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INSTRUÇÃO
HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA
NEGLIGÊNCIA MÉDICA
DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA
Sumário
Sumário: I. Nos termos do artº 286º, nº 1 do CPP, a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. II. A lei só admite a submissão a julgamento desde que da prova dos autos resulte uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força dela, uma pena ou uma medida de segurança. III. Discutindo-se a prática de um homicídio por negligência, p. e p. pelo artº 137º, nº 1, do Código Penal, os dois pareceres médico-legais juntos aos autos (um particular, junto pela assistente, outro com intervenção do Conselho Médico-legal do INMLCF), são os elementos fundamentais para se alicerçar uma convicção acerca da forte probabilidade ou possibilidade razoável de que os arguidos sejam responsáveis pelos factos que lhes são imputados pela assistente. IV. Se ambos os pareceres confluem no sentido da violação das leges artis, mas divergem porque o primeiro (de natureza particular) conclui pela existência de nexo de causalidade entre a violação das leges artis e a morte da vítima e o segundo (de natureza pública, da autoria de uma entidade com uma composição coletiva e particularmente qualificada), não estabelece esse nexo causal, não se pode concluir que existe uma probabilidade razoável de aos arguidos vir a ser aplicada, em julgamento, uma pena. As conclusões do parecer do Conselho Médico-Legal são de molde a suscitar, no mínimo, uma dúvida fundada sobre a existência de nexo causal, que a lei sempre mandaria resolver a favor dos arguidos. V. É, assim, justificado o juízo de não pronúncia dos arguidos.
Texto Integral
Acordam as Juízas Desembargadoras da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
I. No processo de instrução nº 6281/21.9T9LSB do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, Juiz 9, foi proferida decisão, em 21.01.2025, mediante a qual não se pronunciou os arguidos AA, BB e CC pela prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137º, nº 1 do Código Penal.
Do Recurso
II. Inconformada, recorreu a assistente DD, rematando a sua motivação com as formulando as seguintes conclusões (transcrição):
1. «No núcleo do presente processo está a negligente prestação de cuidados de saúde à ofendida EE, mãe da Recorrente, por parte de diferentes profissionais de saúde do ... durante o seu internamento neste Serviço, nos dias .../.../2021 a .../.../2021.
2. A ofendida, EE, mãe da Recorrente, veio a falecer em resultado da conduta negligente adotada pelos profissionais médicos, AA, CC e BB que, em manifesta inobservância culposa dos deveres profissionais a que estavam adstritos e das leges artis médicas, não colocaram à disposição da ofendida os meios adequados ao seu tratamento, resultando numa morte trágica e ainda mais dolorosa, porque evitável.
3. Finda a fase de instrução, foi proferido despacho de não pronúncia, tendo concluído o Tribunal a quo - em nossa opinião erradamente, atenta a prova pessoal, pericial e documental carreada para os autos - pela inexistência de indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação aos arguidos de uma pena (cfr. art. 308.°. n.° 1 do CPP).
4. É de tal despacho de não pronúncia que ora se recorre.
5. Não cabendo ao Tribunal de Instrução o suprimento das lacunas da investigação criminal, não pode deixar de referir-se que a decisão instrutória, ora sindicada, incorre em erros de apreciação também porque há subsistem diligências essenciais para a descoberta da verdade material, cuja realização se impunha e que ficaram por realizar, desde logo a inquirição do perito responsável pela perícia realizada pelo INML, em contraponto com a restante prova pericial constante dos autos.
6. Contudo, sem desvalorizar tais omissões, realizou-se nos autos ampla prova pessoal, documental e pericial que exigia conclusão de estar amplamente indiciada a prática de crime de homicídio por negligência da Ofendida, em co-autoria, por parte do Dr. AA, da Dra. BB e da Dra. CC.
7. Concluiu, de forma errada e injusta, o Tribunal a quo, que tal não era o caso.
8. Cometeu este erro, baseando-se, única e exclusivamente, ou pelo menos assim transparece da decisão material, em “Consulta técnico-científica” que comete erros significativos de apreciação técnica e que estavam perfeitamente ao alcance do Tribunal a quo detetar, e que devia detetar, mesmo tratando-se nos autos de matéria de elevada complexidade técnica.
9. Errou o Tribunal a quo ao desconsiderar a restante prova, inclusive também ela técnico- científica, de caráter também ele pericial e de natureza independente, que aponta, inequivocamente, no sentido do preenchimento de todos os elementos do tipo.
10. Ao contrário do que conclui a decisão recorrida, nada de robusto, à luz da “análise conjugada” da prova constante dos autos, permite assumir que não há lugar a suficiente indiciação de responsabilidade penal, o que, portanto, é errado, indefensável e profundamente injusto.
11. Pelo contrário, existe nos autos robusta evidência, pessoal, documental e pericial, que os profissionais médicos arguidos violaram as leges artis - aspeto este, no qual todas as perícias coincidem e o Tribunal a quo reconhece - e que tal violação resultou na morte da ofendida.
12. Razão pela qual se encontra fortemente indiciado o preenchimento dos elementos objetivo e subjetivo do crime de homicídio por negligência, p. e p. no artigo 137.° do Código Penal.
13. Impondo-se o competente juízo de prognose como positivo, devia o Tribunal a quo, nos termos dos n.°s 1 do artigo 308/’ do CPP. ter pronunciado os arguidos médicos. Contrariamente, ao decidir pela não pronúncia, a decisão instrutória recorrida incorre em violação do mesmo preceito (art. 308., n.° 1 do CPP), isto para além de resultar em manifesta injustiça. DA ERRADA PONDERAÇÃO DA DIFERENTE PROVA PERICIAL EXISTENTE NOS AUTOS
14. O Tribunal a quo baseou a decisão material de não pronúncia, ora recorrida, única e exclusivamente, no resultado da “Consulta técnico-científica” do INML (a fls. 404). Tal perícia é cristalina ao defender a existência de violação da legis artis in casu. não considerando, contudo, estar verificado, com certeza, o nexo de causalidade entre tal violação e a morte da Ofendida.
15. Existe nos autos outra prova que o Tribunal aquo escolheu, erradamente também desvalorizar, incluindo outra prova pericial que, sublinhando também a violação daleqis artis.dá também por verificado o nexo de causalidade entre a conduta dos médicos em causa e a morte da Ofendida.
16. A respeito desta prova, assume o Tribunal a quo que, por ter sido requerida pela Recorrente “não é absolutamente alheia ao desfecho deste processo”. Comete aqui o Tribunal a quo um manifesto erro de apreciação, confundindo a prova em causa, em conteúdo e natureza, com o sujeito processual que a veio, legalmente, juntar ao processo.
17. A Recorrente não é, de facto, “absolutamente alheia ao desfecho deste processo”, mas a prova pericial independente, repita-se, independente, é, evidentemente, “absolutamente alheia ao desfecho deste processo”. Não há qualquer razão, objetiva ou subjetiva, para considerar que a perícia junta pela Recorrente é uma perícia “interessada” ou que está enferma de conflito de interesses ou de qualquer outro vício, o que, aliás, a decisão recorrida não invoca.
i) Da perícia requerida pela Recorrente, que a decisão recorrida erradamente desvalorizou
18. Com base na informação clínica que conseguiu recolher, tendo em vista a sua melhor compreensão e rigorosa interpretação para compreender o que ocorrera à sua mãe, a Recorrente solicitou a realização de parecer médico especializado independente. concretamente na área da Medicina Interna e Medicina Intensiva, que também juntou aos autos e que a decisão recorrida desvalorizou em absoluto.
19. A Recorrente juntou aos autos, nos termos do artigo 69.°, n.°s 1 e 2 al. a) do CPP, prova documental (processos clínicos) e prova pericial, realizada de forma absolutamente independente, por perito qualificado, especialista em Medicina Interna e Medicina Intensiva (fls. 301. e ss).
20. Note-se que “os assistentes têm aposição de colaboradores do Ministério Público” (art.69º, ns.° 1 e 2, al. a) do CPP) e que “compete ao Ministério Público, no processo penal, colaborar com o tribunal na descoberta (da verdade e na realização do direito, obedecendo em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objectividade” (art. 53.°, n.° 1 do CPP, negrito e sublinhado nossos).
21. Das duas uma: ou a decisão recorrida dizia que o parecer técnico-científico junto pela Recorrente não é independente e objetivo e fundamentava porque não o é, ou então deveria ter- se valorado o seu conteúdo, considerando a complexidade técnica do caso que a própria decisão recorrida invoca.
22. Não optando por nenhuma destas vias, a conclusão é a de que a ponderação da prova realizada se revela manifestamente insuficiente, tal como se revela insuficiente a consequente fundamentação da decisão recorrida.
23. Desconsiderar tal prova seria esvaziar por completo a posição processual da Recorrente e colocar em causa a imparcialidade do profissional médico independente que assinou o parecer em causa. Ambas as situações são inaceitáveis.
24. O profissional médico que assina o parecer técnico-científico junto pela Recorrente, tem integridade profissional da quais não existe a mínima razão para duvidar e, tal e qual como o perito médico que assina o parecer do INML. está sujeito a deveres deontológicos que são garante da sua independência e não podem meramente ser menorizados ou desconsiderados.
25. É a conjugação dessas características que, ao contrário do que invoca a decisão recorrida, garante que o seu parecer é “absolutamente alheio ao desfecho deste processo”.
26. Tal prova técnico-científica independente aponta claramente no sentido da existência de violação da leges artisdurante o internamento da falecida mãe da Recorrente, no .... Aponta também que existe nexo de causalidade entre o ato médico (não administração de diurético aliada à fluidoterapia intensival e o dano (mortel (Cfr.fls. 335v e ss.).
27. Em concreto refere o referido Parecer especializado que (pp. 7-8, sublinhados nossos): - Com base nos documentos consultados e disponibilizados e no conhecimento científico atual, verificamos que existe uma grande probabilidade para concluir que a conduta médica do foro da Medicina Interna e de enfermagem durante o internamento hospitalar no ... prestado à vítima entre 2J e ..., configura violação das leges artis, nomeadamente: Existe nexo de causalidade entre a admissão no referido internamento com o diagnóstico de lesão renal aguda, que desencadeou a instituição de fluidoterapia aliada à não instituição de diurético,o que poderá ter levado com grande probabilidade à ocorrência da edema pulmonar agudo, que foi responsável pela paragem cardio-respiratória e que resultou em morte:
Relativamente à formulação do diagnóstico: a avaliação médica e o respetivo diagnóstico clínico não corresponde à situação clínica que a doente apresentava. ou seja, foi considerado apenas o diagnóstico de nefropatia médica não aguda condicionada por obstrução urinária baixa e não foi tido em conta o diagnóstico de insuficiência cardíaca crónica agudizada.Esta última necessitaria de terapêutica adequada para evitar sobrecarga de volume, nomeadamente a administração de um diurético que não foi instituído.
- Relativamente à aplicação da terapia: as terapêuticas instituídas não foram as adequadas à situação clinica não tendo sido administrado qualquer diurético, o que, concomitante com a instituição de flnidoterapia intensiva, poderá ter condicionado a instalação de um quadro de edema pulmonar agudo com resultado morte. ”
28. Concluindo o referido Parecer especializado (pp. 1 e 8, sublinhados nossos): “a conduta médica do foro da Medicina Interna e de enfermagem durante o internamento hospitalar no ... prestado à vítima entre … e .../.../2021, configura violação das leges artis atendendo a que existe nexo de causalidade entre o ato médico (não administração do diurético aliada à jluidoterapia intensiva) e o dano (morte). ”
(...)
E possível concluir que a paciente em causa não foi observada adequadamente nem bem diagnosticada e medicada deforma incorreta, pelo que se colheram indícios de que tenha existido, por parte dos pro fissionais de saúde,violação inequívoca das legis artis. ”
29. Resulta claro o forte e suficiente indiciamento da prática, por parte do Dr. AA, da Dra. BB e da Dra. CC, em co- autoria. do crime de homicídio por negligência, p. e p. artigo 137." do Código Penal.
30. Tal conclusão exigia, e exige ainda, a prolação de despacho de pronúncia nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 308.° do CPP, que queda violado.
ii) Da perícia requerida pelo Ministério Público ao INML, que a decisão recorrida erradamente sobrevalorizou
31. Perante a prova já carreada para os autos, entendeu o MP, durante a fase de inquérito, “consultar o Conselho Médico Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal de Lisboa” (cfr. fls. 393, Vol. 2). Para tanto, formulou o MP um conjunto de quesitos e, a acompanhar os mesmos, enviou o MP cópia de “fls. 3-23, 78-114, 131-183, 201-228, 3488(?)-391 e 393-394” (cfr. fls. 395, Vol.2).
32. Tudo indica que a referida perícia incidiu sobre documentação incompleta, da qual não constará a informação clínica que a Recorrente, após reiterado esforço juntodas instituições de saúde em causa, coligiu e juntou (sob a forma de Docs. 1 a 7) com o requerimento a fls. 301 e ss, Vol. 2.
33. Concretamente:
Registos clínicos do serviço de urgência do ..., datados de ... e...;
• Registos clínicos do serviço de urgência do ... (...), datados de .../.../2021;
• Documentação clínica das especialidades de Medicina Interna, Cardiologia e exames complementares de diagnóstico em suporte de papel e digital (CD), recebido por ofício da Assessora do Diretor Clínico, Dra. FF, e datado de .../.../2022, nomeadamente Radiografia do Tórax, Ecografia Renal, TAC Crânio-Encefálica e RMN Crânio-Encefálica;
• Cópia dos registos clínicos de acompanhamento em Consulta de Cardiologia no ... (...);
• Registos de Enfermagem do internamento no ... (... - Medicina Interna 2.1).
34. Isto apesar de, expressamente, a perícia do INML ter referido ter tido acesso à perícia que a Recorrente juntou aos autos. Permanece, ainda hoje, a dúvida sobre a informação clínica específica que, existindo nos autos, ficou de fora do objeto de análise do INML. Esta dúvida justificaria a inquirição do autor da perícia do INML, ou pelo menos o pedido de esclarecimento deste aspeto, mas assim não entendeu o Tribunal a quo.
35. Mais a mais quando as duas perícias concluem pela incompletude dos registos clínicos e isto ainda antes de ter, em resultado de diligências instrutórias, ficado estabelecido que faltam registos de exames que foram clinicamente pedidos e que eram essenciais para a descoberta da verdade material.
36. Respondeu o Conselho Médico Legal do INML, através de Parecer (a fls. 405, Vol. 2), que importa escrutinar rigorosamente, o que, com o devido respeito, a decisão recorrida não o faz.
37. Desconhecem-se as referências documentais concretas sobre as quais o INML concluiu o que concluiu, uma vez que, nesse documento não se citam as bases documentais específicas para as opiniões emitidas. Sobre este aspeto a decisão recorrida nada refere.
38. O parecer teve “como relator Doutor em Obstetrícia/Ginecologia” (cfr. fls. 404, Vol. 2), não estando em causa nestes autos qualquer questão clínica relativa a esta especialidade. Sobre este aspeto a decisão recorrida também nada refere.
39. Constata-se no mesmo parecer um erro objetivo e evidente de análise, dizendo: “não nos é possível concluir que existisse sobrecarga hídrica com tradução clínica (fls. 406v, vol. 2) e “não encontramos nos registos clínicos evidência de sobrecarga de volume” (fls. 406v, vol. 2). O que não corresponde, evidentemente, à verdade.
40. Mesmo com estas insuficiências a referida perícia, concluiu, inequivocamente pela “violação das leges artis” (cfr. fls. 409, Vol. 2), em particular devido à suspensão do diurético furosemida (cfr. fls. 408v, Vol. 2) e à não realização de radiografia pulmonar anterior à PCR (ibid.).
41. A fls. 405v, Vol. 2 a perícia desconsidera a fase poliúrica(termo médico utilizado para designar a eliminação excessiva de urina) típica após a desobstrução urinária (através da algaliaçâo).
42. Ao contrário do que concluiu a perícia, resulta claro que a ofendida apresentava, à entrada do internamento de medicina interna, sinais de sobrecarga de volume.
