AÇÃO DE ANULAÇÃO
DECISÃO ARBITRAL
FALTA
FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
ERRO DE JULGAMENTO
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
CONTRATO DE EMPREITADA
VÍCIO DE CONSTRUÇÃO
Sumário


Uma decisão arbitral que seja deficientemente fundamentada, de facto ou de direito, é, ainda assim, uma decisão fundamentada, não podendo ser anulada por falta de fundamentação nos termos dos artigos 46.º, n.º 3, al. a), vi), e 42.º, n.º 3, da LAV.

Texto Integral



ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO

Recorrentes: Sacyr Somague, S.A., e Sacyr Construción, S.A.

Recorrida: Flamingo Tranquility, Investimentos Imobiliários, Lda.

1. Na acção de anulação parcial de decisão arbitral que Sacyr Somague, S.A., e Sacyr Construción, S.A., intentaram contra Flamingo Tranquility, Investimentos Imobiliários, Lda., nos termos do artigo 46.º da Lei de Arbitragem Voluntária (LAV), proferiu o Tribunal da Relação de Lisboa um Acórdão com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, julga-se improcedente o pedido de anulação da sentença arbitral com base nos fundamentos previstos no artº 46/3(a/vi) da LAV (falta de fundamentação)”.

2. Não se conformando, vieram Sacyr Somague, S.A., e Sacyr Construción, S.A., interpor recurso de revista deste Acórdão, formulando, a final, as seguintes conclusões:

A) Mediante a ação de anulação de decisão arbitral aqui em causa, as ora recorrentes peticionaram a nulidade parcial da dita decisão arbitral -especificamente das decisões condenatórias constantes das alíneas c) a h) do ponto 57., nº 1, da página 180 do acórdão arbitral- por ausência de fundamentação.

B) A referida ação de anulação foi julgada improcedente pelo acórdão ora recorrido.

C) A tese do acórdão recorrido para julgar improcedente a ação de anulação assentou na conceção de que só a “absoluta falta de fundamentação” é suscetível de originar a nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do artº 615º do CPC.

D) Para esta tese, basta, pois, que a decisão indique o ponto de facto em que se funda -por mais absurdo e contraditório que o mesmo seja, como, cristalinamente, sucede in casu- para que fique cumprido o dever de fundamentação.

E) Trata-se, assim, de uma tese que privilegia a forma relativamente à substância -isto é, que aceita uma fundamentação meramente formal- o que é suscetível de conduzir a resultados que, como sucede na situação dos autos, são objetivamente violadores do efetivo dever de fundamentação.

F) Os efeitos da orientação perfilhada pelo acórdão recorrido são, aliás, sempre idênticos: se é referido na decisão (mesmo que seja absurdo e contraditório) um qualquer meio de prova, nada é necessário explicitar, considera-se, sem mais, como cumprido o dever de fundamentação, e remete-se o tema para o campo do erro na apreciação da prova e da valoração da mesma.

G) Isso mesmo foi entendido pelo acórdão recorrido, como se depreende, designadamente, do seu sumário.

H) Sucede que, ao contrário do que referiu o acórdão recorrido, julga-se patente, como se procurará demonstrar infra, que o discurso fundamentador do acórdão arbitral foi incompreensível, obscuro e inacessível ao comum e mediano jurista.

I) Cumprindo ainda notar que a tese do acórdão recorrido contraria a mais recente jurisprudência, que não se basta com uma qualquer remissão para um determinado meio de prova, antes exigindo uma efetiva explicitação (e, consequente compreensão) do que motivou a decisão do Tribunal.

J) Veja-se, a propósito, o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, mediante o Acórdão de 09.02.2023, Proc. 3215/22.7YRLSB-2, disponível em www.dgsi.pt, por se entender que se trata de uma decisão absolutamente lapidar quanto à definição do dever de fundamentar, e por se reportar a um caso análogo ao agora em presença. (negrito e sublinhados nossos):

“VII - “O padrão a seguir na fundamentação [da sentença arbitral] é o da inteligibilidade da decisão, ou seja, que as partes tenham a possibilidade de conseguir compreender o leitmotiv em que se ancorou a decisão do tribunal arbitral. Consequentemente, haverá vício de fundamentação da sentença quando não seja possível, atendendo ao texto apresentado pelo tribunal, compreender o que motivou a decisão do tribunal.”

VIII - “Não se considera […] como preenchido o requisito da fundamentação da sentença quando exista uma motivação da sentença … na qual se não justifique, ou seja omissa sobre o que fundou a convicção dos árbitros sobre um facto estar ou não provado.”

IX – Não vale como fundamentação aquela que consiste na menção dos concretos meios de prova em que a convicção assentou, ou na pura remessa para eles … sem que o tribunal explique como é que formou a sua convicção com tais meios de prova.”

Ora, fundamentar a decisão da matéria de facto implica que o tribunal diga, em relação a todos os factos com relevo para a decisão de Direito, quais foram os meios de prova que o convenceram de que aqueles factos estavam provados e porquê.

A medida da fundamentação é aquela que for necessária para permitir o controlo da racionalidade da decisão pelas partes e por qualquer terceiro.

Através da fundamentação o tribunal deve mostrar as razões da sua convicção…”

A remessa, na fundamentação da decisão da matéria de facto, para um qualquer local que contenha um meio de prova, é a remessa para um meio de prova e, por isso, não tem valor se o tribunal não explicar como é que retirou desse meio de prova a sua convicção”.

K) Ora, no caso dos autos, julga-se inequívoco que o acórdão arbitral se limitou a mencionar os meios de prova em que a sua decisão assentou, ou a remeter para os mesmos, sem ter explicado como é que formou a sua convicção com tais meios de prova.

L) Mas vejamos as decisões condenatórias das recorrentes aqui em apreço:

Assim:

M) Na alínea d) do ponto 57, nº 1, da página 180 do acórdão arbitral, as demandadas foram condenadas a pagar à demandante a quantia de € 419.585,92, a título de “valor acrescido a despender com o novo contrato de empreitada”.

N) O acórdão entendeu dar como provada a referida quantia com base na perícia financeira elaborada nos autos (ou seja, neste ponto, contraditoriamente com a sua posição largamente maioritária, entendeu valorizar a perícia financeira).

O) Sucede que a perícia financeira expressamente classifica a quantia em causa como um “dano potencial não efetivo” (tendo mesmo sublinhado e posto a negrito as palavras “dano potencial”).

P) Ou seja, o único elemento de prova citado pelo Tribunal Arbitral como fundamentação que lhe permitiu dar como provada a condenação das demandadas a pagar os € 419.585,92 aqui em apreço consiste num relatório pericial, que nega o decidido, a esse propósito, pelo Tribunal (!).

Por outro lado,

Q) Nas alíneas e) e f) do ponto 57, nº 1 (retificado) da página 180 do acórdão arbitral as demandadas foram condenadas a pagar à demandante € 290.521,39 a título de “reparação dos defeitos e vícios da obra”.

R) Segundo o acórdão, tal quantia de € 290.521,39 corresponde às “reparações elencadas nos factos 386 a 391” – vd. pág. 178 do acórdão.

S) Ou seja, a dita quantia de € 290.521,39 corresponde à soma das parcelas constantes dos factos 386 (€ 21.380,60), 387 (€ 17.300,80), 388 (€ 13.656,10), 389 (€ 223.432,90) e 390 (€ 14.750,99).

T) Sucede que, esses factos (isto é, o suposto pagamento pela recorrida dos € 290.521,39, e respetivas quantias parcelares) foram dados como provados unicamente com base em documentos que são meros orçamentos (aliás, intitulam-se mesmo “resumo do orçamento”) pelo que, obviamente, não fazem prova dos pagamentos pela ora recorrida das quantias em causa.

U) Acresce que, a perícia financeira expressamente considerou como não provado o pagamento das ditas quantias!

V) Por outro lado, no que respeita à alínea g) do ponto 57., nº 1, da pág. 180 do acórdão, a ora recorrente Sacyr Somague foi condenada a pagar à Demandante a quantia de € 100.000,00” a título de “indevido prolongamento da obra”.

