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CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ENTREGA DAS CHAVES
REVOGAÇÃO
MÚTUO ACORDO
Sumário
Sumário (a que se refere o artigo 663º nº 7 do CPC e elaborado pelo relator): No contexto de um conflito de vizinhança que torna patente a extrema dificuldade de persistência da exploração de uma lavandaria no imóvel arrendado, a entrega das chaves, pela inquilina, e a sua recolha pelo senhorio, e a imediata posse deste do locado, já desocupado, e a realização de obras pelo senhorio, possibilitando novo arrendamento, constituem, na realidade, revogação por mútuo acordo, que exonera o inquilino de pagar as rendas devidas até ao final do termo do contrato então em curso.
Texto Integral
Acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório1
AA, nos autos m. id., instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB & CC, Ldª, e contra DD, ambos também nos autos m.id., peticionando a condenação solidária destes a pagar-lhe o valor da reparação dos prejuízos provocados na fracção de que é proprietário, arrendada à primeira ré, e de que o segundo réu foi fiador, correspondentes a €10.455,00, e que, por se ter verificado uma denúncia contratual antecipada por esta demandada, sejam ambos condenados a pagar-lhe o montante indemnizatório convencionado para esse efeito, no valor total de €14.500,00, tudo acrescido de juros de mora, vencidos desde a data da citação.
Subsidiariamente, pediu a condenação dos réus no pagamento do valor das rendas, à razão de €500,00 mensais, desde o mês Abril de 2023 (inclusive) e até à declaração da resolução do contrato de arrendamento, igualmente acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, até efectivo pagamento.
Contestaram os réus, impugnando parcialmente os danos alegados, insurgindo-se contra o valor entendido como sendo necessário à respectiva reparação e, no mais, alegando os factos que entendem terem levado, na realidade, à cessação do contrato, mais sublinhando que os mesmos sempre foram comunicados ao senhorio, o que, a final, defendem, levou a que o término da sua vigência tenha ocorrido de forma consensual.
A primeira Ré apresentou, ainda, um pedido reconvencional, correspondente à soma do montante gasto com a remoção dos seus equipamentos do espaço arrendado com o valor mensal pago pelo arrendamento do espaço onde os mesmos foram armazenados, assim como uma indemnização correspondente aos lucros cessantes dos meses em que não pôde exercer a sua actividade de lavandaria, por falta do respectivo espaço.
O Autor replicou, impugnando a totalidade dos factos que sustentam a reconvenção.
Realizou-se a audiência prévia, prolatando-se um convite ao aperfeiçoamento e, após, foi fixado o valor da causa em € 38.056,30, foi admitida a reconvenção, saneados tabelarmente os autos e foram fixados o objecto da causa e os temas de prova.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta:
“Em face do exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, decide-se: a) condenar os Réus no pagamento ao Autor de €10.479,60 (dez mil, quatrocentos e setenta e nove euros e sessenta cêntimos), acrescidos de juros de mora vencidos, à taxa legal supletiva, desde a data da citação, e vincendos, à mesma taxa, até integral pagamento, absolvendo-os dos restantes pedidos; b) absolver o autor de todos os pedidos reconvencionais. Custas a cargo do Autor e dos Réus, na proporção do respectivo decaimento (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Processo Civil)”.
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Inconformado, o Autor interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
“1- Aceita-se a douta sentença ao condenar os Recorridos no pagamento dos danos causados no locado, pelo que o recurso é restringido ao pedido e à sucumbência de 14.500,00 €, na medida em que por um lado não aceita certos factos dados como provados e por outro discorda da consequência jurídica (revogação) que o Tribunal a quo retirou dos mesmos e dos restantes que com esses se conjugam e não de denúncia do contrato de arrendamento por parte do arrendatário.
2- Relativamente ao FACTO PROVADO 80, impugna a aceitação do facto positivo, no segmento frásico de que foi admitido a sua verificação, que a Recorrida tivesse adquirido o tubo, o que permitia afastar os fumos provenientes da lavandaria da fachada tardoz do prédio, portando a segunda
3- parte do Facto Provado, porque a colocação do tubo, era o suficiente para que terminasse problema de exaustão de fumos e dos incómodos para os vizinhos, como foi declarado por EE, vizinho mais afetado, conforme resulta das declarações da testemunha e se deixou transcrito da sessão de 18 de outubro de 2024;
4- A prova do facto resultou para o Tribunal a quo da conjugação das declarações de parte do legal representante da Recorrida e fiador contratual, com a prova documental resultante do doc. 12 A;
5- Esse documento encontra-se emitido a favor de empresa terceira que não a interessada Recorrida e é uma “Proposta” ou orçamento, não consignado qualquer venda e pagamento de artigo.
6- E o facto de não ter adquirido o tubo, é relevante para justificar a não colocação no estabelecimento, mas principalmente para caracterizar o comportamento da recorrida, com atos graves, reiterados com consequências na esfera jurídica do Recorrente e dos terceiros vizinhos do prédio, que foram prejudicados, não sendo credível que atuando de boa-fé adquirisse o tubo e não o colocasse na saída dos fumos de exaustão do estabelecimento, pondo fim ao problema.
7- Pelo que com a prova apresentada e contexto não podia o Tribunal ter aceitado a aquisição do tubo como facto provado, devendo esse segmento ser julgado como NÃO PROVADO.
8- Relativamente aos FACTOS PROVADOS, 43., 109. e 110., sendo matéria probatória com efeitos substantivos em que o Tribunal a quo entendeu, mal, dando-os como provados que sustentando a decisão de direito relativa à existência de uma revogação contratual, e
9- Não como defende o Recorrente de denúncia do contrato de arrendamento não habitacional, com base nas declarações prestadas em audiência de julgamento na 12/09/2024, pela testemunha FF, em que caracteriza os seus comportamentos e atuação como de ajuda ao pai, ora Recorrente, atendendo ao estado de saúde e idade, não querendo que ele se preocupasse com os problemas causados pelos comportamentos da Recorrida e dos vizinhos do prédio, e não relativamente à direção e decisão dos assuntos do arrendamento, que eram da exclusiva competência do Recorrente, chegando mesmo a dizer que desconhecia os termos do contrato de arrendamento e mesmo o valor da renda.
10- Não existindo e não se encontrando caracterizado, na matéria de facto dada como provada, os elementos típicos que pudessem determinar a existência de mandato com representação, não podia o Tribunal dar como provado que FF, filho do Recorrente era seu representante, como sucedeu no FACTO PROVADO 43., devendo esse segmento ser dado como não provado e daí retiradas as devidas consequências.
11- Os FACTOS PROVADOS 43., 109 e 110., não deveriam de ter sido dados como provados na aceção de que FF era o representante do Recorrente, e que todos os assuntos referentes ao locado com intervenção de DD (legal representante da Recorrida) foram por aquele tratados e resolvidos, porque houve assuntos que o Recorrido resolveu, como o foram a presença e as decisões tomadas na reunião de 08 de fevereiro de 2023.
12- FF atuou no interesse do bem-estar e proteção do pai relativamente aos transtornos, nunca como administrador do imóvel ou mesmo representante com poderes decisórios.
13- Sem que antecipadamente houvesse contactos, ajuste, acordo ou aviso de que era intenção extinguir o contrato de arrendamento, a Recorrida realizou uma comunicação telefónica, apanhado FF de surpresa.
14- A receção de um telefonema com comunicação de que a Recorrida pretendia entregar as chaves do locado, sem qualquer pré-aviso ou negociação, não pode ser interpretada ou assumida como a aceitação por parte do Senhorio de revogação contratual, tanto mais que não foi o Senhorio quem recebeu a comunicação.
15- Tendo a Recorrida entregue as chaves dia 04/03/2023 não comunicou ao Recorrente a existência de danos no locado por si provocados, cuja reparação custaram 10.455,00 € e tendo dia 08/03/2023 efetuado o pagamento da renda referente ao mês de abril.
16- Não existiu representação do Recorrente, nem aceitação tacita da revogação do contrato de arrendamento, o comportamento da Recorrida demonstrou evidencias que levassem a concluir que pretendia extinguir o contrato.
17- Estando face a um términos contratual inaudita altera parte, em desacordo com o princípio da boa fá objetiva, em uso discricionário do direito do inquilino de pôr fim ao contrato;
18- Na medida em que a Recorrida conscientemente pretendeu que a sua saída fosse efetuada sem negociação e sem acordos, daí ter efetuado a mudança de surpresa e sem comunicação ao Recorrente.
19- Nos negócios bilaterais a revogação assenta no ajuste, sendo por isso necessário que as partes acordem quanto à cessação do veículo, ex vi art. 406º do CC, o que não ocorreu, o Recorrente não foi avisado, consultado, acordado, negociado e não aceitou a cessação com declaração tacita, tanto mais que reclamou o prejuízo que a Recorrida causou.
20- O Contrato de arrendamento não habitacional dos autos prevê a denuncia na Clausula 11ª (FACTO PROVADO 13.), pelo que a Recorrida ao denunciar o contrato sem o cumprimento dos 5 (cinco) anos do prazo contratual, haveria pagar a integridade das rendas até o final do período em falta, no valor de 14.500,00 €.
21- A Clausula é valida e aplicável, considerando que, se se tratasse de arrendamento habitacional e o prazo tivesse a duração de 30 anos, ex vi art. 1095º nº 1 do CC, o arrendatário habitacional só poderia livremente denunciar o contrato volvido um terço do prazo de duração inicial, ou seja, 10 (dez) anos,
22- A denuncia antecipada provocaria a cessação do contrato, mas obrigando-o ao pagamento das rendas correspondentes ao período de pré-aviso em falta cfr. n.º 3 e 5 do artigo 1098º do CC.
23- E se no caso habitacional, a solução de 10 anos é contabilisticamente clara, não havendo critérios de justiça ou entendimentos de penalização financeira para o arrendatário, não há razão para que no arrendamento não habitacional, que a limitação da denuncia num contrato com prazo de cinco anos tenha qualquer limitação.
24- Mas caso essa solução não fosse a aceite por este Tribunal, teria sempre a Recorrida de face ao preceituado no artigo 1110º nº 2 do CC, realizar o pré-aviso de um ano de antecedência ou o pagamento das rendas para a cessação do contrato de arrendamento por denuncia.
25- Não o fez, preferiu atuar à má fila, dando a entrega das chaves do locado como facto consumado, violando as regras da boa-fé contratual, do normal e bom relacionamento em propriedade horizontal, de vizinhança e em comunidade.
26- Por vessas razões entende-se que mal andou a douta decisão ora posta crise, que justifica o comportamento de má-fé e desvirtuoso do normal cumprimento contratual por parte da Recorrida, com a figura da aceitação tacita de acordo revogatório por intermédio de terceiro.
