva, com a singela exigência, da comunicação de tal indeferimento do banco aos RR..
43. A A. não invocou que não lhe foi concedido o crédito bancário que solicitou, nem pretende fazer operar os efeitos da cláusula resolutiva - na sua cláusula 9., pois que nada invocou nesse sentido.
44. A A. também não requereu a anulação total ou parcial do contrato com base em erro-vício, quer sobre o objeto do negócio, nem quanto aos seus motivos, nem a A. põe em causa que este fosse diferente ou um outro imóvel, tal como não ocorre engano quanto aos RR.
45. A A. parece querer sustentar (embora não o tenha logrado provar) é que houve erro sobre os motivos que a levaram a celebrar tal negócio naqueles termos, por ter considerado que o imóvel teria uma licença de utilização recente, que contemplasse outras modificações posteriores, alegando o que essa diferença determina uma diminuição substancial do valor do imóvel que prometeu comprar e que a impede de marcar a escritura de compra e venda, isto é, de celebrar o contrato definitivo a que se obrigou. Os pressupostos desse erro encontram-se vertidos no art.º 252.º, n.º 1, CC.
46. No caso em apreço, não se provou que a A. não estivesse ciente da efetiva dimensão e configuração do imóvel, dado que lhe foi facultada a documentação do mesmo, nem ficou provado que tal questão fosse essencial para todos os intervenientes concretizarem o negócio tal como o fizeram.
47. Quanto ao erro sobre os motivos, vertido no artigo 252.º, n.º 2, do CC, mesmo que se entendesse haver erro e que este incidisse sobre a base do negócio, não se provou que tais circunstâncias foram fundamentais para as partes e que se a A. soubesse das mesmas, o negócio jurídico seria feito de modo diferente por parte da A.
48. Os RR. não se vincularam no contrato-promessa a obter uma licença de utilização atualizada, apenas se tendo obrigado a entregar à A. a documentação necessária à marcação da escritura pública do contrato prometido, o que se demonstrou terem feito,
49. Tendo pelos RR. sido inclusivamente marcada a escritura por duas vezes, na segunda delas tendo o Exm.º Sr. Notário atestado, por escrito, que lhe foi entregue toda a documentação necessária e que a compra e venda não se realizou por falta da A.
50. As eventuais exigências de documentação por parte do Banco ao qual a A. recorreu para a concessão de financiamento eram alheias aos RR.
51. Foi a A. quem não procedeu à marcação da escritura pública de compra e venda, incorrendo em mora no cumprimento dessa obrigação.
52. Pelo que, não existe fundamento para considerar que os RR. incumpriram em definitivo as obrigações a que se vincularam, nem sequer que incorreram em mora, sendo antes a A. quem não cumpriu.
53. Faltam, assim, os pressupostos essenciais constitutivos da responsabilidade contratual dos RR., porquanto não logrou a A. demonstrar que os mesmos não cumpriram em definitivo as obrigações contratuais que os vinculam no contrato promessa de compra e venda, nem sequer que se encontram em atraso na sua satisfação, conforme lhe competia, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do CC, não se verificando qualquer errada aplicação das normas vertidas neste artigo.
54. Nem do artigo 227º do CC, não logrando a A. provar que os RR. em algum momento contratual estivessem de má-fé, e que tal os levasse a incorrer em consequente responsabilidade e obrigação de reparação de danos.
55. Não incumpriram a obrigação a que se vincularam, nem ficando consequentemente obrigados à restituição do valor em dobro do valor pago pela A. no contrato de promessa, e portanto, não tendo direito a A. a acionar a execução específica do contrato.
56. Pelo que, não houve qualquer erro na aplicação do nº 3 do artigo 442º CC, como alega no ponto 40 das alegações de recurso, e nem sequer se vislumbrando qualquer erro na aplicação do normativo constante do artigo 442º nº 2 do CC, que também nem alegou.
57. Não se produziu prova de entrada em mora pelos RR., como supra exposto, pelo que é inaplicável o artigo 813º CC e suas normas ao caso concreto,
58. Bem como, não se vislumbra a errada aplicação da norma do artigo 411º CC, não tendo o Tribunal que fixar aos RR um prazo para exercício do direito pela A.
59. Pelo que, dúvidas não restam da irrepreensível aplicação do direito à matéria de facto pelo tribunal recorrido”.
Conclui, no sentido da improcedência do recurso interposto, com a consequente manutenção da sentença recorrida.
10 – O recurso foi admitido por despacho de fls. 155, datado de 06/06/2024, como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
11 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar, valorar, ajuizar e decidir.
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II – ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Prescrevem os nºs. 1 e 2, do artº. 639º do Cód. de Processo Civil, estatuindo acerca do ónus de alegar e formular conclusões, que:
“1 – o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2 – Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas ; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas ; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Por sua vez, na esteira do prescrito no nº. 4 do artº. 635º do mesmo diploma, o qual dispõe que “nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso”, é pelas conclusões da alegação da recorrente Apelante que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Pelo que, no sopesar das conclusões expostas, a apreciação a efectuar na presente sede determina o conhecimento das seguintes questões:
1. DA IMPUGNAÇÃO da MATÉRIA de FACTO
1. Da factualidade não provada =» da pretensão que passe a figurar como provada:
• Nos seus precisos termos – os pontos factuais 26, 27, 28, 30, 33 e 37 ;
• Com diferenciada redacção – os pontos factuais 29 e 43 – Conclusões I a XV ;
2. no âmbito do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA, aferir:
I. da promessa dos Réus em venderem o imóvel livre de quaisquer ónus ou encargos e do comprometimento em entregarem todos os documentos que digam respeito ao prédio objecto do contrato promessa celebrado ;
II. da incorrência dos Réus em mora no cumprimento da obrigação referida, impossibilitando a Autora de proceder à marcação de escritura pública de compra e venda (artº. 804º, do Cód. Civil) ;
III. da verificação dos pressupostos essenciais da responsabilidade dos Réus e da necessária procedência do pedido subsidiário formulado pela Autora - Conclusões XVI a XXXVIII.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Na sentença recorrida, foi considerado como PROVADO o seguinte (rectificam-se os lapsos materiais ; figuram a negrito os factos objecto de aditamento, conforme decisão infra):
1. Mostra-se inscrita no registo predial, sob a apresentação 1060 de 2021/01/07, a aquisição, em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor da ré BB, viúva, e do réu CC, casado com DD sob o regime da comunhão de adquiridos, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária de II, do prédio urbano sito em Quintinhas, com a área total de 313,15 m2, com a área coberta de 95,92 m2 e a área descoberta de 217,23 m2, composto de rés-do-chão, 1.º andar e logradouro, sito em Quintinhas, na ... – n.º 22, na união de freguesias de Charneca de Caparica e Sobreda, concelho de Almada, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º 11064/19991210, dessa freguesia, desanexado do prédio descrito sob o n.º 19047, da mesma freguesia, com a área de 315,70 m2.
2. Relativamente ao prédio descrito em 1., em 30.07.2009, foi oficiosamente inscrita no registo predial a concessão da autorização de utilização n.º 361/02, datada de 27.05.2002.
3. Por acordo escrito epigrafado de “Contrato Promessa de Compra e Venda”, celebrado em 13 de Outubro de 2020, cuja cópia consta de fls. 11 a 12 verso e 13 verso e se dá por reproduzido, subscrito pelos réus BB, no estado de viúva, e CC, no estado de solteiro, ambos na qualidade de “promitentes vendedores”, bem como subscrito pela autora AA, no estado de divorciada, na qualidade de “promitente compradora”, mediante reconhecimento presencial notarial da assinatura da autora, declararam as partes, entre o mais, o seguinte:
“1ª Cláusula (Objecto) 1. Os Promitentes Vendedores prometem vender, livre de quaisquer ónus ou encargos o imóvel identificado, no estado de conservação em que se encontra e que é do conhecimento das partes, à Promitente Compradora, que promete comprar o prédio em regime de propriedade total, composto por Moradia de rés do chão, 1º andar e logradouro para habitação, sito em Quintinhas na ..., ..., concelho de Almada, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada, sob a descrição número 11064, da União das Freguesias de Charneca de Caparica e Sobreda, inscrito na matriz predial da União de Freguesias Charneca de Caparica e Sobreda sob o artigo 5705, com a Licença de Utilização nº 361/02 emitida pela Câmara Municipal de Almada em 27 de Maio de 2002, com o Certificado Energético e da Qualidade do Ar Interior nº SCE ..., válido até 01/09/2030, adiante designado por Imóvel. 2. Os Promitentes Vendedores declaram e garantem nesta data à Promitente Compradora que: a) Não existem quaisquer dívidas, responsabilidades ou encargos fiscais ou parafiscais, perante a Câmara Municipal ou qualquer outra entidade pública, respeitantes a impostos, derramas, taxas ou contribuições de titularidade do Imóvel, obrigando-se os Promitentes Vendedores a pagar, integral e imediatamente após notificação para o efeito, todas as quantias que venham a ser liquidadas com referência a data anterior à celebração do Contrato Definitivo de compra e venda ora prometido; Não existem quaisquer contratos-promessa de compra e venda, contratos de arrendamento, ou contratos-promessa de arrendamento, ou outros acordos, seja de que natureza for, que tenham por objecto ou incidam sobre o Imóvel e que possam limitar ou restringir a capacidade de uso ou fruição dos mesmos pela Promitente Compradora; b) Não existem quaisquer intimações camarárias para a realização de quaisquer obras no Imóvel ou para o reembolso de despesas incorridas na realização de quaisquer obras ou trabalhos. c) Os Promitentes Vendedores não tem quaisquer dívidas, responsabilidades ou encargos fiscais ou parafiscais, perante o Estado, a Câmara Municipal ou qualquer outra entidade pública ou privada, que possam afectar a livre e plena fruição do Imóvel pela Promitente Compradora, ou os direitos desta; 3. As declarações e garantia supra terão de ser repetidas na data da outorga da escritura de compra e venda como condição essencial para a realização da mesma pela Promitente Compradora. 2ª Cláusula (Preço) O preço acordado para a prometida Compra e Venda é de € 208.000,00 (Duzentos e Oito Mil Euros). 3ª Cláusula (Forma de Pagamento) O pagamento do preço referido na cláusula anterior será feito da seguinte forma: 1. Na data de celebração deste contrato, será entregue pela Promitente Compradora aos Promitentes Vendedores, a quantia de € 10.000,00 (Dez Mil Euros), a título de sinal e princípio de pagamento, através ...173 para o ...024 havendo um reforço de sinal com o intervalo de 8 (Oito) dias no valor de 10.000,00€ (Dez Mil Euros) para o mesmo IBAN. O remanescente, no valor de € 188.000,00 (Cento e Oitenta e Oiti Mil Euros), será entregue pela Promitente Compradora aos Promitentes Vendedores, na data da celebração da escritura de compra e venda, através de cheque visado ou bancário. 4ª Cláusula (Escritura) 1. A marcação da escritura pública de compra e venda fica a cargo da Promitente Compradora, devendo a escritura se realizar até 45 (Quarenta e Cinco) dias úteis, após a assinatura do presente contrato. 2. Por acordo entre as partes o prazo mencionado na alínea anterior pode ser prorrogado por mais 15 (Quinze) dias após o términus do prazo anterior, sem necessidade de comunicação escrita entre as partes. 3. A Promitente Compradora obriga-se a comunicar aos Promitentes Vendedores por carta registada com aviso de recepção ou por email com prova de recepção a data, hora e local de celebração da escritura, com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias. 5ª Cláusula (Tradição) Os Promitentes Vendedores obrigam-se, até à data de outorga da Escritura Pública, a utilizar o Imóvel de forma prudente e a praticar os actos necessários à sua adequada conservação. 1. O imóvel supra identificado será vendido com os dois bens móveis (caldeiras a funcionar) instalados no r/c e sótão. 2. As chaves do Imóvel apenas serão entregues à Promitente Compradora no ato da escritura pública de compra e venda, data em que se considerará transmitida a respetiva posse a favor da Promitente Compradora. 6ª Cláusula (Documentação) Os Promitentes Vendedores obrigam-se a fornecer à Promitente Compradora todos os documentos que digam respeito ao prédio objecto do presente contrato e descrito na 1ª Cláusula, bem como a assinar todos os documentos que se mostrem necessários à marcação da escritura. 7ª Cláusula (Despesas) 1. É por conta da Promitente Compradora o pagamento de I.M.T., se a este houver lugar, emolumentos notariais e de registo, impostos e outras contribuições obrigatórias inerentes à qualidade de Compradora. 2. Todas as despesas que haja lugar com a mediação imobiliária são por conta da Promitente Compradora. 8ª Cláusula (Incumprimento Definitivo) 1. Em caso de incumprimento definitivo do presente contrato por causa imputável à Promitente Compradora, aos Promitentes Vendedores terão direito a fazer sua a quantia recebida a título de sinal. 2. Se o incumprimento definitivo ocorrer por causa imputável aos Promitentes Vendedores, a Promitente Compradora terá direito à restituição em dobro de todas as quantias entregues a título de sinal. 9ª Cláusula (Aprovação de Crédito Bancário) 1. Este contrato fica sem efeito, se a entidade bancária a que a Promitente Compradora vai recorrer para obtenção de financiamento bancário, não aprovar no prazo de 15 dias úteis, esse pedido feito, havendo lugar apenas à devolução em singelo da quantia entregue a título de sinal e princípio de pagamento, até 5 dias após a receção pelos Promitentes Vendedores do respectivo documento comprovativo destes factos, emitido pela entidade bancária responsável pelo processo de financiamento da Promitente Compradora. 2. A Promitente Compradora obriga-se a comunicar aos Promitentes Vendedores por carta registada com aviso de recepção ou por email com prova de recepção a informação a que se reporta o ponto 1 (um) desta cláusula. 3. Todas as despesas inerentes ao processo, correrão por conta das partes que as tenham suportado, não podendo, por elas, ser pedida qualquer tipo de indemnização. 10ª Cláusula (Comunicações e Alterações de Domicílio) 1. Quaisquer notificações e / ou comunicações, a realizar entre as Partes a abrigo do presente Contrato-Promessa, terão de ser efectuadas por carta registada com aviso de recepção para as moradas acima indicadas. 2. As notificações e / ou comunicações produzirão efeitos na data de assinatura do aviso de recepção pelas Partes, valendo a recusa de recebimento como notificação e / ou comunicação validamente efectuada. 3. Os contratantes obrigam-se a comunicar por escrito, reciprocamente, eventuais alterações dos respectivos contactos. 11ª Cláusula (Alterações) Quaisquer alterações ao presente Contrato-promessa terão de ser efectuadas por escrito, em documento assinado por ambas as partes.”