W) A referida quantia foi fixada nos termos do artº 566º, nº 3, do Código Civil, e teve por referência os “custos adicionais de € 256.312,29, derivados do prolongamento da obra”, indicados nos factos 397 (€ 35.152,65), 398 (€ 124.476,00), 399 (€ 5.768,40), 400 (€ 4.720,00), 401 (€ 12.101,52), 402 (€ 30.464,80) e 403 (€31.157,10).

X) Sucede que, o acórdão entendeu dar como provadas as ditas quantias indicadas nos factos 397 (€ 35.152,65), 400 (€ 4.720,00), 401 (€ 12.101,52), 402 (€ 30.464,80) e 403 (€31.157,10) unicamente com base no documento A-48, junto pela recorrida.

Y) Ora, a força probatória do citado documento A-48 foi impugnada pelas demandadas (vd. artºs 274º a 278º, e 296º, da sua contestação).

Z) Acresce que, a perícia financeira expressamente considerou como não provadas as quantias indicadas nos citados pontos 397 (€ 35.152,65), 400 (€ 4.720,00), 401 (€ 12.101,52), 402 (€ 30.464,80) e 403 (€ 31.157,10)!

AA) Por outro lado, as quantias indicadas nos pontos 398 (€ 124.476,00) e 399 (€ 5.768,40) foram dadas como provadas pelo acórdão arbitral com base na perícia financeira.

BB) Sucede que, contraditoriamente, a perícia financeira expressamente considerou as quantias em causa como não provadas!

CC) Por sua vez, na alínea g) do ponto 57. da pág. 180 do acórdão arbitral as demandadas foram ainda condenadas a pagar à ora recorrida a quantia de € 246.326,01, a título de “lucros cessantes”.

DD) O acórdão entendeu dar como provada a referida quantia unicamente com base no citado documento A-48, junto pela recorrida.

EE) Ora, como acima se notou, a força probatória do citado documento A-48 foi impugnada pelas demandadas (vd. artºs 274º a 278º, e 296º, da sua contestação).

FF) Acresce que, o relatório da perícia financeira, expressamente considerou como não provados os lucros cessantes, ou seja, o valor de € 246.326,01 aqui em causa!

Por fim,

GG) Mediante a alínea c) do ponto 57., nº 1, da página 180 do acórdão arbitral, as demandadas foram condenadas a pagar à Demandante a quantia de € 100.000,00, a título de “cláusula penal” – vd., e.

HH) Sucede que, os pontos de facto em que assentou tal decisão não se verificam.

Aqui chegados,

II) Como se julga resulta claro do exposto, o discurso fundamentador do acórdão arbitral foi incompreensível, obscuro e inacessível ao comum e mediano jurista.

JJ) Com efeito, de forma totalmente contraditória e incompreensível, tal acórdão deu como provados factos negados pela perícia financeira proferida por unanimidade, por três peritos, um indicado por cada parte, e o terceiro nomeado pelo Tribunal Arbitral (e fê-lo, para mais, simplesmente com base em documentos manifestamente inidóneos para o efeito).

LL) E, também de forma totalmente contraditória e incompreensível, considerou como provados factos com base na perícia financeira, quando, afinal, se verifica que essa perícia entende tais factos como não provados!

MM) Tudo isto sem que o acórdão arbitral tenha apresentado uma efetiva explicitação (e, possibilitado a consequente compreensão) do que motivou a sua (bizarra) decisão.

NN) Ao proceder de tal forma, julga-se inequívoco concluir que o acórdão arbitral impediu o controlo da racionalidade da sua decisão pelas partes e por qualquer terceiro.

OO) Ou seja, o acórdão arbitral não cumpriu o dever de fundamentação que a lei impõe.

PP) Notando-se ainda que uma interpretação do n.º 3 do artº 42º da LAV, e do ponto vi) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46º do mesmo diploma, que admita uma sentença não fundamentada, ou que admita que uma sentença se encontra fundamentada desde que dela constem alguns fundamentos, e que apenas a absoluta ausência de fundamentos seria reconduzível ao vício previsto naqueles artigos da LAV, é materialmente inconstitucional, por violação do dever de fundamentação previsto no artigo 205º da CRP.

QQ) No enquadramento exposto, ao entender que o dever de fundamentação foi cumprido pelo acórdão arbitral, julga-se, salvo o devido respeito, que o acórdão recorrido incorreu em ilegalidade, por violação, designadamente, dos artºs 205º da CRP, 615º, nº 1, al. b), do CPC, 42º, nº 3, e 46º, nº 3, al. vi), ambos da LAV, o que impõe a sua revogação”.

3. Respondeu a recorrida Flamingo Tranquility, Investimentos Imobiliários, Lda., nos termos conclusivos que se reproduzem:

1.ª O acórdão recorrido não enferma de qualquer invalidade ou erro de julgamento ao decidir pela improcedência do “pedido de anulação da sentença arbitral com base nos fundamentos previstos no artº 46/3(a/vi) da LAV (falta de fundamentação)” ao entender que “tudo o enunciado pelas requerentes não consubstancia a nulidade da sentença arbitral, mas sim, eventualmente, o erro de julgamento”;

2.ª Ao contrário do alegado pelas Recorrentes, a mais recente jurisprudência dos tribunais nacionais é clara quanto a este requisito: “a decisão com fundamentação escassa ou deficiente nunca será nula, apenas sendo causa de nulidade da decisão a falta total da mesma fundamentação” (vd. Ac. do TR de Lisboa de 07.11.2024, Proc. n.º 1692/24.0YRLSB-6 disponível em www.dgsi.pt);

3.ª Com efeito, a decisão pela condenação “das demandadas (…) a pagar à demandante a quantia de €419.585,92, a título de dano resultante do «valor acrescido a despender com o novo contrato de empreitada” encontra a sua fundamentação na perícia financeira, sendo facilmente apreensível o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal Arbitral que as ora Recorrentes agora procuram contestar (e nunca negar!) de modo a alcançar a reapreciação de várias questões de facto decididas em sentido contrário às respetivas pretensões.

4.ª A decisão pela condenação “das demandadas (…) a pagar à demandante a quantia de €290.521,39” a título de reparação dos defeitos de vícios de obra encontra a sua fundamentação nos Docs. A-42 a A-46, juntos com a Petição Inicial, sendo facilmente apreensível o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal Arbitral que as ora Recorrentes agora procuram contestar (e nunca negar!) de modo a alcançar a reapreciação de várias questões de facto decididas em sentido contrário às respetivas pretensões.

5.ª A decisão pela condenação da “Sacyr Somague (…) a pagar à Demandante a quantia de € 100.000,00” a título de “indevido prolongamento da obra”” encontra a sua fundamentação no Doc. A-48 junto com a Petição Inicial, com base no qual foi possível ao Tribunal Arbitral determinar os custos adicionais derivados do prolongamento da obra (no total de €256.312,29) e, consequentemente, fixar uma “équa (…) verba” a imputar às ora Recorrentes.

6.ª A decisão pela condenação “das demandadas (…) a pagar à ora recorrida a quantia de €246.326,01 a título de lucros cessantes” encontra a sua fundamentação no não impugnado Doc. A-48 junto com a Petição Inicial, devidamente valorado pelo Tribunal Arbitral com base no princípio da livre apreciação da prova.

7.ª A decisão pela condenação “das demandadas (…) a pagar à Demandante a quantia de €100.000,00, a título de “cláusula penal”” encontra a sua fundamentação nos factos provados n.º 58 e 59 do Acórdão Final, correspondentes à factualidade invocada nos artigos 387.º a 393.º da Petição Inicial da ora Recorrida e nunca impugnada pelas ora Recorrentes.

8.ª Mesmo que assim não se entenda, e tendo em conta que as Recorrentes pretendem a anulação da sentença arbitral apenas e tão-só quanto aos segmentos decisórios que condenaram a 1.ª Recorrente nos pedidos indemnizatórios formulados pela ora Recorrido, mantendo intactas as decisões quanto aos pedidos indemnizatórios a favor daquelas Recorrentes, resulta apodítico que os segmentos decisórios correspondentes às alienas c) a h) do n.º 1 da decisão são indissociáveis, pelo menos, das alíneas a) e b), esvaziando o respetivo efeito útil e que o fundamento invocado pelas Recorrentes na presente ação de anulação, previsto, de modo taxativo, no n.º 3 do artigo 46.º da LAV, sempre inquinaria a totalidade da decisão.

