REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO
ADVOGADO
REJEIÇÃO LIMINAR
Sumário

Sumário:
I - Reafirma-se a obrigatoriedade de defesa técnica no processo penal, impondo-se que o requerimento de abertura de instrução seja subscrito por advogado, ainda que o arguido seja jurista ou advogado, conforme os artigos 61.º, 62.º e 64.º do Código de Processo Penal.
II - Interpreta-se o artigo 98.º do Código de Processo Penal como não permitindo que o arguido pratique actos processuais complexos ou estruturantes, como o requerimento de abertura de instrução, sem intervenção do defensor legalmente constituído.
III - Esclarece-se que o carácter não formalista do requerimento de abertura de instrução, previsto no artigo 287.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não dispensa a indicação clara e suficiente dos factos a provar e das diligências pretendidas.
IV - Afasta-se a aplicação automática do convite ao aperfeiçoamento, não se admitindo a sua utilização para suprir vícios graves de legitimidade ou conteúdo no requerimento de abertura de instrução.
V - Conclui-se que a rejeição liminar do requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade legal decorrente da ausência de assinatura do defensor e da insuficiência dos elementos substanciais exigidos, respeita os princípios constitucionais do Estado de Direito e da tutela da confiança jurídica

Texto Integral

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO
1.1. No âmbito do processo de com o número 133/18.7JAFUN, Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, Funchal - Juízo Instrução Criminal, o Mº Pº proferiu despacho de acusação, entre outros, contra o arguido AA pela alegada prática, em co-autoria material, na forma consumada, com dolo directo e em concurso efectivo real:
- 1 (um) crime protraído de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), do Código Penal, por referência aos artigos 10º, n.º 1, 14.º, n.º 1, 26.º, 28º, 30º, n.º 1, 77.º e 202.º, alíneas a) e b), do mesmo diploma;
- 1 (um) crime protraído de falsificação e contrafacção de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d), e) e f), do Código Penal, por referência aos artigos 10º, n.º 1, 14º, n.º 1, 26º, 28º, 30º, n.º 1, 77.º e 255.º, alínea a), do mesmo diploma;
- 1 (um) crime protraído de falsidade informática, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 3, da Lei do Cibercrime, por referência ao artigo 2º, alíneas a) e b), da mesma lei, e aos artigos 10º, n.º 1, 14º, n.º 1, 26º, 28º, 30º, n.º 1, e 77º do Código Penal.
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1.2. Notificado do despacho de acusação, o arguido AA, melhor identificada nos autos, requereu a abertura de instrução, pugnando pela não pronúncia.
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1.3. O Tribunal de Instrução Criminal rejeitou liminarmente o requerimento, invocando a sua inadmissibilidade legal, com fundamento em que o arguido, (i) embora advogado, não se pode autodefender no processo penal, sendo obrigatória a representação por advogado; e (ii) insuficiência do requerimento apresentado, por omitir as razões de facto e de direito em que se baseia e a indicação dos factos a provar.
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1.4. O arguido não se conformou com o despacho que não admitiu o requerimento de abertura de instrução e interpôs o presente recurso com as seguintes conclusões: (transcrição)
(…)

O despacho ora recorrido viola os artigos 1º e 2º da C.R.P na vertente do seu Estado de Direito Democrático.

O despacho ora recorrido viola o princípio da tutela da confiança jurídica ínsito e substanciado do Estado de Direito Democrático.

O facto de o requerimento de abertura da instrução estar assinado, somente, pelo arguido não é motivo suficiente e necessário para se concluir pela inadmissibilidade legal.

O facto de o requerimento da abertura da instrução não conter, desde logo, a indicação dos factos que se propõem provar, por depoimento e/ou documento, não é motivo, imediato, de rejeição por inadmissibilidade legal.

O despacho recorrido privilegiou a Justiça Formal em detrimento da Justiça Material.

Os artigos 286º (título III -A Instrução-Capítulo l-Disposições Gerais) a 310º do C.P.P visto de forma sistémica e holística não proíbem, nem consentem a rejeição do RAI, ab inicio, por não estarem indicados os factos que se propõem provar e/ou não estar assinado pelo defensor constituído.

O Tribunal "a quo" acerca da autodefesa e,/ou auto-representação de umas vezes não permite;

doutras permite-o ao analisar e decidir o requerimento de 12.02.2025 manuscrito pelo arguido.

O tribunal "a quo" em termos de defesa por autodefesa e/ou auto representação de umas vezes decide num sentido e noutras num outro sentido.

