RECURSO DE REVISTA
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
PRAZO CERTO
PRORROGAÇÃO
EXTINÇÃO DO CONTRATO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
RENOVAÇÃO AUTOMATICA
NORMA IMPERATIVA
NORMA SUPLETIVA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário


I. Nos termos do n.º 1, do art.º 1096.º, do Código Civil, na redação da Lei n.º 13/2019, de 12.02, um contrato de arrendamento habitacional, com prazo certo, renovável, está sujeito a renovação pelo prazo mínimo de três anos.
II. O contrato de arrendamento habitacional celebrado pelo prazo inicial de cinco anos, com início a 01.02.2018, com renovação por períodos de um ano, renovou-se em 01.02.2023 pelo prazo de três anos, não produzindo efeitos a oposição à renovação por carta de 28.7.2023, para produzir efeitos a partir do dia 31.01.2024.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


1. RELATÓRIO.

AA, requereu no Balcão do Arrendatário e do Senhorio o despejo de BB da fração arrendada que identifica, com fundamento na extinção do contrato por oposição à sua renovação.

O R deduziu oposição com fundamento em que o contrato se mantém em vigor e formulou pedido reconvencional, pedindo a condenação da A a entregar-lhe a quantia de € 50.300,00 por benfeitorias no imóvel.


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Remetidos os autos a tribunal e realizada audiência de julgamento foi proferida sentença, julgando a ação procedente e improcedente o pedido reconvencional, condenando o R à entrega do imóvel.

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Inconformado com a sentença, o R dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a alteração da decisão em matéria de facto, a revogação da sentença e a substituição por acórdão que julgue a ação improcedente e procedente o pedido reconvencional.

A A contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.


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O Tribunal da Relação proferiu acórdão, julgando procedente a apelação, revogando a sentença recorrida, absolvendo o R. do pedido e julgando prejudicado o conhecimento do pedido reconvencional.

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Inconformada, a A/apelada interpôs recurso de revista, a título extraordinário, formulando as seguintes conclusões:

A) A Recorrente cinge o seu recurso quanto à questão de saber se a norma prevista no n.º 1 do art.º 1096.º do Código Civil, é uma norma de carácter imperativo ou supletivo.

B) Ora vejamos, a Recorrente e o Recorrido no âmbito da liberdade contratual que lhes assistia, celebraram em 1 de Fevereiro de 2018 um contrato de arrendamento para fins habitacionais com prazo certo, com a duração de 5 anos, conforme se pode verificar pela leitura do contrato de arrendamento junto como Doc. 1 no requerimento de despejo.

C) Mais uma vez, no âmbito da liberdade contratual que lhes assistia foi acordado entre as partes que o referido contrato iniciaria-se em 1 de Fevereiro de 2018 e terminaria em 31 de Janeiro de 2023, sendo renovado por períodos de um ano, e nas mesmas condições, enquanto não fosse denunciado nos termos legais, conforme se pode verificar pela leitura da cláusula 3 do mesmo Doc. 1.

D) Ora, a senhoria necessitou de ir viver para o locado, uma vez que a sua avó de 91 anos de idade precisava de ir viver consigo, por ser uma pessoa com mobilidade reduzida e o imóvel não ter escadas;

E) Nesta senda, em 31 de Julho de 2023 a senhoria remeteu para o inquilino a carta a comunicar a não renovação do contrato, tendo a referida missiva sido por este recebida em 1 de Agosto de 2023, com efeitos a partir do dia 31-01-2024, conforme é possível verificar pela leitura da mesma e comprovativo de recepção junto como Doc. 5 do requerimento de despejo.

F) Com efeito, na data da celebração do contrato as partes acordaram que o contrato teria a duração de 5 anos e seria renovável por períodos de um ano, por este prazo ser o que melhor reflectia as necessidades das partes e as condições que levaram à celebração do contrato de arrendamento.

