SEGURO DE VIDA
PARTICIPAÇÃO NOS RESULTADOS
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
INTERPRETAÇÃO
Sumário

Sumário (artº 663º nº 7 do CPC)
1-A participação nos resultados é uma figura típica dos seguros de vida e de operações de capitalização tendo o legislador nacional, relativamente à regulação da participação nos resultados, optado por deixar ampla liberdade à iniciativa privada em sede de seguros não contributivos do artº 205º da LCS, que deve ter-se por norma supletiva, por não constar do elenco das disposições que estabelecem imperatividade absoluta e imperatividade relativa constantes dos artºs 12º e 13º da LCS.
2- O objecto da interpretação de uma declaração negocial é a manifestação da vontade, o elemento externo, a própria declaração negocial. Para captar o sentido que o declarante quis dar, o nº 1 do artº 236º do CC estabelece, como regra, que o sentido da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um “declaratário normal”.
3- A “normalidade” do declaratário que a lei toma como padrão exprime-se não só na capacidade de entender o texto ou o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.
4- O declaratário, autora, não pode colocar a sua razoabilidade no lugar da do declarante, seguradora, designadamente se o texto do contrato, interpretado por um declaratário normal, diligente e instruído e, sopesando todos os elementos contratuais, revela, com clareza, qual o sentido da declaração: no caso de extinção do contrato por iniciativa do tomador não haverá direito à participação de resultados na anuidade em curso.
5- De acordo com o artº 10º da LCCG, as cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos. Quer isto significar que como resulta do artº 236º nº 1 do CC, vale o sentido que a essas cláusulas atribuiria um aderente normal. E somente se esgotadas todas as hipóteses de aplicação das regras de interpretação relativas aos negócios jurídicos, se ainda assim permanecer a ambiguidade da cláusula, é que pode ser aplicada a regra do artº 11º nº 2 da LCCG: “Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente.

Texto Integral

Acordam os juízes desembargadores que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO
1-AA, SA, instaurou acção declarativa, com processo comum, contra, Victória – Seguros Vida, SA, pedindo:
-A condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 13 267,92€ acrescida de juros de mora desde a citação.
Alegou, em síntese, que contratou com a ré um Seguro de Vida Grupo, com efeitos a partir de 01/06/2012, com as coberturas de morte, morte por acidente, invalidez profissional e invalidez permanente; que nos termos da cláusula 11ª do contrato estava prevista a participação nos resultados no final de cada anuidade; tem direito a essa participação dos resultados relativamente à anuidade de 01/06/2022 a 31/05/2023, apesar de ter procedido à declaração de não renovação do contrato em 12/12/2022, participação essa de resultados que a ré recusou.
Subsidiariamente, invoca que a cláusula 11ª do contrato é nula, nos termos do regime das Cláusulas Contratuais Gerais por gerar um desequilíbrio entre os direitos e deveres de cada uma das partes e por ser uma cláusula ambígua.
2- Citada, a ré contestou.
Pugna pela improcedência da acção, defendendo que o direito à participação nos resultados apenas existe se o contrato de seguro se mantiver, o que não sucedeu no caso dos autos, por a ré o ter feito cessar por sua vontade.
3- Realizou-se uma diligência em que foram feitas alegações pelos Ilustres Mandatários das partes, por não haver divergências da matéria de facto e a questão controvertida ser apenas de direito.
4- Com data de 21/11/2024 foi proferida sentença, com o seguinte teor decisório:
VII. DISPOSITIVO
Nestes termos, julgo totalmente improcedente a presente ação e, nessa sequência, absolvo a Ré “...” do peticionado pela Autora “AA, S.A”.
Custas pela Autora.”
5- Inconformada, a autora interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1. A Apelante não pode concordar nem com a interpretação nem com o sentido apontado pelo Tribunal “a quo” no que ao ponto 11 das condições Particulares do contrato celebrado entre as partes, diz respeito.
2. É que o tribunal “a quo” limita-se a interpretar a expressão denuncia em sentido genérico, não tendo tido o cuidado e a ponderação de concretizar se se tratava de denuncia durante a vigência do contrato, neste caso a todo o tempo e por referência à anuidade em curso, ou se se tratava de denuncia para o termo do contrato.
3. O Tribunal “a quo” dá como provado que, no caso concreto, o contrato celebrado entre a Autora e a Ré foi renovado entre 1 de junho de 2022 e 31 de maio de 2023 e a “anulação” do contrato comunicada pela Autora à Ré em 17 de dezembro de 2022, produziu efeitos a partir de 1 de junho de 2023.
4. Isto é, não cuidou o Tribunal “a quo” de atentar a factos e situações distintas, quando a Cláusula 7ª, 1.1.1. das Condições Gerais, prevê expressamente que o contrato é celebrado por período determinado e com prorrogação automática, clausula esta que estabelece duas possibilidades, neste caso, a vinculação contratual por um período determinado, e outra com a possibilidade de prorrogação automática, em concreto.
5. Posto isto, verifica-se que, no caso “sub judice” os efeitos jurídicos do contrato permaneceram inalterados no período de 1 de junho de 2022 e 31 de maio de 2023, o que determinou que se tivessem consolidado integralmente nas esferas jurídicas das partes.
6. Temos assim que o sentido a dar ao Ponto 11 das Condições Particulares do contrato acima mencionado, apenas excluiria a existência de qualquer direito à participação de resultados quanto à anuidade de 1 de junho de 2022 a 31 de maio de 2023, se a Apelante tivesse denunciado no curso dessa mesma anuidade o contrato, destruindo os efeitos jurídicos do mesmo, com a inerente extinção do contrato durante aquele período, o que não aconteceu.
7. Por outro lado, a interpretação prosseguida pelo Tribunal encontra-se em contravenção com o disposto no artigo 205º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril.
8. Acresce que, por referência à anuidade verificada entre 01/06/2022 e 31/05/2023 a Apelante não participou qualquer sinistro à Ré.
9. Nesse conspecto e à luz do que aconteceu nos anos anteriores tinha a Apelante direito e expectativa à participação de resultados nesse período, conforme clausula 11 das condições particulares e 16 das condições gerais.
10. Ou seja, o que a Apelante fez foi opor-se à renovação do mencionado contrato, tendo cumprido integralmente o mesmo, no que a si respeitava, designadamente quanto à anuidade que findou e que se reportava a 01/06/2022 a 31/05/2023.
11. A Apelante não provocou a cessação ou a ruptura do contrato durante a sua vigência ou execução, tendo sim impedido a sua renovação, pelo que o mesmo foi cumprido integralmente, até ao seu termo.
12. Temos assim que a douta decisão sob recurso que fixou a interpretação dada ao 2º. Paragrafo do Ponto 11 das Condições Particulares do Contrato, salvo o devido respeito, representa uma subversão das regras da interpretação, levando a uma decisão profundamente injusta e injustificada.
13. Sucede que, no entender da Recorrente tal interpretação, conforme supra se expôs, é manifestamente incorreta ficando-se única e exclusivamente adstrita ao elemento literal.
14. Ora, na interpretação das cláusulas atinentes aos contratos de seguro, há que atender ao estipulado no artigo 9º, do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstração e serem suscetíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros.
15. Em concreto, dos elementos literal, racional e teleológico não resulta a interpretação dada pelo Tribunal “a quo” ao supra indicado paragrafo do ponto 11, mas sim o sentido ora aqui manifestado e já evidenciado na petição inicial e que ora se reitera.
