LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
NULIDADE DE ACÓRDÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ALTERAÇÃO DOS FACTOS
PODERES DA RELAÇÃO
DUPLA CONFORME
EXCESSO DE PRONÚNCIA
OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
VIOLAÇÃO DE LEI
MATÉRIA DE FACTO
MANDATO
IMPUGNAÇÃO
LIQUIDAÇÃO
MAIS-VALIA
PERDA DE CHANCE
Sumário


Não é possível apreciar a nulidade do Acórdão recorrido ou a violação do artigo 662.º do CPC quando não são alegados vícios atendíveis para este efeito e a motivação para o recurso de revista se alicerça na discordância quanto ao sentido da decisão proferida e ao desejo de obter a sua reapreciação.

Texto Integral


ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO

Recorrentes: AA e BB

Recorridos: CC e XL Insurance Company SE

1. Na presente acção declarativa foi proferida sentença com o seguinte teor final:

Na parcial procedência da acção que AA e BB instauraram contra CC e XL Insurance Company, SE, decide-se:

- condenar a ré XL Insurance Company, SE a pagar aos autores a indemnização de 150.000,00€ (cento e cinquenta mil euros), acrescida de juros vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado;

- condenar a ré CC a pagar aos autores a indemnização de 50.000,00€ (cinquenta mil euros), acrescida de juros vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado”.

2. Tendo apelado tanto os autores como os réus, proferiu o Tribunal da Relação um Acórdão com o seguinte dispositivo:

Por todo o exposto, acordam os juízes desta 6.ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em :

a)- julgar a apelação dos Autores parcialmente procedente e, em consequência, altera-se a sentença recorrida nos seguintes termos:

a.1)- Condena-se a 2.ª Ré a pagar aos Autores a quantia de € 150 000 (cento e cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

a.2)- Condena-se a 1.ª Ré a pagar aos Autores a quantia de € 254 160, 67 (duzentos e cinquenta e quatro mil cento e sessenta e sete euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a citação e vincendos até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado;

a.3) - Condena-se a 1.ª Ré CC, como litigante de má fé numa multa de sete Unidades de Conta e, nos termos do disposto no art. 543.º do CPC, numa indemnização a liquidar pela 1.ª instância, após cumprimento do n.º 3 do referido artigo.

a.4) No mais, se mantendo a sentença recorrida.

b) – julgam-se improcedentes, por não provadas, as apelações interpostas pelas Rés CC e XL Insurance Company SE

3. A ré CC interpôs recurso de revista, em que conclui assim:

A)- Foi requerido em sede de apelação que o tribunal modificasse as respostas à matéria de facto nos pontos 3.1.12 e 3.1.13, na parte em que se dá como assente que, (1)-Em 2/11/2006 foi dado conhecimento a Ré da “notificação da AT” e lhe foi enviada a documentação recebida pela mãe dos autores; (2) – A mãe dos autores contratou a Ré em final de 2006 para impugnar a liquidação das mais-valias;

B)- Trata-se de matéria conclusiva e obscura porquanto na data acima referida em (1) consta de fs. 1349 e 1350 que a documentação em causa se tratava apenas da afixação de uma notificação com hora certa. Consta igualmente nos autos por declarações dos ora AA, que nada disseram sobre o assunto à mãe, doente, até final do ano para a não preocupar. É pois materialmente impossível que a mãe dos AA tivesse encarregado a Ré, ainda que e só verbalmente, para tratar de um assunto que desconhecia.

C)- Acresce que, sendo o mandato forense um negócio formal dependente de prova escrita, estando comprovado nos autos que a mãe dos AA conferiu procuração forense à Recorrente apenas em 14 de Fevereiro de 2007, nunca poderia ter “contratado” esta para impugnar a liquidação das mais-valias em final de 2006, mais a mais desconhecendo a mandante ao tempo a existência dessa liquidação.

D)- O STJ pode corrigir qualquer "erro na apreciação das provas ou na fixação dos factos materiais da causa" se houver ofensa pelo tribunal recorrido de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 682º, nº 2, e 674º, nº 3, do Código de Processo Civil; Ao não ter reparado a obscuridade das respostas da 1ª instância à matéria em questão, bem como por ter dado como formado um contrato cuja celebração exige a forma escrita, violou o Venerando Tribunal da Relação os seus deveres constantes do disposto no art. 662º do CPC, devendo a decisão ser nesse segmento declarada nula com todas as legais consequências.

E)- Não tendo o tribunal “a quo” dado como provado que o prazo da impugnação judicial da liquidação terminava em Abril de 2007, competia apurar, (1) Se os actos praticados pela AT no período entre Novembro e Dezembro de 2006 eram susceptíveis de sustar o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação; (2) Se a actividade profissional da Ré no processo de impugnação foi causal de o tribunal tributário não ter dado como provado que a mãe dos AA desconhecia sem culpa aqueles actos;

F)- Na PI da impugnação que consta dos autos, junta aqui para melhor consulta como doc. 1, consta que a ora Ré questiona a validade dos actos praticados pela AT e invoca a circunstância de a contribuinte ter estado fora de casa e impedida de receber notificações no período de Novembro e Dezembro de 2006, por motivos de saúde. Mais alegou a Ré noutro segmento da PI que não havia no caso lugar à liquidação de IRS mais-valias;

G)- Ora, da matéria dada como provada pelo douto Ac. TCA Sul no recurso sobre a decisão em 1ª instância, junto aos autos e cuja cópia parcial foi junta aqui como doc. 2, para mais fácil consulta, consta em matéria de facto assente que o aqui A BB declarou em depoimento que, (X) recolheu a correspondência e os avisos da caixa de correio da mãe a partir da última quinzena de Dezembro de 2006, que (Y) a correspondência não foi aberta e que existiam avisos fora de prazo, que (Z) não leu as notas afixadas na porta da residência, tendo entregue os mesmos à advogada “contratada” (aspas nossas) da mãe.

H)- Tais invocações não constavam da contestação da AT, junta aos autos e oferecida aqui como doc. 3, para melhor consulta, na qual apenas foi sinteticamente invocado que a contribuinte não dera cumprimento ao disposto no art. 19º nº 2 da LGT, sobre a alteração de morada, tendo sido portanto o depoimento do aqui A. BB, que necessariamente instruído pela ilustre advogada que o patrocinava na ocasião, levou à audiência os factos referidos em G)-, não invocados pelas partes na PI e Contestação, os quais, apesar de irrelevantes para a questão como já se alegou, formaram no tribunal tributário a convicção de que a impugnante tinha tido conhecimento das notificações.

I)- Pelo que a caducidade do direito à impugnação declarada na acção que correu termos sob o nº 2533/07.9... junto da ... Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa não resultou do exercício do mandato forense da Recorrente, nomeadamente por haver intentado a impugnação em Setembro de 2007, mas do comportamento do aqui A BB na audiência e do exercício do mandato forense por parte da advogada que ao tempo patrocinava a mãe deste, ao deixar levar aos autos, por sua iniciativa, a existência de contactos entre este e a ora Ré, alegando que a mesma estava “contratada” pela contribuinte para o efeito.

J)- Todas as doutas considerações nestes autos da sentença de 1ª instância e do Acórdão recorrido constituem excesso de pronúncia e são proferidas em contradição com o facto não provado de que o prazo de impugnação cessara em 22 de Abril de 2007, pois dão como assente que a impugnação da liquidação foi extemporânea e declaram irrelevante que a Ré tenha cessado o seu mandato em 9 de Junho de 2008 (facto 3.1.22).