43. O cálculo de diurese média realizado na perícia foi realizado apenas com os dados de enfermagem, tendo sido contabilizada a urina de 24h, entre as 7h da manhã (último registo de diurese no SU pela Dra. GG, cfr fls 62, voll-parte 2) de dia .../.../2021 e a mesma hora de dia .../.../2021, isto é, 2000cc em 24h (cfr. fls 128, voll — parte 2).
44. Ao contrário do que concluiu a perícia, não foi tida em conta a franca diminuição da diurese após as 7h de dia ... que, segundo o diário clinico do Dr. AA, foi de 200cc em 4h. ou seja, cerca de 50cc/h (a fls. 179v, vol. 1 — parte 1).
45. Concluiu-se na perícia que a insuficiência cardíaca como consequência de não prescrição de diurético pode resultar em “edemas periféricos ou edema agudo do pulmão”.Se se considera (e bem) que pode surgir uma coisa ou a outra, não pode, ao mesmo tempo, concluir-se que a sobrecarga hídrica se manifestaria com a presença de edemas periféricos antes do edema agudo do pulmão.
46. A inexistência de edemas nos membros inferiores aquando da observação não permite afastar a existência de sobrecarga de volume.
47. Já quanto à auscultação, confirma-se que os fervores bibasais, que podem traduzir congestão pulmonar por sobrecarga hídrica, são referidos no diário clínico de dia .../.../2021 (cfr. fls. 179, voll — parte 1).
48. Este parecer técnico refere que nos dias seguintes há "registo de auscultação pulmonar normal", o que não é compietamente rigoroso. A ausência de ruídos adventícios um dia após auscultar fervores deveria aconselhar atenção a outra patologia/progressão, como por exemplo derrame pleural - já antes diagnosticado no ....
49. O mais importante a reter é o que os profissionais médicos arguidos bem sabiam ou tinham obrigação de saber: O derrame pleural em si é uma consequência da sobrecarga hídrica.
50. Não é rigoroso afirmar que pelos registos clínicos não se possa concluir pela sobrecarga de volume. Notem-se as seguintes manifestações clínicas:
i. A .../.../2021, presença de fervores bibasais;
ii. A .../.../2021, ausência de ruídos adventícios na auscultação pulmonar;
iii. A .../.../2021, ausência de auscultação de sopro cardíaco pré-existente;
iv. A .../.../2021, abdómen globoso, RHA presentes, mas pouco audíveis, percussão com predomínio de macicez, sem palpar organomegalias;
v. A .../.../2021, tensão arterial superior ao habitual da doente, estando no limite da hipertensão;
vi. A .../.../2021, saturação de 02 reduzida (93%).
51. Não é rigoroso afirmar que pelos registos clínicos não se possa concluir pela sobrecarga de volume. Notem-se as seguintes manifestações clínicas:
52. O ponto i. constituiu manifestação inicial de sobrecarga de volume, sem que tal tenha merecido qualquer ação para melhor diagnóstico ou tratamento, como seria exigível. Os pontos ii. a iv. fazem suspeitar que o fígado estaria aumentado de volume, indicativo de sobrecarga de volume/insuficiência cardíaca descompensada. Os pontos v. e vi. são já sinais por demais evidentes de sobrecarga de volume, que jamais poderiam ter sido ignorados.
53. No diário clínico de .../.../2021 é referida expressamente uma tensão arterial superior ao habitual da doente, estando no limite da hipertensão, assim como uma saturação de 02 reduzida (93%). Este nível reduzido de saturação de 02 não é compatível com a descrição da auscultação normal.
54. Aliás, a própria Enfermeira que presenciou a PCR relata “desorientação especial e temporal [...] inquietude e agitação psicomotora, dispneica e cianosada nas extremidades e a nível labial, sem resposta verbal’' (cfr. fls. 214 dos autos), o que bem demonstra a existência de uma falha respiratória antes da falha cardíaca, mais uma prova irrefutável da ocorrência de um EAP antes da PCR.
55. Fica também patente que os registos clínicos são lacunares e incoerentes, o que devia ter sido valorado, à luz das regras da experiência comum, em conjugação com a incoerência demonstrada pelo Dr. AA que, em conversa direta com a Recorrente mentiu, ao referir que a ofendida estaria a tomar o diurético, tendo, posteriormente em declarações nos autos referido exatamente o contrário, defendendo, então, tratar-se esse de facto de decisão médica consciente e articulada com “a sua medica assistente” Dra. BB (cfr. fls 252v).
56. Sobre isto, a decisão recorrida limita-se a encetar um verdadeiro e resignado encolher de ombros, o que é manifestamente insuficiente.
57. Por um lado, resulta claro que a perícia do INML incidiu sobre informação lacunar e incoerente. Por outro lado, o Tribunal a quo desvalorizou esta incoerência, quando tinha meios ao alcance para a descoberta da verdade (procurando obter uma versão ou esclarecimento atualizado do perito do INML) ou para, com a prova realizada (a perícia independente junta pela Recorrente), decidir de outra forma.
58. Nessa manhã (.../.../2021) é pedido um ECG pelo denunciado Dr. AA que nunca se logrou obter. Deve, pois, perguntar-se: se pensou que tudo estaria a correr de forma normal, porque pediu este ECG?
59. Quando a perícia do INML refere que “não são apontados dados que sugiram descompensação da insuficiência cardíaca“ — Cfr. fls. 407v, Vol. 2, esta conclusão não é correta. E perfeitamente legível no diário clinico a diurese de 20Qcc em 4 horas, o aumento da tensão arterial e a descida da saturação periférica (a fls. 179 verso, voll — parte 1).
60. E prossegue a perícia, novamente de forma imprecisa indicando que “não faz supor um balanço hídrico fortemente positivo— Cfr. fls. 408, Vol. 2, negrito e sublinhados nossos. O aporte hídrico desse dia (.../.../2021) foi, no mínimo de 3200cc. o que associado ao decréscimo do débito urinário (de manhã de 50cc/h) configura, ao contrário do referido, um balanço hídrico fortemente positivo.
61. Prosseguindo, lapidarmente:“A não prescrição de furosemida, diurético que devia, em princípio.ser mantido, não está explicada nos registos clínicos.”- Cfr. fls. 408, Vol. 2, negrito e sublinhados nossos.
62. O diário clinico médico é de escrita livre, não sendo controlado por nenhum outro ser humano ou programa informático. Os registos clínicos podem conter lacunas e estes registos clínicos contêm-nas certamente. Acresce que os profissionais médicos recorrem a um texto proforma que se copia e cola, alterando apenas os dados positivos encontrados no exame objetivo. Estas vicissitudes, aconselham prudência na extrapolação exagerada de podem conter lacunas e estes registos clínicos contêm-nas certamente. Acresce que os profissionais médicos recorrem a um texto proforma que se copia e cola, alterando apenas os dados positivos encontrados no exame objetivo. Estas vicissitudes, aconselham prudência na extrapolação exagerada de lacunas existentes na mera prova documental imperfeita, em particular em sede de perícia técnica apenas baseada nestes elementos. Prudência essa que, infelizmente, não assistiu à decisão recorrida.
63. Note-se que a equipa da UUM (Unidade de Urgência Médica) refere diversas vezes que a PCR se deveu a edema agudo do pulmão (EAP), não devendo essa conclusão ser descurada/ignorada, como foi.
64. Tal opinião clínica resultou também claramente do depoimento do Dr. HH, médico que acompanhou a ofendida na Unidade de Urgência Médica (UUM) durante a Instrução, não devidamente valorado na decisão instrutória, mas que permitiu estabelecer tal nexo causal, ao declarar que a PCR foi provavelmente resultado de EAP.
65. Foi o próprio Dr. HH que registou no diário clínico que a paragem cardiorrespiratória ocorreu em contexto de edema agudo do pulmão (EAP), identificando-o como causa comum em tais circunstâncias.
66. A ofendida não foi autopsiada, uma vez que foi entendimento dos profissionais médicos da Unidade de Urgência Médica que era clara a causa de morte: Edema Agudo do Pulmão, que culminou em Paragem Cardiorrespiratória (PCR).
67. Quanto a dados objetivos, há concordância pericial quanto à violação das legis artis.Há também concordância quanto às lacunas existentes nos registos clínicos. DO ERRO DE APRECIAÇÃO QUANTO ÀS LACUNAS E INCOERÊNCIAS DA PROVA DOCUMENTAL E PESSOAL
i. Das lacunas e incoerências dos registos clínicos
68. A informação clinica que acabou por ser disponibilizada por parte do ... é incompleta, lacunar e incoerente.
69. A Recorrente e o Tribunal a quo requereram, insistentemente, que fosse oficiado o ..., “a fim de juntar aos autos o Eletrocardiograma (ECG) pedido/realizado no dia .../.../2021 pelas 16-17h00’.
70. Após inúmeras tentativas infrutíferas, veio, mais tarde, o ... em causa referir que: "Após analise de todas as plataformas do ... não existe qualquer pedido / realizado deste .... De facto, só existe o já entregue, realizado no dia .../.../2021 UGP às 22h” (sublinhado nosso).
71. Esta resposta é manifestamente incompreensível e merecia outro escrutínio e valoração na decisão recorrida. Infelizmente, o Tribunal a quo ignorou que o pedido realizado pelo Dr. AA do ECG que está em falta nos registos, consta expressamente do “Diário Clinico”, no dia .../.../2021: “Deixo pedido de ECG”1
72. Para facilidade de referência, veja-se o pedido expresso do exame parte do Dr. AA ífls. 122. Volume 1. Parte 2 dos autos).
73. Por outro lado, a referencia ao exame em causa consta também expressamente do Registo de Cuidados prestados à Ofendida “entre ... 00:00 e .../.../2021 23:59”: “...2.../03 - 16:36 - ECG SIMPLES DE 12 DERIVAÇÕES” (a fls. 162v, Volume 1, Parte 2 dos autos).
74. Veja-se o registo de cuidados citado, referente ao dia .../.../2021, podendo aí encontrar-se a menção expressa do exame pedido pelo Dr. AA (fls. 162v. Volume 1. Parte 2 dos autos).
75. Ao contrário do que veio referir o ..., este exame, pedido antes da paragem cardiorrespiratória da Ofendida, está registado em acréscimo ao ECG realizado dia seguinte (.../.../2021) às 20:40, este já referente a período posterior à paragem cardiorrespiratória da ofendida, que ocorreu na madrugada do dia .../.../2021. por volta da 01:00.
76. Como o mesmo registo de cuidados já citado bem demonstra: "...2.../03 - 20:40 - ECG SIMPLES DE 12 DERIVAÇÕES” (a fls. 162v, Volume 1, Parte 2 dos autos).
77. Para facilidade de referência, veja-se amenção expressa deste outro exame de dia .../.../2021. realizado após a paragem cardiorrespiratória da ofendida (correspondente à já citada fls. 162v. Volume 1. Parte 2 dos autos).
78. São, portanto, dois e não um os ECG registados: um no dia .../.../2021 (antes da paragem cardiorrespiratória da ofendida) e outro no dia .../.../2021 (após a paragem cardiorrespiratória da ofendida).
79. Note-se que, na resposta do ..., é referido “pedido/realizado”, o que implica que, das duas uma:
• Ou o exame em causa não foi de facto pedido pelo Dr. AA, e, nesse caso, o registo clínico não corresponde à verdade dos factos, o que indicia má prática clinica (porquê registar o pedido?) e lança ainda mais dúvidas sobre a respetiva integridade da informação clinica recolhida.
• Ou o exame em causa foi de facto pedido pelo Dr. AA, mas terá ficado por realizar (porquê? Por quem?) o que, considerando o restante contextoclinico, indicia atraso na prestação de cuidados e adensa a indiciação de violação da leges artis, estabelecida já por diferente prova pericial constante dos autos.
80. Existe ainda uma terceira possibilidade, não menos preocupante: a de o exame em causa ter sido de facto pedido e realizado, mas não constar agora do registo do ..., por razões que se desconhecem.
81. Não existe hipótese de configurar a presente lacuna probatória, como uma situação que não encerre, em si mesma, forte e suficiente indiciagão de violação da leges artis na prestação de cuidados à ofendida.
82. Tanto os antecedentes clínicos pessoais como a medicação habitual e a terapêutica efetuada nos episódios de urgência anteriores da ofendida foram registados em diário clínico, tanto no SU do ... (Doc. 1 junto com a denúncia crime, pp. 3 e 4), como no subsequente internamento de Medicina no ... (Doc. 1 junto com a denúncia crime, pp. 13, 29 e 31). Segundo a folha de terapêutica (Doc. 1 junto com a denúncia crime, p. 35), a medicação habitual da ofendida não foi prescrita na totalidade, nomeadamente a Furosemida (diurético) - fármaco essencial ao controlo da sua patologia cardíaca.
83. Este facto constitui inequívoca violação das leges artis. tal como concluiu a perícia técnica requerida pela Recorrente e a perícia requerida pelo MP, realizada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal ÍINML).
ii. Das lacunas e incoerências da prova pessoal
83. Este facto constitui inequívoca violação das leges artis. tal como concluiu a perícia técnica requerida pela Recorrente e a perícia requerida pelo MP. realizada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal IINML).
84. A Recorrente declarou na queixa-crime que apresentou, no RAI e em declarações prestadas, de forma credível e coerente, perante o Tribunal a quo durante a fase de instrução, que na manhã de dia .../.../2021, foram chamados os familiares, tendo a Recorrente sido informada da situação clínica da sua mãe, da existência de um “pulmão branco” (sic) na radiografia de tórax (Doc. 1 junto com a denuncia-crime apresentada, p.33 refere a realização deste exame a .../.../2021; resultado a fls 381, vol2) e da forte possibilidade de lesão cerebral irreversível decorrente da paragem cardiorrespiratória sofrida. Nesse dia, a ofendida esteve no ... até cerca das 3h (após a PCR) e foi posteriormente transferida para a UUM (no ...), local onde a Recorrente se dirigiu e onde lhe foi comunicado o sucedido.
85. No dia .../.../2021, quase um mês depois do falecimento da ofendida, a Recorrente dirigiu-se ao ... para conversar com os Colegas acerca da causa da paragem cardiorresprratória da sua mãe. Nessa circunstância, aguardou sentada nas escadas cerca de 1 hora até ser recebida pela Chefe de Serviço e pelo Dr. AA.
86. Nessa mesma ocasião, a Recorrente perguntou se a mãe estava a fazer o diurético durante o internamento. Após uma ligeira pausa, o Dr. AA respondeu que ela estaria seguramente a fazer essa medicação.
87. Facto que é absolutamente incompatível com as declarações do denunciado nestes autos (fls. 252v), onde vem referir que tomou uma decisão consciente, em coordenação com a Dra. BB, de não administração desse fármaco. admitindo aquilo que vários peritos com opinião expressa nestes autos concordam tratar-se de uma violação das leges artis.
88. O Dr. AA, após supostamente ir confirmar a toma do fármaco, afirmou que a ofendida estava mesmo a tomar Furosemida durante o internamento. O que era mentira, considerando o que o próprio admitiu nestes autos.
89. Esta incoerência deveria ter sido considerada pelo Tribunal a quo e plasmada na decisão recorrida, mas não foi valorizada. A medicação em causa, que devia ter sido prescrita, não foi prescrita. E não o foi por decisão conjunta, consciente e deliberada, dos Drs. AA e BB.
90. Porque mentiram aqueles profissionais médicos a uma familiar de doente e a uma Colega? E porque veio o denunciado mudar a sua narrativa quando foi inquirido nestes autos? Certamente porque sabiam ter cometido uma conduta ilícita, resultante num resultado trágico para a vida da ofendida, com impacto devastador na vida da Recorrente.