O requerimento de abertura de instrução, apresentado pelo arguido e por ele subscrito, não constitui, em si próprio, caso de inadmissibilidade legal da instrução.
10º
O Tribunal "a quo" confundiu inadmissibilidade legal da instrução com inadmissibilidade legal do Requerimento de Abertura de Instrução.
11º
O Requerimento de Abertura de Instrução, somente, se convolará em inadmissibilidade legal, se não for objecto de ratificação e/ou "aceitação" por parte do defensor nomeado.
12º
O artigo 149º do C.P.Civil, sendo aplicado, não pode ser visto e tido como uma prorrogação e/ou concessão de um novo prazo para a Instrução.
13º
A instrução, no seu quadro jurídico, tal qual vertido no artigo 5º deste articulado, pauta-se, por critérios de simplicidade e facultativos, e não de complexidade,
14º
Aliás, em bom rigor e salvo melhor entendimento, atento o conteúdo do artigo 287º,nº 2, in fine, do C.P.P, o RAI, quando aduzido pelo arguido, não está necessariamente obrigado a apresentar e indicar os factos que se propõe provar.
15º
A Justiça Formal a prevalecer sobre a Material é e constituí uma distorção ao Estado de Direito Democrático.
16º
O defensor do arguido ao aduzir este recurso está a privilegiar a Justiça Material e a dizer concorda com ela.
17º
O "convite" processual ao aperfeiçoamento do RAI e/ou usar o poder processual, aludido no artigo 149º do C.P.Civil, imponha-se e era devido pelo Tribunal "a quo".
(…)”
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1.5. O Ministério Público respondeu ao recurso, defendendo:
i. A inadmissibilidade legal do requerimento apresentado sem assinatura do advogado;
ii. A necessidade de o RAI conter razões de facto e de direito e indicação clara dos actos de instrução;
iii. A inexistência de obrigação de convite ao aperfeiçoamento neste contexto.
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1.6. Nesta instância, a Srª Procuradora Geral Adjunta, na intervenção a que se refere o art. 417º, n.º 1, do Código de Processo Penal, emitiu parecer no sentido de improcedência do recurso, acompanhando os fundamentos da decisão de 1.ª instância e da resposta ao recurso.
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1.7. Foi cumprido o artº 417º, nº 2 do Código de Processo Penal e não foi deduzida qualquer resposta.
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1.8. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, as questões a decidir são:
a. A admissibilidade de auto-representação no requerimento de abertura de instrução;
b. A não obrigatoriedade de indicar, de imediato, todos os factos a provar, face ao carácter não formalista do RAI;
c. A violação dos princípios constitucionais do Estado de Direito e da tutela da confiança jurídica;
d. A necessidade de convite ao aperfeiçoamento, em vez da rejeição liminar do RAI.
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2.2. Vejamos o teor da decisão recorrida: (transcrição)
“(…)
C. - fls. 4023 e ss. (arguido AA)
Vem o arguido AA pedir que seja declarada a instrução no âmbito do presente processo de inquérito judicial tendo em vista o arquivamento do mesmo, dado o arguido, nunca e momento algum, ter actuado com dolo e ou intenção criminosa, pelo contrário consubstanciado, na sua boa fé e que realizadas todas as diligência de instrução e respectivo debate instrutório, deverá a presente acusação pública ser arquivada, o que se suplica, tudo com suas legais consequências, nomeadamente arquivamento da causa relativamente ao ora arguido pelo mesmo não ter cometido qualquer um dos crimes que lhe são imputados pelo Ministério Público, nomeadamente burla qualificada e crime de falsidade informática erou falsificação e/ou contrafacção
Junta 7 requerimentos solicitando diligências, rol de 11 testemunhas e 2 documentos.
Tal requerimento de abertura de instrução mostra-se assinado pelo arguido.
A questão que desde loco se coloca é a de saber se o arguido, que se encontra devidamente representado por advogado (Il. Sr. Dr. BB), pode subscrever o RAI autorrepresentando-se.
Vem sendo entendido, estamos em crer de forma unânime, que os arguidos, no âmbito do processo penal têm que estar representados por advogado, estando vedada a auto-representação. Pois que no nosso ordenamento penal não se admite o princípio da auto - defesa em processo penal. Tal acontece para defesa dos próprios arguidos, perante a inegável vantagem de permitir que a defesa dos seus interesses seja feita de forma desapaixonada e de modo objectivo, traduzindo-se numa garantia mais acrescida no processo criminal, concretamente das garantias de defesa do arguido e de defesa dos interesses de ordem pública (cfr., entre outros, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 252/97 e 497/98, publicados no sítio daquele Tribunal).
Tome-se ainda boa nota neste sentido os acórdãos do STJ, de 18.04.2012; do TRP de 07.06.2006 e da decisão de 12.10.2011, TRL de 10.02.2009, CJ, 2009, T1, pag. 164; do TRE de 24.09.2013; do TRG de 06.05.2013 e de 18.12.2017, todos disponíveis em www.dgsi.pt e ainda do Tribunal Constitucional proferido no processo nº 58/2001, disponíveis no sítio do mesmo tribunal.