K)- Igualmente não valorizam as consequências para o insucesso da pretensão do depoimento prestado pelo aqui A BB na audiência de julgamento da instância fiscal, sobre matéria não invocada pela Ré em sede de articulados, tida como assente em X, Y e Z (ver doc. 2) e pela qual o tribunal formou a convicção que a mãe dos AA havia tido conhecimento das notificações antes de 31 de Dezembro de 2006 e contratado a ora Ré para as impugnar, o que é contraditado pelas declarações de parte dos AA neste processo;

L)- Ora, na PI da impugnação, invoca-se que a aí A só teve conhecimento cabal dos factos quando da certidão de fls. 1467 e seguintes, emitida em Junho de 2007 e contesta-se a validade da citação edital promovida pela AT por não estarem reunidas as condições legais para o recurso a essa modalidade de citação, alegações essas que estariam em causa caso a ora Ré se socorresse do prazo cautelar de Abril de 2007, pelo que improcede o argumento do douto acórdão recorrido pelo qual a circunstância de a Ré não haver “acautelado o prazo” tenha sido causal da improcedência da impugnação por intempestiva.

M)- Sem transigir e avançando ainda mais, as instâncias, num exercício de juízo de prognose póstuma, dão igualmente como comprovada a probabilidade séria do vencimento do argumento de que a venda ajuizada não era susceptível de tributação em IRS mais-valias, sustentadas no conceito jurídico vertido na descrição no registo predial do prédio e ignorando a definição economicista que do mesmo consta no art. 2º do Código do IMI. Igualmente não valorizaram os argumentos expendidos em contestação da AT (ver doc. 3 arts. 27º e seguintes) no sentido de que para efeitos fiscais a venda do prédio em questão era passível de tributação em IRS mais-valias.

N)- Assim, à luz destes argumentos, e sendo consabido que os tribunais tributários se baseiam sempre na definição fiscal de prédio, a probabilidade de a impugnação ter vencimento, sem se perder, decresceria obrigatoriamente, reduzindo-se a um valor que, em termos de “perda de chance”, nunca seria liquidável por um montante superior a € 100.000,00, dentro ainda do limite da responsabilidade da seguradora também Ré.

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

O)- Os comportamentos imputados à recorrente sobre este segmento, restringem-se ao incidente de intervenção de terceiro da Dra. DD, para estar neste processo em igualdade de posição da ora Ré, pessoa a quem esta substabeleceu sem reserva os poderes que lhe foram conferidos pela Eng. EE para impugnar a liquidação adicional do seu IRS de 2002, sendo que essa matéria foi julgada definitivamente no Apenso A, pro decisão transitada em julgado;

P)- Assim, estava vedado ao douto tribunal recorrido apreciar o comportamento da Ré nesse incidente, por se haver esgotado o poder jurisdicional (art. 613º nº 1 do CPC), pelo que a decisão é, quanto a esse segmento, nula e de nenhum efeito. Ainda que assim não fosse,

Q)- Encadeada porventura pelo arrazoado dos AA sobre a questão, ateve-se a decisão à circunstância de, em Contestação destes autos, a ora Ré haver mencionado que fora a Chamada quem subscrevera uma peça processual e que, mesmo após os AA terem juntado aos autos o “doc. 13 em 28-11-2018” persistira na afirmação de que fora a dita Dra. DD quem subscrevera o dito documento,

R)- Trata-se, com o devido respeito, de uma confusão grosseira entre o pedido de intervenção da Dra. DD para a vincular ao caso julgado destes autos, que se mantinha válida, e a não verificação de uma circunstância que antes havia sido invocada por desconhecimento e que não correspondia à verdade.

S)- Naquele recurso para o STJ do Apenso A, que acabou por não ser admitido, apenas se invocou o direito da aqui Ré chamar aos autos, para efeitos de direito de regresso, a advogada a quem substabelecera sem reserva os poderes forenses conferidos pela Eng. EE, sendo irrelevante o destino posterior que a Dra. DD havia dado ao mandato recebido: nunca reafirmando que a mesma tivesse subscrito uma peça processual que a Ré bem sabia na ocasião e só na ocasião que não tinha sucedido.

T)- Pelo que, por se haver esgotado o poder jurisdicional no incidente e, depois, porque a ora Ré nunca teimou em atribuir dolosamente à Dra. DD a autoria de uma peça processual que esta não subscrevera, deve igualmente ser revogado neste segmento o douto acórdão recorrido”.

4. Os autores contra-alegaram em termos conclusivos que é possível considerar desproporcionadamente extensos [em alegações ordenadas alfabeticamente até dddd)] ou, em qualquer caso, em termos conclusivos demasiado extensos para serem reproduzidos aqui. Pugnam, em suma, pela improcedência do recurso.

5. O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu novo Acórdão em que, em Conferência, os Exmos. Juízes Desembargadores decidiram julgar improcedentes as nulidades invocadas nas alegações de recurso.

6. Depois, a Exma. Desembargadora Relatora proferiu um despacho em que pode ler-se:

Por requerimento de 06-01-2025 veio a Ré/Recorrente CC interpor recurso de revista do Acórdão proferido no âmbito dos presentes autos.

Atenta a legitimidade da mesma para recorrer, a tempestividade do recurso apresentado e mostrando-se o mesmo acompanhado acompanhado das respectivas alegações e conclusões, admite-se o recurso interposto.

O recurso é de revista e sobe imediatamente, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo – arts. 629º, nº1, 631º, 638º, 671º, nºs 1 e 3, a contrario, 674º, nºs 1, a) e 2, 675º e 676º, nº1, a contrario, todos do Cód. Proc. Civil.

Subam os autos ao Supremo Tribunal de Justiça”.


*


Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir, in casu, são as de saber se:

1.ª) o Acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia ou contradição entre os fundamentos e a decisão;

2.ª) o Tribunal a quo incorreu em violação dos seus poderes-deveres previstos no artigo 662.º do CPC; e

3.ª) a decisão de condenação da recorrente em litigância de má fé deve ser mantida.


*


II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido (tal como vêm referidos no Acórdão):

3.1.1. No dia ... de ... de 2009, EE, faleceu na freguesia de ... e concelho de .... a)

3.1.2. Em escritura pública outorgada no 02 de Dezembro de 2009, a que foi dado o título de “Habilitação de Herdeiros”, o autor BB declarou que era o cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de EE e que não tendo a mesma deixado testamento nem outra disposição de última vontade, lhe sucederam como únicos herdeiros os seus filhos, sendo eles o referido autor e a co-autora AA. b)

3.1.3. A Ordem dos Advogados, enquanto tomadora, subscreveu um seguro de grupo de responsabilidade civil profissional com a ré XL Insurance Company SE, enquanto seguradora, através do qual todos os advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, estão abrangidos pelo seguro, obrigando-se a seguradora perante o tomador do seguro a cobrir os riscos inerentes ao exercício da actividade de advocacia. c)

3.1.4. Correu termos na 1ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o nº 2533/07.9..., o processo de impugnação da liquidação adicional de IRS, relativa ao ano de 2002, proposto por EE (em cuja posição foram habilitados os autores desta acção). d)

3.1.5. Essa impugnação teve por objecto a liquidação adicional do imposto levada a cabo pela Direcção Geral de Impostos na sequência da qual a mãe dos autores foi notificada para proceder ao pagamento da quantia de 461.916,59 €, respeitante a um rendimento da categoria G do IRS, notificação que entregou à ré CC, para que esta procedesse à impugnação das mais valias pela venda, além de outro, do imóvel identificado como prédio misto situado na Rua da ..., ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..24 da freguesia da ... e inscrito na matriz cadastral sob o artº 35 da Secção AJ e urbana nº ..84.25. e)