91. A ausência de memória das testemunhas inquiridas na instrução não é credível. Desde logo devido a:
• contacto tão próximo com familiar que é Colega médica;
• desfecho tão trágico e, de acordo com as declarações dos próprios arguidos no processo, inesperado;
• transmissão das notícias e o conforto à própria Recorrente, Colega médica, em lágrimas;
• a interação com a mesma semanas depois quando esta procurava informações; a existência de um processo-crime desta gravidade;
92. A ausência de credibilidade não pode ignorar-se, nem à luz do princípio da livre apreciação da prova, ínsito no art. 127.° do CPP, e deveria ter sido escrutinada pelo Tribunal a quo e valorada na decisão recorrida, à luz das regras da experiência comum. DA SUFICIENTE INDICIAÇÃO DA VERIFICAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE
93. Ocorreu errada apreciação da prova para aferição do preenchimento do nexo de causalidade entre facto e resultado jurídico, essencial para a pronúncia pelo crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137.°, n.°s 1 e 2 do Código Penal.
94. Tanto os antecedentes clínicos pessoais como a medicação habitual e a terapêutica efetuada nos episódios de urgência anteriores da ofendida foram registados em diário clínico, tanto no SU do ... (Doc. 1 junto com a denúncia crime, pp. 3 e 4), como no subsequente internamento de Medicina no ... (Doc. 1 junto com a denúncia crime, pp. 13, 29 e 31).
95. Segundo a folha de terapêutica (Doc. 1 junto com a denúncia crime, p. 35), a medicação habitual da ofendida não foi prescrita na totalidade, nomeadamente a Furosemida (diurético) - fármaco essencial ao controlo da sua patologia cardíaca.
96. Este facto constitui inequívoca violação das leges artis, tal como concluiu a perícia técnica requerida pela Recorrente e a perícia realizada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal (INML).
97. A Recorrente foi informada da situação clínica da sua mãe, da existência de um “pulmão branco” (sic) na radiografia de tórax (Doc. 1 junto com a denuncia-crime apresentada, p.33 refere a realização deste exame a .../.../2021; resultado a fls 381, vol2) e da forte possibilidade de lesão cerebral irreversível decorrente da paragem cardiorrespiratória sofrida.
98. Nos diários clínicos há referência a radiografia de tórax e ecocardiograma transtorácico (ETT) serem compatíveis com um edema agudo do pulmão (EAP) (Doc. 2 junto com a denuncia-crime apresentada, p4).
99. Um ECG foi pedido está em falta no processo, ou foi pedido e não efetuado ou foi efetuado e não entregue para o processo. Desconhece-se o resultado deste exame fundamental.
100. Ocorreu também pedido de uma TAC torácica no ... (com derrame pleural)
• Doc. 2_junto com a denuncia-crime apresentada, p5.
101. E. em consequência, clinicamente assumido pelos profissionais médicos independentes o referido Edema Agudo do Pulmão como causa da Paragem Cardiorrespiratória sofrida pela ofendida (“PCR EM CONTEXTO DE EAP”).
102. Esta opinião clínica é fundamental e não foi devidamente considerada na decisão recorrida, cuja fundamentação lhe não dedica a atenção devida, em contraponto com as perícias existentes nos autos.
103. Isto determinaria que todo este caso fosse avaliado segundo o “principio da Navalha de Ockbam”, isto é, que a explicação mais provável e mais simples, é normalmente a correta.
104. Face à manifesta ausência de resposta inequívoca no parecer do INML, sobre a existência de nexo causal, deveria essa ausência ter sido complementada com a ponderação das demais provas presentes nos autos. O que o Tribunal a quo, erradamente, não fez.
105. O parecer médico-legal junto aos autos pela Recorrente refere expressamente a existência de nexo de causalidade, concluindo que “existe nexo de causalidade entre o ato médico (não administração do diurético aliada à fluidotempia intensiva) e o dano (morte)."
106. Quanto ao preenchimento do nexo de causalidade, há que aferir a suficiente probabilidade deste se encontrar preenchido, isto porque certezas na medicina e na vida inexistem sempre. A dúvida atinente ao princípio in dúbio pro reo não é uma duvida qualquer, é uma dúvida razoável.
107. Esta ideia deve ser compatibilizada com o juízo de prognose positivo, isto é, com o juízo de terem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação aos arguidos de uma pena (cfr. art. 308.°, n.°1 do CPP).
108. Razão pela qual é intolerável para a Recorrente conformar-se com a decisão de não pronúncia que ora se sindica, visto que:
• não valorou devidamente o consenso pericial de ter ocorrido in casu violação das leges artis;
• não procurou escrutinar as discrepâncias entre a prova obtida quanto ao nexo de causalidade, verificando, se não diretamente, pelo menos através da valoração direta das declarações da Recorrente, que é médica e sempre acompanhou clinicamente a mãe, e da inquirição para esclarecimento e clarificação dos peritos que deram a sua opinião nos autos;
• Desconsiderou que a acumulação hídrica evidenciada pela ofendida é passível de causar edema agudo do pulmão e consequente paragem cardiorrespiratória, como pericialmente se estabeleceu nos autos.
• Desconsiderou que justamente em momento anterior (dia .../.../2021) terá sido pelo Dr. AA pedido o ECG que se encontra ainda hoje em falta - se o Dr. AA pensou que tudo estaria a evoluir favoravelmente com a ofendida, porque pediu este ECG? Se o Dr. AA não pediu este ECG, porque registou esse mesmo pedido?
109. Incompreensivelmente, preferiu o Tribunal a quo, erradamente, não pronunciar os arguidos, apesar de estar suficientemente indiciado o preenchimento de todos os elementos, objetivos e subjetivo, do tipo criminal em causa.
110. Em particular porque é clinicamente assumido pelos profissionais médicos o referido EAP como causa da PCR sofrida pela ofendida (“PCR EM CONTEXTO DE EAP”). Esta opinião clínica, manifestada expressamente no processo clinico por quem teve conhecimento do processo, é fundamental.
111. Tal como é fundamental, como já se disse e demonstrou com recurso à informação clínica disponível e por confronto com as declarações do Dr. AA, que a medicação em causa (furosemida) que devia ter sido prescrita, não foi prescrita. E não o foi por decisão conjunta, consciente e deliberada, dos médicos arguidos AA e BB ffls. 252v).
112. O que terá resultado em sobrecarga hídrica e cardíaca que ficou por detetar e tratar.
113. A ofendida não foi autopsiada, justamente porque foi entendimento dos profissionais médicos da Unidade de Urgência Médica que era clara a causa de morte: Edema Agudo do Pulmão (EAP) que culminou em Paragem Cardiorrespiratória (PCR). O que também uma opinião médica independente e que é coerente com a conclusão da perícia independente junta pela Recorrente.
114. Considerando toda a prova produzida nos autos resulta evidente que os profissionais médicos envolvidos atuaram de forma ilícita e culposa. Mais, resulta fortemente indiciado que atuaram com um grau elevado de culpa, isto é, com negligência grosseira.
115. Ao não prescreverem todo os meios de diagnóstico apropriados, ou a prescreverem alguns (como o caso do ECG de dia .../.../2021, em falta), mas os mesmos a não terem sido realizados, nem a medicação essencial e. em cúmulo, terem continuado a administrar volume à ofendida, os denunciados atuaram de forma ilícita e negligente e bem sabiam, ou pelo menos deviam e estavam obrigados a saber, que a sua conduta era violadora das leges artis médicas e que colocava em perigo concreto, sério e iminente a vida da ofendida, risco esse que, em resultado daquela conduta, previsivelmente. Infeliz e tragicamente, se veio a materializar, resultando na sua morte, que era uma morte de outra forma evitável.
116. Cometeram, pois, os denunciados, um crime de homicídio por negligência, p. e p. artigo 137.° do Código Penal, que, atenta a decisão instrutória recorrida se encontra violado.
117. Razão pela qual, deveria o Tribunal de Instrução proferir decisão de pronúncia contra os médicos denunciados, nos termos do artigo 308.°, n.° 1 do CPP, recolhidos que foram indícios de facto e de direito suficientes e se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação aos mesmos de uma pena pela prática do crime de homicídio por negligência.
118. Não sendo a obrigação dos profissionais médicos uma obrigação de resultado (no sentido em que não lhes pode ser exigido um resultado concreto), não deixam de ter uma obrigação de meios, sendo-lhes exigido que empreguem o melhor conhecimento e meios disponibilizados pela técnica e pela ciência (legis artis médica), de forma a não criar um risco não permitido que venha a concretizar-se numa lesão a um bem jurídico protegido. A conduta dos médicos em causa consistiu na violação de deveres objetivos de cuidado (legis artis médica).
119. Cuidado a que, segundo as circunstâncias do caso concreto, os mesmos estavam obrigados e de que eram capazes. Trata-se, portanto, inelutavelmente, de conduta ilícita e culposa, que criou um risco não permitido, concretizado em lesão concreta e grave, a morte da ofendida, o que justifica censura penal.
120. Considerando toda a prova recolhida - a pessoal, a documental e a pericial - resulta claro que um risco não permitido foi criado e que o mesmo se concretizou no resultado. E, muito importante, é ao Tribunal que cabe aferir o preenchimento deste requisito. atendendo a toda a prova coligida, o que não foi devidamente realizado pelo Tribunal a quo.
121. Caso tivesse o Tribunal a quo valorado a prova pessoal (declarações da Recorrente e dos denunciados, que inclui a admissão de violação das leges artisao não prescrever o fármaco que deveria ter sido prescrito), a documental (o processo clínico inclui expressamente a menção da causa de morte, tal como avaliada pelos profissionais médicos - PCR causada por edema agudo do pulmão) e a pericial (parecer independente do Dr. II que aponta claramente para violação das leges artisresultante na morte da Ofendida, bem como parecer do INML que aponta para a violação das leges artis) e não restaria outra decisão correta que não a de pronúncia.
122. Cometeram, pois, os denunciados, um crime de homicídio por negligência, p. e p. artigo 137.° do Código Penal.
123. Razão pela qual, deve o Tribunal ad quem corrigir a situação injusta criada pelo errado despacho de não pronúncia de que ora se recorre substituindo a mesma por decisão de pronúncia, nos termos do artigo 308.°. n. 'T do CPP. recolhidos que foram indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação aos mesmos de uma pena».
Da admissão do recurso
III. Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo.
Da resposta
IV. Notificados para tanto, responderam o Ministério Público e os arguidos.
IV.A. O Ministério Público concluiu seguintes termos (transcrição):
a. «A decisão valorizou correctamente a prova produzida nos autos, dando preponderância ao parecer do INML;
b. A decisão teve em conta que o referido parecer que constata que houve violação das leges artis, mas também segue o parecer quando diz que não se pode afirmar que elas foram causa da morte da doente;
c. A decisão fez bem ao concluir pela ausência de indícios suficientes no sentido de pronunciar os arguidos pelos crimes em questão».
IV.B. Os arguidos AA e CC remataram a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1. « Não foi produzida qualquer prova que sustente a prática de crime, sendo que a Consulta técnicocientífica do Conselho Médico-Legal do INMLCF não estabelece nexo de causalidade entre qualquer atuação ou omissão dos Arguidos e o dano morte.
2. Lamenta-se a dor da Assistente Recorrente, no entanto, não há qualquer matéria que permita prosseguir para a fase de julgamento, antes pelo contrário, dita o encerramento do processo, tal como decidido anteriormente, pelo que o Despacho sub judice seguiu escrupulosamente a lei, a jurisprudência e a melhor doutrina e não merece qualquer censura.
3. Nos pontos 8 a 21 das Motivações/Alegações de recurso a Recorrente faz, em grande parte, menções gerais e conclusivas face à sua discórdia com o Despacho, em todo o caso, e apenas para clarificar, no que concerne à alegada falta da inquirição do Relator da Consulta técnicocientífica do Conselho Médico-Legal (e não perito responsável de mera perícia), nota-se que a Assistente Recorrente não requereu a respetiva inquirição ao tribunal, tendo-se limitado a requerer que: “Seja oficiado o INML, concretamente o médico responsável e relator da perícia a fls. 404 e ss, Prof. Doutor JJ, no sentido de esclarecer as questões suscitadas na secção II. A) deste requerimento.” (cfr. requerimento de abertura de instrução).
4. Não foi requerida a presença do Exmo. Senhor Relator em audiência para efeito de esclarecimentos nem indicados quais os temas concretos que pretendia ver esclarecidos por escrito.
5. Sendo certo que, a Recorrente não retira qualquer consequência, nem requer qualquer esclarecimento nestes termos, defendendo a suficiência da prova produzida.
6. No que se refere à “A. DA ERRADA PONDERAÇÃO DA DIFERENTE PROVA PERICIAL EXISTENTE NOS AUTOS”, cumpre esclarecer que se discorda que a Consulta técnico-científica seja “cristalina” ao defender a existência de violação da legis artis com relevância nos presentes autos e que houvesse que dar primazia ao parecer técnico junto pela Assistente Recorrente.
7. É dada a tónica de que o parecer técnico apresentado pela Recorrente é independente e que o Julgador a quo apenas desconsiderou tal parecer com base no argumento de que “não é absolutamente alheio ao desfecho deste processo” e, portanto, na sua perspetiva, que não há qualquer razão para desconsiderar tal parecer.
8. O Despacho recorrido bem informa que “terá que se atender às conclusões espelhadas no parecer solicitado ao Conselho Médico Legal do INML, entidade creditada e competente para a realização das mesmas ao abrigo da Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto – artigo 2.º, n.º 1.”, pelo que há que contextualizar a decisão contida no Despacho recorrido e não considerar apenas partes do mesmo.
9. O parecer técnico, foi solicitado pela Recorrente, sem qualquer intervenção das entidades judiciárias, nomeadamente o Ministério Público e o Tribunal e pago por aquela e foi produzido com base em elementos cuja completude se desconhece, atento que apenas há referência a “registos clínicos disponibilizados” sem informar quais exatamente, e ainda com base, apenas e só, na “informação prestada pelo familiar da falecida, DD (Filha) em consulta comigo em .../.../2022” (cfr. pág. 2 a fls. 382), ao contrário do que ocorre com a Consulta técnico-científica do Conselho Médico-Legal do INMLCF.
10. A este propósito nota-se que a Recorrente refere que os elementos clínicos não estarão completos, mas a verdade é que o parecer técnico foi emitido ainda antes da Consulta técnicocientífica (aliás, o parecer técnico foi igualmente remetido ao INMLCF), pelo que, ao que se alcança, significará, aos olhos da Recorrente, que, não obstante não haja disponibilidade de toda a informação, há que confiar neste parecer técnico, o que nos parece um contrassenso.
11. O profissional que produziu tal parecer técnico não foi ajuramentado, nem foram apresentados quesitos, estabelecidos entre todos os envolvidos e as entidades judiciárias, não assumindo o respetivo parecer os contornos de uma prova pericial.
12. E as conclusões a que se chega no parecer técnico não estão, manifestamente, fundamentadas.
13. Por comparação, além da óbvia competência legal, decorre da mesma que o Conselho MédicoLegal, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 166/2012, de 31 de julho, não é composto unicamente pelo Relator.
14. Nesta esteira, sublinha-se que a Recorrente está equivocada quando refere que o Relator, Exmo. Senhor Professor Doutor JJ é “Doutor em Obstetrícia/Ginecologia” (cfr. ponto 63 das Alegações da Recorrente), atendendo que este alcançou a categoria de assistente graduado sénior da especialidade de Medicina Interna (última e mais alta categoria da carreira médica), foi durante largos anos Diretor de ... do Hospital de ... e ainda Diretor da ...bem como, entre outros, Professor Catedrático de ….
15.E ainda que assim não fosse, o que se não admite, a verdade é que o Conselho Médico-Legal é composto por mais de uma dezena de médicos, sendo um órgão colegial e multidisciplinar, o que não sucede quanto ao autor singular do parecer técnico.