9.ª O douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa não enferma de qualquer invalidade ou erro de julgamento, estando somente em causa uma tentativa malograda e infundada das Recorrentes de obter uma revisão de mérito do Acórdão Arbitral, devidamente negada pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa”.

4. O Exmo. Desembargador proferiu despacho onde pode ler-se:

Determino a subida ao Supremo Tribunal de Justiça do recurso de revista interposto, uma que, sendo recorrível o acórdão proferido ( cf. artº 59º nº 8 da LAV e artº 671º do Código de Processo Civil), o mesmo é tempestivo e foi interposto por quem legitimidade para o interpor.

A subida é imediata, nos próprios autos (artº 675º do Código de Processo Civil) e com efeito meramente devolutivo ( artº 676º do C.P.C., à contrario).

Notifique recorrente e recorrido e, após, remeta os autos ao Supremo Tribunal de Justiça”.


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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a questão a decidir, in casu, é a de saber se a decisão arbitral deve ser parcialmente anulada, por ausência de fundamentação.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

Afirmou-se no Acórdão recorrido:

“Para a presente decisão além do referido, importa ter presente as decisões proferidas e constantes das certidões juntas aos autos, cujo teor se reproduz, sendo que relevante haverá que considerar especificamente que:

• No Centro de Arbitragem Comercial de Lisboa correu termos, sob o nº 1/2021/INS/ASB, um processo de arbitragem, em que foi demandante a aqui Requerida, Flamingo Tranquility, Investimentos Imobiliários, Lda., e demandadas as aqui requerentes., Sacyr Somague, S.A., e Sacyr Construción, S.A.

• Em tal processo foi proferido Acórdão final, a 2 de Abril de 2024, subscrito pelos árbitros Prof. Dr. Rui Soares Pereira, Prof. Dr. António Menezes Cordeiro (Pres.) e Dr. José Robin de Andrade, o qual contém 180 páginas, com declaração de voto vencido de onze páginas do último referido, no qual se decidiu:

1. Quanto à acção:

a) Reconhecer a validade da resolução do Contrato de Empreitada, pela carta de 8-out-2020;

b) Declarar indevida a manutenção da 1ª Demandada, no local, depois de solicitada a sua saída;

c) Condenar a 1ª Demandada a pagar €100.000,00, a título de cláusula penal, nos termos da cláusula 28ª/10 do Contrato de Empreitada, depois de operada a redução equitativa;

d) Condenar a 1ª Demandada a pagar a quantia de € 419.585,92, pelo valor acrescido a despender com o novo contrato de empreitada, para finalizar a obra;

e) e f) Condenar a 1ª Demandada a pagar a quantia de € 710.107,31, para reparação dos defeitos e vícios da obra;

g) Condenar a 1ª Demandada a pagar a quantia de € 100.000, pelo indevido prolongamento da obra;

h) Condenar a 1ª Demandada a pagar a quantia de € 246.326,01, a título de lucros cessantes.

2. Quanto à reconvenção:

a) Condenar a Demandante a pagar à 1ª Demandada €118.779,55, a título de trabalhos contratuais facturados;

b) Condenar a Demandante a pagar à 1ª Demandada €218.772,88, referentes a trabalhos a mais;

c) Condenar a Demandante a pagar à 1ª Demandada €164.391,48, relativos a trabalhos executados mas não medidos e não-especificados.

Operada a compensação contratualmente prevista, deve a 1ª Demandada à Demandante a quantia de (€1.576.019,24 - €501.943,91 =) €1.074.075,33. A 2ª Demandada, como garante, é solidariamente responsável por esta cifra.”.

• No Acórdão quanto à temática “Matéria de facto”, foi a mesma dividida em: VII Breve apontamento prévio; VIII Os factos Assentes; IX os Factos apurados (A) Pontos prévios; X Os factos Apurados (B) Aspectos técnicos; XI Os factos Apurados (C) Aspectos Financeiros”;

• No ponto IX relativo aos Factos apurados (A) Pontos prévios, faz-se um elenco das provas, para de seguida se ordenar a relevâncias da prova (II), mas previamente alude-se ao princípio da livre apreciação da prova, e ás regras da distribuição de prova ( III); De seguida no ponto 29 desse mesmo tema ( pág. 71 a 75) discorre-se sobre “A formação da convicção do Tribunal” ; Por fim conclui-se no ponto 30. Da seguinte forma:

“I. A orientação hoje dominante entende que as decisões arbitrais devem ser fundamentadas (Menezes Cordeiro, Tratado e Arbitragem, artº 42º, anot. 53-59 (pp. 401-402). De resto isto resulta do artigo 42º/3 da LAV, salvo se as partes o dispensarem.

II. No presente caso, a fundamentação dos factos apurados será feita por remissão para o meio de prova mais valorados pelo Tribunal e pelos dados que resultem desse meio de prova. Dada a extensão da matéria as justificações são apresentadas em moldes sintéticos, mas eficazes. Por vezes, os pontos a esclarecer forma apresentados conjuntamente com matérias jurídicas. Por razões de contenção, o Tribunal irá responder em conjunto.

III. Na sequencia, será seguida quanto aos aspectos técnicos, a ordenação seguida pelos peritos, ela própria retiradas dos articulados. No final, serão dadas respostas sintéticas, de acordo com a sequência fixada, por acordo das partes, na audiência preliminar”.

• As ora Requerentes, no dia 17/04/2024, requereram a rectificação de erros materiais, e o esclarecimento de obscuridades ou ambiguidades, relativamente ao acórdão proferido, as quais nos termos da decisão que incidiu sobre a rectificação se resumem da seguinte forma: “Os 5 pedidos de esclarecimentos das Demandadas dizem respeito:

- ao facto de ter sido dada “como provada a quantia de € 246.326,01 a título de lucros cessantes da Demandante “com base no documento A-48”;

- à decisão “de considerar, com base na perícia financeira (…) como provado o montante de € 419.585,92, a título de dano resultante do «valor acrescido a despender com o novo contrato de empreitada»;

- aos motivos pelos quais foi condenada a 1ª Demandada a pagar a “quantia de €100.000,00 a título de «indevido prolongamento da obra» indicados nos factos 397 a 403”;

- à falta de prova dos “«custos» indicados nos factos 386 a 391”;

- à razão pela qual o Tribunal “considerou o valor de € 289.000,00 para calcular a redução da cláusula penal”

• O pedido de esclarecimento de obscuridades não foi acolhido pelo Tribunal Arbitral – conforme resulta da pág. 198, concluindo que a “fundamentação e a decisão são claras. Nada há, pois a esclarecer (…) não estão em causa pedidos de esclarecimento, mas discordâncias em relação á decisão tomada pelo Tribunal(…). A invocação de obscuridades e ambiguidades da decisão também não pode ser usada pela Partes para colocar em crise o julgamento efectuado pelo Tribunal e os fundamentos de prova em que se apoiou. Importa recordar que não são admissíveis pedidos que visem contestar o conteúdo ou o fundamento da decisão, designadamente por as Partes considerarem um ou outro contrários ao Direito ou inconsistentes com os factos apurados ( vide Robin de Andrade, Lei da Arbitragem Voluntária Anotada , 6ª ed. 2023, artº 45º, anot. 2, p.188);

• Quanto ao pedido de rectificação de erros materiais, foi o mesmo deferido por decisão proferida a 22/05/2024, a qual passou a ser parte integrante da decisão, nos seguintes termos: “O lapso é evidente, podendo ser corrigido pelo Tribunal (artigos 49º, ex vi 295º, do Código Civil, 613º/2 e 614º/1 e 3 do CPC e 45º da AV –com elementos adicionais, vide Menezes Cordeiro, Tratado da Arbitragem, 2016, art. 45º, anots. 5 e 6, p. 421). Onde se lê € 710.107,31 leia-se € 290.521,39” mais se dizendo que “Essa correcção não afeta o juízo do Tribunal quanto aos demais aspectos”.