3.1.6. No processo de impugnação fiscal, que correu termos sob o nº 2533/07.9..., foi julgada intempestiva, por sentença proferida a fls. 368/388, a impugnação judicial deduzida pela mãe dos autores contra a liquidação adicional de IRS de 2002. f)

3.1.7. Dessa decisão foi interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, que através do acórdão de 28 de Maio de 2015, proferido no processo nº5246/11, concluiu não ter a impugnante observado o prazo-regra de impugnação dos actos tributários anuláveis, confirmando a decisão proferida pela primeira instância, conforme certidão que se encontra junta aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzida g)

3.1.8. Contra a autora EE, foi instaurado processo de execução fiscal que correu termos junto da ... Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa sob o nº 869/07.8... h)

3.1.9. Os autores instauraram contra M..., Lda, FF, CC e Arch Insurance Company (Europe) a acção que correu termos sob o nº1712/11.9..., no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Central Cível de ... - Juiz ... na qual foi proferida sentença em 07.06.2016, julgando parcialmente procedente a acção, e condenou a sociedade M..., Lda a pagar:

- A quantia de €1.945.312,21 de capital;

- Acrescida de €379.895,49de juros de mora vencidos sobre o referido capital desde a datada citação da ré para a acção até à data da sentença,

- E ainda a quantia correspondente aos juros de mora vincendos, desde esta data, sobre o mesmo capital, calculados à taxa supletiva legal de juros civis, até integral pagamento.

(ii) O acórdão do TR de Lisboa de 30 de Março de 2017, julgou parcialmente procedente o recurso dos autores nessa acção, condenando a ré CC, solidariamente com a ré M..., Lda, no pagamento da quantia de € 1.945.312,21 de capital acrescida de juros de mora no valor de € 379.895,49, vencidos e vincendos, nos termos referidos na sentença de 1ª instância, bem como a ré Arch Insurance Company Europe LDT, limitado ao valor contratual.

(iii) O acórdão do STJ de 15 de Fevereiro de 2018, revogou parcialmente o acórdão referido no ponto antecedente, absolvendo a aí ré CC e a XI Insurance Company. (i))

3.1.10. Em 1 de Junho de 2018 a 1ª ré foi citada na presente acção. (j))

3.1.11. A 1ª ré foi advogada de EE, mãe dos autores, entre 1999 e 2008. ( k)

3.1.12. Em 02 de Novembro de 2006, foi dado conhecimento à ré da notificação da AT e foi-lhe enviada, via fax, a documentação recebida pela mãe dos autores. (m)

3.1.13. Tendo a 1ª ré patrocinado a mãe dos autores no processo que correu termos sob o nº 2533/07.9... junto da 1ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, na sequência de a mãe dos autores a ter contratado, em final do ano de 2006, para impugnar a liquidação das mais valias, vindo a outorgar-lhe procuração forense em 14 de Fevereiro de 2007. n)

3.1.14. Em resultado do facto descrito sob a al. h) foram os autores, enquanto herdeiros, obrigados a pagar o valor correspondente à liquidação do imposto. p)

3.1.15. Tendo sido emitida garantia bancária pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., em nome e a pedido de EE, a favor da Administração Tributária, no valor de 619.346,26 € (seiscentos e dezanove mil trezentos e quarenta e seis euros e vinte e seis cêntimos), a fim de suspender a tramitação processual de tais autos. q)

3.1.16. Essa garantia bancária emitida pela Caixa Geral de Depósitos, S.A, em vigor, desde 30 de Outubro de 2007 até 18 de Março de 2013, estava suportada no penhor de valores mobiliários elencados nos pontos 18.2 e 18.3 do contrato de garantia bancária além de importarem encargos a título de comissões, imposto de selo e juros — suportados pela mãe dos autores e depois por estes — no montante total de 24.038,30 € (vinte e quatro mil e trinta e oito euros e trinta cêntimos) r).

3.1.17. No âmbito da política de revisão de comissões da CGD, esta exigiu uma adenda ao contrato, para manter a Garantia Bancária, que iria elevar as comissões para cerca de 5.000,00 € por trimestre s).

3.1.18. Em resultado desta exigência e, após proposta à Autoridade Tributária (AT), que a aceitou, constituiu a co-autora hipoteca a favor desta dos bens que, na CGD, tinham sido objecto de penhor para suportar a Garantia Bancária t).

3.1.19. A transferência de penhores acrescida da hipoteca de um imóvel como reforço exigido pela AT, acarretou despesas adicionais documentadas de cerca de €4.222,43 u).

3.1.20. Os factos referidos em 3.1.6., 3.1.7., 3.1.14. a 3.1.18. provocaram nos autores desgaste físico e psíquico v), w) e x).

3.1.21. Os autores despenderam 50 406,17 €, assim discriminados:

(i) Adiantamentos à ré, por conta do início do processo fiscal: 16.683,78€;

(ii) Despesas conexas à Garantia Bancária entre 30.10.2007 e 15.10.2009: 24.038,30 € ;

(iii) Aos autores foram ainda facturadas as seguintes importâncias: Imposto de selo pelo penhor a favor da AT: 3.762,43€; Registo de hipoteca a favor da AT da fracção Rua ...: 410,00€ e cancelamento da hipoteca: 50,00€ .

(iv) encargos conexos com o crédito pessoal no valor de € 402 975,90 contratado junto do Santander, a que tiveram de recorrer, para proceder ao pagamento da dívida à AT: €5400,55 (incluindo este valor juros comissões e impostos).1

3.1.22. Em 9 de Junho de 2008, a primeira ré substabeleceu, sem reserva, os poderes conferidos pela mãe dos autores. aa)

3.1.23. À data da citação da ora contestante para a presente demanda, encontrava-se em vigor a apólice de seguro ES00013615EO18A, sendo o limite indemnizatório máximo contratado para o seu período de vigência (0:00 horas do 01 de Janeiro de 2018 às 0:00 de 1 de Janeiro de 2019), fixado em € 150.000,00. cc)

3.1.24. Em 27 de Maio de 2009, por instrumento escrito, DD substabeleceu, sem reserva, na Dra. GG advogada os poderes forenses gerais que lhe haviam sido conferidos por EE, no âmbito do processo nº2533/07.9..., pendente na ... U.O. do Tribunal Tributário de Lisboa. dd)

3.1.25. Foi paga em 17 de Dezembro de 2013 à Autoridade Tributária, a quantia de 404.160,67 €. ee)

E são seguintes os factos considerados não provados no Acórdão recorrido:

l) A mãe dos autores recebeu do preço do imóvel alienado e descrito em e) a quantia de €50.000,00.

o) O prazo de impugnação judicial da liquidação oficiosa levada a cabo pela AT decorreu entre 22 de Janeiro a 22 de Abril de 2007.

bb) Pelo menos, desde 21 de Julho 2011 (data da citação para a acção n.º 1712/11.9...), que a 1ª ré tem conhecimento da possibilidade de vir a ser responsabilizada pelos autores, no âmbito do patrocínio forense.

O DIREITO

Questão prévia: Do objecto do presente recurso

Afirma a recorrente que “[o] STJ pode corrigir qualquer ‘erro na apreciação das provas ou na fixação dos factos materiais da causa" se houver ofensa pelo tribunal recorrido de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 682º, nº 2, e 674º, nº 3, do Código de Processo Civil; Ao não ter reparado a obscuridade das respostas da 1ª instância à matéria em questão, bem como por ter dado como formado um contrato cuja celebração exige a forma escrita, violou o Venerando Tribunal da Relação os seus deveres constantes do disposto no art. 662º do CPC, devendo a decisão ser nesse segmento declarada nula com todas as legais consequências” [cfr. conclusão D)].

