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INSTRUÇÃO
MEDIDAS DE COACÇÃO
PRISÃO PREVENTIVA
PRIMEIRO INTERROGATÓRIO JUDICIAL
Sumário
Sumário: I – O juízo indiciário e de aplicação de medidas de coacção, em sede de primeiro interrogatório, tem apenas por base todos os elementos de prova apresentados ao arguido, como da acta do interrogatório consta e nos exactos termos subsumidos à consideração do Juiz de Instrução Criminal pelo Ministério Público, quando submeteu este arguido a interrogatório judicial. II - No artigo 32º do CRP, concentram-se os mais importantes princípios materiais do processo penal, sendo o seu nº 1 - o processo criminal assegura todas as garantias de defesa incluindo o recurso - a condensação de todas as normas que constam nos demais números. III - Do exercício do direito a declarar por parte do arguido, relativamente aos factos indiciariamente imputados, não se presume a não existência do perigo de continuação da actividade criminosa. IV - Não se cuida de prender para investigar, outrossim, se pretende prevenir que quem está a ser investigado, possa continuar a praticar actos semelhantes, durante o tempo necessário ao apuramento da verdade material. (elaborado pela CIJ)
Texto Integral
Acordam os Juízes que constituem a Conferência nesta 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
O arguido AA recorreu do despacho proferido pelo Juízo de Instrução Criminal de Sintra – Juiz 2, que lhe aplicou a medida de coação de prisão preventiva, no interrogatório judicial de arguido detido fora de flagrante delito.
O arguido apresentou motivação, formulando as seguintes conclusões:
1. Em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, foi o Arguido sujeito à aplicação da medida de coação de prisão preventiva, por indícios da alegada prática em co-autoria de dois crimes de roubo, p. e p. pelo art. 210º do CP.
2. Com o devido respeito pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, não ajuizou de forma correcta o Tribunal Recorrido ao decidir-se pelo Despacho de Aplicação da Medida de Coação de Prisão Preventiva.
3. Homenageia o disposto no art. 32º nº 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), que todo o Arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença condenatória, e atendendo ao sistema penal actual e vigente, é de carácter excepcional a medida de coação de prisão preventiva.
4. Prescreve o art. 204º do CPP que “Nenhuma medida de coação, à excepção da prevista no art. 196º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida:
- Fuga ou perigo de fuga;
- Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou,
- Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.”
5. No que respeita às condições pessoais, e sócio-económicas, referiu o Arguido de forma clara, espontânea e credível, que residia na ..., contudo, essa habitação é de arrendamento, e o contrato de arrendamento foi denunciado, não se encontrando desta forma a habitação disponível.
6. O Arguido e aqui Recorrente, tem uma habitação sita em ..., concelho de ..., composto por uma casa térrea, com r/c, 1º andar e sótão.
7. Nessa habitação, reside a filha do Arguido e aqui Recorrente, no r/c, que é composto por 3 quartos, 1 wc, 1 cozinha e 1 salão, com o seu cônjuge, 2 filhos, e um neto, no 1º andar reside a esposa do Arguido e aqui Recorrente, que é composto por 2 quartos, 1 cozinha, 1 wc e 1 salão, sendo que ainda no sótão existem 6 quartos.
8. A habitação supra descrita tem ainda um logradouro com 1 armazém, com cerca de 15 m2, nas traseiras e um quintal na frente com cerca de 6m2 de cumprimento e 15m2 de largura.
9. O Arguido e aqui Recorrente, aufere uma reforma de cerca de €3.200,00.
10. Relativamente aos requisitos do art. 204º do CPP, não há qualquer indício nos autos e/ou prova bastante que permita concluir que existe fuga ou perigo de fuga, até porque o Arguido tem residência fixa e uma actividade profissional (ainda que momentaneamente esteja desempregado), pelo que não há, em nosso entender, qualquer perigo de se perder o rasto do Arguido ou de se desconhecer o seu paradeiro.
11. Pelo que, entende o Recorrente que não se mostra preenchido o requisito da alínea a) do art. 204º do CPP.
12. Quanto à alínea b) do mesmo preceito legal, entende o Recorrente que também o mesmo não se mostra preenchido nos presentes autos, na medida em que o tipo de crime de que vem indiciado e o facto de ser possível prevenir o decurso normal do inquérito e a aquisição e conservação das provas, com a imposição ao Arguido de outra medida de coação menos gravosa, especialmente a obrigação de permanência na habitação eventualmente cumulada com a proibição de contactos com o Ofendido por qualquer meio.
13. Por último e no que se refere ao requisito da alínea c) do art. 204º do CPP, julga o Recorrente, que existem outras medidas de coação que evitam devidamente que o Arguido não possa continuar a actividade criminosa ou que perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas, especialmente a obrigação de permanência na habitação com recurso à fiscalização através da utilização de meios técnicos de controlo à distância, ao abrigo do disposto no art. 201º nºs 1 e 3 do CPP.
14. Pelo que, também este pressuposto não se verifica nos presentes autos, tendo em conta a excepcionalidade da aplicação da prisão preventiva.
15. Tendo em conta todo o supra exposto, julga o Arguido e ora Recorrente, que será suficiente a sujeição à obrigação de permanência na habitação, medida de coação prevista no art. 201º do CP, eventualmente fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância e a proibição de contactar, por qualquer meio, com o Ofendido.
16. Em suma, atenta a debilidade da prova carreada para os autos e a não verificação dos pressupostos do art. 204º do CPP, e bem assim a violação das normais legais previstas nos arts. 27º, 28º e 32º nº 2 da CRP e 191º a 193º do CPP, deve ser substituída a actual medida de coação aplicada ao Arguido e aqui Recorrente de prisão preventiva pela medida de coação de obrigação de permanência na habitação com recurso à fiscalização por meios técnicos de controlo à distância e a proibição de contactar por qualquer meio com os Ofendidos, fazendo-se assim a almejada justiça!