Para além disso, não vemos como não se aplicar estes considerando à fase da instrução, uma vez que, atentos os interesses em jogo, se afigura necessária a intervenção de advogado, com vista a garantir os elementares direitos de defesa do arguido (cfr. artigo 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa).
A defesa do arguido porque o instituto de defesa não é estabelecido ou consagrado apenas em favor do arguido, mas também para garantir o bom funcionamento da Justiça, tanto mais ser de presumir “uma perturbação do espírito do arguido”, que afectaria a segurança da defesa, que consubstancia um interesse de ordem pública (cf. Relatório correspondente à entrada n.º 814, de 9 de Setembro de 2011, aprovado pelo Conselho Geral da ordem dos Advogados, em 21/10/2011).
Não desconhecemos a divergência jurisprudencial e doutrinal tendente a perimir que o RAI possa ser subscrito pelo arguido quando se ater a questões de facto, entendimento este assente na leitura das alíneas 1) a g) do artigo 64º do Código de Processo Penal (cfr. Ac. da Relação de Coimbra de 3 de Junho de 2015: “Da convocação destas três normas, artº 63º, 64º e 98º, tendemos para uma solução eclética e casuística do caso que nos ocupa, ou seja, o requerimento para abertura de instrução pode ser subscrito pelo próprio arguido quando relatar unicamente questões de facto, traduzidas estas por acontecimentos naturalísticos e suas provas, mas não já quando envolva questões de direito suscitadas por aquelas que convocam conhecimentos jurídicos”).
No entanto, o nosso entendimento, é que a peça processual RAI terá de ser subscrita por advogado em representação do arguido tendo em conta a importância que a instrução reveste, especialmente para o arguido e os inerentes conhecimentos que a mesma exige, para garantir eficazmente o seu direito de defesa, impõe-se que, na instrução, o arguido seja necessariamente assistido por advogado, desde o requerimento de abertura de instrução, inclusive, pois que a circunstância de o requerimento de abertura de instrução não estar “sujeito a formalidades especiais” (cfr. artigo 287º, nº 2 do Código de Processo Penal) não invalida tal entendimento, pois tal respeita à forma de tal requerimento e não à subscrição ou substância do mesmo. Ainda assim sempre diremos que o arguido, sugere questão de direito e não somente de facto.
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Quanto à questão de saber se perante um requerimento de abertura de instrução, subscrito apenas pelo arguido, deve ou não ser notificado o seu defensor para vir ratificar tal requerimento, ou se tal requerimento deve ser desde logo rejeitado (no sentido afirmativo que perfilhamos, de que deve ser liminarmente rejeitado, Acórdão Relação de Guimarães de 9 de janeiro 2017:
“Salvo o devido respeito, não vemos qualquer fundamento legal para ordenar a notificação dos defensores e do arguido para juntarem aos autos requerimento com ratificação do processado, subscrito pelo defensor advogado, sob pena de inversão do instituto da ratificação, pois seria o advogado a ratificar o ato praticado pelo arguido, ou seja, o mandatário a ratificar o processado do mandante, quem está habilitado a praticar o ato a ratificar o processado de quem não tem capacidade”.
Conforme refere Pedro Frias “Um olhar destapado sobre o conceito de inadmissibilidade da instrução”, Revista Julgar, Coimbra Editora, nº 19 pág 123, que a densificação das duas primeiras causas de rejeição previstas no artigo 287º nº 3, “não é tarefa difícil” (…) “Agora, bem mais complexa é a situação da inadmissibilidade legal da instrução porque se trata, estamos em crer, de um conceito aberto, ou pelo menos, sem referente próximo e evidente, ao contrário do que sucede com as outras duas causas de rejeição”.
Atente-se ainda no sumário do acórdão do STJ de 22 de Abril de 2021 procº 35/20.7TREVR.S1:
“IV - Se os fundamentos de rejeição do RAI são taxativos (art. 287.º/3, do CPP), – a) requerimento de abertura de instrução extemporâneo, b) incompetência do juiz ou c) inadmissibilidade legal da instrução –, a taxatividade é mitigada por uma cláusula geral a «inadmissibilidade legal da instrução».
V - A inadmissibilidade legal da instrução pode derivar quer de norma expressa, como no caso do art. 286.º/3, do CPP, quer implicitamente, quando falta a legitimidade ao requerente da instrução, quando a instrução é requerida contra desconhecidos, quando é requerida pelo assistente relativamente a crime particular, etc”.
É assim que somos do entendimento que nessa cláusula geral de inadmissibilidade legal da instrução, se enquadra a situação do RAI ser subscrito pelo arguido e não pelo seu advogado.
Atente-se que ainda que assim não fosse dispondo oArtigo 287.º do Código de Processo Penal:
Requerimento para a abertura da instrução
1 - A abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento:
a) Pelo arguido, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação; ou
b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação.