4. Aquando da assinatura do acordo mencionado em 3., a autora entregou aos réus, como sinal e princípio de pagamento, o total de € 20.000,00 (vinte mil euros), através das transferências bancárias realizadas para a conta com o ...024, cumprindo o disposto na terceira cláusula desse acordo.
5. E informou a autora os réus que iria recorrer a um empréstimo bancário, para aquisição do imóvel, ficando o resto do preço, de € 188.000,00 (cento e oitenta e oito mil euros), para ser entregue no acto da escritura, com a intervenção e hipoteca a favor do banco credor.
6. Em data não concretamente apurada, a autora iniciou o processo de pedido de empréstimo junto do «Banco Montepio».
7. No dia 15.10.2020, deslocou-se ao imóvel descrito no acordo mencionado em 3., o perito avaliador JJ, para, em representação do «Banco Montepio», avaliar o estado/situação do referido imóvel.
8. Dessa visita, o perito avaliador produziu um relatório, cuja cópia consta de fls. 15 a 20 e 21 verso e se dá por reproduzida, no qual atribuiu ao imóvel o valor de € 198.000,00 (cento e noventa e oito mil euros) e fez constar, entre outras informações, as seguintes: “(…) Nº da Licença: 361 Data de emissão: 2002-05-27 Observações do Avaliador A moradia foi alvo de remodelações ao longo do tempo, encontrando-se a suite no 1º andar em remodelação, caixilharias novas e r/chão remodelada e convertida em habitação. Foi considerado para a avaliação as áreas e usos registados na CPU. Verificou-se no local que o r/chão foi ampliado em cerca de 20 m2 sobre a qual foi construída uma varanda no 1º andar.
(…) Estrutura e acabamentos:
(…) Compartimentação: R/chão: garagem (sem portão de acesso automóvel), hall, i.s., cozinha, sala e suite. 1º andar: hall, suite em remodelação, sala e cozinha, i.s., 2 quartos com roupeiro e varanda. A varanda e aproveitamento sob a mesma no r/chão não estão registados.
(…).”
9. A realização das descritas alterações no imóvel, correspondentes à ampliação da área em 20m2, no rés-do-chão, à conversão para habitação da parte que antes era um armazém e à construção de uma varanda no 1.º andar, não constam do projeto aprovado pela Câmara Municipal de Almada (CMA) e para as mesmas os réus não obtiveram a respetiva autorização administrativa, não estando contempladas na Licença de Utilização (LU).
10. No dia 30 de Outubro de 2020 o «Banco Montepio» solicitou à autora os seguintes documentos: certificado energético, ficha técnica de habitação, cópia dos documentos de identificação dos vendedores e licença de utilização, nos termos constantes do documento de fls. 21, cujo teor se dá por reproduzido.
11. Documentos que os réus facultaram à autora e esta remeteu para o Banco.
11-A Ao analisar os documentos remetidos pelos Réus à Autora, e por esta reencaminhados, o Banco foi pedindo esclarecimentos e documentos sobre a identificação/legitimidade dos Réus e sobre a Licença de Utilização, tendo solicitado a junção de Licença de Utilização para o imóvel tal como ele se configurava no presente, identificando composição, pisos e áreas.
11-B Destes pedidos do Banco a Autora informou os Réus, nomeadamente o Réu CC, bem como a sua companheira DD.
12. No dia 04.12.2020, pelas 11h23, a autora remeteu à esposa do réu, DD, para o endereço electrónico ..., o e-mail cuja cópia consta de fls. 22 e de fls. 59 verso e se dá por reproduzido, no qual lhe comunicou o seguinte:
“Conforme contacto telefónico hoje com o seu marido, solicito que envie: - licença de utilização (o banco diz que não se percebe bem uma das páginas); - indicação de várias datas em que o seu marido e a BB podem estar presentes para a realização da escritura.
(...)”
13. Nessa sequência, no dia 04.12.2020, pelas 21h22, DD enviou à autora, através do endereço electrónico ..., o e-mail cuja cópia consta de fls. 60 e se dá por reproduzido, conjuntamente com 4 (quatro) documentos anexos, entre os quais a “licença de utilização” solicitada na comunicação mencionada em 12., comunicando-lhe o seguinte: “Boa noite Senhora AA. Aqui vai a licença de utilização. Em relação a possibilidade da nossa parte para fazer a escritura sã [sic] 15, 16, 17, 21, 22.
(...).”
14. A autora, através de advogada, enviou ao réu CC, que a recebeu no dia 2 de Fevereiro de 2021, uma carta registada com aviso de recepção, datada de 29 de Janeiro de 2021, cuja cópia consta de fls. 23, 23 verso e 24 e se dá por reproduzida, na qual, entre o mais, lhe comunicou o seguinte, tendo por “Assunto” o “Contrato-Promessa de Compra e Venda – moradia sita na ..., ..., 2820-257 Charneca de Caparica”:
“(...) Serve a presente para, em representação da m/constituinte, Srª AA, o contactar com vista a resolver o impasse em que se encontra a concretização do contrato prometido de compra e venda que assinou como promitente vendedor. Com efeito, como é do seu conhecimento, em 13 de outubro de 2020 foi assinado o contrato-promessa através do qual o senhor prometeu vender a moradia sita na ..., ..., 2820-257 Charneca da Caparica. A m/constituinte pretende marcar a escritura para a finalização do negócio, mas, para tal, é necessário e urgente que, nos termos da cláusula 6ª do contrato, entregue a licença de utilização atualizada, emitida pela Câmara Municipal de Almada, que corresponda às alterações arquitetónicas que efetuou no imóvel. Assim, dado que apenas está em falta a referida licença camarária, sou por este meio a interpela-lo para que, no prazo máximo de 5 dias após a receção desta carta, entregue a licença no meu escritório, sito na ..., em dia e hora a combinar através do e-mail ... ou por SMS para o TM ...988. Caso assim não aconteça e se nada disser, nomeadamente apresentando uma solução para que o contrato promessa possa ainda ser cumprido, a sua inação e o seu silêncio serão entendidos como desinteresse na realização da escritura, o que implica o seu incumprimento contratual. Desse incumprimento decorrerão várias consequências, entre elas a devolução em dobro do valor já entregue a título de sinal e a indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que a situação já causou e continua a causar à m/constituinte. Recordo que, pelo menos, desde finais de dezembro de 2020 que a licença de utilização atualizada lhe foi solicitada e até este momento ainda não a entregou nem informou, sequer, qual o ponto de situação do processo para a obter. Mais recordo que, como é do seu conhecimento, a m/constituinte terá de sair da sua atual casa, no máximo, até ao final do mês de fevereiro próximo e contava mudar-se para a casa que prometeu comprar, vendo-se agora impossibilitada de o fazer se a escritura não for realizada o mais brevemente possível. Porque creio, é do interesse de ambas as partes realizar a escritura de compra e venda, fico a expectativa do seu contacto, para evitar maiores custos e transtornos.
(...).”
15. Os réus enviaram à autora, que a recebeu, uma carta datada de 22 de Janeiro de 2021, cuja cópia consta de fls. 24 verso e se dá por reproduzida, na qual, sob o “Assunto” designado de “marcação de escritura”, lhe comunicaram o seguinte:
“Serve o presente para lhe comunicar que devido a escritura de compra e venda não ter sido marcada por si no prazo referido da 4ª cláusula, ponto 3, do contrato de promessa compra e venda assinado no dia 13 de Outubro de 2020. Informamos que a escritura de compra e venda do imóvel sito na ... ..., em Charneca de Caparica, está marcada para o dia 9 de fevereiro de 2021, pelas 10h00, na 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada, sito na Praça S. João Batista nº 4 (r/ch), em Almada. Documentos todos enviados e validados pela conservatória do Registo Predial. Caso não compareça na data acima referida, iremos denunciar o contrato por incumprimento definitivo por causa imputável à promitente compradora, descrito na 8ª cláusula ponto 1 no contrato de promessa compra e venda, e dar como recebido o sinal.
(...).”
16. Na sequência da precedente carta, a autora remeteu à 1.ª Conservatória do Registo Predial de Almada um e-mail datado de 2 de Fevereiro de 2021, cuja cópia consta de fls. 25 e 25 verso e cujo teor se dá por reproduzido, no qual, entre o mais, lhe comunicou que o imóvel sito na ..., n.º 22, em Almada, “foi objeto de alterações arquitetónicas substanciais”, em razão do que “a licença de utilização n.º 361/02 que lhe foi atribuída pela Câmara Municipal de Almada está neste momento desatualizada” e que o “banco tem o processo de crédito aprovado, sob condição de lhe ser entregue a licença de utilização que contemple as alterações efetuadas”, solicitando lhe fosse confirmado “se a referida escritura está agendada e se a licença de utilização entregue para instruir o ato tem o nº 361/02, sem qualquer aditamento/alteração recente e se a conservatória foi informada de que a compra é feita com recurso ao crédito bancário”.
17. Em resposta à anterior comunicação, a Sr.ª Conservadora da Conservatória do Registo Predial de Almada, Dr.ª KK, remeteu à autora um e-mail datado de 5 de Fevereiro de 2021, cuja cópia consta de fls. 26 e cujo teor se dá por reproduzido, no qual lhe comunicou o seguinte: “Face à sua comunicação infra e tendo também reparado na alteração da área coberta do prédio, foi comunicado à imobiliária que tratou do agendamento, por escrito que era necessário a apresentação de nova licença ou da mesma com esclarecimento de que contemplava as obras ou que as mesmas estejam isentas de licenciamento, bem como a retificação do procedimento de habilitação de herdeiros quanto à identificação de um titular/herdeiro e só ontem se procede a novo agendamento. De notar que há obras que não necessitam de licenciamento nos termos do RJEU.