16. Veja-se, a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/04/2012, no âmbito do Processo n.º 191/07.0TAACB.C1, e disponível em www.dgsi.pt, com as necessárias adaptações face à referência ao anterior diploma: “Conforme diz o art. 1º do D.L. nº 131/2007, de 27/4, o Instituto Nacional de Medicina Legal, I. P. é um instituto público integrado na administração indirecta do Estado e prossegue atribuições do Ministério da Justiça e um dos seus órgãos é, precisamente, o conselho médico-legal – art. 4º. Portanto, nem o INML, nem os seus órgãos, nem os seus peritos intervêm nos processos a título particular, no sentido de indicados por uma parte. Integram o Conselho Médico-Legal o presidente do conselho directivo do INML, osdirectores das Delegações do Norte, Centro e Sul do INML, um representante dos conselhosregionais disciplinares de cada uma das secções regionais da Ordem dos Médicos, dois docentesdo ensino superior de cada uma das áreas científicas de Clínica Cirúrgica, Clínica Médica,Obstetrícia e Ginecologia e Direito e um docente do ensino superior de cada uma das seguintesáreas científicas: Anatomia Patológica, Ética e ou Direito Médico, Ortopedia e Traumatologia,Neurologia ou Neurocirurgia e Psiquiatria – art. 6º, nº 1. Quanto às suas competências, compete a este conselho «exercer funções de consultadoria técnico-científica, designadamente emitir pareceres sobre questões técnicas e científicas de natureza pericial» – art. 6º, nº 2, al. a). E a forma de intervenção do Conselho Médico-Legal é, precisamente, através da “consulta técnicocientífica”. Assim se chama a intervenção técnica deste órgão – art. 6º, nº 2, al. a), e 3. A Consulta técnico-científica do Conselho Médico-Legal pode ser solicitada, além do mais, pela Procuradoria Geral da República (art. 6º, nº 3) e os pareceres emitidos, no âmbito da consultatécnico-científica, «são insusceptíveis de revisão e constituem o entendimento definitivo doconselho sobre a questão concretamente colocada, (...) Então, numa hierarquia de valoração da prova pericial, o valor a atribuir aos pareceres do conselho médico-legal superam, em toda a linha, o valor do parecer pericial já que aqueles, e repetindo, «constituem o entendimento definitivo do conselho sobre a questão concretamente colocada». E bem se percebe o especialvalor do parecer do conselho: provem de um órgão colegial e especialmente dotado de conhecimentos técnico-científicos para se pronunciar sobre a questão. Por isso mesmo a lei determina a impossibilidade de revisão dos pareceres emitidos por este órgão. Assim, em caso deconflito entre o parecer do Conselho Médico-Legal e o relatório pericial, a primazia tem que seratribuída, é claro, ao parecer deste conselho. Agir de modo diferente seria, de uma forma ínvia,aceitar a revisão daquele parecer, proibida por lei, ainda por cima com base num “simples”parecer de um perito”. – sublinhados e realces introduzidos nesta oportunidade.
17. A prova pericial constitui uma prova tarifada ou taxada, conforme disposto no art.º 163.º do CPP, nada obstando a que o Julgador adira à que dê maiores garantias, como ocorreu no caso dos autos.
18. Não obstante o parecer técnico não configure prova pericial propriamente dita, ainda que assim fosse, e não se encontrando afastada a possibilidade de divergência do teor do parecer dos peritos conforme resulta do nº 2 do referido art.º 163.º do CPP, tal divergência sempre terá de “(…) assentar em perícia ou parecer similar de sinal contrário ou diferente, que comprometa o primitivamente existente, ou, então, derivar da não prova dos factos em que tal parecer se estribava, retirando-lhe actualidade ou, se quisermos, suporte fáctico alicerçante”, conforme pode ler-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26/01/2022, disponível em www.dgsi.pt.
19.No caso, o Julgador considerou a prova pericial que dava maiores garantias, a qual, sublinha-se, se baseia em melhores bases científicas e garantias do que o mero parecer técnico apresentado pela Recorrente.
20. Foi, assim, produzida a prova pericial pelo organismo público de serviço especializado de apoio técnico pericial aos tribunais neste caso, o Conselho Médico-Legal do INMLCF a qual deve prevalecer sobre o parecer técnico em causa, não colhendo a argumentação expendida pela Recorrente.
21. Vejamos agora o conteúdo da Consulta técnico-científica e do parecer técnico.
22. O parecer técnico funda-se em meras conclusões a propósito de alegada sobrecarga hídrica em razão da não administração de um diurético (Furosemida) que, supostamente, levou à ocorrência de um edema agudo do pulmão que terá provocado, por sua vez, o dano morte.
23. Porém, na Consulta técnico-científica pode ler-se que inexiste tal nexo de causalidade.
24. Em resposta ao quesito 4, quanto a eventual sobrecarga hídrica, informa-se na Consulta técnicocientífica que: “Contudo, nos dias seguintes há novamente registo de auscultação pulmonarnormal. Acresce que nas várias observações ao longo do internamento há sempre referência aausência de edemas periféricos e estão descritas mucosas desidratadas na observação de.../.../2021. Assim, (…) não nos é possível concluir que existisse sobrecarga hídrica com traduçãoclínica.” – sublinhados introduzidos nesta oportunidade.
25. Quando se diz que não é possível concluir é porque existe prova do seu contrário, nomeadamente a falta de edemas e mucosas desidratadas, o que significa que não havia sobrecarga hídrica, antes pelo contrário.
26. Em resposta ao quesito 6 e quanto à eventual não prescrição de antibioterapia, o Conselho Médico-Legal transmite que: “Não fazer pode levar ao agravamento da infeção com evolução para sepsis, de que não há sinais sugestivos no caso em concreto.” – sublinhado ora introduzido, sendo que a resposta é clara, a não prescrição de antibioterapia não teve consequências.
27. Em resposta aos quesitos 7 e 9, e quanto à eventual descompensação da insuficiência cardíaca (que levasse à paragem cardio-respiratória e edema agudo do pulmão), refere o Conselho Médico-Legal que existem “registos subsequentes referindo auscultação normal; é sempre registada ausência de edemas periféricos (…). Pelos registos clínicos não se pode concluir queexistisse descompensação da insuficiência cardíaca antes da PCR” e ainda que “No dia .../.../2021 (…) não são apontados dados que sugiram descompensação da insuficiência cardíaca” - sublinhados ora introduzidos.
28. Logo, quando não pode concluir-se que exista descompensação, então não pode dizer-se que há indícios de que tal ocorria e muito menos por responsabilidade dos Arguidos Recorridos.
29. Em resposta ao quesito 11 a propósito de a radiografia feita após PCR indicar edema agudo do pulmão, afirma-se na Consulta técnico-científica que: “A congestão pulmonar então observada poderia ser causa ou consequência da paragem cardiorrespiratória.” – sublinhado e realce ora introduzidos.
30. Ou seja, não se sabe se o eventual edema ou congestão pulmonar são prévias ou posteriores à PCR.
31. Em resposta ao quesito 12, e quanto à respetiva causa/origem da PCR, informam os membros daquele Conselho Médico-Legal que: “Não existem dados nos registos clínicos, a priori, que permitam conhecer com rigor a causa da paragem cardiorrespiratória.”, pelo que se não se consegue saber qual a origem, tal não pode significar qualquer indício da prática de um crime, mas exatamente o oposto.
32.Em resposta ao quesito 13, quanto à causa da morte: “cujas considerações sobre o contexto e eventual causa não são possíveis de apurar pelos registos (…).” – sublinhado ora introduzido – isto é, e novamente, in dubio pro reo e não o inverso.
33. Em resposta ao quesito 14, quanto à hipotética e não provada sobrecarga de volume de fluídos e alegada causa da morte em razão da não prescrição de diurético em conjugação com a administração de fluídos: “há registos pormenorizados da diurese e não estão anotados sinaisclínicos de sobrecarga hídrica, até ao episódio de paragem cardiorrespiratória (…) não faz supor um balanço hídrico fortemente positivo.” – sublinhados ora introduzidos.
34. Ou seja, não houve qualquer sobrecarga de volume hídrico, em consonância com o já respondido no quesito 4 pelo Conselho Médico-Legal do INMLCF.
35. Em resposta ao quesito 16, quanto à eventual violação das leges artis, o Conselho Médico-Legal questiona algumas atuações ou omissões, mas não relaciona qualquer dessas como “diretamente relacionada com o episódio de PCR e a evolução fatal da doente” (realce ora introduzido), sendo referido que não obstante a eventual existência de violação de leges artis “não se possa/pode afirmar que foi causa da PCR e da morte da doente.”
36. A Assistente Recorrente apresentou um mero parecer técnico, de valor muito inferior à prova pericial ora analisada, sendo que o próprio Conselho Médico-Legal, conhecedor de tal parecer, não se coibiu de dar o seu melhor entendimento, informando, em todo o caso, que nas conclusões de tal parecer não se considerou que houve diurese e que não havia menção nem a edemas periféricos, nem a qualquer quadro de edema agudo do pulmão prévio à PCR, como consta dos elementos clínicos.
37. Este parecer técnico, feito por pessoa não ajuramentada, não tem em consideração tal enquadramento e apenas elabora em meras hipóteses não fundamentadas, com utilização de verbos na forma condicional ou equivalentes, como “eventual sobrecarga”, “poderá ter motivado”, “poderá ter condicionado”, e, para surpresa, a final informa que “existe nexo de causalidade” entre a suposta instituição de fluidoterapia e não administração do diurético e o dano morte, embora não sem antes dizer que “poderá ter levado”, acrescentando no último ponto a este respeito que, mais uma vez, “poderá ter condicionado a instalação de um quadro de edema pulmonar agudo com resultado morte”., sempre a notar a sua incerteza.
38. Pelo que bem andou o Tribunal a quo ao dar prevalência às conclusões da Consulta técnicocientífica e ao decidir pela não pronuncia dos Recorridos Arguidos.
39. Nas Alegações da Recorrente são feitas diversas referências a matérias técnicas de forma conclusiva e sem qualquer substrato técnico-científico, havendo, sim, que considerar a Consulta técnico-científica face aos conhecimentos científicos ali inerentes.
40. Quanto à suposta sobrecarga hídrica há que estabelecer que o balanço hídrico (“BH”) é o cálculo da diferença entre a entrada e a saída de líquidos num doente, num determinado período de tempo, - normalmente 24h -, sendo que as “entradas” correspondem aos líquidos administrados ou ingeridos [p. ex.: soro por via endovenosa (EV), alimentação (incluindo entérica/parenteral), água, medicamentos diluídos e sangue], e as “saídas” aos líquidos excretados ou eliminados [p. ex.: urina, vómitos, diarreias, drenagens, perdas por sonda nasogástrica, perdas insensíveis (suor, respiração — estas são geralmente estimadas)], sendo que há que considerar-se o balanço hídrico total ou acumulado, no caso em questão, tem-se, por sua vez, que “Balanço Hídrico total / acumulado = Balanço Hídrico no Serviço de Urgência [SU] + Balanço Hídrico na enfermaria”.
41.No que à análise status volémico da doente diz respeito, que o cálculo do BH ganha considerável importância, comparativamente com a interpretação isolada dos valores de diurese e da fluidoterapia endovenosa administrada, que poderá só por si induzir em erro, pelo que o cálculo do BH deve, então, ser considerado, em detrimento da análise isolada das entradas e saídas, uma vez que as segundas são fisiologicamente dependentes das primeiras.
42. Conforme evidenciado em Alegações, à data da última observação da doente antes da PCR, pelas 11h do dia ..., a mesma apresentava um Balanço Hídrico negativo de 5689mL, pelo que, em caso algum, um BH negativo desta ordem poderá ser compatível com a sobrecarga de volume defendida pela Recorrente, inexistindo qualquer justificação para tal.
43. Face ao exposto, e no que respeita à diurese (secreção de urina), como já referido, a conclusão contida na Consulta técnico-científica informa que não havia sobrecarga hídrica, pelo que não é porque a Recorrente insiste neste ponto que passa a ser uma inverdade, sendo que não pode a Recorrente laborar em hipóteses ou extrapolações só para obter uma pronúncia dos Arguidos.
44. Vejamos ainda os achados à auscultação pulmonar e ausência de edemas dos membros inferiores.
45. Relativamente à auscultação pulmonar, existe efetivamente referência à auscultação de “fervores bibasais” à admissão, que a Assistente Recorrente defende como possível tradução de congestão pulmonar por sobrecarga hídrica, no que se não concorda.
46. Perante uma doente admitida por lesão renal aguda (LRA) de causa obstrutiva, é expectável ou, pelo menos, provável, que se encontre um abdómen globoso decorrente do processo de retenção urinária, o que por sua vez poderá condicionar achados na avaliação de outros sistemas orgânicos, como seja o pulmonar ou respiratório. Isto é, na presença de obstrução urinária baixa existe uma distensão significativa da bexiga, a qual pode desencadear efeitos mecânicos sobreestruturas adjacentes, o que era também o caso na situação aqui exposta, conforme descrito em relatório da ecografia renal realizada no serviço de urgência, que descreve “Hidronefrose grau 1/3 de predomínio direito (...) Bexiga muito distendida (...)” – fl. 114v, vol. Certidão – o que explica o achado “abdómen globoso”, conforme registo relativo ao exame objetivo à admissão na enfermaria – fl. 121, vol. certidão.
47. Nesta situação, espera-se da auscultação pulmonar, ou existe mais uma vez a possibilidade, de encontrar, atelectasias basais que se traduzem por estertores inspiratórios finos transitórios, facilmente ouvidos como e, consequentemente, descritos como fervores bibasais, que se traduzem num mero efeito mecânico, em nada relacionado com patologia pulmonar primária, mas sim com a pressão abdominal que condiciona uma elevação do diafragma e limita a excursão respiratória.
48. Mais ainda, se a retenção urinária for aliviada [p. ex.: com sonda vesical], a distensão abdominal desaparece, o diafragma volta à posição habitual e a auscultação deve normalizar. Tal assim aconteceu, descrevendo-se das observações subsequentes “ausência de ruídos adventícios.”, o que, no caso, corresponde a uma auscultação perfeitamente normal, sem alterações, não sendo correto extrapolar-se que estes correspondem a indício de quadro de derrame pleural.
49. No que à ausência de edemas diz respeito, a Recorrente alega que são dependentes da gravidade, tentando procurar justificar quadro de Insuficiência Cardíaca aguda que não existia.
50. Conforme pode consta dos registos de enfermagem durante a sua permanência na enfermaria, a doente manteve sempre a sua autonomia, deambulando pelo serviço sem necessidade de auxílio, sendo que ainda que permanecesse em decúbito (deitada) no leito durante a maior parte do tempo, a gravidade também se faz sentir nessa posição, pelo que tal não explicaria a ausência de edemas, pelo que persistir na possibilidade de que a ausência deste achado não permite afastar a existência de sobrecarga hídrica, configura um novo equívoco.
51.Depois a Assistente Recorrente tenta chamar à colação o eletrocardiograma (ECG) que foi pedido pelo Arguido AA pelas 17h00 de dia 26 enquanto exame de rotina, mas que, uma vez que inexiste resultado, não terá sido realizado no próprio dia, provavelmente, por razões alheias ao Arguido e ligadas à própria instituição, pelo que a Recorrente confunde o pedido de realização de ECG, com a realização efetiva do ECG.
52. Em todo o caso e em bom rigor, na Consulta técnico-científica pode ler-se, nas páginas 8 e 9, que: “Importa referir que não encontrámos imagem ou relatório de radiografia efetuada antes da PCR e a não ter sido feita pode considerar-se também uma violação das leges artis (…). Uma vez mais teremos de salientar que esta falha, atendendo à descrição clínica do estado da doente, não sepode considerar diretamente relacionada com o episódio de PCR e a evolução fatal da doente.” – sublinhados ora introduzidos.
53. Logo, esta questão não é relevante para o que pretende apurar-se, pelo que não deveria ser geradora de preocupação ao Julgador a quo, notando-se, em todo o caso, que no que concerne à radiografia de tórax, a sua prescrição é ponderável quando na presença de sintomas respiratórios com sinais de alarme, o que não ocorria no caso.
54. A testemunha Dr. HH, que emitiu o certificado de óbito, não estabeleceu qualquer nexo causal entre a conduta dos Arguidos e o evento morte, sendo certo que a Recorrente não faz referência às passagens das declarações prestadas em sede de instrução em que pretende apoiar as suas conclusões.