• Face a tal rectificação, a decisão ou dispositivo passou a ter a seguinte redacção:

“1. Quanto à acção:

a) Reconhecer a validade da resolução do Contrato de Empreitada, pela carta de 8-out-2020;

b) Declarar indevida a manutenção da 1ª Demandada, no local, depois de solicitada a sua saída;

c) Condenar a 1ª Demandada a pagar €100.000,00, a título de cláusula penal, nos termos da cláusula 28ª/10 do Contrato de Empreitada, depois de operada a redução equitativa;

d) Condenar a 1ª Demandada a pagar a quantia de € 419.585,92, pelo valor acrescido a despender com o novo contrato de empreitada, para finalizar a obra;

e) e f) Condenar a 1ª Demandada a pagar a quantia de € 290.521,39, para reparação dos defeitos e vícios da obra;

g) Condenar a 1ª Demandada a pagar a quantia de € 100.000, pelo indevido prolongamento da obra;

h) Condenar a 1ª Demandada a pagar a quantia de € 246.326,01, a título de lucros cessantes.

2. Quanto à reconvenção:

a) Condenar a Demandante a pagar à 1ª Demandada €118.779,55, a título de trabalhos contratuais facturados;

b) Condenar a Demandante a pagar à 1ª Demandada €218.772,88, referentes a trabalhos a mais;

c) Condenar a Demandante a pagar à 1ª Demandada €164.391,48, relativos a trabalhos executados mas não medidos e não-especificados.

Operada a compensação contratualmente prevista, deve a 1ª Demandada à Demandante a quantia de (€1.156.433,32 - €501.943,91 =) €654.489,41. A 2ª Demandada, como garante, é solidariamente responsável por esta cifra.”.

O DIREITO

A única questão a que cumpre responder no presente recurso é a de saber se a decisão arbitral proferida nos autos deve ser anulada por falta de fundamentação.

Dispõe-se no artigo 46.º da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), com a epígrafe “Pedido de anulação”:

“1 - Salvo se as partes tiverem acordado em sentido diferente, ao abrigo do n.º 4 do artigo 39.º, a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de pedido de anulação, nos termos do disposto no presente artigo.

2 - O pedido de anulação da sentença arbitral, que deve ser acompanhado de uma cópia certificada da mesma e, se estiver redigida em língua estrangeira, de uma tradução para português, é apresentado no tribunal estadual competente, observando-se as seguintes regras, sem prejuízo do disposto nos demais números do presente artigo:

a) A prova é oferecida com o requerimento;

b) É citada a parte requerida para se opor ao pedido e oferecer prova;

c) É admitido um articulado de resposta do requerente às eventuais excepções;

d) É em seguida produzida a prova a que houver lugar;

e) Segue-se a tramitação do recurso de apelação, com as necessárias adaptações;

f) A acção de anulação entra, para efeitos de distribuição, na 5.ª espécie.

3 - A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se:

a) A parte que faz o pedido demonstrar que:

i) Uma das partes da convenção de arbitragem estava afectada por uma incapacidade; ou que essa convenção não é válida nos termos da lei a que as partes a sujeitaram ou, na falta de qualquer indicação a este respeito, nos termos da presente lei; ou

ii) Houve no processo violação de alguns dos princípios fundamentais referidos no n.º 1 do artigo 30.º com influência decisiva na resolução do litígio; ou

iii) A sentença se pronunciou sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem ou contém decisões que ultrapassam o âmbito desta; ou

iv) A composição do tribunal arbitral ou o processo arbitral não foram conformes com a convenção das partes, a menos que esta convenção contrarie uma disposição da presente lei que as partes não possam derrogar ou, na falta de uma tal convenção, que não foram conformes com a presente lei e, em qualquer dos casos, que essa desconformidade teve influência decisiva na resolução do litígio; ou

v) O tribunal arbitral condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento ou deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar; ou

vi) A sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos n.ºs 1 e 3 do artigo 42.º; ou

vii) A sentença foi notificada às partes depois de decorrido o prazo máximo para o efeito fixado de acordo com ao artigo 43.º ; ou

b) O tribunal verificar que:

i) O objecto do litígio não é susceptível de ser decidido por arbitragem nos termos do direito português;

ii) O conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português.

4 - Se uma parte, sabendo que não foi respeitada uma das disposições da presente lei que as partes podem derrogar ou uma qualquer condição enunciada na convenção de arbitragem, prosseguir apesar disso a arbitragem sem deduzir oposição de imediato ou, se houver prazo para este efeito, nesse prazo, considera-se que renunciou ao direito de impugnar, com tal fundamento, a sentença arbitral.

5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o direito de requerer a anulação da sentença arbitral é irrenunciável.

6 - O pedido de anulação só pode ser apresentado no prazo de 60 dias a contar da data em que aparte que pretenda essa anulação recebeu a notificação da sentença ou, se tiver sido feito um requerimento no termos do artigo 45.º, a partir da data em que o tribunal arbitral tomou uma decisão sobre esse requerimento.

7 - Se a parte da sentença relativamente à qual se verifique existir qualquer dos fundamentos de anulação referidos no n.º 3 do presente artigo puder ser dissociada do resto da mesma, é unicamente anulada a parte da sentença atingida por esse fundamento de anulação.

8 - Quando lhe for pedido que anule uma sentença arbitral, o tribunal estadual competente pode, se o considerar adequado e a pedido de uma das partes, suspender o processo de anulação durante o período de tempo que determinar, em ordem a dar ao tribunal arbitral a possibilidade de retomar o processo arbitral ou de tomar qualquer outra medida que o tribunal arbitral julgue susceptível de eliminar os fundamentos da anulação

.9 - O tribunal estadual que anule a sentença arbitral não pode conhecer do mérito da questão ou questões por aquela decididas, devendo tais questões, se alguma das partes o pretender, ser submetidas a outro tribunal arbitral para serem por este decididas.

10 - Salvo se as partes tiverem acordado de modo diferente, com a anulação da sentença a convenção de arbitragem volta a produzir efeitos relativamente ao objecto do litígio”.

A recorrente invoca – e alega demonstrar – que se verifica o fundamento de anulação previsto no artigo 46.º, n.º 3, al. a), vi), da LAV, ou seja, mais precisamente, que a decisão foi proferida com violação do disposto no artigo 42.º, n.º 3, da LAV.

Dispõe-se neste último preceito:

A sentença deve ser fundamentada, salvo se as partes tiverem dispensado tal exigência ou se trate de sentença proferida com base em acordo das partes, nos termos do artigo 41.º”.

A recorrente alega, numa palavra, que a decisão deve ser anulada por falta de fundamentação.

O Tribunal recorrido decidiu em sentido contrário. Com uma clara e desenvolvida fundamentação, pode ler-se no Acórdão recorrido na parte relevante:

como se refere no acórdão de 15/5/2019 do Supremo Tribunal de Justiça (relatado por Ribeiro Cardoso e disponível em www.dgsi.pt), “para que se verifique a nulidade de falta de fundamentação prescrita no art. 615, nº 1, al, b), do CPC, não basta que a justificação seja deficiente, incompleta ou não convincente. É preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.

Também Miguel Teixeira de Sousa (Estudos sobre o Processo Civil, pág. 221) ensina que “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais”. E mais ensina que “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (…) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (…); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”.

Idêntica posição assume Lebre de Freitas (in Código de Processo Civil, pág. 297) ao aludir que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”.

Donde, a decisão com fundamentação escassa ou deficiente não é nula, só sendo causa de nulidade da decisão a falta total da mesma fundamentação. A propósito da densificação de tal comando, importa trazer à colação o acórdão desta Relação e secção, de 5/12/2019, (relatado por Ana de Azeredo Coelho e disponível em www.dgsi.pt) que indica que “à falta absoluta assimila-se a fundamentação que não permita descortinar as razões de decidir”. Tal como aí se refere, em citação do acórdão 147/2000 de 21 de Março do Tribunal Constitucional (relatado por Artur Maurício e disponível em www.tribunalconstitucional.pt), “o que a fundamentação visa (…) é assegurar a ponderação do juízo decisório e permitir às partes (…) o perfeito conhecimento das razões de facto e de direito por que foi tomada uma decisão e não outra, em ordem a facultar-lhes a opção reactiva (impugnatória ou não) adequada à defesa dos seus direitos”.