O Ministério Público apresentou a resposta, pugnando pela improcedência do recurso, não tendo formulado conclusões.
O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação de Lisboa, emitiu parecer em 17/06/2025, corroborando a posição expressa em primeira instância.
Os autos foram a vistos e à conferência.
Do âmbito do recurso e da decisão recorrida:
O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo Recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal ad quem, apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º n.º 2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – cfr. Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º nº 1 e 412º nºs 1 e 2, ambos do CPP.
Em face da motivação, são as seguintes as questões a considerar:
- Ocorreu violação das normais legais previstas nos artigos 27º, 28º e 32º nº 2 da CRP e 191º a 193º e 204º, alíneas a), b) e c) do CPP?
- Ocorreu violação do artigo 201º, nº 1 do CPP?
O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição parcial):
Motivos da Detenção:
O arguido foi detido fora de flagrante delito, ao abrigo do disposto no artigo 254.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal, porquanto recaem sobre si fundadas suspeitas de que terá praticado factos que traduzem a
1 (um) crime de violência doméstica agravada (sobre a pessoa de BB) p. e p. pelo artigo 152º, nºs 1, al: b) e 2, al: a), 4 e 5 do Código Penal, com pena de prisão de dois a cinco anos;
3 (três) crimes de violência doméstica agravada (sobre as pessoas de CC, DD e EE) p. e p. pelo artigo 152º, nºs 1, als: e) e d), 2, al: a), 4 e 5 do Código Penal, com pena de prisão de dois a cinco anos; e
79 (setenta e nove) crimes de violação, p. e p. pelos artigos 164º, n.º 1, al: a) e 177º, nº 1, al: b), do Código Penal, com pena de prisão de um ano e 4 meses a oito anos.
Factos imputados:
1. O arguido AA e a vítima BB (doravante BB) viveram em comunhão de leito, mesa e habitação, como marido e mulher, durante 13 anos, período compreendido entre os dias ...-...-2011 e ...-...-2024.
2. A vítima tem quatro filhos de um anterior relacionamento, FF (doravante FF) nascido a ...-...-2004, CC (CC) nascida a ...-...06, DD (DD) nascido a ...-...-2008 e EE (EE) nascida a ...-...-2009, que compunham o agregado familiar.
3. O agregado familiar viveu no ... até ... de 2015, data em que o casal regressou a Portugal, juntamente com as crianças, tendo fixado residência numa casa da propriedade do arguido, sita na ....
4. O casal separou-se definitivamente em ...-...-2024, quando a vítima abandonou a residência familiar, juntamente com os seus quatro filhos, fixando residência numa casa arrendada em seu nome, sita na ....
5. O arguido é reformado há vários anos e não tem qualquer ocupação, viajando com frequência para o ..., com regularidade trimestral, onde permanece cerca de uma semana, local onde se encontram alguns familiares e onde mantém acompanhamento médico, e para ..., concelho de ..., em ..., onde reside a filha e os netos.
6. A vítima encontra-se neste momento desempregada.
7. O arguido não aceita a separação.
8. A vítima não pretende reatar a relação amorosa com o arguido e iniciou uma relação de namoro com outra pessoa em ... de 2025.
9. O arguido foi sempre uma pessoa agressiva para com a vítima e manipulador em relação aos filhos desta.
10. Durante a relação, por várias vezes, em datas não concretamente apuradas, com uma frequência quase diária, no interior da residência familiar e na presença dos filhos da vítima menores de idade, o arguido disse a BB “puta”, “filha da puta”, “cabra”, que “não prestava”, “não era ninguém na vida”, “se o deixasse iria ser como a irmã”, bem como disse aos filhos desta, seus enteados, que “a mãe não prestava e era uma merda”, “eram todos iguais” e “se não fosse ele, passavam fome”.
11. Durante a relação, por várias vezes, em datas não concretamente apuradas, com uma frequência de uma ou duas vezes por ano, no interior da residência familiar, o arguido desferiu empurrões com que atingiu o corpo da vítima.
12. Assim, no primeiro episódio, ocorrido em data não concretamente apurada, situada no ano de 2014, à noite, na residência familiar do ..., na sequência de uma discussão, o arguido desferiu um empurrão na BB.
13. Em data não concretamente apurada, situada no ano de 2016, na residência familiar de ..., na sequência de uma discussão, o arguido desferiu um empurrão na BB, o que lhe provocou desequilíbrio e queda ao chão, tendo esta embatido com a cabeça.
14. A situação descrita no ponto que antecede ocorreu na presença dos filhos da vítima, que à data ainda eram todos menores de idade.
15. Em data não concretamente apurada, situada no ... de 2023, na residência familiar de ..., na sequência de uma discussão, o arguido desferiu um empurrão na BB, projectando o corpo desta contra a parede e de seguida, ergueu a mão para lhe desferir uma bofetada, momento em que a EE se colocou entre ambos, fazendo cessar o comportamento do arguido.
16. Como consequência directa e necessária dessas condutas do arguido, a vítima BB sentiu dor, mas não recebeu assistência médica.
17. Durante a relação, esporadicamente, em datas não concretamente apuradas, no interior da residência familiar, a BB recusou-se a ter relações sexuais e o arguido forçou-a, manietando-a para o efeito.
18. No último ano e meio de relação (desde ... de 2023 até ... de 2024) esses episódios começaram a ocorrer com uma frequência semanal, perante a recusa da BB em ter relações sexuais com o arguido.
