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ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO DO ARRENDAMENTO
DECLARAÇÃO
Sumário
SUMÁRIO (da responsabilidade do relator) O artº 1110º/4 do CCivil, na redação introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12/02, deve ser interpretado no sentido de o senhorio poder efetuar a declaração de oposição à renovação antes de terminado o prazo mínimo de 5 anos de vigência do contrato de arrendamento para fins não habitacionais, para que essa declaração produza efeitos no final desses 5 anos.
Texto Integral
Acordam os Juízes Desembargadores que compõem este Coletivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Autor: AA
Ré: Gabinete 118 - Gestão de Obras e Projetos, Lda.
O autor instaurou ação de condenação sob a forma comum de declaração pedindo o seguinte:
a) que seja declarado que o contrato de arrendamento celebrado em 1 de março de 2019 cessou a produção dos seus efeitos em 28 de fevereiro de 2024, por força da oposição do senhorio, ora AUTOR, à renovação do contrato de arrendamento, comunicada à RÉ, em 22 de setembro de 2023;
b) que a RÉ seja condenada a desocupar o locado identificado no artigo 1.º desta petição e a proceder à respetiva entrega, livre e devoluto de pessoas e bens, ao AUTOR;
c) que a RÉ seja condenada a pagar ao AUTOR, desde o termo do contrato de arrendamento, que ocorreu em 28 de fevereiro de 2024, até à presente data, a título de indemnização, pela falta de restituição do imóvel na data da cessação do contrato de arrendamento, nos termos do disposto no artigo 1045.º, número 2., do Código Civil, o montante correspondente ao dobro do valor da renda por cada mês de atraso na entrega, no montante mensal de € 1.000,00 (mil euros) até efetiva restituição do locado, indemnização essa que, neste momento, reportados aos meses de março a julho de 2024, ascende a € 5.000,00 (cinco mil euros), sem prescindir dos valores de indemnização vincendos até à entrega do locado a apurar em sede de liquidação da sentença.
Para fundamentar a pretensão alegou que, em 01.03.2019, celebrou com a ré, esta como inquilina, um contrato de arrendamento para fins não habitacionais relativo à fração autónoma designada pela letra C, que corresponde ao segundo e terceiros andar, com entrada e saída para a via pública pela porta com o número ..., do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na ... na freguesia de São Pedro, no concelho de Ponta Delgada; tal contrato foi celebrado pelo prazo 5 anos, com início no dia 01.03.2019 e termo a 28.02.2024; que, em 22 de setembro de 2023, remeteu à ré comunicação, na qual lhe transmitiu opor-se à renovação automática do contrato; que, apesar do contrato ter cessado em 28.02.2024, a ré não procedeu à entrega do locado, nem tem procedido ao pagamento de qualquer contrapartida pela sua ocupação.
A ré deduziu contestação, admitindo a celebração do contrato de arrendamento, bem como a receção da comunicação remetida pelo autor a comunicar-lhe a oposição à renovação do contrato. Invocou a exceção dilatória de ilegitimidade do autor por estar desacompanhado da sua mulher. Por fim veio dizer que a lei, nomeadamente o artigo 1110º/4 do CCivil não permite que a oposição à renovação seja efetuada antes de decorridos cinco anos do início do contrato.
*
Realizou-se a audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a invocada exceção de ilegitimidade do autor e julgou tabelarmente verificados os restantes pressupostos processuais.
Passou-se de imediato ao conhecimento do mérito da causa, tendo sido proferida sentença que terminou com o seguinte segmento decisório:
“Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente procedente, e, em consequência, decido: I. julgar válida a oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado entre as partes em 01.03.2019, tendo aquele atingido o seu termo em 29.02.2024. II. Condenar a ré «Gabinete 118 – Gestão de Obras e Projectos, Lda. a desocupar o locado correspondente à fração autónoma designada pela letra «C», do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua..., na freguesia de São Pedro, no concelho de Ponta Delgada e a entregá-la ao autor AA, livre de pessoas e bens; III. Condenar a ré «Gabinete 118 – Gestão de Obras e Projectos, Lda. no pagamento ao autor AA de indemnização correspondente ao dobro do valor da renda, no montante mensal de € 1.000,00 [mil euros], desde o termo do contrato de arrendamento até à efetiva entrega do bem locado; IV. Condenar a ré no pagamento das custas processuais”.
