INSOLVÊNCIA
DESPEJO
MASSA INSOLVENTE
ADMISSIBILIDADE
RECURSO DE REVISTA
DECISÃO FINAL
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
FUNDAMENTOS
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
DIREITO AO RECURSO
INDEFERIMENTO
Sumário


A alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º está pensada para decisões finais proferidas em processos em que, por exclusão expressa da lei, nunca pode haver recurso para o STJ. 2. Nenhuma norma de direito interno, convencional ou internacional veda a que sejam colocados filtros à interposição dos recursos, desde que esses filtros não se mostrem desproporcionados e não cerceiem drasticamente a obtenção de «uma segunda opinião», por parte de um tribunal superior.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

***

MASSA INSOLVENTE ODONTOPROTESE LAB PROTESE DENTARIA LDA., não se conformou com a decisão singular proferida nestes autos pela relatora, com o seguinte teor:

«1- AA, Sociedade de Gestão e Investimentos, S.A., intentou a presente acção de despejo por apenso aos autos de insolvência, contra a Massa Insolvente da “Odonto-Prótese – Laboratório de Prótese Dentária, Ldª”, pedindo que:

-A R. seja condenada a pagar-lhe a quantia de 1.022,40 € a título de rendas vencidas, acrescida dos juros já vencidos à taxa legal, que até à data da propositura da acção ascendiam a 80,55 €, o que perfaz a quantia global de 1.102,95 €, bem como os juros vincendos, contados à taxa legal em vigor desde a citação até integral pagamento.

-A R. seja condenada a desocupar o locado e entregar-lho livre e devoluto de pessoas e bens próprios, com as reparações que lhe incumbam.

-A R. seja condenada, a título de indemnização pela mora na restituição do locado, nos termos do artº 1045º nº 2 do Código Civil, no montante correspondente ao valor do dobro das rendas que se venceriam de Abril de 2022 até efectiva desocupação e entrega do locado, que se cifrava, à data da apresentação em juízo da petição inicial (28/12/2022), em 3.074,40 €, bem como os juros vincendos, contados à taxa legal em vigor desde a citação até integral pagamento.

2- A R. contestou, arguindo a excepção de ineptidão da petição inicial, e no caso de assim não se entender, sustenta que os autos deverão ser extintos por impossibilidade/inutilidade da lide, nos termos do artº 277º al. e), do CPC, e assim não se entendendo, que a acção deverá improceder e ela ser absolvida do pedido.

3- Tendo sido fixado à acção o valor de 8.198,40, foi proferido Saneador-Sentença, no qual se julgou a acção procedente, constando da sua parcela decisória:

“Pelo exposto, julgo:

A) Extinta a instância quanto ao pedido de entrega do locado, absolvendo do mesmo a Ré por inutilidade superveniente da lide nesta parte;

B) Totalmente procedente a ação e, consequentemente, condeno a Ré Massa Insolvente de Odonto-Prótese – Laboratório de Prótese Dentária, Lda. a pagar à Autora, AA – Sociedade de Gestão e Investimentos, S.A.:

i. A quantia de € 1.022,40 (mil e vinte e dois euros e quarenta cêntimos), a título de rendas vencidas, acrescidas dos juros já vencidos à data da interposição da acção no montante de € 80,55 (oitenta euros e cinquenta e cinco cêntimos), o que perfaz a quantia global de € 1.102,95 (mil cento e dois euros e noventa e cinco cêntimos), bem como os juros vincendos, contados à taxa legal em vigor desde a citação até integral pagamento;

ii. a quantia de € 3.757,60 (três mil setecentos e cinquenta e sete euros e sessenta cêntimos) – a título de indemnização pela mora na restituição do locado, nos termos do artigo 1045º, nº 2, do Código Civil, bem como dos juros vincendos, contados à taxa legal em vigor desde a citação até integral pagamento.

C) Improcedente o pedido de condenação da Ré como litigante de má-fé, absolvendo-a do mesmo.

5- Inconformada, a R. apelou, tendo o tribunal da Relação de Lisboa julgado a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.

