RECURSO DE APELAÇÃO
RECURSO DE REVISTA
OBJETO DO RECURSO
CONCLUSÃO
DELIBERAÇÃO SOCIAL
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
DELIBERAÇÃO ABUSIVA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
IMPUGNAÇÃO
Sumário


I. O âmbito de cognição do segundo grau, como em qualquer recurso, está delimitado pelas conclusões das alegações.
II. Sendo duas as deliberações sociais impugnadas e tendo sido interposto recurso apenas de um dos capítulos da sentença que anulou ambas as deliberações, o acórdão que se limita a conhecer do capítulo impugnado não padece de qualquer vício.
III. Salvo casos excepcionais, o STJ não se pode intrometer no julgamento de facto das instâncias.
IV. Tendo a Relação alterado factos decisivos que sustentavam a decisão da 1.ª instância, e não podendo o STJ reverter essa alteração, deve ser negada a revista ao recurso que tem como pressuposto o resultado favorável dessa reversão.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

***

AA instaurou acção declarativa constitutiva, com processo comum, contra P..., Lda.., BB e CC pedindo a anulação das deliberações tomadas na Assembleia Geral de 29 de Maio 2018, da sociedade ré, por violação do disposto nos artigos 58.º, 1, als. a) e c), 4, al. a), no artigo 251.º, alíneas a), b) e c) e no 377.º, 8, todos do Código da Sociedades Comerciais.

Alega, em síntese, que, em 29 de Maio de 2018, realizou-se uma Assembleia Geral Extraordinária da ré encontrando-se representado todo o capital social da sociedade.

Foi posta à votação e aprovada a nomeação para gerente de DD, com um salário de 850 €/més, com os votos a favor dos réus BB e CC, sendo que esta votou a favor após o réu BB lhe ter dito qual deveria ser o seu sentido de voto.

Tal voto foi manipulado pelo sócio BB, não tendo a sócia CC capacidade de entender o que se encontrava a ser votado, que foi um esquema engendrado pelo réu.

O agora nomeado gerente é um testa de ferro do réu BB, sendo uma forma de o mesmo continuar a gerir a sociedade, depois de haver sido destituído da gerência da sociedade e quando se encontrava iminente o trânsito em julgado da decisão que o destituiu.

Citados, os réus contestaram.

Por falecimento da 3.ª ré, foram habilitados EE e FF.

Em audiência prévia, foram os 2.º e 3.º réus julgados partes ilegítimas.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente procedente e, consequentemente, declarou a anulabilidade das deliberações sociais tomadas em Assembleia Geral da sociedade ré a 29.05.2018.

Inconformada, a ré sociedade interpôs recurso de apelação. O Tribunal da Relação julgou procedente a apelação e revogou a sentença recorrida, absolvendo a ré.

Inconformado, interpôs o autor competente revista, cuja minuta concluiu da seguinte forma:

I. O ora Recorrente não concorda com o Acórdão proferido que:

«Procede, pelo exposto, a apelação, impondo-se a revogação da douta sentença recorrida.

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, em consequência de que revogam a sentença recorrida, absolvendo-se a réu do pedido.

Custas em ambas as instâncias pelo autor».

II. O Recorrente intentou acção de anulação de deliberações sociais contra P..., Lda., pedindo a condenação do Réu, ora Recorrido, a ver declaradas anuladas as deliberações tomadas na Assembleia Geral de 29 de Maio 2018, por violação do disposto no n.º 8 do artigo 377º do CSC, nas alienas a), b) e f) do artigo 251º e alínea a) e c) do nº 1, alínea a) do nº 4 do artigo 58º do CSC,

- 1º Ponto da Ordem de Trabalho – «Nomeação de gerente foi aprovada nomeação para gerente de DD, com um salario de 850 €/mês; - 2º Ponto da Ordem de Trabalhos – «Outros assuntos de interesse para a sociedade»: foi aprovado a alteração do artigo 2º do Contrato de Sociedade, ou seja, a sentença proferida em 1ª Instância procede a anulação de ambas as deliberações.

III. Quanto ao Ponto 1 da Ordem de Trabalhos, em suma decidiu:

«Analisando o caso concreto, verifica-se que a nomeação de DD como gerente apenas visou permitir que BB continuasse a gerir a sociedade, como efectivamente veio a suceder, esse estratagema para BB continuar a gerir a sociedade não pode ser tido como sendo consentâneo com os interesses da sociedade ré, ponderando os factos dados como provados naquele processo de destituição de gerente n.º 781/09.6..., que se encontrava na iminência de transitar em julgado, tendo o Tribunal da primeira insistência e Tribunal da Relação considerado existir justa causa para a sua destituição (mesmo que à data da deliberação ainda sem trânsito em julgado), e ter o Tribunal consignado que todos os demais sócios (à exceção de BB destituído) exerceriam as funções de gerente até que fosse designado novo gerente, claro está, não poderia ser - pelo menos, não no imediato - o próprio gerente destituído ou um testa de ferro do gerente destituído, atentos os factos ali dados como provados e a sua destituição.

Concluímos, assim, estar perante uma deliberação anulável, nos termos do art. 58.º, nº 1, b), CSC.”(sublinhado nosso).

IV. Quanto ao Ponto 2 da Ordem de Trabalhos:

Quanto a este 2º Ponto da Ordem de Trabalho, consta da Ata de Assembleia Geral ora de 29.05.2018 que: «em função da deliberação tomada anteriormente, ocorrida na assembleia de 14.11.2016, 14:00, onde se deliberou a alteração do objecto social, foi proposta e aprovada por maioria, 90,07% a favor, 9,93% contra, porém, o texto não foi aceite para fazer o referido registo, assim sendo passa a nova redacção a dar ao artigo dois do contrato de sociedade, que passa a ter a seguinte redacção: Artigo 2.º Objecto A sociedade tem por objecto preparação e conservação de frutos e de produtos hortícolas por outros processos, conservação de produtos da pesca e da aquicultura em azeite e outros óleos vegetais e outros molhos. Bem como arrendamento de bens imobiliários, construção de edifícios (residenciais e não residenciais), promoção imobiliária, construção de complexos industriais, actividades especializadas da construção, demolição de edifícios, construção de piscinais ao ar livre e cobertas, construção de outras obras de engenharia civil não especificadas. Assim como a atribuição de poderes ao sócio BB para outorgar a escritura necessária à alteração do objecto social. «Esta proposta veio a ser aprovada na Assembleia de 29.05.2018 comos votos favoráveis do sócio BB e CC e os votos contra dos restantes sócios. O autor também impugna esta deliberação, alegando que não consta da convocatória da Assembleia Geral a alteração ao Pacto Social, nem é discriminado o artigo do Pacto Social - Anulação de Deliberações Sociais que se pretende alterar, não tendo sido cumprido o art. 377.º, n.º 8, CSC, não foram assim disponibilizados ao sócio os elementos mínimos de informação, sendo a deliberação anulável, nos termos do art. 58.º, 1, a) e c), CSC. A ré considera que a convocatória não teria de conter essas menções, dado que não se trata de uma alteração ao Pacto Social, mas apenas correcção ao texto anteriormente alterado e aprovado na Assembleia de 14.11.2016, que não fora aceite pela Conservatória para efeitos de registo. Tratando-se de uma rectificação ao texto do artigo 2º do pacto social não necessita de estar expressamente explanado no aviso convocatório enquadrando-se perfeitamente no Ponto 2 da Ordem de trabalhos “Outros assuntos de interesse para a sociedade”. a especificar na convocatória. A Convocatória da Assembleia apenas refere genericamente quanto ao segundo ponto da Ordem de Trabalhos “Outros assuntos de interesse para a sociedade”. Não refere que se pretende alterar o objecto social e o Pacto Social, não refere qual a nova redacção do artigo do Pacto Social que prevê o objecto Social. Ainda que fosse uma rectificação do texto do artigo segundo, sempre a convocatória deveria conter esse “thema deliberandum” e nem isso refere, sendo certo que se nos afigura que estamos perante uma verdadeira alteração do Pacto Social. Tal como bem salienta o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11.07.2019, Proc. 2632/18.1T8STR.E1, in www.dgsi.pt:

«A convocatória da Assembleia-Geral deve ser clara, suficiente e elucidativa, contendo os elementos mínimos de informação que permitam aos interessados tomar conhecimento dos assuntos que vão ser debatidos e prepará-los para uma decisão tendencialmente situada dentro desse objecto decisório. 2. Fica ferida de anulabilidade a deliberação dos sócios adoptada em assembleia cujo aviso convocatório não mencione o assunto sobre o qual a assembleia da sociedade se pronunciou». Sublinhe-se que o direito à informação sobre a vida da sociedade é um direito geral dos sócios (art.º 21º, nº 1, al. c)), com ramificações importantes nos artigos 214º, 289º, 290º e 291º. E daí a al. c) do nº 1 do artigo 58º CSC prever a anulabilidade das deliberações que não tenham sido precedidas do fornecimento ao sócio de elementos mínimos de informação, considerando estes, designadamente, as menções exigidas pelo artigo 377º, nº 8. O nº8 do art. 377º do Código das Sociedades Comerciais, impõe que o aviso convocatório «deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada», acrescentando «Quando este assunto for a alteração do contrato, deve mencionar as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas ou a indicação de que tal texto fica à disposição dos accionistas na sede social, a partir da data da publicação, sem prejuízo de na assembleia serem propostas pelos sócios redacções diferentes para as mesmas cláusulas ou serem deliberadas alterações de outras cláusulas que forem necessárias em consequência de alterações relativas a cláusulas mencionadas no aviso».

O legislador apenas impõe unicamente os elementos mínimos, salientando Pinto Furtado que «não se vê nenhuma razão para exigir, em geral, relativamente às menções do aviso convocatório, um grau de pormenor tão elevado como o próprio recorte das propostas a apresentar à assembleia» [cfr. Pinto Furtado, Deliberações dos sócios – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, Coimbra, 1993, pág. 415.]. Adianta ainda que o Código se contenta, em princípio, com a identificação do thema deliberandum de forma direta e acessível, isto é, que de pronto conceda aos convocados uma ideia minimamente satisfatória de qual seja a concreta questão sobre que se deverá deliberar. A convocatória deve ser clara, suficiente e elucidativa, contendo os elementos mínimos de informação que permitam aos interessados tomar conhecimento dos assuntos que vão ser debatidos e prepará-los para uma decisão tendencialmente situada dentro desse objeto decisório.

No caso concreto, a convocatória é totalmente omissa a qualquer alteração do Pacto Social ou a qualquer alteração do objeto social da sociedade. Nada refere a convocatória quanto à necessidade de se dar uma nova redacção ao artigo 2.º do Pacto Social face à não aceitação da Conservatória do Registo Comercial da Ata de 14.11.2016 para registar a alteração do objecto social ali deliberada. Nem nos parece que esta deliberação de 28.05.2018 quanto à nova redacção do artigo segundo do Pacto Social se contenha no objecto alterado e deliberado na anterior Assembleia de 2016, já que agora são claramente introduzidas outras actividades ligadas ao ramo da construção civil, e não apenas arrendamento de bens imobiliários. Acresce, que nesta Assembleia de 29.05.2018 fora também deliberado atribuir poderes ao sócio BB para outorgar a escritura necessária à alteração do objecto social, também a convocatória é totalmente omissa quanto a este thema deliberandum, pelo que também neste medida faltam aqui estes elementos mínimos de informação dos sócios, exigíveis pelo art. 377º, 8 CSC. Saliente-se que não é minimamente elucidativo para os sócios referir apenas «outros assuntos com interesse para a sociedade», não se podendo com esse ponto de trabalhos perspectivar que na Assembleia será discutida uma alteração ao Pacto Social, o acrescento da actividade de construção imobiliária ao objecto social ou a atribuição de poderes ao sócio BB para outorgar escritura necessária à alteração do objecto social.

O dever de informação deve permitir que os convocados se preparem para a discussão e deliberação dos temas da ordem do dia, de tal modo que não venham a ser colhidos de surpresa quanto às ditas matérias na defesa dos seus interesses ou do interesse societário.

No caso concreto, os sócios (designadamente o aqui autor) não poderiam contar minimamente com esta deliberação sobre a alteração do objecto social, nova redacção a dar ao art. 2.º do Pacto Social ou atribuição de poderes ao sócio BB para outorgar escritura necessária à alteração do objecto social, sendo de considerar que não consta da Convocatória da Assembleia os elementos mínimos de informação exigíveis pelo art. 377.º, n.º 8 CSC, pelo que é esta deliberação anulável nos termos do art. 58º, nº1, c) e nº4 a) e 377.º, n.º 8, todos do Código das Sociedades» (sublinhado nosso).

V. Assim, o tribunal de 1ª Instância decidiu julgar a presente acção totalmente procedente e, consequentemente, declara a anulabilidade das deliberações sociais tomadas em Assembleia Geral da sociedade ré a 29.05.2018 (sublinhado nosso).

VI. Ora, como se pode verificar as duas deliberações em causa foram a nomeação de gerente e a alteração do artigo 2º (objecto social) do Contrato de Sociedade, sendo que o recurso interposto pelo Réu teve por base as seguintes conclusões que se transcrevem: O presente recurso tem por objecto a impugnação da douta sentença final que determinou a procedência total da acção, declarando a anulabilidade das deliberações sociais tomadas em Assembleia Geral da sociedade ré a 29.05.2018, porquanto a decisão está ferida de erro de julgamento, a convicção formada pela Mm. Juiz a quo encontra-se turbada pela aparência maquiavélica de BB (instigada essencialmente pelos irmãos, o autor AA e a testemunha GG), não existindo prova cabal quanto aos pontos 15., 16., 18. e 29. dos factos dados como provados, nem se configurando como abusivas as deliberações em controvérsia, nem tão pouco feridas pela figura do abuso de direito.

Impõe-se a reapreciação da matéria dada como provada nos pontos 15., 16. e 18. dos factos dados como provados (referentes às competências do gerente DD e às circunstâncias da sua nomeação, nomeadamente a hipótese de ser um "testa de ferro" de BB) pela absoluta ausência de prova, tendo o Tribunal a quo assente a sua convicção em suspeitas infundadas e vagas enunciadas nos depoimentos da sócia EE e do sobredito GG.

Resultou evidente do testemunho de EE (depoimento da testemunha EE: ficheiro áudio ............04_..............17, de 24/11/2022) que esta não conhecia DD, não esteve na Assembleia Geral em controvérsia, não conhece a gestão da sociedade ré, não apresentou uma alternativa à nomeação do sobredito gerente, nem evidenciou concretamente qualquer suspeita fundada sobre a continuidade das funções de gerente por parte do sócio BB, não tendo relatado qualquer momento em que tenha presenciado, ou tomado conhecimento do exercício de actos de gerência por parte do sócio BB no período de gerência de DD.

Por outro lado, o depoimento de GG (depoimento da testemunha GG: ficheiro áudio .............................17, de 24/11/2022) está deturpado pela má relação com irmão, pela aversão que sente pela posição deste como gerente e pelo seu próprio interesse no desfecho da acção, pelo que não pode ser julgada credível. Ainda assim, a testemunha não conhece a gestão da sociedade (já que não é sócio desde 1998 e não frequenta a fábrica), não assistiu a qualquer ato de gestão do sócio BB no período de gerência de DD, nem mencionou no seu depoimento qualquer actuação concreta que indiciasse que DD fosse «testa de ferro» do antigo gerente.

O Tribunal a quo ainda mencionou a testemunha HH para reforçar a sua convicção, porém esta foi contratada como revisor oficial de contas somente no ano 2020, para avaliar os elementos de contabilidade da sociedade, portanto não presenciou qualquer facto relevante para a matéria de facto em análise, nem é abordado no seu depoimento (depoimento da testemunha HH: ficheiro áudio .............................17, de 24/11/2022) o nome ou a pessoa de DD.

Nesta senda, verifica-se a absoluta inexistência de prova produzida que sustente cada um destes pontos, pelo que devem ser reapreciados e dados como não provados.

No mesmo sentido, não resulta da prova produzida em sede de audiência de julgamento qualquer indício de que CC não conhecesse a organização e funcionamento da sociedade ré. Aliás, a sócia maioritária participava em todas as Assembleias Gerais, conhecia a sociedade, sabia quem eram os sócios, quem era o gerente, visitava recorrentemente a fábrica e sempre coabitou e conviveu diariamente com o sócio-gerente. BB, evidentemente conhecendo o quotidiano da sociedade ré, pelo que deve o ponto 29. dos factos provados ser modificado e dado como não provado.