55. Acresce que não foi pedida autópsia, atento que a morte ocorreu em ambiente hospitalar, não havendo indícios da prática de crime, logo, cabia à Assistente Recorrente, se assim pretendesse, requerer a realização de autópsia para efeito de apuramento de eventuais responsabilidades.
56.Assim, no certificado de óbito são apontadas algumas situações clínicas da doente e hipóteses, que podem ou não ser a efetiva causa da morte, e não a causa de morte apurada nos mesmos termos de uma autópsia, pelo que não é de acolher a argumentação da Assistente Recorrente sobre este tema.
57. Inexiste, assim, qualquer erro na ponderação da prova pericial constante da Consulta técnicocientífica e o parecer técnico junto pela Assistente Recorrente.
58. Vejamos o capítulo “B. DO ERRO APRECIAÇÃO QUANTO ÀS LACUNAS E INCOERÊNCIAS DA PROVA DOCUMENTAL E PESSOAL” invocado pela Assistente Recorrente.
59. No que concerne ao ponto “i. Das lacunas e incoerências dos registos clínicos”, e quanto ao ECG reproduz-se o já concluído supra, sendo certo que não é fundamental para a ponderação dos factos nos presentes autos, atendendo que, mesmo o que foi considerado como eventual incorreção das leges artis, não tem relevância para o apuramento das causas da “evolução fatal da doente”, pelo que nada havia a aprofundar a este título.
60. Quanto à falta de prescrição de Furosemida (diurético), o Conselho Médico-Legal também confirma que não pode concluir-se por qualquer sobrecarga hídrica em razão da falta de toma, pelo que também este tema foi respondido no sentido da não pronuncia dos Arguidos Recorridos.
61. Assim, embora o Conselho Médico-Legal tenha referido que a falta de prescrição “é questionável”, a verdade é que “não encontrámos nos registos clínicos evidência de sobrecarga de volume, pelo que não se pode atribuir inequivocamente à falta de terapêutica diurética ou à fluidoterapia efetuada a evolução final da doente.”
62.No ponto “ii. Das lacunas e incoerências da prova pessoal”, a Assistente Recorrente insiste que o Arguido, Dr. AA, médico interno no primeiro ano de especialidade à data, lhe terá transmitido que a Mãe estaria a fazer a medicação de Furosemida (diurético), do que não fez prova e, ainda que fizesse, tal não tem relevância uma vez que já foi declarado pelo Arguido, e coincide com os registos clínicos, que tal administração não foi feita, - que, aliás, se manteve na UUM para a qual foi transferida após o episódio de PCR -, pelo que já não se trata de matéria, sequer, controvertida.
63. Com todo o respeito pela dor da Assistente e pela memória da doente, e por mais críticas que possamos fazer ao funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, não vemos que este tema, mais uma vez, tenha relevância.
64. Quanto às testemunhas, apenas se sublinha que a Recorrente se cinge a tecer considerações sem mais, não sendo razoável que os profissionais de saúde se recordem de todos os casos em que trabalham, especialmente numa área como a Medicina Interna e, em especial, na ....
65. Inexistem quaisquer lacunas como expressado pela Recorrente e, na dúvida, tem que considerarse o princípio constitucional da presunção de inocência e não o oposto.
66. Quanto ao capítulo “C. DA SUFICIENTE INIDICAÇÃO DA VERIFICAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE”, a Assistente Recorrente volta a trazer à colação os temas já tratados noutros pontos e já respondidos nas presentes contra-alegações e conclusões, pelo que os damos por reproduzidos e ainda que se considerem eventuais falhas, as mesmas não têm relevância para o apuramento da responsabilidade dos Arguidos nesta sede, não sustentando a prática de um crime por homicídio negligente.
67.A Assistente Recorrente tenta concluir de forma díspar à prova produzida, tirando ilações de premissas que geram dúvida e não qualquer certeza ou fumus de certeza.
68. Releva, pois, que se trata de um processo penal, e, portanto, nunca pode ultrapassar-se o princípio in dubio pro reo, que decorre da presunção constitucional de inocência, nos termos do disposto no art.º 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, pelo que o Tribunal a quo não poderia ter decidido de outra forma, uma vez que as dúvidas quanto ao processo causal conducente a tal desfecho e quanto à sua origem, sempre teriam de ser resolvidas em benefício dos Arguidos.
69. Logo, num juízo de prognose a condenação dos Arguidos é muito improvável, para não dizer impossível.
70. E mais ainda quanto à Arguida Dra. CC, uma vez que, desde a queixa, não foi invocado qualquer facto ou omissão que lhe seja imputado e que possa levar a qualquer condenação pela prática de um crime, sendo certo que a mesma apenas interveio aquando da PCR e em contexto de urgência, nada sendo apontado à sua intervenção.
71. Andou bem o Tribunal a quo ao considerar não haver matéria para sustentar uma condenção em fase de julgamento, pelo que se conclui pelo não provimento do presente Recurso, o que se requer».
IV.C. A arguida BB apresentou as seguintes conclusões (transcrição):
« I. Da Decisão Instrutória Recorrida
A Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, após análise da prova produzida em sede de instrução, proferiu douta decisão de não pronúncia, por entender não existirem indícios suficientes da prática do crime de homicídio por negligência por parte da Arguida. A decisão recorrida baseou-se, fundamentalmente, na análise conjugada da prova pericial, em especial na "Consulta técnico-científica" realizada pelo INML, que concluiu pela existência de violação da legis artis, mas sem estabelecer o nexo de causalidade entre tal violação e o resultado morte.
II. Da Legalidade e Correção da Atuação da Arguida
Contrariamente ao alegado pela Recorrente, a atuação da Arguida, BB, foi pautada pela legalidade e correção técnica, em conformidade com as leges artis e o conhecimento científico disponível à época. Senão vejamos:
1. Análise Pericial Detalhada e Fundamentada: A decisão instrutória recorrida, ao contrário do alegado pela Recorrente, não se baseou unicamente na perícia do INML. A Meritíssima Juíza a quo procedeu a uma análise conjugada de toda a prova pericial produzida nos autos, incluindo o parecer médico-legal apresentado pela Assistente. Contudo, e bem, valorou de forma preponderante o parecer do INML, por se tratar de entidade independente e competente para a emissão de pareceres técnico-científicos desta natureza.
2. Inexistência de Nexo de Causalidade Comprovado: Ainda que o INML tenha identificado a existência de violação da legis artis, não foi possível estabelecer, com o grau de certeza exigido em processo penal, o nexo de causalidade entre tal violação e o resultado morte. A ausência de nexo de causalidade é elemento fundamental para a exclusão da responsabilidade penal por negligência, nos termos do artigo 137.º do Código Penal.
3. Decisões Médicas Fundamentadas: As decisões médicas tomadas pela Arguida, em conjunto com os demais profissionais de saúde, foram devidamente fundamentadas na situação clínica da paciente e na evolução do seu quadro clínico. A decisão de não administrar o diurético Furosemida, foi tomada com o objetivo de preservar a função renal da paciente, conforme explicitado pelo Dr. AA.
4. Complexidade da Matéria Médica: A matéria em discussão nos autos reveste-se de elevada complexidade técnica, exigindo conhecimentos especializados em medicina. A decisão recorrida demonstra um profundo conhecimento da matéria, analisando de forma crítica os diversos pareceres e a prova documental, não se limitando a uma análise superficial ou literal.
5. Valor reforçado da prova pericial: A decisão recorrida valorou a prova produzida nos termos da lei, atribuindo à consulta técnico científica valor reforçado, como o impõe ao artigo 163.º, n.º 1 do CPP. Com efeito, não tendo o julgador conhecimentos técnicos iguais aos dos peritos, não poderá, sem mais, desconsiderar o resultado obtido pela perícia (art.º 163º do CPP), com base em prova testemunhal e declarações da assistente, ainda que com conhecimentos científicos.
Ou seja, tratando-se de prova pericial o resultado obtido pela mesma apenas pode ser colocado em crise por outro meio de prova idêntico, com o mesmo valor probatório, e nunca pela análise de um parecer e/ou pelas declarações da recorrente (cujo interesse pessoal na causa é manifesto).
6. Ausência de Negligência Grave: Para que se configure o crime de homicídio por negligência, é necessário que a conduta do agente traduza uma violação grave do dever de cuidado, o que não se verifica no presente caso. A Arguida atuou com a diligência e o cuidado exigíveis a um profissional de saúde, ponderando os riscos e benefícios da intervenção terapêutica, naquele momento e face aos dados existentes».
Do parecer nesta Relação
V. Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público tendo sido emitido parecer que concluiu pela improcedência do recurso.
Da resposta ao parecer
VI. Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, nada foi acrescentado.
VII. Proferido despacho liminar, em que se corrigiu o efeito do recurso (passando a devolutivo), e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
OBJETO DO RECURSO
O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º/2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995).
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respetiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar. Se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objeto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões.
Desta forma, tendo presentes tais conclusões, a questão a decidir é apurar da adequação do juízo de não pronúncia dos arguidos pelo crime que lhes era imputado.
DA DECISÃO RECORRIDA
Na decisão recorrida, depois de se decidir a improcedência de nulidades suscitadas e de se discorrer sobre a fase de instrução e sobre o crime de homicídio por negligência, consta o seguinte (transcrição):
«(…)
IV – OBJECTO DA PRESENTE INSTRUÇÃO
Delineadas as directrizes que de acordo com a lei emolduram esta fase processual importa, neste momento, apreciar as concretas questões suscitadas pela assistente no seu requerimento de abertura de instrução sendo o objeto do processo nesta fase é delimitado pelo despacho de arquivamento do Ministério Público e pelo referido requerimento da assistente.
Ademais importa apreciar os indícios recolhidos nos autos quer em fase de inquérito quer em fase de instrução para comprovação típica desta fase em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. O despacho de não pronuncia deverá ser proferido sempre que, perante o material probatório constante dos autos, não se indicie que o arguido, se vier a ser julgado, venha provavelmente a ser condenado, sendo tal probabilidade um pressuposto indispensável da submissão do feito a julgamento.
A assistente pretende a pronuncia dos arguidos pela prática do crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo artigo 137º, n.º 1 do Código Penal.
O despacho de arquivamento discrimina os elementos probatórios em que se sustenta.
Cumpre, desde logo, afirmar que o manancial de prova trazida aos autos na fase de inquérito não permite considerar suficientemente indiciados os factos, sendo certo que tal não foi sequer abalado ou fragilizado pela realização da fase de instrução.
Para tal conclusão concorrem, desde logo, as declarações da assistente e das testemunhas que foram ouvidas na instrução. Com efeito, a assistente explicou o acompanhamento e conhecimento da situação de saúde da mãe com doença psiquiátrica e cardíaca – tinha insuficiência cardíaca que se foi agravando ao longo do tempo fazendo diurético de uso diário há vinte anos e em ........2021 foi ao serviço de urgência tendo a assistente falado com ela vendo-a confusa, desorientada e levou-a ao ... dando informação incluindo medicamentos da mãe que estava com lesão renal aguda por obstrução tendo ficado internada e algaliada, ficou a soro, a mãe disse-lhe que as coisas estavam a correr bem e sentia-se melhor, esteve lá vinte e quatro horas, e foi transferida para internamento em Medicina Interna no ...onde sabiam do diurético mas não lhe faziam o diurético o que a assistente, médica, diz que não é correcto e foi falando com a mãe ao telefone que lhe disse que a infecção urinária já estaria resolvida pelas análises mas a mãe teve paragem respiratória achando a assistente que não lhe deram o diurético por esquecimento ou desconhecimento das boas praticas.
Explicou ainda que um mês depois foi à Medicina nos … falar com o colegas que acompanharam a mãe e falou com o Dr. AA e com a chefe de serviço tendo o primeiro lhe dito que estava a fazer furasemida mas na folha terapêutica não constava esse diurético assim como explicou a assistente que não teve interacção com a Dra. BB que é a médica especialista responsável pelo Dr. AA que era interno na altura mas não é responsável do estágio nem é orientadora do Dr. AA.
Ainda explicou a assistente que dia 24 e 25 viu melhoria dos parâmetros na documentação clínica e também do que falou com a mãe mas não sabe se a Dra. BB teve intervenção no dia 24, nunca disse que a Dra. BB estava na ... mas no dia 25 estava no internamento.
A testemunha KK disse não se recorda da situação tal como a testemunha LL enquanto que a testemunha MM explicou que recebeu a doente quando entrou por ter lido mas não se recorda assim como a testemunha
NN disse que não se recorda da doente e a testemunha HH acompanhou a doente nos cuidados intensivos e fez o certificado de óbito com causa da morte por edema agudo do pulmão explicando como apurou a causa da morte.
Iniciaram-se os presentes autos com a apresentação de queixa por DD contra o Dr. AA, médico não especialista e a Dra. CC, médica não especialista, por em suma, não ter sido prescrita na totalidade a medicação habitual da paciente – furosemida, ou prescrita antibioterapia empírica para ITU, não prescrição de exames médicos após sintomas de insuficiência cardíaca, e que consubstanciam, em abstrato, a prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punível pelo artigo 137º, n.º 1 do Código Penal, e ainda um crime de intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos arbitrários, previsto e punível pelo artigo 156º, n.º 1 do CódigoPenal.
Deu-se início ao inquérito, tendo sido realizadas todas as diligências que se afiguraram úteis, pertinentes e possíveis em ordem ao esclarecimento dos factos, à avaliação dos indícios probatórios existentes e ao seu correto enquadramento jurídico-penal.
Foi junta aos autos documentação clínica da paciente (fls. 27-63, 131-183, 201- 228).
Procedeu-se à inquirição da assistente (cfr. fls. 126) a qual confirmou o teor da queixa apresentada, acrescentando não ter sido efetuada autopsia médico legal porquanto a causa de morte ficou estabelecida como tendo sido edema agudo do pulmão, informando, ainda, que em contacto com o Dr. AA o mesmo confirmou ter sido prescrito e administrado o fármaco furosemida.
Procedeu-se à inquirição do Dr. AA (cfr. fls. 252) que, em suma, declarou que à data de ... de 2021 exercia funções de médico interno no ..., recordando-se que a paciente EE chegou ao serviço no dia ........2021 com diagnostico no Serviço de urgência de nefropatia obstrutiva com lesão renal aguda.
Mencionou que chegou ao serviço algaliada, não se recordando de efetuava soro.
Nessa referida data observou a paciente e depois de levar o caso à sua médica assistente Dra. BB, determinou o tratamento e terapêutica.
Acrescentou que dada a situação clínica da doente, no dia 25 e 26 nada fazia prever o desfecho que ocorreu no dia 27 uma vez que a função renal melhorou, manteve bons débitos urinários e as medidas tomadas – algaliação e fluidoterapia eram suficientes e adequadas a melhorar a lesão renal.
Mencionou que os fervores bibasais detetados no dia ... já não foram detetados no dia 26 pelo que foi o seu entendimento que apesar de ter conhecimento da medicação habitual da doente, que a administração do diurético furosemida seria, no caso e no momento contraproducente, pois que poderia agravar a função renal, sobrecarregando as capacidades dos rins.
Por fim declarou não ter sido desconsiderada a medicação habitual, apenas tomou a decisão de não administrar naquele momento, tendo todas as decisões tomadas relativas ao tratamento e prescrição medicamentosa sido acompanhada e discutida com a médica assistente.
Procedeu-se à inquirição da Dra. OO que, em suma, declarou não ter tido intervenção direta na intervenção ou conhecimento da mesma.
Questionada da forma como o médico em internato exerce funções, declarou que o Dr. AA trabalhava sob supervisão de um médico sénior sendo que a decisão a tomar é partilhada.
A discussão do plano terapêutico, diagnostico e estratégia é discutida com um médico sénior e decidida em conjunto.
Confrontada com os registos clínicos constantes do processo declarou que a Dra. CC se encontrava de urgência interna tendo sido chamada cerca das 01h10m.
Acrescentou que até às 0 horas a doente apresentava um quadro clínico “normal” e por volta da 1 hora apresentava quadro de desorientação, evoluindo para situação de paragem, iniciando manobras de paragem, acionando a equipa de emergência e a EMI.