6- De novo inconformada, a R. interpôs recurso de revista excepcional, invocando as disposições dos arts 629º/2, al. d), 671º/1, 672º/1 al. c) e al. a), 674º/1, al. a), 675º/1, todos do CPC, e 17.º do CIRE, afirmando que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição, no domínio da mesma legislação, com o acórdão da Relação de Évora de 20/10/2016, proferido no processo 28/14.3t8STR.E-1 e com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/12/2007, proferido no proc 07A2766 que decidiu de forma diferente a mesma questão de direito.

II– Cumpre proferir despacho ao abrigo do art 652º/1 al b) do CPC, norma aplicável à revista, ex vi do art 679º CPC, de modo a verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso.

Ponderando as disposições legais ao abrigo das quais o Recorrente pretende interpor revista excepcional, denota-se, à partida, que o mesmo terá tido consciência do obstáculo legal que resulta do facto do valor da presente acção ficar aquém do valor necessário, para, em termos gerais, recorrer, pois que, como resulta do nº 1 do art 629º CPC, o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, o que não sucede na presente causa.

Por isso, certamente, ter-se-á querido valer do disposto na al d) do art 629º, onde se dispõe que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme».

Sucede que esta disposição legal não tem aqui aplicação.

Desde logo, porque a mesma nada tem a ver com a revista excepcional – e só essa o Recorrente quis interpor, como resulta do seu requerimento recursivo e da circunstância de estar balizado pela conformidade decisória das instâncias - como resulta, para lá do enquadramento sistemático dessa disposição, da expressão dela constante, «e do qual não caiba recurso ordinário».

Por outro lado, e como tem sido reiterado neste Supremo Tribunal e é bem explicado no Ac STJ de 26/11/2019, proc 1320/17.0T8CBR.C1-A.S1, o recurso prescrito na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC tem como justificação o objetivo de garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações, em matérias que, por motivos de ordem legal que não dizem respeito à alçada do tribunal, nunca poderiam vir a ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça – como por exemplo, em sede de insolvência (artigo 14.º, n.º 1, do CIRE), expropriações (artigo 66.º, n.º 5, do Código das Expropriações) ou providências cautelares (artigo 370.º, n.º 2, do CPC).» Noutra formulação da mesma ideia, refere-se ainda nesse aresto, que a ideia que reside à previsão dessa norma é a de garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações em processos que, pela especialidade da matéria, não têm possibilidade de alcançar o Supremo Tribunal de Justiça, por nunca ser admissível o recurso de revista por motivo estranho à alçada.

Também Miguel Teixeira de Sousa na anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/06/2015, Blog do IPPC (Instituto Português de Processo Civil), disponível em https://blogippc.blogspot.com/2015/06/jurisprudencia-157.html), anotação essa referida no citado Ac de 26/11/2019, acentua a mesma ideia: atendendo à exclusão da revista por um critério legal independente da relação do valor da causa com a alçada do tribunal, há que instituir um regime que permita que o STJ possa pronunciar-se (e, nomeadamente, uniformizar jurisprudência) sobre matérias relativas aos procedimentos cautelares e aos processos de jurisdição voluntária. É precisamente essa a função do disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC.

E nesse Blog esse autor desenvolve argumentação no sentido de não bastar uma contradição entre acórdãos das Relações para justificar o recurso à referida al d) do nº 2 do art 629º pois, se todos os acórdãos da Relação em contradição com outros acórdãos da Relação admitissem a revista "ordinária" nos termos do art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC, deixaria necessariamente de haver qualquer justificação para construir um regime de revista excepcional para a contradição entre acórdãos das Relações tal como se encontra no art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC. Sempre que se verificasse uma contradição entre acórdãos das Relações, seria admissível uma revista "ordinária", não havendo nenhuma necessidade de prever para a mesma situação uma revista excepcional. Acrescentando-se: Assim, a única forma de atribuir algum sentido útil à contradição de julgados das Relações que consta, em sede de revista excepcional, do art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC é pressupor que a revista "ordinária" não é admissível sempre que se verifique essa mesma contradição. Só nesta base é possível compatibilizar a vigência do art. 672.º, n.º 1, al. c), CPC com a do art. 629.º, n.º 2, al. d), CPC.