Sendo o presente recurso julgado procedente por provado, deve a douta sentença ora em crise, ser revogada no segmento respeitante à cessação contratual, verificando-se com base na prova produzida a decisão sobre a matéria de facto e determinando-se a existência de denuncia do contrato por parte da Arrendatária/Recorrida e condenando-se a mesma ao cumprimento da Clausula 11ª do contrato, com o pagamento das rendas, à razão de 500,00 € mensais, até ao terminus do contrato ou tal não sucedendo, o que se refere em hipótese académica, na observância do preceituado no artigo 1110.º n.º 2 do CC e no pagamento das rendas correspondentes ao pré aviso de um ano, no valor de 6.000,00 €.
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Também inconformados, interpuseram o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
A- A. e 1ª R. celebraram contrato de arrendamento comercial em que foi fiador o 2º R.
B- O contrato de arrendamento cessou por acordo das partes;
C- O A. requereu o pagamento dos danos provocados no espaço arrendado à 1ª R. no valor de €8.500,00 acrescido de IVA à taxa legal de 23%, tudo no valor de €10.455,00 (…);
D- Para tanto alegou que solicitou orçamento a ...GGEmpreiteiro de Construção Civil e sede na ... o qual foi emitido a 12 de Março de 2023, conforme documento que foi junto à p.i com o nº 14.
E- No referido orçamento constava: “No seguimento do vosso pedido de cotação, junto apresento-lhe o meu melhor preço para a limpeza a realizar no local acima indicado conforme abaixo descriminado devido a rutura da sua casa de banho:
- Demolição da viga em pladur junto ao teto.
- Retirar fixo a cimento e tubo de esgoto.
- Rebaixar sanita que está mais alta e voltar a colocar.
- Colocação de vidros e bites na janela da retaguarda.
- Demolição do chão cerâmico e colocação de um novo (50m2)
- Reparação das paredes e tetos.
- Eletricidade ligar projetores.
- Pintura geral a tinta branca mate.
Total 8500€ IVA não incluído
Condições de pagamento
50% inicial e o restante no final da obra”
F- Veio o Douto Tribunal “a quo” considerar provado que o A. realizou as obras constantes no referido orçamento e que foram emitidas as respectivas facturas, sendo que no ponto 103 da Douta Sentença considerou provado o seguinte:
“Factura 93:
a) Demolição estrutura e divisória em Pladur, colocação de teto falso duas vigas
1.1.1. Mão de obra: 1.400,00 €
1.1.2. Material: 600,00 €;
Factura 94:
a) Demolição estrutura / maciço em cimento
– Mão de obra: 880,00 €
b) Vazadouro – Mão de obra:...,00 €
c) Alteração da sanita e canalização - Mão de obra: 120,00 €
d) Reposição canalização água esgoto - Mão de obra: 350,00 €;
Factura 95:
a) Colocação vidro e bites janela
1.1.1. Mão de obra: 400,00 €
1.1.2. Material: 390,00 €
b) Remoção placa blindada para acesso cave, e
c) canalização gás, instalação eléctrica e substituição armário contador
1.1.1. Mão de obra: 1.000,00 €
1.1.2. Material: 250,00
d) Tinta - Material: 320,00 €
Factura 96:
a) Remoção pavimento mosaico - Mão de obra: 600,00€
b) Colocação pavimento - Mão de obra 400,00 €
c) Betonilha - Material 150,00 €
d) Mosaico - Material 900,00 €
e) Rodapés e colas - Material 310,00 € IVA 23 %”
G- Salvo o devido respeito e melhor opinião, mal andou o Douto Tribunal “a quo” ao considerar provado o supramencionado, pois nenhuma prova foi produzida nesse sentido, sendo que tais factos constam unicamente da Réplica apresentada pelo A. não suportando as facturas apresentadas ou os depoimentos realizados em audiência de discussão e julgamento tal decisão.
H- Em primeiro lugar, o orçamento foi apresentado por ...GGEmpreiteiro de Construção Civil, o qual realizou a obra, conforme consta nas suas declarações:
“Advogado do Autor – Ora bom, como é que essa obra foi adjudicada? Testemunha – Foi por conhecimento que tenho com ele, e ele precisava de um orçamento para uma loja que ele tinha e estava estragada e eu, sim senhora, é a minha profissão eu vou lá dar o orçamento, e fui. Dei o orçamento e ele aceitou o orçamento. Fiz a obra e ele pagou-me.” 2:47
I- Sendo que as facturas foram emitidas pela Empresa “Aduela Heróica Unipessoal, Lda, NIPC 516882856 e sede na Rua … em Odivelas.
Depois, porque as facturas emitidas e junto aos autos encontram-se discriminadas da seguinte forma:
- Fatura 93 no valor de €2.000,00 acrescida de IVA, perfazendo o total de €2.460,00 e com a seguinte menção: “Demolição de viga em pladur junto a teto e fornecedor de material”;
- Fatura 94 no valor de €1.800,00 acrescida de IVA, perfazendo o total de €2.214,00 e com a seguinte menção: “Retirar fixo em cimento e tubo de esgoto rebaixar sanita que está mais alto e fornecimento de material”;
- Fatura 95 no valor de €2.360,00 acrescida de IVA perfazendo o total de €2.902,00 e com a seguinte menção: “Colocação de vidro e bites em janela da retaguarda e fornecedor de material”;
- Fatura 96 no valor €2.360,00 acrescida de IVA perfazendo o total de €2.902,00 e com a seguinte menção: “Demolição de chão cerâmico, colocação de betonilha e chão novo 50m2 reparação de paredes e tetos”;
J- Facilmente se constata que não foi apresentada qualquer discriminação quanto à divisão dos valores cobrados relativos a material e a mão-de-obra.
K- Depois, tendo ficado demonstrado que o imóvel em causa havia sido arrendado em Setembro de 2023 e que as obras de remodelação teriam durado aproximadamente um mês, estas teriam obrigatoriamente de ter ocorrido, pelo menos em Agosto de 2023;
Veio a testemunha ...GGEmpreiteiro de Construção Civil, alegar o seguinte:
“Meritíssima Juíza – Qual era o total? O senhor recorda-se?
Testemunha – Sim. Era €8.500,00. 3:04
Meritíssima Juíza – Pagou €8.500,00 em dinheiro? Tudo de uma vez?
Testemunha – Ah não. Eu fazia uma fatura com um x de trabalho concluído e ele pagava-me aquilo. 3:15
L- Portanto, a testemunha alegou que o pagamento foi feito de forma fracionada, com apresentação da respectiva factura.
M- Ora nem as facturas foram emitidas pela testemunha que realizou o trabalho de remodelação, nem as facturas foram emitidas em datas diferentes.
N- As facturas foram todas emitidas em 13 de Setembro de 2023 e vencimento a 13 de Outubro de 2023.
O- Confrontado com tal facto a testemunha não soube responder nem explicar: “Mandatária dos RR. – Então como é que o senhor explica que todas as faturas, e o senhor disse que recebia aos poucos, não foi tudo de uma vez, como é que o senhor explica que todas estas faturas, que não são suas, tenham sido emitidas a 13 de setembro, com vencimento a 13 de outubro?
Testemunha – Algumas foi. 12:50
Mandatárias dos RR. – Foram todas.
Testemunha – Estão todas? Então depende (…) outubro, agosto, setembro (…) 13:00”
P- Também a questão de €10.455,00 ter sido liquidado em numerário, não é credível nem legalmente aceitável.
Q- Acrescente-se que a descrição dos trabalhos e o valor facturado é absurdo, senão vejamos:
na factura nº 93 consta a demolição de viga pladur, com um custo de €2.460,00, contrapondo com a factura 94 retirar fixo em cimento e tubo de esgoto, rebaixar sanita que está mais alto com um custo de €2.214,00, sendo completamente inverosímil, que retirar um painel de pladur (gesso cartonado) seja mais caro que retirar um fixo em cimento. E veja-se o descritivo da factura 95 que refere um custo total de €2.902,00 para colocação de vidro e bites em janela da retaguarda
R- De referir ainda que a forma como foram obtidas as facturas que se encontram junto ao processo é ilegal, desde logo porque a testemunha afirmou perentoriamente que havia dado baixa de actividade para não pagar à Segurança Social e quando necessitava pedia à empresa Aduela Heróica para emitir as facturas:
“Advogado do A. – Oh Sr. Moreira, você conhece a firma, a empresa que tem o nome Aduela Heróica, Unipessoal Lda?
Testemunha – É a que trabalho (…)
Advogado do A. – Esta empresa? 3.48
Testemunha – Não é minha, faço trabalho para eles.
Advogado do A. – E então o que é que aconteceu? O sr. recebeu e depois pagou a esta Aduela Heróica?
Testemunha – Sim. 3:57
Advogado do A. – Então explique lá o que aconteceu e que negócio é que foi esse.
Testemunha – Eu adjudico o trabalho não é, faço o orçamento e depois essa empresa ganha uma percentagem do trabalho (…) e eles dão uma percentagem do trabalho. 4:17
S- Refere ainda: “…Eu fazia uma fatura com um x…”; “É assim, eu comecei a trabalhar com uma empresa, ou seja, eu trabalho para a empresa e depois quando eu fazia biscates meus faturava em nome da empresa.” 4:44; “Não, a empresa faturou e eu é que dei o trabalho à empresa pronto. A empresa é que faturou, tive que comprar os materiais todos em nome da empresa, mas eu é que fiz o trabalho”. 5:01
T- Ou seja, a testemunha que executou os supostos trabalhos para o A., não se encontra colectado, faz trabalhos sem emitir facturas, recebe sem pagar impostos e quando o cliente exige uma factura, há uma empresa que emite facturas alegando ter feito um trabalho que não fez, ou seja, emitindo facturas falsas.
U- Perante os documentos apresentados coadjuvados pelo depoimento da testemunha, salvo o devido respeito e melhor opinião, deveria o Douto Tribunal “a quo” ter concluído que não se encontrava provado que o A. tivesse realizado quaisquer trabalhos no seu imóvel e que tivesse gasto a quantia reclamada.
V- Deveria ainda ter considerado que a testemunha não havia tido um depoimento idóneo, uma vez que havia alegado que conforme fazia os trabalhos emitia a factura e recebia em tranches e em dinheiro, para ficar devidamente demonstrado que afinal as facturas haviam sido todas emitidas na mesma data, em Setembro e já depois do imóvel se encontrar arrendado a terceiros.
W- A verdade é que não se provou que tivesse sido o A. a mandar fazer as obras, como mesmo o tendo feito que tivesse gasto o valor reclamado.
Veja-se que o R. juntou um orçamento no valor de €1.635,00 acrescido de IVA.
