Não existe qualquer dupla conformidade quando a decisão da 2.ª instância é diversa da decisão da 1.ª instância e desfavorável ao Recorrente.
Acordam em Conferência na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,
A Fundação INATEL, Ré no presente processo, em que é Autora AA, notificada do Acórdão proferido a 15.05.2025, que concedeu parcialmente o recurso de revista intentado pela Autora, veio apresentar Reclamação, com vista a arguir a nulidade do referido Acórdão na parte em que:
a) concede o recurso de revista no que toca à integração do chamado “subsídio de funções”;
b) repristina a decisão da 1ª instância no que toca à condenação da Ré no pagamento de € 5.000,00 de compensação por danos não patrimoniais.
Relativamente à primeira questão sustenta que haveria “dupla conformidade” quanto ao indeferimento do pagamento do “subsídio de função” e sua integração na retribuição da Autora e tal questão não poderia ser conhecida no âmbito de uma revista excecional que foi admitida em razão de outra questão.
Quanto à segunda questão, sustenta que o valor do decaimento da Autora (que pediu o pagamento de uma indemnização de €15.000,00, que lhe foi concedida em € 5.000,00 pela sentença do Tribunal de 1ª Instância (com decaimento de € 10.000,00), e depois totalmente revogada pelo Tribunal da Relação de Lisboa (“verificando-se dupla conforme em €10.000,00 e com segundo decaimento de € 5.000,00, que não permite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”).
A resposta a esta alegação de nulidades pressupõe que primeiro se recorde como foi intentado o recurso de revista da Autora (ao qual, aliás, a Ré não apresentou contra-alegações).
A Autora veio interpor recurso de revista que era simultaneamente recurso de revista comum e de revista excecional do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Lisboa em 10.04.2024, para a Secção Social deste Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto nos artigos 671.º, n.º 1, e 672.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil (doravante designado por CPC).
O recurso comum não foi admitido pelo Tribunal da Relação, mas a Autora apresentou Reclamação que foi deferida pelo Relator neste Supremo Tribunal de Justiça por não existir dupla conformidade quanto aos danos não patrimoniais, já que a 1.ª instância tinha condenado a Ré a pagar uma compensação de € 5.000,00 e a 2.ª instância absolveu a Ré de qualquer pagamento a esse título. O recurso de revista comum veio, assim, a ser recebido pelo despacho proferido pelo Relator a 21.02.2025, despacho que não suscitou qualquer Reclamação para a Conferência por parte da Ré.
O recurso de revista excecional foi admitido pelo douto Acórdão da Formação prevista no artigo 672.º n.º 3 do Código do Processo Civil junto desta Secção Social proferido a 29.01.2025.
Sublinhe-se que no seu recurso a Autora invocava nulidades do Acórdão do Tribunal da Relação, nulidades que, como é sabido, tendo o recurso de revista sido admitido, integram o objeto possível do recurso de revista, à luz da alínea c) do n.º 1 do artigo 674.º do CPC.
Relativamente ao “subsídio de funções”, e independentemente de ser questionável se existiria dupla conformidade nas decisões das instâncias, dada a diversidade de fundamentação, a questão colocada e decidida pelo Tribunal foi a existência de uma nulidade da decisão do Tribunal da Relação por oposição entre os fundamentos e a decisão (artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC). O Acórdão objeto da presente Reclamação pronunciou-se no sentido da referida nulidade e supriu-a, decidindo a questão.
Veja-se o que a este respeito se escreveu:
“O Tribunal da Relação em Acórdão preferido pela conferência decidiu não existir qualquer nulidade porquanto a decisão seria claramente inteligível no sentido da manutenção da decisão da 1.ª Instância. Contudo o sentido da reclamação apresentada não é o de que a decisão é incompreensível, mas sim o de que existe uma contradição entre os seus fundamentos e a decisão. O Acórdão recorrido decidiu que o “subsídio de funções” recebido pela Autora correspondia a funções transitórias e era reversível, podendo ser suprimido quando tais funções cessassem. Todavia, e desde logo, na matéria de facto vem como provado que tais funções não correspondiam nem correspondem a qualquer posto de trabalho existente no organigrama da Ré (facto 55: O cargo de Coordenadora do Operador Turístico “Inatel Turismo” não existia nem existe na orgânica da ré). Trata-se, além do mais, de funções que não cabem no objeto do contrato de trabalho, não havendo na decisão do empregador a esse respeito qualquer referência ao seu caráter transitório. Acresce que o designado “subsídio” cessou em resultado do que o próprio Acórdão recorrido reconheceu ser um exercício ilícito do ius variandi. Com efeito, tratou-se de um exercício ilícito daquela faculdade não só pelos limites temporais que lei lhe impõe, mas porque o Código do Trabalho exige uma ordem justificada que deve referir a duração previsível da mesma (artigo 120.º, n.º 3). Assim, mesmo que o referido subsídio correspondesse a funções temporárias reversíveis não poderia ser uma ordem ilícita a modificar validamente tais funções e a suprimir o “subsídio”. Existe, pois, a alegada nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão”.
E acrescenta-se:
“Não sendo tal “cargo” de Coordenadora (que, repete-se, não existe enquanto tal na orgânica da empresa) tão-pouco um cargo de especial confiança, há que concluir que do mesmo modo que não é suficiente um nome para que haja uma categoria também não será suficiente que se designe uma importância como subsídio de funções para excluir a presunção de que tal importância integra a retribuição e está abrangida pelo princípio da irredutibilidade da retribuição quando tais funções não têm real autonomia”.
Não há, pois, neste aspeto, qualquer nulidade do Acórdão objeto da Reclamação – este limitou-se a conhecer da nulidade do Acórdão do Tribunal da Relação, a afirmar a existência de tal nulidade e a supri-la.
Relativamente aos danos não patrimoniais, e como já referido, esta questão integra-se numa revista normal por não existir dupla conformidade. Com efeito, o Tribunal de 1.ª instância condenou a Ré a pagar € 5.000 de compensação (quando o Autor pedira €15.000,00) e o Tribunal da Relação decidiu que a Ré nada devia ao Autor em sede de compensação por danos não patrimoniais. Não se ignora que alguma doutrina e jurisprudência defendem que “pode haver dupla conforme quando a 2.ª instância profere uma decisão mais favorável que a decisão da 1.ª instância, mas a mais não se pode estender a abrangência da figura” (Acórdão do STJ de 12-01-2017, processo n.º 3931/12.1T8BCL.G1.S1). Mas tal não foi o que ocorreu aqui: a decisão da 2.ª instância foi desfavorável ao Recorrente e não há qualquer dupla conforme entre uma decisão que atribui 5.000,00 euros e outra que atribui zero.
Decisão: Indefere-se a presente Reclamação.
Custas pelo Reclamante.
Lisboa, 2 de julho de 2025
Júlio Gomes (Relator)
Mário Belo Morgado
Paula Leal de Carvalho