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PENA ACESSÓRIA
PROIBIÇÃO DE CONTACTOS
Sumário
Sumário: I. A pena acessória de proibição de contactos, prevista no art.152º nº4 e nº5 do Cód.Penal surge como um adjuvante da pena principal, na realização das finalidades de prevenção especial, numa lógica de prevenção do conflito e de prevenção/intimidação que efectivamente proteja a vítima do risco de reincidência, como meio indispensável/imprescindível para a proteção dos seus direitos. II. Entre uma situação de acautelamento do perigo inequívoco da continuação da actividade criminosa do arguido sobre a vítima e a impossibilidade de utilização da casa onde o mesmo tem fixada a sua residência, por ser nela onde, igualmente, a ofendida reside, não é desproporcional a predominância da primeira sobre a segunda, tendo em conta os fins visados pela pena acessória de proibição de contactos, com afastamento da residência
Texto Integral
Acordaram, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I-RELATÓRIO
I.1 No âmbito do processo comum singular n.º 205/23.6PCPDL, que corre termos pelo Juízo Local Criminal de Ponta Delgada – Juiz 3, em que é arguido AA, melhor identificado nos autos, foi proferida sentença, no qual se decidiu [transcrição]: “(…) Pelo exposto julgo a acusação pública parcialmente procedente e, em consequência: A) Condeno o arguido AA pela prática de 1 (um) crime de violência doméstica agravado, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão. B) Atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste decido, ao abrigo do artigo 50.º/1 e 5 do Código Penal, suspender a pena de prisão pelo período de 3 (três) anos de prisão. C) Determino que a suspensão da execução da pena seja sujeita regime de prova a elaborar pela DGRSP que deverá ser centrado na frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica, devendo o plano ter também como objetivo o tratamento da dependência do álcool. D) Condeno o arguido AA na pena acessória de proibição de contatos com a vítima pelo período de 2 (dois) anos, pena que inclui o afastamento do arguido da residência da vítima pela distância de 200 (duzentos) metros e cujo cumprimento será fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. E) Condeno o arguido AA no pagamento à vitima BB da quantia de 1.000,00 € (mil euros), a título de indemnização, nos termos da lei nº 112/2009, de 16 de Setembro. F) Condeno o arguido AA no pagamento das custas processuais penais, fixando-se a taxa de justiça em 2 U.C.’s. (…)”
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I.2 Recurso da decisão final
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido AA para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respectiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]: (…) “1) Objeto do presente recurso é a concreta pena acessória aplicada ao arguido – pena acessória de proibição de contatos com a vítima pelo período de 2 (dois) anos, pena que inclui o afastamento do arguido da residência da vítima pela distância de 200 (duzentos) metros e com sujeição a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância – que se considera desproporcional pois não levou em linha de conta um conjunto de circunstâncias que ditavam decisão distinta. Com efeito: 2) Apontou a decisão recorrida como circunstâncias agravantes da pena aplicada a mediana ilicitude da conduta; tipo legal de crime e moldura abstrata e o dolo direto. 3) E como circunstâncias atenuantes da conduta do arguido, apenas, a sua integração social e laboral. 