16. Por outro lado, entende a Recorrente, salvo o devido respeito, que o Tribunal “a quo” ao prosseguir a interpretação dada ao ponto 11 das condições particulares, nos termos em que o levou a efeito, fez tábua rasa do regime aplicável às regras de interpretação da vontade das partes (artigos 236.º e 238.º do Código Civil), normas, para o efeito violadas pelo mesmo.
17. Ou seja, não interpretou o Tribunal “a quo” a clausula em apreço, salvo melhor opinião, de acordo com o disposto no artigo 236º nº1 do Código civil, não obstante ter considerado que se lançou mão à ponderação e avaliação de todos os elementos e circunstância caracterizadores do contrato e da sua concreta celebração.
18. Duvidas não há que a forma como a clausula 11 foi redigida, a interpretação da mesma não está ao alcance de um qualquer agente económico, já que a mesma encerra terminologia jurídica que induz em erro quem a subscreve.
19. Posto isto, estando-se, salvo melhor opinião, perante uma clausula ambígua, porquanto a sua interpretação exigiria sempre uma leitura jurídica e técnica, tal impunha que se avaliassem todos os elementos e factores que um declaratório mediamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratório real, teria ponderado e tido em consideração, prevalecendo, na dúvida, o sentido mais favorável ao aderente, neste caso à Apelante.
20. Duvidas não há, assim que o Tribunal “a quo” violou o Artigo 11º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 446/85 (Clausulas Contratuais Gerais), devendo a interpretação a dar ser aquela que aqui se preconiza, com a inerente conclusão que a Apelante tem direito à participação nos resultados referente à anuidade de 1 de Junho de 2022 a 31 de Maio de 2023.
21. Ao interpretar de forma diferente as respectivas disposições contratuais, o Tribunal “a quo” julgou em claro erro de aplicação das regras de interpretação da vontade das partes contidas nos artigos 236.º e seguintes do Código Civil, o que urge rectificar superiormente e que ora se pugna.
22. Sem prescindir e para o caso de improceder o que acima se alega, sempre se dirá que, e salvo o devido respeito, errou o tribunal ao considerar que a clausula 11 das condições particulares não seria nula.
23. Ora tal nulidade, decorre, designadamente do segmento onde se refere que: “No caso de resolução do contrato ou extinção do seguro por decisão do tomador do seguro não haverá direito à participação nos resultados da anuidade em curso”.
24. Como é consabido, estão as cláusulas constantes das condições especiais da apólice de seguro estão sujeitas ao regime das cláusulas contratuais gerais previsto no DL 446/85, de 25/10.
25. Posto isto, a forma genérica como aquela clausula está desenhada, desvirtua e esvazia consideravelmente o conteúdo do contrato de seguro, beneficiando, de forma evidente, desmedida e injustificada, a posição contratual da seguradora, ora R., porquanto, com o pretexto de uma qualquer extinção do contrato, se exime ao pagamento de uma participação, que sabia ser-lhe imposto.
26. Ou seja, dúvidas não que aquela clausula, nos termos em que está redigida, coloca em perigo a finalidade visada com a celebração do contrato, o que não é permitido, pelo que a mesma deve ser declarada nula, tudo o que desde já se invoca e argui, nos termos e para os devidos e legais efeitos.
27. Mesmo se se entendesse que, do labor interpretativo resultaria alguma dúvida (duas interpretações igualmente possíveis), sempre se cairia no domínio das cláusulas ambíguas, o que nos impõe atender ao sentido mais favorável à pessoa segura, por imperativo do art.º 11º nº 2 do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, conforme supra se referiu e que aqui se reitera.
28. Sem condescender, dir-se-á ainda que tal clausula seria nula também porque toda a estrutura do contrato foi construída a criar uma convicção à Apelante neste caso, a premissa que, por cada anuidade, poderia concorrer a uma participação nos resultados.
29. Por outro lado, mais resulta da leitura daquela clausula uma objectiva desproporcionalidade que confere à Recorrida uma posição vantajosa que não se enquadra na regulação normal e típica do contrato em causa, mormente quanto às consequências do cumprimento do mesmo por parte da Recorrente e aos resultados pela mesma alcançados e respectivas consequências.
30. Errou, salvo o devido respeito, o Tribunal “a quo” ao considerar que o Ponto 11 das condições Particulares e os seus 1º e 2º parágrafos seria uma clausula válida e não proibida, quando o mesmo, à luz do que acima se expôs, se deve considerar uma clausula inválida e proibida, estando a mesma ferida de nulidade.
31. Em face do exposto, devem ter total provimento as alegações de recurso aqui vertidas e a Ré ... ser vinculada a pagar de harmonia com o peticionado na p.i..
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, devendo, em consequência, ser a sentença reparada, pugnando-se pela procedência do peticionado na acção.
6-A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
Da interpretação do último parágrafo da cl. 11ª das CPA
1. O direito de participação nos resultados carece de definição contratual (art. 205º/1 do RJCS).
2. No contrato dos autos a atribuição de uma participação nos resultados depende da sua previsão nas condições particulares e está sujeita aos termos nestas estipulados (cl. 16ª/1 das CGA).
3. O benefício da participação nos resultados está regulado na cl. 11ª das CPA.
4. O nº 1 dessa cláusula prevê a atribuição de uma participação nos resultados no final de cada anuidade, o seu nº 2 prevê duas atribuições adicionais no início da primeira e da segunda anuidades (nos valores de € 6.862,97 e € 4.575,31, respectivamente) e o nº 3 encerra uma excepção ao nº 1, no caso específico de extinção ou não renovação do contrato por decisão da A., em que não há lugar à atribuição de uma participação nos resultados da anuidade em curso, o mesmo é dizer da última anuidade ou anuidade em que a A. comunica essa decisão, independentemente de a extinção produzir efeitos antes do termo ou no termo dessa anuidade.
5. O afastamento do direito à participação nos resultados da última anuidade é a consequência contratualmente prevista da (legítima) decisão da A. de extinção ou não renovação do contrato de seguro, sendo que esta solução, tal como a do nº 2 da mesma cláusula (ao abrigo da qual a A. recebeu no final das primeira e segunda anuidades participações nos resultados adicionais), nasce da liberdade contratual das partes (art. 11º do RJCS).
6. A cl. 11ª, último parágrafo, das CPA afasta o art. 205º/3 do RJCS, que tem carácter supletivo (art. 11º do RJCS), já que esse art. 205º não se inclui entre as disposições que gozam de imperatividade absoluta ou relativa, indicadas nos arts. 12º e 13º desse Regime Jurídico (sendo que o art. 90º do RJCS não se aplica ao seguro de grupo não contributivo, como é o dos autos, mas sim ao seguro de grupo contributivo).
7. Os arts. 236º e 238º do CC não foram desconsiderados pelo tribunal a quo na interpretação do último parágrafo da cl. 11ª das CPA.
8. O sentido que um declaratário normal extrai do último parágrafo da cl. 11ª das CPA é que no caso de o tomador do seguro decidir extinguir o contrato, com a sua consequente não renovação, não haverá direito à participação nos resultados da anuidade em curso, isto é, da última anuidade, no decorrer da qual essa decisão é tomada e comunicada à R..
9. A cláusula é clara, na medida em que esse sentido dela resulta imediata ou instintivamente.
10. A tentativa da A. de restringir a consequência prevista no último parágrafo da cl. 11ª das CPA - afastamento do direito a uma participação nos resultados – aos casos em que o contrato se extingue no decorrer ou antes do termo da anuidade, excluindo-a nos casos como o dos autos, em que a A. denunciou o contrato com efeitos a partir do fim da anuidade então em curso, não tem o mínimo de apoio no elemento literal da cláusula.