X- Quanto aos gastos da 1ª R. tendo em atenção que foi necessário proceder à desmontagem e retirada do equipamento das instalações propriedade da A., serviço esse que foi prestado pela empresa “.Services, Unipessoal, Lda.DD, ”, com o NIPC ..., entidade com competência para realização dos referidos serviços;
Y- Que se viu a 1ªR. na contingência de armazenar todo o equipamento até conseguir um novo espaço para que a sua actividade de lavandaria de self-service pudesse continuar, deveria o A. ser condenado a pagar o valor reclamado no total de €3.542,40 (…).
Z- Deveria ainda o A. ser condenado a pagar à 1ª R. a título de lucros cessantes a quantia de €4.975,00 (…)
AA- O estabelecimento em questão corresponde a uma lavandaria de self-service, cujos clientes utilizam moedas para activar os serviços, sendo altamente improvável que a maioria pretenda a emissão de qualquer factura, motivo pelo qual o valor facturado corresponde ao consumidor final, o que é do conhecimento geral;
BB- Depois, estamos a falar de um investimento significativo, veja-se o valor de aquisição das máquinas na ordem dos €40.000,00, bem como a renda mensal de €500,00
CC- Tendo em atenção que a actividade era recente, a facturação não poderia ser elevado, pelo que estamos a falar de cerca de €33,00 por dia, uma vez que o estabelecimento está aberto todos os dias da semana, incluindo sábado e domingo.
DD- Pelo que tendo de aguardar 5 meses por um novo espaço, teve lucros cessantes no valor de €4.975,00 (…)
EE- Salvo o devido respeito e melhor opinião, o valor reclamado a título de indemnização por lucros cessantes, é verosímil e peca unicamente escasso”.
*
Não foram apresentadas contra-alegações ao recurso do autor, e no recurso dos réus, que acabamos de transcrever, foram apresentadas contra-alegações pelo autor, com as seguintes conclusões:
1- A decisão impugnada não merece a censura que os recorrentes fazem, relativamente ao julgamento da matéria de facto dada como provada e impugnada, quer quanto aos danos e lucros cessantes; afigurando-se ao recorrido que os fundamentos invocados, para revogar a decisão que julgou procedente por provado o pedido indemnizatório pelos prejuízos causados no locado e absolveu o recorrido da reconvenção contra si formulada, estribam-se em argumentos inexistentes e numa errada interpretação da Lei.
2- Os recorrentes não cumpriram o ónus da impugnação da matéria de facto de acordo com o disposto no art.º. 640º do CPC; mas mesmo que o facto correspondente ao Ponto 103. fosse dado como não provado, a decisão teria de manter-se por força do que se encontra provado nos Pontos 83. a 91., 104 e 105.
3- Os recorrentes não impugnaram o orçamento apresentado pelo recorrido que constitui o documento 14 com a petição inicial, conforme decorre do artigo 54º da contestação.
4- O empreiteiro que apresentou o orçamento depôs em audiência de julgamento tendo o seu depoimento versado o estado em que se encontrava a fração, o valor da obra necessárias para a reparação, que realizou as obras, que recebeu do recorrido o preço de 8.500,00 € acrescido de IVA, sendo 8.500 € o valor do seu trabalho e material e o valor do IVA foi entregue à empresa que emitiu as faturas e recibos
5- O Tribunal não teve dúvidas e deu como provado que o preço foi pago, e que o recorrido pagou pela obra respeitante aos prejuízos causados pela recorrida na loja, o valor de 8.500,00 € acrescido de IVA, cfr. FACTO PROVADO 104 e 105.
6- Não foi impugnada a matéria fáctica dada como provada: 104. A reparação dos danos provocados pela Ré na fração tiveram um custo total de €8.500,00 € acrescidos de IVA. 105. O Autor pagou as obras, num valor total de €10.479,60.
7- Não cabe na matéria do tema do recurso a discussão sobre o preço da obra resultante de prejuízos causados pela recorrente na loja do recorrido, na medida em que a obra foi realizada sem a cooperação da recorrente e sem que se tivesse comprometido a reparar, como era a sua obrigação.
8- Porque não é verificável qualquer situação de facto culposo da parte do senhorio que tivesse concorrido para a produção ou agravamento dos danos ou situação de omissão de cooperação ou de falta de aceitação da parte do recorrido, relativamente ao cumprimento da prestação por parte da recorrente, ou seja, não se está perante as situações relativas a culpa do lesado ou mora do credor, ex vi art. 570º ou 813º do CCivil.
9- No caso a recorrente não se propôs a realizar a obra e nunca praticou qualquer ato que demonstrar o cumprimento da obrigação, pelo que qualquer declaração de valores alternativos é pura suposição, sem que qualquer valor fático e deslocado da realidade.
10- Pelo que a impugnação sobre a matéria de facto deve de ser indeferida, e a conclusão de que o orçamento junto com a contestação de 1.625,00 € acrescido de IVA (1.998,75 €), deve ser repristinado para servir de valor indemnizatório para pagamento dos danos provocados pela recorrente na fração que tiveram um custo de 8.500,00 € acrescido de IVA, que o recorrido pagou, no valor total 10.479,00 €.
11- Relativamente aos prejuízos e lucos cessantes, os recorrentes não impugnaram a matéria de facto dada com o NÃO PROVADA, incluída nos factos K) a N) sendo inconsequente pretenderem uma solução de direito que lhes valide o pagamento de despesas não provadas e de lucros cessantes sem justificação.
12- Ou seja, não tendo dado cumprimento aos ónus do artigo 640º do CPC a parte do recurso que versa sobre as despesas e lucros cessantes, é rejeitada, mantendose a decisão do Tribunal a quo;
13- Por outro lado, e sobre o mérito, os recorrentes carecem em absoluto de razão, na medida em que não se encontram demonstrados os elementos da responsabilidade civil contratual, que são a inexecução da obrigação, a culpa, os prejuízos e a causalidade, e que determinariam a exigência indemnizatória ao recorrido.
14- Conforme o disposto no artigo 342º nº 1 do CCivil, aquele que invocar um direito deve provar a realidade dos factos.
15- O que não se verificou no caso do presente recurso”.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil - as questões a decidir são:
- no recurso do autor, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e saber se não houve revogação do contrato por mútuo acordo e consequentemente se os réus devem ser condenados a pagar o período de rendas em falta até ao final do período contratual em que cessação do contrato ocorreu.
- no recurso dos réus a impugnação da decisão sobre a matéria de facto de modo a que seja revogada a sua condenação, e por outro lado, saber se o autor deve ser condenado a pagar o custo de armazenamento das máquinas e os proveitos que a arrendatária não retirou em função do não funcionamento do estabelecimento de lavandaria, até ter conseguido retomar a actividade noutro local.
*
III. Matéria de facto
A decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de primeira instância é a seguinte:
“Produzida a prova e discutida a causa, resultaram, com interesse para a sua boa decisão, os seguintes:
FACTOS PROVADOS:
1. Em 05/05/2020, o Autor celebrou com DD um contrato denominado de “Contrato de arrendamento comercial de duração limitada”, pelo qual lhe permitiu a ocupação da fracção autónoma de que é proprietário, designada pela letra “B”, correspondente ao rés-do-chão, destinada a comércio e serviços, do prédio urbano em propriedade horizontal, sito na Rua Salvador Allende, n.º..., Sacavém, união da freguesias de Sacavém e Prior Velho, concelho de Loures, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 1776 da referida freguesia e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures sob o nº 650, mediante a obrigação de pagamento de um valor mensal.
2. O contrato teve início em 1 de Junho de 2020.
3. Nos meses de Junho e Julho de 2020, DD efectuou obras e colocou equipamento no estabelecimento, iniciando a actividade de lavandaria no local.
4. DD é um dos legais representantes da sociedade “BB & CC”.
5. DD pediu ao Autor a celebração de um novo contrato, em nome de sociedade.
6. Por escrito particular denominado de “Contrato de Arrendamento Para Fim Não Habitacional Com Prazo Certo”, datado e assinado em 1 de Setembro de 2020, o Autor permitiu o uso da fracção pela sociedade Ré.
7. A Ré instalou no locado um estabelecimento destinado à actividade de serviço de lavandaria, denominado “Washlândia”, em sistema de “self service”.
8. A Ré aceitou a fracção no estado em que se encontrava,
9. E reconheceu a aptidão da fracção e que não enfermava de vícios que a desvalorizassem ou impedissem a realização do fim a que se destinava (cláusula primeira).
10. O contrato foi celebrado pelo prazo de cinco anos, com início no dia 2 de Setembro de 2020 e término no dia 1 de Setembro de 2025 (cláusula segunda).
11. Foi estipulado o valor de renda mensal de €500,00, vencido e pago no mês a que respeitasse (cláusula terceira).
12. Sob o título de “cessação do contrato”, a oitava cláusula contratual dispõe o seguinte:
“1. O contrato cessa, nos seguintes casos: a) Por acordo das partes; b) Por resolução; c) Por oposição à renovação.
2. Salvo nos casos em que o contrário resulte expressamente deste contrato, a Segunda Outorgante não tem direito a ser indemnizada em virtude da cessação do contrato.
3. No caso da Segunda Outorgante, no termo do presente contrato, resultante de oposição à renovação, resolução ou de qualquer outra causa, não proceder, à libertação da Fracção, desde já se estabelece, por acordo do Primeiro e Segunda Outorgante, uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso, no montante de dez por cento do valor mensal da renda à data em vigor, e sem limitação de tempo, até entrega integral e efetiva das Fracções, devidamente devolutas de pessoas e bens.
4. Sem prejuízo do disposto no número anterior, findo o contrato de arrendamento, a Segunda Outorgante deve proceder ao levantamento e remoção de todos os seus bens móveis, sob pena de estes serem considerados abandonados, acordando desde, já que o Primeiro Outorgante poderá colocar os mesmos na via pública, a fim de serem removidos pela respetiva entidade administrativa.”
13. Sob o título de “denúncia pela Segunda Outorgante”, a décima primeira cláusula contratual dispõe o seguinte:
“1. O presente contrato de arrendamento não pode ser denunciado ou reduzido pelas partes antes do seu termo ou de eventuais renovações.
2. A inobservância do prazo de duração efetiva do contrato por parte da segunda outorgante obriga ao pagamento das rendas correspondentes ao período em falta até ao termo inicial ou das suas renovações.”
14. O segundo Réu assumiu a obrigação de fiador contratual e principal pagador, declarando-se solidariamente responsável com a Ré pelo cumprimento de todas as obrigações ao abrigo do contrato e pela indemnização por todas as perdas, prejuízos, custos, reclamações e despesas sofridas ou incorridas pelo Autor em resultado de incumprimento da Ré das suas obrigações, renunciando ao benefício de excussão prévia (cláusula décima nona).