4) Verdade é que cabia ao tribunal recorrido na ponderação das circunstâncias atenuantes da conduta do arguido levar em linha de conta outros parâmetros que os autos evidenciam: a inexistência de antecedentes criminais por este tipo de ilícito e contra o concreto bem jurídico em causa; a natureza dos factos praticados pelo arguido; o facto da ex-mulher e arguido após o divórcio residirem no mesmo prédio, ela na antiga casa de morada de família e ele num anexo à casa, sendo a própria que por sua iniciativa diariamente cozinha e deixa as refeições no anexo para o arguido, lava e passa a sua roupa a ferro, deixando-a igualmente no anexo. O curto período da conduta do arguido verificada entre ... de 2022 e um episódio ocorrido após o divórcio (após ... de ... de 2023). O facto do arguido e ex-mulher terem contraído matrimónio em ... de ... de 1990 e durante 32 anos de casamento não ter ocorrido qualquer episódio sequer semelhante aos descritos nos autos. E, por último, após o último episódio ocorrido (após ... de ... de 2023), a verificação de uma convivência pacífica entre o arguido e a sua ex-mulher até à presente data. 5) Per si, a conjugação de todos estes elementos deveriam focar o tribunal recorrido na não sujeição do arguido a uma pena acessória de proibição de contatos com a vítima pelo período de 2 (dois) anos, com o afastamento do arguido da residência da vítima pela distância de 200 (duzentos) metros, sujeito a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sendo mais do que suficiente e adequado a sua condenação numa pena principal suspensa na sua execução com regime de (dupla e reforçada) prova, por um lado, a frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica e tratamento da dependência de álcool, que o próprio expressamente consentiu. 6) No domínio da justiça substantiva, a pena acessória aplicada ao recorrente mostrasse manifestamente injusta e desproporcional na parte em que posiciona o recorrente no mesmo nível de um indivíduo condenado por maus tratos físicos, castigos corporais, ofensas sexuais à sua cônjuge/ex-cônjuge ou similar. 7) Arguido e ex-mulher têm mantido uma convivência pacífica e civilizada sem a existência de qualquer episódio crítico ou conturbado há mais de dois anos. 8) Por outro lado, a decisão recorrida e a convicção nela aposta, ao condenar o arguido numa pena acessória, a priori encara como sinónimo de crime de violência doméstica a condenação numa pena acessória de proibição de contactos com a vítima com afastamento da sua residência e sujeito a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância. 9) O que ficou escrito ganha maior acuidade sendo dada a relevância devida aos factos dados como provados e respetivo enquadramento jurídico. 10) Conforme referido pelo Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, Proc.63/19.5T9MFR.L1-3, de 27-04-2022, disponível em www.dgsi.pt, que “(…) as medidas de proibição de contactos e afastamento (a prevista no artigo 152º nº 4 e 5º do Código Penal e a contida no artigo 52º do mesmo diploma) apresentam-se como de aplicação diferenciada consoante as circunstâncias do caso concreto, sendo que a pena acessória apenas deverá ser aplicada nas hipóteses mais graves em que as necessidades de prevenção e a proteção da vítima, exigem uma tutela penal reforçada.” [sublinhado nosso]. 11) No caso em apreço, não estamos perante um caso que possa ser considerado dos mais graves em situações de violência doméstica que implique a condenação do arguido na referida pena acessória como foi o caso. 12) Alegando-se, em síntese, que o tribunal recorrido executou uma interpretação restritiva da conduta do arguido, ignorando um conjunto de atenuantes que justificavam a condenação apenas numa pena principal suspensa na sua execução, ainda que sujeita a regime de prova tida por conveniente, sendo a pena acessória aplicada manifestamente desproporcional, substancialmente injusta e inadequada, devendo a decisão recorrida ser revogada por atentatória do disposto nos arts. 40.º, n.º 2 e art.º 71.º, n.º 1 e 2, alíneas a), b), d) e e), todos do C. Penal. Termos em que, pelas razões invocadas e as melhores doutamente a suprir por V. Exas., deverá a douta decisão recorrida ser revogada e, em conformidade, ser aplicada ao arguido apenas a pena principal suspensa na sua execução com regime de prova e no pagamento da indemnização conforme determinado pelo tribunal recorrido, assim se fazendo a habitual e costumada JUSTIÇA” (…)
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O recurso foi admitido, nos termos do despacho proferido em 24/04/2025, com os efeitos de subir nos próprios autos, imediatamente e com efeito suspensivo.