Assim, quer porque a Recorrente não configurou uma revista ordinária, quer porque a matéria em causa na presente acção não é tal que não admita recurso por motivo estranho à alçada – isto é, por um impedimento legal distinto do funcionamento da regra da alçada, como sucede, já se viu, com questões de insolvência, de expropriações, ou de processos de jurisdição voluntária, - a revista aqui em causa não se mostra admissível à luz da invocada disposição da al d) do art 629º CPC. O que sucederia, note-se, mesmo que a decisão recorrida se inserisse na alçada necessária. Vejam-se no mesmo sentido, os Ac STJ 26/11/2019, proc nº 1320/17.0T8CBR.C1-A.S1; Ac STJ 17/11/2015, proc 3709/12.2YYPRT.P1.S1; Ac STJ 12/2/2019, proc 763/15.9T8LSB.L1-B.S2; Ac STJ 12/11/2020, proc 6333/15.4T8OER-A.L1.S1; Ac STJ 11/10/2022, proc 3450/20.2T8STS-A.P1.S1; Ac STJ 14/07/2022, proc 575/05.8TBCSC-W.L1-A.S1, entre tantos outros.

Situando-nos, pois, no âmbito pretendido de uma revista excepcional – e sendo certo não se aplicar o art 14º do CIRE, por não estar em causa acórdão proferido no processo de insolvência, em incidente nele processado ou em embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, antes se aplicando o art 671º/1 CPC, ex vi do art 17º do CIRE - cumpre lembrar que a revista excepcional não constitui uma modalidade extraordinária de recurso, antes, uma revista /ordinária/normal/regra, tratando-se apenas de um mecanismo criado pelo legislador, na reforma operada ao CPC, com vista a permitir o recurso nos casos em que o mesmo não seja admissível em face da dupla conformidade de julgados, nos termos do nº 3 do art 671º e desde que se verifique um dos requisitos consagrados no art 672º/1 do mesmo código.

E, por assim ser, a sua admissibilidade está em 1º lugar condicionada ao preenchimento dos requisitos genéricos de recorribilidade, em que sobressai o do valor da acção.

Na situação dos autos, o valor da causa - já se viu de € 8.198,40 - é inferior ao da alçada do tribunal de que se recorre, tornando a revista inadmissível.

Ora, este tribunal tem entendido que só é admissível recurso de revista excepcional, em quaisquer circunstancias, e também quando baseado em oposição de acórdãos relativamente à mesma questão de direito (ou mesmo em violação de jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal) caso se verifiquem os pressupostos gerais atinentes ao valor da causa e ao da sucumbência – entre muitos outros, Ac STJ 04/07/2017, Reclamação 224/08.2 TBESP.1P2-B.S1; Ac 17/11/2015, proc 3709/12.2YYPRT. P1.S1; Ac STJ 26/11/2019, proc nº 1320/17.0T8CBR.C1-A.S1.

Considera-se, pois, que não se deverá conhecer do objecto do recurso.

(…)

As considerações da Recorrente atrás reproduzidas, salvo o devido respeito, não infirmam a justeza dos juízos expostos no despacho que antecedentemente se transcreveu.

Para que se torne, porventura, mais explicito o ponto de vista defendido, apela-se aqui a alguns arestos deste Supremo Tribunal especialmente claros a respeito da questão em apreço, que se analisa na admissibilidade de uma revista, fora do âmbito de aplicação do art 14º do CIRE, incidente sobre decisão, que confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diversa, a decisão da 1ª instância, que, tendo conhecido do mérito da causa, poderia, com estes pressupostos, e em abstracto, vir a ser sujeita ao juízo da Formação a respeito dos invocados fundamentos da al a) e c) do nº 1 do art 672º, por via do disposto na parte final do nº 3 do art 671º ( «salvo nos casos previstos no artigo seguinte»), se o processo tivesse valor superior ao da alçada do tribunal da Relação, que se situa nos 30,000,00 €, o que não é o caso.

Constitui jurisprudência consolidada neste Tribunal a de que, Para além da satisfação de um dos pressupostos previstos no art.º 672º n.º 1 do Código de Processo Civil, a admissibilidade da revista excepcional só é possível desde que a revista, em termos gerais, seja admissível, mas não permitida por efeito da conformidade de julgados, conforme decorre do art.º 671º n.º 3 do Código de Processo Civil- Ac STJ 26/11/2019, proc nº 1320/17.0T8CBR.C1-A.S1.