Esta conclusão, na sua 1.ª parte, impõe um esclarecimento quanto aos poderes do Supremo Tribunal de Justiça no que respeita à decisão sobre a matéria de facto.

Como é sabido, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece, em regra, de matéria de direito. No que toca à matéria de facto, os poderes do Supremo Tribunal de Justiça sofrem, com efeito, muitas limitações: apenas é admissível ao Supremo conhecer da decisão sobre a matéria de facto a título residual, com o propósito de garantir a observância das regras de Direito probatório material ou de ampliar a decisão sobre a matéria de facto, conforme resulta das disposições do n.º 3 do artigo 674.º e do n.º 3 do artigo 682.º do CPC2.

Mais precisamente, e como se diz no primeiro destes dispositivos, “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais não pode ser objecto de recurso de revista”, só podendo o Supremo Tribunal de Justiça alterar a decisão proferida pelo tribunal recorrido no respeitante à matéria de facto quando, nessa fixação, tenha havido “ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova”.

Quer isto dizer, por outras palavras, que o Supremo Tribunal só pode intervir quando tenha sido dado como provado determinado facto sem que tenha sido produzido o meio de prova de que determinada disposição legal faz depender a sua existência, quando tenha sido dado como provado determinado facto por ter sido atribuído a determinado meio de prova uma força probatória que a lei não lhe reconhece ou quando tenha sido dado como não provado determinado facto por não ter sido atribuído a determinado meio de prova a força probatória que a lei lhe confere3.

É entendimento corrente que, além disto, o Supremo Tribunal de Justiça tem ainda a possibilidade de apreciar o uso que o Tribunal da Relação faz dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662.º do CPC, sendo o “mau uso”4 (uso indevido, insuficiente ou excessivo) susceptível de configurar violação da lei de processo e, portanto, de constituir fundamento do recurso de revista, nos termos do artigo 674.º, n.º 1, al. b), do CPC5.

Nada disto significa – insiste-se – que o Supremo Tribunal esteja autorizado a controlar a decisão sobre a impugnação da decisão da matéria de facto ou a “imiscuir-se” na valoração da prova feita pelo Tribunal recorrido segundo o critério da sua livre e prudente convicção. Estas são actividades que estão e permanecem interditas a este Supremo Tribunal6.

Voltando ao caso, conclui-se que cumpre apreciar da violação do artigo 662.º do CPC, suscitada expressamente na 2.ª parte da conclusão D).

Estando em causa a violação do artigo 662.º do CPC, não se põe a hipótese da dupla conforme. Trata-se, de facto, de uma questão respeitante à exclusiva actuação do Tribunal da Relação, pelo que nunca se poderia falar em conformidade de decisões / dupla conforme.

Isto vale exclusivamente para a questão da violação do artigo 662.º do CPC. Significa isto que o conhecimento de outras questões fica dependente de não se verificar quanto a elas o impedimento do artigo 671.º, n.º 3, do CPC (dupla conforme).

Ora, o que toca à condenação da recorrente em litigância de má fé, sendo ela uma decisão proferida pela primeira vez pelo Tribunal recorrido, não se configura – nunca se poderia configurar – dupla conforme.

E o artigo 542.º, n.º 3, do CPC artigo dispõe:

Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé”.

Quer isto dizer que a condenação em litigância de má fé é recorrível em um grau, o que aqui significa, sendo ela uma decisão proferida pela primeira vez pelo Tribunal recorrido, a sua impugnação é uma questão que pode e deve ser conhecida por este Supremo Tribunal.

Relativamente à arguição de nulidades do Acórdão recorrido, há um obstáculo distinto a superar: ela só pode ser (acessoriamente) conhecida só no caso de o recurso ser admissível relativamente a alguma (outra) questão, pois, como se sabe, as nulidades não são fundamento autónomo ou exclusivo do recurso (cfr. artigo 615.º, n.º 4, do CPC).

No caso concreto, porém, o conhecimento da questão ficou garantido a partir do momento em que se admitiu o recurso relativamente à questão primeiramente mencionada.

Em conformidade com a ordem disposta no artigo do artigo 608.º. n.º 1, CPC, começa-se, justamente, pela questão das nulidades.

1) Da alegada nulidade por excesso de pronúncia e por contradição entre os fundamentos e a decisão

a) A primeira nulidade arguida respeita, no essencial, à decisão de condenação da recorrente em responsabilidade pelo dano de perda de chance.

As alegações que relevam directamente para este ponto são as seguintes:

- “(…) a caducidade do direito à impugnação declarada na acção que correu termos sob o nº 2533/07.9... junto da ... Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa não resultou do exercício do mandato forense da Recorrente, nomeadamente por haver intentado a impugnação em Setembro de 2007, mas do comportamento do aqui A BB na audiência e do exercício do mandato forense por parte da advogada que ao tempo patrocinava a mãe deste, ao deixar levar aos autos, por sua iniciativa, a existência de contactos entre este e a ora Ré, alegando que a mesma estava “contratada” pela contribuinte para o efeito.

- “Todas as doutas considerações nestes autos da sentença de 1ª instância e do Acórdão recorrido constituem excesso de pronúncia e são proferidas em contradição com o facto não provado de que o prazo de impugnação cessara em 22 de Abril de 2007, pois dão como assente que a impugnação da liquidação foi extemporânea e declaram irrelevante que a Ré tenha cessado o seu mandato em 9 de Junho de 2008 (facto 3.1.22)” [cfr. conclusão J)].

Desde logo, deve esclarecer-se que só se aprecia aqui a questão da nulidade do Acórdão recorrido, estando a questão da nulidade da sentença definitivamente excluída do âmbito da revista uma vez que não se trata de um recurso per saltum.

A primeira causa invocada para é o excesso de pronúncia, conforme se prevê no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC.

Nos termos deste preceito, dá-se o excesso de pronúncia quando o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Ora, como pode ver-se, foram tecidas considerações relativas à extemporaneidade da impugnação da liquidação tanto no âmbito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto [a propósito da impugnação dos factos não provados constantes das als. l) e o), que os autores, então apelantes, pretendiam que fossem aditados aos factos como provados] como no quadro da fundamentação de direito, a propósito da causalidade entre a conduta da ré / recorrente e o dano de perda de chance, uma vez que aquela é um requisito da responsabilidade em que os autores pretendiam que a ré / recorrente fosse condenada.

Disto decorre com clareza que Tribunal a quo foi instado a pronunciar-se sobre isto tanto num plano como no outro e, como podia e devia pronunciou-se, não existindo, portanto, pronúncia indevida.

É possível identificar ainda na alegação transcrita a intenção de arguir a nulidade do Acórdão por uma outra causa – a oposição entre os fundamentos e a decisão, que está prevista na al. c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

Mas também por aqui a arguição de nulidade tem de soçobrar.

Dá-se a oposição entre os fundamentos e a decisão quando os fundamentos de facto ou de direito estejam em contradição com a decisão, ou seja, quando os fundamentos de facto ou de direito, ao invés de serem os pressupostos lógicos da decisão, conduziriam a uma conclusão diversa, porventura contrária àquela que se veio a retirar.

Ora, a conclusão de que a impugnação da liquidação é extemporânea está bem explicada – logicamente explicada – na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, podendo ler-se no Acórdão recorrido:

Quem tem competência para fazer a contagem dos prazos no processo de impugnação fiscal é o respectivo Tribunal.

Não compete a este Tribunal fazer a sindicância das decisões ali proferidas a este respeito.