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I.3 Resposta ao recurso
Efectuada a legal notificação, o Ministério Público junto da 1ª Instância respondeu ao recurso interposto pelo arguido AA, pugnando pela sua improcedência, não apresentando conclusões, mas aduzindo[transcrição]: (…) O recorrente apenas recorre da pena acessória de proibição de contatos com a vítima que lhe foi aplicada. Para tanto, alega que o tribunal não levou em linha de conta a inexistência de antecedentes criminais por este tipo de ilícito. Ora, se o recorrente tivesse tais antecedentes, certamente que a pena acessória não seria de apenas 2 anos, pelo que se conclui que o tribunal levou em conta tal falta de antecedentes. Diz também o recorrente que o tribunal não teve em conta o facto de arguido e vítima morarem no mesmo prédio. Pois o tribunal tanto levou em conta tal circunstância que foi precisamente por isso que entendeu na sentença que se justifica a aplicação daquela pena acessória, para garantir a segurança da vítima, “uma vez que o conflito em causa nos autos está longe de estar sanado”, tal como se diz na sentença. Pelo que igualmente não corresponde à verdade a alegação do recorrente da “verificação de uma convivência pacífica entre o arguido e a sua ex-mulher até à presente data”. Tal não resultou da audiência, bem como não resultou que a ofendida “por sua iniciativa diariamente cozinha e deixa as refeições no anexo para o arguido”, conforme também alega o recorrente. Antes pelo contrário, o que resultou foi o que consta do facto provado 5 da sentença, de que “…o arguido exigiu à ofendida que cozinhasse para si e empurrou o fogão da cozinha para o chão, estragando-o”. Em conclusão, não violou a sentença proferida nos autos qualquer preceito. Por todo o exposto, se considera não merecer a douta decisão recorrida qualquer reparo, pelo que mantendo a mesma integralmente V. Ex.as farão a costumada JUSTIÇA. (…)
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I.4 Parecer do Ministério Público
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância a Exma. Procuradora-Geral Adjunta nos termos do qual, aderindo à posição da Digna Magistrada do Ministério Público na primeira instância, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, não apresentado conclusões, mas aduzindo: (…) 4. Posição do Ministério Público no TRL. Analisados os fundamentos do recurso, acompanhamos a posição expressa na resposta do Ministério Público junto da 1.ª Instância, ao recurso interposto pelo recorrente. Quanto à questão da aplicação da pena acessória de proibição de contactos do arguido com a vítima com afastamento de distância da residência desta de 120 metros, tendo em conta os factos dados como provados, mostra-se necessária a aplicação da referida pena acessória, face à proximidade geográfica das residências de vítima e arguido, conforme a sentença recorrida fundamentou. E, uma vez que o arguido não impugnou a matéria de facto, afigura-se-nos que tal necessidade é indiscutível. Quanto à fiscalização da referida pena acessória de afastamento, por meios de controlo à distância, a jurisprudência tem decidido que, apesar de não ser obrigatório, a regra é a de que, em caso de aplicação da referida pena acessória, a fiscalização é feita por tais meios. Neste sentido: Acórdão de 5/12/2024, do TR de Lisboa, Relatora Ana Rita Loja, no processo 788/22.8T9TVD.L1-3: “IV- A imposição de pena acessória de proibição de contactos com a vítima prevista no nº4 e 5 do artigo 152º do Código Penal é congruente com o previsto nos artigos 34º-B nº1 e 35º nº1 ambos da Lei nº112/2009 de 16 de setembro e configura o regime regra. V-A sua não imposição é excecional e tem de ser devidamente fundamentada.” Acórdão de 9/10/24, do TR do Porto, Relatora Paula Natércia Rocha, no processo 203/22.7GCAVR.P1: “III - A conjugação da presente versão do normativo do n.º 5 do mencionado art.º 152.º, do Código Penal, resultante da alteração introduzida pela Lei 19/2013, de 21 de fevereiro, com a sua anterior versão, nomeadamente no que se refere à substituição da expressão “pode” pela expressão “deve”, é demonstrativa da intenção do legislador de, havendo necessidade de aplicação da pena acessória de proibição de contactos, a mesma deve ser fiscalizada no seu cumprimento por meios técnicos de controlo à distância. Concretizando: salvo circunstâncias que revelem a manifesta desnecessidade de fiscalização por tais meios, os mesmos devem ser implementados. IV - Assim, os juízos de necessidade e de proporcionalidade devem ser efetuados pelo Tribunal para a aplicação da identificada pena acessória, porquanto a sua aplicação não resulta como efeito automático da condenação na pena principal, mas quando aplicada esta pena acessória a implementação dos meios de controlo à distância é obrigatória, salvo circunstâncias que revelem a manifesta desnecessidade de fiscalização por tais meios.” * Pelo exposto, somos de parecer de que o recurso interposto pelo arguido deve ser julgado improcedente e, consequentemente, a sentença recorrida deve ser mantida, e, em concreto, a pena acessória de proibição de contactar com a vítima com afastamento de 120 metros de distância da residência desta cujo cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. * (Elaborei, processei e revi, nos termos do disposto no art.º. 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal). (…)
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I.5. Resposta
Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tendo sido apresentada resposta ao dito parecer, no qual o recorrente reiterou a posição assumida no recurso por si interposto.