Desde o momento em que o valor do processo constitui requisito geral para a admissão da revista só podendo esta admitir-se se o mesmo exceder a alçada do tribunal da Relação, o que não sucede na situação dos autos - e, consequentemente, a conformidade decisória das instâncias não constitui, in casu, o único motivo por que a revista ordinária não se mostra possível - há que concluir não ser admissível a pretendida revista excepcional.

Sem que a essa conclusão possa obstar a norma constante da al d) do nº 2 do art 629º do CPC, que não permite, como o parece pretender o Recorrente, uma admissibilidade da revista alternativa à atrás excluída, pelas razões expostas na decisão supra transcrita. Abrantes Geraldes explica a solução contida na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º, referindo que a mesma foi motivada pelo objectivo de possibilitar a interposição de recurso de revista, quando o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça esteja vedado por razões estranhas à alçada da Relação, ou seja, em que o único impedimento a tal recurso se funde em motivos de ordem legal estranhos à interseção entre o valor do processo e o valor da alçada da Relação” - Recursos em Processo Civil”, 7ª ed., p.61.

Mais explicativamente, remete-se para o Ac deste Tribunal de 17/09/2024, proc 23994/16.0T8LSB-C.L1.S1, em cujo sumário se assinala:

3. A admissibilidade da revista com base em contradição entre acórdãos dos tribunais da Relação e entre acórdãos da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça encontra-se assegurada por via da revista excepcional nos termos da al c) do art 672º do CPC, sendo esse o meio processual que permite ver dilucidada e ultrapassada, no âmbito dos recursos ordinários a contradição jurisprudencial sobre questão jurídica essencial cuja apreciação em 2ª instância lhe tenha sido desfavorável, encontrando-se o âmbito e o alcance da al d) do nº 2 do art 629º do CPC reservado para as situações em que por disposição legal especial, se encontre vedado o acesso ao STJ, inviabilizando-se nesse caso a possibilidade de superação de uma situação de contradição jurisprudencial (não havendo por força de norma especial possibilidade de revista a contradição de julgados manter-se-ia sem hipótese de pronúncia oportuna e esclarecedora por parte do STJ)..

Como é uso assinalar-se - e pese embora, admite-se, a inserção sistemática da al d) do nº 2 do art 629º possa inculcar, numa leitura não sistematizada, conclusão contrária – a norma em causa só é aplicável se houver uma exclusão legal da revista por um motivo que nada tenha a ver com a relação entre o valor da causa e a alçada do tribunal ou, mais em concreto, se a lei excluir a admissibilidade de uma revista que, de outro modo, seria admissível.

Dizendo-se no acórdão desta 6ª Secção de 15/05/2022, proc 17315/16.9T8PRT.P3.S1:

A admissibilidade do recurso de revista extraordinária baseada na al. d) do art. 629.º, n.º 2, do CPC, para acórdão da Relação “do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal”, circunscreve-se (numa lógica de cumulação de requisitos) aos casos em que se pretende recorrer de acórdão proferido no âmbito de acção cujo valor excede a alçada da Relação, sem desrespeitar o valor mínimo de sucumbência (âmbito de recorribilidade delimitada pelo art. 629.º, n.º 1, do CPC), e relativamente ao qual, de acordo com o objecto recursivo ou a sua natureza temática, esteja excluído, por regra, o recurso de revista por motivo de ordem legal (impedimento ou restrição) alheio à conjugação do valor do processo com o valor da alçada da Relação.

De modo mais sintético, e no mesmo sentido, o Ac STJ proferido no proc 2359/23.2T8MTS:P1-A.S1:

A previsão do art 629º nº 2 al d) do CPC circunscreve-se aos casos em que o valor da causa exceda a alçada da Relação mas em que esteja excluído o recurso de revista por motivo estranho a essa alçada.