11. Se fosse essa a vontade das partes, a referida cláusula, no último parágrafo, não poderia dizer, apenas, “No caso de resolução do contrato ou extinção do seguro …”; com efeito, a este segmento seguir-se-ia, necessariamente, alguma expressão que indicasse que aquela consequência estava associada, unicamente, à extinção que ocorresse “no decurso” ou “antes do termo” da anuidade.
12. A fórmula de redacção adoptada deixa claro o propósito de afastar o direito à participação nos resultados da última anuidade no caso de a A. obstar, de algum modo, à renovação do contrato.
13. O sentido que a A. pretende dar ao último parágrafo da cl. 11ª das CPA não encontra o mínimo de suporte na sua letra, sendo que o sentido que lhe foi conferido pelo tribunal a quo corresponde ao sentido que um declaratário normal lhe atribui, pelo que é este sentido que deve ser considerado (arts. arts. 236º/1 e 238º/1 do CC).
14. O art. 11º do RJCCG não tem aplicação, pois o último parágrafo da cl. 11ª das CPA não encerra qualquer ambiguidade, sendo que o seu elemento literal não consente o sentido que a A. nele vislumbra.
15. Ainda assim, sempre se dirá que, também nos termos do art. 11º/1 do RJCCG, o sentido dado pelo tribunal a quo ao último parágrafo da cl. 11ª das CPA é o que deve ser considerado, por corresponder ao sentido que lhe daria um contratante indeterminado normal, colocado na posição do real aderente.
Da nulidade da cl. 11ª das CPA
16. A decisão de facto não habilita o tribunal ad quem com a matéria necessária ao conhecimento da questão da nulidade da cl. 11ª das CPA, à luz dos arts. 15º e 16º do RJCCG.
17. A A. não alegou na p.i. quaisquer factos reveladores: a) da confiança ou convicção gerada no seu espírito sobre o conteúdo do direito à participação nos resultados; b) da fonte dessa confiança ou convicção (isto é, se foi o sentido global das condições da apólice, o processo de formação do contrato celebrado, o seu teor ou qualquer outro elemento atendível); c) do objectivo que pretendia alcançar com a contratação do seguro (não se sabendo, por isso, quais os benefícios que assumiam maior preponderância para si, nem qual a sua expectativa relativamente ao âmbito de cada um deles).
18. A absoluta ausência de alegação de factualidade reveladora dos factores a ponderar nos termos do art. 16º do RJCCG está espelhada na decisão de facto, que é totalmente omissa quanto às questões da confiança suscitada na A. e do objectivo que esta pretendia atingir com a contratação.
19. Importa ter presente que, pela apólice identificada no nº 3 dos FP, foram contratadas 4 coberturas, sendo que a obrigação principal da R. consistia no pagamento dos capitais garantidos aos respectivos beneficiários em caso de verificação de algum dos ricos cobertos. A R. obrigou-se, ainda, pela mesma apólice, a atribuir uma participação nos resultados nos termos definidos na cl. 11ª das CPA, ou seja, no final de cada anuidade, com excepção da última, no caso de extinção ou não renovação do contrato por decisão da A., e, adicionalmente, no início da primeira e da segunda anuidades, nos valores de €
6.862,97 e € 4.575,31, respectivamente.
20. A decisão de facto não deixa perceber: a) quais desses benefícios assumiram maior preponderância na decisão da A. de contratação do seguro; b) o peso do benefício da participação nos resultados nessa decisão; c) o objectivo que a A. pretendia alcançar com cada uma das garantias contratadas, incluindo aquele benefício; d) a convicção que formou sobre o âmbito de cada uma delas e daquele benefício em particular; e) a correlação existente entre o prémio acordado entre as partes e as garantias contratadas, incluindo o âmbito destas (sendo que, mesmo que não tivesse conhecido do mérito da causa no despacho saneador, o tribunal a quo nunca poderia conhecer dessas questões na
decisão de facto, face à ausência na p.i. da necessária factualidade).
21. Sem o esclarecimento dessas questões de facto, é impossível ao tribunal ad quem concluir, com a segurança e o rigor que lhe são exigíveis, pela alegada existência de um desequilíbrio contratual desproporcionado em detrimento da A..
22. Com efeito, a aferição do equilíbrio entre a protecção contratual conferida aos interesses de uma e outra parte não dispensa uma análise do esquema de garantias no seu todo, sem a qual não são perceptíveis as garantias / benefícios globais da apólice, nem é possível ponderar a relação entre essas garantias / benefícios (oferecidos pela R.) e o prémio de seguro (contrapartida pecuniária da A.), ou seja, entre os direitos e obrigações resultantes do contrato para ambas as partes.
23. Só por si, a cl. 11ª das CPA não pode ser considerada contrária à boa-fé, nem, consequentemente, proibida.
24. O afastamento do direito a uma participação nos resultados da última anuidade no caso (específico) de a A. decidir extinguir ou não renovar o seguro não a obriga a manter-se eternamente vinculada ao contrato, significando tão-só que essa (legítima) decisão tem uma consequência contratual, definida à partida, no exercício da liberdade contratual das partes, que é a inexistência de atribuição de uma participação nos resultados da última anuidade do contrato.
25. Essa solução está muito longe de esvaziar o conteúdo do contrato, que, entre 1.6.2012 e 31.5.2023, isto é, durante 11 anos, garantiu os sinistros, envolvendo os colaboradores da A., enquadráveis nos riscos seguros e beneficiou de participações nos resultados nos termos definidos contratualmente, incluindo as participações nos resultados atribuídas adicionalmente no início das duas primeiras anuidades.
26. Não se vislumbra qualquer vantagem desproporcionada da R. ou desequilíbrio contratual gerado pela solução acolhida no 3º parágrafo da cl. 11ª das CPA, que, tal como solução consagrada no nº 1 da mesma cláusula (que beneficiou a A. com a atribuição adicional de participações nos resultados no início das duas primeiras anuidades), foi fruto da liberdade contratual das partes, sendo que os interesses específicos da A. pesaram no conteúdo da referida cláusula, como o seu nº 2 deixa transparecer.
27. Inexistem fundamentos para considerar contrária à boa-fé e nula a cl. 11ª das CPA ou a forma como o benefício da participação nos resultados foi nela definido.
28. A sentença absolutória recorrida não viola quaisquer normas legais, nomeadamente as invocadas pela A..
Termos em que devem V. Exas. Negar provimento à apelação e, em consequência,
confirmar a sentença absolutória recorrida.
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II-FUNDAMENTAÇÃO
1-Objecto do Recurso.
1-É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e, ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pela recorrente, é a seguinte a questão que importa analisar e decidir:
- Se há fundamento para revogar a sentença em termos de determinar a procedência da acção.
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2- Matéria de Facto.
A 1ª instância decidiu a seguinte matéria de facto que, de resto, não foi objecto de impugnação:
1. A Autora é uma sociedade comercial anónima com sede e estabelecimento industrial sito em Meirinhas, Vermoil, no qual se dedica à atividade de cerâmica.
2. A Ré é uma sociedade comercial anónima cujo objeto social é o exercício de atividade de seguro do ramo “Vida” em todo o território nacional e no estrangeiro, com a amplitude consentida pela lei, podendo ainda interessar-se direta ou indiretamente em quaisquer negócios ou operações que se relacionem com a exploração do referido ramo, e com sede na Avenida da Liberdade, números 198 e 200, Lisboa.