* I.6 Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso:
Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ1], e da doutrina2, são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal ad quem, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal3.
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II.2- Apreciação do recurso
Assim, face às “conclusões” apresentadas, a questão decidenda que dela se retira é a seguinte:
a) Se a pena acessória de proibição de contactos com a ofendida pelo período de dois anos, incluindo o afastamento do arguido da residência da vítima pela distância de 200 (duzentos) metros, é excessiva e desproporcional;
Vejamos.
II.3 - Da decisão recorrida [transcrição dos segmentos relevantes para apreciar as questões objecto de recurso]:
a. É a seguinte a matéria de facto considerada como provada pelo tribunal colectivo em 1ª Instância: (…) Da audiência de discussão e julgamento e dos elementos probatórios constantes dos autos resultaram provados, com interesse para a boa decisão da causa, os seguintes factos: 1- O arguido e a ofendida BB casaram-se em ... de ... de 1990, e divorciaram-se em ... de ... de 2023. 2- Dessa relação nasceram dois filhos, CC, nascido em ... de ... de 1991, e DD, nascida em ... de ... de 2003. 3- No mês de ... de 2022, foi realizado o julgamento no âmbito do processo 110/21.0..., em que o arguido estava acusado da prática de um crime de violência doméstica contra a ofendida, que correu termos neste Juízo Local Criminal de Ponta Delgada, no qual o arguido veio a ser absolvido. 4- Desde essa data, no interior da acima da habitação de arguido e ofendida, sita na ..., o arguido tem vindo a dirigir à ofendida, com uma frequência quase diária, as seguintes expressões: “és uma puta, és uma giga, tu não prestas para nada, andas com todos os homens”. 5- No dia ... de ... de 2023, pelas 15h, no interior da acima mencionada habitação, o arguido exigiu à ofendida que cozinhasse para si e empurrou o fogão da cozinha para o chão, estragando-o. 6- Entre o dia ... de ... de 2023 e o dia ... de ... de 2023, no interior da acima identificada habitação, o arguido partiu a janela do quarto da ofendida. 7- Em data não concretamente apurada, mas posterior ao divórcio, o arguido cuspiu pelo menos uma vez para a cara da ofendida. 8- Ao atuar da forma descrita, o arguido agiu com o propósito concretizado de humilhar, diminuir, amedrontar, maltratar psicologicamente a ofendida, sua mulher, mãe dos seus filhos, e ex-mulher a partir de ... de ... de 2023, bem sabendo que sobre si impendia um dever especial de respeito, querendo assim com os seus comportamentos, humilhação, angústia e tristeza, não se coibindo de praticar os factos no interior da habitação de ambos, tudo o que conseguiu. 9- O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, e tinha a liberdade necessária para se determinar segundo essa avaliação. 10- O arguido encontra-se desempregado. 11- Aufere cerca de 407 euros por mês a título de subsídios. 12- Tem dois filhos, já maiores de idade. 13- O arguido tem um problema de dependência de álcool. 14- O arguido é uma pessoa bem inserida pessoalmente e profissionalmente, sendo visto como boa pessoa e como excelente profissional de jardinagem. 15- O arguido já respondeu e foi condenado: - Por sentença proferida em 10 de Maio de 2022, transitada em 09 de Junho de 2022, no âmbito do processo nº 133/22.2PCPDL, pela prática, em ... de ... de 2022, de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez (previsto e punido pelo artigo 292.º do Código Penal), na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de 6 euros, o que perfaz o total de 480 euros e na pena acessória de 3 meses de proibição de conduzir veículos motorizados, penas que foram declaradas extintas, respetivamente, em 22 de Outubro de 2022 e 28 de Setembro de 2022. - Por sentença proferida em 24 de Janeiro de 2023, transitada em 23 de Outubro de 2023, no âmbito do processo nº 15/23.0PCPDL, pela prática, em ... de ... de 2023, de 1 (um) crime de desobediência (previsto e punido pelo artigo 348.