(...).”
18. Os réus enviaram à autora, que a recebeu, uma carta datada de 22 de Fevereiro de 2021, cuja cópia consta de fls. 28 verso e se dá por reproduzida, na qual, sob o “Assunto” designado de “Contrato promessa de compra e venda da Moradia de Rés do Chão, 1º andar e logradouro para habitação, sito em Quintinhas, na ..., n.º 22, concelho de Almada, descrito na 2.º Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º 11064 da freguesia de Charneca da Caparica e inscrito na matriz sob o artigo 5705 da União de Freguesias de Charneca e Sobreda celebrado em 13 de Outubro de 2020”, lhe comunicaram o seguinte:
“Com referência ao contrato promessa de compra e venda mencionado em epígrafe que dispõe que, nos termos do n.º 1 da Cláusula 4.ª do mesmo incumbia a V.Exa. proceder à marcação do contrato definitivo de compra e venda no prazo de 45 dias úteis, o que não aconteceu, vimos informar V. Exa. que a escritura pública para compra e venda do imóvel supra referido se encontra marcada para o dia 17 de Março de 2021 pelas 14.30 horas no Cartório Notarial Dr. GG sito na .... Na data e local indicados deverão V. Exas. comparecer munidos dos elementos de identificação necessários à celebração da referida escritura. Caso V. Exa. não compareça na data referida será o contrato considerado definitivamente incumprido.
(...).”
19. Na decorrência da precedente carta, a autora remeteu ao Cartório Notarial de Almada do Dr. GG um e-mail datado de 1 de Março de 2021, cuja cópia consta de fls. 29 e 29 verso e cujo teor se dá por reproduzido, no qual, entre o mais, lhe comunicou que o imóvel sito na ..., n.º 22, em Almada, “foi objeto de alterações arquitetónicas substanciais”, em razão do que “a licença de utilização n.º 361/02 que lhe foi atribuída pela Câmara Municipal de Almada está neste momento desatualizada” e que o “banco tem o processo de crédito aprovado, sob condição de lhe ser entregue a licença de utilização que contemple as alterações efetuadas”, solicitando lhe fosse confirmado “se a referida escritura está agendada e se a licença de utilização entregue para instruir o ato tem o nº 361/02, sem qualquer aditamento/alteração recente e se a conservatória foi informada de que a compra é feita com recurso ao crédito bancário”.
20. Em resposta à anterior comunicação, o Cartório Notarial de Almada do Dr. GG remeteu à autora um e-mail datado de 3 de Março de 2021, cuja cópia consta de fls. 30 e cujo teor se dá por reproduzido, no qual lhe comunicou o seguinte: “Encontra-se agendada neste Cartório para o próximo dia 17 de Março às 14.30h, uma escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca em que são vendedores BB e CC e compradora, AA. A licença de utilização do imóvel encontra-se oficiosamente averbada na certidão predial, por anotação de 30.07.2009, não tendo sido exibido o documento original.
(...)”
21. O Exm.º Sr. Notário manteve o agendamento da escritura.
22. A autora não compareceu na escritura para a qual foi convocada na comunicação referida em 18., nem se fez representar, declarando o Exm.º Sr. Notário que, nessa data de 17 de Março de 2021, se encontravam no respectivo Cartório Notarial “todos os documentos necessários ao contrato de compra e venda”, nos termos constantes do documento de fls. 62 verso e 63, cujo teor se dá por reproduzido.
23. Os réus pretendem vender a casa sem submeter à Câmara Municipal de Almada a apreciação/aprovação de obras de alteração arquitectónica e sem obter uma licença de utilização actualizada ou certidão em como tais obras estão isentas de licenciamento.
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Na mesma sentença foi considerada NÃO PROVADA a seguinte matéria factual (corrigem-se os lapsos de redacção ; identificam-se mediante * os factos objecto de impugnação ; figuram a negrito os factos objecto de alteração e em nota de rodapé a redacção inicial dos factos alterados):
24. Foi no dia 14.10.2020 que a autora iniciou o processo de pedido de empréstimo referido em 6..
25. No dia 15.10.2020, quem permitiu o acesso ao imóvel pelo perito avaliador JJ, acompanhou a visita e forneceu informações sobre o imóvel, foi o réu CC.
26. No dia 26 de Outubro de 2020, a autora foi informada pelo «Banco Montepio» que o seu crédito estava aprovado. *
27. Que a marcação de escritura referenciada no documento mencionado em 10 fosse para ser efectivada nessa ocasião 2. *
28. Eliminado3. *
29. que aquando do descrito em 11-B o Réu CC tenha sido informado pelo telemóvel nº. ...9134. *
30. Pelo menos desde 04.12.2020, os réus sabem que a marcação da escritura ficou dependente de documento (LU), que só eles poderiam obter. *
31. A autora, confiando nos réus, colaborou com DD, companheira do réu CC, para os ajudar a requerer junto da Câmara Municipal de Almada (CMA) a certidão que o banco reclamava.
32. Mas quando os réus perceberam que teriam de iniciar junto da CMA um processo, contratar um técnico para entregar plantas – telas finais – e que isso teria custos, levaria muito tempo (meses) e que corriam risco de as alterações poderem não ser aprovadas pela Câmara, começaram a pressionar a autora, tentando fazer recair sobre ela a impossibilidade de marcação da escritura.
33. A autora não marcou a escritura até ao dia 12.12.2020 em virtude de os réus não lhe terem entregue todos os documentos referentes ao prédio que prometeram vender. *
34. Chegado o mês de Janeiro de 2021, os réus deixaram de contactar diretamente a autora, que se viu impossibilitada de agendar a escritura, por falta do documento que competia aos réus entregar.
35. Também foi remetida à ré BB e foi por ela recebida, no dia 02.02.2021, uma carta de idêntico teor àquela que vem mencionada em 14..
36. Após a informação referida em 17., a autora voltou a remeter uma carta a cada um dos réus, numa última tentativa de resolução extrajudicial do diferendo, que foram recebidas pelos réus.
37. A autora ficou surpreendida pelo teor do relatório mencionado em 8. na parte em que alude a “obras não licenciadas (ilegais)” efetuadas pelos réus e apenas delas teve conhecimento com esse relatório. *
38. Os réus publicitaram o imóvel para venda e assinaram o acordo referido em 3. ocultando as obras descritas em 8. e 9., as quais impedem o seu pleno uso e fruição.
39. Os réus sabem que o imóvel não tem as qualidades por eles asseguradas.
40. Quando a autora subscreveu o acordo mencionado em 3. deixou bem claro perante os réus que, no máximo, teria de ir morar para a “sua nova casa” no fim do mês de Fevereiro de 2021, pois ficaria sem solução habitacional a partir dessa data.
41. Se a autora soubesse, à data da assinatura do acordo referido em 3., que o imóvel tinha um ónus ou limitação cujo expurgo demoraria e a impediria de recorrer a financiamento bancário e de realizar a escritura até ao final de mês de Fevereiro de 2021, a autora não teria aceite os termos do acordo, nomeadamente quanto ao preço.
42. O valor acordado de € 208.000,00 (duzentos e oito mil euros) pressupôs qualidades que o imóvel não tem.
43. A autora tentou obter informação sobre quanto custa, em termos de tempo e dinheiro, obter a licença de utilização actualizada junto da Câmara Municipal de Almada, tendo técnicos, arquitectos, engenheiros e construtores advertido de que, perante as alterações feitas pelos réus no imóvel, será necessário apresentar novo projecto de arquitetura, novos projectos de alterações das várias especialidades, incluindo rede de águas e rede de esgotos. *
44. Mais advertiram que não é seguro que a Câmara Municipal de Almada aprove as alterações, a qual pode aplicar coimas de valor elevado e, em caso de indeferimento, terá de se proceder à reposição da situação anterior às obras.
45. Perante a inércia dos réus em obter junto da Câmara Municipal de Almada a licença de utilização actualizada, a autora propôs aos réus que assumiria essas diligências, desde que houvesse uma redução do preço, aceitando pagar, para além do sinal já entregue, mais € 110.000 (cento e dez mil euros), nos termos constantes dos documentos de fls. 26 verso a 28.
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B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
I. Da REAPRECIAÇÃO da PROVA GRAVADA decorrente da impugnação da matéria de facto
No âmbito da impugnação da matéria de facto, a Recorrente/Impugnante questiona, exclusivamente, a factualidade não provada. Nomeadamente, os factos não provados sob os nºs. 26 a 30, 33, 37 e 43, sendo que, relativamente aos identificados sob os nºs. 26 a 28, 30, 33 e 37, pretende que passem a figurar como provados, nos seus exactos termos, enquanto que relativamente aos constantes sob os nºs. 29 e 43 pretende que passem a figurar com diferenciada redacção.
Prevendo acerca da modificabilidade da decisão de facto, consagra o artigo 662º do Cód. de Processo Civil os poderes vinculados da Relação, estatuindo que: “1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2. - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a. Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b. Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c. Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d. Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.
Para que tal conhecimento se consuma, deve previamente o recorrente/apelante, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus a seu cargo, plasmado no artigo 640º do mesmo diploma, o qual dispõe que: “1 -Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a. Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b. Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c. A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
1. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b. Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
No caso sub judice, a prova produzida em audiência foi gravada, tendo a Recorrente/Apelante Autora dado cumprimento ao preceituado no supra referido artigo 640º do Cód. de Processo Civil, pelo que o presente Tribunal pode proceder à sua reapreciação, uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre o(s) facto(s) em causa.
Não se desconhece que “para negar a admissibilidade da modificação da decisão da matéria de facto, designadamente quando esta seja sustentada em meios de prova gravados, não pode servir de justificação o mero facto de existirem elementos não verbalizados (gestos, hesitações, posturas no depoimento, etc.) insusceptíveis de serem recolhidos pela gravação áudio ou vídeo. Também não encontra justificação a invocação, como factor impeditivo da reapreciação da prova oralmente produzida e da eventual modificação da decisão da matéria de facto, da necessidade de respeitar o princípio da livre apreciação pelo qual o tribunal de 1ª instância se guiou ou sequer as dificuldades de reapreciação de provas gravadas em face da falta de imediação”.
Pelo que, poderá e deverá a Relação “modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado” 5.
Reconhece-se que o registo dos depoimentos, seja áudio ou vídeo, “nem sempre consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal a quo. Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que porventura influenciaram o juiz da 1ª instância.
Na verdade, existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador”.
Efectivamente, e esta é uma fragilidade que urge assumir e reconhecer, “o sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1ª instância a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo aos tribunais retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo”.
Todavia, tais dificuldades não devem justificar, por si só, a recusa da actividade judicativa conducente à reapreciação dos meios de prova, ainda que tais circunstâncias ou fragilidades devam ser necessariamente “ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados” 6 (sublinhado nosso).
Na apreciação a efectuar, e para além da prova de natureza documental invocada, no que respeita à prova testemunhal ou por declarações de parte, procedeu-se à audição dos indicados depoimentos, bem como à concreta ponderação do trecho transcrito em sede contra-alegacional.
A. Do facto não provado 26
O presente facto tem a seguinte redacção:
“26. No dia 26 de Outubro de 2020, a autora foi informada pelo «Banco Montepio» que o seu crédito estava aprovado”, pretendendo a Impugnante Autora que o mesmo passe a figurar como provado.
Fundamenta tal pretensão, probatoriamente, quer no teor das declarações por si proferidas, que identifica e enuncia, quer no teor do documento nº. 5 junto com a petição inicial (e-mail de 30/10/2020).