19. Nessas ocasiões, que ocorreram 79 (setenta e nove) vezes, pelo menos, o arguido agarrou a BB pelos braços e colocou o seu corpo sobre o dela, com os joelhos a exercer pressão sobre as pernas desta, de modo a quebrar a sua resistência, imobilizando-a, após o que introduziu o seu pénis recto na vagina da vítima, contra a vontade da vítima, que tentou sempre repelir e afastar o arguido, o que não conseguiu.
20. Como consequência directa e necessária dessas condutas do arguido, a BB sentiu dor, repulsa e sentiu-se humilhada e diminuída na sua dignidade.
21. No último ano e meio de relação, a vítima tentou várias vezes terminar a relação amorosa, mas quando abordava o tema da separação, o arguido dizia que se matava, privando-se ela de concretizar a sua vontade por receio e pelos filhos.
22. Aquando da separação em ...-...-2024, a vítima passou a residir com os filhos numa casa arrendada em seu nome, sita na ....
23. Desde a separação que o arguido se desloca à porta da residência da BB, várias vezes ao dia e sem avisar previamente, a pretexto de ver os “enteados”, apesar desta ter continuado a fomentar a relação dele com os seus filhos.
24. Após a separação, por várias vezes, em datas não concretamente apuradas, com uma frequência ainda não concretamente apurada, na presença dos filhos da BB, DD e EE, menores de idade, o arguido disse a BB “puta”, “filha da puta”, “cabra”.
25. Após a separação, por várias vezes, em datas não concretamente apuradas, o arguido disse a BB “se não és minha, não vais ser de mais ninguém”.
26. Em data não concretamente apurada, situada em ... de 2024, no interior da residência da vítima, no contexto de uma discussão, o arguido agarrou o braço da BB, apertando-o, com força o que fez na presença do DD, menor de idade.
27. Como consequência directa e necessária dessa conduta do arguido, a BB sentiu dor e sofreu um hematoma no braço.
28. A situação agravou há um mês (... de 2025) quando o arguido teve conhecimento do início da relação de namoro da BB com um vizinho de nome GG.
29. Desde então, o arguido passou a rondar a área da residência da BB todos os dias, várias vezes por dia.
30. Nesse período de tempo (a partir de ... de 2025) por várias vezes, em datas não concretamente apuradas, sempre que se encontrava na companhia do “enteado” DD, o arguido disse que ainda amava a sua mãe, mas que ia arruinar a sua vida, a da sua mãe e a do vizinho namorado da sua mãe.
31. No mesmo período de tempo (a partir de ... de 2025) por várias vezes, em datas não concretamente apuradas, o arguido disse ao FF, filho da vítima, que não aceita o fim da relação, nem aceita que BB tenha outras pessoas.
32. Em data não concretamente apurada, situada entre o final do mês de janeiro e o início do mês de ... de 2025, o arguido recebeu uma chamada telefónica da “enteada” EE a pedir-lhe €10,00 (dez euros) para almoçar.
33. Na sequência dessa chamada, o arguido disse à EE que as mulheres da família eram todas umas “putas”, que um dia, quando fosse mais velha lhe contava tudo, mas caso se afastasse de si, contaria tudo mais cedo, que desejava que a mãe dela fosse feliz, mas que ela (EE) não deixasse que o namorado da mãe mandasse nelas (“enteadas”) e que se iria embora, provavelmente para o ..., pois não queria armar “maluquice” com o GG (namorado da mãe) mas que tinha pessoas de olho nele e caso necessário, fariam o “serviço” por ele.
34. No final da chamada, o arguido, apercebendo-se da presença de uma amiga da “enteada”, começou a chorar e pediu a esta que tomasse conta da EE, para esta não se deixar ir pelo mesmo caminho da família.
35. Quando a EE contou à mãe essa conversa, esta estabeleceu contacto telefónico com o arguido, que negou as expressões, mas na sequência da conversa disse a BB “não perdes por esperar”.
36. Tais expressões revestiram foros de seriedade e provocaram na BB receio e inquietação do que o arguido pudesse fazer contra a sua vida, afectando-a, dessa forma, na sua liberdade.
37. Em data não concretamente apurada, situada entre o final do mês de janeiro e o início do mês de ... de 2025, cerca das 18h00 ou 19h00, no parque de estacionamento do ..., o arguido aproximou-se da EE, dizendo que tinham de ter uma conversa.
38. Nessa ocasião, o arguido recusou-se a cumprimentar o DD, pois que este não lhe tinha retribuído uma chamada telefónica nesse dia e acusou a EE de ter mentido sobre o teor da referida chamada telefónica, após o que lhe disse “pensei que eras a melhor, mas já percebi que és uma puta igual às outras da tua família”.
39. De seguida, como a mãe se colocou à frente, o arguido agarrou os braços de BB, apertando-os, com força, após o que lhe desferiu um empurrão, o que fez na presença da EE e do DD, sendo que este fugiu do local com uma crise de ansiedade.
40. Como consequência directa e necessária dessa conduta do arguido, a vítima BB sentiu dor, mas não recebeu assistência médica.
41. No dia ...-...-2025, pelas 18h20, o arguido deslocou-se ao estabelecimento comercial ..., onde se encontrava a vítima na companhia do filho mais velho, da nora e do neto, a pretexto de ver o bebé, conforme previamente combinado com o “enteado”, facto de que a vítima não tinha conhecimento.
42. Quando se deparou com o arguido, a BB afastou-se dos demais, dirigindo-se para o carro onde ficou a aguardar pelo filho, tendo este regressado das compras acompanhado do arguido e dirigindo-se eles junto da viatura onde se encontrava a vítima.
43. Nessa ocasião, o arguido abordou a BB, solicitando que esta lavasse o carro (referindo-se ao veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-PQ, registado em nome do arguido, mas adquirido por ambos para o transporte das crianças e utilizado há vários anos pela vítima) pois que na semana seguinte iria buscá-lo para o levar à oficina.