3. Em 19 de setembro de 2012, a Autora veio a contratar com a Ré, esta na qualidade de seguradora, a apólice de Seguro Vida Grupo, número V-912.270, com efeitos a partir de 1 de junho de 2012.
4. Através da referida apólice, a Ré aceitou garantir a cobertura por morte, morte por acidente, invalidez profissional e invalidez por acidente dos colaboradores da Autora com idade inferior à idade normal de reforma definida pelo Regime Geral de Segurança Social e que tivessem dado acordo escrito à sua inclusão no seguro (Pontos 3 e 5 das Condições Particulares e ponto 1.2 do documento denominado “Espécimen Informativo para Pessoas Seguras”), cessando a cobertura individual quando terminasse o vínculo de ligação da Pessoa Segura à Autora, quando a Pessoa Segura passasse à situação de reforma, quando tivesse sido liquidado o capital seguro e sempre que a pessoa segura atingisse as idades de 70 anos, na cobertura por morte, e de 65 anos, nas coberturas por invalidez (Ponto 8 das Condições Particulares e n.º 6 da Cláusula 9ª das Condições Gerais).
5. Ficou ainda acordado que seriam beneficiárias as seguintes pessoas: a) Em caso de morte, se outros não forem nomeados nas declarações de adesão facultadas pela Ré, o cônjuge ou equiparado, filhos, em partes iguais e herdeiros legais; b) Em caso de invalidez, as pessoas seguras (ponto 7 das Condições Particulares).
6. Ficou ainda acordado que seriam liquidados os seguintes benefícios a) Em caso de morte por doença, um capital equivalente a 28 vezes o salário mensal auferido à data do falecimento; b) Em caso de morte por acidente, um capital equivalente a 36 vezes o salário mensal auferido à data do falecimento, c) em caso de invalidez profissional, um capital equivalente a 28 vezes o salário mensal auferido à data da invalidez; d) em caso de invalidez por acidente, um capital equivalente a 36 vezes o salário mensal auferido à data da invalidez (ponto 6 das Condições Particulares).
7. Quanto ao prémio, ficou acordado que o contrato seria celebrado com base num seguro de Grupo não contributivo, sendo o prémio anual, com vencimento em 1 de junho de cada ano e emitido de acordo com as tarifas em vigor nessa data para as coberturas contratadas, ficando definida uma taxa total em permilagem do capital total em caso de morte de 3,5% para a anuidade de 1 de junho de 2012 a 31 de maio de 2013, a rever anualmente (Ponto 10 das Condições Particulares).
8. Ficou também acordado que o contrato acima mencionado seria celebrado por 1 ano, considerando-se posteriormente renovado por períodos anuais e sucessivos, na condição de pagamento dos prémios respetivos, não podendo, no entanto, ser resolvido por iniciativa da Autora até 31 de maio de 2016, e que o contrato objeto de prorrogação seria tido como um único e mesmo contrato (Ponto 9 das condições particulares e números 8 e 9 da Cláusula 5ª das Condições Gerais).
9. Ficou estabelecido que o contrato podia ser livremente denunciado por qualquer das partes, podendo a denúncia operada pela Autora ser feita valer a todo o tempo, desde que com um aviso prévio escrito de 30 dias, e devendo a denúncia da Ré ser feita por declaração escrita enviada à outra parte com uma antecedência mínima de 30 dias em relação à data de prorrogação do contrato (Pontos 1.1.1 e 1.1.2 da Cláusula 7ª das Condições Gerais).
10. Ficou ainda acordado que o contrato poderia ser resolvido por justa causa pela Autora e pela Ré, devendo a Autora, quando pretendesse fazer cessar o contrato por revogação, denúncia ou resolução, comunicar às Pessoas Seguras, estando a cessação por revogação também sujeita a aviso prévio de 30 dias (Pontos 1.1.3 e 2 da Cláusula 7ª das Condições Gerais).
11. Ficou também acordado que a Autora teria direito a uma participação nos resultados constituída pelas seguintes componentes:
a) No final de cada anuidade, seria atribuída uma participação nos resultados calculada anualmente com base numa Conta Própria de Resultados, constante do Anexo I do contrato; e,
b) Adicionalmente no início da anuidade iniciada em 1 de junho de 2012 e a iniciar em 1 de junho de 2013, seria atribuída uma participação nos resultados de € 6.862,97 e € 4.575,31, respetivamente (1.º parágrafo do Ponto 11 das Condições Particulares e n.º 1 da Cláusula 16 das Condições Gerais).
12. Por sua vez, do Anexo I do referido contrato ficou a constar que a conta de resultados seria a seguinte:
a) Considerar-se-ia, na parte relativa a créditos, os prémios pagos, a provisão para sinistros existente no início da anuidade e o saldo negativo da conta de resultados do ano anterior;
b) Na parte dos débitos, constariam os benefícios pagos, os custos e a provisão para sinistros existente no final da anuidade;
c) Os custos seriam de 20% dos prémios pagos na anuidade, líquidos de INEM; d) A provisão para seguros corresponderia ao montante dos sinistros ocorridos e não liquidados;
e) Nos benefícios pagos, seria contabilizado o montante dos sinistros efetivamente liquidados;
f) As eventuais perdas seriam lançadas na anuidade seguinte;
g) A participação, a atribuir ao tomador do seguro, seria de 75% do Saldo credor da Conta Própria de Resultados e g) As condições estabelecidas poderiam ser revistas anualmente em função da sinistralidade do contrato.
13. Ficou ainda acordado que, no caso de resolução do contrato ou extinção do seguro por decisão do tomador do seguro, não haveria direito à participação nos resultados da anuidade em curso (2.º parágrafo do Ponto 11 das Condições Particulares).
14. No dia 17 de dezembro de 2022, a Autora remeteu à Ré um bilhete postal registado com aviso de receção, com o seguinte conteúdo: “Ramo: Vida. Apólice: 912270. Data de anulação: 01.06.2023. Exmos. Srs., Solicito a V Exªs o favor de anularem o seguro a partir da data acima indicada”, bilhete este que foi recebido pela Ré.
15. Por referência à anuidade de 1 de junho de 2022 a 31 de maio de 2023, a Autora não
participou qualquer sinistro à Ré.
16. No final de cada anuidade, a Ré elaborava uma conta própria de resultados, com base
no Anexo I do referido contrato.
17. Em 31 de maio, 27 de junho e 14 de julho de 2022, a Autora procedeu, respetiva, à emissão da Conta Própria de Resultados relativa à Apólice V-912.270, do Aviso de Crédito n.º 6426739 e da Fatura Recibo Nº I1 8/6200018195, constando destes 3 documentos a circunstância de a Autora ter direito à quantia de €10.003,70, a título de participação de resultados relativa à anuidade de 1 de junho de 2021 a 1 de junho de 2022.
18. Tal montante foi creditado à Ré em 14 de julho de 2022.
19. No dia 9 de agosto de 2023, a Autora enviou um e-mail à sua corretora de seguros, “Mercer Marsh” ...), com o assunto “FW: VICTORIA SEGUROS DE VIDA - Ap.912270” e o seguinte conteúdo “Bom dia BB, pode-nos enviar o crédito correspondente ao período 2022/2023? Obrigado”, peticionando, desta forma, o pagamento pela Ré da participação de resultados referente ao períodode 1 de junho de 2022 a 31 de julho de 2023 e ao contrato acima mencionado.
