DOCUMENTO
JUNÇÃO
PROTESTAR
JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
PROVA
PRINCÍPIO DA NECESSIDADE
Sumário

1-“Protestar” a junção de um documento não tem qualquer consequência no cômputo do prazo de apresentação desse documento para efeitos do artº 423º nºs 1 e 2 do CPC: se a parte não alegar nem provar, aquando da respectiva apresentação, que não o pôde oferecer com o articulado em que invoca os factos correspondentes é sancionada com multa.
2- Os processos tutelares cíveis têm natureza de processos de jurisdição voluntária (artº 12º da RGPTC), significando isso que, além do mais, se lhe aplicam as normas dos artºs 986º a 988º do CPC.
3- O artº 986º nº 2, 2ª parte, atribui ao juiz um certo poder discricionário moldado pelo princípio da necessidade: só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias deixando ao seu critério, delimitado pelo bom senso, adequação e razoabilidade, decidir se certas provas que lhe são solicitadas/sugeridas, têm ou não interesse ser realizadas para se obter a solução do conflito que lhe é submetido.
4- E essa faculdade de recusa de realização de diligências e produção de meios de prova que considere desnecessários ou impertinentes, não implica a violação do direito a um processo justo e equitativo ou direito à tutela jurisdicional efectiva.

Texto Integral

Acordam os juízes desembargadores que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-RELATÓRIO.
1-AA, instaurou, a 18/01/2024, procedimento especial de alteração do exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor CC (nascido em ...2019) contra BB, pedindo:
- A atribuição da guarda do menor.
Alegou, em síntese, que por acordo homologado a 15/06/2023 os progenitores estabeleceram que o menor ficaria à guarda da mãe, com regime de visitas alargado e, que em matéria de questões de particular importância para a vida do menor seriam decididas por ambos os progenitores; ficou acordado que quando em Lisboa, a criança frequentaria o ..., sito na Ajuda; acordaram que a decisão quanto ao estabelecimento de ensino constituía questão de particular importância; a progenitora tentou alterar o estabelecimento de ensino do menor para o ..., em Alverca do Ribatejo, ao que o requerente se opôs; a progenitora não cuida de assegurar a estabilidade do menor.
2- A progenitora pronunciou-se, pugnando pela improcedência da pretensão e, peticionado que o regime das responsabilidades parentais relativas ao menor seja fixado nos termos que peticionou no Proc. 2120/2024.7T8LSB com atribuição da guarda do menor e modificando-se o regime de visitas.
3- Em 30/04/2024, teve lugar a Conferência de Pais.
Nessa Conferência de Pais foi alcançado acordo parcial, homologado, nos seguintes termos:
A) A mãe entrega o menor CC ao pai, dando cumprimento aos períodos de convívio estabelecidos no acordo, à sexta feira às 19:30 no aeroporto de lisboa;
b) A mãe recolhe o menor CC junto do pai, após cumprimento dos períodos de convívio com este, no domingo correspondente às 21:30 no aeroporto de Lisboa;
3- As entregas e recolhas do menor CC asseguradas pela mãe, na cidade da horta no âmbito do acordo estabelecido são feitas no aeroporto da Horta;
4- Quanto ao período de férias do menor CC com o pai vigora o local e ónus de entrega do menor conforme ponto 2 e 3 anteriores, competindo aos progenitores acordar o dia em concreto de entrega e ou recolha bem como respetivo horário;
5- O presente acordo no apenso-C não prejudica os pedidos formulados por requerente e requerida nas respetivas ações de alteração de responsabilidades parentais.”
A Conferência de Pais foi suspensa e remetidas as partes para audição técnica especializada.
4- Foi junto aos autos relatório da EMAT datado de 09/10/2024.
5- Após vicissitudes processuais que aqui não relevam, por despacho de 22/12/2024, foram as partes notificadas para apresentarem alegações nos termos do artº 39º nº 4 do RGPTC.
6-Em 10/01/2025, o progenitor apresentou as suas alegações e indicou meios de prova, de entre os quais e para o que agora releva:
Requer-se, ao abrigo do disposto no artº 429º, nº 1 e 432º, ambos do CPC, e respectivamente, que:
“a) Se notifique a requerida para juntar nos autos documento, emitido pelo Hospital da Horta ou serviço a ele conexo em que preste serviços, onde conste a sua assiduidade, por dias, no período compreendido entre o dia 01/10/2022 e a presente data, para prova dos seus períodos de permanência na Ilha do Faial, atento o alegado nos pontos 25, 59, 60 e 61.”