44. Quando se despediu do FF nesse dia, o arguido disse-lhe que não conseguia esquecer a BB e que assim que terminasse o contrato da casa iria para o ..., porque se continuasse cá não se iria conseguir controlar.
45. Chegada à sua residência, a BB estabeleceu contacto telefónico com o arguido, a fim de perceber exactamente o que pretendia, tendo este informando de que iria levar a viatura à oficina para reparação do que fosse necessário e que a vítima liquidaria essa despesa.
46. Como alertou que de momento não tinha capacidade financeira para suportar tal despesa e que avisaria assim que pudesse, além de que pretendia comprar uma viatura e entregar-lhe a antiga para evitar o conflito, o arguido disse “O teu cavaleiro que te pague as despesas todas!” e “Até a tua filha diz que ele é mais pai dela do que eu” (referindo-se ao actual namorado da vítima).
47. No decurso da chamada telefónica, o arguido começou a gritar e a chorar.
48. Entretanto, o DD deslocou-se a casa do arguido na companhia do amigo HH, a fim de pedir ao arguido que os levasse a ambos de regresso às suas residências, deparando-se com o arguido nervoso, aos gritos e com lágrimas.
49. Nessa altura, o arguido disse ao DD que estava a falar com a sua mãe e agachou-se, debruçado sobre o chão, com as mãos na cabeça e irritado, entre choro compulsivo, disse “vou matar a tua mãe”, “vou matá-la”, “vou arruinar a minha vida, mas vou matá-la”.
50. Quando chegaram ao veículo automóvel ligeiro de passageiros, marca ..., modelo ..., com matrícula ....., do ..., o DD dirigiu-se ao lugar do pendura e antes que este se sentasse, o arguido, atrapalhado, disse “DD, não olhes que isto não é para ti”, momento em que escondeu uma pistola (aparentando tratar-se de uma Glock) com o casaco, tendo deixado cair algumas munições no tapete da viatura qua apanhou de imediato, após o que enrolou as ditas armas nesse casaco que colocou no interior do porta bagagens.
51. Durante o percurso, o arguido disse que estava desiludido com a vítima e que estaria disposto a qualquer coisa.
52. Nesse mesmo dia, o DD contou à sua mãe o sucedido, sendo que tais expressões revestiram foros de seriedade, provocando receio na vítima.
53. No dia ...-...-2025, pelas 9h45, o arguido passou outra vez em frente à sua residência, ao volante do veículo automóvel ..., circulando na via a marcha lenta enquanto observava a casa da vítima, após o que parou alguns momentos e de seguida retomou a marcha, passando de novo em frente à mesma residência
54. Com a prática das condutas descritas, deu causa o arguido, de modo directo e necessário, a que a BB se sentisse triste, ansiosa e com medo, bem como limitada na sua liberdade, privada do seu conforto e segurança da sua casa, receando pelas atitudes que o arguido pudesse tomar em relação a ela, nomeadamente que voltasse a amesquinhá-la e a amedrontá-la, ou que pudesse ofender a sua integridade física ou até a sua vida.
55. Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu com o propósito concretizado de maltratar a BB, molestando-a no seu corpo e saúde psíquica, humilhando-a e atemorizando-a, bem sabendo que era a sua (ex-)companheira, pelo que devia assumir perante ela um comportamento compatível com essa relação e de que tinha para com ela um dever de respeito em razão desse vínculo familiar, ao invés, atingiu-a na sua dignidade pessoal, causando nela humilhação e uma permanente sensação de medo e insegurança, com desprezo pela sua dignidade humana e afectando a sua liberdade de decisão, o que previu, quis e conseguiu, não se coibindo de o fazer no interior da residência de ambos e depois também no interior da residência da vítima.
56. Mais actuou o arguido da forma descrita, não se coibindo de o fazer na presença dos filhos da BB, ainda menores de idade, sabendo perfeitamente do vínculo familiar existente entre ele e as crianças, pois que se tratavam dos filhos da sua companheira, a quem cabia a sua educação e um especial dever de cuidado e segurança, ao invés, atingiu-os na sua dignidade pessoal, expondo-os de forma prolongada no tempo a reiteradas demonstrações verbais e não verbais de agressividade e privando-os de um ambiente familiar saudável de paz e tranquilidade, o que provocou neles sentimentos de angústia e inquietação, perturbando o seu crescimento psíquico e emocional, resultado com o qual se conformou.
57. Actuou ainda o arguido, da forma supra descrita, fazendo uso da força física, de modo a constranger a BB a sofrer, contra a sua vontade, introdução vaginal do pénis daquele, sabendo perfeitamente que punha em causa a sua liberdade sexual, o que previu e quis, a fim de satisfazer os seus instintos libidinosos, não se coibindo, para tanto, de aproveitar a relação familiar de proximidade que mantinham entre si.
58. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal como crime e tinha capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
Os factos resultam indiciados dos seguintes meios de prova:
- Auto de notícia, fls. 3-4;
- Pedido do registo de LUPA, fls. 27;
- Autos de inquirição das testemunhas:
. BB, fls. 18-22;
. DD, fls. 31-34;
. EE, fls. 35-38;
. CC, fls. 39-42;
. FF, fls. 43-45;
- Assento de nascimento da BB, fls.;
- Assento de nascimento do FF, fls.;
- Assento de nascimento da EE, fls.;
- Registo civil da CC, fls.;
- Registo civil do DD, fls.;
- Registo civil do arguido, fls.;
- Assento de nascimento do arguido, fls.;
- Certificado de registo criminal do arguido, fls.;
- Registo automóvel do veículo de matrícula ..-OB-.., fls
Pressupostos legais da detenção
O arguido foi detido fora de flagrante delito, na sequência de mandados de detenção emitidos pelo Ministério Público.