Afirma-se ainda no acórdão de 7/12/2021, deste Tribunal da Relação de Lisboa (relatado por Ana Rodrigues da Silva e disponível em www.dgsi.pt) que “quando exista uma ausência da fundamentação de facto, por falta de especificação de factos provados e não provados, bem como por omissão de qualquer apreciação crítica da prova produzida, e sua subsunção ao direito aplicado, impedindo, assim, a sua sindicância, estamos perante uma situação de falta de fundamentação, o que determina a nulidade da sentença recorrida, nos termos e para os efeitos do artº 615º, nº 1, al. b) do CPC”.

Com efeito, o vício da falta de fundamentação, pela sua própria essência, afecta o equilíbrio de todas as decisões constantes de uma sentença, ensombrando a sua validade e o merecimento de tudo quanto na mesma se considera (cfr. Ac. do TRL de 12/04/2018, proc. 417/17.1YRLSB-8), constituindo tal dever uma exigência constitucional, tal como defendem as requerentes e decorre do artigo 205.º da CRP, porquanto constitui uma proteção contra o arbítrio de quem decide e uma garantia da realização da Justiça.

O que releva é que o tribunal consiga explicar às partes porque decidiu em determinado sentido, enunciado, de forma perfeitamente inteligível e apreensível pelos destinatários, os fundamentos factuais e normativos da decisão, e tornando perceptível o iter lógico jurídico seguido na resolução do litígio (cfr. ac. do STJ de 16/03/2017, Proc. 1052/14.1TBBCL.P1.S1, seguido por acórdão do STJ de 17/04/2018, Proc. 484/16.5YRLSB.L1.S1).

Tais princípios não deixam de se aplicar às decisões proferidas pelo Tribunal Arbitral, porém, não há que olvidar que ao contrário do que acontece com as decisões proferidas pelos Tribunais arbitrais, está arredado a este Tribunal apreciar do eventual desacerto na apreciação das provas e tudo o que subjaz à impugnação factual. Logo, apenas sobeja a possibilidade de a decisão arbitral ser anulada se o seu discurso fundamentador for inexistente, incompreensível, obscuro ou inacessível ao comum e mediano jurista.

Por outro lado, importa referir que em nada releva o alegado pela requerida ao aludir na resposta que a arguição da nulidade, ou da inconstitucionalidade subjacente, que a mesma tenha sido impossibilitada pelas Partes aquando da celebração do Contrato de Empreitada, através do qual estas acordaram estabelecer o “carácter definitivo e obrigatório” de qualquer decisão arbitral, recusando a possibilidade do respectivo recurso (convocando o Doc. A-2 junto com a Petição Inicial, junto como Doc. 1 na resposta). Pois, dispõe o artº 46º nº 5 da LAV, que o direito de requerer a anulação da sentença arbitral é irrenunciável. Com efeito, é necessário distinguir, no que diz respeito às sentenças arbitrais, entre a recorribilidade e impugnabilidade: se, por força do art. 39.º/4 da LAV, não há recurso para o tribunal estadual competente, salvo quando as partes, em relação às sentenças arbitrais proferidas segundo o direito constituído, dispuserem diferentemente na convenção ou em acordo posterior a ela, outro tanto não acontece quanto à possibilidade de impugnação, mesmo das sentenças ex aequo et bono, faculdade esta, de impugnação, de que as partes não podem sequer renunciar (salvo no caso do art. 46.º/4da LAV), sob pena de nulidade da renúncia (cfr. art. 46.º/5 da LAV).

Arredado que está tal fundamento invocado pelas requeridas, haverá que apreciar a anulação e os motivos que nos termos alegados pelas requerentes agasalham tal vicio. Contudo, entendemos que face ao Acórdão arbitral proferido não se verifica qualquer ausência de fundamentação consubstanciadora do vício apontado pelas requerentes.

Em primeiro lugar, ao contrário do que ocorria na decisão objecto do recurso no Acórdão desta Relação a que os requerentes fazem apelo, não ocorre ausência de fundamentação neste caso, pois não subscrevemos tal decisão quando conclui que será motivo de nulidade quando o Tribunal a par de indicar os elementos de prova a que recorreu relativamente a cada facto objecto de tema da prova, não deu a conhecer em absoluto as razões da valoração que efectuou em concreto ou indicar, para cada facto, os fundamentos que no seu entendimento justificam a credibilidade que reconheceu e peso probatório que conferiu a cada elemento de prova. Pois ainda que possa ser assacada alguma deficiência na indicação da justificação da credibilidade de cada prova, não é a contrariedade dessa análise que pode determinar a nulidade da decisão, nem aliás consistia tal o caso apreciado no Acórdão desta Relação de 9/02/2023.

Em segundo lugar, como refere Menezes Cordeiro, na esteira da doutrina e jurisprudência nacionais, “os fundamentos indicados para a anulação de decisões arbitrais (…) são taxativos” (vd. Tratado da Arbitragem – Comentário à Lei 63/2011, de 14 de Dezembro, p. 439; Cf. Manuel Pereira Barrocas, Lei de Arbitragem Comentada, p. 171; Armindo Ribeiro Menes, Dário Moura Vicente, José Miguel Júdice, José Robin de Andrade, Pedro Metello de Nápoles e Pedro Siza Vieira, Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, p. 124; Rui Ferreira, Anulação da decisão Arbitral. Taxatividade dos fundamentos de anulação, in Mariana França Gouveia e João Pinto Ferreira, Análise de jurisprudência sobre arbitragens, pp. 201 a 230). Pelo que perante tal taxatividade haverá que considerar o seu âmbito e alcance.

Tal como alude Paula Costa e Silva uma sentença é “provida de fundamentos sempre que seja possível compreender a motivação do árbitro. Assim, mesmo que a motivação seja deficiente, medíocre ou errada, estaremos perante uma sentença motivada, devendo as deficiências da sua fundamentação, que não geram nulidade, ser arguidas em via de recurso. Só a falta absoluta de motivação implicará uma nulidade da sentença arbitral, invocável através da ação de anulação. Sempre que a motivação seja deficiente e não havendo lugar a anulação, deve essa deficiência ser suprida através de recurso interposto contra a sentença arbitral” (in “Anulação e Recursos da Decisão Arbitral”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 52, pp. 938 a 939).

Também Menezes Cordeiro ( in ob. cit. pág. 441-442) “devem ser equiparadas à falta de fundamentação as justificações fantasiosas, desconexas ou em contradição com a decisão”.

Com efeito, neste caso, na resposta à matéria de facto constante da Sentença Arbitral, o Tribunal Arbitral clarifica a metodologia adoptada, sendo que sob a temática “Matéria de facto”, foi a mesma dividida em: VII Breve apontamento prévio; VIII Os factos Assentes; IX os Factos apurados (A) Pontos prévios; X Os factos Apurados (B) Aspectos técnicos; XI Os factos Apurados (C) Aspectos Financeiros”.

Assim, no ponto IX relativo aos Factos apurados (A) Pontos prévios, faz-se um elenco das provas, para de seguida se ordenar a relevâncias da prova (II), mas previamente alude-se ao princípio da livre apreciação da prova, e ás regras da distribuição de prova ( III); De seguida no ponto 29 desse mesmo tema ( pág. 71 a 75) discorre-se sobre “A formação da convicção do Tribunal” ; Por fim conclui-se no ponto 30. Da seguinte forma:

“I. A orientação hoje dominante entende que as decisões arbitrais devem ser fundamentadas (Menezes Cordeiro, Tratado e Arbitragem, artº 42º, anot. 53-59 (pp. 401-402). De resto isto resulta do artigo 42º/3 da LAV, salvo se as partes o dispensarem.