G) Na verdade, no âmbito da liberdade contratual que lhes assistia, a Recorrente e o Recorrido celebraram um contrato de arrendamento para habitação com prazo certo, sabendo as suas condições e aceitando-as, conforme se encontra disposto no contrato de arrendamento ora em causa.

H) Ora, se vingasse a corrente jurisprudencial de que a norma do n.º 1 do art.º 1096.º do Código Civil é uma norma imperativa, teríamos de certeza uma maior instabilidade no mercado habitacional, por os senhorios preferirem passar a celebrar contratos de arrendamento não renováveis.

I) Pelo que, cairia por terra a principal razão alegada para a defesa da imperatividade da norma do n.º 1 do art.º 1096.º do Código Civil, ou seja, que teria como objectivo proporcionar a estabilidade da habitação e da relação entre os senhorios e arrendatários.

J) Na verdade, os senhorios não vão querer correr o risco de se vincularem à renovação automática dos contratos, pois a ser assim teriam de obrigatoriamente manter o inquilino no locado, mais 3 anos, após o prazo inicial do contrato e ir contra a vontade das partes na data da sua celebração.

K) A este propósito pudemos ler o Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 17.03.2022, em dgsi: “Em primeiro lugar “as partes são livres de estabelecer o prazo do arrendamento entre os prazos mínimos de um ano e máximo de trinta anos, conforme deflui do Artigo 1095º, nº2, do Código, na redação da Lei nº 13/2019, de12.2. Em segundo lugar, da ressalva inicial do nº 2 do Artigo 1096º (“Salvo estipulação em contrário”) decorre que as partes podem, ab initio, convencionar que o contrato de arrendamento não será renovado. Em terceiro lugar, estipulando as partes que o contrato será renovável, são livres de estabelecer prazos diferenciados de renovação, sendo o prazo de três anos (introduzido pela Lei nº 13/2019) um prazo supletivo a aplicar nos casos em que as partes não concretizem o prazo da renovação (silêncio do contrato), apesar de preverem a renovação do contrato. De facto, se a lei permite que as partes afastem, de todo, a renovação, então também permite que esta tenha uma vigência diferenciada em caso de renovação (argumento a maiori ad minus; cf. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, Almedina, p. 443).

A tutela da posição do inquilino e da estabilidade do arrendamento, erigida como um dos propósitos da Lei nº 13/2019 não decorre neste circunspecto, em primeira linha, da nova redação do nº1 do artigo 1096º, mas sim do aditado nº 3 ao Artigo1097º, nos termos do qual: «3- A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.»

L) Com efeito, a própria norma no início da sua redação, utiliza a expressão “Salvo estipulação em contrário”, tratando-se de uma expressão inequívoca e que literalmente admite que as partes convencionem em sentido contrário ao previsto no n.º 1 do art.º 1096.º do Código Civil.

M) É importante referir que o elemento literal da norma, por estar claramente expresso é soberano e sobrepõe-se ao seu elemento teleológico, tendo tido o legislador sempre a possibilidade de alterar a expressão prevista na norma “Salvo estipulação em contrário”, o que não se verificou, o que alicerça a corrente de que a mesma representa a sua vontade e o seu carácter supletivo.

N) A este propósito pudemos ainda ler o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 16-01-2024, em dgsi: “A norma constante do nº 1 do artigo 1096º do C. Civil tem uma natureza supletiva, o que abrange quer a admissibilidade da convenção de que o contrato de arrendamento poderá não ser renovado, quer a previsão de que a renovação do contrato, a ocorrer, poderá ter um prazo diferente daquele de 3 anos que o legislador ali inscreveu.”

O) Destarte, sempre ressalvando, o devido respeito e melhor entendimento, o Tribunal a quo, deveria ter concluído em sentido contrário e desta forma ter sido confirmada a Sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância.