Fundado nestes meios probatórios, aduz ter o Banco aprovado o “crédito à autora a 23 de Outubro de 2023 (como a autora referiu: “a minha situação pessoal estava tida regularizada (…) depois é que foi verificado na 2.ª etapa (…) os documentos do imóvel. Efetivamente, eu recebi a carta (…) 10 dias depois de assinar o contrato de promessa, sendo que, posteriormente, para efeitos de verificação dos dados do imóvel”, conforme a autora refere entre o minuto 32.06 ao minuto 35.28 da diligência 1591-21.878 ALM 09-44-28 de 19 de Outubro de 2023”.
E, acrescenta, ainda que “dúvidas existissem quanto à aprovação do crédito, o tribunal “a quo” poderia ter solicitado os documentos comprovativos que a autora tinha na sua posse à data da audiência de julgamento, ao abrigo do art.º 411 do CPC, o qual determina que “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.
Pelo que, aduz não ter o Tribunal valorado devidamente tais meios probatórios, nem “ter solicitado as provas que a autora sempre referiu estarem na sua posse durante a audiência de julgamento. Apreciando:
Relativamente á presente matéria (o que será aproveitado infra na apreciação dos demais pontos factuais impugnados), a sentença apelada, na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, consignou o seguinte:
“E importa também explicitar, desde já, que as declarações das partes foram valoradas ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova a que o tribunal está adstrito, em consonância com a disposição do art.º 466.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, mas sendo, logicamente, sopesado que as declarações prestadas pelas partes não são naturalmente desinteressadas, isentas e imparciais, antes apresentando as mesmas um inequívoco, relevante e directo interesse no desfecho da acção, sendo, por isso, as suas declarações valoradas com particular exigência e rigor, dado que terão que ter algum suporte na prova testemunhal e documental oferecida nos autos ou terão que ser concordantes com as prestadas pela parte contrária, porquanto, caso contrário, bastaria que as partes viessem reproduzir coerentemente na audiência final quanto afirmaram previamente por escrito nos articulados que ofereceram respectivamente para que ficasse evidenciada a realidade dos factos que invocam para sustentar a acção ou a defesa, o que não pode evidentemente ser, dado se tratar de meio de prova dotado de destacada fragilidade, por inevitavelmente desprovidas as partes de neutralidade e equidistância face ao conflito que as opõe e que próprias delinearam nos autos, ante o qual ambas pretendem obter vencimento.
Nesse preciso sentido o decidiu o Tribunal da Relação do Porto, no seu Acórdão de 15.09.2014 (com texto integral acessível in www.dgsi.pt - processo n.º 216/11.4TUBRG.P1), assim sumariado: “As declarações de parte [artigo 466º do novo CPC] – que divergem do depoimento de parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.”
Ainda no apontado sentido, pode ver-se também o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19.12.2018 (com texto integral acessível in www.dgsi.pt - processo n.º 752/17.9T8LRA. C1), com o seguinte sumário, na parte que releva: “(...) As declarações de parte, de mera apreciação livre (como decorre do art. 466º, nº 3, do NCPC), desacompanhadas de outros elementos probatórios confirmatórios/clarificadores, não podem valer por si só, não tendo o condão de isoladas poderem fundar uma resposta positiva ao que o declarante afirma. (….)
No que se refere à ausência de demonstração da matéria enumerada sob 24. a 45., resultou a mesma da circunstância de não ter sido produzida prova bastante e apta a corroborá-la, pois não foi produzida prova por confissão, testemunhal, documental ou pericial capaz de evidenciar a sua realidade, aqui se destacando que era exclusivamente sobre a autora que impendia o ónus de demonstração de tal matéria de facto, constitutiva do direito por si invocado.
Em particular, foi absoluta a ausência de prova capaz de sustentar com o mínimo de rigor e segurança exigíveis a realidade dos factos 24. a 34. e 37. a 45., sendo, pelas razões que antecipadamente se deixaram expressas, as declarações da autora, por si só e desacompanhadas de outros meios de prova capazes de as sustentar, manifestamente insuficientes para persuadir o tribunal da realidade desses factos, além de esta ter sido consistentemente refutada por ambos os réus no decurso das suas declarações e pela testemunha DD no decurso do seu depoimento, mais se constatado que nenhuma das testemunhas arroladas quer pela autora quer pelos réus e que foram inquiridas no decurso do julgamento os confirmou com algum preciso, real e directo conhecimento, antes sobre eles manifestando ter um conhecimento muito difuso, impreciso e proveniente dos relatos feitos pelas partes (mostrando-se despiciendo reproduzir quanto as testemunhas relataram sem relevância para o apuramento da realidade do apontado quadro factual) (…..)
Termos em que outra alternativa se não pode impor que não seja a de considerar o apontado acervo fáctico (elencado sob 24. a 45.) como não demonstrado, tal como se decidiu, atenta a debilidade da prova oferecida para sustentar a sua realidade”.
Nas declarações de parte prestadas, quer em 27/09/2023, quer em 19/10/2023, a Autora referenciou, por várias vezes, ter recebido por parte do banco confirmação da aprovação do empréstimo solicitado, nomeadamente por carta recepcionada, e que o empréstimo teria duas fases ou etapas: é o Banco que aprova o empréstimo, mas a fase seguinte de tratamento de documentos relativos ao imóvel é tratada por entidade diferente do balcão do Banco onde contratou.
Assim, reiterou que a sua situação relativamente ao pedido de empréstimo estava regularizada, após o que se seguiu a fase de verificação da documentação, onde terão surgido os alegados problemas.
Todavia, na parte final do segmento das declarações em equação, declarou que a alegada aprovação do empréstimo não diz que é para aquele imóvel (o que não deixa de revelar-se como estranho), e que a resposta final do banco falava do facto da licença de utilização não corresponder ao que existia, fisicamente e presentemente, no imóvel.
Apreciando a petição inicial apresentada pela Autora, ora Impugnante, constata-se a referência de que no dia 26/10/2020 “foi informada pelo Banco Montepio que o seu crédito estava aprovado” – cf., artº. 11º.
Porém, na carta enviada aos Réus em tentativa de resolução extrajudicial do diferendo, referenciada no artº. 31º, do mesmo articulado, alude, como uma das hipóteses de solução apresentada, à entrega de determinada quantia monetária, referenciando que, em tal hipótese, “abdica do crédito hipotecário (recorrendo a outro tipo de crédito, muito mais caro) e assume os custos (já inventariados e são altos), para regularizar a situação jurídica do imóvel junto da Câmara” – cf., docs. nº. 12 e 13, juntos com a p.i..
E, no artº. 59º, ainda do mesmo articulado, referencia a Autora que se “soubesse à data de assinatura do CPCV que o imóvel tinha um ónus ou limitação cujo expurgo demoraria e a impediria de recorrer a financiamento bancário e de realizar a escritura até ao final do mês de fevereiro de 2021, a A. não teria aceite os termos do acordo, nomeadamente quanto ao preço” (sublinhado nosso).
Por sua vez, o doc. nº. 5, junto com a p.i., traduz-se num e-mail enviado pelo Banco à Autora, em 30/10/2020, em que se solicita o envio de determinados documentos referentes ao imóvel, bem como cópia dos elementos de identificação dos vendedores, com o intuito de poder vir-se a marcar a competente escritura transmissiva.
Ora, independentemente do valor probatório que se atribua às declarações de parte (existindo, pelo menos, três diferenciadas posições), decorre, desde logo do supra exposto, não ser possível concluir pela prova de tal facto, ou seja, que tivesse ocorrido uma concreta e incondicional aprovação do crédito por parte da identificada instituição bancária.
Efectivamente, o que parece indiciar-se é que, a ter efectivamente existido tal alegada aprovação, esta sempre teria sido condicionada ou dependente de determinados pressupostos, nomeadamente decorrentes do próprio imóvel enquanto objecto mediato do contrato de mútuo e bem garantístico deste.
Pelo que, neste contexto, não é possível concluir pela prova incondicionada da aprovação, que subjaz ao teor literal do facto em equação.
Por fim, o apelo, in casu, ao princípio do inquisitório por parte da Autora Impugnante, nos moldes enunciados no artº. 411º, do Cód. de Processo Civil, não nos parece pertinente ou assertivo.
Com efeito, se a mesma era efectiva portadora de documentação comprovativa de tal aprovação, como afirmou nas declarações prestadas, então competir-lhe-ia pugnar por proceder a tal junção, por ser matéria factual por si alegada, e a quem incumbia o ónus da sua concreta prova.
Efectivamente, estando-se perante um puro processo de partes, em que superintende o princípio do dispositivo, não era ao Tribunal que competia, pelo menos no momento em equação, suprir aquela aparente omissão de uma das partes, impondo a junção de prova documental que a mesma, putativamente como estratégia processual, havia optado por não juntar, assim salvaguardando e respeitando uma efectiva igualdade das partes. Ademais, acrescente-se, quanto estamos, apreciando-se o petitório ora subsistente, perante matéria de natureza não essencial para a pretensão apresentada.
Donde, sem necessidade de ulterior argumentação, conclui-se no sentido da manutenção da presente factualidade na elencagem não provada.
B. Do facto não provado 27
Referencia este facto não se ter provado que:
“27. Os documentos mencionados em 10. foram solicitados à autora para efeito de marcação da escritura nessa ocasião”, pretendendo a Impugnante que o mesmo passe a figurar como provado nos seus exactos termos.
O que fundamenta nos mesmo meios probatórios expostos para o facto antecedente.
Ora, analisado o teor da referida prova documental – doc. nº. 5, junto com a p.i., traduzido em e-mail enviado pela instituição bancária à Autora, datado de 30/10/2020 -, constata-se que a mesma já se encontra devidamente reproduzida, in totum, no facto provado 10, ou seja, inclusive na parte em que referencia ter como assunto o “pedido de documentos para marcação de escritura”.
Donde decorre, consequentemente, que a única inovação aposta neste facto cinge-se à alusão “nessa ocasião”, pois o demais já consta como provado no facto 10.
Pelo que, consequentemente, no parcial deferimento do requerido, urge apenas alterar a redacção deste facto não provado, o qual passa a figurar nos seguintes termos:
“27. Que a marcação de escritura referenciada no documento mencionado em 10 fosse para ser efectivada nessa ocasião”.
C. do facto não provado 28
Consta do presente facto que:
“28. Ao analisar os documentos remetidos pelos réus, o Banco foi pedindo esclarecimentos e documentos sobre a identificação/legitimidade dos réus e sobre a Licença de Utilização, tendo solicitado certidão camarária que ateste a Licença de Utilização para o imóvel tal como ele é hoje, que identifique composição, pisos, áreas e matriz actual”.
A Autora Impugnante funda a pretendida alteração, no sentido deste facto ser dado integralmente como provado nos seus precisos termos, no teor das declarações por si prestadas em 27/09 e 19/10/2023, bem como no teor do declarado pela testemunha DD, esposa do Réu CC, em 27/09/2023.
Acrescenta, ainda, que sempre deu conhecimento aos Réus, “quer transcrevendo os exatos termos do banco, quer encaminhando mesmo os e-mails, que também se disponibilizou para entregar ao tribunal «a quo»”, conforme decorre das declarações que prestou.
Em sede contra-alegacional, aduzem os Recorridos Réus que a Autora, nas suas declarações, “refere que solicitou os documentos de identificação/legitimidade dos RR. e a licença de utilização apenas. Não disse que após o envio dos documentos pelos RR., o banco foi pedindo esclarecimentos sobre os documentos enviados”, e que a testemunha DD “não confirmou, nem referiu em momento algum que o Banco, após o envio dos documentos pelos RR., foi pedindo esclarecimentos, embora tenha referido que a A. solicitou outros documentos tais como certidões de nascimento, não sabendo ao certo porquê”.
Acrescenta, ainda, não constarem dos autos “quaisquer documentos ou correspondência que comprove o pedido adicional de documentos pelo banco ou pedido de esclarecimentos”, pelo que foi adequada a decisão de considerar tal facto como não provado e, ainda que assim não fosse, o mesmo sempre se mostra irrelevante para provar o incumprimento contratual dos Réus. Apreciando:
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a acrescer ao já supra transcrito, e especificamente no que se reporta ao ponto ora equacionado, consignou-se o seguinte:
“(….) aqui se destacando que não foi apresentada nos autos qualquer comunicação do «Banco Montepio» dirigida à autora que se revele apta a sustentar com o rigor que se impõe a realidade do facto 28., cuja dúvida sobre a sua realidade sempre deve ser resolvida contra a autora (cfr. art.º 414.º, do Código de Processo Civil)”.