Não se verificam nos autos (nem se encontram efectivamente preenchidos) os pressupostos subjectivos — a intenção prévia dos dois sócios, que votaram favoravelmente na nomeação do gerente DD, de alcançar uma vantagem especial ou prejudicar a sociedade ou um outro sócio — e objectivos — a deliberação ser apropriada a esse propósito — de qualquer uma das modalidades de deliberações abusivas previstas no artigo 58°, n.° 1, ai. b) do CSC. IX. Do mesmo modo, a deliberação em controvérsia não pode ser enquadrada na figura geral do abuso de direito (artigo 334° do CC), porquanto não se mostram ultrapassados os limites de boa-fé, bons costumes o fim social ou económico do direito exercido. Assim, não foi excedido o exercício regular do direito de voto de dois sócios, não se materializando uma manifestação excessiva do poder de dois sócios em detrimento dos demais, nem se verificando qualquer prejuízo a estes ou à sociedade.

O Tribunal a quo terá interpretado e aplicado incorrectamente o preceituado nos artigos 58°, n.° 1, al. b) do CSC e 334° do CC.

VII. Ora, como se verifica de forma muito clara e objetiva o objecto do recurso foi tão-só a matéria provada nos pontos 15., 16., 18. e 29. dos factos dados como provados:

«15. DD não tem qualquer experiência na área da gerência, tendo exercido a actividade de disco-jockey.

16. Através desta deliberação de nomeação de DD como gerente, visaram os sócios que votaram favoravelmente apenas permitir que o sócio BB continuasse a gerir na prática a sociedade, o que logrou a alcançar, continuando sempre BB a gerir a sociedade, nunca tendo DD exercido quaisquer actos de gerência na sociedade.

18. Aquela deliberação de nomeação de DD como gerente foi um esquema engendrado pelo sócio BB, com a conivência da sócia Maria Adelaide, para assim BB conseguir os seus intentos de continuar a gerir a sociedade, em prejuízo da sociedade, acumulando prejuízos nas contas da sociedade e continuando a sociedade a gerar menos receitas, que despesas; gestão agora efectuada através da capa e aparência de nomeação de outro gerente, DD, não obstante saber que havia sido destituído de gerente, com justa causa, por decisão judicial, a qual se encontrava na iminência de transitar em julgado.

29. A sócia CC nunca esteve dentro da vida societária da sociedade ré, desconhecendo a sua organização e o seu funcionamento, desconhecendo-se o que se passava na sociedade».

VIII. O Réu conformou-se quanto à anulação da deliberação social respeitante ao Ponto 2 da Ordem de Trabalhos, relativamente à anulação da deliberação que aprovou a alteração do artigo 2º (objecto social) do Contrato de Sociedade, assim e nesse sentido só interpôs recurso relativamente à deliberação relativa ao Ponto 1 da Ordem de Trabalhos, ou seja, quanto à nomeação de gerente.

IX. O âmbito do recurso, encontra-se, assim, delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram, nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil, não podendo o douto acórdão sob recurso decidir pela revogação da sentença recorrida, quando o recurso feito teve unicamente como pedido a revogação parcial da sentença proferida em 1ª Instância.

X. Assim, a única questão que deveria ter sido decidida pelo Tribunal da Relação era, salvo o devido respeito que é muito, apurar se a deliberação relativamente à nomeação de gerente e que consta no Ponto 1 da Ordem de Trabalhos tomada em assembleia geral extraordinária da ré de 29.05.2018 21 é anulável nos termos do disposto no art. 58º, nº 1, al. b) do Cód. das Sociedades Comerciais.

XI. A matéria dada como provada nos pontos 23 a 25 não foram alterados, nem foram objecto de recurso, ou seja, o recurso apresentado pelo Réu teve como intuito inverter para não provada a matéria dos pontos 15), 16), 18) e 29) dos factos considerados provados e não dos pontos 23, 24 e 25.

XII. Assim, andou mal o douto Acórdão sob recurso decidir como decidiu ao julgar procedente a apelação e revogar a sentença proferida em 1ª Instância.

XIII. Mais, o douto Acórdão sob recurso não se pronuncia quanto à legitimidade de BB para convocar a Assembleia Geral Extraordinária em 29-05-2018, pois não era mais o Gerente naquela data, conforme demonstrado pela Sentença com trânsito julgado em 18-01-2019, no Proc. N.º 6189/17.2..., BB renunciou ao cargo de Gerente em 07-06-2017, em conformidade com o Art. 258º do CSC.

XIV. A deliberação da Assembleia Geral N.º 27/2017 de 16-06-2017, que renomeou o referido BB como Gerente foi anulada por sentença com trânsito julgado em 18-01-2019 em que confirmou a ilegalidade de BB como Gerente a partir de 07-06-2017, pelo que durante o período de 07-06-2017 a 28-02-2019, BB exerceu funções de Gerente, embora não tivesse a legitimidade para tal e em consequência não tinha qualquer legitimidade para convocar a 09-05-2018 a Assembleia Geral extraordinária da Sociedade no dia 29-05-2018.

XV. Pelo que andou mal o douto acórdão sob recurso ao não se pronunciar quanto a esta matéria quando decide pela revogação da sentença proferida em 1ª Instância.

XVI. Os pontos 15), 16), 18) e 29) não devem ser declarados como não provados, uma vez que ao contrário do referido a matéria de facto dada como provada não assentou apenas e essencialmente nos depoimentos de EE, GG e HH, sendo que estas testemunhas depuseram de forma isenta e imparcial, sendo que além destas três testemunhas o Tribunal de 1ª Instância formou também a sua convicção nos documentos juntos aos autos e que que não foram impugnados.

XVII. Os documentos juntos aos autos bem como as declarações prestadas por todas as testemunhas provam de forma inquestionável que uma eventual manutenção da gestão da sociedade por parte do sócio BB, através do testa de ferro DD tem como consequência causar prejuízos para a sociedade, ora Ré, como de resto, reflectem as contas da mesma em que se verifica uma acumulação de prejuízos na sociedade,

XVIII. Ora, a testemunha EE, como declarou, desconhece as competências de DD como gestor, sendo que nunca em momento algum a sua avó iria nomear um terceiro para gerir a sociedade, o que aliás foi corroborado pela testemunha EE no seu depoimento:

[00:09:34] Mandatária do Autor (Dra. II): Acha que ela iria, sem mais, nomear uma pessoa de fora? [00:09:40] EE: Não. Acho que não.

[00:19:41] Mandatário da Ré (Dr. JJ): Sempre foi assim? Certo. E depois, há um bocadinho disse assim, que a avó não nomearia um terceiro como gerente, de fora da sociedade. Mas nomearia, por exemplo, o Sr. AA, KK? [00:19:56] EE: Não. [00:19:57] Mandatário da Ré (Dr. JJ): Não nomearia? [00:19:58] EE: Não. [00:19:58] Mandatário da Ré (Dr. JJ): Pronto. [00:20:00] EE: Também não me nomearia a mim. [00:20:01] Mandatário da Ré (Dr. JJ): Também não a nomearia a si? [00:20:02] EE: Não.

XIX. A Assembleia Geral realizada em 29-05-2018, após Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-09-2017 e a menos de 1 mês de ser confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 21-06-2018, no processo n.º 781/09.6... da Ação Judicial com vista à Destituição de Gerente, o sócio BB elegeu DD para o cargo de gerente, continuando, assim, BB a geri-la com o falso cargo de Escriturário/Empregado de Escritório, desrespeitando a decisão do Tribunal no processo n.º 781/09.6..., conforme Ponto 9 dos Factos provados da douta sentença, com o voto favorável da sócia CC.

XX. Isto é, perspetivando que as deliberações da Assembleia Geral Extraordinária de 16-06-2017 fossem anuladas, veio então BB com uma nova tentativa de se renomear gerente (ao arrepio daquela decisão judicial proferida no processo Nº 781/09.6..., e cujo trânsito em julgado era previsível a breve trecho), mas agora de forma disfarçada, nomeando LL como “testa de ferro”, criando a aparência de que estava a nomear uma terceira pessoa como gerente, quando na prática perspectivava continuar a exercer essa mesma gerência, o que veio a suceder.

