I. Tendo a executada/embargante sido demandada por ter adquirido, em acção de execução específica que moveu contra a mutuária, a propriedade de fracção autónoma onerada com uma hipoteca registada a favor da exequente, é um terceiro relativamente à relação jurídica donde primitivamente emerge o crédito exequendo (estribado num contrato denominado “Mútuo com Hipoteca”).
II. Apesar de correr processo de insolvência da sociedade mutuária – que veio a ser encerrado – , a execução, em princípio, poderia ter lugar logo que a referida aquisição da propriedade da fracção pela executada/embargante se consumou (ut art.º 88º, n.º 1, do CIRE).
III. Como tal, a credora hipotecária podia demandar a embargante/executada a partir do trânsito em julgado da sentença prolatada naquela acção de execução específica (ut art.º 81º, nº1 e nº2 “a contrario”, do CIRE), a partir de então se iniciando o prazo de prescrição a favor da embargante/executada (ut art.º 306º, nº1 do Cód. Civil).
IV. O “terceiro interessado” (no caso, a terceira adquirente do bem hipotecado) pode invocar a prescrição de dívida alheia, nos termos do art.º 305.º n.º 1 do C.C., não por via sub-rogatória ou mera substituição no exercício do direito do devedor, mas, por exercício de direito próprio – dado invocar um direito próprio à prescrição directamente ligado ao crédito prescrito e não um direito alheio.
V. Podendo, assim, sempre, o terceiro adquirente do prédio hipotecado invocar a extinção, por prescrição, da obrigação a que a hipoteca serve de garantia (ut cit. art.º 305º, nº1 do Cód. Civil), não tendo de se cingir à invocação da causa de “prescrição” da hipoteca prevista na al. b) do artº. 730.º do Cód. Civil.
AA veio, por apenso à Execução que contra ela foi intentada por «Propósito Óbvio, S. A», deduzir embargos de executado.
Pede: (a) que pela procedência dos embargos seja declarada a ilegitimidade activa da exequente; (a) caso assim não se entenda, que seja declarada a inexistência de título executivo, com a consequente extinção da execução; (b) caso ainda assim não se entenda, que seja declarado prescrito o crédito exequendo e, em consequência, a hipoteca que onera o prédio da executada; (c) caso assim não se entenda, que sejam declarados prescritos os juros vencidos há mais de cinco anos e caso assim não se entenda que sejam declarados não provados os factos vertidos no requerimento executivo.
Alegou, em suma, que a exequente alega no requerimento executivo que em 31/03/2021 a firma “Propósito Óbvio, S. A” celebrou contratos de cessão de créditos com a “H...IV, S.A.R.L.”, “H... 47, S.A.R.L., “H...III, S.A.R.L.” e “H...XXXIV, S.A.R.L.”, incluindo a cessão a transmissão de todos os direitos, garantias e acessórios inerentes ao crédito ora executado, o que faz com que na presente data a ora exequente seja a actual titular do crédito ora executado, sendo que nos presentes autos, tal como se consigna no requerimento executivo, é título executivo a escritura de mútuo com hipoteca aí junta, na qual tem a qualidade de mutuante (credor) o “Banco Popular Portugal, S. A”, dispondo o nº 1 do artigo 54º, do Código de Processo Civil que tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, a execução deve correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda devendo o exequente deduzir no próprio requerimento para a execução os factos constitutivos da sucessão, mas no caso vertente a exequente não deduziu no requerimento executivo os factos constitutivos da sucessão que terão, alegadamente, feito chegar à sua esfera jurídica o crédito exequendo, ficando, assim, por alegar e demonstrar os factos constitutivos da sucessão no crédito exequendo, sendo a exequente parte ilegítima, o que configura uma excepção dilatória e conduz à absolvição da embargante da instância, carecendo a exequente de título executivo dotado das necessárias condições de exequibilidade, porquanto o contrato de abertura de crédito não é, só por si, título executivo, já que os actos subsequentes à abertura de crédito e complementares deste é que titulam o direito de crédito do exequente, na medida do desembolso que este tenha efectuado, alegando a exequente que a sociedade mutuária faltou ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao mutuante, encontrando-se em incumprimento desde 12/05/2006, sendo aplicável o prazo de prescrição de 5 anos previsto na alínea e), do artigo 310º, do Código Civil, e o alegado direito de crédito exequendo podia e devia ter sido exercido a partir da do incumprimento (12/05/2006), pelo que já estava prescrito à data da instauração da execução em 02/05/2022, prescrição que expressamente se invoca, o que conduz à extinção da hipoteca que impende sobre o prédio da executada, com a consequente extinção da execução, incorporando a quantia exequenda juros vencidos sobre a alegada quantia mutuada, devendo declarar-se prescritos os juros vencidos há mais de 5 anos.