20. Por sua vez, no dia 11 de agosto de 2023, a Mercer Marsh, através do endereço ..., enviou um e-mail à Autora ...) com o assunto “RE: VICTORIA SEGUROS DE VIDA - Ap.912270” e o seguinte conteúdo: “Bom dia, Caro CC, A apólice em questão encontra-se anulada a vosso pedido pelo que não existe emissão de Participação de Resultados”.
21. No dia 11 de agosto de 2023, a Autora ...) enviou um e-
mail à Mercer Marsh ... e ...), com o assunto “RE: VICTORIA SEGUROS DE VIDA - Ap.912270” e o seguinte conteúdo: “Boa tarde. Acusamos a receção do seu email o qual desde já agradecemos. Contudo, o argumento que nos envia não faz qualquer sentido, uma vez que durante a vigência do contrato (01/06/2022 a 31/05/2023), não foi participado qualquer sinistro da nossa parte. Pelo que a participação de resultados desse período é devida à AA. O cancelamento da apólice é referente ao período que se iniciaria posteriormente, ou seja, a 01/06/2023. Em nenhuma clausula das condições particulares da apólice vem informado que o cancelamento da apólice, determina a perda da participação dos resultados. Pelo menos, tanto quanto sabemos. Pode mostra-nos evidências deste facto? Muito Obrigada!
22. No dia 18 de agosto de 2023, a Autora ...)enviou um e- mail à Mercer Marsh ('Faturacao' ...>; e ...), com o assunto “RE: VICTORIA SEGUROS DE VIDA - Ap.912270” e o seguinte conteúdo: “Boa tarde. Algum desenvolvimento sobre o tema? Muito obrigada!”.
23. No dia 28 de agosto de 2023, a Mercer Marsh ...) enviou
um e-mail à Autora ...), com o assunto “RE: VICTORIA SEGUROS DE VIDA - Ap.912270” e o seguinte conteúdo: “Boa tarde cara DD, Desde já lamento a demora na resposta. questionamos a seguradora que nos indicou que nos indicou que " de acordo com o ponto 11 das Condições Particulares da Apólice, no caso de resolução do contrato ou extinção do seguro por decisão do Tomador de Seguro, não haverá direito à participação de resultados."
24. No dia 28 de setembro de 2023, a Autora ...) enviou um e- mail à Mercer Marsh ...), com o assunto “RE: VICTORIA SEGUROS DE VIDA - Ap.912270” e o seguinte conteúdo: “Boa tarde BB, Espero que esteja tudo bem consigo. Efetivamente o ponto 11 diz que caso haja resolução do contrato, não há direito à participação nos resultados. No entanto, o ponto 11, diz também que é relativamente à anuidade em curso. Ora, na anuidade em questão que terminou a 31/05/2023, não houve resolução ou termino do contrato. Logo, os direitos à participação nos resultados foram adquiridos nesta data. O que posteriormente houve foi uma não renovação da apólice para o período seguinte (01/06/2023 a 31/05/2024). Neste sentido, o prémio de participação dos resultados é devido à AA. Podem agilizar esta situação com a seguradora por favor? Obrigado”.
25. Por sua vez, no dia 19 de outubro de 2023, a Mercer Marsh (...) enviou um e-mail à Autora (...)) com o assunto “FW: VICTORIA SEGUROS DE VIDA - Ap.912270” e o seguinte conteúdo: “Bom dia. Confirmamos que de acordo com o previsto nas condições particulares não existe lugar à emissão da Participação de Resultados se a apólice não for renovada”.
26. No dia 20 de março de 2024, o Ilustre Mandatário da Autora, Dr. EE ...) enviou à Mercer Marsh ..., ... e FF, um e-mail com o assunto “Interpelação extrajudicial: VICTORIA SEGUROS DE VIDA - Ap.912270 | AA, S.A” e o
seguinte conteúdo: “Ex.mos Senhores Victoria Seguros de Vida, Venho à presença de V.Ex.as, na qualidade de advogado e em representação da sociedade comercial AA, S.A, pessoa colectiva n.º ..., solicitar, em nome da mesma, o pagamento do prémio a que alude a apólice, designadamente o direito à participação nos resultados que, em meu entender é devido à minha cliente. Como é do conhecimento de V.Ex.as a AA, SA, não renovou o contrato de seguro associado à apólice 912270, tendo o aludido contrato terminado em 31/05/2023. Ora, de acordo com o ponto 11 das condições particulares, não há lugar ao direito à participação nos resultados da anuidade em curso, caso tenha havido resolução de contrato ou extinção, situação que não ocorreu, já que durante o período de vigência do contrato este não foi objeto de qualquer resolução ou extinção dos seus termos, por impulso do tomador do seguro, neste caso AA, SA. Tal norma respeita ao facto se o contrato em curso for ou objecto de uma resolução ou extinção por decisão do tomador, sendo que como tal não ocorreu nasceu o correspondente direito na esfera jurídica da minha cliente, que o integrou e adquiriu sem reservas. Nestes termos, solicita-se a V.Ex.as que procedam à emissão da Participação de Resultados (prémio a que alude a apólice), no prazo de 8 dias, usando para o efeito a conta bancária da minha cliente com o iban PT50 0018 000003689700001 91. Findo aludido prazo e não se mostrando pago aquele direito, serei forçado a lançar mão da competente acção judicial, tudo com as legais consequências”.
27. No dia 22 de março de 2024, a Ré ...) enviou ao
Ilustre mandatário da Autora, Dr. EE (nunorodrigues- ...), um e-mail com o assunto “FW: Interpelação extrajudicial: VICTORIA SEGUROS DE VIDA - Ap.912270 |AA, S.A” e o seguinte conteúdo: “Exmo Senhor. Em resposta ao seu email abaixo, cumpre-nos informar o seguinte: A participação nos resultados é sempre calculada após a anuidade concluída, ver 1º paragrafo do Anexo I às Condições Particulares. Neste caso a última anuidade foi 01/06/2022 a 31/05/2023, conforme solicitado pelo Tomador do Seguro procedemos à anulação da apólice a 31/05/2023. Conforme ponto 11 das Condições Particulares em caso de não renovação do seguro por decisão do Tomador, não há direito à participação nos resultados referente à anuidade terminada e não renovada”.
***
3- A Questão Enunciada: Se há fundamento para revogar a sentença em termos de determinar a procedência da acção.
Discorda, a apelante, da solução dada, pela 1ª instância, ao litígio, argumentando, em primeiro lugar, que o tribunal a quo não teve em atenção que o contrato se manteve em vigor até ao termo da anuidade e, por isso, a única interpretação a dar ao Ponto 11 das Condições Particulares é que apenas excluiria o direito à participação de resultados, quanto à anuidade de 1 de junho de 2022 a 31 de maio de 2023, se a apelante tivesse denunciado o contrato no curso dessa mesma anuidade, destruindo os efeitos jurídicos do mesmo, com a inerente extinção do contrato durante aquele período, o que não aconteceu porque a denúncia não teve qualquer efeito no período de vigência do contrato na anuidade de 01/06/2022 e 31/05/2023.
Que o tribunal ateve-se a uma interpretação meramente literal do 2º parágrafo da cláusula 11ª das Condições Particulares, não levando em consideração a ambiguidade da cláusula e, com isso, violou o artº 11º da Lei 446/85, de 25/10.