P) Termos em que, face do ora exposto, se requer a V. Ex.(as). Venerandos Juízes Conselheiros, que o Acórdão ora em crise seja substituída por outro que considere que o n.º 1 do art.º 1096.º do Código Civil tem carácter supletivo, e desta forma, ser revogada a decisão do Douto Tribunal da Relação de Lisboa e considerado que a não renovação do contrato de arrendamento ora em causa produziu os seus efeitos em 31-01-2024, nos termos requeridos.


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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Recebidos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, a Exm.ª Relatora proferiu despacho determinando a audição das partes sobre a convolação da interposta revista extraordinária para revista tout court, tendo a Recorrente declarado nada ter a opor.

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2. FUNDAMENTAÇÃO.

A) OS FACTOS.

As instâncias julgaram:

A.1. Provados os seguintes factos:

1. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do documento junto com o requerimento inicial, cuja epígrafe é “Contrato de Arrendamento para Fins Habitacionais com Prazo Certo”.

Destacam-se os seguintes aspectos constantes do aludido Contrato:

O objecto do Contrato é o prédio urbano da autora, sito na Avenida ..., ..., descrito na 1.ª CRP de ... sob o n.º ..88.

A autora procedeu à cedência do aludido imóvel, para que o réu no mesmo habitasse, mediante remuneração mensal.

Prazo inicial: cinco anos, com início a 01-02-2018 e fim a 31-01-2023, com renovação por períodos de um ano.

Da Cláusula Quinta, com a epígrafe “Conservação” consta o seguinte texto:

“1 – O Arrendatário responsabiliza-se pela boa conservação do local arrendado, salvo no tocante a deteriorações decorrentes do uso normal e prudente do mesmo, comprometendo-se a liquidar as despesas de utilização (…)”.

Da Cláusula Sexta, com a epígrafe “Obras e Benfeitorias” consta o seguinte texto:

“1 – Sem prejuízo de o considerarem apto para o fim a que se destina, a Senhoria desde já autoriza o arrendatário a fazer obras de conservação no arrendado, designadamente, substituição do portão da entrada, limpeza dos terrenos em toda a zona circundante da moradia, pintura geral do exterior e interior da moradia, reparações das canalizações, luz, esgotos, vidros, equipamentos de cozinha, instalações sanitárias, estores, e demais reparações que se vierem a revelar necessárias. (…)

3 – Fica a cargo do Arrendatário a obtenção de quaisquer licença camarárias e/ou demais documentação exigidas pela realização das obras que se vieram a realizar indicados no n.º 1 da presente cláusula, bem como o pagamento de quaisquer coimas ou multas que vierem a ser aplicadas em resultado da realização das mesmas obras.”.

2. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor do documento junto com o requerimento inicial, cuja epigrafe é “Aditamento ao Contrato de Arrendamento para fins habitacionais com prazo certo”.

Destacam-se os seguintes aspectos constantes do aludido acordo celebrado entre a autora e o réu:

“(…) Cláusula Única

(Renda)

1 – As partes acordam que renda mensal é de € 1500,00 (Mil e quinhentos euros), devendo ser paga até ao dia 8 (oito) do mês anterior àquele a que disser respeito, a partir do mês de Janeiro de 2023. (…)”.

3. O respectivo Imposto de Selo inerente ao acordo acima expresso no número anterior foi liquidado no mês de Dezembro de 2022.

4. Através de carta registada e datada de 28-7-2023, a autora comunicou ao réu a não renovação do contrato de arrendamento, com efeitos a partir do dia 31-01-2024 (cf. cópia da aludida carta junta como documento n.º 5 com o requerimento apresentado no BAS, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido). A aludida missiva foi dirigida ao locado e foi recepcionada, tudo conforme decorre da respectiva documentação postal junta aos autos.

5. O réu dirigiu carta à autora, a qual foi recepcionada por esta última a 12-7-2024 (cf. cópia do registo postal junto com a oposição).

6. Dá-se aqui por integralmente reproduzido o teor da carta datada de 27-9-2023, dirigida pelo réu à Ilustre Mandatária da autora, cuja cópia e respectivo registo postal constam juntos como documentos n.ºs 3 e 4 da oposição.