Nas declarações prestadas, referenciou a Autora ter recebido indicações do Banco, através de e-mails, que remeteu aos vendedores, em que era solicitada a habilitação de herdeiros, bem como a licença de habitação “tal como consta actualmente o imóvel”.
Acrescentou ter achado estranho, mas que enviou tal pedido para o Réu, através do e-mail deste, acrescentando ter consigo todos os e-mails que foram enviados ao mesmo Réu, referenciando a falta de conformidade da licença de utilização com o actual estado do imóvel, e pedindo que lhe fosse entregue uma nova licença de utilização, o que nunca foi feito.
Reiterou que remeteu os e-mails aos Réus, informando-os que era o Banco a solicitar, tendo chegado a pedir-lhes para se deslocarem ao balcão do Banco, de forma a informarem-se do que passava.
Por sua vez, a testemunha DD, mulher do Réu e nora da Ré, referenciou que a Autora, mencionando que tal era solicitado pelo Banco, pediu que fossem entregues outros documentos, o que ocorreu através de troca de e-mails, nomeadamente referente a habilitação de herdeiros, bem como certidões de nascimento do marido e sogra.
Acrescentou ter sido remetida toda a documentação solicitada, no que se incluía a licença de utilização, referenciando que mais tarde a Autora solicitou a entrega de nova licença de utilização, que refletisse as obras que haviam sido feitas, o que afirmou ter surgido por específico pedido do Banco.
Ora, apesar da Autora nunca ter junto aos autos os enunciados e-mails posteriores que o Banco lhe terá enviado, e que terá reencaminhado para o Réu, do teor das expostas declarações da Autora e depoimento da testemunha familiar próxima dos Réus, resulta com evidência que tais pedidos terão sido efectuados, bem como que terão decorrido após o envio de antecedente documentação.
Donde, decide-se:
- aditar á factualidade provada, um novo ponto, a figurar sob o nº. 11-A, com a seguinte redacção:
“11-A Ao analisar os documentos remetidos pelos Réus à Autora, e por esta reencaminhados, o Banco foi pedindo esclarecimentos e documentos sobre a identificação/legitimidade dos Réus e sobre a Licença de Utilização, tendo solicitado a junção de Licença de Utilização para o imóvel tal como ele se configurava no presente, identificando composição, pisos e áreas” ;
- determinar a eliminação do facto não provado 28.
D. do facto não provado 29
Consta do presente facto que:
“29. Destes pedidos do Banco a autora informou os réus, nomeadamente o réu CC, pelo telemóvel n.º ...913, e a sua companheira DD
Pretende a Impugnante que tal facto passe a figurar como provado, com a seguinte redacção:
“Destes pedidos do Banco a Autora informou os Réus, nomeadamente o Réu CC”.
O que sustenta com base nas declarações por si prestadas, nomeadamente na audiência de julgamento de 27/09/2023.
Na resposta contra-alegacional, referenciam os Apelados ter sido devidamente aplicada a livre apreciação do Tribunal, em virtude de tal facto não ter sido corroborado por qualquer outro meio probatório, defendo a não prova de tal facto. E, ainda que fosse dado como provado, não seria relevante para se concluir pelo incumprimento contratual dos RR., pois estes em nenhum momento se recusaram à entrega dos elementos necessários à outorga da escritura. Apreciando:
A fundamentação da resposta conferida ao presente facto já foi devidamente transcrita.
Todavia, conforme resulta da apreciação do facto antecedente, a sua potencialidade probatória funda-se não só no declarado pela Autora, como ainda no teor do depoimento da identificada testemunha DD, mulher e nora dos Réus, que o confirmou de forma aparentemente isenta e séria.
Donde, no acolhimento da impugnação apresentada, decide-se:
- aditar á factualidade provada, um novo ponto, a figurar sob o nº. 11-B, com a seguinte redacção:
“11-B Destes pedidos do Banco a Autora informou os Réus, nomeadamente o Réu CC, bem como a sua companheira DD” ;
- determinar que o facto não provado 29 passe a figurar com a seguinte redacção:
“29 que aquando do descrito em 11-B o Réu CC tenha sido informado pelo telemóvel nº. ...913”.
E. do facto não provado 30
Consta do presente facto que:
“30. Pelo menos desde 04.12.2020, os réus sabem que a marcação da escritura ficou dependente de documento (LU), que só eles poderiam obter”, sendo pretensão da Autora Impugnante que o mesmo passe a figurar como provado, nos seus precisos termos.
O que fundamenta no teor do e-mail referenciado no facto provado 12, bem como no teor da carta enviada pela Advogada da Autora, constante do facto provado 14.
Os Apelados defendem a resposta conferida pelo Tribunal a quo, aduzindo que da correspondência aludida, não imparcial, mas antes feita em conformidade com os interesses da sua constituinte, sem alicerce em outro suporte fáctico derivado da demais prova produzida, não poderia o Tribunal considerar tal facto como provado. Apreciando:
Na fundamentação da decisão da matéria de facto, em acrescento ao já transcrito, consignou-se, ainda, relativamente ao facto ora questionado, que “face ao teor do documento de fls. 62 verso e 63, correspondente à cópia da declaração emitida pelo Sr. Notário, que certifica a entrega dos documentos necessários à realização da escritura de compra e venda, ficou inclusivamente infirmada a realidade dos factos 30., 33. e 34.”.
Analisados os indicados meios probatórios, plasmados nos factos provados 12 e 14, não descortinamos como podem os mesmos corroborar a efectiva prova da presente factualidade.
Efectivamente, quer o e-mail enviado pela Autora à mulher do Réu, quer a carta enviada pela Autora, através da sua Advogada, ao mesmo Réu, não logram minimamente concluir nos termos expostos, pois, para além do teor daquelas (fundamentalmente o teor da citada carta) corroborar a versão de uma das partes em litígio, o próprio teor do narrado é claramente desmentido pelo ulteriormente ocorrido, nomeadamente pela marcação da escritura efectivada pelos próprios Réus, para a qual não careceram de qualquer actualização da licença de habitabilidade do imóvel, conforme factos provados 18, 20 e 21.
Donde, neste segmento, improcede a impugnação apresentada, mantendo-se tal factualidade na elencagem não provada.
F. do facto não provado 33
Consta do presente facto que:
“33. A autora não marcou a escritura até ao dia 12.12.2020 em virtude de os réus não lhe terem entregue todos os documentos referentes ao prédio que prometeram vender”, sendo pretensão da Impugnante Autora que o mesmo passe a figurar como provado com idêntico teor.
Fundamenta probatoriamente tal pretensão no teor da carta enviada pela sua Advogada, constante do facto provado 14, em relação à qual não houve qualquer resposta por parte dos Réus, bem como no teor do e-mail da Sra. Conservadora da Conservatória do Registo Predial de Almada, feito constar no facto provado 17.
Na resposta contra-alegacional, os Recorridos defendem a bondade do decidido, repetindo a antecedente argumentação relativamente à carta da Sra. Advogada, e referenciando que a posição da Sra. Conservadora é contraditada pelo teor dos factos provados 20 e 22, donde decorre que estavam reunidas as condições para a outorga da escritura sobre o imóvel, sendo que a Autora não promoveu o agendamento da escritura, nem compareceu quando esta foi agendada pelos Réus. Apreciando:
Já constatámos a argumentação constante da fundamentação da fixação da matéria de facto operada pela decisão recorrida.
Dos meios probatórios indicados não logramos sustentar a efectiva prova do presente ponto factual.
Com efeito, não decorre que os Réus não tenham entregue todos os documentos referentes ao imóvel que prometeram vender, e que tal tenha impossibilitado a marcação da escritura até á aludida data.
O que parece decorrer é que os Réus, contrariamente á pretensão da Autora, sustentada no pedido efectuado pela instituição bancária mutuante, não terão procedido à obtenção de uma nova licença de utilização conforme as alterações que teriam sido introduzidas no imóvel.
Todavia, conforme decorre da demais factualidade provada, tal não inviabilizaria a marcação da escritura pública de compra e venda, transmissiva do imóvel – os factos provados 18, 20 e 21 -, pelo que tal facto não logra obter sustento probatório suficiente para passar a elencar a factualidade provada.
Conducente, nesta parte, a juízo de improcedência da impugnação apresentada.
G. do facto não provado 37
Consta do presente facto que:
“37. A autora ficou surpreendida pelo teor do relatório mencionado em 8. na parte em que alude a “obras não licenciadas (ilegais)” efetuadas pelos réus e apenas delas teve conhecimento com esse relatório”, sendo pretensão da Impugnante que o mesmo passe a figurar como provado, nos seus exactos termos.
O que fundamenta no teor das declarações da testemunha EE, prestadas na audiência de julgamento realizada no dia 23/06/2023.
Na resposta contra-alegacional, mencionam os Recorridos que tal testemunha “não mostrou ter conhecimento direto dos factos, mas apenas conseguiu reproduzir o que alegadamente a A. lhe contaria, não sendo assim um meio de prova suficientemente robusto para convencer o tribunal da veracidade do facto”.
Acrescentam, ainda, existirem “versões contraditórias sobre esta facto, nomeadamente do R. CC, que declarou que a A. antes da assinatura do contrato-promessa visitou, pelo menos duas vezes o imóvel, viu as obras realizadas, viu a documentação do imóvel, tendo sido inclusive advertida que havia obras realizadas anteriormente pelo pai do R., após a emissão da licença de utilização, e que a A. aceitou comprar a casa mesmo assim, considerando que não haveria sequer problema com o banco; e que, posteriormente à assinatura do contrato-promessa começou a fazer exigências que não haviam sido acordadas entre as partes, nomeadamente, que os RR. tratassem de verificar a questão do licenciamento das referidas obras junto da respetiva Câmara municipal”.
Aduzem, ainda, que o “conhecimento da situação concreta do imóvel e das referidas obras ou alterações pela A. antes da assinatura do contrato promessa foi também corroborado pelas declarações da testemunha DD”, bem como da “R. BB”.
A que acresce ter a testemunha HH referido que “os problemas surgiram após assinatura do contrato-promessa, porque a A. se recusou a fazer a escritura, pretendendo mais dinheiro do que o Banco se dispôs a emprestar, para fazer obras no imóvel”.
Pelo que, concluem, foi certeira a decisão do Tribunal a quo em não considerar tal facto como provado. Apreciando:
A testemunha EE, treinador de futebol e amigo da Autora há mais de 15 anos, referenciou que em determinado momento a Autora referiu-lhe não poder continuar com a compra, pois a casa não estaria legal, faltando a aprovação da Câmara Municipal sobre determinados obras que iriam ser feitas ou estavam efectuadas na vivenda, ou seja, não havia o licenciamento necessário.
Interpelado, acrescentou que a Autora teria ficado surpreendida com tal facto, pois queria comprar e não sabia, tendo-lhe, ainda, referido que o perito do Banco teria lá ido, e que não deram andamento ao empréstimo por tal falta da documentação das obras – cf., a transcrição de tais alegações, globalmente idónea, constante da alínea g) das contra-alegações recursórias.
Ora, do teor de tais declarações resulta existir um conhecimento muito limitado da testemunha acerca dos factos em equação, que tudo o que sabe foi-lhe relatado pela própria Autora, que existiriam obras realizadas e que outras iriam ser realizadas, não sabendo distinguir quais, ficando-se sem nítida e clara convicção se a aludida surpresa seria relativamente á própria existência das obras não licenciadas, ou ao impacto destas no relatório elaborado, conducente á ocorrência de entraves na outorga do contrato de mútuo pretendido celebrar junto da instituição bancária.