II. No presente caso, a fundamentação dos factos apurados será feita por remissão para o meio de prova mais valorados pelo Tribunal e pelos dados que resultem desse meio de prova. Dada a extensão da matéria as justificações são apresentadas em moldes sintéticos, mas eficazes. Por vezes, os pontos a esclarecer forma apresentados conjuntamente com matérias jurídicas. Por razões de contenção, o Tribunal irá responder em conjunto.

III. Na sequencia, será seguida quanto aos aspectos técnicos, a ordenação seguida pelos peritos, ela própria retiradas dos articulados. No final, serão dadas respostas sintéticas, de acordo com a sequência fixada, por acordo das partes, na audiência preliminar”.

A par de tal metodologia, em cada facto enuncia-se a prova correspondente.

Releva ainda para a presente decisão que as ora Requerentes, no dia 17/04/2024, requereram a rectificação de erros materiais, e o esclarecimento do que intitulam “de obscuridades ou ambiguidades”, relativamente ao acórdão proferido, as quais nos termos da decisão que incidiu sobre a rectificação se resumem da seguinte forma: “Os 5 pedidos de esclarecimentos das Demandadas dizem respeito:

- ao facto de ter sido dada “como provada a quantia de € 246.326,01 a título de lucros cessantes da Demandante “com base no documento A-48”;

- à decisão “de considerar, com base na perícia financeira (…) como provado o montante de € 419.585,92, a título de dano resultante do «valor acrescido a despender com o novo contrato de empreitada»;

- aos motivos pelos quais foi condenada a 1ª Demandada a pagar a “quantia de €100.000,00 a título de «indevido prolongamento da obra» indicados nos factos 397 a 403;

- à falta de prova dos “«custos» indicados nos factos 386 a 391”;

- à razão pela qual o Tribunal “considerou o valor de € 289.000,00 para calcular a redução da cláusula penal”.

Da análise de tal pedido resulta evidente a transposição das mesmas questões para a presente acção de anulação, decorrendo que o que se pretende que seja aferido é a insusceptibilidade de tal meio de prova determinar a prova de um determinado facto. Pois percorrendo todas as conclusões das requerentes a discordância das mesmas decorre da análise da prova, esta sim no entender das mesmas não permite dar como provados os factos que impugnam, dizendo que tais meios de prova não são aptos a considerar provados tais factos.

Deste modo, tudo se situa no eventual erro na apreciação da prova e da valoração da mesma na indicação dos factos, o que seria motivo de recurso, em tese, mas não há que olvidar que estamos perante uma ação de anulação de sentença arbitral, prevista no art.46.º da LAV (Lei da Arbitragem Voluntária aprovada pela Lei nº 63/2011, de 14 de dezembro).

Ora, a tal já responderam os elementos do júri do Tribunal Arbitral, que no indeferimento do pedido de esclarecimento expõem o seguinte: a “fundamentação e a decisão são claras. Nada há, pois a esclarecer (…) não estão em causa pedidos de esclarecimento, mas discordâncias em relação á decisão tomada pelo Tribunal (…). A invocação de obscuridades e ambiguidades da decisão também não pode ser usada pela Partes para colocar em crise o julgamento efectuado pelo Tribunal e os fundamentos de prova em que se apoiou. Importa recordar que não são admissíveis pedidos que visem contestar o conteúdo ou o fundamento da decisão, designadamente por as Partes considerarem um ou outro contrários ao Direito ou inconsistentes com os factos apurados ( vide Robin de Andrade, Lei da Arbitragem Voluntária Anotada , 6ª ed. 2023, artº 45º, anot. 2, p.188).

De tudo o exposto resulta que tudo o enunciado pelas requerentes não consubstancia a nulidade da sentença arbitral, mas sim, eventualmente, o erro de julgamento.

Seguindo de perto o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 22/02/2024, proferido no proc. nº 111/23.4YRPRT.S1( in www.dgsi.pt, mas igualmente referenciado por Miguel Teixeira de Sousa, in blog do IPPC), numa situação similar quanto aos fundamentos se sumaria que: “I - Na impugnação duma sentença arbitral, “apenas” se podem invocar/discutir os vícios do percurso, do processo arbitral, que levou os árbitros até à sentença, assim como, atento o disposto nas subalíneas v) e vi) da alínea a) do art. 46.º/3, se podem invocar os vícios da condenação por excesso ou defeito e a falta de fundamentação.

II – Pelo que, sendo taxativos os fundamentos da impugnação de uma sentença arbitral, como claramente resulta do corpo do art. 46.º/3 da LAV, não pode “aproveitar-se” a instauração de tal impugnação para invocar outros e diversos fundamentos, designadamente fundamentos respeitantes ao “mérito” da sentença arbitral.

III – Dizendo-se na sentença arbitral que se irá acompanhar, na decisão da matéria de facto, o relatório pericial, mas transpondo-se incorretamente, por vários vícios de raciocínio, o que resulta do relatório pericial para o que factualmente foi sendo decidido pela sentença arbitral, ocorre um erro no julgamento de facto por parte da sentença arbitral: estamos perante uma sentença arbitral que está “errada” (e não perante uma sentença arbitral não fundamentada), “erro” este que, tendo a ver com o “mérito”, não pode sequer ser corrigido numa impugnação de sentença arbitral.

IV – Uma sentença arbitral mal fundamentada ou erradamente fundamentada, seja de facto ou de direito, não padece das nulidades/vícios referidos nas alíneas v) e vi) do art. 46.º/3/a) da LAV.”.

Outrossim, tal como na acção de anulação em apreciação em tal aresto, haverá que no caso considerar que “os poderes de conhecimento e decisão do Tribunal Estadual, na ação de impugnação da sentença arbitral, restringem-se, repete-se, aos fundamentos elencados no art. 46.º/3 da LAV, nada mais lhe sendo permitido conhecer/decidir a propósito da sentença arbitral, nomeadamente reexaminar todo o processo, corrigir os erros e preencher as omissões de facto ou de direito de que a sentença arbitral padeça e passar a proferir uma sentença de mérito sã sobre a causa (sentença que as partes, insiste-se sempre, convencionaram não ser susceptível de recurso para os Tribunais Estaduais, o mesmo é dizer, que as partes convencionaram não ficar sujeita à apreciação de mérito pelos Tribunais Estaduais).

Aliás, continuando a dizer a mesma coisa por diferente modo, não será despiciendo chamar a atenção para o já referido art. 46.º/9 da LAV, em que se diz expressamente que “o tribunal estadual que anule a sentença arbitral não pode conhecer do mérito da questão ou questões por aquela decidas, devendo tais questões, se alguma das partes o pretender, ser submetida a outro tribunal arbitral para serem por este decididas”, isto é, que situa a impugnação da sentença arbitral no campo da mera revisão e não no domínio do reexame da causa/pedido, o que faz com que seja a própria sentença estadual anulatória, caso se pronuncie sobre o mérito da sentença arbitral, a incorrer em nulidade (por se pronunciar sobre questão de que não pode conhecer – art. 615.º/1/d)/2.ª parte do CPC). (…) E este Supremo (como antes a Relação) não pode, como já se referiu, decidir/corrigir – se o fizesse, estaria a incorrer na nulidade do art. 615.º/1/d)/2.ª parte do CPC – um erro no julgamento da matéria de facto cometido pela sentença arbitral, porém, para melhor explicarmos ao A./recorrente o motivo por que a presente impugnação estava ab initio condenada ao fracasso, ousamos “no limite de tal nulidade” afirmar que a sentença arbitral se equivocou em vários dos raciocínios que fez para estabelecer a liquidação da participação do S. C e Salgueiros no resultado líquido do contrato de consórcio e para, depois, estabelecer o crédito do S. C. e Salgueiros; e podemos fazê-lo por ser a própria sentença arbitral a dizer, por várias vezes, que seguiu, na decisão de facto, o relatório subscrito pelo perito presidente (e pelo perito do S. C e Salgueiros) e tão só o fazemos com o objetivo, repete-se, de melhor explicar, ao justificar tal afirmação, que o que o recorrente invoca é um erro do julgamento de facto da sentença arbitral (e sendo um erro do julgamento de facto não configura vícios de condenação por excesso ou por defeito e/ou vício de falta de fundamentação).” ( sublinhado nosso).