º do Código Penal), na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de 6 euros, o que perfaz o total de 660 euros e na pena acessória de 6 meses de proibição de conduzir veículos motorizados, pena acessória que foi declarada extinta em 09 de Setembro de 2023. - Por sentença proferida em 25 de Janeiro de 2023, transitada em 24 de Fevereiro de 2023, no âmbito do processo nº 275/21.1PCPDL, pela prática, em ... de ... de 2021, de 1 (um) crime de desobediência (previsto e punido pelo artigo 348.º do Código Penal), na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 6 euros, o que perfaz o total de 600 euros, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses.” (…)
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b. É a seguinte a motivação da decisão quanto à pena acessória de proibição de contacto com a vítima, apresentada pelo tribunal de 1.ª Instância (…) “X- Da pena acessória. Estatui o artigo 152.º/4, 5 e 6, do Código Penal: “4 - Nos casos previstos nos números anteriores, incluindo aqueles em que couber pena mais grave por força de outra disposição legal, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica. 5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. 6 - Quem for condenado por crime previsto no presente artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício de responsabilidades parentais, da tutela ou do exercício de medidas relativas a maior acompanhado por um período de 1 a 10 anos” (negrito nosso). Quanto à obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, essa pena já se encontra englobada no regime de prova que será aplicado ao arguido. Quanto à pena acessória de proibição de contato com a vítima, entendemos que se justifica a aplicação da mesma. Arguido e ofendida vivem no mesmo terreno e têm filhos em comum. Grande parte dos factos que resultaram provados nos presentes autos ocorreram após o divórcio, o que demonstra que o facto de arguido e ofendida estarem divorciados não acautela a segurança da vítima. Assim, é necessário que se garante a segurança da vítima, através da aplicação desta pena acessória, uma vez que o conflito em causa nos presentes autos está longe de estar sanado. Pelo exposto, será o arguido condenado na pena acessória de proibição de contatos com a vítima pelo período de 2 (dois) anos, pena que inclui o afastamento do arguido da residência da vítima, fixando-se a distância mínima em 200 metros, e cujo cumprimento será fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. Esse período é fixado por o Tribunal entender que 2 anos serão suficientes para sanar o conflito existente entre arguido e vítima.” (…)
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II.4- Apreciemos, então, as questões a decidir.
a) Se a pena acessória de proibição de contactos com a ofendida pelo período de dois anos, incluindo o afastamento do arguido da residência da vítima pela distância de 200 (duzentos) metros, é excessiva e desproporcional;
Como vimos, veio o arguido apenas recorrer da aplicação da pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, com recurso a fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, alegando ser injusta e desproporcional.
Cumpre apreciar.
O arguido recorrente foi condenado, no âmbito da sentença recorrida, pela prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152º, nºs 1, alínea b) e 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por 3 anos, com regime de prova, e, bem assim, sendo o único objecto do presente recurso, na pena acessória de proibição de contatos com a vítima pelo período de 2 anos, pena que inclui o afastamento do arguido da residência da vítima pela distância de 200 (duzentos) metros e cujo cumprimento será fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância..