XXI. Mais acresce que, conforme referido na Sentença proferida em 02-12-2018, no processo 6189/17.2..., e quanto à possível contratação de BB como Encarregado Geral, e por não caber na competência dos sócios por não se tratar de designar gerente ou membro de órgão de fiscalização (cfr. art.º 246.º do CSC) este só poderia ficar no cargo Escriturário/ Empregado de Escritório, caso o Gerente DD o consentisse e aceitasse.

XXII. Ora, com esta deliberação, o sócio, BB pretendeu manter-se em funções na sociedade a todo o custo, mesmo tendo sido destituído por justa causa do cargo.

XXIII. A testemunha EE, na sua qualidade de sócia da sociedade, a mesma quer o que todos os sócios querem, que a sociedade da qual fazem parte funcione de forma clara, transparente e que não acumule prejuízos, mas sim que obtenha lucros, uma vez que é este o escopo de uma actividade comercial.

XXIV. Como declarou a testemunha, EE em sede de audiência de julgamento, nunca lhe foi comunicado quem era o gerente nomeado DD, nem tendo qualquer abertura para falar sobre assuntos respeitantes à sociedade P..., Lda.com o seu tio, José Licínio, como depôs: [00:03:18] Mandatária do Autor (Dra. II): E antes da realização desta… portanto, desta assembleia, quando recebeu a convocatória – não é? – o seu tio ou a sua avó, ela ainda era viva nesta altura, falou-lhe da intenção de colocar uma pessoa fora da família como gerente da sociedade? [00:03:42] EE: Não.

[00:03:53] Mandatária do Autor (Dra. II): Mas nunca falou com o seu tio sobre esse assunto? [00:03:55] EE: Não. [00:03:58] Mandatária do Autor (Dra. II): Nem nunca questionou o seu tio quem era a pessoa, que qualificações é que tinha? [00:04:07] EE: Não, porque também não havia abertura para isso, não é? Não falamos previamente sobre isso. [00:04:12] Mandatária do Autor (Dra. II): Mas não havia abertura como? É seu tio. Em 2018 já estavam de relações cortadas? [00:04:17] EE: Não, mas nunca falamos sobre estes assuntos fora… ou seja, a comunicação com o meu tio nunca foi muito assídua também, não é? Com a minha avó, eventualmente, mas a minha avó também não se envolvia muito nas questões da empresa. [00:04:34] Mandatária do Autor (Dra. II): Então, mas nunca abordou o seu tio nesse sentido? [00:04:37] EE: Não.

XXV. Ora, o facto de a testemunha e também sócia da sociedade P..., Lda. não ter qualquer abertura para falar com o seu tio BB, sócio e gerente da referida sociedade é revelador da forma como o mesmo gere a sociedade, ou seja, gere a sociedade como muito bem entende não dando quaisquer informações aos demais sócios.

XXVI. O facto de a referida sócia ter tido sempre uma atitude de concordância relativamente à sua falecida avó, CC, foi por esta explicado de forma coerente e verdadeira, em que declarou que nunca quis tomar decisões contra esta, o que não significa que o interesse que a sócia possa ter na presente acção a tolde na sua vontade por forma a querer causar prejuízos à sociedade, muito pelo contrário.

XXVII. Já a testemunha GG depôs de forma clara, verdadeira e escorreita, não tendo faltado à verdade, uma vez que conhecendo o referido DD há vários anos, confrontou o mesmo de forma directa sobre esta questão da nomeação de gerente, como aliás declarou em sede de audiência de julgamento. 00:02:14] MM: Conheço o DD, era nosso amigo de infância. Bem, é uma pessoa que mantemos relações. A ... é uma cidade pequena, é uma pessoa que eu encontro várias vezes, estou mais ou menos por dentro da vida dele, assim como ele estará por dentro da nossa. [00:02:29] Mandatária do Autor (Dra. II): É um amigo de infância. Mas ele tem alguma formação de gestão de empresas?

[00:02:33] MM: Não, não. Ele era DJ, ou ainda continua a ser DJ, embora as coisas tenham mudado um bocado, um DJ com 56 anos hoje em dia está completamente ultrapassado e tem tido algumas dificuldades na vida, não é? [00:02:49] Mandatária do Autor (Dra. II): Diga-me uma coisa: uma vez que é seu amigo de infância, chegou a falar com ele sobre o facto de ele ter sido nomeado como gerente de uma sociedade que é da sua família? [00:03:00] MM: Cheguei a falar com ele e ele disse-me que tinham-lhe proposto isso, e ele estava a passar uma altura difícil, mas jurou que não ia aceitar. Aliás, ele disse-me a mim que ia falar com o advogado dele, mas nestas condições que não ia aceitar...

[00:13:31] MM: Não. E o DD na altura estava a passar por sérias dificuldades e esteve quase para esse cargo.

[00:13:39] Mandatária do Autor (Dra. II): Sim. Mas independente das dificuldades que a pessoa possa ter ou não ter, estamos a falar das capacidades de gerir uma sociedade. E é isso que está…

[00:13:47] MM: Não. Não, não.

XXVIII. Ora, está amplamente demonstrado que a nomeação de DD é um esquema engendrado pelo sócio BB, com a conivência da sócia CC, para que este possa continuar a gerir a sociedade, a todo o custo.

XXIX. Da análise dos documentos juntos aos autos, quer da audição das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento, nenhuma delas refere que DD tenha exercido efectivamente as funções de gerente, ou seja, nem a sócia CC, considerada incapaz pelo INMLCF desde pelo menos Dezembro de 2018, nem DD, alguma vez exerceram actos de Gestão, muito menos entre 13-07-2018 e 28-02-2019.

XXX. Sendo que o douto Acórdão sob recurso, e cuja decisão o Recorrente não concorda, dá apenas uma relevância parcial ao relatório médico da médica psiquiatra Dr.ª NN datado de 19-04-2019, no entanto importa também sublinhar todo o seu texto, em que refere: «…de 89 anos, apesar da idade, se apresenta lúcida, colaborante, orientada no espaço, com ligeira desorientação no tempo». Realizado o MMSE «obteve a pontuação de 26 (não apresenta deficit cognitivo), tendo (…) falhado nas perguntas sobre orientação temporal e na evocação, estando a memória recente mais afectada (…) durante a entrevista notou-se uma certa labilidade emocional principalmente quando fala dos filhos e também é natural uma pessoa que se encontre fisicamente condicionada na sua mobilidade assim como se verifica no seu discurso uma grande dependência afectiva, emocional psicológica do filho com quem vive, evitando responder às perguntas sobre a vivencia de ambos, ou mudando de assunto o que me leva a concluir que a relação entre eles não será muito aberta e saudável e possa haver motivos de coacção pelo que a D. Adelaide, com medo de represálias principalmente psicológicos evite abordar o tema. (…)», (Sublinhado nosso).

XXXI. Ora, encontra-se perfeitamente demonstrado pela prova feita e junta aos autos da dependência que a sócia falecida tinha do sócio seu filho BB e foi com base nessa ascendência que este abusivamente coagia a mesma a votar de acordo com os seus interesses pessoais.

XXXII. Pelo que andou muito bem a douta sentença proferida em 1ª Instância ao contrário do Acórdão que agora se recorre quando concluiu que, apesar de se nomear DD como gerente, o objetivo era o sócio BB continuar a exercer essa gerência, nomeadamente porque na referida Assembleia o mesmo afirmar (por forma a obter o voto favorável da sócia CC) que se manteria no anterior cargo de Escriturário/Empregado de Escritório e ajudaria o novo gerente no seu cargo de gerente, tal como aceite na contestação.

XXXIII. Acrescendo ainda o facto de na Assembleia Geral Extraordinária de Maio de 2018 também ser deliberado atribuir poderes ao sócio BB para outorgar a escritura necessária à alteração do objecto social, revelando que seria o sócio BB quem na prática iria continuar à frente da sociedade, como aliás veio a suceder desde então até ao presente momento.

XXXIV. Ora, os depoimentos das testemunhas quanto aos pontos supra referidos foram prestados de forma verdadeira, clara, isenta e escorreita, pelo que a matéria dos pontos 15, 16 e 18 não devem ser alterados uma vez que foram provados através dos depoimentos das testemunhas bem como pelos documentos juntos aos autos.