15. A Ré colocou ali máquinas industriais de lavandaria, em sistema de “self service”.
16. A Ré fez obras no locado, para adaptação à atividade de serviço de lavandaria, nomeadamente:
a) Construção de uma estrutura / maciço em cimento no chão;
b) Construção de parede divisória de pladur colocada sobre as máquinas de lavandaria com fixação no teto do locado;
c) Remoção de parte do mosaico do pavimento do locado e fixação de uma placa de alumínio no local de acesso à fracção da cave;
d) Alteração da rede de canalização, com colocação de tubagem exterior;
e) Alteração da instalação eléctrica;
f) Substituição do vidro da porta das traseiras do locado e colocação de grelha ventilada;
g) Alteração da sanita com a sua elevação e alteração da canalização interna da casa de banho.
17. Quanto ao exterior, a Ré substituiu o reclame da fachada do locado, colocando um reclame alusivo à sua actividade.
18. O funcionamento do estabelecimento da primeira Ré provocava a emissão de vapores.
19. O estabelecimento estava equipado com um sistema de extracção de vapores constituído por uma grelha ventilada.
20. Os vapores eram libertados directamente para as traseiras do prédio.
21. A fracção correspondente ao primeiro andar direito do prédio situa-se no piso imediatamente superior à fracção locada à Ré.
22. A Ré e o morador na fracção de habitação correspondente ao primeiro andar direito, EE, incompatibilizaram-se.
23. As razões para a incompatibilidade resultaram do facto de os vapores produzidos no estabelecimento da Ré serem expelidos para as traseiras do edifício, alegando o morador do primeiro andar direito que isso lhe provocava incómodo.
24. Pelo menos desde Janeiro de 2022, o condómino EE queixou-se junto da CML que gases e vapores provenientes do estabelecimento da primeira Ré entravam na sua habitação.
25. Moradores não identificados do prédio queixaram-se junto da Secretaria de Estado do Ambiente e da Energia relativamente a emissões gasosas produzidas pela lavandaria instalada no estabelecimento da primeira Ré, o que levou a que a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo solicitasse à CML informações sobre a atividade desenvolvida no local, sobre a existência de queixas dos munícipes residentes no prédio, assim como de diligências já tomadas para a resolução do problema.
26. O morador do primeiro andar direito denunciou a emissão de gases poluentes junto dos meios de comunicação social, tendo sido realizada uma reportagem televisiva, no programa “Acontece aos Melhores” da emissora TVI, sob os títulos: “Dizem-se desesperados e abandonados. Como uma lavandaria mudou a vida de vários moradores de Loures!”, “Gases extraídos de uma lavandaria em Sacavém vão parar dentro da casa dos vizinhos. Moradores do prédio estão desesperados e dizem-se abandonados pela Câmara Municipal de Loures”, transmitida dia 6 de Junho de 2022.
27. O condómino do primeiro andar direito, EE, sendo administrador, entregara já uma participação em nome da Administração do Condomínio –... – Rua Salvador Allende – Sacavém, devido a duas construções realizadas pelos inquilinos do Autor à data, no “...A”, a sociedade “NP ROLAMENTOS, FERRAMENTAS E MÁQUINAS, LDA.” e, no “...B”, a inquilina II.
28. Durante o ano de 2017, a sociedade “NP ROLAMENTOS, FERRAMENTAS E MÁQUINAS, LDA.” construíra, para o seu uso, uma ampliação, com cerca de 40 m2, executada em chapa metálica a qual se encontrava a ser utilizada como escritórios da sociedade, e
29. Durante o ano de 2018, a inquilina II construíra, para seu uso, no logradouro anexo, uma ampliação com cerca de 9 m2, executada em estrutura metálica e pladur, a qual se encontrava a ser utilizada como escritório, e uma ampliação de 9 m2, executada em chapa metálica e pladur a qual se encontrava a ser utilizada como sala de apoio ao estabelecimento de barbearia, tatuagens e piercings.
30. Foi aberto um processo na Câmara Municipal de Loures, por causa desta participação, com o n.º 42/CC/2018.
31. Em data não apurada do final do mês de Novembro de 2022, o A. verificou que, na sua caixa de correio, havia sido deixada uma notificação proveniente da Câmara Municipal de Loures, sem qualquer registo, que mencionava que na fracção autónoma do r/c se encontravam a funcionar dois estabelecimentos comerciais que não possuíam autorização administrativa, devendo para o efeito ser tomadas as medidas adequadas.
32. II havia celebrado um contrato de arrendamento com o Autor, tendo como objecto o mesmo imóvel, com início em 01/01/2017, instalando aí um negócio de tatuagens e piercings, que se mantém em vigor.
33. A inquilina II já usava parte da loja, denominada “...B”, quando a primeira Ré celebrou o contrato de arrendamento.
34. No dia 2 de Dezembro de 2022, a Mandatária da ré respondeu aos Ofícios S/43937/22 e S/43405/2022 remetidos pela Câmara Municipal Loures (CML), em nome e representação da primeira Ré e de II, sob o “Assunto: CONSTRUÇÕES ILEGAIS EXISTENTES NOS LOGRADOUROS DOS Nº.../A E.../B DA RUA SALVADOR ALLENDE - SACAVÉM PROC. 42/CC/2018”,
35. Nessa resposta, a Ré opôs-se à pretensão administrativa da CML dizendo: “…relativamente à divisão da loja, sendo que parte da mesma é utilizada no negócio de piercings e tatuagens e a outra em lavandaria self-service.” não assiste razão à CML, porquanto a fracção tem duas entradas distintas pelo...A e ...B, possui licença de utilização com o nº 641 de 30/12/1970, sendo irrelevante a utilização por dois negócios diferentes”,
36. Mais dizendo que a loja se encontra dividida internamente por uma simples parede de pladur não existindo alteração à área ou configuração, pelo que inexiste violação do disposto no n.º 4 do art. 4º do DL 555/99, de 16/12.
37. Dizendo ainda que ambos os comerciantes arrendatários no locado efetuaram a comunicação prévia junto da CML de cada uma as atividades, sem oposição por parte do Município, não sendo incompatível a existência em comum de duas atividades distintas no mesmo espaço físico.
38. Terminando, dizendo “Porque foi realizada a comunicação prévia dessas atividades sem qualquer oposição por parte da Câmara Municipal de Loures, porque a loja em questão se encontra devidamente licenciada, porque não existe qualquer alteração em relação à fracção autónoma, deve manter-se em funcionamento as atividades existentes no referido espaço, por inexistência de qualquer violação de lei”.
39. Em 15 e 16 de Novembro de 2022, a CML enviara ofícios para a primeira Ré, para a inquilina II, para a Administração do Condomínio do Prédio – Oficio S/43428/2022 -, para o Autor – Oficio S/43381/2022 e para a sociedade “NP Rolamentos Ferramentas e Máquinas, Lda.” – Oficio S/43478/2022.
40. A sociedade “NP Ferramentas e Máquinas, Lda.”, respondeu por intermédio de Ilustre Mandatário Sr. Dr. JJ, fazendo referência ao Proc. 42/CC/2018, informou que não era inquilina no locado desde fevereiro do ano de 2020, que demoliu as chapas metálicas por si ali colocadas, repondo a situação nas exatas condições existentes antes quando o tomou de arrendamento.
41. No dia 5 de Dezembro de 2022, o gerente da primeira Ré, que se encontrava em Torres Vedras, foi surpreendido com um telefonema de II, reportando que a Câmara Municipal de Loures estava a encerrar ambos os estabelecimentos, por posse administrativa.
42. Foi afixado na porta de ambos os estabelecimentos comerciais um edital com o seguinte teor: « N° 705/2022 EDITAL KK, Vereador do Departamento de Gestão e Reconversão Urbanística, com competências delegadas pelo despacho n° 362/2022, de 26.09.2022, do Presidente da Câmara Municipal de Loures, torna pública que por seu despacho datado de 29.08.2022, foi determinada a posse administrativa da fração r/c, por forma a proceder-se à demolição integral das construções existentes no logradouro, bem como à sua cessação de utilização, nos termos do artigo 1079 e 109° do D.L. N.° 555/99, de 16 de dezembro com a redação em vigor, pelo que se procede à notificação, de eventuais titulares de direitos reais, da fração situada na Rua Salvador Allende, n-°..., Sacavém, União de Freguesias de Sacavém e Prior Velho.».
43. Ao local, deslocaram-se a mandatária da Ré e o representante do senhorio, na pessoa de seu filho, FF.
44. A Câmara Municipal de Loures informou-os que o senhorio já havia sido notificado para proceder à demolição das construções ilegais existentes no terraço da fracção e, como o não havia feito voluntariamente, as mesmas iriam ser demolidas coercivamente.
45. Informou, ainda, que as lojas haviam sido notificadas de que não possuíam licença de utilização, uma vez que se estava perante uma loja única, que possuía licença de utilização para comércio, mas que a mesma havia sido divida em duas e arrendada a duas pessoas distintas.
46. O Autor tinha conhecimento da existência de um processo na Câmara Municipal de Loures, proveniente do facto de existir uma licença de utilização para uma loja para comércio e não para duas lojas.
47. O Autor tinha a correr na Câmara um processo para alteração do título constitutivo, para separação das duas lojas.
48. O Autor não mencionou aos Réus que tinha um processo a correr na Câmara Municipal de Loures relativamente à licença de utilização, por a edilidade entender não ser possível a existência de duas lojas com uma única licença.
49. O Autor não comunicou aos Réus que só metade do espaço da fracção autónoma foi objecto do contrato de arrendamento, uma vez que a restante estava arrendada a outra actividade económica.
50. As portas dos dois estabelecimentos comerciais foram selados pela Polícia Municipal.
51. A inquilina II já demolira as construções no início do mês de Dezembro de 2022.
52. A inquilina II não removeu os escombros de estrutura metálica, de pladur e de chapa metálica resultante da demolição.
53. Existia ainda no logradouro um toldo executado com estrutura metálica com cobertura em lona, que ocupava quase totalidade dos logradouros afetos às lojas.
54. Existia ainda uma ampliação com 10 m2 executada em estrutura metálica e pladur situada na parte esquerda do logradouro do ...A, construída antes de Autor adquirir a fracção, pelo anterior proprietário.
55. O toldo e a ampliação de 10 m2 foram desmanteladas e removidos do logradouro pelo Autor no final do mês de Setembro de 2022.
56. Assim, a operação de demolição das construções ilegais pela CML realizada no dia 05/12/2022, consistiu na remoção dos escombros da construção da inquilina II e na demolição de uma esquina da estrutura sobrante da ampliação na parte esquerda do logradouro da loja na parte ocupada pela primeira Ré.