*
Inconformada com o decidido a ré apelou, tendo apresentado alegações e as seguintes conclusões:
i. O recurso incide exclusivamente sobre matéria de direito, nomeadamente, sobre a
validade da oposição à renovação do contrato de arrendamento para fins não
habitacionais antes do decurso de cinco anos.
ii. Consideramos que o Tribunal a quo identificou corretamente a questão a decidir, mas
incorreu em erro ao considerar válida a oposição à renovação comunicada pelo
senhorio antes de decorridos cinco anos desde o início do contrato.
iii. O concreto contrato de arrendamento para fins não habitacionais foi celebrado em
01/03/2019, com prazo certo de cinco anos.
iv. As partes não acordaram, nem estipularam no contrato que não se aplicaria a
renovação automática conforme consagrada no n.º 3 do artigo 1110.º do Código Civil.
v. A comunicação da oposição à renovação foi efetuada em 22/09/2023, antes de
completados cinco anos de vigência.
vi. Importa analisar as normas legais que regulam esta matéria, designadamente o artigo
1110.º do Código Civil.
vii. Ora, deste preceito podemos inferir as seguintes conclusões principais:
a) Que as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos
contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente
estabelecidas pelas partes;
b) Que, na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo
certo, pelo período de cinco anos;
c) Que, se não houver indicação em contrário (tal como sucedeu no caso sub judice)
o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente no seu termo
e por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior;
d) E ainda que nos cinco primeiros anos após o início do contrato
(independentemente do prazo estipulado), o senhorio não pode opor-se à
renovação.
viii. Ora, essa opção do legislador teve como intuito o de conferir segurança e certeza
jurídica à posição de arrendatário que, na maioria dos casos, fixa a sua sede no locado
objeto do contrato de arrendamento para fins não habitacionais.
Com efeito,
ix. Não é totalmente verdade o que vem afirmado pelo Tribunal na sentença de que se
recorre:
“O que se pretende garantir num e noutro caso é um mínimo de duração do contrato, que,
no arrendamento para fins não habitacionais, se entendeu ser de cinco anos. Interpretação
distinta conduziria a que o contrato em apreço tivesse, a final, a duração mínima de dez
anos”
x. Ora, com a regulação do artigo 1110.º do Código Civil, o legislador, em primeiro lugar,
pretendeu assegurar o direito das partes de estipularem livremente as regras relativas
à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins
não habitacionais.
xi. Não obstante, em todo o caso, regulou de forma imperativa que nos cinco primeiros
anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio
não pode opor-se à renovação – n.º 5 do artigo 1110.º do Código Civil.
xii. Isto é, as partes podiam ter optado por celebrar o contrato por período inicial inferior a
cinco anos, mas a renovação não poderia ser impedida e seria sempre de pelo menos
cinco anos.
xiii. Pelo que, com todo o respeito, não é correto o defendido pelo Tribunal a quo.
xiv. Inversamente e em segundo lugar, pelo facto das partes não terem usufruído da
liberdade de regulação, o legislador estatuiu expressamente as regras relativas à
duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos.
xv. Assim, na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo,
pelo período de cinco anos, renovando-se automaticamente no seu termo e por
períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior.
xvi. Aplicando-se imperativamente a regra estipulada no n.º 5 do artigo 1110.º do Código
Civil (que impede o senhorio de se opor à renovação do contrato no prazo de cinco
anos).
xvii. Evidencia-se ainda que o contrato sub judice foi celebrado em 01/03/2019 e a oposição
efetuada pelo senhorio é datada de 22/09/2023 – isto é, o contrato só vigorava à cerca
de quatro anos.
xviii. Pelo que, tal oposição viola a norma imperativa do n.º 5 do artigo 1110.º do Código
Civil.
xix. À semelhança desta visão e proteção, dá-se aqui o exemplo do Decreto Legislativo
Regional n.º 29/2008/A, de 24 de julho, que define o regime jurídico do arrendamento
rural na Região Autónoma dos Açores e no n.º 1 do seu artigo 6.º de epigrafe determina
que “Prazo de arrendamento” regula que “Os contratos de arrendamento rural não podem
ser celebrados por prazo inferior a 10 anos, a contar da data em que tiverem início, valendo
aquele se houver sido estipulado prazo mais curto.”