Mais: ainda que este Tribunal entendesse que a contagem dos prazos estava mal efectuada, não só o poder jurisdicional quanto à apreciação de tal questão se encontrava esgotado, como este Tribunal não seria competente em razão da matéria e da hierarquia para apreciar essa matéria.

O Tribunal a quo fundamentou a resposta não provado na ausência de prova documental bastante que permitisse fazer tal contagem. E efectivamente não há documentação bastante para se fazer essa mesma contagem. Mas, ainda que existisse, tal contagem não passaria de uma mero exercício espúrio e destituído de qualquer utilidade.

Porquê? Porque quem tinha/tem competência, para apreciar e decidir sobre tal matéria, fê-lo. E fê-lo em termos que constam já da matéria de facto provada.

Para a verificação do requisito/pressupostos da responsabilidade civil de advogado não tem este Tribunal de aferir do mérito e bondade das decisões já transitadas em julgado.

Assim, para além do Tribunal – como referiu o tribunal a quo – não ter elementos para em consciência fazer uma contagem de prazos no âmbito de uma impugnação tributária, sempre tal seria absolutamente inútil e irrelevante para efeito dos presentes autos.

O que releva para este efeito está provado, essencialmente, nos factos:

3.1.6. No processo de impugnação fiscal, que correu termos sob o nº 2533/07.9..., foi julgada intempestiva, por sentença proferida a fls. 368/388, a impugnação judicial deduzida pela mãe dos autores contra a liquidação adicional de IRS de 2002. f)

3.1.7. Dessa decisão foi interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, que através do acórdão de 28 de Maio de 2015, proferido no processo nº5246/11, concluiu não ter a impugnante observado o prazo-regra de impugnação dos actos tributários anuláveis, confirmando a decisão proferida pela primeira instância, conforme certidão que se encontra junta aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzida g)

O teor das decisões está dado por reproduzido e tanto basta para que o Tribunal tenha por assente a extemporaneidade da impugnação fiscal”.

E está bem – exemplarmente bem – explicada a irrelevância da data da cessação do mandato da ré para a extemporaneidade da impugnação da liquidação na fundamentação de direito, podendo ler-se:

Importa estabelecer a relação de causalidade material entre os danos e a conduta do 1a Ré, consubstanciada no incumprimento contratual do contrato.

Ora o nexo de causalidade nos presentes autos encontra-se na circunstância de a 1.ª Ré ter apresentado a impugnação intempestivamente.

Foi essa apresentação intempestiva que determinou as consequências para a mãe dos Autores e posteriormente para estes.

É completamente irrelevante quer o substabelecimento efectuado em 2008 – numa altura em que o facto culposo desencadeador do incumprimento e causal do desfecho do processo Tributário já havia ocorrido -, como ainda a circunstância de a estratégia seguida no decorrer da impugnação ter sido diversa de uma eventual estratégia delineada pela 1.ª Ré: isto porque a estratégia da 1.ª Ré poderia ter sido a mesma e a invocação dessa pretensa invalidade da citação/notificação ter sido efectuada no prazo de 90 dias! A estratégia da 1.ª Ré não está minimamente relacionada com o prazo! Aliás questionamo-nos: a 1.ª Ré utilizou esta estratégia como verdadeira estratégia processual? Ou utilizou-a porque sabia que estava a deduzir a impugnação de forma extemporânea? De qualquer das formas, facto é que a 1.ª Ré recebe os 1.ºs documentos em finais de 2006, obtém uma procuração em Fevereiro de 2007 e opta por pedir uma certidão informativa apenas em Maio de 2007 (já para além do prazo de impugnação) e impugnar a tributação de mais valias apenas em 12-Setembro de 2007!

A causalidade dos danos (que se analisarão infra) está na circunstância de a 1.ª Ré, munida de informações, de uma procuração da mãe dos Autores, com vista a impugnar liquidação de mais-valias, ter confiado que a arguição da nulidade da citação da mãe dos Autores sempre estaria – no seu ponto de vista - assegurada e, em virtude disso, ter pedido certidão à Autoridade Tributária numa data em que – de acordo com os elementos de que dispunha e na eventualidade de a citação ser considerada validamente efectuada – o prazo de impugnação já havia decorrido na sua totalidade, e não ter interposto atempadamente a impugnação para a qual havia sido, entre outras diligências prévias, contratada.

A decisão a considerar extemporânea a impugnação pode ser posterior a 2008. Mas o facto que desencadeou essa extemporaneidade é contemporâneo do mandato da 1.ª Ré.

Afigura-se-nos, por isso, que nenhuma interrupção no nexo causal se verificou em concreto na situação dos autos. Nem com o substabelecimento, nem com uma eventual mudança de estratégia por parte de mandatário.

Decai por isso o argumento da Ré CC, constante dos pontos XX e segs. das suas conclusões, quando refere que “a sentença pressupõe que a recorrente era responsável pelo decurso do processo de impugnação a partir da data em que a mesma substabeleceu sem reserva os poderes que lhe foram conferidos pela mãe dos recorridos, isto é a 9 de Julho de 2008, no âmbito do referido processo (…) pelo que inexiste qualquer nexo causal entre o comportamento da aqui recorrente e os alegados danos sofridos pelos recorridos…” e, mais à frente na conclusão XXVIII, quando refere “ (…) qualquer nexo causal entre o comportamento processual da recorrente e os alegados danos sofridos pelos recorridos têm obrigatoriamente de ter ocorrido até ao dia 9 de junho de 2008, não lhe sendo imputáveis as vicissitudes dos autos a partir daquela data…”.

Estas conclusões da 1.ª Ré estão eivadas de um erro de raciocínio: de que não lhe são imputáveis quaisquer vicissitudes posteriores ao substabelecimento. Ora, as vicissitudes que venham a ser reconhecidas no processo em momento posterior ao substabelecimento, mas que tenham como causa acto ou omissão culposa praticado em momento anterior pela 1.ª Ré, são-lhe imputáveis. O que vale dizer que é imputável à conduta da 1.ª Ré a sentença que julgou extemporânea a impugnação da liquidação adicional de IRS, como o comprovam os factos:

3.1.6. No processo de impugnação fiscal, que correu termos sob o nº 2533/07.9..., foi julgada intempestiva, por sentença proferida a fls. 368/388, a impugnação judicial deduzida pela mãe dos autores contra a liquidação adicional de IRS de 2002. f)

3.1.7. Dessa decisão foi interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, que através do acórdão de 28 de Maio de 2015, proferido no processo nº5246/11, concluiu não ter a impugnante observado o prazo-regra de impugnação dos actos tributários anuláveis, confirmando a decisão proferida pela primeira instância, conforme certidão que se encontra junta aos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzida g)

3.1.8. Contra a autora EE, foi instaurado processo de execução fiscal que correu termos junto da 2ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa sob o nº 869/07.8... h)

3.1.14. Em resultado do facto descrito sob a al. h) foram os autores, enquanto herdeiros, obrigados a pagar o valor correspondente à liquidação do imposto. p).

Igualmente irrelevantes são as conclusões de recurso a este propósito da Ré XL Insurance SE nas conclusões 6, e 40 e ss. e 58 das suas alegações de recurso: o mandato foi conferido à 1.ª Ré CC. O contrato de mandato com representação que se estabeleceu foi entre a mãe dos Autores e a 1.ª Ré. Se a 1.ª Ré encarregou uma colega de elaborar a impugnação é facto a que a mãe dos Autores e estes são alheios. Não resultando dos autos qualquer situação de co-mandato até Julho de 2008”.

Não há, visivelmente, nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão.