Contestou a Exequente/embargada, afirmando a existência de título executivo e que a dívida não se encontra prescrita1.
Foi proferido despacho saneador-sentença que julgou os embargos totalmente improcedentes e determinou o prosseguimento da execução.
A embargante recorreu desta decisão, vindo a Relação de Évora, em acórdão, a revogar a sentença recorrida, julgando procedentes os embargos deduzidos e extinta a execução apensa.
CONCLUSÕES
A. Nos autos em apreço, não sendo a Recorrida parte na relação contratual subjacente, vai a sua legitimidadeprocessual justificada pelo facto de se encontrar actualmente inscrito a seu favor o direito de propriedade sobre um bem imóvel previamente onerado com hipoteca voluntária para garantia do bom pagamento do capital, juros e despesas inscritos na respectiva apresentação, que correspondem ao crédito Exequendo.
B. No que concerne ao crédito em apreço, por força da declaração de insolvência do devedor principal e consequente reclamação de créditos, o prazo prescricional em curso desde 12.5.2007 foi interrompido no período temporal decorrido entre 25.5.2010 e 7.6.2019.
C. Por força da interrupção verificada e oponível, a 12.5.2022 (que corresponde à data autuação dos autos principais acrescida de cinco dias para citação) não se encontrava prescrito o crédito exequendo, sendo o mesmo exigível entre as partes contratantes.
D. Não se disputa que a Recorrida configure um terceiro com legítimo interesse nos termos do disposto no artigo 305º do Código Civil, e consequentemente, por direito próprio (i.e., independentemente da arguição da prescrição pelo devedor originário) possa invocar em seu benefício a prescrição da obrigação.
E. Não se concede contudo que, reconhecendo-se à Recorrida este direito próprio invocar a prescrição do crédito exequendo, beneficiando assim do prazo prescricional reduzido aplicável entre as partes contratantes nos termos do disposto na alínea e) do nº1 do artigo 310ºdo Código Civil, por oposição o regimeprevisto na alínea b) do artigo730º doCódigo Civil, seja o início deste prazo prescricional contabilizado de forma distinta daquela que é oponível entre as partes contratantes, desconsiderando parcialmente decurso de um facto interruptivo, como fez a Douto Acórdão recorrido.
F. Com a devida vénia pelo Douto Tribunal a quo, as conclusões alcançadas no Douto Acordão recorrido culminam numa solução aberrante, em que se considera o direito da Recorrente ao crédito prescrito quanto à Recorrida ao passo que, por força da interrupção verificada, se mantém legalmente exigível aos devedores contratantes.
G. Considera-se que à data de autuação dos autos principais o crédito exequendo não se encontrava prescrito quanto aos devedores contratantes, sendo-lhes o mesmo oponível e legalmente exigível,
H. Por consequência, o mesmo deverá também considerar-se não prescrito e oponível quanto à Recorrida, que não sendo parte contratante ou devedora, se limitou a adquirir a propriedade sobre o imóvel em discussão à revelia da Recorrente, com conhecimento de que sobre este impendia hipoteca prévia a favor do crédito exequendo, cujo cancelamento nunca curou promover.
I. Assim, não se vislumbra bondade na decisão recorrida, na medida em que subverte o espírito da norma ínsita ao artigo 305º do Código Civil ao considerar prescrito face à Recorrida uma dívida alheia, cujos crédito cujos critérios de prescrição não se encontravam preenchidos quanto aos devedores contratantes à data de autuação, tendo o Douto Tribunal a quo autonomizado de forma artificial o reinício de contagem do prazo prescricional por força de notificação à Recorrente de decisão em que vai reconhecida a aquisição do bem imóvel pela Recorrida.