57. O Autor, após a receção do Ofício S/43381/2022 invocando a regularização da autorização de utilização a cessação de utilização da fracção, apresentou recurso hierárquico para o Vereador do Pelouro do Urbanismo e Presidente da Câmara Municipal de Loures, nos termos do disposto artigo 193º CPA, não tendo havido, até à data, decisão sobre o pedido.
58. O cumprimento da decisão de demolição das construções do logradouro foi verificado e concluído no próprio dia 5 de Dezembro.
59. No dia 13 de Dezembro de 2023, alegando falta de pressupostos legais, a primeira Ré, através da sua mandatária, informou a Câmara Municipal de Loures de que, no dia seguinte, iria proceder à abertura do estabelecimento comercial.
60. No dia 14 de Dezembro de 2022, a primeira Ré procedeu à abertura do seu estabelecimento comercial de lavandaria.
61. O Autor dispensou os inquilinos (primeira Ré e II) do pagamento da renda de Janeiro de 2023.
62. O perdão da renda vencida no mês de Janeiro de 2023 resultou de acordo compensatório entre o Autor e os inquilinos decorrente da suspensão da atividade durante 10 dias no mês de Dezembro de 2022.
63. No dia 7 de Janeiro de 2023, os Réus foram interpelados por vários clientes que se encontravam na lavandaria, por as máquinas estarem a trabalhar em seco, porque não havia água.
64. Foi contactada a SIMAR, no intuito de saber qual a razão porque haviam fechado a água no referido estabelecimento.
65. O piquete de urgência e, posteriormente, os serviços da SIMAR, informaram que não haviam intervencionado o local mencionado, desconhecendo a razão pela qual não havia água no locado.
66. Na segunda-feira, dia 9 de Janeiro de 2023, foi contactada a administração do prédio, no sentido de que fosse imediatamente resposta a água na loja, uma vez que o seu fecho se deveria à intervenção de algum ou alguns condóminos.
67. O olho de boi que permite o abastecimento de água à fracção autónoma encontra-se situado dentro das escadas que dão acesso às fracções habitacionais, sendo que a loja tem entrada autónoma pela rua e, portanto, sem acesso às escadas.
68. A administração do prédio informou que desconhecia qualquer intervenção no “olho de boi” e que iriam providenciar pela abertura do mesmo.
69. A SIMAR, entretanto, respondeu à mandatária da primeira Ré, no sentido de desconhecer quem havia cortado o abastecimento de água e informando que havia procedido de imediato ao reabastecimento da água.
70. Nos dias imediatamente a seguir a ter sido reposto o abastecimento da água, a mesma foi de novo cortada com intervenção no “olho de boi”.
71. Este corte foi de imediato reportado ao SIMAR.
72. Durante os meses de Janeiro e de Fevereiro de 2023 verificaram-se múltiplos cortes no abastecimento de água para o estabelecimento da primeira Ré, realizadas a partir do interior do prédio, pelo manuseamento do “olho de boi” que está instalado numa parte comum.
73. O Autor não efetuou os cortes no abastecimento de água para o estabelecimento da primeira Ré.
74. No dia 8 de Fevereiro de 2023, ocorreu uma reunião no escritório da mandatária dos Réus, com a presença dos Réus, do Autor, do seu filho e do seu mandatário.
75. Foi acordado que a primeira Ré colocaria um tubo, de modo a afastar os vapores provenientes da lavandaria da fachada tardoz do prédio.
76. Foi acordado que o senhorio colocaria um novo “olho de boi”, de acesso exterior, ou selado e com acesso possível apenas pelos SIMAR.
77. No dia seguinte ao da reunião, o Autor contactou os serviços da SIMAR no sentido de obter autorização para colocar no exterior do prédio o “olho de boi” da canalização da água da sua fracção,
78. Tendo sido verbalmente informado pelos serviços que não podia ser alterada a canalização porque “existia uma situação de reclamação por parte do condómino do primeiro andar direito, não sendo autorizada a obra”.
79. O Autor informou de imediato a primeira Ré da impossibilidade de alteração do local do “olho de boi” da canalização da água.
80. A primeira Ré não colocou o tubo, embora o tivesse adquirido.
81. Entendeu que a sua colocação seria mais um gasto sem qualquer benefício, uma vez que, em Fevereiro, a água continuava a ser fechada com intervenção no olho de boi.
82. Em data não apurada, mas anterior ao dia 4 de Março de 2023, a Ré retirou todos os seus equipamentos do estabelecimento, incluindo as máquinas de lavandaria.
83. Arrancou a placa publicitária que servia de reclame na fachada.
84. Retirou a grelha ventilada da porta das traseiras.
85. Arrancou a instalação eléctrica da fracção.
86. Na parede interior direita, deixou canalização exterior presa à parede, aberturas, fissuras e buracos na parede, com a pintura danificada.
87. Na parede interior esquerda, ficaram fissuras e buracos e a pintura danificada.
88. No pavimento, ficou mosaico partido e canalização exterior e elevada, assim como a estrutura /maciço em cimento.
89. No tecto, ficou o tecto falso alterado com fixação de estrutura em alumínio para fixação de divisórias em pladur e com buracos.
90. A parede interior tardoz ficou com buracos e pintura danificada.
91. A porta traseira ficou danificada, sem bites e com falta do vidro da porta.
92. Após ter retirado toda a maquinaria, no sábado, dia 4 de Março de 2023, DD telefonou para FF, filho do Autor, e informou que iria deixar a chave do locado no stand de automóveis que este é proprietário.
93. Foi então informado pelo Sr. FF de que poderia deixar a chave na churrasqueira em frente à fracção autónoma.
94. Os Réus agiram em conformidade com esta indicação.
95. Por SMS, às 14H50, o segundo Réu informou que “as chaves foram entregues no … da churrasqueira da Courela do Foguete pelas 12h”.
96. Após o dia 4 de Março de 2023, a Ré não voltou a ocupar o locado.
97. O Autor recolheu as chaves e, após, teve conhecimento do estado do interior da loja, a que acedeu no dia 6 de Março de 2023.
98. Dia 15 de Maio de 2023, o Autor enviou, por carta registada, uma comunicação à Ré com o teor:
“Reporto-me ao “Contrato de Arrendamento para Fim não Habitacional” com prazo certo entre nós celebrado dia 01 de setembro de 2020, respeitante à loja Rua Salvador Allende, n.º... R/C, Sacavém. Considerando o não pagamento por parte da sociedade inquilina das rendas vencidas dias 01 de abril e 01 de maio de 2023, devem efetuar no prazo de 5 (cinco) dias o pagamento da indemnização de 20 % do valor da renda no total à data de 200,00 €; o pagamento deve ser realizado por transferência bancária para conta constante do contrato de arrendamento. Foi verificado que retiraram equipamento da loja e que a atividade de lavandaria se encontra suspensa; devido às obras de remoção do V/. equipamento provocaram elevados prejuízos no interior da loja, a janela das traseiras, na porta de entrada e no reclame da fachada do prédio. O estado de danificação da loja e fachadas do prédio deixa-me extramente preocupado perante a V/. falta no pontual pagamento das rendas, a remoção de equipamento e suspensão da atividade no local. Comunico que aguardo os próximos 5 (cinco) dias para que clarifiquem o que pretendem fazer quanto à utilização do locado e pagamento das rendas correspondentes ao período em falta até à renovação, conforme se prevê na Cláusula 11ª do Contrato de Arrendamento em vigor e a realização de todas obras de reparação dos danos causados na loja”.
99. A Ré recebeu a carta dia 17 de Maio de 2023.
100. A referida carta obteve resposta a 6 de Junho de 2023, a qual foi recepcionada pelo próprio Autor a 9 de Junho de 2023, com o seguinte teor:
“Na sequência da missiva remetida a 15 de Maio último, confesso a minha total incredibilidade perante o conteúdo da mesma, nomeadamente tendo em conta que V/ Exa. conhece e acompanhou todo o processo que levou ao encerramento da lavandaria self-service, na qual havia sido feito um investimento avultado, tendo em conta que o arrendamento se iria prolongar no tempo. Na data em que procedeu ao arrendamento da loja em questão, tinha V/ Exa. conhecimento de que a mesma lidava com vários problemas junto da Câmara Municipal de Loures, nomeadamente por se tratar de uma só loja dividida em duas fracções sem o consentimento do condomínio. Tinha ainda V/ Exa. conhecimento de que um dos condóminos, tem por hábito “infernizar” a vida dos seus arrendatários, apresentando queixas junto da Câmara Municipal e tendo comportamentos pouco éticos, nomeadamente o fecho da água uma vez que o olho de boi se encontra no interior da escada do prédio sem acesso da loja. Como é do seu conhecimento, o olho de boi foi fechado por diversas vezes, a loja foi encerrada pelos serviços Camarários, os quais alegaram que da parte da lavandaria não havia qualquer ilegalidade, mas que a mesma ocorria por culpa exclusiva do proprietário da fracção autónoma. A loja foi encerrada, com graves prejuízos para a empresa, tendo sido reaberta graças à intervenção da nossa mandatária. Posteriormente, o condomínio encerrou por diversas vezes o olho de boi, tendo provocado graves prejuízos à empresa, tendo V/ Exa. mantido inércia quanto aos factos e deixado ao assunto para o arrendatário que nenhuma responsabilidade tinha sobre as divergências existentes entre condóminos. Posteriormente, V/ Exa. comprometeu-se a colocar um olho de boi selado no intuito de evitar que a água voltasse a ser encerrada, o que efectivamente não veio a suceder. Perante a impossibilidade de exercer a sua actividade, o legal representante da sociedade, Sr. DD, falou com o Sr. FF, filho do senhorio, e pessoa que havia sido indicada pelo mesmo para que resolvesse todas as questões relacionadas com a loja, a quem comunicou que não poderia continuar com o arrendamento e que, portanto, iria retirar toda a maquinaria e proceder à entrega da chave. No dia 4 de Março de 2023, data em que procedeu à retirada de todo o equipamento, o Sr. DD telefonou ao Sr. FF e informou de que iria deixar a chave da loja no Stand, tendo este informado que a poderia deixar na churrasqueira em frente, não havendo necessidade de se deslocar ao Stand. Nitidamente a sua missiva é ofensiva e mais não é que uma tentativa de se locupletar às custas da empresa que tão grave prejuízo teve devido à sua inércia e falta de esclarecimentos ao inquilino, sendo absolutamente inqualificável a sua postura, até porque como é do seu conhecimento, no dia 7 de Março de 2023 e porque a transferência da renda estava em débito directo, foi paga a renda de Abril a qual já não era devida, pelo que agradeço a devolução da mesma. Quanto aos danos existentes na loja, agradecia que informasse dia e hora para que o Sr. DD se possa deslocar à loja com um empreiteiro a fim de verificar os danos reclamados e proceder à respectiva reparação, como aliás a nossa advogada já havia informado o seu advogado há cerca de um mês e do qual não obteve qualquer resposta até à presente data. O Sr. Marciano aceitou a entrega de loja no dia 4 de Março de 2023 e consequentemente o fim do contrato de arrendamento celebrado entre as partes.”.