XXXV. Quanto ao Ponto 29 foi feita prova que a falecida sócia nunca se ocupou dos assuntos da sociedade, tendo sempre delegando no sócio BB todos os poderes, sendo que sempre foi este quem detinha a efectiva gestão de facto da sociedade.

XXXVI. Pelo que também aqui não existe qualquer fundamento para a alteração do Ponto 29 da matéria dada como provada, como aliás depoimento da testemunha MM em sede de audiência de julgamento. [00:03:17] Mandatária do Autor (Dra. II): Então, mas diga-me uma coisa: foi proposto por quem? [00:03:20] MM: Foi proposto, tanto quanto ele me disse a mim, pelo BB.

[00:03:25] Mandatária do Autor (Dra. II): E a D. CC? [00:03:28] MM: A D. CC, que eu sabia, não teve ali influência, penso eu.

[00:03:32] Mandatária do Autor (Dra. II): Nunca chegou a falar com a sua mãe sobre este assunto? [00:03:38] MM: E se eu falei com a minha mãe sobre este assunto? Penso que sim. Na altura, penso que sim. A minha mãe, na altura, no meu entender, não estava completamente nas suas faculdades e…[00:03:48] Mandatária do Autor (Dra. II): E ela conhecia este senhor? [00:03:50] MM: Conhecia… conhecia. O avô dele era uma pessoa muito famosa, sabia quem ele era, percebe? Sabia que era neto do Dr. (Énio?), penso eu. Por isso, sabia de… conhecia as famílias.

[00:10:44] Mandatária do Autor (Dra. II): Mas eu vou-lhe dizer. E em 2018 fazia aquilo que o Sr. BB lhe dizia, mas também fazia aquilo que você lhe dizia? [00:10:51] MM: Sem dúvida, sem dúvida. E inclusive posso-lhe dizer, a gente fazia contas, quando era na altura de receber as rendas, porque passou tudo a ser feito por transferência bancária, por salvaguarda dela e minha também, e eu um dia… nos dias que ela ia almoçar e jantar na minha casa, havia um dia que era para dia prestação de contas. E a gente via aquilo num computador e ela não ligava nada àquilo. Percebe? E anteriormente não. Anteriormente sabia, fazia contas, e se houvesse algum engano nas contas, era ela a dizer. A partir de 2015 deixou de ter essa…[00:11:25] Mandatária do Autor (Dra. II): [imperceptível]. Mas em 2018…[00:11:28] MM: Em 2018, então, nem pensar! Nem pensar! [00:11:30] Mandatária do Autor (Dra. II): Nem pensar? [00:11:31] MM: Nem pensar.

[00:11:32] Mandatária do Autor (Dra. II): Portanto, quando diz que ela faria tudo aquilo que o Sr. BB dizia… [00:11:36] MM: Faria, como faria a mim, exactamente.

XXXVII. Ora, com os depoimentos destas testemunhas, bem como com os documentos juntos aos autos, deve ser dado como provado que a sócia nunca esteve dentro da vida societária da sociedade da Ré, uma vez que sempre foi gerente da sociedade o sócio BB desde pelo menos 1996 data em que foi nomeado gerente, sendo que o facto de residir com o sócio BB não significa que tenha conhecimento de actos de gestão com relevo para a vida social, aliás não foi feita qualquer prova de que a falecida sócia CC tinha efectivamente conhecimento de tudo o que se passava na sociedade.

XXXVIII. Ao contrário do decidido no Acórdão sob recurso, entende o Recorrente que estamos perante um voto abusivo nos termos do art. 58.º, n.º 1, b), CSC, isto porque foram adoptados comportamentos que contraria o interesse social e o dos outros sócios, face à destituição judicial de BB do cargo de gerente e apenas servindo a nomeação de DD para permitir que o mesmo continue a gerir a sociedade, agora através de um «testa de ferro».

XXXIX. Ao contrário do decidido, o voto é anulável uma vez que causa uma especial vantagem e um dano concreto à sociedade ou aos demais sócios, como atrás se expõe, sendo que e salvo o devido respeito, existem uma relação causal entra a deliberação que nomeia o gerente DD e a continuação de prejuízos acumulados à sociedade.

XL. Mais, entende o Recorrente que a deliberação é abusiva uma vez que a mesma é adequada para satisfazer o propósito do sócio, BB em conseguir vantagens especiais para si, em prejuízo da sociedade que acumula anualmente prejuízos.

XLI. Ora, entende o Recorrente como entendeu e bem a Mmª Juiz de 1ª Instância que a deliberação impugnada, de nomeação de um gerente por iniciativa e escolha de um sócio que havia sido destituído da gerência por justa causa e cujos comportamentos encontram-se sobejamente provados e atento o facto de a sócia CC, detentora de mais de metade do capital social da sociedade e que não tinha capacidade de entender o que se encontrava a ser votado, e consubstancia um esquema para continuar a gerir a sociedade, agora através de um “testa de ferro”, em benefício próprio e prejudicando os demais sócios.

XLII. Sendo BB a única pessoa que beneficia com a sua continuação no cargo de gerente tanto mais que o mesmo omite toda a informação relativa à sociedade, como aliás foi confirmada pela testemunha HH em sede de audiência de julgamento [00:19:29] Mandatária do Autor (Dra. II): Mas chegou a ir à empresa? [00:19:30] HH: Sim. Eu não, mas uma colaboradora minha foi à empresa. Mas com algumas dificuldades, alguns entraves que foram levantados. [00:19:40] Meritíssima Juiz: Quem é que colocou os entraves? Foram entraves a quê? À entrada…

[00:19:47] HH: À entrada…[00:19:50] Meritíssima Juiz: À entrada da empresa e à consulta de documentos também?

[00:19:52] HH: Sim. Houve assim algumas dificuldades, houve inclusive uma ameaça de chamar a Polícia, enfim, algumas situações… pronto, houve ali alguns entraves, de facto, à…[00:20:02] Meritíssima Juiz: Quem é que colocou? Era quem estava a gerir a sociedade? Os entraves foram colocados por quem, por funcionários…? [00:20:10] HH: Estava do gerente e julgo que a minha colaboradora me disse que também estava mais uma pessoa, estavam duas ou três pessoas. [00:20:16] Meritíssima Juiz: Mas o gerente, quem era a pessoa? Era o Sr. BB? [00:20:21] HH: Sim. Do que a minha colaboradora percebeu, seria o Sr. BB.

XLIII. A deliberação em apreço visa unicamente satisfazer o propósito de alcançar vantagens especiais ao sócio em prejuízo da manobra para que BB se mantenha no cargo apesar de existir uma sentença que o destitui do cargo por justa causa.

XLIV. A deliberação é abusiva, uma vez que se está perante uma alteração dos fins do voto que, em vez de orientado para a prossecução do interesse social (para que todos os sócios consigam vantagens comuns), é utilizado para avantajar sócios à custa de outros sócios ou da sociedade, pelo que está objetivamente demonstrada que a disfunção ocorre mum desvalor e a deliberação merece ser considerada abusiva/anulável, quer por aplicação do art.º 58.º, n.º1, al. b), do CSC ou com aplicação subsidiária do art.º 334.º,do CC, a deliberação tomada no dia 29 de maio de 2018 é inválida, e anulável, devendo, esta sanção ser declarada.

XLV. Decidiu bem a Mmª Juiz que proferiu a sentença em 1ª Instância quando reconheceu a violação do art.º 58.º, n.º1, al. b), do CSC, a violação subsidiária do art.º 334.º, do CC e em consequência anulou a deliberação impugnada e andou mal o douto Acórdão sob recurso decidir como decidiu ao julgar procedente a apelação e revogar a sentença proferida em 1ª Instância.

Termos em que deve o presente recurso ser declarado procedente por provado e em consequência ser revogado o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que decidiu pela revogação da sentença proferida em 1ª Instância.

***

A recorrida ofereceu contra-alegações em que alega que o recurso é inadmissível, essencialmente porquanto o recorrente pretende impugnar o julgamento de facto, no que se refere aos pontos 15,16,18 e 29 da matéria do facto, o que excede o âmbito de cognição cometido ao STJ.

***

São as seguintes as questões decidendas:

i) Nulidade do acórdão por excesso de pronúncia.

ii) Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.

iii) Impugnação do julgamento de facto.

iv) Do carácter abusivo da deliberação.