Não é preciso uma leitura muito minuciosa das alegações / conclusões de revista para perceber que, na realidade, aquilo com que a recorrente não se conforma não é com vícios da decisão – que não existem – mas com o sentido da decisão, designadamente, com a sua condenação em responsabilidade pelo dano de perda de chance.

Ora, como a recorrente bem saberá, a discordância com a decisão não é uma razão atendível para a apreciação desta decisão em sede de revista, dados os limites já referidos do artigo 674.º, n.º 3, e 684.º, n.º 3, ambos do CPC e, seja como for, não é fundamento para a arguição da nulidade do Acórdão, com base em excesso de pronúncia ou em contradição entre os fundamentos, e a decisão e, consequentemente, nunca seria fundamento para a declaração da sua nulidade.

b) A segunda nulidade invocada respeita à decisão de condenação da autora / recorrente, desta vez, em responsabilidade por litigância de má fé.

As alegações directamente relevantes para este ponto são as seguintes:

-Os comportamentos imputados à recorrente sobre este segmento, restringem-se ao incidente de intervenção de terceiro da Dra. DD, para estar neste processo em igualdade de posição da ora Ré, pessoa a quem esta substabeleceu sem reserva os poderes que lhe foram conferidos pela Eng. EE para impugnar a liquidação adicional do seu IRS de 2002, sendo que essa matéria foi julgada definitivamente no Apenso A, pro decisão transitada em julgado” [cfr. conclusão O)].

- “(…) estava vedado ao douto tribunal recorrido apreciar o comportamento da Ré nesse incidente, por se haver esgotado o poder jurisdicional (art. 613º nº 1 do CPC), pelo que a decisão é, quanto a esse segmento, nula e de nenhum efeito” [cfr. conclusão P)].

- “ (…) por se haver esgotado o poder jurisdicional no incidente [ ] deve igualmente ser revogado neste segmento o douto acórdão recorrido” [cfr. conclusão T)].

A resposta a esta questão foi dada a instância dos autores que, no seu recurso de apelação, impugnaram a decisão do Tribunal de 1.ª instância de não condenação da ré / ora recorrente como litigante de má-fé [cfr. pontos ggggg) a dddddd) das conclusões do recurso de apelação]. Uma vez que assim é, não é possível concluir-se pelo excesso de pronúncia.

Como explicou o Tribunal recorrido no seu Acórdão de Conferência, foram ponderados para esta condenação os factos que, no entender do Tribunal, deviam ser ponderados. Se foram bem ou mal ponderados é questão que se prende com o mérito mas não conduz à nulidade por excesso de pronúncia.

2) Da alegada violação do artigo 662.º do CPC

As alegações que imediatamente relevam para este ponto são as seguintes:

- “Foi requerido em sede de apelação que o tribunal modificasse as respostas à matéria de facto nos pontos 3.1.12 e 3.1.13, na parte em que se dá como assente que, (1)-Em 2/11/2006 foi dado conhecimento a Ré da “notificação da AT” e lhe foi enviada a documentação recebida pela mãe dos autores; (2) – A mãe dos autores contratou a Ré em final de 2006 para impugnar a liquidação das mais-valias [cfr. conclusão A)].

- “Trata-se de matéria conclusiva e obscura porquanto na data acima referida em (1) consta de fs. 1349 e 1350 que a documentação em causa se tratava apenas da afixação de uma notificação com hora certa. Consta igualmente nos autos por declarações dos ora AA, que nada disseram sobre o assunto à mãe, doente, até final do ano para a não preocupar. É pois materialmente impossível que a mãe dos AA tivesse encarregado a Ré, ainda que e só verbalmente, para tratar de um assunto que desconhecia [cfr. conclusão B)].

- “Acresce que, sendo o mandato forense um negócio formal dependente de prova escrita, estando comprovado nos autos que a mãe dos AA conferiu procuração forense à Recorrente apenas em 14 de Fevereiro de 2007, nunca poderia ter “contratado” esta para impugnar a liquidação das mais-valias em final de 2006, mais a mais desconhecendo a mandante ao tempo a existência dessa liquidação” [cfr. conclusão C)].

- “Ao não ter reparado a obscuridade das respostas da 1ª instância à matéria em questão, bem como por ter dado como formado um contrato cuja celebração exige a forma escrita, violou o Venerando Tribunal da Relação os seus deveres constantes do disposto no art. 662º do CPC, devendo a decisão ser nesse segmento declarada nula com todas as legais consequências” [cfr. conclusão D), 2.ª parte].

Segundo a recorrente, a violação dos deveres do artigo 662.º do CPC advém, em primeiro lugar, da decisão do Tribunal recorrido de não alterar a decisão sobre a matéria de facto no sentido expresso pela recorrente na apelação.

O artigo 662.º do CPC determina na parte relevante:

1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:

a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;

b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;

c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;

d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.

A norma estabelece o poder-dever de o Tribunal da Relação alterar a decisão sobre a matéria de facto quando e na medida em que repute necessário fazê-lo.

Sucede que a decisão do Tribunal a quo quanto à matéria de facto deve-se, muito simplesmente, à circunstância de o Tribunal da Relação não ter “acompanhado” as razões da recorrente para a alteração da decisão sobre a matéria de facto.

Veja-se o que se afirma expressamente no Acórdão recorrido:

Para tomar conhecimento da impugnação da matéria de facto destas duas alíneas, ouviu-se integralmente o depoimento de parte da Ré CC e as declarações de parte do Autor.

No que respeita ao depoimento da Ré Dra. CC não pode o Tribunal deixar de constatar, não obstante a falta de imediatismo inerente à audição das gravações, que as mesmas se pautam e se revestem de um excessivo “controlo” das afirmações/respostas da mesma, passando de afirmações como de que “não se lembra” para uma tentativa de “controlo e gestão” da condução da audiência e produção de prova, chamando a própria à atenção do Tribunal para o que se continha ou não no objecto do depoimento de parte, consoante lhe interessasse ou não responder.

Já as declarações de parte do Autor BB revelaram-se espontâneas (e não controlados ou estudados) merecendo maior credibilidade. Desde a data em que a 1.ª Ré começou a acompanhar a sua mãe, à afixação de documentação na porta da casa da mãe – e que foi o primeiro contacto que teve com a questão –, à forma como deu conhecimento dos mesmos à Ré CC, à 2.ª afixação de notificação na casa da mãe e forma como deu conhecimento do mesmo por fax à Dra. CC, e por último à 3.ª afixação , que teve exactamente o mesmo tratamento (envio à Dra. CC). Quanto à contratação da Dra. CC, referiu que a mesma era advogada dela para todas as questões e que esta – situação fiscal - foi mais uma. A listagem de diligências vai nesse mesmo sentido e corrobora as declarações do Autor, nomeadamente a deslocação às finanças e a reunião no local onde a sua mãe se encontrava internada (D....).

Na ponderação da prova produzida, quer depoimento e declarações de parte -ouvidas integralmente pelo Tribunal –, quer da prova documental, este Tribunal da Relação acompanha a fundamentação do Tribunal a quo quanto à inconsistência do depoimento de parte da Ré CC, afigurando-se que a resposta dada pelo Tribunal aos factos m) e n) é aquele que encontra tradução na prova produzida na sua globalidade.

Mais se diga que, é jurisprudência consolidada que o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados.

E o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha, as declarações de parte, têm de ser conjugados com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova.

Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas – como a prova testemunhal e declarações de parte –, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e o tribunal de 2.ª instância só deve alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando, efectivamente, se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança elevada, que houve erro na 1.ª instância.

Em caso de dúvida, deve, aquele Tribunal, manter o decidido em 1ª Instância, onde os princípios da imediação e oralidade assumem o seu máximo esplendor, dos quais podem resultar elementos decisivos na formação da convicção do julgador, que não passam para a gravação.