Dá-se destaque aos seguintes excertos da missiva referida:

“(…) Em terceiro lugar, venho informar a Sra. Dra. CC, que não prescindirei de exigir o pagamento integral de todas as benfeitorias necessárias e úteis, por mim realizadas no locado, identificadas, parcialmente, no nº 1 da cláusula sexta do contrato de arrendamento celebrado, cujo montante total ascende, aproximadamente, a € 50.000,00 (…)”.

7. O réu efectuou obras no locado, no decurso do período de execução do Contrato de Arrendamento acima referido no ponto 1».


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A. 2. Não provados os seguintes factos:

a. Que o locado constitua a casa de morada de família do réu.

b. Que no locado resida DD.

c. Que, sem prejuízo do acima exposto nos factos provados, a autora e o réu tivessem acordado que seria este último a adiantar o custo de obras de conservação no locado.

d. Que a autora e o réu tivessem acordado que o custo de tais obras seria restituído pela autora ao réu aquando da cessação do Contrato de Arrendamento.

e. Que a carta dirigida pelo réu à autora e acima mencionada nos factos provados, tivesse o texto e o conteúdo constante do documento n.º 1 junto na oposição, cujo teor aqui – no presente âmbito dos aspectos dados como não provados – se considera integralmente reproduzido.

Transcreve-se aqui, em prol da clareza, a parte inicial da alegada carta:

“(…) Ao cuidado das senhoras

EE e AA

(…) Envio a descrição dos trabalhos efetuados, por empreitada entregue ao Eng FF, (…)”.

f. Que, sem prejuízo do acima exposto nos factos provados, mormente da transcrição parcial do teor da carta acima citada no ponto 6 dos aludidos factos provados, as obras efectuadas pelo réu no locado tivessem efectivamente ascendido a um custo total € 50.300,00 ou ao valor total de € 50.000,00.


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B) O DIREITO APLICÁVEL.

O conhecimento deste Supremo Tribunal, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto da revista, é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2, 639.º 1 e 2, do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso), observando, em especial, o estabelecido nos art.ºs 682.º a 684.º, do C. P. Civil.

Atentas as conclusões da revista, acima descritas, a questão submetida ao conhecimento deste Supremo Tribunal pela Recorrente consiste, tão só, em saber se a não renovação do contrato de arrendamento dos autos, por oposição da Recorrente de 28/07/2023, produziu os seus efeitos em 31-01-2024.

Conhecendo.

O acórdão recorrido, partindo de uma interpretação do disposto no n.º 1, do art.º 1096.º, do C. Civil segundo a qual o prazo de renovação dos contratos de arrendamento habitacional com prazo certo tem um limite mínimo de três anos, concluiu que, tendo a primeira renovação do contrato ocorrido a 01/02/2023, o contrato termina a 31/01/2026, pelo que a oposição da Recorrente à renovação por carta de 28/07/2023, não faz cessar o contrato a 31/1/2024 e em conformidade julgou a apelação procedente, revogando a sentença e absolvendo o R. do pedido.

Diversamente, pretende a Recorrente que o prazo de renovação é o prazo de um ano que foi estipulado no contrato, que assim terminou a 31 de janeiro de 2024, por oposição à renovação por parte da Recorrente.

Nestas circunstâncias processuais declara a Recorrente que “… cinge o seu recurso quanto à questão de saber se a norma prevista no n.º 1 do art.º 1096.º do Código Civil, é uma norma de carácter imperativo ou supletivo.” (conclusão A).

Não obstante, a questão central da revista tem a composição que antes identificámos, configurando-se a asserção do carácter imperativo ou supletivo da norma indicada como questão de natureza instrumental, que será abordada, por este Tribunal na medida em que se revele necessária para decisão da questão da revista, em aplicação do princípio jura novit curia, consagrado no n.º 3, do art.º 5.º, do C. P. Civil.