2 - O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º Não podem ser indicadas mais de 20 testemunhas.
3 - O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
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A referida norma estabelece como requisito único a que deve obedecer o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo arguido, a indicação, sem sujeição a formalidades especiais e por súmula, das razões de facto e de direito da sua discordância relativamente à acusação. A esta exigência acrescerá, apenas caso o requerente o pretenda, a indicação dos actos de instrução que pretende que o juiz promova, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, espera provar, exigências que aderem forçosamente à própria natureza da fase de instrução, cosidas com a definição do respectivo objecto.
Daí que lhe seja exigido que enuncie as razões que o opõem à decisão de deduzir acusação e para além disso, também lhe exigido que se pretende refutar os indícios que determinaram a produção de uma acusação contra si, através da produção de prova que não considerada na fase de inquérito ou que não foi adequadamente produzida, o ónus de especificação dos actos instrutórios a praticar (requerimentos probatórios e prova testemunhal) e da finalidade a que todos eles se destinam.
Tais requisitos não correspondem, a qualquer formalidade mais ou menos útil, antes consubstanciam o objecto da pronúncia exigida ao juiz de instrução criminal e a sua omissão não pode ter outra consequência que não seja a. imediata rejeição da instrução requerida pelo arguido.
No caso dos autos, verifica-se que relativamente às 11 testemunhas cuja audição se requer, nada se especifica relativamente àquele meio de prova (não foram considerados no inquérito ou não foram adequadamente produzidos?), quais os factos a que através dos seus depoimentos se espera provar? A que finalidade se destinam?
Ora, obrigando o art. 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, à taxativa indicação dos factos a provar, a fim de que o magistrado instrutor possa aquilatar da sua utilidade à decisão da causa, em termos de evitar a prática de actos inúteis, conducentes à dilação processual, nada disso foi concretizado pelo arguido, a omissão daquela exigência enquadrando-se na 2.ª parte do nº2 do artigo 287 do Código de Processo Penal, determinaria sempre a a nulidade do RAI.
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Pelo exposto, rejeito o requerimento para abertura da instrução de fls. 4023 e ss., deduzido pelo arguido AA e por ele subscrito, por inadmissibilidade legal da instrução nos termos do artigo 287º, nº3 do Código de Processo Penal.
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Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC, nos termos do artigo 8º, nº 5 e Tabela III, do RCP.
Notifique.
(…)
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2.3. Apreciemos
2.3.1. A admissibilidade de auto-representação no requerimento de abertura de instrução
O ordenamento jurídico-processual penal português consagra, como corolário indissociável dos princípios estruturantes do Estado de Direito e da efectividade das garantias de defesa, a obrigatoriedade da defesa técnica do arguido em sede de processo penal, especialmente nas fases procedimentais que, pela sua natureza e complexidade, implicam um confronto directo com o poder punitivo do Estado. Esta imposição normativa não se configura como um direito disponível do arguido, mas antes como uma garantia objectiva de boa administração da justiça, visando assegurar que a defesa se realize de forma isenta, independente, tecnicamente qualificada e desapaixonada.
Tal entendimento decorre, desde logo, da conjugação dos artigos 61.º, 62.º e 64.º do Código de Processo Penal, os quais estabelecem, respectivamente, o estatuto de direitos e deveres processuais do arguido, o direito à escolha de defensor e a obrigatoriedade de assistência por defensor nos momentos processuais cruciais, nomeadamente sempre que tenha sido deduzida acusação, durante a instrução e na audiência de julgamento. Com efeito, o artigo 64.º do código processual penal determina de forma expressa e inequívoca que o arguido é obrigatoriamente assistido por defensor em tais circunstâncias, sem ressalva ou discriminação relativa à qualidade profissional do arguido, ainda que o mesmo detenha habilitação jurídica ou esteja inscrito na Ordem dos Advogados.
Este regime jurídico consubstancia a consagração, em sede processual penal, do princípio da defesa técnica obrigatória, a qual se impõe independentemente da vontade do arguido e independentemente da sua formação académica ou profissional. A ratio subjacente a esta imposição reside na necessidade de garantir a efectividade do contraditório e da igualdade de armas, bem como de assegurar que o processo penal decorra segundo padrões de objectividade, tecnicidade e salvaguarda dos direitos fundamentais, afastando o risco de intervenções emocionais, descoordenadas ou tecnicamente deficiências que poderiam comprometer a integridade da justiça penal.