No caso dos presentes autos, a audição das gravações do depoimento e declarações de parte nem sequer chegou ao patamar de colocar o Tribunal numa situação titubeante ou de dúvida relativamente ao facto que a Recorrente CC pretende ver alterada no elenco dos factos provados.

Afigura-se-nos por isso, e sem necessidade de maiores considerandos, que não se antevêem razões para, com fundamento nos elementos de prova adiantados pela recorrente se alterar a convicção feita pelo tribunal a quo.

Inexiste assim motivo para alterar a convicção do Tribunal a quo sobre as al. m) e n) mantendo-as no elenco dos factos provados com a mesmíssima redacção dada pelo Tribunal a quo.

Por esta razão, improcede a impugnação da matéria de facto no que a estas alíneas diz respeito7”.

Sendo esta a convicção / motivação expressa do Tribunal da Relação (cujo acerto, pelos motivos já expostos, não cabe a este Supremo Tribunal sindicar), não se verificam os pressupostos que o obrigariam, ou sequer o habilitariam, à alteração da decisão sobre a matéria de facto nos termos pretendidos pela recorrente, pelo que não existe violação do artigo 662.º do CPC.

Segundo a recorrente, a violação dos deveres do artigo 662.º do CPC adviria também da decisão de dar como provado certo facto (existência do mandato forense) sem o meio de prova exigível (documento escrito).

Relativamente a isto, poderia conceber-se a hipótese de a recorrente estar, implicitamente, a alegar uma ofensa de Direito probatório material, caso em que estaríamos, não perante uma violação do artigo 662.º do CPC, mas perante o caso previsto no artigo 674.º, n.º 3, do CPC, o que pressuporia um enquadramento diverso do que a recorrente formalmente lhe dá. O problema, em qualquer caso, é o que esta é uma questão que, sendo embora uma das que o Supremo Tribunal tem, excepcionalmente, poderes para apreciar (conforme explicado atrás), está, em concreto, “afectada” pela dupla conforme, pelo que nunca poderia ser apreciada.

4) Da condenação em litigância de má fé

O primeiro fundamento para a alteração desta decisão é o vício do excesso de pronúncia. Tendo este sido analisado e rejeitado atrás, nada mais há a dizer neste plano.

Subsidiariamente, a recorrente pede ainda que a decisão seja revista com os seguintes fundamentos:

- “Encadeada porventura pelo arrazoado dos AA sobre a questão, ateve-se a decisão à circunstância de, em Contestação destes autos, a ora Ré haver mencionado que fora a Chamada quem subscrevera uma peça processual e que, mesmo após os AA terem juntado aos autos o “doc. 13 em 28-11-2018” persistira na afirmação de que fora a dita Dra. DD quem subscrevera o dito documento” [cfr. conclusão Q)].

-Trata-se, com o devido respeito, de uma confusão grosseira entre o pedido de intervenção da Dra. DD para a vincular ao caso julgado destes autos, que se mantinha válida, e a não verificação de uma circunstância que antes havia sido invocada por desconhecimento e que não correspondia à verdade” [cfr. conclusão R)].

-Naquele recurso para o STJ do Apenso A, que acabou por não ser admitido, apenas se invocou o direito da aqui Ré chamar aos autos, para efeitos de direito de regresso, a advogada a quem substabelecera sem reserva os poderes forenses conferidos pela Eng. EE, sendo irrelevante o destino posterior que a Dra. DD havia dado ao mandato recebido: nunca reafirmando que a mesma tivesse subscrito uma peça processual que a Ré bem sabia na ocasião e só na ocasião que não tinha sucedido” [cfr. conclusão S)].

-Pelo que (…) porque a ora Ré nunca teimou em atribuir dolosamente à Dra. DD a autoria de uma peça processual que esta não subscrevera, deve igualmente ser revogado neste segmento o douto acórdão recorrido” [cfr. conclusão S)].

A litigância de má fé é um instituto que visa sancionar e, portanto, reprimir a “má conduta processual”8.

Mais precisamente, dispõe-se no artigo 542.º, n.º 2, do CPC:

Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.

A conduta sancionada consubstancia-se, então, na dedução de pretensão ou oposição cuja falta ou fundamento não podia ser ignorado, na alteração ou omissão da verdade dos factos relevantes para a decisão da causa, na omissão grave do dever de cooperação ou no uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

Recorde-se a exposição, na parte mais impressiva, que o Tribunal recorrido apresentou para justificar a decisão de condenação da recorrente:

Ao contrário do Tribunal a quo, não se nos afigura que a referência feita pela 1.ª Ré CC à mandatária dos Autores, e as consequências que dessa referência quis extrair no incidente de intervenção de terceiro, tenha sido um lapso. Pode até, num primeiro momento, ter sido um lapso, mas que podia e devia ter sido emendado quando a parte se desse conta de que efectivamente não teria sido a mandatária dos Autores a subscrever o recurso jurisdicional tendente a impugnar de decisão junto do Tribunal Central Administrativo Sul.

(…)

Se a lide e a argumentação da 1ª Ré na contestação da Ré, e até à junção do documento n.º 13 junto pelos Autores em 28-11-2018, podia apenas raiar o temerário, a partir do momento em que foi junto tal documento - que deixava claro não ter sido a Dra. DD a subscrever tal recurso – passou tal lide a qualificar-se como dolosa, na medida em que não só se bate pela manutenção do despacho de 1.ª instância como ainda ensaia uma tentativa de recurso para o STJ, que resultou fracassada.

Não vale tudo! Não pode valer tudo!

A partir desse momento não podia a 1.ª Ré desconhecer a falta de fundamento da sua argumentação quanto à pertinência de intervenção e de responsabilização da Dra. DD.

Fruto da reforma oriunda do decreto lei n.º 329-A/95 de 12/12, o princípio da cooperação passou a constituir um princípio angular do processo civil com expressão no artigo 7º do código de processo civil, com o fito de fomentar a colaboração entre magistrados, mandatários e as partes, e desta feita, obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio. Como reflexo e corolário deste princípio, igualmente com consagração nos artigos 8º e 9º do mesmo diploma, os princípios da boa fé processual e da recíproca correcção exigem que as partes actuem processualmente como pessoas de bem, usando, uma para com a outra, de correcção, honestidade e lealdade.

Litigar em juízo é um ato de intenso significado ético e de uma enorme responsabilidade social.

Por conseguinte, se a parte deduz pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterar a verdade dos factos, omitir factos relevantes para a descoberta da verdade ou omitir gravemente o dever de colaboração, faz uso manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais com o fim de conseguir um objectivo ilegal, qual seja, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem sério fundamento, o trânsito de julgado da decisão, litigando de má fé.

Em qualquer destas situações a má fé deve ancorar em comportamento processual deliberadamente aleivoso e abusivo do recurso à lide (dolo) ou pelo menos num comportamento patentemente temerário ou desleixado em relação aos elementares deveres de boa conduta processual (negligência grosseira).

No caso em apreço, ponderada a conduta processual que emana nos autos e referida supra, afigura-se-nos evidente que a requerente litiga de má fé.

Ora, em concreto, a 1.ª Ré sabia e não podia deixar de saber, ao menos a partir da junção de documentos em 28-11-2018 que:

I - A Dra. DD havia substabelecido sem reserva na Dra. GG em 27-05-2009;

II - Que o recurso da sentença de 11-07-2011 proferida no âmbito do processo 2533/07.9... havia sido apresentado e subscrito pela Dra. GG, e não pela Dra. DD.