101. Esta carta não obteve qualquer resposta escrita por parte do Autor.
102. Na sequência, os Réus deslocaram-se ao locado, acompanhados por LL, empreiteiro, e solicitaram-lhe um orçamento para a reparação dos danos por si constatados no locado, que foi apresentado, no valor de €1.635,00, contemplando as seguintes obras: retirar maciço do chão; reparar o pladur do chão e teto; pintar as paredes de branco; colocar mosaico novo no chão; colocação de vidro na porta; retirar tubo de esgoto e águas; colocar 4 projectores.
103. O Autor obteve um orçamento para a reparação de alterações e danos no imóvel em 12.03.2023 e veio a suportar os seguintes encargos:
Factura 93: a) Demolição estrutura e divisória em Pladur, colocação de teto falso duas vigas 1.1.1. Mão de obra: 1.400,00€ 1.1.2. Material: 600,00€
Factura 94: a) Demolição estrutura / maciço em cimento – Mão de obra: 880,00€ b) Vazadouro – Mão de obra:...,00€ c) Alteração da sanita e canalização - Mão de obra: 120,00€ d) Reposição canalização água esgoto - Mão de obra: 350,00€
Factura 95: a) Colocação vidro e bites janela 1.1.1. Mão de obra: 400,00€ 1.1.2. Material: 390,00€ b) Remoção placa blindada para acesso cave, e c) canalização gás, instalação eléctrica e substituição armário contador 1.1.1. Mão de obra: 1.000,00€ 1.1.2. Material: 250,00 d) Tinta - Material: 320,00€
Factura 96: a) Remoção pavimento mosaico - Mão de obra: 600,00€ b) Colocação pavimento - Mão de obra 400,00€ c) Betonilha - Material 150,00€ d) Mosaico - Material 900,00€ e) Rodapés e colas - Material 310,00€ IVA 23 %
104. A reparação dos danos provocados pela Ré na fracção tiveram um custo total de €8.500,00, acrescidos de IVA.
105. O Autor pagou as obras, num valor total de €10.479,60.
106. A firma “.Services, Unipessoal, Lda.DD, “ é titulada por DD.
107. A renda referente ao mês de Abril de 2023 foi liquidada pelos Réus, uma vez que o pagamento estava por débito directo.
108. A fracção autónoma do A. foi arrendada em 1 de Setembro de 2023, pelo período inicial de um ano, renovável por iguais períodos.
• Factos aditados ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º2, alínea a), do Cód. Processo Civil:
109. Desde data não apurada, mas, pelo menos, a partir de Dezembro de 2022, todos os assuntos relacionados com o contrato de arrendamento eram tratados entre DD e FF, filho do Autor.
110. Esta circunstância ocorria com o conhecimento e vontade do Autor.
FACTOS NÃO PROVADOS:
a) O Autor não mencionou aos Réus a queixa feita pelo condómino do primeiro andar direito à CML quanto aos anexos construídos pelo anterior inquilino.
b) O Autor tinha conhecimento de que o investimento em maquinaria para abertura de lavandaria importou em €46.885,00.
c) A primeira Ré teve conhecimento da área total da fracção locada.
d) O perdão da renda vencida no mês de Janeiro de 2023 resultou de um acordo compensatório entre o Autor e os inquilinos decorrente dos cortes de água que sofreram nas lojas.
e) Na reunião de 8 de Fevereiro de 2023 foi combinado entre as partes a colocação de um tubo por parte da primeira Ré desde que o Autor providenciasse no sentido de o “olho de boi” ser inviolável.
f) Em data anterior ao dia 4 de Março de 2023, o legal representante da Ré contactou o filho do Autor, Sr. FF, e informou que não podia manter o arrendamento, uma vez que, além do prejuízo de ter constantemente as máquinas paradas, arriscava-se a que as mesmas avariassem de vez e o prejuízo se tornasse ainda mais elevado.
g) No dia 1 de Março de 2023, os Réus informaram o Sr. FF, filho do Autor, que no sábado, 4 de Março de 2023, iriam retirar todo o equipamento da loja e proceder à sua entrega, situação que obteve o consentimento do mesmo.
h) A primeira Ré não informou o Autor ou o seu filho de que iria retirar todo o equipamento da loja antes do dia 4 de Março de 2023.
i) A Ré exerceu a sua atividade comercial no locado até ao mês de Abril de 2023.
j) Os Réus dispuseram-se a executar as obras para arranjo dos danos existentes no locado.
k) A Ré arrendou um armazém para colocar todo o seu material, pela renda mensal de €430,50.
l) Para desmontagem do equipamento que tinha colocado na loja, a primeira Ré despendeu a quantia de €1.389,90.
m) Desde a abertura da loja até ao seu encerramento, a loja facturou, em média, €995,00 por mês.
n) A Ré deixou de auferir pelo menos €995,00 por cada mês em que esteve sem funcionar”.
*
IV. Apreciação
A) Do recurso do Autor.
Impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
- vem o recorrente impugnar a decisão relativamente ao facto provado “80. A primeira Ré não colocou o tubo, embora o tivesse adquirido”, por um lado, e aos factos provados 43 e 109 e 110, a saber “43. Ao local, deslocaram-se a mandatária da Ré e o representante do senhorio, na pessoa de seu filho, FF Desde data não apurada, mas, pelo menos, a partir de Dezembro de 2022, todos os assuntos relacionados com o contrato de arrendamento eram tratados entre DD e FF, filho do Autor” e bem assim “110. Esta circunstância ocorria com o conhecimento e vontade do Autor”.
Quanto ao facto provado 80, o recorrente impugna que o tubo tivesse sido adquirido.
Quando o recurso é apresentado da parte da sentença que não concedeu que o senhorio tivesse direito a receber as rendas em falta até ao final do período em curso, justamente porque entendeu que ambas as partes, ainda que de modo tácito, tinham revogado o contrato antes do fim do período, a relevância do facto relativo à aquisição do tubo é absolutamente nenhuma, sendo ainda completamente desnecessário saber se o arrendatário podia ter evitado um conflito com o vizinho de cima. A prática de actos inúteis nos processos é proibida pela lei de processo – artigo 130º do Código de Processo Civil – pelo que a apreciação de uma impugnação inútil é vedada ao tribunal de recurso, conforme é jurisprudência pacífica. Não se reaprecia assim o facto provado 80.
Quanto aos factos provados 43, 109 e 110: - Se, por ocasião do encerramento forçado dos estabelecimentos, pelas autoridades camarárias, o senhorio ali não acorreu, antes, foi o seu filho quem, alertado pela mandatária do arrendatário, ali foi, o “representante” do senhorio, esse seu filho, ou dizer-se que o senhorio foi representado na pessoa do seu filho, essa “representação”, mesmo que tivesse um sentido técnico jurídico, era irrelevante para caracterizar a “representação” no que toca ao evento pelo qual o contrato veio a cessar – entrega das chaves. O “representante” do facto 43, é “representante” perante as autoridades camarárias, logo “representante” para qualquer coisa que não interessa absolutamente nada à questão do recurso. E nem mesmo na conjugação do facto 43 com o 109 e 110 se alcança qualquer relevância do representante do facto 43, isto é, não é conjugando-os que se consegue dizer que a sentença afirma, na decisão sobre a matéria de facto, que há representação em sentido jurídico. De novo, artigo 130º do Código de Processo Civil, não se reaprecia o facto 43.
Da “representação” do senhorio pelos factos 109 e 110, que o recorrente quer que passem a não provados. Nestes encontramos factos puros, a saber que a partir de certa data quem tratava com o inquilino de todos os assuntos relacionados com o arrendamento era o filho do senhorio, o que era do conhecimento deste e de sua vontade.
Saber se estes factos integram uma representação, com ou sem mandato, ou uma gestão de negócios, é uma questão de direito, que se aborda na parte discursiva da sentença.
Não é por isso possível reapreciar a matéria em causa, até porque ela foi impugnada “na aceção de que FF era o representante do Recorrente, e que todos os assuntos referentes ao locado com intervenção de DD (…) foram por aquele tratados e resolvidos, porque houve assuntos que o Recorrido resolveu, como o foram a presença e as decisões tomadas na reunião de 08 de fevereiro de 2023”. Ora, quanto à aceção, temos de a apreciar em sede de direito, e não em sede de facto.
Quanto a “todos os assuntos”, isso sim já é uma questão de facto, sendo que se encontram no facto 74 e bem assim em vários que o recorrente aliás indica no corpo do recurso, referências à intervenção do pai e não do filho. Porém, não deixa de ser verdade que foi o próprio filho a admitir que dada a idade do pai e o facto de já ter uma relação de muitos anos com os demais condóminos, sem problemas, a partir do encerramento camarário, passou a intervir, seja, como diz o recorrente, para poupar o pai. E por outro lado está adquirido que um dos réus ligou ao filho para dizer que queria entregar as chaves. Quer isto dizer, o facto relativamente ao qual depois podemos fazer a interpretação de saber se estamos em presença de uma revogação do contrato, é um daqueles em que é claro que foi o filho que interveio. De modo que, apenas para evitar contradição – e de resto não é este o vício que o recorrente expressamente invoca – entende-se retirar a expressão “todos” do facto 109, que passa a ter a seguinte redacção:
“109. Desde data não apurada, mas, pelo menos, a partir de Dezembro de 2022, os assuntos relacionados com o contrato de arrendamento, eram tratados entre DD e FF, filho do Autor”.
Segunda questão: - devem os réus ser condenados a pagar €14.500,00 de rendas em falta?