O contrato de arrendamento dos autos teve início a 01-02-2018 e foi celebrado pelo “Prazo inicial: cinco anos, com início a 01-02-2018 e fim a 31-01-2023, com renovação por períodos de um ano.”, como consta sob o n.º 1 dos factos provados da sentença.

Na data da celebração e início, de 1/2/2018, o n.º 1, do art.º 1096.º, do C. Civil tinha a seguinte redação:

1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”.

As partes contratantes acordaram um prazo inicial de 5 anos e renovação por períodos de um ano, como lhe era permitido no âmbito do princípio da sua liberdade contratual, consagrada genericamente no art.º 405.º e aqui ressalvada de forma especial pela expressão “Salvo estipulação em contrário”.

No prazo inicial de 5 anos de execução do contrato o n.º 1, do art.º 1096.º, do C. Civil, foi alterado pelo art.º 2.º, da Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, passando a ter a seguinte redação:

1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”.

Este preceito processual tem aplicação direta ao contrato dos autos, como determina a segunda parte do n.º 2, do art.º 12.º, do C. Civil, por “…disp(user)or directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem…”.

O cerne da questão da revista situa-se, pois, na interpretação do n.º 1, do art.º 1096.º, do C. Civil, na redação da Lei n.º 13/2019, no que respeita ao tempo da renovação do contrato, a saber, se o prazo de renovação é o prazo contratual de um ano, como pretende a recorrente, ou se é o prazo de três anos a que se reporta o preceito em causa.

O escopo prosseguido pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, em relação ao contrato de arrendamento urbano é definido pelo seu art.º 1.º, o qual, sob a epígrafe “Objecto”, dispõe que “A presente lei estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade…”.

Em especial no que respeita à duração do contrato, cerne da preocupação legislativa de segurança e estabilidade, contabilizada essa duração entre o prazo inicial e a sua prorrogação por renovação, esta mesma Lei n.º 13/2019 aditou ao art.º 1097.º, do C. Civil, grosso modo, relativo à “Oposição à renovação deduzida pelo senhorio”, um n.º 3, dispondo que “A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.

Embora este preceito legal se apresente sob o veículo da eficácia da oposição à primeira renovação do contrato, a norma principal e útil contida no n.º 3, do art.º 1097.º, do C. Civil, consiste no estabelecimento de um prazo mínimo de 3 anos para a duração do contrato de arrendamento.

A vexata questio dos autos situa-se em saber se o prazo de três anos é também o prazo mínimo para a renovação do contrato, impondo-se ao prazo contratual de renovação de um ano.

Numa matéria de tanta relevância sócio jurídica, como é a relativa ao arrendamento urbano para habitação, não há dúvidas sobre o sentido da mudança de paradigma das alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019 em face do seu escopo, logo definido no seu art.º 1.º, em especial no que respeita a “…reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano...”.

Como refere o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 20/09/20231, enquanto o quadro legal pré-existente foi o resultante do “…reforço da liberalização do regime do arrendamento urbano, a Lei n.º 31/2012, de 14.8…”, a Lei n.º 13/2019, que teve por base a Proposta de Lei n.º 129/XIII, publicada no D.A.R., II série-A, n.º 106/XIII/3, de 30.4.2018 (págs. 20-30), insere-se no propósito declarado na respectiva exposição de motivos de “…estimular a oferta de habitação para arrendamento que constitua uma alternativa habitacional efetiva, proporcionando a estabilidade, a segurança e a acessibilidade em termos de custos, necessárias ao desenvolvimento da vida familiar e aos investimentos realizados com a conservação desses edifícios”.

Com este escopo legislativo, a alteração literal/material ao n.º 1, do art.º 1096.º, do C. Civil, consistiu no aditamento ao texto anterior da expressão “ou de três anos se esta for inferior”, intercalada entre a expressão “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração” e a expressão “ sem prejuízo do disposto no número seguinte”.