A cláusula 11ª das Condições particulares do contrato é nula porque esvazia, de forma desmedida, o conteúdo do contrato de seguro, beneficiando de forma evidente a posição contratual da ré, o que contraria o regime do artº 11º da Lei 446/85, por gerar uma situação de desequilíbrio entre as partes, obrigando a aurora, segurada, a manter-se permanentemente vinculada ao contrato.
Será assim?
Em causa está, essencialmente, a questão de saber qual é o alcance e validade da cláusula 11ª das Condições Particulares do contrato de seguro.
Para isso, importará considerar:
a)- O teor da cláusula 11ª das Condições particulares e sua conjugação com outras cláusulas do contrato: a denúncia do contrato de seguro;
b)- A participação nos resultados;
c)- A natureza não imperativa do artº 205º da Lei do Contrato de Seguro;
d)- A interpretação da cláusula 11ª, 2º parágrafo das Condições Particulares;
e)- Interpretação da cláusula 11ª do contrato ao abrigo artº 11º da Lei 446/85.
Vejamos cada uma destas questões.
Assim,
3.1- O teor da Cláusula 11ª das Condições Particulares e sua conjugação com outras cláusulas do contrato: a denúncia do contrato de seguro.
É o seguinte o teor da cláusula 11ª das Condições Particulares do Contrato:

Por outro lado, conforme foi dado como provado:
8. Ficou também acordado que o contrato acima mencionado seria celebrado por 1 ano, considerando-se posteriormente renovado por períodos anuais e sucessivos, na condição de pagamento dos prémios respetivos, não podendo, no entanto, ser
resolvido por iniciativa da Autora até 31 de maio de 2016, e que o contrato objeto de prorrogação seria tido como um único e mesmo contrato (Ponto 9 das condições
particulares e números 8 e 9 da Cláusula 5ª das Condições Gerais).
9. Ficou estabelecido que o contrato podia ser livremente denunciado por qualquer das partes, podendo a denúncia operada pela Autora ser feita valer a todo o tempo, desde que com um aviso prévio escrito de 30 dias, e devendo a denúncia da Ré ser feita por declaração escrita enviada à outra parte com uma antecedência mínima de 30 dias em relação à data de prorrogação do contrato (Pontos 1.1.1 e 1.1.2 da Cláusula 7ª das Condições Gerais).
10. Ficou ainda acordado que o contrato poderia ser resolvido por justa causa pela Autora e pela Ré, devendo a Autora, quando pretendesse fazer cessar o contrato por revogação, denúncia ou resolução, comunicar às Pessoas Seguras, estando a cessação por revogação também sujeita a aviso prévio de 30 dias (Pontos 1.1.3 e 2 da Cláusula 7ª das Condições Gerais).
11. Ficou também acordado que a Autora teria direito a uma participação nos resultados constituída pelas seguintes componentes: a) No final de cada anuidade, seria atribuída uma participação nos resultados calculada anualmente com base numa Conta Própria de Resultados, constante do Anexo I do contrato e b). Adicionalmente no início da anuidade iniciada em 1 de junho de 2012 e a iniciar em 1 de junho de 2013, seria atribuída uma participação nos resultados de € 6.862,97 e € 4.575,31, respetivamente (1.º parágrafo do Ponto 11 das Condições Particulares e n.º 1 da Cláusula 16 das Condições Gerais).
A primeira questão que se coloca é a de saber se a 1ª instância não levou em consideração que a denúncia do contrato de seguro, no caso dos autos, correspondeu a uma oposição à renovação do contrato e, por isso, o contrato manteve todos os seus efeitos até ao termo da anuidade, ou seja, até 31/05/2023.
Salvo o devido respeito, não se pode, neste aspecto, concordar com a apelante.
Efectivamente, na sentença sob impugnação, a 1ª instância, a fls. 11 e seguintes, num “capítulo” enunciado como “Das Formas de Cessação do Contrato de Seguro Celebrado Entre as Partes”, discorreu sobre as diversas formas de cessação do contrato, por referência ao DL 72/2009, de 16/04 (doravante, LSC), mencionando cada uma dessas formas e, no que toca à cessação do contrato por denúncia, abordou cada uma das respectivas modalidade e, concluiu que a denúncia operada pela autora, no caso dos autos, consistiu na oposição à prorrogação do contrato.
Ora, de acordo com o artº 105º da LCS, “O contrato de seguro cessa nos termos gerais, nomeadamente por caducidade, revogação, denúncia e resolução.”
Por sua vez, o artº 112º da LCS determina, em relação ao regime comum da denúncia do contrato de seguro, que:
1 - O contrato de seguro celebrado por período determinado e com prorrogação automática pode ser livremente denunciado por qualquer das partes para obviar à sua prorrogação.
2 - O contrato de seguro celebrado sem duração determinada pode ser denunciado a todo o tempo, por qualquer das partes.
3 - As partes podem estabelecer a liberdade de denúncia do tomador do seguro em termos mais amplos do que os previstos nos números anteriores.
4 - Nos seguros de grandes riscos, a liberdade de denúncia pode ser livremente ajustada.”
E o artº 115º da mesma lei, com epígrafe “Aviso prévio” estabelece:
1 - A denúncia deve ser feita por declaração escrita enviada ao destinatário com uma antecedência mínima de 30 dias relativamente à data da prorrogação do contrato.
2 - No contrato de seguro sem duração determinada ou com um período inicial de duração igual ou superior a cinco anos, sem prejuízo do disposto no número anterior, a denúncia deve ser feita com uma antecedência mínima de 90 dias relativamente à data de termo do contrato.
3 - No caso previsto no número anterior, salvo convenção em contrário, o contrato cessa decorrido o prazo do aviso prévio ou, tendo havido um pagamento antecipado do prémio relativo a certo período, no termo desse período.”
Ora, no caso dos autos, a cessação do contrato de seguro em apreciação, enquadra-se na hipótese prevista no artº 112º nº 1 da LCS: contrato de seguro celebrado por período de tempo determinado e com prorrogação automática, podendo ser denunciado por qualquer das partes como meio de obstar a sua prorrogação. Aliás, sobre esta modalidade de denúncia do contrato de seguro, pode ver-se Pedro Romano Martinez (Lei do Contrato de Seguro anotada, 2011, 2ª edição, pág. 401). De resto, essa é a modalidade de denúncia do contrato que o mesmo autor explica na sua conhecida obra, da Cessação do Contrato (2005, pág. 61) ao referir-se à “Oposição à renovação”: “No segundo sentido anteriormente referido, a denúncia corresponde a uma declaração negocial por via da qual uma das partes, por meio de uma declaração negocial, obsta à renovação automática do contrato.”
Foi o que sucedeu no caso dos autos e resulta do ponto 14 dos factos provados: “14 - No dia 17 de dezembro de 2022, a Autora remeteu à Ré um bilhete postal registado com aviso de receção, com o seguinte conteúdo: “Ramo: Vida. Apólice: 912270. Data de anulação: 01.06.2023. Exmos. Srs., Solicito a V Exªs o favor de anularem o seguro a partir da data acima indicada”.
Embora tenha utilizado o termo “anulação”, é manifesto que exprimiu a sua vontade de se opor à renovação do contrato de seguro que ocorreria a 01/06/2023.
Temos assim que concluir que o contrato foi denunciado, rectius, operou a oposição à renovação que ocorreria a 01/06/2023.
- 3.2- A participação nos resultados.
A participação nos resultados é uma figura típica dos seguros de vida e de operações de capitalização. Representa um “acréscimo”, de dimensão variável, relativamente à prestação garantida pelo segurador, convencionalmente previsto em favor do tomador do seguro, ou do beneficiário segurado.