A inadmissibilidade da auto-representação do arguido em processo penal, incluindo nos actos processuais estruturantes como o requerimento de abertura de instrução.
O artigo 98.º do Código de Processo Penal dispõe que “o arguido, ainda que em liberdade, pode apresentar exposições, memoriais e requerimentos em qualquer fase do processo, embora não assinados pelo defensor, desde que se contenham dentro do objeto do processo ou tenham por finalidade a salvaguarda dos seus direitos fundamentais”. Esta norma, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, deve ser interpretada de forma sistemática e teleológica, atendendo não apenas à sua literalidade, mas também aos princípios estruturantes do processo penal, designadamente os princípios da defesa técnica, da igualdade de armas e do contraditório.
Destaca-se, também, o estudo publicado na Revista do Ministério Público n.º 154 (Abril - Junho de 2018), da autoria do ora Relator, e que esclarece que o artigo 98.º do CPP não pode, em circunstância alguma, ser interpretado como uma autorização genérica para que o arguido, mesmo sendo advogado, pratique actos processuais que, pela sua natureza e complexidade, exijam defesa técnica qualificada. Antes, esta norma consagra uma faculdade de intervenção mitigada do arguido, limitada à apresentação de elementos de facto ou à invocação de direitos fundamentais, sem suscitar questões jurídicas, sem formular pretensões processuais estruturantes e sem se substituir à actuação do defensor.
A interpretação sistemática do artigo 98.º do CPP, em conjugação com o artigo 64.º do mesmo diploma e com o Estatuto da Ordem dos Advogados, revela que a defesa técnica é um imperativo de ordem pública e que a intervenção directa do arguido só é admissível em moldes restritos, precisamente para salvaguardar o interesse público de uma justiça penal isenta, objectiva e eficaz.
É neste contexto que se insere o requerimento de abertura de instrução, acto processual cuja admissibilidade, conteúdo e formalidades se encontram densamente regulados pelo artigo 287.º do Código de Processo Penal, o qual exige a intervenção de defensor, a formulação de razões de facto e de direito, a indicação de actos de instrução e a delimitação de factos a provar, em termos que ultrapassam claramente a admissível intervenção directa do arguido ao abrigo do artigo 98.º do CPP.
Nos termos do artigo 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento, pelo arguido ou pelo assistente, conforme aplicável. O n.º 2 da mesma disposição legal estabelece que o requerimento de abertura de instrução, não obstante não estar sujeito a formalidades especiais, deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito que sustentam a discordância face à acusação, bem como, quando aplicável, a indicação dos actos de instrução pretendidos, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar.
Esta exigência normativa demonstra, de forma inequívoca, que o requerimento de abertura de instrução, não obstante a aparente simplicidade formal, implica a articulação de fundamentos jurídicos, a delimitação rigorosa do objecto da instrução e a enunciação de estratégias processuais, elementos que, pela sua natureza, exigem domínio técnico e intervenção qualificada por parte do defensor.
Ora, sendo o requerimento de abertura de instrução um acto processual eminentemente técnico, que implica a prática de actos reservados ao defensor, a sua subscrição pelo arguido, ainda que advogado, é inadmissível, por violar o disposto no artigo 64.º do Código de Processo Penal e comprometer as garantias de defesa técnica, as quais são inalienáveis e irrenunciáveis. Esta inadmissibilidade não resulta apenas de uma leitura literal da lei, mas antes decorre de uma interpretação sistemática e teleológica, que privilegia a eficácia da defesa, a imparcialidade do processo penal e a salvaguarda do interesse público.
No caso concreto dos autos, o arguido, sendo advogado e estando assistido por defensor legalmente nomeado, subscreveu pessoalmente o requerimento de abertura de instrução, enunciando fundamentos jurídicos, questionando a existência de dolo e peticionando o arquivamento do processo, o que, manifestamente, excede o âmbito permitido ao abrigo do artigo 98.º do CPP e configura uma prática inadmissível de auto-representação em sede de acto processual técnico.
Conforme resulta dos elementos constantes dos autos, o arguido AA, advogado de profissão, encontrava-se formalmente assistido por defensor legalmente nomeado no processo penal em apreço. Não obstante tal circunstância, o arguido optou por subscrever pessoal e exclusivamente o requerimento de abertura de instrução, formulando, nesse âmbito, pretensões jurídicas, questionando fundamentos substanciais da acusação e peticionando o arquivamento do processo, invocando, para o efeito, elementos jurídicos e estratégias processuais que extravasam claramente o domínio de intervenção admitido ao abrigo do artigo 98.º do Código de Processo Penal.