Também nesta apreciação e tendo por base o alegado pelas requerentes nesta acção, nomeadamente pela alegada interpretação errada do relatório da perícia financeira, na análise de um determinado documento que indica como sendo um “mero orçamento”, ou até o eventual erro na apreciação da matéria de facto valorada na “decisão cautelar”, o que está em causa poderá consistir num erro in judicando da sentença arbitral. Mas tal erro que só poderá/ia ser corrigido em sede de recurso que pudesse decidir sobre o “mérito”, recurso esse que, como acima se referiu, as partes afastaram (estabeleceram que aceitariam e não discutiriam nos Tribunais Estaduais o “mérito” de uma sentença arbitral que dirimisse um qualquer litígio emergente da execução do contrato de empreitada).

Assim, se uma sentença – seja arbitral ou estadual – decide mal os factos e/ou se equivoca em raciocínios que faz a partir de factos, não estamos perante uma sentença não fundamentada de facto e/ou de direito, estamos, isso sim, perante uma sentença que está “errada” (e não perante uma nulidade de sentença).

Revisitando o último Acórdão do STJ supra aludido, cuja posição tem plena aplicação nos presentes autos “uma sentença arbitral mal fundamentada ou erradamente fundamentada não padece de “nulidade de sentença” ou dos vícios referidos nas alíneas v) e vi) do art. 46.º/3/a) da LAV, na medida em que os seus erros de julgamento e os seus vícios de raciocínio não podem ser processualmente configurados como falta de fundamentação e/ou como violação do princípio do pedido por excesso ou defeito de pronúncia; sem que tal entendimento/interpretação sobre o conceito processual de “nulidades de sentença” e dos vícios referidos nas alíneas v) e vi) do art. 46.º/3/a) da LAV viole os incisos constitucionais respeitantes à fundamentação das decisões arbitrais proferidas no termo dum processo leal e fair, em que as partes exerceram, de forma efectiva, os seus direitos, podendo invocar todos os que entendiam assistir-lhe e contraditando todos os exercidos pela parte contrária.”.

Daqui decorre a improcedência manifesta do pedido de anulação formulado pelas requerentes quanto à decisão arbitral proferida e em análise nestes autos”.

Dados os já assinalados clareza e desenvolvimento desta fundamentação, pouco é o que se pode acrescentar para demonstrar o acerto da decisão recorrida.

A recorrente pede a anulação da decisão arbitral por falta de fundamentação, ao abrigo do que decorre da leitura conjugada dos artigos 46.º, n.º 3, al. a), vi), e 42.º, n.º 3, da LAV.

Como afirma Paula Costa e Silva, a propósito, justamente, de decisões arbitrais, a fundamentação é necessária, essencialmente, para afastar a arbitrariedade do processo arbitral e conferir inteligibilidade à decisão1.

É consensual na doutrina2 e na jurisprudência – desde logo, na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça3 – que o vício de falta de fundamentação, previsto no artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, apenas ocorre quando a decisão é absolutamente desprovida de fundamentação, isto é, quando não existe de todo em todo fundamentação.

Ora, a decisão arbitral, podendo ser considerada escassamente fundamentada, contém, pelo menos, alguma fundamentação.

Como resulta dos factos provados pelo Tribunal recorrido, o dispositivo da decisão arbitral foi o seguinte:

1. Quanto à acção:

a) Reconhecer a validade da resolução do Contrato de Empreitada, pela carta de 8-out-2020;

b) Declarar indevida a manutenção da 1ª Demandada, no local, depois de solicitada a sua saída;

c) Condenar a 1ª Demandada a pagar €100.000,00, a título de cláusula penal, nos termos da cláusula 28ª/10 do Contrato de Empreitada, depois de operada a redução equitativa;

d) Condenar a 1ª Demandada a pagar a quantia de € 419.585,92, pelo valor acrescido a despender com o novo contrato de empreitada, para finalizar a obra;

e) e f) Condenar a 1ª Demandada a pagar a quantia de € 290.521,39, para reparação dos defeitos e vícios da obra;

g) Condenar a 1ª Demandada a pagar a quantia de € 100.000, pelo indevido prolongamento da obra;

h) Condenar a 1ª Demandada a pagar a quantia de € 246.326,01, a título de lucros cessantes.

2. Quanto à reconvenção:

a) Condenar a Demandante a pagar à 1ª Demandada €118.779,55, a título de trabalhos contratuais facturados;

b) Condenar a Demandante a pagar à 1ª Demandada €218.772,88, referentes a trabalhos a mais;

c) Condenar a Demandante a pagar à 1ª Demandada €164.391,48, relativos a trabalhos executados mas não medidos e não-especificados.

Operada a compensação contratualmente prevista, deve a 1ª Demandada à Demandante a quantia de (€1.156.433,32 - €501.943,91 =) €654.489,41. A 2ª Demandada, como garante, é solidariamente responsável por esta cifra”.

A recorrente alega que há falta de fundamentação quanto ao decidido nas als. c) a h) (aqui sublinhadas).

Ora, como a recorrente reconhece, em certa medida, a cada uma das decisões corresponde (alguma) fundamentação.

Desde logo, no ponto 30. do Acórdão arbitral, o Tribunal começou por advertir, a título de “Fundamentação e sequência”:

I A orientação hoje dominante entende que as decisões arbitrais devem ser fundamentadas [Menezes Cordeiro, Tratado da Arbitragem, art. 42º, anot. 53-59 (pp, 401 -402)]. De resto, isso resulta do artigo 52º/3 da LAV. salvo se as partes o dispensarem.

II. No presente caso, a fundamentação dos factos apurados será feita por remissão para o meio de prova mais valorado pelo Tribunal e pelos dados que resultem desse meio de prova. Dada a extensão da matéria, as justificações são apresentadas em moldes sintéticos, mas eficazes. Por vezes, os pontos a esclarecer foram apresentados conjuntamente com matérias jurídicas. Por razões de contenção, o Tribunal irá responder em conjunto”.

Tecem-se, depois, ao longo das numerosas páginas, considerações sobre os pontos relevantes para a decisão, podendo encontrar-se, portanto, na decisão arbitral, complementado com a decisão de Rectificação e Esclarecimentos ao Acórdão Final (proferida na sequência de requerimento das demandadas), as razões que permitiram ao Tribunal formar a sua convicção, ou seja, a exigível fundamentação.

A decisão de “[c]ondenar a 1ª Demandada a pagar €100.000,00, a título de cláusula penal” [al. c)] encontra-se fundamentada no ponto 54. V. do Acórdão arbitral, explicando-se aí:

Ficou apurado que a 1.ª Demandada não desocupou o local após a resolução e no prazo finado pela Demandante - até 15 de outubro de 2020 (e só em maio de 2021 retirou a segurança - facto 58),
violando, também neste ponto, o Contrato. Não há que computar danos uma vez que as Partes fixaram»
aqui, a cláusula penal de € 1.000,00 por dia de atraso, de acordo com o nº 10 da cláusula 28ª do
Contrato de Empreitada (facto 16). Feitas as contas, o total acumulado atingiria, segundo a Demandante, os € 289 000.00. A cláusula penal Aqui prevista é uma autentica pena contratual e não uma Schadensersatzpauschalierung ou cômputo antecipado de uma indemnização (ai se refere “sem prejuízo do direito do Dono da Obra exigir uma indemnização pelo dano excedente"). Essa constatação sobre a natureza da cláusula penal dificulta a redução equitativa (artigo 812° do Código Civil), a qual pode ser sempre decidida ex officio. pelo Tribunal, c sem que as Partes a possam atestar, tendo em vista essencialmente a correção de abusos do exercício da liberdade contratual (STJ 27-Set. 2011 (Nuno Cameira), Proc. 81/1
99B.C1.Sl) e não aproximar a pena dos danos reais Mas não tendo ficado demonstrado, de acordo com a sentença da providência cautelar intentada pela Demandante, que tenha existido total impedimento à atuação da Demandante ou danos complementares, ocorrendo justificações objetivas para alguma manutenção da 1ª Demandada no local, o Tribunal considera justa uma redução da pena contratual para € 100.000,00”.