A detenção foi legal porque efectuada nos termos e para os efeitos do disposto no artº 254º, tendo sido respeitados os requisitos materiais e formais dos artºs 257º e 258º, todos do CPP.
Foi respeitado o prazo de 48 horas para a apresentação do arguido a este JIC, nos termos do disposto no artº 254º, do CPP.
Foram integralmente comunicados e explicados ao arguido os direitos referidos no nº 1, do artº 61º, do CPP, bem como dos factos que concretamente lhe são imputados, as circunstâncias de tempo, lugar e modo e os elementos do processo que os indiciam.
O arguido foi ainda informado para efeitos do disposto no artº 141º, nº 4, al. b), do CPP.
II – Factos indiciados
Estão fortemente indiciados todos os factos que vêm acima descritos nesta acta, para onde se remete, e que integralmente foram comunicados ao arguido, nos termos do disposto no artº 141º, nº 4, als. c) e d), do CPP.
III – Factos não indiciados
Não há factos não indiciados.
IV – Enquadramento jurídico das circunstâncias de facto indiciadas
Indiciam fortemente os autos, para além do mais, a prática pelo arguido, em autoria material,
de:
- 1 (um) crime de violência doméstica agravada (sobre a pessoa de BB) p. e p. pelo artigo 152º, nºs 1, al: b) e 2, al: a), 4 e 5 do Código Penal, com pena de prisão de dois a cinco anos (eventualmente punido com pena prevista para o crime de violação, p. e p. pelo artº 164º, do CP);
- 3 (três) crimes de violência doméstica agravada (sobre as pessoas de CC, DD e EE) p. e p. pelo artigo 152º, nºs 1, als: e) e d), 2, al: a), 4 e 5 do Código Penal, com pena de prisão de dois a cinco anos.
V – Análise crítica dos indícios que fundamentam a imputação
A prática dos factos pelo arguido resulta fortemente indiciada pelos depoimentos já recolhidos junta das vítimas, BB e os filhos desta, que também residiram com o arguido e com ele mantiveram laços afectivos muito próximo.
Estes depoimentos mostram-se objectivos e coerentes, cada um descrevendo as circunstâncias em que estiveram directamente envolvidos.
O arguido negou os factos na sua generalidade, muito embora fosse admitindo situações em que terá empurrado BB ou outras em que terá havido discussões e empurrões na presença de menores.
Não obstante a referida negação generalizada, tal como o próprio arguido admitiu, não existe qualquer inimizade com os filhos da vítima BB, sendo que da sua eventual responsabilização criminal apenas teriam prejuízos.
No entanto, de forma detalhada a testemunha DD descreve a situação em que viu uma arma de fogo tipo pistola e respectivas munições na posse do arguido, dentro de um veículo automóvel de marca Opel Astra.
Para além do acima exposto foram ainda conjugados e considerados os seguintes meios de prova:
- Auto de notícia, fls. 3-4;
- Pedido do registo de LUPA, fls. 27;
- Autos de inquirição das testemunhas:
. BB, fls. 18-22;
. DD, fls. 31-34;
. EE, fls. 35-38;
. CC, fls. 39-42;
. FF, fls. 43-45;
VI – Perigos indiciados
- O crime em causa, de violência doméstica suscita cautelas dado que se desenvolve em ambiente de tensão emocional e propício à continuação da actividade criminosa, sendo que em concreto, o arguido apresenta-se movido por um forte sentimento de “posse” sobre a vítima sua ex-companheira...
- Manifestando ciúmes com frequentes referências a “namorados” que a mesma teria e referindo mesmo na presença de menores que “havia de a matar”...
- Acresce que o arguido foi visto na posse de uma arma de fogo e respectivas munições, facto que nega...
- Por outro lado o arguido demonstra ter grande mobilidade no espaço europeu pois trabalho no ... e para lá continua a deslocar-se com grande frequência, nomeadamente para efectuar tratamentos médicos;
- Estas circunstâncias apontam para um forte perigo de continuação da actividade criminosa e de fuga, sendo certo que a facilidade na fuga pode desencadear um sentimento de impunidade que agrava actividade criminosa e respectivas consequências.
- Por estas razões, o perigo de continuação da actividade criminosa não só é uma realidade alarmante como poderá trazer consequência gravosas que a comunidade em geral não tolerará.
VII – Medida de coacção proposta pelo Ministério Público e posição manifestada pela defesa
Proposta pelo Ministério Público:
Prisão preventiva.
Oposição da defesa nos termos registados em áudio.
VIII – Medida de coacção adequada
Face ao crime indiciado, perigos e circunstâncias acima enunciadas, nomeadamente de intenso perigo de continuação da actividade criminosa com possíveis consequências letais para a vítima, revela-se legalmente admissível, proporcional, necessária e adequada ao caso concreto, a medida de prisão preventiva.
Uma medida de obrigação de apresentações periódicas no OPC seria, em absoluto ineficaz e inadequado no quadro acima referido.
Contrariamente ao disposto no artº 193º, nº 3, do CPP, a medida de OPHVE não se revela adequada nem eficaz contra os perigos acima enunciados, sendo certo que a criminalidade de natureza passional e emotiva como a presente, pelos impulsos que a movem, revela-se pouco sensível a medidas de controlo meramente electrónico ou remoto, sobretudo quando o arguido tem familiaridade com armas de fogo e recusa-se a ter sentido autocrítico do seu comportamento.
A medida de prisão preventiva mostra-se, assim, no presente momento, imperiosa, necessária, adequada, proporcional e legalmente admissível.
IX – Medida de coacção concreta
Pelo exposto, determino que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de prisão preventiva e de proibição de contactos com as vítimas, mesmo em estado de reclusão - cfr. artºs. 200º, al. d), 202°, nº 1, al. b) e 1º, al. j); 191.°, 193.° e 204.° alínea c), todos do Código de Processo Penal.