E, no ponto 19 das alegações, escreveu:
Desde Setembro de 2021 até à presente data que o CC se encontra inscrito na creche “...”, sita na Horta e a frequenta, conforme documentos que agora se juntam sob os nºs 3, 4 e 5 e aqui se dão integralmente por reproduzidos para todos os efeitos legais, protestando, ainda, juntar a lista de assiduidade do CC, naquela Instituição, o que já foi requerido.
7- Em 23/01/2025, o requerente requereu, além dos mais, os seguintes meios de prova:
“a) Que se notifique a requerida, nos termos e para os efeitos do artº 429º, nºs 1 e 2 do CPC para que junte nos autos os documentos comprovativos dos serviços médicos que presta em cada unidade hospitalar e/ou de saúde, pública e/ou privada, em regime de contrato trabalho e/ou prestação de serviços, seja paga directamente pela entidade onde presta tais serviços e/ou através de terceiros, indicando, ainda, os respectivos documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, com a advertência a que alude o artº 417º, nº 1 e 2 do CPC, uma vez que a requerida tem o dever de cooperação com o tribunal (incluindo a cooperação para a descoberta da verdade), e neste âmbito actuar de acordo com o princípio da boa-fé.
b) Que se notifique a requerida, nos termos e para os efeitos do artº 429º, nºs 1 e 2 do CPC para que junte nos autos documentos comprovativos das formações/especialidades e/ou outra equivalência profissional bem como Congressos e/ou outros eventos profissionais, com os respectivos períodos (horas e/ou dias), em território nacional ou fora dele, no decorrer dos dois últimos anos, com a advertência a que alude o artº 417º, nº 1 e 2 do CPC, uma vez que a requerida tem o dever de cooperação com o tribunal (incluindo a cooperação para a descoberta da verdade), e neste âmbito actuar de acordo com o princípio da boa-fé.
*
Requer-se a junção da lista de assiduidade do CC na creche “...”, relativos aos anos de 2022 e 2023, conforme documento que se junta sob o nº 5 e que aqui se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais.”
8- Em 30/01/2025 foi proferido despacho sobre os meios de prova no qual, além do mais, foi decidido:
“(…)
Já relativamente à lista de assiduidade da criança na creche “...” relativa aos anos de 2022 e 2023 anexa ao requerimento de 23.01.2025 [visível no histórico do processo via sistema informático citius sob a referência 6110057], não obstante ter a virtualidade de servir como prova de factos alegados pelo requerente no articulado próprio e, como tal, relevantes para boa decisão da causa, ao contrário do que decorre do requerimento em causa não se trata de documentação protestada juntar aquando da apresentação das suas Alegações.
Assim, vai a aludida junção admitida, no entanto, uma vez que o requerente não provou nem alegou a razão da não apresentação dos documentos em momento próprio e dentro do prazo legal (artigo 39.º, n.º 4, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, vai tributada a sua apresentação tardia, em multa processual que se fixa em 0,5 Unidades de Conta (artigos 423.º, n.º 2, do Código de
Processo Civil e 27.º, n.º 1, do Regulamento Custas Processuais).
*
Por não se vislumbrar a relevância para aferição do superior interesse da criança que pauta toda a tramitação processual, nomeadamente por extravasar o adequado e necessário ao apuramento dos circunstancialismos familiares em causa, indefere-se a notificação da requerida para juntar aos autos documento comprovativo da sua assiduidade no seu local de trabalho e bem assim a notificação das companhias de aviação aérea TAP e SATA para informarem que viagens a criança em causa nos autos efectuou no período referenciado (artigo 436.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 33.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível).