J. Com a devida vénia, entende-se que, à apreciação da alegação de prescrição de obrigação alheia apresentada por terceiro interessado ao abrigo do disposto no artigo 305º do Código Civil, devem ser aplicados os exactos termos em que seria apreciada caso a alegação fosse feita pelos próprios obrigados uma vez que a Recorrente não responde pessoalmente pelo pagamento do crédito sub Júdice.
K. Existindo pretensão de aplicar prazo diversos à situação da Recorrida (que responde por enquanto titular inscrita de imóvel com hipoteca prévia registada a favor da Recorrente) que possam ser autonomamente considerados, entende-se que o legislador previu no artigo 730º do Código Civil as causas extintivas da hipoteca, sendo certo que à data de autuação nenhuma delas havia ocorrido, mormente, nãohaviam decorrido vinte anos sobre o registo de aquisição a favor da requerida, que constitui requisito cumulativo para aplicação da alínea b) do referido artigo.
L. Sem prejuízo do acima exposto, entende-se que o Douto Tribunal aquo realizou uma leitura e subsunção errónea da letra do contrato de mútuo com hipoteca subjacente ao crédito Exequendo, posto que, a contrário do concluído, este não prevê a amortização do capital mutuado em prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando capital e juros, mas antes o vencimento diferido destas obrigações.
M. Com efeito, dos termos contratados resulta que as partes convencionaram o pagamento do capital devido contra emissão de distrates, e verificando-se a condição de à data de vencimento da primeira de duas prestações trimestrais de juros existir capital por liquidar,a estas somavam o referido capital remanescente.
N. Resulta do documentado nos autos que a sociedade devedora foi declarada insolvente em momento prévio ao vencimento da primeira prestação de juros convencionada, pelo que nunca chegou a ser concretizada liquidação da sua composição.
O. Assim, entende-se que, no que concerne à obrigação de reembolso de capital, enquanto prestação autónoma, sempre seria aplicável o prazo prescricional supletivo de vinte anos,sendo o prazo quinquenal aplicável exclusivamente às prestações trimestrais de juros com datas de vencimento convencionadas.
P. Ainda, e sem prejuízo do já expendido, entendendo-se pela autonomizando-se situação da recorrida no que concerne ao início da contagem do prazo prescricional de obrigação alheia em função da data de sucessão desta na titularidade do imóvel dos autos por via de execução específica de contrato promessa de compra e venda, deverá essa autonomia estender-se também à natureza das obrigações a que esta sucedeu por força do referido registo de aquisição.
Q. Com efeito, a Recorrida não celebrou com o credor originário qualquer convenção de reembolso em prestação, seja em que periodicidade ou modalidade fosse.
R. A Recorrida simplemente adquiriu um imóvel, com o conhecimento (por força do registo do processado nos autos de insolvência nº 613/10.2.....) de que este respondia pelo pagamento a favor da Recorrente de um capital de € 500.000,00 (quinhentos mil euros), tendo um montante máximo assegurado de € 674.950,00 (seiscentos e setenta e quatro mil novecentos e cinquenta euros), nos termos da Hipoteca registada sob a Ap. 6 de 2006.05.05.
S. Achando-se o montante máximo crédito incidente sobre o imóvel em apreço suficiente delimitado pelo registo (e pela Lei), a Recorrida registou a sua aquisição consciente de que o bem iria ser chamado a responder pelo crédito exequendo, atenta a prévia declaração de insolvência da sociedade devedora.
T. Atenta a factualidade exposta, a finalidade dos autos (execução de garantia hipotecária) e a tutela que a lei concede à posição da titular inscrita, entende-se não se achar justificação para que lhe seja concedido Recorrida fundamento para, com autonomia face aos devedores, invocar em seu benefício um prazo prescricional reduzido, porquanto se tratade situações jurídicas distintas.
U. Ora, se por um lado os devedores contratantes poderão ser demandos pessoalmente,respondendo a totalidade do seu património pelo pagamento de capital e juros vencidos e vincendos até integral pagamento, já a recorrida intervém na qualidade de titular inscrita de um imóvel que adquiriu sabendo de antemão responder por um débito de capital € 500.000,00 (quinhentos mil euros), encontrando-se a responsabilidade máxima delimitada ab initio e não respondendo pessoalmente pelo crédito.