Argumenta o arguido recorrente que tem mantido uma convivência pacífica e civilizada sem a existência de qualquer episódio crítico ou conturbado há mais de dois anos com a ofendida, e que a gravidade dos factos não impõe tal medida, não tendo antecedentes criminais por este tipo de ilícito, sendo que própria que por sua iniciativa diariamente cozinha e deixa as refeições no anexo para o arguido, lava e passa a sua roupa a ferro, deixando-a igualmente no anexo.
Vejamos então os requisitos para a aplicabilidade da pena acessória de proibição de contactos com a ofendida.
Os n.ºs 4 e 5 do artigo 152.º do Código Penal estabelecem: «4- Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica. 5- A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.»
Por sua vez, a Lei n.º 129/2015, de 3 de Setembro [entrada em vigor em 3 de Outubro, artigo 7.º], aditou ao regime da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro – que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas -, o artigo 34.º-B, que dispõe em matéria de suspensão da execução da pena de prisão: «Suspensão da execução da pena de prisão 1-A suspensão da execução da pena de prisão de condenado pela prática de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do Código Penal é sempre subordinada ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, em qualquer caso se incluindo regras de conduta que protejam a vítima, designadamente, o afastamento do condenado da vítima, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio. 2-O disposto no número anterior sobre as medidas de proteção é aplicável aos menores, nos casos previstos no n.º 2 do artigo 152.º do Código Penal.»
Assim, com a Lei n.º 129/2015, de 3 de Setembro, o que o Código Penal estabelece como pena acessória surge, também, configurado como imposição de regras de conduta para protecção da vítima no âmbito da pena (de substituição) de suspensão da execução da pena de prisão.
O regime regra nos casos de condenação de um agente pela prática do crime em causa, em pena de prisão suspensa na sua execução, será o da sua subordinação à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, mas sempre se incluindo regras de conduta de protecção da vítima.
Aliás, mesmo que não fosse no âmbito da pena acessória, sempre se impunha a subordinação da suspensão à observância de regras de conduta, ou ao acompanhamento de regime de prova, mas sempre se incluindo regras de conduta de protecção da vítima, revestidas de real eficácia.
Na aplicação das penas acessórias, o julgador está vinculado aos mesmos critérios e elementos de ponderação utilizados aquando da determinação concreta da sanção penal principal, designadamente tal sanção acessória terá de se conformar em função da gravidade da infracção (censurabilidade do facto) e da culpa (censurabilidade do agente), fazendo com que a sua aplicação não seja automática, mas sim gizada por critérios legais de necessidade, adequação e proporcionalidade.
A pena acessória imposta surge como um adjuvante da pena principal, na realização das finalidades de prevenção especial, numa lógica de prevenção do conflito e de prevenção/intimidação que efectivamente proteja a vítima do risco de reincidência, como meio indispensável/imprescindível para a proteção dos seus direitos4.
Ora, in casu, considerando a factualidade provada, maxime nos seus pontos 4) e 9) [veja-se a transcrição da sentença recorrida, supra descrita], temos como evidente a necessidade de protecção da vítima, cuja liberdade individual de decisão e de acção é afectada pelos sentimentos de insegurança, intranquilidade e medo que lhe são incutidos pelo arguido.
Ao contrário do que sustenta o recorrente, em parte alguma da matéria de facto dada como provada resulta um pretenso clima de concórdia que este apregoa, e que seja pacífico e civilizado o relacionamento entre ambos, pelo contrário (sendo certo que o recorrente não impugnou aquela).
Dali resulta, no que ao caso interessa, que arguido e vítima se divorciaram em ... de 2023 e mesmo após essa data os episódios de agressividade mantiveram-se, mormente que “no dia ... de ... de 2023, pelas 15h, no interior da acima mencionada habitação, o arguido exigiu à ofendida que cozinhasse para si e empurrou o fogão da cozinha para o chão, estragando-o., facto significativo pelas ilacções que do mesmo se podem retirar.