xx. O n.º 3 do artigo 6.º estatui que o prazo de renovação do contrato é de cinco anos.
xxi. Deste modo, resulta o legislador, com a regulação do artigo 1110.º do Código Civil,
bem como a estipulação do artigo 6.º do Decreto Legislativo Regional n.º 29/2008/A,
de 24 de julho, o legislador pretendeu conferir especial proteção, segurança jurídica e
estabilidade à posição de arrendatário, evitando a criação de insegurança para
negócios que necessitam de previsibilidade e estabilidade.
xxii. Esse entendimento é também plasmado no plano jurisdicional.
xxiii. Ora, neste mesmo sentido por nós defendido se pronunciaram os Senhores Juízes
Desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão datado de 2022-10-27
e proc. n.º 12613/21.2T8LSB.L1-6.
xxiv. Não obstante, a posição do Tribunal a quo é a de que o contrato de arrendamento
celebrado entre as partes em 01/03/2019 atingiu o seu termo em 29/02/2024.
xxv. Tal tese viola o n.º 2, n.º 3 e n.º 4 do artigo 1110.º do Código Civil, pelos seguintes
motivos:
a. Entre a outorga do contrato e a data em que o Tribunal a quo considera que o
contrato atingiu o seu termo, não decorreram 5 anos. Em todo o caso, o contrato
celebrado a 01/03/2019 só perfazia cinco anos de vigência em 01/03/2024 (n.º 2
do artigo 1110.º do Código Civil);
b. A oposição à renovação ocorreu ainda nos cinco primeiros anos após o início do
contrato (n.º 4 do artigo 1110.º do Código Civil);
c. Ao considerarem-se válidos os efeitos da oposição à renovação que ocorreu
ocorrida ainda antes de decorridos cinco anos de vigência do contrato, confere-
se ao senhorio os mesmos direitos de quem, de forma antecipada e
diligentemente, estipula expressamente que o contrato não se renova
automaticamente (n.º 3 do artigo 1110.º do Código Civil).
xxvi. Dúvidas não subsistem que a única forma do senhorio se opor à renovação automática
do contrato seria estipulando, no contrato de arrendamento, que o contrato para fins
não habitacionais não se renovaria de forma automática.
xxvii. Não o tendo feito, não pode agora exercer esse direito unilateral.
xxviii. Posição defendida também por David Magalhães, segundo o qual “durante cinco anos
em nenhum caso pode o arrendatário ser despejado por mera vontade do senhorio; se nada
se convencionar sobre a renovação, a extinção ‘ad nutum’ só será alcançada mediante
oposição à segunda renovação que pudesse ocorrer após o primeiro lustro contratual,
garantindo-se ao arrendatário o mínimo de dez anos de duração contratual”.
xxix. Pelo já exposto, nos casos em que nada seja estipulado sobre a renovação, a cessação
unilateral (por oposição à renovação) só poderá ocorrer através de oposição à segunda
renovação.
xxx. Mais, é facto que assente que o contrato de arrendamento só perfez 5 (cinco) anos de
duração em 01/03/2024.
xxxi. No entanto, o autor, opôs-se à renovação a 22/09/2023, pretendendo cessar o contrato
em 29/02/2024 – ainda antes de decorridos cinco anos de vigência do contrato-,
violando a norma imperativa prevista no n.º 4 do art.º 1110.º do CC.
xxxii. Pelo que se requer ao Tribunal que declare a oposição à renovação do contrato de
arrendamento para efeitos não habitacionais efetuada a 22/09/2023 legalmente
inadmissível e, por isso, ineficaz.
*
O autor recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido, com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da irrepreensível decisão proferida em saneador sentença, que que julgou a presente ação totalmente procedente e, em consequência, decidiu:
“I. Julgar válida a oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado entre as partes em 01.03.2019, tendo aquele atingido o seu termo em 29.02.2024.