9- Inconformado, o progenitor requerente interpôs recurso de parte do despacho que decidiu da admissibilidade dos meios de prova, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I. Vem o presente recurso interposto da decisão judicial, com data de 30/01/2025 e refª CITIUS 58666143, circunscrito às seguintes decisões que se transcrevem: “Já relativamente à lista de assiduidade da criança na creche “...” relativa aos anos de 2022 e 2023 anexa ao requerimento de 23.01.2025 [visível no histórico do processo via sistema informático citius sob a referência 6110057], não obstante ter a virtualidade de servir como prova de factos alegados pelo requerente no articulado próprio e, como tal, relevantes para boa decisão da causa, ao contrário do que decorre do requerimento em causa não se trata de documentação protestada juntar aquando da apresentação das suas Alegações. Assim, vai a aludida junção admitida, no entanto, uma vez que o requerente não provou nem alegou a razão da não apresentação dos documentos em momento próprio e dentro do prazo legal (artigo 39.º, n.º 4, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, vai tributada a sua apresentação tardia, em multa processual que se fixa em 0,5 Unidades de Conta (artigos 423.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e 27.º, n.º 1, do Regulamento Custas Processuais).” “Por não se vislumbrar a relevância para aferição do superior interesse da criança que pauta toda a tramitação processual, nomeadamente por extravasar o adequado e necessário ao apuramento dos circunstancialismos familiares em causa, indefere-se a notificação da requerida para juntar aos autos documento comprovativo da
sua assiduidade no seu local de trabalho (…) (artigo 436.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 33.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível).” É destas duas decisões que se recorre.
II. Relativamente à primeira decisão, apenas se configura a mesma como um lapso do tribunal a quo, pois que tendo aceite o protesto justificado, quanto ao ponto 30 das alegações do recorrente, mas não quanto ao ponto 19 do mesmo articulado, sem que haja qualquer diferença entre as duas situações, e sem que o fundamento apresentado corresponda aos factos constantes do articulado e requerimento já referidos (o anúncio do
protesto de tais documentos com a respectiva justificação), o tribunal a quo violou o disposto no artº 423º, nº 1 e nº 3 do CPC bem como o artº 27º do RCJ, impondo-se a revogação da decisão que aplica ao recorrente a multa de 0,5 UC.
III. Quanto à segunda decisão, andou mal o tribunal a quo, uma vez que não se alcança de que forma a prova requerida pelo recorrente, contende com o superior interesse do CC, extravasando o adequado e necessário ao apuramento dos circunstancialismos familiares em causa, quando tal prova é adequada e necessária para a boa decisão da causa, ou seja a entrega da guarda do CC, sem olvidar os demais direitos do menor
quanto ao direito a férias, direito de visitas do progenitor com quem não convive diariamente, e a determinação de uma pensão de alimentos e demais despesas tendo por base a real e efectiva retribuição(ões) mensais de cada progenitor.
IV. Requereu-se tal prova uma vez que os temas disponibilidade dos progenitores relativamente à guarda do menor, e à fixação da pensão de alimentos e despesas do menor, são matérias controvertidas e ao recorrente impõe-se o ónus da prova. A prova requerida é assim necessária à prova dos factos alegados pelo recorrente.
V. Estes dois temas são circunstancialismos familiares, para além dos demais alegados pelas partes, que o tribunal a quo deve apurar em sede de produção de prova.
VI. Estes circunstancialismos familiares são os critérios, entre outros, que constituem o núcleo do conceito de “superior interesse da criança”, que é “um conceito genérico” que “deve ser apurado/encontrado em cada caso concreto, embora tendo sempre presente a ideia do direito da criança ao seu desenvolvimento são e normal, no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade, ou seja, a ideia de que, dentro do possível, tudo deverá ser feito de modo a contribuir para desenvolvimento integral da criança em termos harmoniosos e felizes.”2 (Sublinhado nosso) 2 Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08/05/2019, disponível em www.dgsi.pt.)
VII. Os factos alegados (na vertente dos dois temas indicados) constituem critérios a utilizar pelo tribunal a quo na decisão que tomará a final, e após produção de prova, tendo por base o superior interesse da criança.
VIII. O deferimento da junção dos documentos pela requerida, como pedido pelo recorrente, é adequado, diremos mesmo, necessário à boa decisão da presente causa, tendo como princípio fundamental, o superior interesse do CC; entendendo-se, assim, que o tribunal a quo ao decidir como decidiu violou o princípio do superior da criança nos termos do artº 4º do RGPTC e artº 4º, alínea a) da LPCJP, bem como violou o disposto nos artºs 986º, nº 2 e 436º do CPC (ex vi artº 33º do RGPTC); Impondo-se, assim, a revogação da decisão de indeferimento pelo tribunal a quo, por outra que admita a produção de prova nos termos das alíneas a) e b) do ponto 19 do requerimento do recorrente de 23/01/2025 (refª CITIUS 6110057).