Vejamos então:
- A medida de coação aplicada ao arguido respeita os princípios e é adequada a prevenir o perigo invocado e reconhecido no despacho judicial?
Quanto aos fortes indícios diremos e citando o Acórdão de 20 de Setembro de 2008, relatado pelo, então, Excelentíssimo Desembargador Gabriel Catarino: “Constituem-se em vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer da existência de um facto jurídico-penalmente relevante e de que deve ser imputável a alguém determinado, devendo ou podendo ser previsível que, num juízo de prognose solidamente estruturado escorado, a manterem-se em julgamento, ocorrerão fundadas e sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelos factos típicos que lhe são imputados.
Na indiciação em fase de inquérito, ou seja numa fase em que os elementos colectados ainda não foram objecto de contraditório, o grau de convencimento do juiz e de ponderação de imputação causal de determinado agir a um concreto sujeito está dependente das regras da experiência e do sentido lógico representativo com que uma dada realidade percepcionada se prefigura ao discernimento e compreensibilidade do julgador.
O juiz pode, nesta fase, socorrer-se das inferências permitidas por um conjunto de elementos que soem ocorrer em situações ou casos similares, observando sempre que as máximas de experiências atinam com factores de aleatoriedade que podem conduzir a juízos erróneos ou de defeituosa avaliação.”
Segundo Luís Osório no seu Comentário ao CPP, IV, pág. 411 refere que “ devem considerar-se indícios suficientes aqueles que fazem nascer em quem os aprecia, a convicção de que o réu poderá vir a ser condenado”
A este propósito, cita-se ainda no Acórdão do Tribunal da Relação nº 128/11.1TELSB-J.L1 de 11.04.2013 de acordo com o qual:
“É pressuposto da aplicação da medida de coacção de prisão preventiva a existência de fortes indícios da prática do crime.
No entendimento de Germano Marques da Silva, que por inteiro se subscreve, “A indiciação do crime necessária para a aplicação de uma medida de coacção significa “probatio levior”, isto é, a convicção da existência dos pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou medida de segurança criminais, mas em grau inferior à que é necessária para a condenação. (....) não pode exigir-se uma comprovação categórica da existência dos referidos pressupostos, mas tão-só, face ao estado dos autos, a convicção de que o arguido virá a ser condenado pela prática de determinado crime.
Noutro passo:
embora não seja ainda de exigir a comprovação categórica, sem qualquer dúvida razoável, é pelo menos necessário que face aos elementos de prova disponíveis seja possível formar a convicção sobre a maior probabilidade de condenação do que de absolvição”[Curso de Processo Penal, II, 2a ed., pág. 240]. (…)
(…) O Prof. Germano Marques da Silva, por sua vez, e como já referido, obra cit., pág. 240, diz também que “(...) no momento da aplicação de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial, que pode ocorrer ainda na fase de inquérito ou da instrução, fases em que o material probatório não é ainda completo, não pode exigir- se uma comprovação categórica da existência dos referidos pressupostos, mas tão-só, face ao estado dos autos, a convicção objectivável com os elementos recolhidos nos autos de que o arguido virá a se condenado pela prática de determinado crime.
Nos casos em que a lei exige fortes indícios a exigência é naturalmente maior, embora não seja ainda de exigir a comprovação categórica, sem qualquer dúvida razoável, é pelo menos necessário que face aos elementos de prova disponíveis seja possível formar a convicção sobre a maior probabilidade de condenação do que de absolvição”.
Vital Moreira e Gomes Canotilho, a fis. 185 da Constituição da República Portuguesa (anotada), 1993, por sua vez, dizem também que “quando a lei fala em fortes indícios pretende exigir uma indiciação reforçada, filiada no conceito de provas sérias”.
Do mesmo modo, fortes indícios, ou indícios suficientes, na definição dada pelo art° 283°, n° 2, do CPP, existem sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança.” (fim de cit.)
Sem embargo e ex-abbundanti, consignando-se expressamente que o juízo indiciário e de aplicação de medidas de coacção, em sede de primeiro interrogatório, tem apenas por base todos os elementos de prova apresentados ao arguido, como da acta do interrogatório consta e nos exactos termos subsumidos à consideração do Juiz de Instrução Criminal pelo Ministério Público, quando submeteu este arguido a interrogatório judicial.
Tendo presente as declarações que o arguido entendeu prestar nessa sede, quanto aos factos, que na generalidade negou, embora ao longo do depoimento que, aliás, de acordo com o gravado, se prolongou por 17 minutos, tenha vindo a admitir que, em variados momentos de discussão com a vítima BB, lhe deu empurrões e proferiu expressões semelhantes aquelas que lhe vêm imputadas.
Por outro lado, atentando no que declarou quanto às suas condições pessoais e económicas, onde referiu que tem uma reforma de € 3.200 mensais, por ter sido emigrante no ... e viver numa casa com vários andares, habitando um dos enteados um deles com a sua família e a vítima BB e alguns filhos desta, havendo ainda um outro andar com 6 divisões assoalhadas, importará ter presente a ocorrência ou não do invocado perigo de continuação da actividade criminosa.
Não obstante o arguido ter invocado a inexistência de perigo de fuga e de perturbação do inquérito, o certo é que, o despacho recorrido, apenas reconhece aa existência de perigo de continuação da actividade criminosa, no seu dispositivo.
Consequentemente, este Tribunal de Recurso apenas se pronunciará sobre o decidido à face daquele invocado perigo.