***

São os seguintes os enunciados de dados de facto considerados assentes nas instâncias:

1. A sociedade P..., Lda. fora constituída a 09.07.1956, tendo inscrito na certidão de registo comercial como sendo o seu objecto social "Indústria de conservas de produtos hortícolas em outros molhos e, como actividade secundária, a indústria de conservas de produtos da pesca em azeite e outros molhos. ".

2. À data deliberação social de 29.05.2018, tinha o seu capital social distribuído da seguinte forma:

- uma quota no valor nominal de 26.986,46 euros, titulada por CC;

- uma quota no valor nominal de 13.898,01 euros titulada por BB;

- uma quota no valor nominal de 2.248,08 euros titulada pelo autor;

- uma quota no valor nominal de 1.129,03 euros, titulada por EE;

- uma quota no valor nominal de 1.129,03 euros, titulada por FF.

3. Entre todos os sócios existem relações familiares: a sócia CC é mãe do Autor e do sócio BB e é avó dos sócios EE e FF.

4. Em 9 de maio de 2018 foi convocada pelo sócio e gerente BB a Assembleia Geral de sócios Extraordinária para o dia 29.05.2018, com a seguinte ordem de trabalhos, a qual consta da respectiva convocatória:

1º Nomeação de gerente. Estando iminente a destituição do gerente BB, face a processo judicial 781/09.6... entreposto pelo requerente, AA, e no sentido de evitar a paralisação da firma e suas consequências, sou da opinião que deve ser nomeado um gerente o mais breve possível.

2º Outros assuntos de interesse para a sociedade.

5. Em 29 de maio de 2018 realizou-se a Assembleia Geral, encontrando-se representado todo o capital social da sociedade ré, a saber:

• CC com uma quota no valor de euros 26.986,46 representado 59,45 % do capital social;

• BB com uma quota no valor de euros 13.898,01 representado 30,62 % do capital social;

• AA com uma quota no valor de euros 2.248,08 representado 4,95 % do capital social;

• OO, em representação dos sócios: EE e EE com uma quota no valor de euros 1.129,03 representado 2,49 % do capital social; e FF e EE com uma quota no valor de euros 1.129,03 representado 2,49 % do capital social.

6. O sócio BB presidiu à Assembleia, constando da acta que "Foi perguntado à sócia CC se pretendia presidir à referida, ou subdelegar num dos presentes, disse que delegava no BB, como já é habitual."

7. Quanto ao 1º Ponto da Ordem de Trabalho - "Nomeação de gerente", consta da Acta que o Presidente da Assembleia, sócio BB disse:

"Estando iminente a destituição do gerente BB da sociedade, face a processo judicial n.º 781/09.6... entreposto pelo requerente, AA, e no sentido de evitar a paralisação da firma e suas consequências, sou da opinião que deve ser nomeando um gerente o mais breve possível.

E assim sendo proponho a nomeação do gerente MM a iniciar funções imediatamente à destituição do gerente BB, tendo o referido requerido a remuneração mensal de 850,00. "

8. Assim, foi posto à votação e aprovada a nomeação para gerente de DD, com um salário de 850 euros, com os votos a favor de BB e CC.

9. Naquela Assembleia geral, aquando da nomeação de gerente de DD, fora dito pelo sócio BB que este continuaria na sociedade no anterior cargo de Escriturário/ Empregado de Escritório e ajudaria o novo gerente no seu cargo de gerente.

10. Tendo ainda acrescentado que DD era o rapaz que lhe terá apresentado em sua casa no dia anterior.

11. Tendo, então, a sócia CC respondido que "achava que sim" quanto à referida nomeação.

12. O representante dos sócios EE e FF absteve-se na votação.

13. O Autor votou contra aquela deliberação, tendo ditado para a Acta o seguinte: "Esta tentativa de nomeação de um novo gerente desrespeita a Sentença, que transcrevo: 'Assumem, assim, o requerente e os demais sócios, com excepção do requerido BB, destituído, com justa causa, das funções de gerência que lhe cabiam, por força da lei, os poderes de gerência, até à nomeação de novo ou novos gerentes, não cabendo, portanto, ao tribunal nomear ou designar o requerente como gerente. " BB, pessoa arguta que mantem um relacionamento frequente com a sócia CC, que conhece as suas dificuldades notórias desta motivadas pela idade avançada de quase 89 anos, exerce ascendência sobre a mesma, duma forma desrespeitosa e desumana, influenciando e tirando proveito pessoal dessa circunstância, conforme está a ser claro nesta tentativa de nomeação de um novo gerente.

Desde 2002 que os sócios EE e FF têm sido factualmente coniventes com a gestão danosa e alegadamente contra a lei de BB. "

14. Consta ainda da Acta que:

"A CC diz que em nada é influenciada pelo BB, que não a desrespeita, pelo contrário lhe faz companhia senão estaria sozinha. Contrariamente, o AA não faz companhia, nem a visita há vários anos."

15. DD já exerceu a actividade de disco-jockey (“DD não tem qualquer experiência na área da gerência, tendo exercido a actividade de disco-jockey” na sua formulação original). 16. Através desta deliberação de nomeação de DD como gerente, visaram os sócios que votaram favoravelmente apenas permitir que o sócio BB continuasse a gerir na prática a sociedade, o que logrou a alcançar, continuando sempre BB a gerir a sociedade, nunca tendo DD exercido quaisquer actos de gerência na sociedade – transita para a matéria considerada não provada, conforme fundamentação infra.

17. O sócio BB fora destituído do cargo de gerente, por justa causa, por sentença proferida no âmbito do processo n.º 781/09.6... - J3 da 3.ª Secção de Comércio Instância Central de Vila Nova de Gaia (cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido), a 30 de Dezembro de 2016, confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de 14.09.2017, que à data da deliberação de 29.05.2018 ainda não havia transitado em julgado.

18. Considerado não provado pela Relação.

19. Aquela deliberação de nomeação de DD como gerente foi um esquema engendrado pelo sócio BB, com a conivência da sócia CC, para assim BB conseguir os seus intentos de continuar a gerir a sociedade, em prejuízo da sociedade, acumulando prejuízos nas contas da sociedade e continuando a sociedade a gerar menos receitas, que despesas; gestão agora efectuada através da capa e aparência de nomeação de outro gerente, DD, não obstante saber que havia sido destituído de gerente, com justa causa, por decisão judicial, a qual se encontrava na iminência de transitar em julgado – transita para a matéria considerada não provada, conforme fundamentação infra.

20. No âmbito de tal decisão proferida no processo 781/09.6... (em que foram intervenientes os aqui autor e sociedade ré, tendo ali sido também réu BB), e que transitara em julgado a 13.07.2018, foram dados como provados, para além do mais, os seguintes factos:

- A sociedade comercial requerida tinha 16 trabalhadores em 2005, 7 trabalhadores em 2006, e 4 trabalhadores em 2007;

Desde 30 de Janeiro de 2002 que a sociedade comercial não exerce a sua actividade por falta de licenciamento e as suas instalações encontram-se encerradas pela Direcção Regional de Agricultura de Entre Douro e Minho, data em que foi suspenso o número de controlo veterinário;

A sociedade requerida passou de uma venda de produtos acabados de 1.290.507,41 em 1997 para 9.142,37 € no ano de 2006;

A 31.10.2001 foi convocada uma assembleia geral extraordinária a realizar no dia 16 de Novembro do mesmo ano, onde foi dado a conhecer que a Direcção Geral das Pescas e Agricultura tinha emitido um relatório onde recomendava o encerramento da unidade fabril da sociedade comercial requerida;

A sociedade comercial requerida ficou impedida de exportar as conservas em stock a partir de 21.02.2002;

Os factos descritos levaram ao encerramento da laboração e ao despedimento de trabalhadores;

O requerido BB utilizou e utiliza as instalações da sociedade comercial requerida para fins diferentes do seu objecto, designadamente dando-as, no todo ou em parte, de arrendamento;

O requerido, na qualidade de gerente da sociedade comercial requerida, vendeu alguns dos seus bens;

- O autor instaurou inquérito judicial que correu termos com o n.º 7/07. ... pelo extinto ....º Juízo do Tribunal do Comércio de ..., no âmbito do qual, para além do mais, resultou apurado que as contas relativas ao ano de 2006 evidenciam que mais de metade do capital social está perdido; A sociedade comercial requerida tem vindo a acumular prejuízos; Em 2010 a sociedade requerida não exerceu qualquer actividade comercial, mas gerou custos de exploração, designadamente encargos com pessoal no valor de € 46.189,99, continuando a acumular prejuízos no valor global de cerca de € 1.310.000.00"

Daquela sentença consta na fundamentação de direito, designadamente, o seguinte:

"A sociedade comercial requerida ficou, pois, impedida de exercer a actividade implícita ao seu objecto social pelo facto de não reunir condições para o efeito, não tendo ao longo dos anos (desde 1995) solucionado as "inúmeras insuficiências estruturais, funcionais bem como importantes requisitos de higiene das instalações e equipamentos", optando a gerência, em Junho de 2002, por "suspender de imediato o processo de licenciamento", nenhuma outra diligência tendo realizado para esse fim, culminando com o encerramento da actividade e o despedimento de trabalhadores. Entretanto, o requerido passou a utilizar as instalações da sociedade comercial requerida para fins diferentes do seu objecto, designadamente dando-as, no todo ou em parte, de arrendamento.