Por outro lado, existe efectiva incongruência ou distonia com os demais meios probatórios referenciados pelos Recorridos, pelo que a prova deste facto carece de sólido e suficiente fundamento para que possa ser considerado como provado.
O que determina, neste segmento, juízo de improcedência da impugnação apresentada, conducente à manutenção deste facto na elencagem não provada.
H. do facto não provado 43
Consta do presente facto que.
“43. A autora tentou obter informação sobre quanto custa, em termos de tempo e dinheiro, obter a licença de utilização actualizada junto da Câmara Municipal de Almada, tendo técnicos, arquitectos, engenheiros e construtores advertido de que, perante as alterações feitas pelos réus no imóvel, será necessário apresentar novo projecto de arquitetura, novos projectos de alterações das várias especialidades, incluindo rede de águas e rede de esgotos”.
É pretensão da Autora Impugnante que o presente facto passe a figurar como provado com a seguinte redacção:
“Tendo o imóvel passado a ter habitação no rés-do-chão, existiu uma alteração ao uso, pelo que seria normal que o Banco exigisse uma alteração à licença de habitação em conformidade”.
O que sustenta, probatoriamente, no teor do depoimento prestado pela testemunha FF, na audiência de julgamento realizada no dia 23/06/2023.
Na resposta contra-alegacional, referenciam os Apelados que o teor das declarações da identificada testemunha não prova tal factualidade, nomeadamente que a Autora teria tentado obter tais informações.
Ademais, mesmo que tal facto viesse a ser considerado como provado, tal não significaria que os Réus incumpriram o acordado com a Autora. Apreciando:
Auditado o depoimento da testemunha FF, arquitecto, de 46 anos, não conhecendo as partes em litígio, referenciou ter sido contactado por um amigo que conhecia a Autora, tendo-lhe sido transmitido que alguém pretendia comprar uma casa, e que o Banco queria uma licença de utilização actualizada, não aceitando a existente. Disseram-lhe que o rés-do-chão era para garagem ou arrumos, mas que existiriam divisões de habitação.
Acrescentou que nunca se deslocou a tal casa, e que pretendiam saber como poderia ser resolvido o problema, de forma a ser alterado o uso da casa desconhecendo se o foi e como, pois o trabalho nunca lhe foi entregue.
Por fim, referenciou desconhecer que obras foram efectuadas, bem como se o Banco alguma vez sequer pediu o que quer que fosse.
Ora, afigura-se-nos evidente que a factualidade questionada não pode merecer deferimento a figurar na elencagem como provada, fundamentalmente pelas seguintes razões:
- por um lado, a factualidade ora pretendida aditar, para além de ter natureza puramente conclusiva, nada tem a ver com a factualidade não provada e ora aparentemente questionada ;
- por outro, o meio probatório indicado não é susceptível de, minimamente, a provar.
Donde, sem ulterior argumentação, improcede a impugnação apresentada.
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Em resumo, relativamente á apreciada impugnação da matéria de facto, decide-se o seguinte:
• indeferir totalmente a impugnação relativamente aos factos não provados 26, 30, 33, 37 e 43, que se mantém na elencagem da factualidade não provada ;
• deferir totalmente a impugnação do facto não provado 29, decidindo-se:
- aditar á factualidade provada, um novo ponto, a figurar sob o nº. 11-B, com a seguinte redacção:
“11-B Destes pedidos do Banco a Autora informou os Réus, nomeadamente o Réu CC, bem como a sua companheira DD” ;
- determinar que o facto não provado 29 passe a figurar com a seguinte redacção:
“29. que aquando do descrito em 11-B o Réu CC tenha sido informado pelo telemóvel nº. ...913”.
• Deferir parcialmente a impugnação dos factos não provados 27 e 28, decidindo-se:
alterar a redacção do facto não provado 27, o qual passa a figurar nos seguintes termos:
“27. Que a marcação de escritura referenciada no documento mencionado em 10 fosse para ser efectivada nessa ocasião” ;
- aditar á factualidade provada, um novo ponto, a figurar sob o nº. 11-A, com a seguinte redacção:
“11-A Ao analisar os documentos remetidos pelos Réus à Autora, e por esta reencaminhados, o Banco foi pedindo esclarecimentos e documentos sobre a identificação/legitimidade dos Réus e sobre a Licença de Utilização, tendo solicitado a junção de Licença de Utilização para o imóvel tal como ele se configurava no presente, identificando composição, pisos e áreas” ;
- determinar a eliminação do facto não provado 28.
II. Do ENQUADRAMENTO JURÍDICO DA CAUSA
A. Do incumprimento contratual imputado aos Réus promitentes vendedores e da verificação dos pressupostos essenciais da sua responsabilidade, conducente à procedência do pedido subsidiário formulado pela Autora
A sentença apelada raciocinou, basicamente, nos seguintes termos:
- importa analisar e decidir:
1. Se ocorreu mora ou incumprimento definitivo, imputável aos Réus, da sua obrigação de celebração do contrato definitivo ;
2. Se se encontram reunidos os pressupostos de que depende a válida resolução do contrato-promessa por parte da Autora, determinante do inerente direito a reaver dos Réus o dobro da quantia que lhes adiantou do preço ajustado para a venda definitiva, acrescida de juros ;
- as declarações negociais, reciprocamente emitidas entre as partes, consubstanciam a celebração de um contrato-promessa, sendo que a quantia entregue aos Réus (promitentes-vendedores) pela Autora (promitente-compradora), a título de antecipação parcial da obrigação de pagamento do preço ajustado entre as partes para a compra do imóvel, assume inquestionavelmente a natureza de sinal – cf., artºs. 440º e 441º, ambos do Cód. Civil ;
- urge aferir se alguma das partes incumpriu a sua obrigação de celebração do contrato-prometido ;
- na realização da obrigação a que está vinculado, deve o devedor obedecer a três postulados que presidem ao cumprimento das obrigações:
a. A prestação deve ser cumprida pontualmente, devendo ajustar-se, em todos os aspectos, ao que ficou estipulado como sendo devido – cf., os artigos 406º, nº. 1 e 762º, nº. 1, ambos do Cód. Civil ;
b. No cumprimento da sua obrigação, deve o devedor agir nos termos impostos pela boa fé (artº. 762º, nº. 2, C.C.), de forma a que a sua actuação não cause prejuízos na esfera jurídica do credor ;
c. Salvo convenção, disposição legal ou uso em contrário, a prestação deve ser efectuada na íntegra, e não por partes (artº. 763º, do C.C) ;
- caso ocorra incumprimento definitivo, o contraente cumpridor poderá licitamente optar por resolver o contrato-promessa (os artºs. 224º, 432º, nº. 1, 436º, 442º, nº. 3, in fine, 801º, nº. 2 e 808º, todos do Cód. Civil) ;
- todavia, ocorrendo tal incumprimento definitivo do contrato, só com a sua comunicação é que a resolução opera, devendo esta ser feita em termos inequívocos, por forma a que o devedor tenha consciência do efeito com ela pretendido pelo credor – os artºs. 436º, nº. 1 e 224º, nº. 1, 1ª parte, ambos do Cód. Civil ;
- in casu, a Autora pagou, integral e pontualmente, o sinal a que se vinculou por via do contrato, e diligenciou pela obtenção do crédito ;
- todavia, referencia não lhe ser possível marcar a escritura de compra e venda, pelo facto dos Réus, para além da licença de utilização averbada no registo predial, que lhe entregaram mas está desactualizada, não lhe terem facultado uma licença de utilização actualizada, que contemple o licenciamento camarário das modificações entretanto efectuadas no imóvel ;
- a qual reputa tratar-se de documento essencial à marcação da escritura, sem o qual não consegue cumprir a sua obrigação ;
- a Autora não invoca que não lhe foi concedido o crédito bancário que solicitou, nem pretende fazer operar/valer os efeitos da cláusula resolutiva ínsita no contrato-promessa plasmada na cláusula 9ª ;
- ou seja, não pretende, assim, obter a declaração de válida resolução do contrato-promessa por efeito da previsão ínsita na citada cláusula 9ª ;
- a Autora também não pede que seja decretada a anulação total ou parcial do contrato com base em erro-vício:
i. Quer sobre o objecto do negócio (artº. 251º, do C.C.) ;
ii. Quer quanto aos seus motivos (artº. 252º, do C.C.) ;
- o que a Autora parece sustentar – ainda que não tenha logrado provar –é que houve erro sob os motivos que a levaram a celebrar tal negócio, naqueles termos, por ter considerado que o imóvel teria uma licença de utilização recente, que contemplasse outras modificações posteriores à sua construção e à emissão da licença de utilização que vigora ;
- entendendo que essa diferença determina uma diminuição substancial do valor do imóvel que prometeu comprar, e que a impede de marcar a escritura de compra e venda, isto é, de celebrar o contrato definitivo a que se obrigou ;
- os pressupostos deste erro encontram-se vertidos no nº. 1, do artº. 252º, do Cód. Civil, consistindo:
a. Na existência de um erro por parte do declarante quanto a uma circunstância de facto ou de direito que tenha sido determinante na decisão de efectuar um dado negócio, que não se reporte à pessoa do declaratário , nem ao objecto do negócio ;
b. Que as partes tenham reconhecido, de forma expressa ou tácita, a essencialidade dessa circunstância ou motivo ;
- in casu, não se provou que a Autora não estivesse ciente da efectiva dimensão e configuração do imóvel, dado que lhe foi facultada a documentação deste, nem ficou provado que tal questão fosse essencial para que todos os intervenientes concretizassem o negócio tal como o fizeram ;
- relativamente ao erro sob os motivos, previsto no nº. 2, do artº. 252º, do Cód. Civil, mesmo que se entendesse haver erro, e que este incidisse sob a base do negócio – entendendo-se por base do negócio o conjunto de circunstâncias conhecidas das partes, ou que se pode esperar que o sejam, com fundamento na actual verificação das quais o contrato foi celebrado e justificam a sua celebração nos seus exactos termos -, não se provou que tais circunstâncias foram fundamentais para as partes, e que se a Autora soubesse o significado da efectiva dimensão e configuração do imóvel após as obras nele realizadas sem licenciamento prévio, o negócio jurídico seria feito de modo diferente por parte da Autora ;
- nem é possível alcançar tal facto em face do valor que a Autora concordou vir a pagar pelo imóvel (208.000,00 €), equiparável ao valor pelo qual foi avaliado, mesmo considerando as modificações nele efectuadas sem licenciamento (198.000,00 €) ;
- pelo que não seria possível concluir pelo preenchimento dos pressupostos do erro-vício, de forma a que a Autora pudesse ver decretada a anulação sequer parcial do negócio jurídico que decidiu celebrar com os Réus ;
- balizando o petitório apresentado pela Autora, constata-se que os Réus, no contrato-promessa outorgado, não se vincularam a obter uma licença de utilização actualizada, pois apenas se obrigaram a entregar-lhe a documentação necessária à marcação da escritura pública de compra e venda, o que se demonstrou terem feito através da disponibilização da licença de utilização emitida para o imóvel e averbada no registo predial ;
- tendo pelos Réus, inclusivamente, sido marcada a escritura pública de compra e venda, por duas vezes, vindo numa delas a ser atestado pelo Sr. Notário (segunda marcação) ter-lhe sido entregue toda a documentação necessária à outorga da escritura de compra e venda, a qual não se realizou por falta da Autora, apesar de devidamente intimada para comparecer ;
- ou seja, os Réus não se vincularam perante a Autora a obter outra documentação que não fosse a necessária à marcação da escritura de compra e venda, o que cumpriram, tendo a escritura sido efectivamente marcada ;
- o que se evidencia é que foi a Autora quem não procedeu à marcação da escritura de compra e venda, incorrendo em mora no cumprimento dessa obrigação ;
- assim, independentemente de se considerar que:
a. A mora da Autora pode ou não ter-se convertido em incumprimento definitivo ;
b. Tal inadimplemento por parte da Autora poder vir a fundar a resolução do contrato-promessa por parte dos Réus (dependendo da manifestação de vontade que vierem a assumir perante a Autora, a qual é neste momento desconhecida, pois os Réus podem, mesmo assim, manter ainda interesse na celebração do contrato definitivo),
evidencia-se inexistir fundamento para considerar que os Réus incumpriram em definitivo as obrigações a que se vincularam no contrato-promessa celebrado com a Autora ;
- e nem sequer que incorreram em mora no seu cumprimento ;
- sendo antes a Autora quem não cumpriu até ao momento, podendo fazê-lo, a sua obrigação de celebração do contrato definitivo ;
- donde resulta faltarem os pressupostos essenciais constitutivos da responsabilidade contratual dos Réus, ou seja, não logrou a Autora demonstrar que estes não cumpriram em definitivo as obrigações contratuais que os vinculam no contrato-promessa de compra e venda ;
- e nem sequer logrou demonstrar que os mesmos Réus se encontram em atraso na sua satisfação ;
- o que constituía ónus que lhe competia, nos termos do artº. 342º, nº. 1, do Cód. Civil ;
- donde, não tendo a Autora logrado provar os pressupostos essenciais constitutivos dos pedidos que formula, improcede a acção, com a inerente absolvição dos Réus do pedido.