Ou seja, não é por iniciativa da vítima que aquela cozinha para o arguido recorrente, e este, mesmo após o divórcio, entende que a mesma deverá a cumprir com determinadas missões que certamente o mesmo sempre entendeu estarem associadas ao matrimónio, e que na sua visão destorcida as poderia exigir naquela outra altura, quer mesmo após o divórcio, inclusive com recurso à violência, demonstrando um ideal já ultrapassado, mas que ainda assim rege os comportamentos do arguido.
E atente-se que outros episódios de agressividade aconteceram, todos eles após o divórcio e no interior da casa comum, e que de forma manifesta e evidente logo inculca que a proximidade entre ofendida e recorrente tem potenciado a ocorrência de comportamentos agressivos e injuriosos por parte do recorrente, colocando a vítima numa constante situação de perigo, não sendo a inexistência de antecedentes criminais factor determinante na escolha da presente medida.
Atente-se igualmente que é dado como provado que o arguido tem um problema de álcool, que é consabidamente uma das causas para a eliminação dos controles frenadores comportamentais, potenciando a reiteração das condutas que são agora punidas.
Deste modo, só se pode considerar acerta a decisão do tribunal recorrido quando, ao aferir desse perigo, considerou “Arguido e ofendida vivem no mesmo terreno e têm filhos em comum. Grande parte dos factos que resultaram provados nos presentes autos ocorreram após o divórcio, o que demonstra que o facto de arguido e ofendida estarem divorciados não acautela a segurança da vítima. Assim, é necessário que se garante a segurança da vítima, através da aplicação desta pena acessória, uma vez que o conflito em causa nos presentes autos está longe de estar sanado.”
Aliás, mal se perceberia que atendendo aos factos provados o tribunal considerasse que arguido e vítima podiam perfeitamente conviver no mesmo espaço sem que existisse um intolerável risco de reiteração da actividade criminosa (tanto mais que a condenação apenas exacerbará ainda mais a hostilidade do recorrente para com a vítima).
E menos ainda se compreenderia que, tendo sido o arguido quem atentou contra o bem estar físico e psíquico da ofendida, para protecção desse risco criado pela actuação daquele - que, efectivamente se perspectiva - tivesse de ser a aquela a abdicar do direito à utilização dessa residência, quando é certo que o direito a essa utilização é tão seu quanto do arguido.
No contraponto entre o acautelamento do perigo inequívoco da continuação da actividade criminosa do arguido sobre a vítima e a impossibilidade de utilização da casa onde o mesmo tem fixada a sua residência, por ser nela onde, igualmente, a ofendida reside, não se afigura que a predominância da primeira sobre a segunda seja desproporcional aos fins visados, como o recorrente sustenta.
E aliás, dado os contornos do caso concreto, tal afastamento será igualmente benéfico para o arguido, dado impedir de forma impositiva a prática de factos delituosos que poderiam culminar com a revogação da suspensão da pena de prisão que lhe foi concedida.
Concordamos, pois, com o entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido, sendo necessária, adequada e proporcional a aplicação ao arguido da pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, não se descortinando, portanto, qualquer excesso ou desproporcionalidade na sua aplicação.
No que concerne à aplicação dos meios técnicos para fiscalização do cumprimento de tal pena, certo é que o recurso do arguido sobre tal é omisso, não colocando em causa os seus pressupostos, cingindo-se à falta de proporcionalidade da pena acessória subjacente (conforme resulta aliás, das normas pelo mesmo invocadas como tendo sido violadas), pelo que quaisquer outras considerações extravasam o objecto do recurso, delimitado que está pelas conclusões.
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III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes da 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelo arguido recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UCS [artigo 515º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III].
Notifique nos termos legais.
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Lisboa, 10 de Julho de 2025 (O presente acórdão foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos – art. 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal - encontrando-se escrito de acordo com a antiga ortografia)
João Grilo Amaral
Paulo Barreto
Pedro José Esteves de Brito
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1. Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt.
2. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág.335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., Rei dos Livros, 2011, pág.113.
3. Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada pelo Acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR/I 28/12/1995.
4. Ac.RL de 07/12/2023, proc.755/22.1PASNT.L1-9