Por outro lado, o último registo de depósito de prestação de contas diz respeito ao ano de 2000 (efectuado a 21 de Julho de 2001), sendo certo que a sociedade comercial tem vindo a acumular prejuízos.

Acresce que, não obstante tais factos, a sociedade comercial requerida continua a gerar elevados custos de produção, nomeadamente a título de encargos com pessoal.

Impõe-se, ainda referir que não foram prestadas ao requerente informações, designadamente no âmbito da assembleia geral realizada a 1 de agosto de 2008 (cfr. arts. 21. º e 290. º do Código das Sociedades Comerciais).

Assim, face aos factos elencados, concluímos pela existência de justa causa para a destituição do requerido BB.

Trata-se de factos com gravidade - o gerente não pode permitir que a sociedade comercial acumule prejuízos ao longo de cerca de uma década (com referência à data da instauração da presente acção), mantenha elevados custos de produção. O requerido demonstrou ao longo dos anos inércia no que diz respeito à prossecução do objecto social que culminou na paralisação da sociedade.

Tanta basta, cremos, para a destituição do requerido do cargo de gerente."

(...)

"No caso em apreço, estamos perante um caso em que o único gerente da sociedade era o requerido. Faltando o mesmo definitivamente, por destituição, todos os sócios assumem, por força da lei, os poderes de gerência, até que sejam designados os gerentes, não havendo lugar a nomeação judicial (253º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais).

Assumem, assim, o requerente e os demais sócios, com excepção do requerido BB, destituído, com justa causa, das funções de gerência, até à nomeação de novo ou novos gerentes, não cabendo portanto ao tribunal nomear ou designar o requerente como gerente."

21. O sócio BB continua a utilizar as instalações da sociedade comercial para fins diferentes do seu objecto social, dando-as no todo ou em parte, de arrendamento.

22. Também ainda antes do trânsito em julgado da sentença proferida a 781/09.6..., e em data anterior à deliberação ora impugnada, o sócio BB, em 29.05.2017 (através de carta junta aos autos a 10.12.2019) renunciou ao cargo de gerente, alegando justa causa, e "passividade dos sócios que inviabiliza o bom funcionamento da sociedade" e na Assembleia Geral de 16.06.2017 voltara a ser renomeado gerente, com o voto favorável da sócia maioritária CC, deliberação que veio a ser anulada na acção de Anulação das Deliberações da Assembleia Geral Extraordinária da Sociedade de 16.06.2017, que correu termos sob o n.º 6189/17.2..., no Juízo de Comercio de ... - J ..., tendo sido proferida decisão a 2.12.2018, transitada em julgado a 18.01.2019 (cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido).

23. Consta da respectiva ata de Assembleia Geral de sócios de 16.06.2017, que o representante dos sócios EE e BB - OO - não tinha qualquer sugestão face à nomeação de gerente, tendo tomado a palavra, de seguida, o aqui autor, fazendo alusão à circunstância de ter já sido proferida decisão em 1.ª instância, que julgou procedente o pedido de destituição de BB, por justa causa, tendo a sócia CC colocado à votação a nomeação de BB para gerente, ou para o caso do mesmo vir a ser destituído, por via judicial ou outra, ser o referido sócio inserido nos quadros de pessoal, como Encarregado Geral, como efectivo, com a remuneração e direitos acordados à data da sua anterior nomeação de gerente, evitando a paralisação da sociedade, por estar dentro do funcionamento da firma, tendo tal ponto sido aprovado com os votos favoráveis de CC e BB, e com o voto contra do aqui autor, e abstenções dos demais sócios.

24. Quanto ao 2º Ponto da Ordem de Trabalho - "Outros Assuntos de interesse para a sociedade", consta da Ata de Assembleia Geral ora impugnada de 29.05.2018 que:

"em função da deliberação tomada anteriormente, ocorrida na assembleia de 14-11-2016 14:00, onde se deliberou a alteração do objecto social, foi proposta e aprovada por maioria, 90,07% a favor, 9,93% contra, porém o texto não foi aceite para fazer o referido registo, assim sendo passo a nova redacção a dar ao artigo dois do contrato de sociedade, que passa a ter a seguinte redacção:

Artigo 2.º Objecto A sociedade tem por objecto preparação e conservação de frutos e de produtos hortícolas por outros processos, conservação de produtos da pesca e da aquicultura em azeite e outros óleos vegetais e outros molhos. Bem como arrendamento de bens imobiliários, construção de edifícios (residenciais e não residenciais), promoção imobiliária, construção de complexos industriais, actividades especializadas da construção, demolição de edifícios, construção de piscinais ao ar livre e cobertas, construção de outras obras de engenharia civil não especificadas.

Assim como a atribuição de poderes ao sócio BB para outorgar a escritura necessária à alteração do objecto social. "

25. Esta proposta veio a ser aprovada na Assembleia de 29.05.2018 com os votos favoráveis do sócio BB e CC e os votos contra dos restantes sócios.

26. Em Assembleia Geral Extraordinária de 14.11.2016, foi aprovado, com os votos favoráveis dos sócios CC e BB, e com os votos contra dos demais sócios, a alteração do objecto social da sociedade ré, acrescentando a seguinte actividade secundária ao objecto social da sociedade: "arrendamento de bens imobiliários" (cfr. fls. 52).

27. A Ata desta Assembleia de 29.05.2018 fora assinada por todos os presentes, encontrando-se junta aos autos.

28. A então sócia maioritária CC nasceu a 22.09.1929, contando à data da deliberação de 29.05.2018 com 88 anos de idade, deslocando-se já com dificuldade, por vezes socorrendo-se da ajuda de cadeira de rodas.

29. Considerado não provado pela Relação.

30. A sócia CC nunca esteve dentro da vida societária da sociedade ré, desconhecendo a sua organização e o seu funcionamento, desconhecendo-se o que se passava na sociedade – transita para a matéria considerada não provada, conforme fundamentação infra.

31. O ora autor e GG (também filho de CC) intentaram acção de inabilitação (hoje acção de maior acompanhado) de CC, que corre termos sob o Proc. 529/18.4..., no Juízo Local Cível da ..., no qual constam diversos exames médicos à sócia CC, os quais se encontram juntos aos autos.

32. Nesse processo fora proferida a 29.09.2020 a decisão com medida provisória que consta de fls. 296 e ss. (junta no requerimento de 6.10.2020), na qual fora decidido:

"de modo providenciar pela pessoa e património da beneficiária, nos termos dos artigos 139º, n.º 2, 143º, n.º 3 ambos do C Civil, 891º, n.º 2 do C.P.C. na redacção conferida Lei n. º 49/2018, de 14 de Agosto, nomeia-se como seus acompanhantes a título provisório BB e GG, competindo:

- a BB diligenciar para que a beneficiária tenha os cuidados adequados de habitação, higiene, vestuário, alimentação, acompanhamento médico, toma de medicação, incluindo o cumprimento das regras de segurança previstas pela D.G.S. no âmbito da prevenção da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, inclusive a utilização de máscara e desinfecção das mãos por parte de familiares e amigos que visitem aquela;

- a GG a representação da beneficiária perante Finanças, Segurança Social, Conservatórias de Registo, Tribunais e em Assembleias Gerais da sociedade "P..., Lda.", bem como acompanhar a evolução das condições de saúde e bem-estar da beneficiária, devendo comunicar ao Tribunal qualquer alteração relevante das necessidades da mesma a nível de habitação, higiene, vestuário, alimentação, acompanhamento médico e toma de medicação.