A Recorrente Autora, no enquadramento jurídico efectuado, questiona a solução operada pelo Tribunal a quo, aduzindo, no essencial o seguinte:
• No contrato-promessa celebrado, os Réus prometeram vender o imóvel livre de quaisquer ónus ou encargos, comprometendo-se na entrega de todos os documentos respeitantes ao prédio objecto do mesmo contrato-promessa ;
• Todavia, ao não procederem á entrega de licença de utilização do imóvel devidamente actualizada, de acordo com as obras que entretanto haviam sido efectuadas no imóvel (ou seja, retratando a situação presente deste), os Réus incorreram em mora no cumprimento da referida obrigação, impossibilitando a Autora de proceder á marcação da escritura prometida ;
• Donde resulta encontrarem-se verificados os pressupostos essenciais da responsabilidade dos Réus, conducente a juízo de procedência do pedido subsidiário formulado.
Após desistência do pedido acional principal, o pedido que permanece em equação nos autos (anteriormente denominado de subsidiário) traduz-se no seguinte:
a. que seja fixado um prazo razoável, mas nunca superior a 5 (cinco) meses após a citação, para os Réus entregarem à Autora a licença de utilização actualizada, para que a escritura reportada ao contrato prometido seja realizada ;
b. que em caso de incumprimento desse prazo, seja judicialmente reconhecida a cessação, por resolução, com fundamento no incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda por parte dos Réus ; consequentemente,
c. que os Réus sejam solidariamente condenados a entregar à Autora o valor de € 40.000,00, correspondente à devolução do sinal em dobro, acrescido dos juros de mora, desde a data da verificação do incumprimento definitivo, até integral pagamento.
Compulsado o teor do aduzido em sede de petição inicial, e articulando-o com o petitório acional exposto, parece resultar evidente o afastamento de dois enquadramentos jurídicos tratados em sede da sentença sob apelo.
Assim, em primeiro lugar, a Autora não pretende fazer operar a condição resolutiva contratual convencionalmente prevista na cláusula 9ª do contrato-promessa outorgado.
Ou seja, decorre da causa de pedir invocada, bem como do pedido accional formulado, não pretender a Autora que o contrato-promessa fique sem efeito, na decorrência de não lhe ter sido concedido financiamento bancário, com consequente devolução em singelo da quantia entregue a título de sinal.
Efectivamente, nos termos legalmente previstos no artº. 270º, do Cód. Civil, Autora e Réus, aquando da outorga do contrato-promessa, subordinaram a um acontecimento futuro e incerto a sua resolução, nomeadamente a circunstância da entidade bancária a que a Autora promitente compradora iria recorrer, para obtenção de financiamento bancário, não vir a aprovar, no prazo de 15 dias úteis, o pedido efectuado.
Todavia, apesar da Autora, na comunicação escrita enviada á 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada, aludir a que o “banco tem o processo de crédito aprovado, sob condição de lhe ser entregue a licença de utilização que contemple as alterações efetuadas” – cf., facto provado 16 -, a Autora nunca invoca tal putativa não aprovação de forma a fazer operar a citada condição resolutiva contratual, convencionalmente outorgada.
Aliás, e ao invés, a mesma Autora alega ter sido informada, em 26 de Outubro de 2020, pelo Banco Montepio, que o seu crédito estava aprovado – cf., artº. 11º, da p.i. -, constituindo esta matéria factual (apesar de não ter logrado efectiva prova, conforme facto não provado 26) clara evidência de não apelo a tal fundamento resolutivo convencional.
Na apreciação do instituto jurídico em equação, e prevendo acerca da noção de Condição, prescreve o artº. 270º, do Cód. Civil, que “as partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição ; no segundo, resolutiva”.
Apreciando acerca das cláusulas acessórias típicas gerais, e especificamente a propósito da Condição, referencia Carlos Alberto da Mota Pinto 7 que as noções de condição suspensiva e de condição resolutiva traduzem a “subordinação pelas partes a um acontecimento futuro e incerto ou da produção dos efeitos do negócio jurídico (condição suspensiva) ou da resolução dos mesmos efeitos (condição resolutiva)”.
A cláusula condicional, define-se, assim, como “um elemento acidental, susceptível de ser inserido na generalidade dos negócios, por força do princípio da liberdade negocial (consagrado, quanto aos contratos, no art. 405º)”, figurando como critério de distinção entre a condição suspensiva e resolutiva, “o da influência que a verificação do evento condicionante tem sobre a eficácia do negócio: se a verificação da condição importa a produção dos efeitos do negócio, não tendo estes lugar doutro modo, trata-se duma condição suspensiva ; se a verificação da condição importa a destruição dos efeitos negociais, aquela diz-se resolutiva”.
O facto condicionante é determinado por interpretação da vontade das partes, verificando-se a condição se tal acontecimento tiver lugar.
Assim, nos caos da condição resolutiva, o seu preenchimento “importa a destruição automática e retroactiva dos efeitos do negócio, o que fará perder a eficácia aos actos dispositivos do credor condicional” e, não se verificando a mesma, “os efeitos do negócio consolidam-se, radicando-se, definitivamente, a posição do credor «sub conditione»”.
Apreciando a cláusula contratual típica da Condição, a qual vem subordinar a eficácia duma declaração de vontade a um evento futuro e incerto, define António Menezes Cordeiro 8 existir condição suspensiva “quando o negócio só produza efeitos após a eventual verificação do evento”, e condição resolutiva “sempre que o negócio deixe de produzir efeitos após a eventual verificação do evento em causa”.
Doutrinariamente, referencia, ainda, a destrinça entre “condições casuais e condições potestativas, conforme o evento incerto de que dependam se traduza num facto alheio aos participantes ou, pelo contrário, emerja da vontade de um deles ; neste último caso, o participante em causa recebe o direito potestativo de deter ou de desencadear a eficácia do negócio, consoante seja resolutiva ou suspensiva”. Por sua vez, a “condição casual pode, ainda, depender dum facto natural, como chover ou não chover num certo dia, dum acto de terceiro, como a concessão duma fiança ou dum acto social ou administrativo, como a autorização para construir”.
Assim, verificada a condição, “os seus efeitos retrotraem-se à data da conclusão do negócio. Quer isso dizer que, sendo resolutiva, o negócio tornar-se-ia como que não celebrado e, sendo suspensiva, como que plenamente celebrado ab initio”.
A estipulação pelas partes de condições traduz-se, desde logo, de uma concreta efectivação do princípio da autonomia privada, bem como da observância da boa fé, esta “nas suas duas vertentes da tutela de confiança e da primazia da materialidade subjacente, a boa fé deve ser acatada pelas partes, de modo a não falsear o seu objectivo e a não se provocarem danos desnecessários”.
O que justifica a solução legal inscrita no nº. 2, do artº. 275º, do Cód. Civil, ao prever a situação em que a verificação da condição é impedida por aquele a quem prejudica, tendo-se por verificada, ou provocada por aquele a quem aproveita, considerando-se não verificada.
Assim, aduz, “num contrato bilateral, a condição, seja ela qual for, vai sempre, em simultâneo, beneficiar e prejudicar ambas as partes. Por exemplo: a condição resolutiva prejudica o adquirente, que perde a coisa, mas beneficia-o, liberando-o do pagamento do preço.
Considerar, num caso desses, que a verificação provocada da condição não é sancionável, por não lhe aproveitar, seria abrir a porta para que, nos contratos bilaterais ou situações equiparáveis, as partes pudessem, livremente, interferir na condição. Não pode ser. Assim, cabe entender-se que qualquer das partes que impeça uma condição deve considerar-se prejudicada por ela ; de igual modo, qualquer das partes que provoque uma condição deve considerar-se como aproveitando dessa ocorrência.
Noutros termos: nunca nenhuma das partes pode, contra a boa fé, impedir ou provocar condições”.
Em segundo lugar, também não é pretensão da Autora a invocação de qualquer viciação da sua vontade na outorga do contrato-promessa.
Concretizando, a Autora não pugna pela anulação do negócio outorgado com os Réus, fundando-a na situação de erro-vício enunciado nos artigos 251º e 252º, do Cód. Civil, o que resulta com evidência do teor do petitório deduzido.
Efectivamente, estatui o artº. 251º, do Cód. Civil, prevendo acerca do erro sobre a pessoa ou sobre o objecto do negócio, que “o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira à pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247.º”.
Por sua vez, o artº. 252º, na previsão do erro sobre os motivos, prescreve que: “1. O erro que recaia nos motivos determinantes da vontade, mas se não refira à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio, só é causa de anulação se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo. 2. Se, porém, recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído”.
Já no campo do erro-obstáculo, mas na consideração da remissão efectuada pelo transcrito artº. 251º, prescreve o artº. 247º, sobre a epígrafe de erro na declaração, que “quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro”.
Os vícios da vontade traduzem-se em perturbações no seu processo formativo, no sentido de que a mesma, embora em concordância com a declaração emitida, “é determinada por motivos anómalos e valorados, pelo direito, como ilegítimos”, ou seja, “a vontade não se formou de um «modo julgado normal e são»” 9.
Entre aqueles vícios a considerar in casu, temos o erro-vício e o dolo, com inscrição, respectivamente, nos artigos 251º e 252º e artigos 253º e 254º.
Traduz-se o erro-vício numa “representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio”, no sentido de que caso “estivesse esclarecido acerca dessa circunstância – se tivesse exacto conhecimento da realidade – o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou” 10.
Constitui-se, assim, como um erro nos motivos determinantes da vontade ou erro-motivo.
Ou seja, quando viciada por erro, “a declaração negocial corresponde à vontade real, mas esta formou-se com base numa falsa representação da realidade ; há uma divergência inconsciente entre a vontade declarada e aquela que o autor teria declarado se tivesse uma representação fiel da realidade, a chamada vontade conjetural ou hipotética. A falsa representação deve incidir sobre uma circunstância do presente ou do passado ; o erro sobre uma circunstância futura constitui uma imprevisão que está fora do regime do erro” 11.
No que concerne às suas modalidades, pode tal erro incidir sobre a pessoa do declaratário, sobre o objecto do negócio, mediato ou imediato (artº. 251º), ou, de forma residual, sobre os motivos não referentes nem à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio (artº. 252º).
Para que o erro-vício possa ser relevante como causa de anulabilidade, é mister que o mesmo se revista de essencialidade, ou seja, dever-se-á estar perante um erro “que levou o errante a concluir o negócio, em si mesmo e não apenas nos termos em que foi concluído. O erro foi causa (é indiferente tratar-se de uma situação de causalidade única ou de concausalidade) da celebração do negócio e não apenas dos seus termos. O erro é essencial se, sem ele, se não celebraria qualquer negócio ou se celebraria um negócio com outro objecto ou de outro tipo ou com outra pessoa” 12.
O erro sobre o objecto do negócio abrange quer a hipótese do “erro sobre a identidade (na medida em que seja um erro-vício e não um erro na declaração), quer na do erro sobre as qualidades. O negócio será anulável nos termos previstos no artigo 247º para o erro-obstáculo, isto é, «desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro»” 13.