A sentença discorreu: “Importa, pois, para o efeito, analisar toda a factualidade que se provou com possível relevância, a fim de se alcançar uma compreensão integral do contexto em que agiram as partes. Em 5 de Dezembro de 2022, o estabelecimento “Washlândia” e o estabelecimento pertencente a II (loja de tatuagens) foram encerrados pela Câmara Municipal de Loures, que afixou em ambas as portas um edital, dando conta de que havia sido determinada posse administrativa da fracção, por forma não só a proceder-se à demolição integral das construções existentes no logradouro, como com vista à cessação da respectiva utilização. Nesse contexto, informaram-se os presentes que os espaços correspondentes a cada um dos estabelecimentos eram, na verdade, uma loja única, que possuía apenas uma licença de utilização para comércio, não sendo lícita a divisão em dois espaços, para duas utilizações distintas. Este entendimento, conhecido pelo autor, que já tinha a correr na Câmara um processo para alteração do título constitutivo, nomeadamente, visando a separação das duas lojas, não havia sido transmitido aos réus que, portanto, nesta data, pela primeira vez, tomaram disso conhecimento. Por aconselhamento da respectiva mandatária, no dia 13 de Dezembro de 2023, a Ré informou a Câmara Municipal de Loures de que, no dia seguinte, iria proceder à abertura do estabelecimento comercial, o que fez, nesse dia 14. Porém, em 7 de Janeiro de 2023, a Ré viu-se confrontada com a circunstância de as suas máquinas estarem a trabalhar em seco, porque não havia água. Contactados os Serviços Municipais, informam que não procederam a qualquer corte, o mesmo lhe sendo informado pelo Condomínio. Apurou-se que o corte de água tinha origem na manipulação da torneira (olho de boi) que permitia o abastecimento de água àquela fracção, estando a mesma colocada na zona das escadas que dão acesso às fracções habitacionais, tornando-se evidente para todos os envolvidos que os encerramentos só poderiam provir de uma actuação de um ou mais condóminos. Com efeito, o condómino do primeiro direito, EE, em seu nome próprio e em nome do condomínio (na qualidade de administrador), encontrava-se já desde Janeiro de 2022 (um ano antes) a apresentar queixas junto da Câmara Municipal, alegando que a sua fracção era atingida por gases e vapores provenientes da lavandaria. Em Junho de 2022, recorrera mesmo à comunicação social, expondo-lhes essa mesma tese e conseguindo uma reportagem. Após, constata-se que, apesar do encerramento decretado pelo Município, a lavandaria reabre, sem que qualquer alteração tenha sido imposta, quanto ao seu funcionamento habitual, nomeadamente, quanto à forma de exaustão dos gases. É precisamente quando começam os cortes de água, que, como se prova, se mantiveram, ao longo dos meses de Janeiro e Fevereiro, sendo sempre conseguidos a partir do interior da parte habitacional (escadas) do prédio, nomeadamente, pelo manuseamento do “olho de boi”. De tudo isto, o senhorio esteve sempre a par. Por esta razão, é realizada uma reunião entre as partes e os seus Ilustres Mandatários, no dia 8 de Fevereiro de 2023; e, sabendo-se do conflito com o morador, única razão para a ocorrência dos cortes de água, ficou acordado que a primeira Ré colocaria um tubo, de modo a afastar os vapores provenientes da lavandaria da fachada tardoz do prédio, e o senhorio colocaria um novo “olho de boi”, de acesso exterior, ou selado e com acesso possível apenas pelos SIMAR. Contudo, no dia seguinte ao da reunião, o Autor informou a primeira Ré da impossibilidade de qualquer alteração do local do “olho de boi” da canalização da água. Assim, a Ré não colocou o tubo, entendendo que as interrupções no fornecimento de água continuariam a ocorrer, como sucedeu. É assim que no Sábado, dia 4 de Março de 2023, DD telefonou para FF, filho do Autor. FF, relembre-se, era a pessoa com quem DD vinha tratando de todos os assuntos, e que, por sua vez, também interagia com ele em nome do seu pai, o proprietário/senhorio. Neste telefonema, DD informou FF de que iria deixar a chave do locado no stand de automóveis que este é proprietário. FF retorquiu que poderia antes deixar a chave na churrasqueira em frente a locado. A Ré assim fez e, por SMS, às 14H50, informou que “as chaves foram entregues no … da churrasqueira da Courela do Foguete pelas 12h”. Não se apura qualquer réplica do Autor a estas comunicações. Prova-se, sim, que o demandante procedeu à recolha das chaves e acedeu à loja no dia 6 de Março de 2023, altura em que a encontrou vazia, podendo, como alegou, constatar os danos que também integram a sua causa de pedir. Em 12 de Março de 2023, como também se prova, já se encontrava na posse do orçamento para a realização das obras que viram a ser executadas. Tudo visto, não nos restam dúvidas sobre o sentido da actuação da primeira ré: entregar a loja, fazendo cessar o contrato de arrendamento. De igual modo, em análise honesta e objectiva, também não podem haver dúvidas sobre o sentido das instruções dadas por FF: indicar o sítio onde deixar as chaves, aceitando a entrega da loja e, assim, cessando o contrato de arrendamento. Na sequência, AA e FF nada mais fizeram. Só no dia 15 de Maio de 2023 é enviada a carta que se dá com provada como facto 98 (no âmbito da qual, veja-se, se pede o pagamento de rendas correspondentes ao período em falta até à renovação e a realização de todas as obras de reparação), nada tendo sido mencionado sobre uma rejeição da entrega da loja. É assim que não pode senão concluir-se por uma verdadeira aceitação da cessação do contrato por ambas as partes no dia 4 de Março de 2023: a primeira ré agiu de forma expressa, o autor, aceitando as chaves sem qualquer reserva, de forma tácita. Ambos, comportamentos admitidos pelo contrato celebrado pelas partes e pelo disposto no artigo 1082.º, n.º1, do Cód. Civil (as partes podem, a todo o tempo, revogar o contrato, mediante acordo a tanto dirigido). É bem certo que o n.º 2.º da norma que vimos de mencionar exige a celebração escrita da revogação – não menos o é que excepciona os casos da sua imediata execução. É a figura jurídica da revogação real. Como decidido pelo Tribunal da Relação de Évora, em 31/01/2019 (processo n.º 14/18.4T8NIS.E1), «A cessação do contrato de arrendamento por revogação real pode ter lugar mediante acordo tácito entre as partes, consubstanciado na entrega das chaves e do locado e na receção deles pelo senhorio, executando-se imediatamente os efeitos da cessação.». Isto, na medida em que «A cessação do contrato por via da revogação real encontra acolhimento no art. 1082.º do CC. Este normativo consagra a revogação do contrato mediante acordo a tanto dirigido, que deve ser celebrado por escrito quando não seja imediatamente executado ou quando contenha cláusulas compensatórias ou outras cláusulas acessórias. É, no entanto, possível celebrar de modo tácito ou implícito um negócio abolitivo ou extintivo do contrato de arrendamento.[10] Na verdade, se ocorre desocupação material do prédio, recebendo-o o senhorio, o contrato resulta revogado por revogação real.[11] A revogação real materializa-se e consuma-se com a entrega das chaves e do arrendado ao senhorio e com o recebimento de tais elementos por banda deste, alcançando assim plena validade e eficácia; o apontado ato tem que ser interpretado e entendido no sentido de que, com ele, as partes quiseram de mútuo acordo, pôr termo, naquele momento, ao contrato de arrendamento.[12] [10] Henrique Mesquita, RLJ 125, 96. [11] Jorge Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 5.ª edição, p. 347 e 348. [12] Cfr. Acs. TRP de 09/01/2012 e de 22/04/2013.» [destacados e sublinhados nossos]. Também neste sentido, exemplificativamente, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 04/03/2024 (processo n.º 900/21.4T8OVR.P2), que sumariou «III - A entrega das chaves e do locado pelo inquilino e a respetiva receção pelo senhorio consubstanciam acordo tácito entre as partes, que faz cessar o contrato de arrendamento por revogação real, verificando-se imediatamente os efeitos da cessação. IV - A partir da entrega consensual cessa a obrigação de pagamento das rendas.», desenvolvendo: «A entrega das chaves e do locado pelo inquilino e a receção destes pelo senhorio consubstancia acordo tácito entre as partes que faz cessar o contrato de arrendamento por revogação real, executando-se imediatamente os efeitos da cessação. Trata-se de revogação consensual, admissível nos termos do disposto no art.º 219.º do C.C., inferida da conduta dos contraentes, ou seja, de factos que, com toda a probabilidade a revelem, conforme previsto no art.º 217.º do mesmo Código. É possível celebrar de modo tácito ou implícito um negócio abolitivo ou extintivo do contrato de arrendamento (cf. Henrique Mesquita, RLJ 125, p. 96). Se ocorre desocupação material do prédio, recebendo-o o senhorio, o contrato resulta revogado por revogação real (cf. Jorge Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 5.ª edição, pp. 347/348).»[destacados e sublinhados nossos]. Conclui-se, portanto, pela revogação do contrato por acordo das partes, em 4 de Março de 2023. Nenhuma outra renda é devida, também não sendo aplicável o estipulado na cláusula décima primeira do contrato, afastada que está qualquer denúncia por parte da inquilina, pelo que estes pedidos improcedem”.
Percorrido o recurso, não se encontra verdadeiramente uma impugnação do acerto teórico da figura da revogação real, que aliás se mostra correcta e é por nós secundada. O que se encontra é que não há revogação tácita por acordo pois que a entrega das chaves foi feita ao filho do senhorio e não ao senhorio e pois que até foi mandada uma carta a reclamar dos danos e a pedir o valor das rendas em falta segundo a cláusula 11ª do contrato, e bem assim que o inquilino até pagou uma renda posterior.
No fundo, situações de facto que impedem que se caracterize o que aconteceu entre as partes como uma revogação por mútuo acordo, tácita.
Não temos dúvida alguma que o arrendatário quis cessar o contrato, outro sentido não existe para a entrega das chaves, nada havendo a censurar à sentença. Veja-se que o facto de ter sido paga a renda de Abril não releva qualquer intenção de considerar que o contrato persistia, da parte da arrendatária, pois que a renda foi paga porque o era por débito direto – facto provado 107 – e a Ré aliás reclamou a sua devolução na carta a que se refere o facto provado 100.
Houve igual manifestação de cessação da parte do senhorio? Interessa-nos que o filho não representa o pai? Interessa-nos que o filho, ao dizer, não me entregue a mim, entregue na churrasqueira em frente, não está a aceitar as chaves/entrega do locado? Interessa-nos que o pai nada disse?
Algumas noções básicas: - a declaração tácita é a que se deduz com toda a probabilidade de factos que a revelam – artigo 219º do Código Civil. A declaração tácita de aceitação não tem de coincidir temporalmente com a declaração expressa ou tácita de proposta, para voltarmos aos elementos básicos pelos quais se encontram, e assim se encontrando operam, em negócio, as vontades de ambas ou das várias partes. Aliás, nem é logicamente concebível: - a proposta precede a aceitação. Por isto, apesar de sabermos que o inquilino falou ao filho e o filho falou ao inquilino – falas que se caracterizam como declaração expressa e não tácita, e portanto não é isto que nos interessa quando tentamos averiguar se houve revogação tácita – o que temos de ver é se há factos que revelem comportamentos do pai, do senhorio, que indiquem, primeiro, que teve conhecimento da entrega das chaves/entrega do locado e segundo que indiquem que a aceitou, e no fundo que esta aceitação é uma aceitação de que o contrato termina ali.
A consequência desta procura dos elementos que podem revelar o acordo tácito, é a da que a questão da representação do senhorio pelo filho não é a questão relevante.