Mais se determina que a prática de quaisquer actos dos quais possa resultar a alienação ou oneração de património ou participações sociais da beneficiária fique dependente de autorização judicial até ao trânsito em julgado da sentença final a proferir nos presentes autos."

33. A publicação do anúncio naquela acção de inabilitação da sócia CC remonta a 20 de Abril de 2018.

34. O único activo da sociedade requerida é o imóvel onde tem a sua sede, cujo valor patrimonial é superior a € 1.200.000,00.

***

Do excesso de pronúncia

Diz o recorrente: «X. Assim, a única questão que deveria ter sido decidida pelo Tribunal da Relação era, salvo o devido respeito que é muito, apurar se a deliberação relativamente à nomeação de gerente e que consta no Ponto 1 da Ordem de Trabalhos tomada em assembleia geral extraordinária da ré de 29.05.2018 é anulável nos termos do disposto no art. 58º, nº 1, al. b) do Cód. das Sociedades Comerciais.

XI. A matéria dada como provada nos pontos 23 a 25 não foram alterados, nem foram objecto de recurso, ou seja, o recurso apresentado pelo Réu teve como intuito inverter para não provada a matéria dos pontos 15), 16), 18) e 29) dos factos considerados provados e não dos pontos 23, 24 e 25.

XII. Assim, andou mal o douto Acórdão sob recurso, decidir como decidiu ao julgar procedente a apelação e revogar a sentença proferida em 1.ª Instância».

Não tem razão o recorrente. Vejamos porquê.

O autor concluiu a petição inicial nos seguintes termos:

«Devem as deliberações tomadas na Assembleia Geral de 29 de Maio de 2018 serem anulados por violação do disposto no artigo n.º 8 do artigo 377.º do CSC, nas alíneas a), b) e f) do artigo 25.º e alínea a) e c) do n.º 1, alínea a) do n.º 4 do artigo 58.º do CSC».

Essas deliberações são as contantes da ordem de trabalho: 1.º Nomeação de gerente; 2.º Outros assuntos de interesse para a sociedade.

O primeiro grau, analisou ambas as deliberações, e entendeu que que a 1:º deliberação era anulável ex artigo 58.º, 1, b) CSC, sendo-a a segunda ex artigos 58.º, 1, al. c) e 4.º, a) e 377.º.

«Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a presente acção totalmente procedente e, consequentemente, declarar a anulabilidade das deliberações sociais tomadas em Assembleia Geral da sociedade ré a 29.5.2018».

A ré interpôs, como vimos, recurso de apelação,

Com particular relevância citem-se os pontos I, II e IX das conclusões da recorrente, que delimitam, como é sabido o objecto do recurso:

Ponto I: Não existe prova cabal quanto aos pontos 15,16, 18 e 29 dos factos provados.

Ponto II. Impõe-se a reapreciação da matéria dada como provada nos pontos 15,16 e 18.

Ponto IX. Do mesmo modo, a deliberação em controvérsia não pode ser enquadrada na figura geral do abuso de direito (artigo 334.º) (o itálico é nosso).

O Tribunal da Relação alterou os pontos15, 16, 18 e 29.º e na base da nova factualidade, resultante dessa alteração, concluiu não ser de aplicável ao caso ocorrente o artigo 58.º, 1, al. b) CSC.

Quando a Relação delibera revogar a sentença recorrida, não está a exceder o objecto do recurso, o qual não se pretendia dirigido ao ponto 2 da ordem de trabalhos.

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Da omissão de pronúncia.

Diz o recorrente: «XIII. Mais, o douto Acórdão sob recurso não se pronuncia quanto à legitimidade de BB para convocar a Assembleia Geral Extraordinária em 29-05-2018, pois não era mais o Gerente naquela data, conforme demonstrado pela Sentença com trânsito julgado em 18-01-2019, no Proc. N.º 6189/17.2..., BB renunciou ao cargo de Gerente em 07-06-2017, em conformidade com o Art. 258º do CSC».

Mais uma vez não assiste razão ao recorrente. A questão agora suscitada não fazia parte, compreensivelmente, do objecto do processo, e, repita-se, os artigos 635.º, 4 e 639.º 1 CPC vedam a que o tribunal de recurso se pronuncie sobre questões que não tenham sido invocadas nas conclusões do recurso, a menos que se trate de matéria de conhecimento o oficioso, o que não ocorre.

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Da impugnação da matéria de facto.

Examinando as conclusões das alegações do recorrente verifica-se que este impugna a matéria de facto, já objecto de reapreciação pelo Tribunal da Relação.

São inúmeros os pontos em que o recorrente transcreve os depoimentos pretendendo que este tribunal na base da prova produzida altere o julgamento, de facto e de direito, do segundo grau.

É redundante estar a enumerá-los a todos, mas tal ressalta da leitura das conclusões, designadamente dos pontos XVI, XVIII, XXIV, XXVII a XXXI, XXXIV a XXXVIII e XLII.

Ora, o Supremo Tribunal de Justiça, desde o Decreto n.º 12.353, de 22 de Setembro, é um tribunal de revisão, que substitui a decisão recorrida por uma própria, não se pronunciando sobre questões de facto.

Esta afirmação deve ser entendida em termos hábeis. Isto porque casos há residuais em que o Supremo conhece de facto. Tal acontece, nos casos previstos nos artigos 674.º, 3 e 682.º, 3 CPC (configurando os primeiros, em última análise, verdadeira matéria de direito).

Na situação ocorrente nenhuma destas hipóteses se verifica. O raciocínio argumentativo do segundo grau, justificativo da deliberação é coerente, não manifestando ilogismo de tipo nenhum.

A livre apreciação do julgador, em que se baseia a avaliação probatória feita na Relação, num sistema como o nosso, não permite intromissão deste grau mo julgamento de facto..

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Da violação do artigo 58.º, 1, al. b) do CSC

O que se discutiu nas instâncias, em termos de direito, foi saber se tinha ou não sido violado artigo 58.º, 1, al. b) do CSC o qual preceitua que são anuláveis as deliberações que «sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos».

Tendo a Relação alterado factos decisivos que sustentavam a decisão da 1.ª instância, ficou o recorrente sem suporte para obter a procedência do seu pedido.

Prevalece, por outro lado e em contrapartida, a argumentação substitutiva do Tribunal de 2.ª instância, que correcta e convincentemente afirma que «No caso vertente, encontrava-se em crise, na deliberação impugnada, a nomeação de um gerente por iniciativa e escolha de um sócio que havia sido destituído da gerência, na tese do autor por haver para tal manipulado o voto da sócia CC, que não tinha capacidade de entender o que se encontrava a ser votado, e consubstanciar um esquema para continuar a gerir a sociedade, agora através de um testa de ferro, em benefício próprio e prejudicando os demais sócios. Ora, um sócio que tenha sido destituído da gerência não está inibido de exercer os seus direitos societários, designadamente o de participar nas deliberações de sócios, sem prejuízo das restrições previstas na lei, que lhe confere o art.º 21.º, n.º 1, al. b), do CSC. Aí compreendido o de propor e fazer votar pela maioria do capital social deliberação no sentido de nomear como gerente pessoa da sua confiança. Obviamente que ao nomeado não é lícito praticar comportamentos idênticos àqueles que levaram à destituição do anterior gerente. No entanto, a sindicância do comportamento do gerente nomeado coloca-se ao nível das suas actuações concretas, e não da deliberação em si mesma, enquanto expressão da vontade maioritária dos sócios.

Assim sendo, e falhando a demonstração de qualquer vício de vontade susceptível de inquinar o voto da sócia CC, que se presume livre e consciente, não se vê em que possa o conteúdo da deliberação impugnada satisfazer o propósito dos sócios que a votaram de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios, assim ofendendo a ordem jurídica».

Concordamos. A revista soçobra.

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Vencido, o recorrente suportará as custas do recurso (artigo 527.º, 1 e 2 CPC).

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Pelo exposto, acordamos em julgar improcedente a revista.

Custas pelo recorrente.

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1 de Julho de 2025

Luís Correia de Mendonça (Relator)

Luís Espírito Santo

Cristina Coelho