A decisão de “[c]ondenar a 1ª Demandada a pagar a quantia de € 419.585,92, pelo valor acrescido a despender com o novo contrato de empreitada, para finalizar a obra [al. d)] encontra fundamentação na perícia financeira.

A decisão de “[c]ondenar a 1ª Demandada a pagar a quantia de € 290.521,39, para reparação dos defeitos e vícios da obra [als. e) e f)] refere-se a uma quantia encontrada com base nos documentos A-42 a A-46 e que veio a ser rectificada, nos termos que se expõem no ponto II. 3. da decisão de Rectificação e Esclarecimentos ao Acórdão Final:

I. O douto requerimento das: Demandadas afirma ter ocorrido erro de calculo no valor a pagar pela 1ª Demandada para reparação dos defeitos e vícios da obra. nos termos das alíneas e) e f) do nº 1 do ponto 57 do Acórdão Final (p 180). Tendo o Acórdão Final condenado na alínea d) do nº l do mesmo ponto 57 a 1ª Demandada a pagar a quantia de € 419,585,92 pelo valor acrescido a despender com o novo contraio de empreitada, para finalizar a obra, então o valor aplicável para
reparação dos defeitos e vícios da obra seria de € 290.521,39 e não de € 710.107,31, que corresponde ao somatório da quantia de € 419.585,92 com o valor de € 290.521,39.

II. Impõe-se a correção pretendida pelas Demandadas, tendo cm conta que a condenação relativa ao segmento decisório das alíneas e)e f) do n.u 1 do ponto 57 (p, 180) diz respeito ao valor das
reparações dos defeitos e vícios elencados nos factos 386 a 391 e não ao somatório do valor das reparações com o valor equivalente ao sobrecusto adveniente da contratação da N....
para concluir a empreitada, referido no facto 384. O lapso é evidente, podendo ser corrigido pelo
Tribunal (artigos 249º. ex vi 295º. do Código Civil. 613º/2 e 614º/1 e 3 do CPC e 45º da LAV -
com elementos adicionais, vide Menezes Cordeiro, Tratado da arbitragem, 2016, art. 45°. anots.
5 e 6, p. 421). Onde se lê € 710 107,31 leia-se € 290 521,39. Esta correção não afeia o juízo do Tribunal quanto aos demais aspetos
”.

A decisão de “[c]ondenar a 1ª Demandada a pagar a quantia de € 100.000, pelo indevido prolongamento da obra” [al. g)] encontra fundamentação, designadamente, no ponto 54. III. do Acórdão arbitral, onde pode ler-se:

A Demandante invocou custos adicionais de €256.312,29, derivados do prolongamento da obra - factos 397 a 403, com síntese no facto 404. Todavia, o Tribunal entende que parte deste valor tem a ver com a empreitada da N.... devendo ler sido repercutido no custo desta, já imputado à 1ª Demandada. Fazendo uso do disposto no artigo 566º/3 do Código Civil, o Tribunal considera équa a verba de € 100.000,00, pelos custos aqui em causa”.

Por fim, a decisão de “[c]ondenar a 1ª Demandada a pagar a quantia de € 246.326,01, a título de lucros cessantes” [al. h)] encontra fundamentação, no essencial, no documento A-48.

Esta fundamentação (e outra que é possível encontrar em passagens do Acórdão arbitral) não equivale – não pode, naturalmente, equivaler – a falta de fundamentação, à falta de fundamentação de que se fala nas disposições relevantes (já mencionadas) da LAV. Numa palavra: é possível compreender a decisão / cada uma das decisões em que ela se decompõe.

Para reforçar esta conclusão, veja-se o que disse num caso próximo (em que também era pedida com o mesmo fundamento a anulação de uma decisão arbitral) o Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão de 22.02.2024 (Proc. 111/23.4YRPRT.S1):

Segundo a alínea b) do art. 615.º/1 do CPC, constitui causa de nulidade da sentença a falta de fundamentação, porém, quando se fala, a tal propósito, em “falta de fundamentação”, está-se a aludir à falta absoluta e não às situações em que a fundamentação é deficiente, incompleta ou não convincente.

Segundo a alínea d) do art. 615.º/1 do CPC, constitui causa de nulidade da sentença o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, porém, quando se fala, a tal propósito, em “omissão de conhecimento” ou de “conhecimento indevido”, está-se a aludir e remeter para as questões a resolver a que alude o art. 608.º do CPC.

Explicado o sentido de tais causas de nulidade de sentença (que correspondem na LAV aos invocados vícios, constantes das alíneas vi) e v) do art. 46.º/3/a)), é de todo evidente que não se verificam tais vícios quer na sentença arbitral quer no acórdão recorrido.

E o que muito sinteticamente acabamos de referir sobre o recorte conceitual das “nulidades de sentença” invocadas é dito na doutrina jurídico-processual, há muitas décadas, de forma pacífica e uniforme: desde Alberto dos Reis2 e Antunes Varela3 aos autores mais recentes, como é o caso do Juiz-Conselheiro Ferreira de Almeida que sobre o assunto diz4:

“ (…)

b) Falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (falta de fundamentação – art. 615.º/1/b)).

Traduz-se este vício na falta de motivação da sentença, ou seja, na falta de externação dos fundamentos de facto e de direito que os n.º 3 e 4 do art. 607.º impõem ao julgador. Só integra este vício, nos termos da doutrina e da jurisprudência correntes, a falta absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação simplesmente escassa, deficiente, medíocre ou mesmo errada; esta última pode afetar a consistência doutrinal da sentença, sujeitando-a a ser revogada ou alterada pelo tribunal superior, não gerando contudo nulidade.

(…)

Quanto à fundamentação de direito, não tem também o juiz que analisar um por um todos os argumentos ou razões invocadas pelas partes, ainda que tenha de dar resposta (resolução) às questões por elas invocadas; não se lhe impõe, por outro lado, que indique, uma por uma, as disposições legais em que se baseia a decisão, bastando que faça alusão às regras e princípios gerais em que a ancora”.

Pode acontecer – concede-se, em abstracto – um erro de julgamento. A ser este o caso, estaríamos perante uma sentença arbitral “errada” (e não perante uma sentença arbitral não fundamentada), “erro” este que, tendo a ver com o mérito da causa, não poderia ser corrigido nesta impugnação de sentença arbitral.

Aquilo que, todavia, parece ocorrer é a simples discordância da recorrente com a convicção formada e a decisão proferida pelo Tribunal arbitral. Mas essa é uma questão que tão-pouco é possível considerar nesta sede, “destinando-se o recurso, apenas e estritamente, a apurar da verificação ou inverificação dos específicos fundamentos de anulação da sentença arbitral, invocados pelo autor”, como bem se recorda no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 27.09.2018 (Proc. 776/17.6YRLSB.S1)4.

Em síntese, tudo concorre para a mesma conclusão: uma decisão escassamente fundamentada ou mesmo erradamente fundamentada, seja de facto ou de direito, não é uma decisão não fundamentada para o efeito da anulação prevista nos artigos 42.º, n.º 3, al. a), vi), e 42.º, n.º 3, da LAV.

Improcedem, assim, as alegações da recorrente, não se encontrando motivo para alterar o Acórdão recorrido, que julgou (bem) improcedente o pedido de anulação da decisão arbitral.


*


III. DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.


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Custas pela recorrente.

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Lisboa, 3 de Julho de 2025

Catarina Serra (relatora)

Carlos Portela

Emídio Santos

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1. Cfr. Paula Costa e Silva, “Anulação e recursos da decisão arbitral”, Revista da Ordem dos Advogados, 1992, volume III, p. 938.

2. Cfr., por todos, Paula Costa e Silva, “Anulação e recursos da decisão arbitral”, cit., pp. 938-939.

3. Cfr., por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.03.2002 (Proc. 02B537), em cujo sumário pode ler-se: “Só uma ausência absoluta de fundamentação, que não uma fundamentação escassa, deficiente, ou mesmo medíocre, pode ser geradora da nulidade das decisões judiciais”.

4. São usadas, por sua vez, as palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.11.2016 (Proc. nº1052/14.1TBBCL.P1.S1).