V. Sendo que em caso algum a “sua” responsabilidade ultrapassará o limite do valor obtido com a venda do imóvel onerado com garantia, que por sua vez vai delimitado a capital em dívida acrescido de três anos de juros, nos termos da lei e do registo predial.
W. Ante o exposto,e com a devida vénia porposição diversa, executando-se em concreto uma garantia hipotecária, entende-se que claudica a efeito e função preventiva da insolvênciado devedor subjacente ratio de aplicação de um prazo prescricional mais curto, não só porque a situação da Recorrida não sai agravada pela maior morosidade de atuação da Recorrente, mas também porque existe previsão legal expressa para a prescrição da garantia que consagra prazo o prazo ordinário de 20 (vinte) e porque a execução de garantia hipotecária, atentos os limites legalmente impostos, não é passível de acarretar a situação de insolvência do titular inscrito.
X. Assim, não tendo a Recorrida assumido perante a Recorrente qualquer obrigação de reembolso elencada no artigo 310º do Código Civil, não se vislumbra fundamento para que, sendo-lhe reconhecida à situação da Recorrida autonomia na contagem do prazo prescricional face aos devedores contratantes pelo facto de ter adquirido o imóvel onerado, não seja também aplicável à correspondente obrigação garantida por hipoteca um prazo de prescrição diverso, concretamente o prazo prescricional ordinário de vinte anos.
Termos em que, sem necessidade de maiores considerações e brevitatis causa, deverão improceder in totum as conclusões do Venerando Tribunal da Relação no que se refere à prescrição do crédito exequendo, com que fará, por conseguinte, a procedência do presente recurso, com as legais consequências.
Contra-alegou a recorrida, pugnando pela improcedência do recurso, com a manutenção o ac. recorrido.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Nada obsta à apreciação do mérito da revista.
Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).
III. 1. FACTOS PROVADOS
É a seguinte a matéria de facto provada (na 1ª instância, sem impugnação em recurso):
“1. A exequente «Propósito Óbvio, S. A» intentou em 02/05/2022 contra AA, a acção executiva que corre termos sob o nº 1350/22.0.8... no Juízo de Execução de ...-Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, indicando como valor da quantia exequenda 209.583,71 €;
2. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, denominado “Mútuo com Hipoteca”, no qual além do mais, consta “Mútuo com Hipoteca. No dia doze de Maio de dois mil e seis, no Cartório Notarial a cargo do Notário, Licenciado BB (…) perante mim, respectivo notário, compareceram como outorgantes: Primeiro: CC (…) que outorga como gerente e em representação de “T..., Lda” (…) Segundos. DD (…) EE (…) na qualidade de procuradores de “Banco Popular Portugal, S. A” (…) Disse o primeiro outorgante: - Que, a sua representada é dona das seguintes fracções autónomas: (…) – designada pela letra “C”, ou seja o rés-do-chão esquerdo, destinada a habitação com o lugar de parqueamento na cave com o número três (…) que fazem parte do prédio urbano, sito em ..., na freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número mil trezentos e vinte e seis da referida freguesia (…) inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..15; Disseram os outorgantes: - Que o Banco representado pelos segundos outorgantes, concedeu à sociedade representada do primeiro outorgante, para financiamento à construção, nas fracções relativas ao prédio atrás identificado, um empréstimo no montante de quinhentos mil euros, do qual desde já se confessa devedora, e por conta do qual recebeu neste acto a quantia de cento e cinquenta e nove mil setecentos e cinquenta euros. - Que a sociedade representada do primeiro outorgante, em garantia do empréstimo, bem como de juros, despesas judiciais e extrajudiciais que o Banco houver de fazer para se ressarcir do seu crédito (…) bem como o respectivo montante máximo de capital e acessórios, constitui hipoteca voluntária a favor do Banco Popular Portugal, S. A., sobre as fracções autónomas atrás identificadas e benfeitorias a realizar (…) Assim o disseram e outorgaram (…) Esta escritura foi lida aos outorgantes e aos mesmos explicado o seu conteúdo, em voz alta e na presença simultânea de todos (…)”;