II. Condenar a ré GABINETE 118 – GESTÃO DE OBRAS E PROJECTOS, LDA. a desocupar o locado correspondente à fração autónoma designada pela letra “C”, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., na freguesia de São Pedro, no concelho de Ponta Delgada e a entregá-la ao autor AA, livre de pessoas e bens;
III. Condenar a ré GABINETE 118 – GESTÃO DE OBRAS E PROJECTOS, LDA. no pagamento ao autor AA de indemnização correspondente ao dobro do valor da renda, no montante mensal de € 1.000,00 [mil euros], desde o termo do contrato de arrendamento até à efetiva entrega do bem locado;
IV. Condenar a ré no pagamento das custas processuais.”
2. Nos presentes autos encontra-se assente que estamos perante um contrato de arrendamento para fins não habitacionais que foi celebrado pelo prazo de 5 (cinco) anos, com início em 01.03.2019 e termo em 28.02.2024.
3. Encontra-se também assente que o RECORRIDO comunicou a oposição à renovação do contrato em cumprimento do prazo estabelecido pelo artigo 1097.º, número 1., alínea b), e número 2., do Código Civil.
4. Assim, a única questão a decidir prende-se com a interpretação a dar à norma contida no artigo 1110.º, número 4., do Código Civil.
5. A interpretação de acordo com a qual a comunicação pode ter lugar nos primeiros cinco anos de duração do contrato, produzindo efeitos na data do respetivo termo, isto é, no fim do quinto ano de duração do contrato, caso o mesmo seja renovável, interpretação esta que corresponde à corrente doutrinária e jurisprudencial maioritária e uniformemente seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça, à qual o tribunal a quo, acertadamente, aderiu.
6. No sentido sufragado pela melhor doutrina e jurisprudência, assim como o tribunal a quo, defende o RECORRIDO que o que a norma contida no número 4., do artigo 1110.º pretende acautelar, e acautela, é que os contratos de arrendamento para fins não habitacionais tenham um prazo de vigência inicial de, pelo menos, 5 (cinco) anos, o que, em caso algum, impede o senhorio de comunicar a oposição à renovação, a qual, em todo o caso, produzirá efeitos apenas ao fim do quinto ano de duração do contrato, caso o mesmo seja renovável.
7. Tal interpretação, consentânea com os fins que o legislador pretendeu proteger, isto é, o reforço da segurança e estabilidade do arrendamento urbano, é a única que permite afastar o resultado ilógico, manifestamente irrazoável e desproporcionado de vermos imposto ao senhorio um prazo mínimo de vigência de 10 (dez) anos.
8. Reconhecendo-se, como é forçoso, a irrazoabilidade e desproporcionalidade de tal solução e tendo que pressupor-se, na fixação do sentido e alcance da lei, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, em obediência ao disposto no artigo 9.º, número 3., do Código Civil, dúvidas não restam de que o artigo 1110.º, número 4., do Código Civil tem que ser interpretado no sentido segundo o qual a comunicação pode ter lugar nos primeiros cinco anos de duração do contrato, produzindo efeitos na data do respetivo termo, no caso dos contratos celebrados pelo prazo de 5 (cinco) anos.
9. A posição sufragada pelo tribunal a quo, integralmente subscrita pelo ora RECORRIDO, é suportada pela doutrina e jurisprudência maioritárias que, reiteradamente, têm contrariado a tese vertida no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.10.2022, no Processo n.º 12613/21.2T8LSB.L1-6, por sinal, o mais antigo dos acórdãos que se debruçaram sobre esta questão, dos que se encontraram publicados.
10. No sentido da posição adotada pelo tribunal a quo veja-se a doutrina de André Mena Hüsgen, Jéssica Rodrigues Ferreira e Edgar Valente e a jurisprudência vertida no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08.05.2023, proferido no Processo n.º 1085/22.4YLPRT.P1, confirmado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.01.2024, bem como os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 21.11.2023, no Processo n.º 16892/22.0T8PRT.P1, de 04.03.2024, no Processo n.º 1792/23.4YLPRT.P1 e de 06.05.2024, no Processo n.º 1793/23.2YLPRT.P1.
11. Recentemente, foi o Supremo Tribunal de Justiça chamado a pronunciar-se sobre as duas teses em confronto, em Acórdão de 15.10.2024, proferido no Processo n.º 1064/21.9T8AGD.P1.S1, tendo, doutamente, decidido que a melhor interpretação é aquela de acordo com a qual o senhorio não está impedido de comunicar ao arrendatário a sua vontade de não o renovar o contrato de arrendamento para fins não habitacionais por mais cinco anos, desde que observe a antecedência convencionada ou prevista na lei, produzindo-se o efeito extintivo após o decurso do prazo de cinco anos.