Com efeito, a representação, em sentido jurídico, consiste na realização de um negócio jurídico, pelo representante, em nome do representado, de tal modo que o negócio praticado se repercute directamente na esfera jurídica do representado – artigo 258º do Código Civil.
Pode a representação resultar de uma procuração – acto unilateral pelo qual alguém atribui poderes a outrem para realizar negócios jurídicos em seu nome (artigo 262º do mesmo diploma) – ou pode haver ainda representação enquanto situação de facto, isto é, alguém que actua em nome de outrem sem que esta lhe tenha dado poderes para tanto, sendo que neste caso é ineficaz o negócio em relação ao representado, excepto se a actuação de facto for ratificada pelo representado (artigo 268º do mesmo diploma).
Por outro lado, o mandato é o negócio bilateral pelo qual as partes acordam que o mandatário vai realizar actos jurídicos por conta do mandante, e, se houverem também sido concedidos poderes de representação, essa realização será por conta e em nome – artigos 1157º e 1178º ambos do Código Civil. Com o conhecimento e vontade – facto provado 110, por referência ao facto provado 109 – é, parece-nos, insuficiente para a caracterização do referido contrato entre pai e filho.
Já quanto à representação, ser o filho a tratar dos assuntos do arrendamento, com aquele específico inquilino/interlocutor, com o conhecimento e vontade do pai, senhorio, remete-nos para uma pluralidade indefinida de actos, muitos apenas materiais, sendo que se algum se constitui como acto jurídico, ou como negócio jurídico – pensemos concretamente na aceitação da entrega das chaves como declaração do inquilino de que quer por termo imediato ao contrato – o que nos falha em termos de facto provado é a questão da prática desses actos ou negócios ser feita em nome do pai. Dito de outro modo, não temos um facto provado a dizer que o pai encarregou o filho de tratar dos assuntos/actos e negócios jurídicos. Na realidade, uma coisa é falar, outra é decidir, e na representação há sempre, por parte do representante, decisão.
Donde, não diríamos, como a sentença, que o filho aceitou a entrega das chaves com o sentido de decidiu, em nome do pai, que o arrendamento terminava ali.
Como o “conhecimento e vontade” não é o mesmo que “em nome”, nem sequer temos facto provado para nos dizer que houve representação sem poderes, por parte do filho, e para nos adensarmos agora a procurar se houve ratificação por parte do representado pai.
Todavia, não cremos que a questão da representação seja relevante para a questão de saber se houve revogação real.
É que em bom rigor não precisamos dos factos relativos ao que o filho do senhorio disse – entrega as chaves em tal sítio – porque temos factos suficientes, e não impugnados, relativamente à actuação do próprio pai/senhorio, a saber, tendo a entrega das chaves sido feita a 4 de Março, e não voltando a Ré a ocupar a loja, são relevantes os factos mencionados na transcrição da sentença “Prova-se, sim, que o demandante3procedeu à recolha das chaves e acedeu à loja no dia 6 de Março de 2023, altura em que a encontrou vazia, podendo, como alegou, constatar os danos que também integram a sua causa de pedir. Em 12 de Março de 2023, como também se prova, já se encontrava na posse do orçamento para a realização das obras que viram a ser executadas. (…) Na sequência, AA e FF nada mais fizeram. Só no dia 15 de Maio de 2023 é enviada a carta que se dá com provada como facto 98 (no âmbito da qual, veja-se, se pede o pagamento de rendas correspondentes ao período em falta até à renovação e a realização de todas as obras de reparação), nada tendo sido mencionado sobre uma rejeição da entrega da loja”.
É bastante claro que o próprio Autor recolheu as chaves e se deslocou ao local, examinando-o e concluindo obviamente, a partir dos estragos e da remoção de todos os equipamentos, que a Ré não pretendia continuar com o arrendamento, e do mesmo modo é claro que a obtenção de um orçamento 6 dias depois, indica que de imediato ao dia 6, o senhorio aceitou que a loja lhe fora retornada e que a devia arranjar para de novo a arrendar, como efectivamente arranjou e veio a arrendar em Setembro desse ano.
Até porque, e contextualizando, na realidade a situação do arrendamento para lavandaria era insustentável, o que ambas as partes sabiam perfeitamente, a partir do momento (reunião facto provado 74 e inquirição, pelo Autor, junto dos serviços de água) em que se percebeu que o conflito com o condómino do andar de cima não tinha solução. Com um condómino que apresentou variadas queixas contra vários inquilinos, e que contra a lavandaria suscitou mesmo uma reportagem televisiva, e, com toda a probabilidade, terá passado à acção directa, cortando repetidamente a água, o conhecimento de que, por causa das queixas, não era sequer possível instalar um olho de boi independente significava, no imediato, que era impossível manter a lavandaria a funcionar com regularidade e sem riscos de que fossem criadas avarias nas máquinas. E com um condómino vizinho com esse tipo de acção, nem era expectável que fosse a instalação do tubo de exaustão que resolvesse a situação. Assim, afigura-se claro que, até em face do conflito em que o senhorio se não queria envolver, tanto que passou a ser o filho a tratar, a entrega das chaves do locado foi a melhor solução que podia ter acontecido.
Ora, neste contexto, é ainda claro que nenhuma negociação entre inquilino e senhorio havia a fazer, e portanto o argumento do recorrente no sentido de que a revogação é consensual e sendo consensual exige que se discuta, que se fale, que se negoceie, não faz, tal argumento, sequer sentido no presente caso.
Por outro lado, se a Ré não pagou as rendas subsequentes e se o Autor entendia que o contrato se mantinha, desta manutenção resultando o dever de continuar a pagar as rendas e de o fazer até ao termo da renovação em curso, devia ter acusado de imediato a falta de pagamento e não esperar até Maio. Do mesmo modo, podia, logo a 6 de Março, reclamar a reparação dos estragos e avisar que não aceitava que a entrega das chaves correspondesse à cessação do contrato: - ou dito de outro modo, “até fico com as chaves, mas não estás dispensada de pagar as rendas até ao final da renovação”, porque “para mim o contrato não acabou”. E nem se diga, sequer, que só se manifestou uma posição em Maio porque foi necessário consultar um advogado, porque já resulta do facto 74 que o Autor já tinha um advogado.
Em suma, tudo aponta efectivamente para um comportamento do Autor do qual se pode concluir, com toda a probabilidade, que aceitou a entrega das chaves enquanto manifestação de vontade do inquilino de cessar o contrato, operando-se assim a revogação real que a sentença considerou existir, e cessando o dever do inquilino de pagar as rendas que se venceriam até ao final do termo da renovação em curso.
Assim, improcede o recurso do Autor.
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B – Recurso dos Réus:
- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, relativamente ao facto provado 103:
Neste facto descrevem-se as obras/materiais constantes das facturas relativas à reparação dos estragos feitos pela inquilina no arrendado.
Como bem salienta o Autor, não foram impugnados, no recurso das Rés, os factos provados “104. A reparação dos danos provocados pela Ré na fracção tiveram um custo total de €8.500,00, acrescidos de IVA” e “105. O Autor pagou as obras, num valor total de €10.479,60”. Assim, e nem sequer sendo possível, sob pena de violação do princípio da igualdade constante do artigo 4º do Código de Processo Civil, considerar que a impugnação do facto 103 implica a impugnação dos factos 104 e 105, é absolutamente inútil discutir a matéria do facto provado 103, o que não faremos, por obediência ao artigo 130º do Código de Processo Civil.
- Saber se o Autor deve ser condenado a pagar o custo de armazenamento das máquinas até ter sido encontrado novo local para reabrir a lavandaria, e se deve ser condenado a pagar os valores que a Ré não recebeu por força dos períodos de inactividade da lavandaria.
De novo, como o Autor bem refere nas contra-alegações, os factos necessários para que esses pedidos pudessem ser atendidos pelo tribunal, foram dados como não provados, e a decisão de os dar como não provados não foi impugnada no recurso dos réus. Na verdade, precisávamos, para operar uma responsabilidade contratual, da prova dos danos e não ficou provado que “k) A Ré arrendou um armazém para colocar todo o seu material, pela renda mensal de €430,50; l) Para desmontagem do equipamento que tinha colocado na loja, a primeira Ré despendeu a quantia de €1.389,90; m) Desde a abertura da loja até ao seu encerramento, a loja facturou, em média, €995,00 por mês; n) A Ré deixou de auferir pelo menos €995,00 por cada mês em que esteve sem funcionar”.
Acresce que, com o devido respeito, os factos não revelam a existência de nexo causal entre a actuação do senhorio e eventuais danos, que na realidade e essencialmente resultariam da falta de água, porque o encerramento camarário durou poucos dias, não podendo o senhorio ser responsabilizado pela actuação do ou dos condóminos restantes do prédio.
Aos réus incumbia a prova dos factos constitutivos do seu direito à reparação reclamada, nos termos do artigo 342º do Código Civil, o que não conseguiram fazer. Assim, improcede também o recurso dos Réus.
Tendo cada parte decaído no respectivo recurso, é cada recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil.
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V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento aos recursos interpostos por Autor e Réus, e em consequência confirmam a sentença recorrida.
Custas dos recursos pelos respectivos recorrentes.
Registe e notifique.
Lisboa, 10 de Julho de 2025
Eduardo Petersen Silva
João Manuel P. Cordeiro Brasão
Maria Teresa F. Mascarenhas Garcia
Processado informaticamente e revisto pelo relator.
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1. Beneficia do relatório da sentença recorrida.
2. O facto surge na sequência do contexto referido nos factos 41 e 42: - “41. No dia 5 de Dezembro de 2022, o gerente da primeira Ré, que se encontrava em Torres Vedras, foi surpreendido com um telefonema de II, reportando que a Câmara Municipal de Loures estava a encerrar ambos os estabelecimentos, por posse administrativa. 42. Foi afixado na porta de ambos os estabelecimentos comerciais um edital com o seguinte teor: « N° 705/2022 EDITAL KK, Vereador do Departamento de Gestão e Reconversão Urbanística, com competências delegadas pelo despacho n° 362/2022, de 26.09.2022, do Presidente da Câmara Municipal de Loures, torna pública que por seu despacho datado de 29.08.2022, foi determinada a posse administrativa da fração r/c, por forma a proceder-se à demolição integral das construções existentes no logradouro, bem como à sua cessação de utilização, nos termos do artigo 1079 e 109° do D.L. N.° 555/99, de 16 de dezembro com a redação em vigor, pelo que se procede à notificação, de eventuais titulares de direitos reais, da fração situada na Rua Salvador Allende, n-°..., Sacavém, União de Freguesias de Sacavém e Prior Velho.».
3. No facto provado 97, não impugnado, lê-se “o Autor”.