O tribunal de instrução criminal, ao tomar conhecimento desta actuação processual, proferiu despacho de rejeição liminar do requerimento de abertura de instrução, fundamentando a decisão em dois eixos jurídicos distintos, mas complementares: por um lado, a inadmissibilidade da auto-representação do arguido em sede de acto processual técnico, como o requerimento de abertura de instrução; por outro lado, a verificação de insuficiências formais e substantivas no próprio requerimento, designadamente a omissão de factos a provar e a ausência de indicação clara de actos de instrução pretendidos, em violação do disposto no artigo 287.º do CPP.
A prática deste acto, sem a assinatura do defensor, compromete a defesa técnica, viola a estrutura legal do processo penal e legitima, por conseguinte, a rejeição liminar do requerimento, por inadmissibilidade legal, nos termos do artigo 287.º, n.º 3 do Código de Processo Penal.
Em segundo lugar, o requerimento subscrito pelo arguido apresenta, efectivamente, deficiências estruturais, uma vez que não identifica de forma adequada os factos que se pretendia provar, não indica claramente os actos de instrução pretendidos e se limita a enunciações genéricas e conclusivas, em violação das exigências mínimas de conteúdo estabelecidas no artigo 287.º, n.º 2, do CPP.
Face ao exposto, conclui-se que o despacho judicial de rejeição do requerimento de abertura de instrução, nos termos em que foi proferido, se encontra plenamente justificado, sendo a sua manutenção imperativa para salvaguarda da legalidade, das garantias de defesa técnica e do regular funcionamento da justiça penal.
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2.3.2. A não obrigatoriedade de indicar, de imediato, todos os factos a provar, face ao carácter não formalista do RAI
O requerimento de abertura de instrução, previsto no artigo 287.º do Código de Processo Penal, constitui um dos instrumentos processuais colocados à disposição do arguido (in casu) para reagir contra uma acusação deduzida no âmbito do processo penal, procurando, assim, submeter o despacho acusatório a um controlo jurisdicional prévio e autónomo. A instrução, na arquitectura do processo penal português, visa evitar que se remetam a julgamento factos ou agentes relativamente aos quais não subsistam indícios suficientes de prática de crime, funcionando, por conseguinte, como uma garantia de defesa e de filtro processual.
A lei processual penal estabelece que o requerimento de abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, devendo conter, em súmula, as razões de facto e de direito da discordância do requerente relativamente à acusação, bem como, caso o requeira, a indicação dos actos de instrução pretendidos, dos meios de prova não considerados no inquérito e dos factos que, através desses elementos, se espera provar.
Ora, importa dizer que, embora o artigo 287.º, n.º 2, do CPP consagre que o requerimento de abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, tal disposição não pode ser interpretada de forma isolada, nem, muito menos, como uma supressão de requisitos substanciais mínimos imprescindíveis à delimitação do objecto da instrução. A informalidade referida na lei processual penal visa evitar constrangimentos meramente formais ou tecnicismos processuais que obstem ao acesso do arguido à instrução, mas não isenta o requerente da necessidade de cumprir um núcleo mínimo de requisitos que permitam ao juiz de instrução e às restantes partes compreender, com rigor suficiente, o objecto, o alcance e a finalidade do requerimento.
Tal entendimento resulta da própria sistemática do processo penal e da função específica da instrução. Com efeito, a instrução não é um mero prolongamento do inquérito nem um espaço para debates abstractos, mas um incidente processual autónomo e estruturado, com o propósito exclusivo de apreciar, à luz dos elementos de prova relevantes, se existem indícios suficientes para submeter o arguido a julgamento. Para que esta finalidade se concretize, é imperioso que o requerimento de abertura de instrução delimite, de forma clara e objectiva, os factos que o requerente pretende ver provados ou infirmados, bem como as diligências de instrução que considera pertinentes.
Ou seja, apesar da informalidade prevista no artigo 287.º, n.º 2, do CPP, o requerimento deve conter elementos mínimos que permitam ao juiz delimitar o objecto da instrução e aferir da sua admissibilidade legal. A omissão de indicação clara e substancial dos factos a provar ou das diligências pretendidas compromete a funcionalidade e a legalidade da instrução, legitimando a rejeição liminar do requerimento.
Sublinhe-se que a instrução, enquanto fase autónoma, está sujeita a prazos peremptórios e a um regime legal que visa garantir a celeridade, a eficácia e a objectividade do processo penal. Admitir requerimentos de abertura de instrução carentes de conteúdo mínimo, sob o pretexto da informalidade legal, conduziria à proliferação de requerimentos genéricos, à banalização da instrução e à inutilização prática dos mecanismos de controlo judicial previstos no CPP.