No seu entender a situação foi inesperada.
Acrescenta que aplicar diurético numa doente em insuficiência renal aguda obstrutiva em ponto de melhoria não é atitude que se recomende ou uma boa prática.
Quando teria recomendação para retomar o diurético poderia ser posteriormente avaliado.
Foi inquirido HH, enfermeiro, que interveio aquando da paragem cardiorrespiratória.
Procedeu-se à inquirição da Dra. PP que interveio aquando da paragem cardiorrespiratória.
Foi inquirida Dra. QQ tendo declarado não ter seguido a doente mas o Dr. AA, e referiu o diagnóstico com que a doente foi admitida assim como a prescrição medicamentosa aplicada, tendo declarado que a não administração de furosemida foi uma opção clínica consciente.
Por fim mencionou que a paragem cardiorrespiratória foi súbita.
Procedeu-se à inquirição da Dra. BB que declarou, em suma, que a função renal da doente evoluiu positivamente, acrescentando a prescrição medicamentosa e intervenção nos auto
Foi inquirida Dra. CC que declarou que a única intervenção que teve nos autos foi aquando da paragem cardiorrespiratória da paciente, tendo após a sua estabilização solicitado TAC que seria realizado no ... atendendo ao facto de o ... não ter disponibilidade durante o período noturno para a sua realização a título urgente pelo que seria contraproducente aguardar a sua realização.
A assistente juntou aos autos documentação clínica assim como um parecer médico-legal que conclui pela verificação de violação das leges artis atendendo à existência de nexo de causalidade entre o ato médico (não administração do diurético aliada à fluidoterapida intensiva) e o dano morte (cfr. fls. 382-391).
Foi solicitado pedido de consulta técnico científica e ética ao Conselho Médico Legal do INML que, em suma, concluiu pela verificação das leges artis, embora não se podendo afirmar que foi causa da PCR e da morte da doente.
No caso dos autos importa referir que, em abstrato, estamos perante negligência médica com eventual violação de leges artis.
A responsabilidade penal por negligência tem caráter excecional.
Assim, tal como é referido no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 30.01.2019, processo n.º 15849/13.6TDPRT.P1: “Do conceito legal de negligência fala-nos o art.º 15.º do Código Penal, nos termos do qual age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, representa como possível a realização de um facto correspondente a um tipo de crime, mas atua sem se conformar com essa realização (negligência consciente) ou não chega, sequer, a representar a possibilidade de realização do facto (negligência inconsciente).
A violação do dever de cuidado objetivamente devido é elemento essencial e característico dos crimes negligentes, mais precisamente, do tipo de ilícito negligente, com o que se pretende designar a «violação de exigências de comportamento tipicamente específicas, cujo cumprimento o direito requer, na situação concreta respetiva, para evitar o preenchimento de um certo tipo objetivo de ilícito”.
Apesar de se reconhecer uma certa indefinição da estrutura dogmática do tipo legal que corresponde ao facto negligente, é a violação do dever de cuidado que caracteriza a negligência.
O tipo de ilícito não se basta com a causação de um resultado por determinada conduta do agente, é imprescindível que tenha ocorrido a violação, pelo mesmo agente, do dever objetivo de cuidado que sobre ele impendia e que conduziu à produção do resultado típico.
Entre os critérios concretizadores do cuidado objetivamente devido, para o caso, importa destacar os seguintes: - as normas corporativas, que são normas (não jurídicas) fixadas ou aceites por certos círculos profissionais e análogos destinadas a conformar as atividades respetivas dentro de padrões de qualidade e, nomeadamente, a evitar a concretização de perigos para bens jurídicos que de tais atividade pode resultar, como é o caso das leges artis da atividade médica; - os costumes profissionais comuns ao profissional prudente, ao profissional-padrão. Aqui, o que serve de critério é a não correspondência do comportamento àquele que, em idêntica situação, teria um homem fiel aos valores protegidos, prudente e consciencioso.
Dúvidas não restam que se exige, para o preenchimento do tipo legal do artigo 137º do Código Penal, que o agente atue com preterição do dever de cuidado que lhe era exigível, uma atuação sem a diligência devida, violando, o dever, tanto objetivo como subjetivo, de cuidado, que é necessário ter em conta nos comportamentos que previsivelmente podem ocasionar a morte de outra pessoa.
Consta dos presentes autos um parecer médico legal solicitado pela assistente o qual conclui pela existência de violação das leges artis e nexo de causalidade entre o ato médico e morte mas terá de se atender às conclusões espelhadas no parecer solicitado ao Conselho Médico Legal do INML, entidade creditada e competente para a realização das mesmas ao abrigo da Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto - artigo 2.º, n.º 1.
Assim, atendendo à especificidade técnica subjacente à matéria em investigação, a decisão a proferir nestes autos terá necessariamente de se guiar pelo contributo oferecido pelo Conselho Médico Legal, no seu parecer, o qual é absolutamente alheio ao desfecho deste processo, por não estar ligado à assistente, nem aos profissionais de saúde que a intervencionaram ou com ela tiveram contacto.
Pode desde já avançar-se que, com base no mencionado parecer, não se logrou apurar indícios que pudessem fundamentar a dedução de um despacho de acusação contra os profissionais de saúde que prestaram cuidados à paciente.
No que diz respeito à não prescrição do medicamento furosemida relata a perícia médico legal que a sua prescrição não consta dos registos clínicos, assim como é omissa justificação para tal não prescrição.
É mencionado também que atendendo às patologias da doente, nomeadamente estenose mitral, com insuficiência cardíaca, sendo medicada com varfarina, nebivolol, furosemida, mexazolam e duloxetina, tal medicação deveria ter sido mantida em internamento, existindo indicação na nota de alta do serviço de urgência do ... para reforçar a terapêutica diurética, face à existência de derrame pleural, concluindo que a furosemida deveria ter sido prescrita.
Da inquirição dos médicos, nomeadamente Dr. AA, o mesmo declarou não ter sido prescrito por decisão médica e não por desconsideração ou desconhecimento da sua habitual medicação, tendo sido considerado como contraproducente a sua prescrição pois poderia agravar a função renal, sobrecarregando os rins.
Consta do parecer que a terapêutica diurética faz parte do tratamento habitual da insuficiência cardíaca, como uma das medicações destinadas a evitar retenção hídrica e consequente sobrecarga de volume, sendo que a suspensão do diurético pode ter como consequência o agravamento da insuficiência cardíaca por aumento da retenção hídrica, podendo surgir edemas periféricos ou edema pulmonar.
No entanto, é ainda mencionado que pese embora a paciente pudesse apresentar no dia ........2023 congestão pulmonar por sobrecarga hídrica, nos dias posteriores o registo de auscultação pulmonar é normal, existindo nos registos clínicos ao longo do internamento sempre referência a ausência de edemas periféricos pelo que não se conclui por sobrecarga hídrica com tradução clínica.
No que diz respeito à prescrição de antibioterapia para tratamento de infeção do trato urinário no dia ........2021 é mencionado que tal prescrição não consta dos registos clínicos.
Consta, ainda, que das análises realizadas existia elevação de proteína C reativa, não existindo leucocitose e os dados da análise sumária de urina não eram fortemente sugestivos de infeção.
Contudo, acrescenta que a urocultura inicial veio a revelar a presença de klebsiella pneumoniae confirmando, assim, infeção urinária, sendo que as hemoculturas e a urocultura de dia ........2021 foram negativas, pelo que a sua prescrição imediata não seria mandatória na primeira observação, no entanto, face à suspeita que motivou o pedido de urocultura e à existência de uropatia obstrutiva fosse prudente tê-lo feito.
Menciona, ainda, que após o resultado positivo da urocultura, deveria ter sido prescrito antibiótico adequado, não sabendo se terá sido efetuado.
No que diz respeito a eventuais “sinais” de descompensação de insuficiência cardíaca conclui o parecer médico legal que a ........2021 há registo de respiração normal, sem dispneia, sem alterações à auscultação pulmonar, existindo um registo de fervores bibasais à auscultação pulmonar no primeiro dia de internamento em medicina interna, que poderiam ser sugestivos de descompensação de insuficiência cardíaca.
No entanto, os registos subsequentes são de “auscultação normal”, sendo sempre registado ausência de edemas periféricos.
Avança, ainda, que há presença de derrame pleural nos exames realizados no ..., contudo, não consta da documentação clínica radiografia ao tórax realizada durante o internamento no ..., antes da paragem cardiorrespiratória.
Acrescenta que depois desta existe evidência radiológica de congestão pulmonar, que pode ser consequência da PCR e da congestão pulmonar daí resultante.
Assim, conclui que dos registos clínicos não se pode concluir que existisse descompensação da insuficiência cardíaca antes da PCR, mas também inexistem dados que permitam ao perito conhecer em rigor o que ocorreu durante o período que antecedeu o episódio.
É ainda mencionado que os valores que a paciente apresentava a ........2021 não permitem concluir por uma descompensação da insuficiência cardíaca.
No que diz respeito à manutenção da fluidoterapia é avançado que inexistiam sinais de sobrecarga hídrica e com melhoria e resolução da lesão renal aguda obstrutiva pelo que estaria indicada ingestão hídrica normal, não sendo necessário fluidoterapia por via endovenosa, estando também indicado a manutenção da terapêutica diurética.
Quanto à existência de edema agudo do pulmão é mencionado que não constam dos registos clínicos radiografias ao tórax prévias ao episódio de paragem cardiorrespiratória pelo que a congestão observada poderia ser causa ou consequência da mesma.
Quanto à causa/origem da paragem cardiorrespiratória é mencionado que inexistem dados nos registos clínicos, a priori, que permitam conhecer com rigor a causa da mesma.
Menciona, no entanto, que a posteriori está anotada como causa possível a sobrecarga de volume com edema agudo do pulmão, sendo que a causa da morte da doente consta da certidão de óbito, no entanto, não são possíveis apurar dos registos clínicos disponíveis o contexto e eventual causa.
Solicitados esclarecimentos se a sobrecarga de volume que resultou na PCR e morte da paciente se deveu à não prescrição de diurético em conjugação com a contínua administração de fluidos foi respondido que numa doente com insuficiência cardíaca, medicada habitualmente com diurético, internada por lesão renal aguda, em que se faz fluidoterapia, é necessário manter a terapêutica diurética, fazer um balanço hídrico rigoroso e monitorizar os sinais clínicos de sobrecarga hídrica.
No caso dos autos não foi prescrito diurético e manteve-se a hidratação por via endovenosa, existindo registos pormenorizados da diurese e não estão anotados sinais clínicos de sobrecarga hídrica, até ao momento do episódio de paragem cardiorrespiratória.
Contudo, é avançado que os registos clínicos disponíveis permitem concluir que estavam prescritos 2000 ml/dia de soro polielectrolitico por via endovenosa e que a diurese foi sempre normal/abundante, o que não faz supor um balanço hídrico fortemente positivo.
Questionado se ao longo do internamento da paciente foi descurada a terapêutica adequada para o diagnóstico já existente de insuficiência cardíaca crónica agudizada tendo apenas sido levado em conta o diagnóstico de nefropatia médica não aguda condicionada por obstrução urinária baixa foi avançado que no caso vertente era prioritário reverter a lesão renal aguda, o que foi conseguido, não descurando a insuficiência cardíaca designadamente risco de sobrecarga hídrica, que a própria lesão renal aguda potenciava se a diurese estivesse comprometida. No entanto, acrescenta que na lesão renal aguda obstrutiva existe habitualmente polúria e não oligúria, pelo que esse risco poderia não ser significativo. A não prescrição de furosemida, diurético que devia, em princípio, ser mantido, não está explicado nos registos clínicos.
Conclui o parecer médico legal que no que respeita ao período de ........2021 a ........2021 foi corretamente resolvido a LRA, tendo a doente mantido uma diurese normal, parecendo existir um balanço hídrico aceitável, face à fluidoterapia instituída.
Quanto a esta medida terapêutica ela é questionável, porque a LRA era causada por disfunção vesical (portanto de tipo obstrutivo), sendo resolvida com algaliação e só necessitando de fluidoterapia para compensar eventual diurese excessiva.
Mesmo sendo necessário proceder a hidratação, seria mais prudente e fisiológico fazê-lo por via oral.
Menciona que outra atitude questionável é a não administração da furosemida, único medicamente que fazia parte da terapêutica habitual da doente que não foi prescrito no internamento (a varfarina foi substituída por enoxaparina, o que é considerado aceitável e pode ser adequado).
No caso, a suspensão do diurético sem justificação pode considerar-se uma violação das leges artis.
Contudo, não foi encontrado pelo perito evidência de sobrecarga de volume, pelo que não se pode atribuir inequivocamente à falta de terapêutica diurética ou à fluidoterapia efetuada a evolução final da doente.
Na verdade, a evidência radiográfica de congestão pulmonar é posterior à paragem cardiorrespiratória e pode ser uma sua consequência e não a causa.
Por fim menciona que não foi encontrado nos registos clínicos imagem ou relatório de radiografia efetuada antes da PCR e a não ter sido efetuada pode também considerar-se uma violação das leges artis, porquanto a doente tinha anteriormente derrame pleural e há uma anotação de fervores basais na auscultação pulmonar numa das observações médicas o que implicava um estudo radiológico atual.
No entanto, salientam que a apontada falha, atendendo à descrição clínica do estado da doente não se pode considerar diretamente relacionada com o episódio de PCR e a evolução fatal da doente, concluindo que houve violação das leges artis, embora não se possa afirmar que tais práticas tenham sido causa da PCR e da morte da doente.
Não obstante a constatação desta violação da leges artis por parte dos profissionais de saúde do internamento, o resultado morte não poderá ser imputado à sua conduta e, por conseguinte, não poderão ser penalmente responsabilizados pelo mesmo.
“Para haver imputação do resultado à conduta do agente é necessário que exista entre a conduta (acção ou omissão) e o resultado um nexo causal concreto, ou seja, é indispensável que tenha sido a conduta a causa efectiva do resultado. Sendo esta efectiva relação causal um elemento do tipo nos crimes de resultado, ele tem de ser objecto de prova. Pelo que, havendo dúvida razoável sobre se efectivamente a conduta foi causa do resultado, ter-se-á, por força do princípio in dubio pro reo, de considerar como não provada a imputação.” - Acórdão do Tribunal da Relação de ... de 09.06.2020, relatora Maria José Nogueira, disponível em www.dgsi.pt.
São apontadas determinadas omissões por parte da equipa médica que poderão configurar violação das leges artis, no entanto, é sempre mencionado que não se pode asseverar do grau de influência que estas tiveram no resultado morte da paciente.
Assim, não podemos deixar de avaliar os elementos disponíveis como justificadores de uma dúvida razoável sobre o nexo de causalidade entre a não prescrição de diurético em conjugação com a contínua administração de fluidos e o agravamento do estado de saúde e posterior morte, pelo que sempre tem de ser concluir pela ausência de comprovação do nexo de causalidade e, por conseguinte, pela insuficiência de indícios do crime citado, por falta de um dos seus elementos essenciais.
Face a tudo isto, por não se terem recolhido indícios suficientes da prática de qualquer crime, o Ministério Público decidiu o arquivamento do inquérito, ao abrigo do disposto nos artigos 277º, n.º 2 e 283º, n.º 2 a contrario, ambos do Código de Processo Penal.
E, tanto basta, na nossa perspectiva, para que se possa considerar que agiu correctamente.
Aqui chegados importa salientar que tal como já anteriormente mencionado, quer para a acusação quer para a pronuncia, a lei não exige a prova, no sentido da certeza da existência do crime, basta-se com a existência de indícios, de sinais de ocorrência de um crime, donde se pode formar a convicção de que existe a probabilidade razoável de que foram cometidos os crimes pelo arguido.
Assim, o juízo de pronuncia não se consubstancia na certeza judiciária da verificação dos factos, com a consequente condenação de determinado agente, mas antes num juízo de prognose favorável de que tal condenação virá, muito provavelmente, a ocorrer após a realização de julgamento.