Na verdade, se é direito do arguido no hodierno e reputado avançado direito processual penal vigente, na redacção dada ao CPP pela Lei 48/07 de 29/08, considerada a declaração de rectificação n.º100-A/2007 e a rectificação da rectificação nº 105/2007, o arguido nada declarar, não pode deixar de ser sopesada com o articulado constitucional atinente, menos certo não é que, resolvendo o arguido declarar, nos termos sobreditos, ao Juiz a quo é exigível analisar criticamente e no uso dos seus poderes de cognição, a substância e credibilidade do que sucintamente disse e da sua concatenação com os restantes elementos dos autos.
A pronuncia do arguido, sobre os factos, se não o desfavorece, até por imposição constitucional, também pode não o favorecer, pois como bem se salientou no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do Processo 188/11.5TELSB, o artigo 20º da CRP, propugna que todos tem direito a que, numa causa que intervenham, seja objecto de decisão, em prazo razoável e mediante processo equitativo.
A densificação do processo equitativo é feita como ensinam os profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira pela própria constituição em sede penal – artigo 32º da CRP, ou seja garantias de defesa, presunção de inocência, julgamento em curto prazo, compatível com garantias de defesa, direito à escolha de defensor e à assistência de advogado, reserva de juiz quanto à instrução do processo, observância do princípio do contraditório, direito à intervenção no processo, etc.
No artigo 32º do CRP, concentram-se os mais importantes princípios materiais do processo penal, sendo o seu nº 1 - o processo criminal assegura todas as garantias de defesa incluindo o recurso - a condensação de todas as normas que constam nos demais números.
Como bem se salienta naquele aresto "como ensinam os mestres citados este preceito introdutório serve também de cláusula geral englobadora de todas as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da protecção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal. Em «todas as garantias de defesa» engloba-se indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação (ob. cit., pág. 516).
Ora, entre estas garantias de defesa conta-se o direito ao silêncio (arts. 61º, nº 1, d), 141º, nº 4, a), e 343º, nº 1, todos do C. Processo Penal), que se traduz na faculdade que assiste ao arguido de não responder a perguntas feitas sobre os factos que lhe são imputados e sobre o conteúdo das declarações que sobre eles prestar portanto, no direito de não colaborar com as autoridades para a descoberta da verdade, sem que o respectivo exercício possa redundar em prejuízo seu isto é, possa ser interpretado como conformação com o facto, como presunção de culpa.
No âmbito do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, onde rege o art. 141º, n° 4, a), do C. Processo Penal, conjugado com o art. 61º, n° 1, do mesmo código, o arguido pode recusar prestar declarações sobre os factos indiciados que para tanto, lhe devem ser comunicados, e também não tem o dever de responder sobre o conteúdo das declarações que entenda fazer, sem que tal comportamento possa ser valorado em prejuízo seu. Mas como nota o Prof. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, 11, 3° Edição, pág. 185), é, porém, evidente que se o arguido não esclarece os factos que lhe são imputados, ilidindo as provas que dos autos constem, serão apenas estas que serão apreciadas, o que significa que, se o exercício do direito ao silêncio, até porque do exercício de um direito se trata, não o pode prejudicar, o que pode suceder é que também o não beneficie." - Fim de citação.
Com efeito, do exercício do direito a declarar por parte do arguido, relativamente aos factos indiciariamente imputados, não se presume a não existência do perigo de continuação da actividade criminosa.
Daqui resulta que, objectivamente, o exercício do direito não prejudicou o arguido. O que acontece, é que também não o beneficia, no concreto aspecto processual pois, o arguido começa por referir que nada do que é imputado é verdade, para, quando confrontado com especificas situações, ocorridas ao longo do tempo, admitir que tudo não passou de uns empurrões a BB, no decurso de discussões e a palavras que se dizem no contexto destas, negando tudo o restante, quer no que diz respeito a manietá-la, para a obrigar a ter relações sexuais, quer às frases que lhe dirige, concretamente, quando estão a discutir.
O arguido acabou por reconhecer, como dissemos, empurrões e palavras inapropriadas, o que não é consistente, nem coerente, com as regras da experiência e da normalidade do acontecer, quando este depoimento é sopesado com a restante prova indiciária existente nos autos.
Não ocorre, assim, no entender deste Tribunal de Recurso, qualquer vício que afecte a validade do despacho recorrido.
Forçoso é reconhecer que existem indícios de que o arguido, pela conduta que vem desenvolvendo e a possibilidade de que não lhe seja coartada a sua liberdade ambulatória, nada há nos autos que inculque que não a prosseguiria, atenta a proximidade da residência com as vítimas e os elementos de prova indiciária já recolhidos que chegam ao enunciado propósito de pôr termo à vida de BB, exibindo, até, uma arma de fogo a um dos filhos desta.
Tudo isto não se compadece com choros, agachamentos a chorar, logo seguidos de ameaças de morte, que à vítima BB, quer ao seu namorado.
Quanto às medidas de coacção, estribamo-nos no entendimento propugnado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/04/2013, no âmbito do Processo 128/11.1TELSB-J.1,1, que reza:
"Fernando Gonçalves e Manuel João Alves, in "A Prisão Preventiva e as Restantes Medidas de Coacção", pág. 87, dizem que "as medidas de coacção são meios processuais penais limitadores da liberdade pessoal, de natureza meramente cautelar, aplicáveis a arguidos sobre os quais recaiam fortes indícios da prática de um crime".
Por outro lado, também dispõe o art° 191°, n° 1, de (PP que "a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei".
É a consagração do Princípio da Legalidade.
Porém, o art° 193º, do CPP, por sua vez, consagrando os Princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, já preceitua no seu n° 1 que "as medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas ".
No que à prisão preventiva diz respeito, o n° 2 também dispõe que "a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção ".