Não nos parece que seja possível, ou admissível, ou tolerável, contemporizar com esta actuação processual.

E não pode o Tribunal deixar de fazer a sua parte, que é, in casu, constatar a intolerabilidade de uma actuação processual e aplicar-lhe o regime que a Lei prevê: de outro modo, passaria incólume a "utilização maliciosa e abusiva do processo" feita pela 1.ª Ré, que o entorpeceu e que desrespeita o “interesse público de respeito pelo processo e pela própria justiça”, o qual, por isso mesmo, exige consequências, só assim sendo possível reforçar “a soberania dos Tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça.

Não actuar, não tirar consequências, deixar passar em claro este comportamento seria premiá-lo com a indiferença.

Esta terá de ser a consequência nos presentes autos: a 1.ª Ré não pode deixar de ser condenada como litigante de má fé.

Assim sendo e começando pela concretização do valor da multa por litigância de má fé, há que conjugar o referido n.º 1 do artigo 542.º do Código de Processo Civil, com o artigo 27.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais, de acordo com o qual, “Nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC”.

Nesta concreta quantificação do valor da multa há que ponderar:

- “a maior ou menor intensidade do dolo ou da negligência grave do litigante, a gravidade e as consequências da intenção malévola, o valor e natureza da causa, a situação económico-financeira do litigante de má-fé e a maior ou menor gravidade dos riscos corridos pelos interesses funcionais do Estado”9;

- a função pedagógica que assume, e que consiste na necessidade de desincentivar, em termos gerais, outras litigâncias malévolas, em processos judiciais ( pelo que se a multa imposta a um litigante de má fé for fixada em montante pouco mais que simbólico, perde todo o seu valor sancionatório).

Conforme refere a este propósito Alberto dos Reis 10"o juiz não deve proceder caprichosa e atrabiliariamente; há-de usar do seu prudente arbítrio na fixação do montante da multa", adequando esta à intensidade da má fé do litigante conjugada com as circunstâncias reais e pessoais que aumentem ou diminuam o grau doloso da conduta maliciosa.

De sublinhar, com Paula Costa e Silva, que “a ponderação do comportamento global da parte, constitutivo de um ilícito continuado, deverá ter repercussão directa no montante da multa aplicada à parte. Com efeito, supomos que esta deverá variar em função do comportamento que a parte vai revelando ao longo do processo. Se depois de deduzir uma pretensão ou uma oposição, cuja falta de fundamento não pode deixar de conhecer, reiterar nesta pretensão será merecedora de uma punição mais forte do que merecerá se, depois de praticado o ilícito processual, vier assumi-lo, sujeitando-se aos efeitos do seu comportamento”11.

Assim, em concreto, haverá que verificar, considerar e ponderar todas as circunstâncias presentes no processo, entre as que destacamos:

- a intensidade litigante inerente ao processo;

- a falsa narrativa construída;

- o envolvimento emocional decorrente das relações pessoais e familiares que em tempos uniram as famílias de Autores e 1.ª Ré;

- o objectivo procurado;

- a circunstância de a 1.ª Ré nunca ter “emendado a mão”, inclusive tentando recorrer de revista para o STJ;

- a necessidade de fazer sentir que há condutas que não podem valer a pena nem ser processualmente compensadoras.

Neste contexto, e dentro da moldura indicada, não podemos ficar pelos seus mínimos, tendo-se como ajustado e adequado um valor próximo do meio do seu primeiro terço, assim se fixando a multa em 7 (sete) unidades de conta.

Os Autores peticionam ainda a condenação da 1.ª Ré no pagamento de uma indemnização de € 5000,00 a cada um deles, nos termos dos artigos 542.º, n.º 1 e 543.º do Código de Processo Civil.

A lei "prevê duas modalidades de indemnização: a indemnização simples, que abarca apenas as despesas directamente relacionadas com a conduta maliciosa do litigante, e a indemnização agravada que, a par dessas despesas, cobre ainda outros prejuízos que com a referida conduta estejam numa relação de dependência directa ou indirecta".

Ora, tendo sido peticionada a indemnização e estando assumida e firme a existência de uma conduta de litigância de má fé, essa indemnização terá de ser concedida, fixando-a o Tribunal no montante julgado "mais adequado à conduta do litigante de má fé", nos termos estipulados pelo n.º 2 do artigo 543.º.

Como assinala o Acórdão da Relação de Coimbra de 23 de Junho de 2020 (Processo n.º 2374/19.0T8VIS-A.C1–Alberto Ruço), no “que respeita à fixação da indemnização por litigância de má fé, nos termos do disposto nos n.º 2 e 3 do artigo 543.º do C.P.C., o juiz «com prudente arbítrio», «opta pela indemnização que julgue mais adequada», segundo «o que parecer razoável», depois de «ouvidas as partes», o que implica que não se exija produção formal de provas como ocorre na audiência de julgamento”.

Na sua concretização - como assinalam Abrantes Geraldes-Paulo Pimenta-Luís Filipe Pires de Sousa - “o juiz deve ponderar a gravidade da conduta, não relevando a capacidade económica e financeira do condenado, nem tão pouco o valor da acção”12.

Não havendo elementos para fixação da indemnização os termos do art. 543.º, n.º 1 e 2, nomeadamente as referentes a despesas e honorários, deverá a mesma ser liquidada pela 1.ª instância após cumprimento do disposto no n.º 3 do referido artigo.

Em face do exposto, entende o Tribunal revogar a sentença proferida na parte em que absolveu a 1.ª Ré do pedido de condenação como litigante de má-fé e, em sua substituição condená-la numa multa de 7 UC e numa indemnização a liquidar pela 1.ª instância após cumprimento do disposto no art. 543.º, n.º 3, do CPC”.

Não é muito o que se pode acrescentar.

Tendo em consideração toda a conduta processual da ré / ora recorrente, nomeadamente a circunstância de que, não obstante conhecer ou não poder deixar de conhecer, pelo menos desde a junção do documento pelos autores em 28.11.2018, a falta de fundamentos para a responsabilização de DD, persistiu nesta tentativa, não há dúvidas sobre o acerto da decisão de condenação da ré / recorrente em litigância de má fé.


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III. DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o Acórdão recorrido.


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Custas pela recorrente.

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Lisboa, 3 de Julho de 2025

Catarina Serra (relatora)

Isabel Salgado

Emídio Santos

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1. Alterado para esta redacção em sede de apreciação do recurso de impugnação da matéria de facto (alterações assinaladas a negrito).

2. Sobre isto cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2020 (6.ª edição), pp. 453 e s. e pp. 489 e s.

3. Cfr., neste sentido, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.10.2009 (Proc. n.º 474/04.0TTVIS.C1.S1).

4. Partilha-se a expressão usada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.07.2015 (Proc. 284040/11.0YIPRT.G1.S1).

5. Sobre isto cfr., entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.02.2016 (Proc. 907/13.5TBPTG.E1.S1) e de 30.05.2019 (Proc. 156/16.0T8BCL.G1.S2).

6. Cfr., neste sentido, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.10.2009 (Proc. 1834/03.0TBVRL-A.S1).

7. Sublinhados do Tribunal recorrido.

8. Cfr. António Menezes Cordeiro, Litigância de má fé, abuso do direito de ação e culpa “in agendo”, Coimbra, Almedina, 2014 (3.ª edição), p. 45.

9. Sobre o tema ver Abrantes Geraldes, Temas Judiciários I, Almedina, 1998, páginas 334-335

10. In CPC Anotado, pág. 268.

11. Paula Costa e Silva, A Litigância…, cit., página 590.

12. Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 2.ª Edição, Almedina, 2020, página 618.