Por conseguinte, ao contrário do que sustenta o recorrente, a rejeição liminar do requerimento de abertura de instrução com fundamento na insuficiência da indicação dos factos a provar não traduz um formalismo excessivo, mas antes a concretização legítima e necessária das exigências legais de substância e de funcionalidade do processo penal. Tal decisão encontra-se em conformidade não apenas com o espírito e a letra do artigo 287.º do CPP, mas também com os princípios estruturantes do processo penal, designadamente a legalidade, o contraditório, a defesa técnica e a celeridade processual.
Aceitar a argumentação do ora recorrente de que o carácter não formalista do requerimento de abertura de instrução permitiria a omissão da indicação dos factos a provar ou a sua formulação em termos vagos, genéricos ou desprovidos de substância comprometeria a funcionalidade do processo penal e a própria finalidade da instrução. Tal entendimento conduziria a uma utilização abusiva ou especulativa da instrução, transformando esta fase processual em palco de meros procedimentos dilatórios, esvaziando o controlo jurisdicional da acusação e gerando, inevitavelmente, entropias processuais contrárias ao interesse público de uma justiça célere, eficaz e orientada para a descoberta da verdade material.
No caso concreto dos autos, o requerimento de abertura de instrução subscrito exclusivamente pelo arguido, para além de padecer de vício insanável de falta de defesa técnica, não cumpre os requisitos mínimos de substância exigidos pelo artigo 287.º, n.º 2, do CPP, designadamente no que se refere à indicação clara dos factos a provar e à delimitação dos meios de prova pertinentes.
O tribunal a quo decidiu e bem em rejeitar liminarmente o requerimento, prevenindo, assim, o uso abusivo ou improdutivo desta fase processual.
Tal decisão, longe de configurar um formalismo excessivo, traduz uma aplicação rigorosa e equilibrada do quadro normativo aplicável, salvaguardando simultaneamente as garantias de defesa do arguido e os imperativos de eficiência e celeridade processual. A rejeição do requerimento, fundada na insuficiência da indicação dos factos a provar, não viola, pois, o espírito e a letra do artigo 287.º do CPP, antes concretiza os princípios constitucionais da legalidade, da tutela jurisdicional efectiva e do devido processo legal.
Em face do exposto, conclui-se que a decisão judicial recorrida, ao rejeitar liminarmente o requerimento de abertura de instrução com base na insuficiência da indicação dos factos a provar, se encontra plenamente conforme ao direito vigente.
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2.3.3. A violação dos princípios constitucionais do Estado de Direito e da tutela da confiança jurídica
Importa proceder à delimitação conceptual e jurídica dos princípios invocados, sob pena de se incorrer em generalizações abusivas ou em interpretações descontextualizadas. O princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), constitui o alicerce fundamental da ordem jurídica nacional, exigindo que o exercício do poder público, incluindo o poder punitivo do Estado, se desenvolva sob o império da lei, no respeito pelas garantias dos cidadãos, pela legalidade, pela segurança jurídica e pela protecção da confiança legítima.
Por seu turno, a tutela da confiança jurídica emerge como um corolário do Estado de Direito, visando assegurar que os cidadãos possam confiar na estabilidade, previsibilidade e coerência da actuação dos órgãos públicos e na aplicação do direito, prevenindo alterações arbitrárias, retroactividade normativa ou decisões surpreendentes que afectem de forma inadmissível posições jurídicas consolidadas.
Não obstante, cumpre reconhecer que tais princípios, embora estruturantes, não se configuram como garantias absolutas, incondicionadas ou impermeáveis ao regime legal vigente. Pelo contrário, a sua concretização opera-se em articulação com as regras e procedimentos estabelecidos pelo legislador, sendo compatível com a imposição de requisitos legais objectivos, com a exigência de defesa técnica e com o cumprimento de formalidades substanciais mínimas nos actos processuais.
Neste sentido, invocar a violação do Estado de Direito ou da tutela da confiança jurídica com fundamento na rejeição liminar do requerimento de abertura de instrução, por incumprimento de requisitos legais expressos, constitui uma argumentação juridicamente insustentável, porquanto parte de uma premissa errada: a de que o arguido teria um direito incondicional e absoluto a apresentar o requerimento de instrução em quaisquer termos, independentemente do cumprimento das exigências legais, designadamente da necessidade de subscrição do requerimento por advogado e da indicação suficiente dos factos a provar.
No caso concreto, a rejeição do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido encontra-se plenamente conforme ao regime legal, em particular ao artigo 287.º do Código de Processo Penal, o qual exige a subscrição do requerimento por advogado e a indicação, ainda que sucinta, dos factos a provar. A omissão destes requisitos não pode ser ignorada ou sanada sob o pretexto da tutela da confiança ou do Estado de Direito, sob pena de se subverter o próprio funcionamento do sistema jurídico e de se comprometer a eficácia e a racionalidade do processo penal.