Entende-se com base na análise conjugada e de acordo com as regras legais que se impõem ao juiz dos elementos probatórios carreados aos autos não se encontram indiciariamente reunidos todos os pressupostos da responsabilidade jurídico-penal que, num juízo de prognose favorável levarão à aplicação de uma pena aos arguidos.
Face ao exposto e pelas razões referidas pelo Ministério Público no despacho de arquivamento, não serão os arguidos pronunciados pela prática dos factos e ilícito que a assistente lhes imputa, cfr. artigo 283º, nº2 ex vi artigo 308º, nº2, ambos do Código de Processo Penal».
FUNDAMENTAÇÃO
Nos termos do artº 286º, nº 1 do CPP, “a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.
No final dessa fase o juiz não julga a causa: apenas verifica se se justifica que, com as provas recolhidas no inquérito e na instrução, o arguido seja submetido a julgamento pelos factos da acusação. A lei só admite a submissão a julgamento desde que da prova dos autos resulte uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força dela, uma pena ou uma medida de segurança (vide artº 283º, nº 2, do CPP). Não impõe a mesma exigência de verdade requerida em fase de julgamento.
A lei não se basta, porém, com um mero juízo subjetivo, mas antes exige um juízo objetivo fundamentado nas provas dos autos. Da apreciação crítica das provas recolhidas no inquérito e na instrução deve resultar a convicção da forte probabilidade ou possibilidade razoável de que o arguido seja responsável pelos factos da acusação.
A recorrente pugna pela pronúncia dos arguidos pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artº 137º, nº 1, do Código Penal, que dispõe do seguinte modo:
«1 - Quem matar outra pessoa por negligência é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 - Em caso de negligência grosseira, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos».
Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11.06.2019, processo 629/10.9TAVRL.G2, relatora Ausenda Gonçalves, publicado no site da dgsi, «A verificação do ilícito p. no art. 137º do C. Penal (homicídio por negligência) exige: (i) a violação do dever objectivo de cuidado, que passa pela previsibilidade objectiva do perigo para determinado bem jurídico e pela não observância do cuidado objectivamente adequado a impedir a ocorrência do resultado típico; (ii) a imputação objectiva do resultado típico (“desvalor de resultado”) à acção violadora do dever objectivo de cuidado (“desvalor de acção”), a qual implica o nexo causal efectivo e a conexão típica; (iii) o elemento subjectivo, com representação ou não da possibilidade de resultado; (iv) e a previsibilidade subjectiva do perigo e a possibilidade de o agente ter cumprido o dever objectivo de cuidado por ter representado ou pelo menos tido a possibilidade de representar os riscos da conduta que pratica (a “culpa negligente”)».
No caso da atividade médica, a obrigação que impende sobre o profissional de saúde é uma obrigação de meios: este obriga-se exclusivamente a desempenhar a sua atividade com diligência e de acordo com as leges artis, sem que se garanta um resultado concreto, como seria a cura do doente. Garante-se o emprego dos atos médicos necessários, o que implica o esgotamento de todas as possibilidades oferecidas pelo conhecimento científico e por todos meios disponíveis.
Seguindo de perto o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05.02.2013, processo 652/06.8JAFAR.E1, relator João Amaro, publicado na dgsi, «atenta a relação contratual que se estabelece entre médico e doente (vide, neste sentido o Ac. do TRL de 24/04/07, publicado in www.dgsi.pt), para aquele nasce uma obrigação de meios (assistência clínica ou dever de tratamento), ou seja, o médico apenas se compromete a desenvolver de forma prudente e diligente a sua arte para a obtenção da cura do paciente (pois os meios devem representar esforço tendencial para a consecução da cura ou melhoria de saúde do paciente, de acordo com as regas da ciência médica e o estado actual dos conhecimentos técnico-científicos – o fim em vista que a obrigação de meios supõe), mas sem assegurar que a mesma ocorre (vide também neste sentido Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues, in ob. cit., pág.62.). E, é neste quadro e âmbito que se deve traçar o conceito de negligência, imprudência, imperícia médica, ou seja, num contexto de elaboração contra legem artis do diagnóstico e das diferentes etapas de tratamento. Assim, para que o agente possa ser punido temos que verificar se se verifica: - violação do dever de cuidado (imprudência ou criação de um risco não permitido) que é aquele que é apto a causar a lesão e for exigível e possível ao agente a sua evitação. “(...) para que o resultado possa ser atribuído ao agente (médico) (...) é necessário, no plano objectivo, que o resultado a imputar constitua a realização ou um aumento de um risco juridicamente relevante ou risco proibido (...) cuja evitabilidade do resultado nefasto seja, precisamente, a finalidade (...) da norma infringida pelo agente, nisto se traduzindo a doutrina do âmbito de tutela da norma. Em caso de dúvida razoável, a questão decide-se pela regra universal do direito probatório in dubio pro reu (...)” - Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues, in ob. cit., pág.280; - a representação ou representabilidade do facto (previsão ou previsibilidade do facto), pois o médico para agir de forma diligente tem de poder prever uma situação de agravamento da saúde, uma lesão corporal ou uma morte, como causa da sua conduta: “(...) de resto, é justamente em função dessa previsibilidade que se poderá falar de imputação subjectiva nos crimes negligentes de resultado (homicídio negligente, ofensas à integridade física por negligência, intervenções ou tratamentos médicos-cirúrgicos arbitrários) só havendo tal imputação nos casos em que o concreto resultado seja previsível por um médico, com a qualificação do agente e colocado nas mesmas circunstâncias deste.” – cfr. Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues, in ob. cit., pág.274; - a não aceitação do resultado (evitabilidade do facto ilícito previsível), uma vez que tendo o médico uma obrigação de meios e não de resultado, apenas lhe é exigível todo o esforço possível e adequado a evitar o resultado danoso e não a cura ou o salvamento, o que equivale a dizer que ao mesmo apenas se exige a diligência necessária a evitar o evento desde que seja evitável de acordo com a lei e demais normas jurídicas e extra-jurídicas, universalmente aceites, de cautela, prudência e ponderação. “(...) Deverá socorrer-se, além do mais, das chamadas “regras de arte” (legis artis) cuja observância, por força do art-º 150º do Código Penal, afastará a própria tipicidade de ofensas corporais ou de homicídio. [...] Mesmo que o acto médico que desempenhado, como sempre, segundo a “legis artis” desencadeie a morte do paciente (v.g. através de uma intervenção cirúrgica), deve considerar-se que o empobrecimento da ordem jurídica por perda do bem vida, não resulta do próprio acto em médico em si — se bem que na imediatidade causalista isso seja indesmentível — mas advém antes do processo ininterrupto e imparável (...)” Faria Costa, in “O Perigo em Direito Penal”, reimpressão, ... 2000, pág. 532. Em suma, o médico será responsável penalmente se, através de uma acção ou omissão, motivada por uma falta de cuidado a que estava obrigado no exercício da sua função de médico, provocar um resultado, in casu, a morte, que era objectivamente previsível e passível de ser evitada».
Ou seja, dúvidas inexistem de que o resultado tem de constituir um facto subsumível a um tipo legal de crime e tem de ser imputável, segundo as regras da imputação do resultado à conduta (teoria da causalidade adequada ou da adequação), à violação do dever de cuidado pelo agente.
Descendo ao caso dos autos, a decisão recorrida, depois de discorrer sobre a prova testemunhal obtida, depara-se com a existência de dois pareceres médico-legais – um deles junto pela assistente a fls. 382 e ss, da autoria do Dr. II; o outro, com intervenção do Conselho Médico-legal do INMLCF, sendo relator o Dr. JJ, junto a fls. 404 e ss.
Os pareceres, no caso em apreço, são os elementos fundamentais para se alicerçar uma convicção.
Numa comparação muito linear, ambos confluem no sentido da violação das leges artis.
Divergem porque o primeiro conclui pela existência de nexo de causalidade entre a violação das leges artis e a morte da vítima e o segundo não estabelece esse nexo causal.
1. O relatório junto pela assistente tem a seguinte conclusão: «De toda a documentação disponibilizada, é possível concluir que: A doente era seguida em Consulta de Cardiologia desde 2014 por estenose mitral e insuficiência aórtica de etiologia reumática. Por estes motivos, apresentava alterações ecográficas compatíveis com insuficiência cardíaca de etiologia valvular, com dilatação moderada da aurícula esquerda, motivo pelo qual cumpria anticoagulação oral com varfarina, Recorreu ao serviço de urgência do ... (dias 12 e 14/03/2021) onde foi diagnosticada Insuficiência Cardíaca Agudizada, tratada com reforço de diurético e apresentava clínica sugestiva de Infeção do trato urinário pelo que iniciou antibioterapia empírica com amoxicilina/clavulanico. Ainda no ..., objetiva-se a presença de derrame pleural bilateral por recurso a TAC Tórax e obstrução urinária baixa (esta a 14/03/2021), motivo pelo qual foi colocada sonda vesical e efetuada ecografia renal. Foi administrada terapêutica diurética, tendo tido alta melhorada. Constata-se que foi corretamente observada e devidamente medicada concluindo-se não ter existido nenhuma prática médica neste atendimento que possa configurar violação das legis artis A doente é admitida no serviço de urgência do ... no dia .../.../2021 por lesão rena aguda condicionada por obstrução urinária baixa. Na tabela terapêutica é colocada fluidoterapia continua, com 2000 mL/dia, apesar de apresentar à admissão auscultação pulmonar com fervore bibasais o que indica eventual sobrecarga hídrica; A doente é transferida no dia .../.../2021 para o ... (...), para continuação terapêutica. Neste período não é colocada em tabela terapêutica qualquer diurético ou expoliador de volume, Isto, associado à colocação de fluidoterapia, condicionou sobrecarga de volume num coração insuficiente (com estenose mitral e insuficiência aórtica) que poderá ter motivado a paragem cardio-respiratória; Acresce ainda que relativamente à assistência pela enfermagem durante este internamento não existe qualquer observação mais abrangente entre o dia .../.../2021 às 19:57 e dia .../.../2021 às 02:46. Acresce ainda que apenas existe uma referência à monitorização da eliminação urina que não é uma boa prática sobretudo numa paciente algaliada com uma obstrução urinária e sobrecarga de volume. A sobrecarga de volume eventualmente provocada poderá ter condicionado edema pulmonar agudo com consequente exaustão respiratória e que motivou paragem cardio-respiratória e consequente morte a .../.../2021 pelas 00:10h. Tal é perfeitamente objetivável em radiografia do tórax efetuada a .../.../2021 aquando da admissão na UUM para controlo de dispositivos colocados (cateter venoso central e tubo orotraqueal) que confirma a presença de componente hidrostático exuberante no campo pulmonar direito Com base nos documentos consultados e disponibilizados e no conhecimento científico atual, verificamos que existe uma grande probabilidade para concluir que a conduta médica do foro da Medicina Interna e de enfermagem durante o internamento hospitalar no ... prestado à vitima entre 25 e .../.../2021, configura violação das leges artis, nomeadamente: - Existe nexo de causalidade entre a admissão no referido internamento com o diagnóstico de lesão renal aguda, que desencadeou a instituição de fluidoterapia aliada à não instituição de diurético, o que poderá ter levado com grande probabilidade à ocorrência de edema pulmonar agudo, que foi responsável pela paragem cardio-respiratória e que resultou em morte; - Relativamente à formulação do diagnóstico: a avaliação médica e o respetivo diagnóstico clínico não corresponde à situação clínica que a doente apresentava, ou seja, foi considerado apenas o diagnóstico de nefropatia médica não aguda condicionada por obstrução urinária baixa e não foi tido em conta o diagnóstico de insuficiência cardíaca crónica agudizada. Esta última necessitaria de terapêutica adequada para evitar sobrecarga de volume, nomeadamente a administração de um diurético que não foi instituído. - Relativamente à aplicação da terapia: as terapêuticas instituídas não foram as adequadas à situação clínica não tendo sido administrado qualquer diurético, o que, concomitante com a instituição de fluidoterapia intensiva, poderá ter condicionado a instalação de um quadro de edema pulmonar agudo com resultado morte. É possível concluir que a paciente em causa não foi observada adequadamente nem bem diagnosticada e medicada de forma incorreta, pelo que se colheram indícios de que tenha existido, por parte dos profissionais de saúde, violação inequívoca das legis artis».
2. Do relatório feito com intervenção do Conselho Médico-legal do INMLCF salientamos o seguinte, logo após as respostas aos vários quesitos formulados:
«A doente EE, de 59 anos de idade, sofria de várias patologias - estenose mitral de causa reumática e insuficiência cardíaca, corela de Syndenham, perturbação afetiva bipolar, síndrome vertiginosa e artrite e estava medicada com anticoagulante (varfarina), beta-bloqueante (nebivolol), diurético (furosemida, 20 mg por dia), ansiolítico (mexazolam) e antidepressivo (duloxetina). Foi admitida no ... e posteriormente internada no ... por lesão renal aguda (LRA) de causa obstrutiva (disfunção vesical). Tinha sido atendida há poucos dias no ..., onde foi diagnosticada infeção do trato urinário (medicada com antibiótico) e derrame pleural (aconselhando-se então aumento da dose de furosemida). No que se refere ao período de ... a ... de ... de 2021 (urgência e internamento), foi corretamente resolvida a LRA, lendo a doente mantido uma diurese normal (é referido na carta de alta o valor de 83 mL/hora, o que perfaz 1992 mL/dia), parecendo haver um balanço hídrico aceitável, face à fluidoterapia instituída (2000 mL/dia). Quanto a esta medida terapêutica, ela é questionável, porque a LRA era causada por disfunção vesical (portanto de tipo obstrutivo), sendo resolvida com algaliação e só necessitando de fluidoterapia para compensar eventual diurese excessiva. Mesmo sendo necessário proceder a hidratação, seria mais prudente e mais fisiológico fazê-lo por via oral. A outra atitude questionável é a não administração de furosemida, único medicamento que fazia parte da terapêutica habitual da doente que não foi prescrito no Internamento (a varfarina foi substituída por enoxaparina, o que é aceitável e até pode ser adequado numa situação instável). Neste caso, a suspensão do diurético sem justificação pode considerar-se uma violação das leges artis. Contudo, não encontrámos nos registos clínicos evidência de sobrecarga de volume, pelo que não se pode atribuir inequivocamente à falta de terapêutica diurética ou à fluidoterapia efetuada a evolução final da doente. Na verdade, a evidência radiográfica de congestão pulmonar é posterior à paragem cardiorrespiratória (PCR) e pode ser uma sua consequência e não a causa. Importa referir que não encontrámos imagem ou relatório de radiografia efetuada antes da PCR e a não ter sido feita pode considerar-se também uma violação das leges artis, porquanto a doente tinha anteriormente derrame pleural e há uma anotação de fervores basais na auscultação pulmonar numa das observações médicas, o que implicava um estudo radiológico atual. Uma vez mais teremos de salientar que esta falha, atendendo à descrição clínica do estado da doente, não se pode considerar diretamente relacionada com o episódio de PCR e a evolução fatal da doente. Em suma, houve violação das leges artis, embora não se possa afirmar que foi causa da PCR e da morte da doente».
Uma nota prévia:
A recorrente alega não terem sido feitas diligências essenciais para a descoberta da verdade, tendo a decisão recorrida concluído pela inexistência de nulidades ou irregularidades.
Todavia, não se vislumbrando nenhum vício de conhecimento oficioso, não resulta das conclusões ou de qualquer parte do recurso que a recorrente também esteja a recorrer do segmento da decisão recorrida que indeferiu as arguidas nulidades. Tanto assim é que não concluiu, sequer a título subsidiário, pela revogação da decisão recorrida nessa parte e pela efetivação das ditas diligências (seja inquirições, seja requisição ou envio de documentos). Apenas conclui pela revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que pronuncie os arguidos.
Prosseguindo, como se alcança da decisão recorrida, entre dois pareceres, convergindo na violação das leges artis, deu-se prevalência ao parecer feito com intervenção do Conselho Médico-legal do INMLCF, com a argumentação que aqui se repete:
«Consta dos presentes autos um parecer médico legal solicitado pela assistente o qual conclui pela existência de violação das leges artis e nexo de causalidade entre o ato médico e morte mas terá de se atender às conclusões espelhadas no parecer solicitado ao Conselho Médico Legal do INML, entidade creditada e competente para a realização das mesmas ao abrigo da Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto - artigo 2.º, n.º 1.