3. A mutuária T..., Lda faltou ao pagamento das prestações contratadas encontrando-se em incumprimento desde 12/05/2006;
4. A fracção autónoma designada pela letra “C” do prédio urbano sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..26/19921207 e inscrito na matriz sob o artigo ..15, está inscrita/registada a favor da ora Embargante/executada, AA pela Ap. 34 de 2007/12/14 e pela Ap. .19 de 2012/06/04 e sobre a mesma incide uma hipoteca voluntária a favor da exequente “Propósito Óbvio, S. A” para garantia de empréstimo, sendo o montante máximo assegurado de 674.950,00 €, hipoteca essa registada/inscrita pela Ap. 6 de 2006/05/05, pela Ap. ..51 de 2010/98/09, pela Ap. ..89 de 2013/02/22 e pela Ap. ..28 de 2021/06/04;
5. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, denominado “Cessão de Créditos”, datado de 05/07/2010, mediante o qual o «Banco Popular Portugal, S. A» cedeu à sociedade «C..., S.A.», que lhos adquiriu, diversos créditos, entre os quais os créditos que detinha sobre a sociedade «T..., Lda», emergentes do contrato de mútuo com hipoteca celebrado em 12/05/2006;
6. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, denominado “Cessão de Créditos Hipotecários”, datado de 15/02/2013, mediante o qual a «C..., S.A.», cedeu à sociedade «H...IV, S.A.R.L.» que lhos adquiriu, diversos créditos, entre os quais os créditos que detinha sobre a sociedade «T..., Lda», emergentes do contrato de mútuo com hipoteca celebrado em 12/05/2006 e que lhe tinham sido cedidos pelo «Banco Popular Portugal, S. A»;
7. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, denominado “Cessão de Créditos”, datado de 30/05/2021, mediante o qual a sociedade «H...IV, S.A.R.L.» cedeu à sociedade «Propósito Óbvio, S. A», que lhos adquiriu, diversos créditos, entre os quais os créditos que detinha sobre a sociedade «T..., Lda», emergentes do contrato de mútuo com hipoteca celebrado em 12/05/2006, que lhe tinham sido cedidos pela sociedade «C..., S.A..»;
8. A sociedade «T..., Lda» foi declarada insolvente por sentença datada de 25/06/2010 proferida nos autos nº 613/10.2..... do ... Juízo do Tribunal do Comércio de ...;
9. Nos autos de insolvência da sociedade «T..., Lda», o “Banco Popular Portugal, S. A” reclamou créditos sobre a insolvente no montante de 665.871,98 €, emergentes do contrato de mútuo com hipoteca celebrado em 12/05/2006;
10. Os créditos reclamados pelo «Banco Popular Portugal, S. A» nos autos de insolvência da sociedade «T..., Lda» foram reconhecidos pelo senhor Administrador da Insolvência e posteriormente na sentença datada de 22 de Dezembro de 20152, proferida no apenso de reclamação de créditos (apenso C), na qual consta também que “por sentença de 6.12.2011 a “C..., S.A. A” foi habilitada a prosseguir nos autos do lugar do credor “Banco Popular Portugal, S. A”;
11. O processo de insolvência da sociedade «T..., Lda» foi encerrado em 07/08/2019 após a realização do rateio final.”.
12. A ora embargante adquiriu a fracção referida em 4. pela procedência de acção de execução específica por si movida contra T..., Lda, transitada em julgado em 11 de Julho de 2011 proferida pelo Tribunal de Vila Real de António (conforme certidão junta).
Como dito, em causa está, apenas, saber se a dívida exequenda se encontra prescrita.
A sentença considerou que não; a Relação, ao invés, entendeu que sim.
Em suma, entendeu a sentença ser aplicável o prazo de prescrição de cinco anos, previsto nas alíneas d) e e), do artº 310º, do Código Civil.