Como refere Eduardo Ribeiro (Lei do Contrato de Seguro anotada, AAVV, 2ª edição, 2011, págs., 583 e segs.)) “O legislador nacional privilegiou a autonomia das partes nesta matéria e consagrou o carácter puramente contratual do direito de participação nos resultados, não o convertendo em elemento obrigatório do contrato de seguro de vida. Pode assumir diferentes modalidades de acordo com a natureza do contrato de seguro e o convencionado entre as partes.” * (sublinhado nosso).
A distribuição da participação nos resultados pelos contratos de seguro pode estar dependente de diversas condições, designadamente de terem ocorrido uma ou mais anuidades do contrato, ou de o contrato estar em vigor à data da distribuição. Na regulação da participação nos resultados o legislador optou por deixar ampla liberdade à iniciativa privada, tendo o artº 205º da LCS sido qualificada como supletiva (cf. Artºs 11º a 13º (Eduardo Ribeiro, Lei do Contrato de Seguro anotada, AAVV…cit., pág. 585).
Os regimes contratualmente previstos de determinação do direito à participação nos resultados nos casos e cessação do contrato de seguro em data anterior à da distribuição são bastante díspares, podendo prever que o direito depende da vigência do contrato. (Eduardo Ribeiro, Lei do Contrato de Seguro anotada, AAVV…cit., pág. 586).
3.3-A natureza não imperativa do artº 205º da Lei do Contrato de Seguro.
Entende a apelante que a cláusula 11ª, 2º parágrafo está em conflito com o artº 205º da LCS que, diz, ser de natureza obrigatória/imperativa.
Pois bem, como acabamos de verificar, na regulação da participação nos resultados, o legislador optou por deixar ampla liberdade à iniciativa privada, tendo o artº 205º da LCS sido qualificada como norma supletiva, como decorre do que dispõem os artºs 11º a 13º dessa lei.
Na verdade, o artº 11º determina o princípio geral dos contratos de seguro:
O contrato de seguro rege-se pelo princípio da liberdade contratual, tendo carácter supletivo as regras constantes do presente regime, com os limites indicados na presente secção e os decorrentes da lei geral.
Por sua vez, o artº 12º, com epígrafe “imperatividade absoluta” determina:
1 - São absolutamente imperativas, não admitindo convenção em sentido diverso, as disposições constantes da presente secção e dos artigos 16.º, 32.º, 34.º e 36.º, do n.º 1 do artigo 38.º, dos artigos 43.º e 44.º, do n.º 1 do artigo 54.º, dos artigos 59.º e 61.º, dos n.os 2 e 3 do artigo 80.º, do n.º 3 do artigo 117.º e do artigo 119.º
2 - Nos seguros de grandes riscos admite-se convenção em sentido diverso relativamente às disposições constantes dos artigos 59.º e 61.º”
E o artº 13º, relativo à “imperatividade relativa”, estabelece:
“- São imperativas, podendo ser estabelecido um regime mais favorável ao tomador do seguro, ao segurado ou ao beneficiário da prestação de seguro, as disposições constantes dos artigos 17.º a 26.º, 27.º, 33.º, 35.º, 37.º, 46.º, 60.º, 78.º, 79.º, 86.º, 87.º a 90.º, 91.º, 92.º, n.º 1, 93.º, 94.º, 100.º a 104.º, 107.º n.os 1, 4 e 5, 111.º, n.º 2, 112.º, 114.º, 115.º, 118.º, 126.º, 127.º, 132.º, 133.º, 139.º, n.º 3, 146.º, 147.º, 170.º, 178.º, 185.º, 186.º, 188.º, n.º 1, 189.º, 202.º e 217.º
2 - Nos seguros de grandes riscos não são imperativas as disposições referidas no número anterior.”
Ora, como é bom de constatar, o artº 205º da LCS não consta do elenco das normas referentes à imperatividade absoluta ou à imperatividade relativa.
A esta vista e sem necessidade de outros considerandos, impõe-se concluir que o artº 205º da LCS não têm natureza imperativa e, por isso, de acordo com o princípio da liberdade contratual as partes são livres de enformarem as disposições contratuais referentes à distribuição de resultados, conforme melhor entenderem.
A esta vista, não faz sentido invocar que a cláusula 11º, segundo parágrafo, das condições particulares do contrato está em contradição com o artº 205º da LCS.
3.4- A interpretação da cláusula 11ª, 2º parágrafo, das Condições Particulares.
A questão consiste, no essencial, na interpretação do contrato.
São conhecidas as regras sobre interpretação dos negócios jurídicos estabelecidas nos artºs 236º a 238º do CC.
Em primeiro lugar, importa ter presente que o objecto da interpretação não incide sobre a vontade mas sobre uma sua expressão. A vontade não equivale a desejo, propósito ou aspiração, antes tendo o valor de intenção significativa de ser relevante e de intenção de ser compreendido. Ou seja, a vontade real do declarante é o mesmo que o significado que o declarante pretendeu que o destinatário apreendesse. Não sendo a vontade, enquanto fenómeno psicológico, escrutinável, a referência à mesma tem de ser tomada como referência a manifestações dessa vontade, cognoscíveis ou carecidas de interpretação. (Cf. Rui Pinto Duarte, A Interpretação dos Contratos, 2017, Almedina, pág. 55 e seg.).
Este autor propõe cinco notas sobre as regras da interpretação dos negócios jurídicos que podem ser aplicadas à interpretação dos contratos.
A primeira, salienta que sendo o contrato um encontro de vontades, na sua interpretação visa-se a busca da vontade comum dos contraentes, e não as vontades de cada um dos intervenientes.
Em segundo lugar, deve buscar-se a vontade real dos contraentes e somente se nada se apurar quanto à mesma, se aplicam as restantes regras. Ou seja, deve procurar conhecer-se o significado que os contraentes pretenderam imprimir às suas declarações e só se tal não for conseguido é que valerá o significado que um declaratário lhe atribuiria.
Terceira, para conhecer a interpretação subjectiva é lícito recorrer a elementos de todos os tipos: documentos, projectos de acordo, actas de reunião, testemunhas, designadamente que participaram nas negociações.
Quarta, nos contratos formais, a procura da vontade real dos contraentes está limitada pela regra de o sentido a atribuir-lhe tem de ter um mínimo de correspondência com o texto (artº 238º nº 1 do CC), só não se aplicando tal exigência se as razões determinantes da forma do negócio não se opuserem a tal validade (artº 238º nº 2 do CC).
Quinta, a regra da prevalência do sentido que conduzir ao maior equilíbrio das prestações no caso de dúvidas sobre o sentido de um contrato oneroso é isso mesmo: uma regra sobre superação de dúvidas e não uma regra que permita ao tribunal equilibrar um contrato que tenha por desequilibrado. (A. e ob. cit., pág. 56 e seg.)
Pois bem, a esta luz, pode dizer-se que a primeira regra a ter em consideração está estabelecida no artº 236º nº 2 do CC: conhecendo o declaratário a vontade real do declarante é de acordo com ela que vale a declaração emitida ainda que deficientemente expressa. Digamos que há uma completa coincidência de vontades: cada uma das partes sabe e deseja o que a outra pretende.
Mas, não se apurando a comunhão de quereres dos contraentes, há necessidade de lançar mão da regra do artº 236º nº 1 do CC: prevalece, em princípio, o entendimento que um declaratário normal, colocado na posição real do declaratário, atribuiria à declaração. Ou seja, cumpre verificar qual o sentido que um declaratário normal atribuiria à declaração.