12. Atento todo o exposto tem que se concluir que o tribunal recorrido, tendo seguido a melhor interpretação da norma contida no número 4., do artigo 1110.º, do Código Civil, não incorreu em qualquer erro de julgamento, tendo procedido acertadamente à aplicação da lei substantiva, impondo-se a integral confirmação da sentença recorrida.
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FUNDAMENTAÇÃO
Colhidos os vistos cumpre decidir.
Objeto do Recurso
O objeto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelos recorrentes, a questão a apreciar é apenas uma, que é a de determinar a correta interpretação do artº 1110º/4 do CCivil, nomeadamente se, estando perante um contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado pelo prazo de 5 anos, o senhorio pode opor-se à renovação para o fim do período inicial desses 5 anos.
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Factualidade tida em consideração pela 1ª Instância
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. AA, BB e CC, estes últimos, na qualidade de legais representantes da sociedade comercial «Gabinete 118 – Gestão de Obras e Projectos, Lda.», outorgaram, em 01.03.2019, documento escrito, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual o primeiro declarou dar de arrendamento àquela sociedade, a fração autónoma designada pela letra «C», que corresponde ao segundo e terceiros andar, com entrada e saída para a via pública pela porta com o número ..., do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., na freguesia de São Pedro, no concelho de Ponta Delgada.
2. Em tal escrito, acordaram os outorgantes que:
a) o arrendamento é feito pelo prazo de 5 [cinco] anos, com início em 01.03.2019 e termo em 28.02.2024;
b) a renda mensal é de € 500,00;
c) o arrendamento destina-se exclusivamente a escritório da sociedade comercial «Gabinete 118 – Gestão de Obras e Projectos, Lda.», não lhe podendo ser dado outro fim.
3. O autor endereçou à ré, por meio de carta registada com aviso de receção, enviada em 22.09.2023 e recebida em 25.09.2023, a comunicação de fls. 10, cujo teor se dá por integralmente por reproduzido, da qual se destaca o seguinte:
«Exmos. Senhores,
Venho comunicar-vos, respeitando a antecedência prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 1097.º por remissão do n.º 1 artigo 1110.º do Código Civil a oposição à renovação do contrato de arrendamento com termo certo, celebrado a 1 de março de 2019 (…).
Assim, o contrato cessará a 28 de fevereiro de 2024, devendo V. Exas desocupar o locado nessa data, entregando-o livre de pessoas e bens e nas mesmas condições em que o receberam».
4. A ré endereçou ao autor comunicação datada de 10.10.2023, junta a fls. 11, cujo teor se dá por integralmente por reproduzido, da qual se destaca o seguinte:
«Exmo Senhor
Relativamente à sua carta datada de 22 de setembro, p.p. (recebida a 25/9/2023), vimos informar que não aceitamos a denúncia do contrato da fração em título, pelo que consideramos que o mesmo se mantém em vigor».
5. O autor endereçou à ré, por meio de carta registada com aviso de receção, enviada em 26.10.2023, a comunicação de fls. 11 verso, cujo teor se dá por integralmente por reproduzido, da qual se destaca o seguinte:
«Exmos. Senhores,
Venho comunicar-vos, que apesar de não aceitarem a cessação do contrato, a mesma é válida nos termos do disposto no artigo 1097.º e produz os seus efeitos.
(…)
Deste modo, o contrato cessará a 28 de fevereiro de 2024, devendo V. Ex.ªs desocupar o locado nessa data, entregando-o livre de pessoas e bens e nas mesmas condições em que o receberam, sob pena do recurso às vias judiciais».