Nessa senda, e considerando que: i) a mutuária incumpriu o contrato em 12/05/2006, a partir dessa data se iniciando o prazo de prescrição de 5 anos, podendo o mutuante a partir de então exercer o seu direito; ii) por sentença datada de 25/06/2010 (proferida nos autos nº 613/10.2.....) foi declarada a insolvência da mutuária (a sociedade T..., Lda), fixando-se em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos, tendo, nesse prazo, o mutuante “Banco Popular Portugal, S. A” reclamado os seus créditos sobre a insolvente (no montante de 665.871,98 €), emergentes do contrato de mútuo com hipoteca celebrado em 12/05/2006 e apresentado nos autos como título executivo, créditos esses que foram reconhecidos desde logo pelo senhor Administrador da Insolvência e depois na sentença proferida no apenso de reclamação de créditos (Apenso C), datada de 22 de Dezembro de 2015; iii) com a apresentação da petição da reclamação de créditos nos autos de insolvência da mutuária por parte do mutuante “Banco Popular Portugal, S. A” em 2010 se interrompeu o prazo de prescrição que se iniciara em 12/05/2006 relativamente aos créditos emergentes do contrato de mútuo com hipoteca ora apesentado como título executivo (cfr. nº 1, do artigo 323º, do Código Civil); iv) que o novo prazo de prescrição de 5 anos se iniciou após o trânsito em julgado da decisão de encerramento do processo de insolvência da sociedade mutuária, após realização do rateio final, decisão essa proferida em 07/06/2019; v) que a exequente instaurou a execução contra a ora Embargante em 02/05/2022,
rematou que nessa data, ainda não tinha decorrido o (novo) prazo de prescrição de 5 anos, razão pela qual entende não se verifica a prescrição invocada pela Embargante, porquanto nem o capital, nem os juros reclamados pela exequente estão prescritos, e são exigíveis.
Já o Acórdão recorrido enveredou por outra via.
Sem menosprezar as doutas considerações tecidas na sentença, observou, porém, que ali se olvidou um facto assaz relevante: que a execução não foi instaurada contra a sociedade mutuária, mas, sim, contra a terceira adquirente do imóvel hipotecado (ut artº 54º, nº2 do CPC).
E assim foi, de facto, pois, se é certo que a executada aqui embargante é a actual proprietária da fracção autónoma que se mostra onerada com uma hipoteca registada a favor da ora exequente (Cfr. art. 54.º, n.º 2 do C.P.C), tal propriedade advém de ter adquirido tal fracção em acção de execução específica que moveu contra a mutuária T..., Lda, transitada em julgado em 11 de Julho de 2011, proferida pelo Tribunal de Vila Real de António.
Daí que a embargante tenha sido demandada na acção executiva apensa apenas por esse motivo, sendo por isso terceiro relativamente à relação jurídica donde primitivamente emerge o crédito exequendo estribado num contrato denominado “Mútuo com Hipoteca” celebrado em 12.5.2006 entre “T..., Lda”, como mutuária, e o “Banco Popular Portugal, S. A”, como mutuante.
A presente execução, em princípio, poderia ter tido lugar logo que a referida aquisição da propriedade da fracção pela executada/embargante se consumou (com a procedência de acção de execução específica), já que «a declaração de insolvência não obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência contra outros executados, os houver (art.º 88º, n.º 1, do CIRE).
Ademais, tal aquisição foi do conhecimento da antecessora da exequente que impugnou o crédito pela mesma adquirente reclamado nos autos de insolvência por incompatibilidade com essa aquisição, crédito esse que não foi admitido pelo Tribunal, como resulta da sentença proferida nesses autos e junta com o requerimento executivo.
Porém, da mesma sentença decorre que a fracção hipotecada estava até então integrada na massa insolvente.
Na verdade, aí se diz o seguinte: “Na sequência da execução específica, a fracção objecto desta (…) deixa de fazer parte da massa insolvente, não devendo, portanto, os créditos verificados ser graduados sobre o produto da sua venda “.
E, por isso, só a partir de então, i.e. com a prolação de tal sentença - que transitou em julgado em 25.1.2016 - podia a credora hipotecária demandar a ora executada pois até aí a fracção por ela adquirida estava compreendida na massa insolvente (cfr. art.º 81º, nº1 e nº2 “ a contrario” do CIRE).
E, por consequência, também só a partir de então o prazo de prescrição a favor da ora executada se iniciou (art.º 306º, nº1 do Cód. Civil).