Resulta ainda do art° 204°, do CPP, prevendo este os chamados requisitos gerais de aplicação das medidas de coacção, que “nenhuma medida de coacção, excepção da prevista no art° 196°, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da medida:
a)Fuga ou perigo de fuga;
b)Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c)Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas”
Quanto à hipótese de aplicação da "prisão preventiva", por sua vez, dispõe o art° 202°, n° al. a), do CPP que, "se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos (..)"
Contudo, e como se referiu, para que se opte pela prisão preventiva como medida de coacção é necessário que se verifique, cumulativamente com qualquer um dos pressupostos constantes do referido art° 202°, também, e pelo menos, uma das condições ou requisitos descritas no citado art° 204º.
Temos assim que, a prisão preventiva, enquanto medida de coacção, só poderá ser aplicada quando todas as outras se mostrarem inadequadas ou insuficientes, tendo a mesma, como refere Tolda Pinto, in “A Tramitação Processual Penal", .2a ed., um carácter residual ou subsidiário, o que resulta, aliás, do princípio constitucional consagrado no are 28°, da CRP.
"O recurso aos meios de coacção deve orientar-se pelos princípios da sua necessidade e menor intervenção possível (..) e é no âmbito da prisão preventiva (enquanto meio de coacção mais gravoso) que se afirmam com particular intensidade aqueles princípios, especialmente o da necessidade", refere ainda aquele autor.
Também Germano Marques da Silva, in "Curso de Processo Penal", 2a ed., II vol., pág. 250, diz que "não pode nunca esquecer-se o princípio constitucional da presunção de inocência que impõe que as medidas de coacção e de garantia patrimonial sejam na maior medida possível compatíveis com o estatuto processual de inocência inerente a fase em que se encontram os arguidos a quem são aplicadas e por isso que, ainda que legitimadas pelo fira, devam ser aplicadas as menos gravosas, desde que adequadas".
Depois, e como também resulta do texto da lei, para a aplicação da prisão preventiva exige-se ainda que fortes sejam os indícios da prática de crime doloso punível com prisão de máximo superior a 5 anos.
Leal Henriques e Simas Santos, "Código de Processo Penal Anotado", vol. 1, 3a ed., pág. 1970, nas suas anotações ao referido art° 202°, dizem que o mesmo “(...) inculca a ideia da necessidade de que a suspeita sobre a autoria ou participação no crime tenha uma base de sustentação segura. Isto é: não basta que essa suspeita assente (..) em factos de relevo que laçam acreditar que eles são idóneos e bastantes para imputar ao arguido essa responsabilidade (...)” – fim de citação.
E pelos indícios recolhidos nos autos, há elementos que levam à necessidade de prevenir a repetição dos actos de agressão e condicionamento da vida da vítima BB e dos seus filhos, porventura até do indicado GG, não só, pela natureza dos ilícitos em causa, como dos cuidados que, dos elementos de prova recolhidos e aqui presentes no primeiro interrogatório, é patente que o arguido tem, no tocante à actividade desenvolvida, pois, prevalece-se de qualquer pretexto para rondar o quotidiano das vítimas, chegando até, a pretexto de dar boleia a um dos enteados, para casa de uma amigo deste, lhe exibir uma pistola Glock e munições, que na presença daquele, retirou do banco do carro e colocou na bagageira, dizendo que “aquilo não era para ele”.
A necessidade de prevenir este perigo, adequada e proporcionalmente, não se compadece, entende este Tribunal de Recursi, com obrigações de apresentação, afastamento ou de proibições de ausência do território nacional ou sequer com cauções isolada ou cumulativamente com aquelas.
Não se cuida de prender para investigar, outrossim, se pretende prevenir que quem está a ser investigado, possa continuar a praticar actos semelhantes, durante o tempo necessário ao apuramento da verdade material.
Tal perigo não é eficazmente prevenido sem a aplicação da medida de coacção mais gravosa, única que se considera adequada, proporcional e suficiente, no tocante ao arguido, a aplicar, cumulativamente, com a medida de proibição de contactar, de qualquer forma, com a ofendida e restantes vítimas, incluindo testemunhas que venham a ter essa qualidade nos autos – artigo 200º, nº 1, alínea d) do CPP.
Sendo ainda necessário, quer no quadro da 18ª revisão do CPP, e agora não olvidando que a entrada em vigor das 19ª, 20ª e 21ª revisões aprovadas pelo órgão legiferante e promulgada pelo PR, que a tal respeito nenhuma alteração produziu, ser obrigatório, ao Tribunal, mesmo que aplique a medida de prisão preventiva por a considerar a única adequada, proporcional e suficiente dever dizer se pode ou não a mesma ser substituída pela sucedânea OPHVE, forçoso é faze-lo, referindo que, pelas razões supra mencionadas, se entende que, no actual quadro de elementos à disposição do Tribunal, no âmbito deste primeiro interrogatório, a aplicação da sucedânea, não se mostra adequada, proporcional e suficiente pelas razões que exactamente motivaram a decretação da prisão preventiva, conjugado com o estatuído no artigo 194º, nº 2 do CPP, perante os elementos neste momento ao dispor do Tribunal, bem andou a Juiz a quo em não determinar a substituição da prisão preventiva pela sucedânea OPHVE.
Não ocorreu, portanto, a violação de nenhum dos preceitos constitucionais, ou de direito adjectivo processual penal invocados pelo arguido.
Consequentemente, o recurso não merece provimento em qualquer das suas dimensões.
Dispositivo:
Por todo o exposto, acordam os Juízes que compõem a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar totalmente não provido o recurso e, consequentemente, mantem-se o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
Acórdão elaborado pelo Primeiro signatário em processador de texto que reviu integralmente, sendo assinado pelo próprio e pelas Desembargadoras Adjuntas.
Lisboa, 10 de Julho de 2025
Carlos Alexandre
Hermengarda Valle-Frias
Cristina Almeida e Sousa