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Fundamentação jurídica
O Tribunal a quo, na parte relativa à vexata quaestio que constitui o cerne deste recurso, fundamentou da seguinte forma a decisão de procedência da ação:
“A questão que se levanta e que tem vindo a ser alvo de apreciação jurisprudencial relaciona-se com a conjugação da norma vinda de citar com o disposto no 1110.º, n.º 4 do Código Civil. A respeito da interpretação do artigo 1110.º, n.º 4 do Código Civil perfilam-se duas perspetivas. Para uma das posições em confronto, o senhorio, nos primeiros cinco anos de duração do contrato está impedido de se opor à renovação do contrato e ainda de proceder à sua comunicação para produzir efeitos no termo do contrato. Trata-se da orientação proposta pela ré e que foi seguida, desde logo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.10.2022, proferido no processo 12613/21.2T8LSB.L1-6, acessível para consulta em www.dgsi.pt., em cujo sumário pode ler-se: «I–A norma contida no nº 4 do artigo 1110º do Código Civil não autoriza a interpretação de que, num contrato de arrendamento para fins não habitacionais livremente celebrado por cinco anos, o senhorio pode comunicar ao arrendatário a sua oposição à renovação do contrato para ter efeitos findo o prazo inicial do mesmo. II–Tal norma deve ser interpretada no sentido que dela consta (com respeito aliás pela correspondência mínima com o texto) qual seja o de que qualquer que seja a duração do contrato, nos primeiros cinco anos contados do início da vinculação entre as partes, o senhorio não pode opor-se à renovação». A orientação alternativa propõe a interpretação segundo a qual a comunicação de oposição à renovação pode ter lugar antes de terminado o prazo de vigência do contrato de arrendamento para fins não habitacionais [cinco anos] mas para produzir efeitos na data do respetivo termo. Trata-se da interpretação sufragada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.01.2024, proferido no processo 1085/22.4YLPRT.P1.S, disponível para consulta em www.dgsi.pt.. De nossa parte, sufragamos esta última orientação interpretativa, apelando à coerência do regime jurídico, desde logo, o sentido vertido no artigo 1097.º, n.º 3 do Código Civil, aplicável ao contrato de arrendamento para fim habitacional. O que se pretende garantir num e noutro caso é um mínimo de duração do contrato, que, no arrendamento para fins não habitacionais, se entendeu ser de cinco anos. Interpretação distinta conduziria a que o contrato em apreço tivesse, a final, a duração mínima de dez anos. Concordamos com JÉSSICA RODRIGUES FERREIRA [«Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais», in Revista Eletrónica de Direito, fevereiro 2020, n.º 1, vol. 21, pág. 84], quando sustenta, a propósito da norma em análise, que «o que se pretende é deferir a produção de efeitos da primeira oposição à renovação deduzida pelo senhorio, de forma a garantir que o contrato de arrendamento habitacional dure pelo menos três/cinco anos, consoante seja habitacional ou não habitacional (salvo se o arrendatário pretender antes disso opor-se à sua renovação ou denunciá-lo) e não impedir que, durante esses três/cinco anos, o senhorio possa exercer o seu direito de oposição à renovação, coartação essa da qual poderia, na prática, resultar uma duração mínima do contrato de arrendamento bastante superior àquela que o legislador quis acautelar e que se reflete, também, nos novos prazos supletivos de duração dos períodos de renovação dos contratos». Donde, se impõe concluir pela válida e eficaz comunicação de oposição à renovação ao contrato efetuada pelo autor, tendo o contrato de arrendamento outorgado pelas partes atingido o seu termo em 29.02.2024”.
Nas conclusão 11 das contra-alegações do recorrido cita-se um acórdão do STJ datado de 15.10.2024 (relatado por Jorge Arcanjo e proferido no procº nº 1064/21.9T8AGD.P1.S1, www.juris.stj.pt), recente, portanto, no qual foi decidido o seguinte, que consta da síntese conclusiva: “A norma do n.º 4 do art. 1110.º do CC, introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12/02, deve ser interpretada no sentido de que a declaração de oposição à renovação pode ter lugar antes de terminado o prazo mínimo de vigência do contrato de arrendamento para fins não habitacionais (5 anos) para produzir efeitos na data em que, sem a oposição, o contrato se renovaria”.
