REFORMA
ACÓRDÃO
CONDENAÇÃO EM CUSTAS
PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE
RESPONSABILIDADE
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Sumário


Sumário (cf. art.º 663º, nº7 do CPC):
I. A responsabilidade por custas assenta no princípio da causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo.
II. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respectiva proporção

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório:

Notificada que foi do acórdão proferido nos autos veio a recorrente AA, nos termos do disposto no art.º 616º do Código de Processo Civil, requerer a reforma do mesmo, alegando para o efeito o seguinte:

“1. Nos termos do douto Acórdão acima referido, foi reconhecida a prescrição dos juros, conforme havia sido invocado nos embargos de executado que a ora Recorrente apresentou.

2. Todavia, o douto Acórdão reconhece que não foi “de todo feliz a forma como foi redigido o parágrafo onde se ordenou tal reformulação”.

3. Em consequência, determinou a “correcção”.

4. Ou seja, removeu da ordem processual a parte da decisão que ordenou a apresentação de uma nova petição executiva, substituindo pela apresentação de um simples requerimento a apresentar pelo exequente, aqui Recorrido.

5. A conclusão é de negação da Revista, com custas pela Recorrente.

6. Salvo o devido respeito, esta conclusão de improcedência total parece estar em contradição com o teor da decisão neste segmento final.

7. Deste modo, a Revista é parcialmente procedente, no sentido em que foi ordenada a remoção de parte da decisão recorrida, substituída por outra, significativamente diferente, sendo certo que não estamos perante um simples erro material, no contexto que a ele se refere o artigo 249.º do Código Civil.

8. Ora, deve então atender-se ao previsto no artigo 527.º do Código de Processo Civil e n.º 2 do artigo 24.º do Regulamento das Custas Judiciais, e condenar, tanto a Recorrente como Recorrida nas proporções da parte em que foram vencidas.


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Ouvida a parte contrária veio esta dizer o seguinte:

1.º A Recorrente vem agora insurgir-se contra a sua condenação quanto a custas de parte no Acórdão proferido em 15.05.2025.

2.º No entendimento da Recorrente, o douto Tribunal ao substituir a decisão do Tribunal da Relação de apresentação de uma nova petição executiva em consequência do decidido quanto à prescrição de juros, pela apresentação de um simples requerimento a apresentar pelo exequente, ter-lhe-á dado provimento parcial ao recurso por si apresentado.

3.º Não assiste qualquer razão à Recorrente, devendo manter-se o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça nos seus precisos termos, como se irá demonstrar.

4.º A Recorrente, nas alegações de recurso apresentadas, no ponto que interessa para a presente discussão, diz o seguinte: “X. A final, determina o Acórdão recorrido que a exequente deverá reformular o requerimento executivo em conformidade.

XI. A dinâmica processual não permite a reformulação do requerimento executivo, mas antes, se a nulidade da Sentença fosse declarada, importaria a baixa dos autos à 1.ª Instância para a sua reelaboração com a observância do superiormente decidido.

XII. O pedido de reformulação do requerimento inicial, também não foi formulado pelo Apelante, pelo que, além de processualmente inadmissível, tal decisão constitui excesso de pronúncia”.

5.º Em momento algum das alegações formuladas pela Recorrente esta requer que o novo cálculo da quantia poderá ter lugar através de requerimento a apresentar pelo exequente, mas que tal reformulação do requerimento inicial constituiu um excesso de pronúncia do Tribunal da Relação.

6.º Ora, como é bom de ver, a Recorrente não teve ganho de causa quanto a este ponto, pois que o Supremo Tribunal de Justiça não considerou a decisão do Tribunal da Relação um excesso de pronúncia, pelo contrário, considerou resultar por demais evidente que o segmento da decisão que aqui se discute não padecia da nulidade apontada.

7.º Como demonstrado, tendo considerado outra solução para a reformulação do cálculo da quantia exequenda devido aos juros de mora considerados prescritos, o Tribunal não deu razão à Recorrente.

8.º Deve, portanto, por tudo o exposto, manter-se integralmente a decisão de condenação da Recorrente em custas.


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II. Enquadramento de facto e de direito:

Tem em conta os elementos que constam do processo e que aqui damos por reproduzidos, vejamos, pois da pertinência do pedido formulado.

Como é consabido e decorre do disposto no art.º 616º do CPC, “a regra sobre o esgotamento do poder jurisdicional encontra um desvio nos casos em que existe erro decisório em matéria de custas e de multa e ainda quando se verifique um lapso manifesto relativamente a algum dos aspectos referidos no nº2. O lapso manifesto a que se reporta o nº2 tem de ser evidente e incontroverso, revelado por elementos que são exteriores ao despacho, não se reconduzindo à mera discordância quanto ao decidido.” (cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I. pag.738/739).

E aceite por todos que a reforma da decisão quanto a custas, no quadro do n.º 1 do art.º 616.º do CPC, tem a ver exclusivamente com o erro de decisão em matéria de custas (desconformidade com os critérios estabelecidos nos artigos 527.º e seguintes do CPC) (neste sentido e entre outros cf. o Acórdão do STJ de 15.03.2022, processo 7167/13.6YYLSB-B.L1.S1, em www.dgsi.pt.)

Assim no que diz respeito às regras que disciplinam as questões relativas à determinação dos responsáveis pelas custas e à repartição dessa responsabilidade em função do julgado – determinação essa que deve constar da decisão que julgue a acção (artigo 607.º, n.º 6 do CPC), o incidente ou recurso - importa considerar o artigo 527.º do CPC, enquanto preceito essencial, o qual, com a epígrafe «regra geral em matéria de custas», estabelece o seguinte:

“1 - A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

3 - No caso de condenação por obrigação solidária, a solidariedade estende-se às custas”.