O aditamento da expressão “ou de três anos se esta for inferior” e sobretudo a globalidade do texto do n.º 1, do art.º 1096.º, cedo concitou divergências interpretativas sobre o seu alcance relativamente à liberdade contratual das partes na fixação do prazo de renovação do contrato de arrendamento para habitação e ao prazo de renovação, ele mesmo, que o acórdão de 20/09/2023 sintetiza nos seguintes termos:

Uma tese propugna a integral supletividade das previsões normativas contidas no n.º 1 do art.º 1096.º do Código Civil, …É a posição de Jorge Pinto Furtado (Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 3.ª edição, 2021, páginas 655 a 657):

Na mesma linha se insere a posição de André Mena Hüsgen (“As novas regras sobre a duração, denúncia e oposição à renovação do arrendamento urbano”, in Estudos de Arrendamento Urbano, vol. I, Universidade Católica Editora, Porto, 2020, páginas 86 e 87):


Esta tese liberalizadora é seguida também por Edgar Alexandre Martins Valente (Arrendamento urbano – Comentário às Alterações Legislativas introduzidas ao regime vigente, Almedina, 2019, pág. 31) e por Isabel Rocha e Paulo Estima (Novo Regime do Arrendamento Urbano – Notas práticas e Jurisprudência, 5.ª edição, Porto Editora, 2019, pág. 286).

Outra corrente entende que a lei impõe um limite mínimo, de três anos, à renovação do contrato, reduzindo-se a autonomia contratual das partes à possibilidade de arredamento da renovabilidade do contrato e à possibilidade de estipulação de prazos de renovação do contrato superiores a três anos.

Na doutrina, neste sentido, vejam-se as palavras de Maria Olinda Garcia (“Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019”, in Julgar Online, março de 2019, páginas 11 e 12):

Na mesma senda seguem Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde e António Barroso Ramalho Rodrigues (“Denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano”, in Revista de Direito Civil, ano IV (2019), n.º 2, pág. 303:


Também no mesmo sentido, vide Ana Isabel Afonso (“Sobre as mais recentes alterações legislativas ao regime do arrendamento urbano”, in Estudos de Arrendamento Urbano, vol. I, Universidade Católica Editora, Porto, 2020, páginas 26 e 27):


Esta interpretação do n.º 1 do art.º 1096.º do Código Civil, no sentido da imperatividade de um prazo mínimo de renovação do contrato (três anos) é seguida também por José António de França Pitão e Gustavo França Pitão (Arrendamento urbano anotado, Quid Juris, 3.ª edição, 2019, p. 390), Márcia Passos (“A duração nos contratos de arrendamento com prazo certo”, in Boletim da Ordem dos Advogados, Setembro de 2019, pág. 21), Manteigas Martins, Carlos Nabais, José M. Raimundo (Novo regime do arrendamento urbano, comentários e breves notas, Vida Económica, 2019, pág. 183), Luís Menezes Leitão (Arrendamento urbano, 11.ª edição, 2022, Almedina, p. 179).”.

O citado acórdão de 20/09/2023, em que estava em causa um contrato de arrendamento celebrado com a duração inicial de cinco anos, com início em 01.01.2015 e renovável por períodos de um ano, decidiu no sentido de que “…o prazo de renovação contratualmente estipulado... deverá, por força da lei, ser considerado alargado para três anos”, pelo que “Tendo o contrato sub judice a duração inicial de cinco anos, com início em 01.01.2015 e termo em 31.12.2019, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, que ocorreu em 13.02.2019 (art.º 16.º da Lei), o prazo de renovação aplicável passou a ser o determinado pela nova redação do art.º 1096.º n.º 1 do CC.”.