Deste modo, as condições de relevância do erro sobre o objecto do negócio são as mesmas do erro na declaração enunciado no artº. 247º, do Cód. Civil, isto é, “o declarante deverá provar o erro, a falsa representação da realidade, e que essa falsa representação foi essencial para a celebração do negócio”. Por sua vez, “o declaratário terá de destruir esta prova ou provar que não conhecia que o motivo sobre que incidiu o erro era essencial e que não podia conhecer essa essencialidade, ainda que tivesse usado a diligência exigível a um bom pai de família nas suas circunstâncias” 14.
Ora, “o erro pode ser espontâneo, também chamado simples: a falsa representação da realidade formou-se espontaneamente na mente do declarante. Mas o erro pode ter sido gerado por ação alheia intencionalmente dirigida a provocá-lo ; estamos então perante um erro causado por dolo, regulado nos arts. 253º e 254º” 15.
Assim, existirá dolo “quando se verifique o emprego de qualquer sugestão ou artifício com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração (dolo positivo ou comissivo), ou quando tenha lugar a dissimulação, pelo declaratário ou por terceiro, do erro do declarante (dolo negativo, omissivo ou de consciência)” 16.
Acrescenta o mesmo Autor, relativamente ao confronto entre as condições de relevância do dolo e do erro-vício, que “os requisitos especiais do erro sobre a pessoa do declaratário ou sobre o objecto do negócio não constituem uma exigência mais gravosa, para o errante que pretende anular o negócio, do que a representada pelos requisitos do conceito de dolo: com efeito, para a relevância do erro sobre a pessoa ou sobre o objecto, exige-se o conhecimento ou cognoscibilidade, pela outra parte, da essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro e, para a relevância do erro provocado por dolo, a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro a contraparte. Sempre será, todavia, mais fácil a prova do dolo positivo que a do erro simples” 17.
Ora, conforme enunciado, incumbiria à Autora, ora Apelante, enquanto declarante, provar a situação de erro, ou seja, a falsa representação da realidade, bem como que essa falsa representação foi essencial para a celebração do negócio.
Na aplicação de tal ónus à factualidade em equação, incumbia à Autora provar que só celebrara o contrato por estar convencida de que a licença de utilização existente contemplava a real situação existente do imóvel, inexistindo obras posteriormente realizadas no imóvel determinantes da necessidade de obtenção de uma outra licença, e que se tivesse noção de que tal situação não se verificava, não teria concluído o negócio.
Por outro lado, era ainda ónus da Autora a efectiva prova de que os Réus, enquanto declaratários, conheciam ou, pelo menos, não deviam ignorar, a essencialidade para a mesma Autora, do elemento sobre que incidiu o erro.
O que, por aplicação da factualidade em equação, determinava que a Autora devia provar que os Réus sabiam, ou que, pelo menos, não deviam ignorar, que aquela não outorgaria o contrato, se tivesse a real noção de que a licença de utilização existente se encontrava desactualizada, carecendo as obras realizadas no imóvel da devida apreciação/aprovação/licenciamento por parte da entidade camarária competente.
Todavia, conforme enunciámos, apesar da Autora, no artº. 59º da petição inicial, referenciar que se “soubesse à data de assinatura do CPCV que o imóvel tinha um ónus ou limitação, cujo expurgo demoraria e a impediria de recorrer a financiamento bancário e de realizar a escritura até ao final do mês de fevereiro de 2021, a Autora não teria aceite os termos do acordo, nomeadamente quanto ao preço”, não retira quaisquer consequências jurídicas de tal alegação, nomeadamente ao nível do petitório deduzido, ausente de qualquer intencionalidade de afectação da validade do negócio celebrado.
A questão em controvérsia surge, assim, ao nível do alegado incumprimento do contrato obrigacional de promessa de compra e venda celebrado entre Autora e Réus, a enquadrar juridicamente no regime específico do contrato-promessa – os artºs. 410º a 413º, 441º, 442º e 830º, todos do Cód. Civil -, bem como no regime geral de cumprimento e não cumprimento das obrigações – os artºs. 762º e segs., do mesmo diploma.
Referencia a Autora ter ocorrido incumprimento dos Réus (na modalidade de mora) ao não terem entregue todos os documentos respeitantes ao prédio objecto do contrato-promessa outorgado, necessários á marcação da escritura de outorga do contrato prometido. Nomeadamente, e especificamente, a entrega de licença de utilização devidamente actualizada, correspondente à real existência física do imóvel após as obras no mesmo realizadas, consistindo tais alterações na ampliação da sua área em 20 m2, no rés-do-chão, á conversão deste para habitação da parte que antes era um armazém, e á construção de uma varanda ao nível do 1º andar, sob a parte do rés-do-chão ampliada – cf., os factos provados 8 e 9.
Entende a Autora que tal omissão de entrega traduz violação da cláusula 6ª do outorgado contrato-promessa, a qual dispõe obrigarem-se os promitentes vendedores, ora Réus, “a fornecer à Promitente Compradora todos os documentos que digam respeito ao prédio objecto do presente contrato e descrito na 1ª Cláusula, bem como a assinar todos os documentos que se mostrem necessários à marcação da escritura”.
Como tal, através da alínea a) do petitório, pretendem concretizar a judicial interpelação admonitória dos Réus na entrega de licença de utilização actualizada e, não o fazendo no indicado prazo, tal mora converter-se-ia em incumprimento definitivo, fundando a consequente resolução contratual por aquele permitida – a alínea b) do petitório -, bem como a devolução do sinal em dobro – a alínea c) do petitório -, tal como contratualmente enunciado no nº. 2, da cláusula 8ª do mesmo contrato-promessa (correspondente ao legalmente enunciado no nº. 2, do artº. 442º, do Cód. Civil).
Todavia, tal como consignado na sentença apelada, na ponderação do balizamento efectuado pelo petitório acional deduzido, constata-se que no contrato-promessa outorgado os Réus, enquanto promitentes vendedores, não se vincularam a obter e entregar uma licença de utilização actualizada do imóvel, mas apenas, e tão-só, à entrega da documentação necessária à marcação da prometida escritura pública de compra e venda.
O que efectivamente cumpriram – cf., o facto 11 provado -, através da disponibilização da licença de utilização emitida para o imóvel e averbada no seu registo predial, resultando adrede provado que esta configurava-se como suficiente e bastante á outorga do contrato de compra e venda prometido – cf., os factos provados 18 a 22.
Assim, decorre da mesma factualidade provada não se terem os promitentes vendedores obrigado a obter e fornecer uma outra qualquer documentação que não a necessária á outorga do contrato de compra e venda prometido, o que concretamente cumpriram, tendo inclusive aqueles procedido à marcação da escritura de compra, á qual a Autora, promitente adquirente, faltou.
Resulta, deste modo, que relativamente à reclamada entrega de licença de utilização actualizada não incorreram os Réus em qualquer situação moratória, antes decorrendo ter sido a Autora em incorrer em mora no cumprimento da obrigação de marcação da escritura pública prometida, nos termos em que se havia vinculado na cláusula 4ª do contrato-promessa outorgado.
Pelo que, inexistindo qualquer situação moratória a onerar os Réus, injustifica-se o deferimento da sua interpelação admonitória ao cumprimento – a alínea a) do petitório -, de forma a que, incumprida esta, se pudesse converter aquela putativa situação moratória em concreto incumprimento definitivo conducente á resolução do contrato-promessa outorgado – a alínea b) do mesmo pedido -, bem como á consequente produção dos efeitos decorrentes desse juízo resolutivo – a alínea c) do petitório, em articulação com o contratualmente enunciado no nº. 2, da cláusula 8ª do mesmo contrato-promessa (correspondente ao legalmente enunciado no nº. 2, do artº. 442º, do Cód. Civil).
Donde, não se mostram preenchidos os requisitos ou pressupostos convencional ou legalmente exigíveis para que se possa concluir pela efectiva responsabilidade contratual dos Réus promitentes vendedores, pois não logrou a Autora promitente compradora provar que aqueles se vincularam á aduzida obrigação contratual, e que, consequentemente, incumpriram-na em definitivo.
Determinando necessário não acolhimento das conclusões recursórias e, consequentemente, juízo de improcedência da presente apelação, com consequente confirmação da sentença recorrida/apelada. À latere, sempre se poderia equacionar se a inexistência de licença de utilização actualizada configuraria violação da garantia prestada pelos Réus promitentes vendedores na cláusula 1ª do contrato-promessa convencionado.
Nomeadamente na parte em que o imóvel é prometido vender “livre de quaisquer ónus ou encargos”, garantindo aqueles não terem quaisquer “responsabilidades ou encargos (…) perante (…..) a Câmara Municipal ou qualquer outra entidade pública ou privada, que possam afectar a livre e plena fruição do Imóvel pela Promitente Compradora, ou os direitos desta” – cf., os nºs. 1 e 2, alín. c), de tal cláusula.
Ora, afigura-se-nos que, como primeiro e principal argumento, que a inexistência de licença de utilização actualizada não se configura como estrita verificação dos aludidos ónus, responsabilidades ou encargos sobre o imóvel, nos termos convencionados e, por outro, não resulta que aquela possa de alguma forma afectar a livre e plena fruição do imóvel por parte da Autora promitente compradora (em consonância, aliás, com a parte final do facto não provado 38).
Como segundo argumento, tal invocação não encontra respaldo no pedido ora em apreciação, no qual, conforme exposto, se pugna pela fixação de prazo para a entrega de licença de utilização actualizada, e pela resolução contratual, e seus efeitos, no caso de incumprimento desse prazo.
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Relativamente à tributação, nos quadros do artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, decaindo a Autora/Recorrente/Apelante no recurso interposto, é responsável pelas custas devidas.
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IV. DECISÃO
Destarte e por todo o exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em:
• julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela Autora/Apelante/Recorrente AA, em que figuram como Réus/Recorridos/Apelados BB e CC e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida/apelada ;
• as custas do presente recurso, atento o decaimento verificado e o estatuído no artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil, ficam a cargo da Autora/Recorrente/Apelante.
Lisboa, 10 de Julho de 2025
Arlindo Crua - Relator
Rute Sobral – 1ª Adjunta
Pedro Martins – 2º Adjunto
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1. A presente decisão é elaborada conforme a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, salvaguardando-se, nas transcrições efectuadas, a grafia do texto original.
2. O presente facto possuía originariamente a seguinte redacção: “27. Os documentos mencionados em 10. foram solicitados à autora para efeito de marcação da escritura nessa ocasião”.
3. O presente facto possuía a seguinte redacção: “28. Ao analisar os documentos remetidos pelos réus, o Banco foi pedindo esclarecimentos e documentos sobre a identificação/legitimidade dos réus e sobre a Licença de Utilização, tendo solicitado certidão camarária que ateste a Licença de Utilização para o imóvel tal como ele é hoje, que identifique composição, pisos, áreas e matriz actual”.
4. O presente facto tinha a seguinte redacção: “29. Destes pedidos do Banco a autora informou os réus, nomeadamente o réu CC, pelo telemóvel n.º ...913, e a sua companheira DD
5. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, Almedina, pág. 285.
6. Idem, pág. 285 a 287.
7. Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Edição Actualizada, Coimbra Editora, 1986, pág. 555 a 572.
8. Tratado de Direito Civil Português, Tomo I, 1999, Almedina, pág. 443 a 454.
9. Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Edição Actualizada, Coimbra Editora, 1986, pág. 500 e 501.
10. Idem, pág. 505 e 506.
11. Manuel Pita, Código Civil Anotado, Vol. I, 2017, Coordenação de Ana Prata, Almedina, pág. 302.
12. Carlos Alberto da Mota Pinto ob. cit., pág. 507 a 509.
13. Idem, pág. 517.
14. Manuel Pita, ob. cit., pág. 304.
15. Idem, pág. 302.
16. Carlos Alberto da Mota Pinto ob. cit., pág. 519.
17. Idem, pág. 524.