10- A requerida veio aos autos declarar que prescindia de contra-alegar.
11- O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, sem apresentar Conclusões, argumentando:
“O Ministério Público concorda com o douto Tribunal, acrescentando que, se o que se pretende demonstrar é a disponibilidade para cuidar de CC, tal não se demonstra através da assiduidade, mas dos horários de trabalho.
Em todo o caso, nos dias que correm, a generalidade das pessoas, pais e mães, têm um horário de trabalho de 7 ou de 8 horas diárias, pelo menos - isto a menos que estejam desempregados, sejam herdados ou estejam reformados. E a manutenção de uma carreira
profissional não deve ser entendida como um obstáculo à parentalidade.
E assim não nos parece que a maior ou menor disponibilidade de tempo em função dos horários de trabalho venha a ser um critério determinante para a fixação do regime das
responsabilidades parentais.
Pelo que bem andou o tribunal ao indeferir o requerido.
2. Já relativamente à condenação em multa, entende o Ministério Público que, pese embora a parte tenha protestado juntar o documento em momento ulterior facto é que nem justificou nem demonstrou a razão da junção tardia.
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II-FUNDAMENTAÇÃO.
1-Objecto do Recurso.
1-É sabido que o objecto do recurso é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC) pelas conclusões (artºs 635º nº 4, 639º nº 1 e 640º do CPC) pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (artº 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (artº 633º CPC) e, ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
A)- Se há fundamento para revogar o despacho que indeferiu a notificação da requerida para:
a)- Juntar aos autos documentos sobre os serviços médicos que presta em cada unidade de saúde/hospital, os regimes de contratação e, os rendimentos auferidos;
b)- Juntar aos autos documentos comprovativos das formações, especialidades, congressos que frequentou com os respectivos períodos (horas e/ou dias) em território nacional ou fora dele;
B)- Se há fundamento para revogar a multa de 0,5UC aplicada nos termos do artº 423º nº 2 do CPC.
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2- Factualidade Relevante.
Com relevância para a decisão do recurso, importa ter em consideração a factualidade resultante do RELATÓRIO supra.
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3- As Questões Enunciadas:
3.1- Se há fundamento para revogar a multa de 0,5UC aplicada nos termos do artº 423º nº 2 do CPC.
Segundo entende o apelante, a condenação em multa de 0,5 UC nos termos do artº 423º nº 2 do CPC, deve-se a lapso do tribunal porque, no ponto 19º das alegações, protestou juntar esse documento.
Vejamos se pode ser reconhecida razão ao apelante quanto ao sancionamento em multa.
O artº 39º nº 4 do RGPTC determina que “Se os pais não chegarem a acordo, o juiz notifica as partes para, em 15 dias, apresentarem alegações ou arrolarem até 10 testemunhas e juntarem documentos.”
Estabelece-se, no preceito, um prazo de 15 dias para, além do mais, as partes juntem documentos. Ou dito de outro modo, o normativo determina que a junção dos documentos pelas partes deva ter lugar no prazo de 15 dias.
Por outro lado, importa ter presente a norma geral do artº 423º do CPC, relativo ao momento da apresentação de documentos.
De acordo com este preceito, a junção de documentos é admissível em três momentos distintos:
i)- Com o articulado respectivo, sem a cominação de qualquer sanção (artº 423º nº 1);
ii)- até 20 dias antes da data da realização da audiência final, mas cominação de multa, excepto se a parte alegar e provar que não o pode oferecer antes (artº 423º nº 2);
iii)- Até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas apenas daqueles documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento ou, se tornem necessários em virtude de ocorrência posterior (artº 423º nº 3).
Ora, resulta claro do nº 2 do artº 423º que a parte é condenada em multa, se não provar que não pôde oferecer o documento com o respectivo articulado. No caso dos autos, a parte não provou, nem sequer alegou, que não pôde oferecer a lista de assiduidade do menor CC, na creche “...”, referente aos anos 2022 e 2023, com a apresentação das alegações do artº 39º nº 4 do RGPTC. De resto, desconhece-se, por falta de alegação do respectivo facto e por não constar do documento, qual a data em que foi solicitada a emissão do documento e qual a data em que foi emitido.
É certo que o apelante, no ponto 19 das alegações “protestou juntar” esse documento.