Tal como resulta da regra enunciada no n.º 1 do citado preceito legal, a responsabilidade por custas assenta no princípio da causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo.

Neste domínio, segundo o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.

Como refere Salvador da Costa, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, pág.8.2, a propósito do preceito legal em apreciação, “prevê o n.º 2 a regra sobre quem dá causa às custas do processo, e estatui ser a parte vencida, na proporção em que o for.

Trata-se do referido princípio da causalidade, em que um nexo objectivo liga a conduta de quem acciona ou é accionado à lide respectiva. Dir-se-á que a condição de vencido é que determina a condenação no pagamento de custas”.

Deste modo, “o critério para determinar quem dá causa à acção, incidente ou recurso prescinde, em princípio, de qualquer indagação autónoma: dá-lhe causa quem perde. (…) [n]o caso dos recursos, as custas ficam por conta do recorrido ou do recorrente, conforme o recurso obtenha ou não provimento” (cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 419..

Assim, “à responsabilidade pelo pagamento das custas é indiferente a ideia de culpa relativamente à ocorrência do litígio. Culpada ou não pelo facto de o tribunal ser chamado a dirimir um conflito de interesses, é a parte vencida ou, não existindo vencimento, a parte que da acção retira o proveito, que deve suportar os encargos derivados dessa intervenção, sem qualquer gravame que reflicta a maior ou menor quota de responsabilidade pela génese do processo” (cf. Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, I Volume, Coimbra, Almedina, 1998, pág.177).

Por outro lado, é aceite por todos que os recursos são considerados processos ou procedimentos autónomos para efeito de sujeição ao pagamento de custas stricto sensu e de taxa de justiça, conforme resulta do disposto nos artigos 527.º, n.º 1 e 529.º, n. º1, ambos do CPC e artigo 1.º, n.º 2 e 6.º, n.ºs 1 e 2 e 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, funcionando o princípio da autonomia.

Ou seja, conforme resulta do disposto no n.º 1 do artigo 527.º do CPC, e do n.º 2 do artigo 1.º do RCP, os recursos são considerados processos autónomos para efeitos de custas.

Mais, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respectiva proporção.

Nos autos, o que se verifica é o seguinte:

Regressando ao caso concreto o que ficou a constar do acórdão proferido e agora reclamado foi, entre o mais, o seguinte:

“Face ao antes exposto, não se suscitam quaisquer dúvidas de que na petição de embargos a executada AA só suscitou a questão da prescrição da dívida exequenda na parte referente aos juros, deixando de fora a eventual prescrição da dívida correspondente ao capital (cf. art.º 49º do mesmo articulado).

A ser assim há pois que chamar à colação o regime previsto no artigo 303º, segundo o qual, o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição, necessitando esta, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.

Sabe-se igualmente, que a prescrição pode ser invocada tanto por excepção (como normalmente sucede e aqui ocorreu) como por acção.

Em suma, a prescrição, para ser eficaz, tem de ser invocada pelo beneficiário, não sendo por isso de conhecimento oficioso.

Ou seja, se a parte não invocar a prescrição, o juiz não pode suprir esta omissão e conhecer dela (neste sentido cf. Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2015, pág.340)

Nestes termos, bem decidiu pois a Relação quando nos termos sobreditos julgou apenas prescritos os juros que excedam o prazo legalmente previsto no art.º 310º, alínea d) do Código Civil.

Ou seja, também nesta parte não devem ser acolhidos os argumentos recursivos da executada/embargante AA.

Cumpre agora voltar ao segmento da decisão recorrida no qual e face ao decidido, se convidou o exequente/embargado Banco BCP S.A. a reformular o requerimento executivo inicial.

Ficou já visto que no caso dos autos e depois da decisão proferida pela Relação que julgou prescritos os juros que excedem os 5 anos, se impunha proceder em conformidade à correcção do valor da quantia exequenda.

Para este efeito e como antes já vimos, foi ordenada a reformulação do requerimento executivo inicialmente apresentado.

Consideramos que não foi de todo feliz a forma como foi redigido o parágrafo onde se ordenou tal reformulação.

E isto porque temos como evidente que tal “correcção” pode e deve ser realizada através da apresentação de um simples requerimento no qual o novo valor da quantia exequenda seja calculado.

Tudo isto sem necessidade de apresentação de uma nova petição executiva.

Assim sendo, deve pois considerar-se que o novo cálculo da quantia pode ter lugar através de requerimento a apresentar pelo exequente Banco BCP S.A.

Nestes termos a confirmação da decisão recorrida que decorrerá, necessariamente, do decidido terá que ter conta o que se acabou de expor. (sublinhado nosso)

Por fim na parte decisória do mesmo acórdão, ficou exarado o seguinte:

Pelo exposto, nega-se a revista e mantém-se a decisão recorrida.


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Perante o acabado de expor verifica-se em nosso entender evidente, que a recorrente ora reclamante não teve êxito na revista que interpôs, sendo por isso ela quem deu causa às custas do presente recurso, conforme expressamente decorre do art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC.

E por isso se considera ter sido correcta a decisão que lhe atribuiu a responsabilidade pelo pagamento das custas do recurso.


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III. Decisão:

Pelo exposto, mostrando-se correta a decisão proferida quanto a custas, improcede a suscitada reforma do acórdão agora em discussão, mantendo-se assim o que a tal propósito ali ficou decidido.


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Custas pela recorrente ora reclamante (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do CPC).

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Notifique.

Lisboa, 3 de Julho de 2025

Relator: Carlos Portela

1º Adjunto: Orlando dos Santos Nascimento

2ª Adjunto: Emídio Francisco Santos