A argumentação expendida no despacho acima transcrito, e a que reagiu a Recorrente, mostra-se condensada no sumário do Ac STJ 14/07/2021, proc 2498/03.6TTPRT-D.P1.S1, que aqui se reproduz, para melhor compreensão da exclusão das recorribilidades que se defendem:

I - Segundo jurisprudência pacífica deste STJ o recurso de revista excepcional não constitui uma modalidade extraordinária de recurso, mas antes um recurso ordinário de revista criado pelo legislador, na reforma operada ao Código de Processo Civil, com vista a permitir o recurso nos casos em que o mesmo não seria admissível em face da dupla conformidade de julgados, nos termos do artº 671º, nº 3, do CPC, e desde que se verifique um dos requisitos consagrados no artº 672º, nº 1, do mesmo Código. Por conseguinte a sua admissibilidade está igualmente dependente da verificação das condições gerais de admissão do recurso de revista, como sejam o valor da causa e o da sucumbência, enunciados pelo nº 1, do artº 629º, do CPC.

II- O fundamento especial de recorribilidade previsto na alínea d) do nº 2 do artº 629º do CPC, de que “ … não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal” só se verifica nos casos em que o recurso ordinário seria admissível em função da alçada e da sucumbência, se não existisse motivo a estas estranho.

III- O regime instituído no artº 629º, nº 2, d) do CPC não se basta com uma mera contradição entre acórdãos das Relações, pelo que o preceito só é aplicável nos casos em que, apesar da revista ser admissível nos termos gerais, se verifica uma irrecorribilidade estabelecida por lei, ou seja, este preceito estabelece uma recorribilidade para acórdãos que são recorríveis nos termos gerais e irrecorríveis por exclusão legal.

IV- No caso vertente, na medida em que o valor da causa não é superior à alçada da Relação, nem se encontra verificada uma exclusão do recurso ordinário por outro motivo de ordem legal, não se mostram preenchidos nem o requisito específico previsto no artº 629ºs, nº 2, d) do CPC, nem os requisitos gerais contemplados nas disposições conjugadas dos artºs 671º, nº 1, e 629º, nº 1, do CPC, razão pela qual não é admissível recurso ordinário de revista, e, consequentemente o recurso de revista excepcional.

D - Pelo exposto, mantendo-se o ponto de vista defendido, julga-se findo o presente recurso de revista, não havendo lugar ao conhecimento do seu objecto, nos termos dos artigos 652º/1, al b) e 679º do CPC».

Inconformada que ficou com esta decisão, veio agora a recorrente reclamar para a Conferência, com os seguintes fundamentos:

1. A Reclamante interpôs Recurso de Revista Excepcional da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa para o Supremo Tribunal de Justiça, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, tudo nos termos do disposto nos artigos 629º, nº 2, al. d), 671º, n.º 1, 672º n.º 1 al. c) e al. a), 674º, n.º 1, al. a), 675º, n.º 1, todos do CPC, e 17.º do CIRE.

2. O fundamento do recurso interposto assenta na oposição do Acórdão proferido pela Relação nos presentes autos, se encontrar em contradição, com os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Évora com data de 20-10-2016 no âmbito do processo judicial n.º 28/14.3T8STR.E1 e pelo Supremo Tribunal de Justiça, com data de 13-12-2007, no âmbito do processo 07A2766.

3. A decisão reclamada considerou em síntese e por outras palavras que só é admissível recurso de revista excecional, caso se verifiquem os pressupostos gerais atinentes ao valor da causa e à sucumbência e que pelo facto do valor da causa (8.198,40 €), ser inferior ao da alçada de que se recorre torna a revista interposta inadmissível considerando ainda nesse sentido que o artigo 629.º n.º 2 alínea c) não tem aplicabilidade ao recurso interposto pela reclamante.

4. A decisão de não conhecimento do objeto do recurso (não admissão do recurso) interposto contraria o disposto na lei bem como o espírito com que a Lei foi criada e os fundamentos que levaram à inserção da alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do novo Código de Processo Civil, que aconteceu com a reforma operada com o novo Código Processo Civil de 2013 e os que levaram à adoção do recurso de revista excecional previsto no atual artigo 672.º n.º 1 alínea c) do CPC e no antigo 721-A do CPC e que foi inserido no nosso ordenamento jurídico pelo DL 303/2007 de 24/08.