A questão que se coloca é a de saber qual a relevância jurídica, para efeitos de computo do prazo, do “protesto” de junção de documento.
Pois bem, segundo temos entendido, protestar” a junção de um documento não tem qualquer efeito no computo do prazo de apresentação do documento.
De resto, este é o entendimento desta Relação, como se pode verificar, entre outros, pelo no decidido no acórdão de 21/10/2020 (217, Carlos Castelo Branco, www.dgsi.pt) com o seguinte sumário:
VI) O “protestar” juntar documento não tem qualquer consequência, pois, a intenção de praticar um acto processual não equivale à sua prática, não podendo advir daí consequências jurídicas, como se o acto que não foi praticado, o tivesse sido.”
A esta vista, sem necessidade de outros considerandos, conclui-se não existir fundamento para não sancionar o requerente pela apresentação tardia do documento. O mesmo é dizer que, quanto a este ponto, o recurso improcede.
3.2- Se há fundamento para revogar o despacho que indeferiu a notificação da requerida para:
a) juntar aos autos documentos sobre os serviços médicos que presta em cada unidade de saúde/hospital, público ou privado e os regimes de contratação respectivos e, os rendimentos auferidos;
b)- Juntar aos autos documentos comprovativos das formações, especialidades, congressos que frequentou com os respectivos períodos (horas e/ou dias) em território nacional ou fora dele.
Entende o apelante que a junção desses documentos, pela progenitora – relativos às formações, especialidades, congressos que frequentou os respectivos períodos, em território nacional ou fora dele; bem como documentos sobre os serviços médicos que presta, para que entidades, em que regime jurídico de contratação e os rendimentos auferidos – são relevantes para a boa decisão da causa, quanto ao aspecto das entregas do menor em sede de direito de visitas, determinação da pensão de alimentos, disponibilidades dos progenitores para a guarda. Invoca um acórdão do TRC, de 08/05/2019.
A 1ª instância indeferiu a notificação da requerida para juntar esses documentos.
Haverá fundamento para revogar a decisão da 1ª instância e determinar a notificação da requerida para juntar aqueles documentos?
Vejamos.
Está fora de dúvida que os processos tutelares cíveis têm natureza de processos de jurisdição voluntária como expressamente afirma o artº 12º da RGPTC. Significa isto que, além do mais, se aplicam aos Processos Tutelares Cíveis as normas dos artºs 986º a 988º do CPC.
Em conformidade, permite-se, por um lado, que o tribunal possa investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar inquéritos e recolher as informações convenientes, nos termos do artº 986º nº 2 do CPC e, artº 39º nº 5 do RGPTC).
Além disso, simultaneamente, o mesmo preceito, artº 986º nº 2, segunda parte, do CPC atribui ao juiz um certo poder discricionário moldado pelo princípio da necessidade: só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias.
Alia-se, desse modo, nos processos de jurisdição voluntária, a grande amplitude da actividade instrutória do juiz à necessidade de uma solução mais conveniente e oportuna, deixando ao seu critério, delimitado pelo bom senso, adequação e razoabilidade, decidir se certas provas que lhe são solicitadas/sugeridas, têm ou não interesse ser realizadas para se obter a solução do conflito de interesses que lhe é submetido.
Dito de outro modo, deixa-se à consideração do juiz, apesar do amplo poder instrutório que lhe é facultado, a possibilidade discricionária de não realização dos actos de instrução que se revelem destituídos de interesse para o exame e decisão da causa (Cf. Ac. TR Porto, de 02/02/2015, www,colectaneadejurisprudencia.com) assim como pode prescindir de provas que repute inúteis (Ac. TR Porto, de 15/09/2016 – Guerra Banha – www.dgsi.pt).
E essa faculdade de recusa de realização de diligências e produção de meios de prova que considere desnecessários ou impertinentes, não implica a violação do direito a um processo justo e equitativo ou direito à tutela jurisdicional efectiva (Cf. Marco Carvalho Gonçalves, Regime Geral do Processo Tutelar Cível, Anotado, AAVV, coordenação de Cristina Araújo Dias, et alii, Almedina, 2021, pág. 153.).
Portanto, o que releva é o critério da necessidade e da adequação, dos meios de prova (Ac. TR Évora, de 07/05/2020, António Arestas Moita, in www.dgsi.pt).