Não há quaisquer dúvidas que a mesma, sendo terceira adquirente, podia invocar a seu favor a prescrição de tal obrigação.
Tal direito assiste-lhe face ao disposto no art.º 305.º n.º 1 do Cód. Civil no qual se estabelece que: “A prescrição é invocável pelos credores e por terceiros com legítimo interesse na sua declaração, ainda que o devedor a ela tenha renunciado”.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela3: “São terceiros interessados na declaração de prescrição, entre outros, os que constituíram uma garantia real ou pessoal”.
Por outro lado, os “terceiros interessados” não estão sujeitos aos limites estabelecidos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 305.º do Cód. Civil., não estando dependente da invocação da prescrição por aqueles, em caso de renúncia do devedor ao exercício desse direito, à verificação dos requisitos da impugnação pauliana, porquanto os “terceiros interessados” invocam um direito próprio à prescrição diretamente ligado ao crédito prescrito e não um direito alheio. Sendo que, desse regime também decorre explicitada a regra de que o caso julgado de decisão proferida em processo relativo à prescrição em que o terceiro interessado não é parte, nem é chamado a intervir, em caso algum o pode afectar.4.
Temos assim que o “terceiro interessado”, no caso a terceira adquirente do bem hipotecado, pode invocar a prescrição de dívida alheia, nos termos do art.º 305.º n.º 1 do C.C., não por via sub-rogatória ou mera substituição no exercício do direito do devedor, mas por exercício de direito próprio.
(…)
O terceiro adquirente do prédio hipotecado não tem de se cingir, como vimos, à invocação da causa de “prescrição” da hipoteca prevista na al. b) do artº. 730.º do Cód.Civil, pois poderá sempre invocar a extinção, por prescrição, da obrigação a que a hipoteca serve de garantia, como previsto no citado art.º 305º, nº1 do Cód. Civil.
E, como se viu, foi essa invocação que a mesma fez em sede de embargos deduzidos à execução que lhe foi movida em 7.5.2022, ou seja, volvidos mais de 5 anos sobre a data em que, como dissemos, se iniciou o prazo para a exequente a demandar nessa qualidade (25.1.2016).
Por conseguinte, quando a executada foi citada (facto interruptivo, cfr. art.º 323º, nº1 do Cód. Civil) há muito que a dívida exequenda estava prescrita por via do decurso do prazo contemplado na alínea e) do art.º 310º do Código Civil, o que lhe conferia a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito ( art.º326º, nº1 do Cód. Civil), faculdade essa que se reconhece que exerceu, com êxito.»5.
Efectivamente, esta fundamentação da decisão recorrida não nos merece reparo. Bem pelo contrário, razão pela qual nos dispensamos de adicionais considerações, sufragando in integrum tal argumentação/fundamentação, donde se concordar com a decisão ali firmada que julgou prescrita a dívida exequenda, com a consequente extinção da execução.
Não podemos olvidar – como resulta do documento complementar que rege as condições do “empréstimo”, junto à escritura pública de mútuo com hipoteca que vem apresentada como título executivo e que da mesma faz parte integrante – que o empréstimo seria concedido pelo prazo de 157 meses, reembolsável em prestações, nos moldes aí previstos, tendo ficado provado que “a mutuária T..., Lda faltou ao pagamento das prestações contratadas encontrando-se em incumprimento desde 12/05/2006 (ponto 3).
Não parece, assim, haver dúvida de que se aplica o prazo de prescrição previsto no artº 310º, als. d) e e) do CC, ou seja, de cinco (5) anos.
O que, note-se, vai de encontro ao disposto no AUJ n.º 6/2022 do STJ, ao decidir que no caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação e ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo código, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.
Dito isto, há que anotar que o facto de estar a correr processo de insolvência contra a mutuária/devedor (a T..., Lda), não impedia a mutuante, ora Recorrente de, estando em tempo, executar a terceira adquirente do imóvel hipotecado, a ora embargante (ut artº 54º, nº2 do CPC). Pois, com já referido, «a declaração de insolvência não obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência contra outros executados, se os houver (art.º 88º, n.º 1, do CIRE)” – mais ainda, quando é certo que a aquisição da propriedade da fracção pela ora embargante na acção de execução específica que moveu contra a mutuária T..., Lda, foi do conhecimento da antecessora da exequente que até impugnou o crédito pela mesma adquirente reclamado nos autos de insolvência por incompatibilidade com essa aquisição, crédito esse que não foi admitido pelo Tribunal, como resulta da sentença proferida nesses autos e junta com o requerimento executivo.