No que toca aos negócios formais, ou seja, aqueles para cuja validade a lei exige documento escrito, o sentido da declaração não poderá valer sem que tenha no texto um mínimo de correspondência.
Como salienta Heinrich Ewald Hörster (A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil, 2014) “É evidente que o declarante tem interesse em ver relevante apenas a sua vontade, ao contrário do declaratário que pretende poder confiar naquilo que ele próprio entendeu. Mas a vontade é um elemento puramente psicológico, e, como tal, insusceptível de conhecimento. Susceptível de conhecimento é unicamente a manifestação externa a qual permite tirar as conclusões quanto à vontade real, subjacente ao elemento psicológico. (…) Assim, o objecto da interpretação é a manifestação da vontade, o elemento externo, a própria declaração negocial.” (pág. 509) * (sublinhados nossos). “…para captar o sentido que o declarante quis dar, o nº 1 do artº 236º estabelece como regra que o sentido da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um “declaratário normal”, isto é, um declaratário medianamente instruído, e diligente, colocado na posição do declaratário real em face do comportamento do declarante. A “normalidade” do declaratário que a lei toma como padrão exprime-se não só na capacidade de entender o texto ou o conteúdo da declaração, mas também a diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante. Portanto, o declaratário não pode colocar a sua razoabilidade no lugar da do declarante. Decisiva é a vontade deste, se ao declaratário for possível conhecê-la”. (…) “… o risco linguístico ou risco de entendimento é imputado ao declaratário (artº 236º nº 1, 2ª alternativa). Também o declaratário tem o dever, ao participar no tráfico negocial, de interpretar e atender com cuidado a declaração, ou o comportamento, quando procura averiguar o seu sentido.” (pág. 510). * (sublinhados nossos). “Quanto aos negócios formais, seja legal seja voluntária a forma adoptada, determina o nº 1 do artº 238º que em princípio a declaração negocial não pode valer com um sentido que não tenha correspondência um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento.” (pág. 512).
Dito isto, regressemos ao caso em apreço.
Recorde-se a letra da cláusula 11ª das Condições Particulares:

Ora bem, o texto da cláusula manifesta, de forma clara, o sentido que o declarante, a ré seguradora, lhe quis dar: no caso de extinção do contrato por iniciativa do tomador não haverá direito à participação de resultados na anuidade em curso.
Um declaratário “normal”, medianamente instruído e diligente, recolhendo e analisando todos os elementos do contrato - designadamente o anexo I relativo à conta de resultados e, a integralidade cláusula 11ª das Condições Particulares, bem como as regras relativas à antecipação da comunicação da cessação do contrato - verificaria que esta conta de resultados apenas seria contabilizada por referência ao final do ano em curso, o que implica que o respectivo cálculo seja efectuado após o final dessa anuidade. Saliente-se que o contrato prevê que a denúncia pela autora, seja comunicada com um aviso prévio de pelo menos 30 dias. Ou seja, a denúncia, enquanto meio de oposição à renovação do contrato, tem de ser comunicada à seguradora na “pendência da anuidade em curso” e, a cláusula 11ª, último parágrafo estipula que, a sessação do contrato na pendência da anuidade, obsta à atribuição da participação nos resultados dessa anuidade.
O declaratário, autora, não pode colocar a sua razoabilidade no lugar da do declarante, seguradora, designadamente se o texto do contrato, interpretado por um declaratário normal, diligente e instruído e, sopesando todos os elementos contratuais, revela, com clareza, qual o sentido da declaração: no caso de extinção do contrato por iniciativa do tomador não haverá direito à participação de resultados na anuidade em curso.
A esta vista, somos a entender que não há fundamento para divergir do entendimento feito pela 1ª instância acerca da interpretação da cláusula 11ª, último parágrafo, das condições particulares do contrato de seguro: ocorrendo declaração de sessação do contrato de seguro na pendência da anuidade, não há lugar a participação de resultados dessa anuidade.
3.5- Interpretação da cláusula 11ª do contrato ao abrigo artº 11º da Lei 446/85.
Defende a apelante que a cláusula 11ª das Condições particulares do contrato é nula, nos termos do artº 11º da Lei 446/85 (LCCJ), porque esvazia, de forma desmedida, o conteúdo do contrato de seguro, beneficiando de forma evidente a posição contratual da ré, por gerar uma situação de desequilíbrio entre as partes, obrigando a autora, tomadora do seguro, a manter-se permanentemente vinculada ao contrato, devendo aquela cláusula ser interpretada no sentido mais favorável à autora.
Será assim?
Estabelece o artº 11º da Lei 446/85, de 25/10, com a alteração que resulta do DL 249/99, de 07/07 (LCCG), com epígrafe “Cláusulas ambíguas”, que:
1 - As cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real.
2 - Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente.
3 - O disposto no número anterior não se aplica no âmbito das acções inibitórias.”
O legislador trata, no preceito, das cláusulas contratuais ambíguas e, determina, aliás de harmonia com o artº 10º da LCCG, que a interpretação das cláusulas contratuais ambíguas se faz perscrutando o sentido que lhe daria um contraente indeterminado normal, quando colocado na posição de um aderente normal.
Na verdade, de acordo com o artº 10º da LCCG, as cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos. Quer isto significar que como resulta do artº 236º nº 1 do CC, vale o sentido que a essas cláusulas atribuiria um aderente normal. E somente se esgotadas todas as hipóteses de aplicação das regras de interpretação relativas aos negócios jurídicos, se ainda assim permanecer a ambiguidade da cláusula, é que pode ser aplicada a regra do artº 11º nº 2 da LCCG: “Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente.” (Cf. Almeida Costa/Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, pág. 32).
Ora, no caso dos autos, como vimos no capítulo anterior, pela aplicação das regras gerais relativas à interpretação dos negócios jurídicos, chegámos à conclusão de que não havia fundamento para divergir do entendimento feito pela 1ª instância acerca da interpretação da cláusula 11ª, último parágrafo, das condições particulares do contrato de seguro: ocorrendo declaração de sessação do contrato de seguro na pendência da anuidade, não há lugar a participação de resultados dessa anuidade.
Se assim é, se a interpretação da cláusula do arº 11º das Condições Particulares do contrato comporta essa interpretação, teremos de concluir que não se trata de “cláusula ambígua” e, a esta luz, não há fundamento para (supostamente), como pretende a apelante, fazer uma interpretação no sentido mais favorável à autora.
Finalmente, também não se pode concordar com o argumento invocado pela autora no sentido de a interpretação da cláusula, como foi feita pela 1ª instância, esvazia, de forma desmedida, o conteúdo do contrato de seguro, beneficiando de forma evidente a posição contratual da ré, por gerar uma situação de desequilíbrio entre as partes. Na verdade, não se vislumbra qualquer desequilíbrio da posição das partes: o contrato de seguro vigorou até ao termo da anuidade, 31/05/2023 e, as coberturas contratadas mantiveram-se activas até esse termo contratual.
A esta luz, resta concluir pela improcedência do recurso.
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III-DECISÃO.
Em face do exposto, acordam os juízes desembargadores que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente e, por consequência, mantêm a sentença sob impugnação.
Custas na instância de recurso, pela autora/apelante.

Lisboa, 10/07/2025
Adeodato Brotas
Elsa Torres e Melo
João Paulo Brasão