Na fundamentação, após se ter efetuado uma descrição das posições em confronto, com citações doutrinais e jurisprudenciais, quer num sentido, quer noutro, disse-se o seguinte:
“Ponderados os argumentos, a melhor interpretação é a já decidida neste Supremo no citado Ac de 11-01-2024, pelas seguintes razões: Em primeiro lugar, importa salientar que o actual regime legal dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais surge ancorado, em primeira linha, no princípio da autonomia privada. Efetivamente, como resulta do disposto no art. 1110.º, n.º 1, do CC, “as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes”. Neste quadro, não parece verosímil que o legislador tenha querido impor às partes uma solução que foi, voluntariamente, excluída por aquelas. Como é evidente, o reforço da segurança e da estabilidade do arrendamento urbano não é possível fazer-se à custa do que é a vontade das partes no momento da celebração do contrato, a que, como vimos, o legislador atribuiu uma enorme relevância. Ora, se as partes quiseram prever um prazo de duração do contrato de arrendamento de 5 anos renovável, não é possível defender que tal declaração de vontade não tem qualquer aplicação prática face à letra da lei e que, inevitavelmente, tal contrato vigorará por um período de 10 anos. Depois, muito embora seja notória a diferença de redacção da norma em análise face à redacção do n.º 3 do art. 1097.º do CC é incontornável a ideia de que caso fosse intenção do legislador prever um período de duração mínimo de 10 anos nestes casos, teria, certamente, deixado tal intenção expressa. Se tal não ocorreu foi, simplesmente, porque o legislador não pretendeu adotar essa solução. É, assim, manifesto que a solução legal fixada em ambas as normas em confronto (arts. 1097.º, n.º 3, e 1110.º, n.º 4, do CC), visou garantir um período de duração mínimo do contrato, prazo que se considerou justificado face ao investimento que, não raras vezes, é realizado no âmbito do arrendamento não habitacional e que corresponde, tudo visto, ao período de duração supletivo previsto pelo legislador. Note-se que o segmento “independentemente do prazo estipulado” visou apenas abranger os contratos com duração inferior a 5 anos, pretendendo o legislador garantir que tal prazo seria sempre o prazo mínimo de duração do contrato. Foi tão-só este o objetivo do legislador. Por fim, não deixaria de ser estranho e contrário à tendência que se tem vindo a observar nas sucessivas reformas das leis do arrendamento, que o regime do arrendamento não habitacional se revelasse mais favorável do que o regime do arrendamento habitacional (o que sucederia caso o entendimento do acórdão recorrido fosse aceite). De resto, caso fosse outro o entendimento, poderíamos estar perante uma solução que, ao contrário da vontade do legislador, estaria a estimular o recurso a contratos de arrendamento não renováveis, inviabilizando a pretendida estabilidade e durabilidade das relações de arrendamento. Como se afirma no citado Ac STJ de 11-01-2024, “se, em tese geral, seria de atribuir relevância à diferença entre a redacção do n.º 4 do art. 1110.º («Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação») e a do n.º 3 do art. 1097.º («A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data (...)»), o resultado, a nosso ver ilógico, resultante da atribuição de relevância a tal diferença de redação – transformando um prazo de vigência contratual de cinco anos, acordado entre as partes e correspondente ao prazo de renovação supletivo mínimo previsto no n.º 3 do art. 1110.º, num prazo mínimo de vigência (para o senhorio) de dez anos –, leva-nos a ser favoráveis a que ambas as normas sejam interpretadas em sentido equivalente. Por isso, atendendo à ‘ratio’ da norma, admitimos que ao senhorio deve ser permitido opor-se à renovação de um contrato celebrado pelo prazo inicial de cinco anos. De outro modo, dar-se-ia o resultado absurdo de o senhorio só poder terminar o contrato no seu décimo ano de duração.”. Deste modo, conclui-se ser válida e eficaz a declaração de oposição à renovação do contrato feita pelo Autor, e consequentemente o contrato de arrendamento cessou em 31 de Dezembro de 2023”.
Em face de tão douta fundamentação que, ademais, se debruçou especificamente sobre as posições interpretativas em confronto, seria manifestamente fastidioso e desnecessário estar, quer a descrever novamente aquelas posições, quer voltar a explanar os argumentos de uma e outra posição. Assim, e porque concordamos na íntegra com a síntese conclusiva acima citada, aderimos aos fundamentos do citado acórdão.
Em consequência, prevalecendo a interpretação do artº 1110º/4 do CCivil que a sentença recorrida acolheu para fundamentar a procedência da pretensão do autor, o recurso improcede, mantendo-se aquela sentença nos seus precisos termos.
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DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes Desembargadores que compõem este coletivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso improcedente, mantendo a decisão recorrida.
Custas pela recorrente (artº 527º/1 e 2 do CPC).