Ora, os critérios da necessidade e da pertinência dos meios de prova, estão relacionados com o chamado objecto da prova que consiste nos factos alegados pelas partes que interessam à discussão da causa, segundo as várias soluções de direito plausíveis e em face da necessária ponderação de qual seja o superior interesse da criança, constituindo o substrato factual do thema decidendum.
No fundo, a necessidade e pertinência do meio de prova aferem-se segundo um juízo de utilidade na perspectiva de uma boa decisão no contexto de cada causa. Por isso, nem todos os factos alegados têm pertinência para o objecto da prova.
No caso em apreço, salvo o devido respeito, não se vislumbra nem qual a relevância nem a necessidade de ser junta aos autos documentação relativa à comprovação das formações, especialidades, congressos que frequentou com os respectivos períodos (horas e/ou dias) em território nacional ou fora dele.
Qual o interesse da junção dessa documentação para efeitos de ser regulado o exercício das responsabilidades parentais relativamente ao menor?
Que influência podem ter as formações, especialidades e congressos que a progenitora frequentou e os respectivos períodos, em território nacional e fora dele?
Não se alcança nem, de resto, o apelante o demostra: limita-se a invocar, de forma vaga e genérica que “…são relevantes para a boa decisão da causa, quanto às entregas do menor em sede de direito de visitas, determinação da pensão de alimentos, disponibilidades dos progenitores para a guarda…”
Acrescente-se que, no requerimento inicial, nada é invocado sobre esta matéria. E, nas alegações do requerente/apelante (do artº 39º do RGPTC), o pedido de junção de documentos era menos extenso: “…juntar nos autos documento, emitido pelo Hospital da Horta ou serviço a ele conexo em que preste serviços, onde conste a sua assiduidade, por dias, no período compreendido entre o dia 01/10/2022 e a presente data, para prova dos seus períodos de permanência na Ilha do Faial…”; e, somente em sede de requerimento posterior (de 23/01/2025), a destempo, é que o requerente se lembrou de também pedir a documentação relativa a formações, especialidades, congressos a que horas e em que dias, dentro ou fora to país.
O que se pretende provar com essa documentação que tenha relevo para a decisão sobre a regulação das responsabilidades parentais?
Não têm, esses factos e documentos, qualquer interesse e, por isso, não se alcança fundamento para revogar decisão da 1ª instância relativa às formações e congressos e afins, da progenitora.
E o mesmo se diga quanto aos pretendidos documentos relativos aos contratos com as entidades para quem a requerida presta serviços e rendimentos auferidos; nas alegações (do artº 39º nº 4 do RGPTC) o requerente apenas estava interessado em que a requerida juntasse documento relativo à assiduidade da requerida no Hospital da Horta. Somente com o requerimento de 23/01/2025, a destempo, é que o requerente passou a ter interesse em ter conhecimento da documentação relativa a todos os contratos de prestação de serviços celebrados entre a requerida e todas as entidades, públicas ou privadas e os rendimentos auferidos.
Não se alcança em que articulado regular ou em que momento do iter processual o requerente invocou a necessidade de se apurar essa factualidade. E, também não se vislumbra que esses documentos tenham relevância para o apuramento de factualidade com interesse para decidir da fixação do regime das responsabilidades parentais do menor, nem sequer em matéria de fixação do montante da pensão de alimentos a suportar pelos progenitores, questão não suscitada no processo (embora o juiz possa analisá-la e decidi-la e, sendo o caso, ordenar os meios de prova que entender adequados).
Finalmente, a invocação, pelo requerente/apelante, de decisão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08/05/2019.
Salvo o devido respeito, a questão essencial analisada e decidida nesse acórdão nada tem a ver com as questões em discussão nestes autos.
Com efeito, no mencionado aresto da Relação de Coimbra (de 08/05/2019, Proc. 148/19, Isaías Pádua, www.dgsi.pt) a questão fulcral do acórdão prendeu-se com a obrigatoriedade da audição dos menores com vista a exprimirem a sua opinião em assuntos que lhe diziam respeito.
Em duas palavras: recurso improcedente.
***
III- DECISÃO.
Em face do exposto, acordam os juízes desembargadores que compõem este colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso improcedente e, por consequência, mantêm as decisões impugnadas.
Custas na instância de recurso, pelo apelante

Lisboa, 10/07/2025
Adeodato Brotas
Elsa Torres e Melo
Jorge Almeida Esteves