Assim, atendendo à especificidade técnica subjacente à matéria em investigação, a decisão a proferir nestes autos terá necessariamente de se guiar pelo contributo oferecido pelo Conselho Médico Legal, no seu parecer, o qual é absolutamente alheio ao desfecho deste processo, por não estar ligado à assistente, nem aos profissionais de saúde que a intervencionaram ou com ela tiveram contacto.
Pode desde já avançar-se que, com base no mencionado parecer, não se logrou apurar indícios que pudessem fundamentar a dedução de um despacho de acusação contra os profissionais de saúde que prestaram cuidados à paciente.
No que diz respeito à não prescrição do medicamento furosemida relata a perícia médico legal que a sua prescrição não consta dos registos clínicos, assim como é omissa justificação para tal não prescrição.
É mencionado também que atendendo às patologias da doente, nomeadamente estenose mitral, com insuficiência cardíaca, sendo medicada com varfarina, nebivolol, furosemida, mexazolam e duloxetina, tal medicação deveria ter sido mantida em internamento, existindo indicação na nota de alta do serviço de urgência do ... para reforçar a terapêutica diurética, face à existência de derrame pleural, concluindo que a furosemida deveria ter sido prescrita.
(…)
Consta do parecer que a terapêutica diurética faz parte do tratamento habitual da insuficiência cardíaca, como uma das medicações destinadas a evitar retenção hídrica e consequente sobrecarga de volume, sendo que a suspensão do diurético pode ter como consequência o agravamento da insuficiência cardíaca por aumento da retenção hídrica, podendo surgir edemas periféricos ou edema pulmonar.
No entanto, é ainda mencionado que pese embora a paciente pudesse apresentar no dia ........2023 congestão pulmonar por sobrecarga hídrica, nos dias posteriores o registo de auscultação pulmonar é normal, existindo nos registos clínicos ao longo do internamento sempre referência a ausência de edemas periféricos pelo que não se conclui por sobrecarga hídrica com tradução clínica.
No que diz respeito à prescrição de antibioterapia para tratamento de infeção do trato urinário no dia ........2021 é mencionado que tal prescrição não consta dos registos clínicos.
Consta, ainda, que das análises realizadas existia elevação de proteína C reativa, não existindo leucocitose e os dados da análise sumária de urina não eram fortemente sugestivos de infeção.
Contudo, acrescenta que a urocultura inicial veio a revelar a presença de klebsiella pneumoniae confirmando, assim, infeção urinária, sendo que as hemoculturas e a urocultura de dia ........2021 foram negativas, pelo que a sua prescrição imediata não seria mandatória na primeira observação, no entanto, face à suspeita que motivou o pedido de urocultura e à existência de uropatia obstrutiva fosse prudente tê-lo feito.
Menciona, ainda, que após o resultado positivo da urocultura, deveria ter sido prescrito antibiótico adequado, não sabendo se terá sido efetuado.
No que diz respeito a eventuais “sinais” de descompensação de insuficiência cardíaca conclui o parecer médico legal que a ........2021 há registo de respiração normal, sem dispneia, sem alterações à auscultação pulmonar, existindo um registo de fervores bibasais à auscultação pulmonar no primeiro dia de internamento em medicina interna, que poderiam ser sugestivos de descompensação de insuficiência cardíaca.
No entanto, os registos subsequentes são de “auscultação normal”, sendo sempre registado ausência de edemas periféricos.
Avança, ainda, que há presença de derrame pleural nos exames realizados no ..., contudo, não consta da documentação clínica radiografia ao tórax realizada durante o internamento no ..., antes da paragem cardiorrespiratória.
Acrescenta que depois desta existe evidência radiológica de congestão pulmonar, que pode ser consequência da PCR e da congestão pulmonar daí resultante.
Assim, conclui que dos registos clínicos não se pode concluir que existisse descompensação da insuficiência cardíaca antes da PCR, mas também inexistem dados que permitam ao perito conhecer em rigor o que ocorreu durante o período que antecedeu o episódio.
É ainda mencionado que os valores que a paciente apresentava a ........2021 não permitem concluir por uma descompensação da insuficiência cardíaca.
No que diz respeito à manutenção da fluidoterapia é avançado que inexistiam sinais de sobrecarga hídrica e com melhoria e resolução da lesão renal aguda obstrutiva pelo que estaria indicada ingestão hídrica normal, não sendo necessário fluidoterapia por via endovenosa, estando também indicado a manutenção da terapêutica diurética.
Quanto à existência de edema agudo do pulmão é mencionado que não constam dos registos clínicos radiografias ao tórax prévias ao episódio de paragem cardiorrespiratória pelo que a congestão observada poderia ser causa ou consequência da mesma.
Quanto à causa/origem da paragem cardiorrespiratória é mencionado que inexistem dados nos registos clínicos, a priori, que permitam conhecer com rigor a causa da mesma.
Menciona, no entanto, que a posteriori está anotada como causa possível a sobrecarga de volume com edema agudo do pulmão, sendo que a causa da morte da doente consta da certidão de óbito, no entanto, não são possíveis apurar dos registos clínicos disponíveis o contexto e eventual causa.
Solicitados esclarecimentos se a sobrecarga de volume que resultou na PCR e morte da paciente se deveu à não prescrição de diurético em conjugação com a contínua administração de fluidos foi respondido que numa doente com insuficiência cardíaca, medicada habitualmente com diurético, internada por lesão renal aguda, em que se faz fluidoterapia, é necessário manter a terapêutica diurética, fazer um balanço hídrico rigoroso e monitorizar os sinais clínicos de sobrecarga hídrica.
No caso dos autos não foi prescrito diurético e manteve-se a hidratação por via endovenosa, existindo registos pormenorizados da diurese e não estão anotados sinais clínicos de sobrecarga hídrica, até ao momento do episódio de paragem cardiorrespiratória.
Contudo, é avançado que os registos clínicos disponíveis permitem concluir que estavam prescritos 2000 ml/dia de soro polielectrolitico por via endovenosa e que a diurese foi sempre normal/abundante, o que não faz supor um balanço hídrico fortemente positivo.
Questionado se ao longo do internamento da paciente foi descurada a terapêutica adequada para o diagnóstico já existente de insuficiência cardíaca crónica agudizada tendo apenas sido levado em conta o diagnóstico de nefropatia médica não aguda condicionada por obstrução urinária baixa foi avançado que no caso vertente era prioritário reverter a lesão renal aguda, o que foi conseguido, não descurando a insuficiência cardíaca designadamente risco de sobrecarga hídrica, que a própria lesão renal aguda potenciava se a diurese estivesse comprometida. No entanto, acrescenta que na lesão renal aguda obstrutiva existe habitualmente polúria e não oligúria, pelo que esse risco poderia não ser significativo. A não prescrição de furosemida, diurético que devia, em princípio, ser mantido, não está explicado nos registos clínicos.
Conclui o parecer médico legal que no que respeita ao período de ........2021 a ........2021 foi corretamente resolvido a LRA, tendo a doente mantido uma diurese normal, parecendo existir um balanço hídrico aceitável, face à fluidoterapia instituída.
Quanto a esta medida terapêutica ela é questionável, porque a LRA era causada por disfunção vesical (portanto de tipo obstrutivo), sendo resolvida com algaliação e só necessitando de fluidoterapia para compensar eventual diurese excessiva.
Mesmo sendo necessário proceder a hidratação, seria mais prudente e fisiológico fazê-lo por via oral.
Menciona que outra atitude questionável é a não administração da furosemida, único medicamente que fazia parte da terapêutica habitual da doente que não foi prescrito no internamento (a varfarina foi substituída por enoxaparina, o que é considerado aceitável e pode ser adequado).
No caso, a suspensão do diurético sem justificação pode considerar-se uma violação das leges artis.
Contudo, não foi encontrado pelo perito evidência de sobrecarga de volume, pelo que não se pode atribuir inequivocamente à falta de terapêutica diurética ou à fluidoterapia efetuada a evolução final da doente.
Na verdade, a evidência radiográfica de congestão pulmonar é posterior à paragem cardiorrespiratória e pode ser uma sua consequência e não a causa.
Por fim menciona que não foi encontrado nos registos clínicos imagem ou relatório de radiografia efetuada antes da PCR e a não ter sido efetuada pode também considerar-se uma violação das leges artis, porquanto a doente tinha anteriormente derrame pleural e há uma anotação de fervores basais na auscultação pulmonar numa das observações médicas o que implicava um estudo radiológico atual.
No entanto, salientam que a apontada falha, atendendo à descrição clínica do estado da doente não se pode considerar diretamente relacionada com o episódio de PCR e a evolução fatal da doente, concluindo que houve violação das leges artis, embora não se possa afirmar que tais práticas tenham sido causa da PCR e da morte da doente.
Não obstante a constatação desta violação da leges artis por parte dos profissionais de saúde do internamento, o resultado morte não poderá ser imputado à sua conduta e, por conseguinte, não poderão ser penalmente responsabilizados pelo mesmo.
“Para haver imputação do resultado à conduta do agente é necessário que exista entre a conduta (acção ou omissão) e o resultado um nexo causal concreto, ou seja, é indispensável que tenha sido a conduta a causa efectiva do resultado. Sendo esta efectiva relação causal um elemento do tipo nos crimes de resultado, ele tem de ser objecto de prova. Pelo que, havendo dúvida razoável sobre se efectivamente a conduta foi causa do resultado, ter-se-á, por força do princípio in dubio pro reo, de considerar como não provada a imputação.” - Acórdão do Tribunal da Relação de ... de 09.06.2020, relatora Maria José Nogueira, disponível em www.dgsi.pt.
São apontadas determinadas omissões por parte da equipa médica que poderão configurar violação das leges artis, no entanto, é sempre mencionado que não se pode asseverar do grau de influência que estas tiveram no resultado morte da paciente.
Assim, não podemos deixar de avaliar os elementos disponíveis como justificadores de uma dúvida razoável sobre o nexo de causalidade entre a não prescrição de diurético em conjugação com a contínua administração de fluidos e o agravamento do estado de saúde e posterior morte, pelo que sempre tem de ser concluir pela ausência de comprovação do nexo de causalidade e, por conseguinte, pela insuficiência de indícios do crime citado, por falta de um dos seus elementos essenciais».
Como consta deste parecer feito com intervenção do Conselho Médico-legal do INMLCF (vide fls. 406), o parecer subscrito pelo Dr. II (o junto pela assistente) já constava dos autos e foi analisado aquando da elaboração do parecer público (que até o citou na página 3), tendo-se então presentes as conclusões a que aquele chegara e os dados a que o mesmo fazia referência (entre as quais a menção que consta na página 5, parágrafo terceiro, “no segundo dia de internamento (…) diminuição do débito urinário (cerca de 50 ml/h”).
É certo que o relator do parecer feito com intervenção do ... 404, “Doutor em Obstetrícia / Ginecologia”.
Porém, não nos esqueçamos que, de acordo com o artigo 8º do DL nº 166/2012, de 31 de julho:
1 - O conselho médico-legal tem a seguinte composição:
a) O presidente do conselho diretivo do INMLCF, I. P., que preside, o vice-presidente e os vogais;
b) Um representante dos conselhos regionais disciplinares de cada uma das secções regionais da Ordem dos Médicos;
c) Dois docentes do ensino superior de cada uma das áreas científicas de clínica cirúrgica, clínica médica, obstetrícia e ginecologia, e direito;
d) Um docente do ensino superior de cada uma das seguintes áreas científicas: anatomia patológica, ética e ou direito médico, ortopedia e traumatologia, neurologia ou neurocirurgia e psiquiatria.
2 - O conselho médico-legal, sempre que necessário, pode solicitar a colaboração de professores de outras disciplinas ou de outros estabelecimentos de ensino superior, bem como de especialistas de reconhecido mérito.
3 - O conselho médico-legal é secretariado por um elemento designado pelo mesmo conselho, sob proposta do presidente, preferencialmente docente universitário no âmbito da Medicina Legal e de outras Ciências Forenses.
Portanto, o dito relator, especialista em Obstetrícia / Ginecologia, não terá estado seguramente sozinho nem o parecer retratará apenas a sua avaliação individual.
E caso estes Médicos, ao elaborar o parecer, constatassem que faltava algum elemento, tê-lo-iam certamente pedido. É o que sucede em muitas perícias, já que se deve partir do princípio de que qualquer perito médico é consciencioso e zeloso no cumprimento das suas funções. Ainda mais quando de trata do Conselho Médico-Legal, com uma composição coletiva e particularmente qualificada.
Há que ter presente que, segundo o artigo 163º, nº 2, do CPP, sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência.
O parecer do Conselho Médico-Legal refere inequivocamente que “a evidência radiográfica de congestão pulmonar é posterior à paragem cardiorrespiratória (PCR) e pode ser uma sua consequência e não a causa”.
E é perentório quando, depois de concluir pela violação das leges artis (no caso, a não administração do diurético furosemida e a ausência de radiografia efetuada antes da paragem cardiorrespiratória), conclui outrossim que “esta falha, atendendo à descrição clínica do estado da doente, não se pode considerar diretamente relacionada com o episódio de PCR e a evolução fatal da doente. Em suma, houve violação das leges artis, embora não se possa afirmar que foi causa da PCR e da morte da doente” (sublinhados da ora relatora).
Lidos os dois pareceres, este Tribunal não tem como divergir do parecer do Conselho Médico-Legal nem como fundamentar eventual divergência. O facto de, como alega a recorrente, algum dos arguidos porventura não ter dito a verdade não legitima a que, sem mais, se opte por um ou outro parecer.
Temos, assim, dois pareceres – um com a acrescida credibilidade de se tratar de uma perícia médico-legal feita pelo Conselho Médico-Legal, entidade pública, que não estabelece nexo causal entre a violação das leges artis e a morte da vítima e outro que diz que esse nexo causal existe no caso em apreço.
O juízo de probabilidade razoável de aos arguidos vir a ser aplicada, em consequência da prova dos autos, uma pena deve ser feito naturalmente por referência à prova existente aquando da prolação da decisão instrutória.
Analisados os elementos de prova (declarações, depoimentos, documentos e, com particular relevância, os pareceres médico-legais), há que concluir que não se vê que a decisão recorrida tenha feito um juízo merecedor de censura. Com dois pareceres divergentes em sede de existência de nexo causal entre a violação das leges artis e a morte da vítima, e mesmo abstraindo da especial credibilidade que merece o parecer público (cujas conclusões emergem de colégio particularmente qualificado de médicos, docentes de medicina e especialistas de diversas áreas), não se consegue concluir que existe uma probabilidade razoável de aos arguidos vir a ser aplicada, em julgamento, uma pena. As conclusões do parecer do Conselho Médico-Legal são de molde a suscitar, no mínimo, uma dúvida fundada sobre a existência de nexo causal, que a lei sempre mandaria resolver a favor dos arguidos.
É justificado o juízo de não pronúncia dos arguidos, improcedendo, assim, o recurso.
DECISÃO
Nestes termos, e face ao exposto, acordam as juízas desembargadoras deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso interposto pela assistente DD, confirmando, assim, a decisão instrutória recorrida.
Taxa de justiça pela assistente, que se fixa em 4 Ucs – artigo 515.º, nº 1, al. b), do Código de Processo Penal, e artigo 8.º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, por remissão para a tabela III ao mesmo anexa.
O presente acórdão foi integralmente processado a computador e revisto pela signatária relatora, seguindo-se a nova ortografia excetuando na parte em que se transcreveu texto que não a acolheu, estando as assinaturas de todos os Juízes apostas eletronicamente – art. 94º, nº 2, do CPP.
Lisboa, 10 de julho de 2025
Ana Cristina Cardoso
Ester Pacheco dos Santos
Alexandra Veiga
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1. Cfr. fls. 122, Volume 1, Parte 2 dos autos