De igual modo, a tutela da confiança jurídica não impede que sejam aplicadas as consequências legais decorrentes do incumprimento dos requisitos processuais, designadamente a rejeição liminar do requerimento, quando este não preenche as exigências estabelecidas na lei. Admitir o contrário implicaria conferir ao arguido uma posição de privilégio incompatível com o princípio da igualdade e com o regular funcionamento da justiça penal.
Em conclusão, a decisão judicial que rejeitou o requerimento de abertura de instrução, nos termos em que o fez, respeita integralmente os princípios constitucionais do Estado de Direito e da tutela da confiança jurídica, concretizando-os na medida em que assegura a legalidade, a previsibilidade e a coerência do processo penal, prevenindo actuações arbitrárias, deficientes ou processualmente inadmissíveis.
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2.3.4. A necessidade de convite ao aperfeiçoamento, em vez da rejeição liminar do RAI
O convite ao aperfeiçoamento é uma figura de cariz eminentemente civilístico1, aplicável por via subsidiária ao processo penal apenas quando se verifique uma lacuna e quando tal aplicação não contrarie as especificidades do regime penal. O processo penal, regido por princípios próprios, nomeadamente o princípio da legalidade, da estrutura acusatória e da celeridade processual, não admite a transposição automática de institutos processuais civis, sobretudo quando estejam em causa prazos peremptórios e requisitos que a lei processual penal qualifica como pressupostos de admissibilidade.
No que respeita ao requerimento de abertura de instrução, o artigo 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal elenca, de forma taxativa, os fundamentos que legitimam a sua rejeição liminar: (a) apresentação extemporânea, (b) incompetência do juiz e (c) inadmissibilidade legal da instrução. Esta inadmissibilidade legal abrange as situações em que o requerimento é apresentado por sujeito processual sem legitimidade ou em que o próprio conteúdo do requerimento é insuficiente ou desconforme com as exigências legais mínimas.
O convite ao aperfeiçoamento destina-se, no quadro processual penal, a sanar deficiências meramente formais ou imprecisões susceptíveis de correcção imediata, nunca podendo ser invocado para permitir a ratificação de actos processuais cuja prática é legalmente vedada ao requerente ou que enfermem de vícios substanciais e insanáveis. É, pois, de afastar o convite ao aperfeiçoamento quando está em causa a ausência de assinatura de advogado em acto que a lei reserva ao defensor, pois tal omissão não constitui uma mera irregularidade ou deficiência formal, mas antes um vício grave que afecta a própria admissibilidade do acto.
Por conseguinte, a tese de que o tribunal deveria ter convidado o arguido a suprir as deficiências do requerimento de abertura de instrução, designadamente a ausência de assinatura do defensor ou a falta de indicação dos factos a provar, não encontra sustentação no quadro normativo aplicável. O regime do processo penal impõe o cumprimento rigoroso dos requisitos legais, designadamente no que concerne à defesa técnica obrigatória e à estruturação mínima do requerimento, não sendo admissível transpor, de forma automática ou acrítica, o instituto civilista do convite ao aperfeiçoamento para situações em que o acto processual padece de vício insanável.
Admitir o contrário implicaria conferir ao arguido uma posição de privilégio processual não prevista na lei, desvirtuando o regime de defesa técnica e comprometendo a eficácia e celeridade da fase de instrução. O convite ao aperfeiçoamento tem cabimento, por exemplo, em situações de insuficiência de elementos acessórios, como a omissão de anexação de documento comprovativo ou erro material na identificação de testemunhas, mas não em situações como a dos autos, em que o requerimento é apresentado por quem carece de legitimidade para o subscrever, ou quando o conteúdo do requerimento é manifestamente insuficiente para definir o objecto da instrução.
Termos em que, também nesta parte, improcede o resurso.
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III - DECISÃO.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Condena-se o recorrente em 4 (quatro) UC’s de taxa de justiça (arts. 515º nº 1 b) do Código de Processo Penal e 8º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, conjugado este com a Tabela III anexa a tal Regulamento.
Notifique.

Tribunal da Relação de Lisboa, data e assinatura digitais
(Texto elaborado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP).
conforme acordo ortográfico antigo

10 de Julho de 2025
Alfredo Costa
João Bártolo
Carlos Alexandre
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1. Cfr. arts. 590º, nº 2 b); 734º, nº 1 e 1100 nº 1 a), todos do CPC