No mesmo sentido, aliás, se havia pronunciado o acórdão deste Supremo Tribunal de 17/01/20232, o qual, depois de referir que:

O artigo 1096.º do Código Civil, conforme é entendimento dominante na doutrina, não tem carácter imperativo, pelo que é permitido às partes excluírem a renovação automática. Impõe imperativamente, porém, que, caso seja clausulada a renovação, esta tem como período mínimo uma renovação pelo período de 3 anos. Ou seja, o legislador permite às partes que convencionem um contrato de arrendamento urbano para habitação pelo período de um ou dois anos, não renovável. Mas, caso seja convencionada uma cláusula de renovação automática, terá de obedecer ao disposto neste normativo, ou seja, o contrato sofre uma renovação automática de 3 anos.”,

decidiu no sentido de que,

“…o contrato de arrendamento urbano para habitação permanente, foi celebrado em 7/02/2018, com início em 1/02/2018, à luz da Lei n.º 30/2012, pelo prazo de um ano, renovável por igual período. A primeira renovação deste contrato, ocorreu em 1/02/2019, ainda no âmbito da referida Lei, porquanto a Lei n.º 13/2019 entrou em vigor em 13/02/2019.”,

não lhe sendo, por isso, aplicável o prazo legal de renovação por três anos.

No mesmo sentido, de renovação pelo prazo mínimo de três anos se pronunciou também o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 12/12/20243, ao expender que:

Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos”.

Não vislumbramos fundamento para divergirmos dos três arestos deste Supremo Tribunal de Justiça que acabamos de citar e cujos argumentos fundamentadores acompanhamos.

Com efeito, o argumento literal de extensão da expressão “Salvo estipulação em contrário” a todo o texto do n.º 1, do art.º 1096.º, do C. Civil, na redação da Lei n.º 13/2019, tendo o condão de esvaziar parte do escopo da mesma Lei no que respeita à “…segurança e a estabilidade do arrendamento urbano...”, entra também em confronto com o n.º 3, do art.º 1097.º, do C. Civil, que estabelece um tempo mínimo de duração de três anos para o contrato de arrendamento renovável - “Na solução consignada no novo n.º 3 do art.º 1097.º fica clara a intenção de que o arrendamento habitacional com prazo certo, renovável, vigore pelo menos por três anos (sem prejuízo de atuação em contrário por parte do arrendatário)4 – e entra também em contradição com este mesmo preceito e com o escopo prosseguido pela Lei n.º 13/2019, no que respeita a contratos de duração inicial superior a três anos, em relação aos quais, podendo renovar-se por período contratual inferior a esses três anos, deixariam de estar presentes as preocupações de segurança e estabilidade.

Aliás, por maioria de razão, se um contrato de arrendamento pelo período inicial de um ano se renova até à duração mínima de três anos imposta pelo n.º 3, do art.º 1097.º, do C. Civil, um contrato de arrendamento com a duração inicial de cinco anos, denota preocupações de estabilidade habitacional e concita também preocupação legislativa na proteção dessa estabilidade, devendo ser-lhe dispensada a renovação mínima estabelecida pelo n.º 1, do art.º 1096.º, do C. Civil.

Tal como decidido pelo acórdão recorrido, o contrato de arrendamento dos autos renovou-se em 01/02/2023 pelo período e três anos, pelo que a oposição à renovação manifestada por comunicação de 28/07/2023 para 31/2/2024 se mostra ineficaz para lhe por termo por decurso da respetiva duração.

Improcede, pois, a questão única da revista e com ela a própria revista, que não poderá deixar ser negada, devendo confirmar-se o acórdão recorrido.


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3. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente, por lhes ter dado causa, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2, do art.º 527.º, do C. P. Civil.

Lisboa, 03-07-2025

Orlando Nascimento (relator)

Carlos Portela

Maria da Graça Trigo

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1. Proferido no P.º 3966/21.3T8GDM.P1.S1 e publicado in dgsi.pt.

2. Proferido no P.º 7135/20.1T8LSB.L1.S1 e publicado in dgsi.pt.

3. Proferido no P. 138/20.8T8MDL.G1.S1 e publicado in dgsi.pt.

4. Acórdão de 20/09/2023, citado.