Daí, portanto, que – como bem observa o ac. recorrido – , em princípio, a execução podia ter lugar logo que aquela aquisição da propriedade da fracção se concretizou, com o trânsito da sentença nessa acção de execução específica instaurada pela embargante/executada, contra a mutuária.
Também entendemos que o terceiro adquirente do prédio hipotecado não tem de se cingir à invocação da causa de “prescrição” da hipoteca prevista na al. b) do artº. 730.º do Cód. Civil, pois pode sempre invocar a extinção, por prescrição, da obrigação a que a hipoteca serve de garantia, como estatuído no art.º 305º, nº1 do Cód. Civil.
E isso mesmo fez a embargante, nos autos executivos que lhe foram movidos em 07.05.2022 e a que os presentes embargos correm por apenso – execução essa, portanto, instaurada passados mais de cinco (5) anos sobre a data em que, como visto, se iniciou o prazo para a exequente a demandar nessa qualidade (25.1.2016 – data do trânsito da sentença de verificação e graduação de créditos na insolvência, que não admitiu o crédito ali reclamado pela adquirente (outra embargante), por incompatibilidade com a aquisição da propriedade que conseguira na sentença de execução específica). Com efeito, quando a executada foi citada (facto interruptivo, cfr. art.º 323º, nº1 do Cód. Civil) há muito que a dívida exequenda estava prescrita por via do decurso do prazo contemplado na alínea e) do art.º 310º do Código Civil.
Assim improcede a questão suscitada, claudicando as conclusões da alegação de revista.
Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, negar a revista, mantendo-se o decidido no Acórdão da Relação.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 03.07.2025
Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)
Maria da Graça Trigo (Juíza Conselheira 1º adjunto)
Orlando dos Santos Nascimento (Juiz Conselheiro 2º Adjunto)
_______
1. Alega que não se limitou a juntar com o requerimento executivo apenas o contrato de cessão de créditos e o título executivo, juntando também certidão de registo predial actualizada da qual consta o averbamento da transmissão do crédito garantido pela hipoteca executada nos presentes autos e tal averbamento não teria sido promovido pela Conservatória do Registo Predial, caso do contrato de créditos não constassem os créditos cedidos, quer o imóvel sobre o qual foi registada a hipoteca, não assistindo razão à Embargante quando invoca a inexistência de título executivo, já que o crédito ora executado foi reclamado no processo de insolvência da empresa devedora, no qual a Embargante também era parte e foi reconhecido na integralidade e a Embargante não impugnou a validade deste crédito, nem o seu valor, nem o seu reconhecimento pelo Administrador da Insolvência, o que poderia ter feito nos termos do artigo 129º e seguintes do CIRE, aceitando o crédito reclamado sem colocar qualquer objecção, não se verificando a prescrição invocada pela Embargante, já que resulta do artigo 100º do CIRE que a declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição, e a sociedade mutuária foi declarada insolvente no processo nº 613/10.2....., por sentença de 25/06/2010 e o crédito exequendo foi reclamado no processo de insolvência e foi reconhecido pelo Administrador da Insolvência, sendo o processo de insolvência encerrado em 07/06/2019, pelo que sempre foi inequívoca e manifesta a intenção dos titulares dos crédito em exercerem o seu direito, não só no processo de insolvência, bem como em acção executiva que promoveu contra os devedores do crédito que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro – ...– Juízo de Execução – Juiz ..., sob o nº 513/11.9..... e o prazo de prescrição relativamente à Embargante apenas se poderia começar a contar a partir do encerramento do processo de insolvência da mutuária principal, pelo que não se verifica a prescrição da dívida.↩︎
2. Que se mostra junta ao requerimento inicial e cujo teor se dá por reproduzido..
3. In“Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª Ed. Revista e Atualizada, pág. 277.