5. Nesse sentido tanto o preambulo do DL 303/2007 de 24/08 bem como os estudos existentes quanto à inserção da alínea d) do n .º 2 do artigo 629.º do novo CPC em 2013, concluem que o regime de recurso de revista excecional, nos termos dos artigos 629.º, n.º 2, alínea d), 671.º, n.º 1 e 672.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil (CPC) de Portugal foi criado para permitir o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em casos excecionais, quando não fosse admissível um recurso ordinário.

6. O objetivo era assegurar, a uniformização da jurisprudência, quando há decisões contraditórias sobre a mesma matéria de direito; a melhoria da aplicação do direito, evitando insegurança jurídica; e a intervenção do STJ em casos de particular relevância, garantindo uma justiça mais equitativa e coerente.

7. O recurso interposto pela reclamante insere-se nos termos do artigo 629º, nº 2, al. d), e no artigo 672º n.º 1 al. c) do CPC, que prevê que a revista excecional quando existe contradição entre acórdãos proferidos entre Relações ou entre acórdãos proferidos pelas Relações e o Supremo Tribunal de Justiça, é sempre admissível independentemente do valor da causa e da sucumbência.

8. Mesmo que se entendesse que não é aplicável o disposto no artigo 629.º n.º 2 alínea d) do CPC o que não se admite e apenas por mera hipótese académica se concebe, sempre se dirá, que por via do disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC o recurso de revista excecional interposto pela recorrente teria de ser sempre admissível uma vez que o acórdão recorrido encontra-se em contradição, com os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Évora com data de 20-10-2016 no âmbito do processo judicial n.º 28/14.3T8STR.E1 e pelo Supremo Tribunal de Justiça, com data de 13-12-2007, no âmbito do processo 07A2766 sendo este o fundamento do recurso de revista excecional interposto, o qual independentemente do valor da causa ou da sucumbência deve ser objeto de apreciação, precisamente para uniformizar a jurisprudência ou pelo menos reduzir as divergências jurisprudenciais.

9. A decisão de não conhecimento do objeto do recurso (não admissão do recurso) interposto pelos fundamentos invocados, terá de cair no crivo da inconstitucionalidade, uma vez que é violadora do disposto nos artigos 20.º, 18.º n.º 2 e 13.º todos da CRP e do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Pelo que, revogando a douta decisão em mérito e admitindo o conhecimento do Recurso anteriormente interposto fará Vossa Excelência a habitual J U S T I Ç A!».

Cumpre apreciar.

As razões agora apresentadas pela reclamante mais não são do que a reprodução dos argumentos por si apresentados na sequência da notificação que lhe foi feita ex artigo 655.º CPC.

Será ocioso, diante de uma correcta analise da questão pela Relatora, reproduzir agora, pela terceira vez, e ainda que por diferentes palavras, argumentos mais do que desenvolvidos em anteriores despachos.

Agora cabe tão-só reiterar que, no caso ocorrente, é de excluir a aplicação da alínea d) do número 2 do artigo 629.º, já que esta alínea está pensada para decisões finais proferidas em processos em que, por exclusão expressa da lei, nunca pode haver recurso para o STJ, independentemente do valor do processo em concreto (José Lebre de Freitas et alii, Código de Processo Civil, Anotado, Vol. 3.º, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022:35) e acrescentar que nenhuma norma de direito interno, convencional ou internacional veda a que sejam colocados filtros à interposição dos recursos, desde que esses filtros não se mostrem desproporcionados e não cerceiem drasticamente a obtenção de «uma segunda opinião», por parte de um tribunal superior.

***

Pelo exposto, acordamos em indeferir a reclamação e em confirmar a decisão reclamada.

Como a reclamante beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de custas, tendo em conta o que se prescreve nos artigos 10º, nº 1, 13º, nºs 1 a 3, e 16º, nº 1, alínea a), da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, e 6º e 8º da Lei nº 47/2007, de 28 de Agosto, inexiste fundamento para que seja condenada no pagamento de taxa de justiça.

*** .

1.7.2025

Luís Correia de Mendonça (Relator)

Anabela Luna de carvalho

Maria Olinda Garcia